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HISTÓRIA DA IGREJA I Professor Me. Flávio Rodrigues de Oliveira Professor Me. Saulo Henrique Justiniano Silva GRADUAÇÃO Unicesumar C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; OLIVEIRA, Flávio Rodrigues de; SILVA, Saulo Henrique Justiniano. História da Igreja I. Flávio Rodrigues de Oliveira; Saulo Henrique Justiniano Silva. Maringá-Pr.: UniCesumar, 2018. Reimpresso em 2022. 236 p. “Graduação - EaD”. 1. História 2. Igreja . 3. Teologia 4. EaD. I. Título. ISBN: 978-85-459-0884-5 CDD - 22 ed. CDD 270 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Impresso por: Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de EAD Willian Victor Kendrick de Matos Silva Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Direção Operacional de Ensino Kátia Coelho Direção de Planejamento de Ensino Fabrício Lazilha Direção de Operações Chrystiano Mincoff Direção de Mercado Hilton Pereira Direção de Polos Próprios James Prestes Direção de Desenvolvimento Dayane Almeida Direção de Relacionamento Alessandra Baron Head de Produção de Conteúdos Rodolfo Encinas de Encarnação Pinelli Gerência de Produção de Conteúdos Gabriel Araújo Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila de Almeida Toledo Supervisão de Projetos Especiais Daniel F. Hey Coordenador de Conteúdo Roney de Carvalho Luiz Designer Educacional Amanda Peçanha Dos Santos Iconografia Isabela Soares Silva Projeto Gráfico Jaime de Marchi Junior José Jhonny Coelho Arte Capa Arthur Cantareli Silva Editoração Fernando Henrique Mendes Qualidade Textual Meyre Barbosa da Silva Helen Braga do Prado Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para liderança e so- lução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho. Cada um de nós tem uma grande responsabilida- de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos- sos farão grande diferença no futuro. Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar assume o compromisso de democratizar o conhe- cimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros. No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” –, o Centro Universi- tário Cesumar busca a integração do ensino-pes- quisa-extensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consci- ência social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade. Diante disso, o Centro Universitário Cesumar al- meja ser reconhecido como uma instituição uni- versitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con- solidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrati- va; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relaciona- mento permanente com os egressos, incentivan- do a educação continuada. Pró-Reitor de Ensino de EAD Diretoria de Graduação e Pós-graduação Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu- nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con- tribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competên- cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessá- rios para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cresci- mento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das discussões. Além dis- so, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendiza- gem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica. A U TO R( ES ) Professor Me. Saulo Henrique Justiniano Silva Saulo Henrique Justiniano Silva é mestre em História (2012 - 2014) especialista em História das Religiões (2010 - 2012), licenciado em História (2006 - 2009) e é doutorando em História (2015 - atual). Todas as titulações obtidas pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Trabalha como Professor concursado na SEED/PR, no Colégio Mater Dei, no Departamento de História da Faculdade Alvorada de Maringá e no curso de Teologia EaD da UniCesumar Tem realizado pesquisas na área de História dos Judeus Ibéricos, História das Mentalidades, Escatologia, Messianismo e Milenarismo em Portugal. É membro do Laboratório de Estudos do Império Português (LEIP/UEM). Para informações mais detalhadas sobre sua atuação profissional, pesquisas e publicações, acesse seu currículo, disponível no endereço a seguir: <http:// lattes.cnpq.br/1524388304369248>. Professor Me. Flávio Rodrigues de Oliveira Flávio Rodrigues de Oliveira é mestre em Filosofia e em Educação, graduado em Filosofia e História. Todas as titulações obtidas pela Universidade Estadual de Maringá. Trabalha como professor no Departamento de História da Faculdade Alvorada de Maringá, no Colégio Magnus Domini e no curso de Teologia EaD da UniCesumar. Também é tutor modalidade EaD do curso de História da Universidade Estadual de Maringá e professor de pós-graduação do Instituto Dimensão - Maringá. Atualmente, suas linhas de pesquisas englobam pesquisas na área de História Antiga e Medieval e Filosofia Política Contemporânea. Para informações mais detalhadas sobre sua atuação profissional, pesquisas e publicações, acesse seu currículo, disponível no endereço a seguir: <http:// lattes.cnpq.br/7747220332204645>. SEJA BEM-VINDO(A)! Olá, futuros teólogos e teólogas, sejam bem-vindos à disciplina de História da Igreja I. Vocês iniciarão a jornada do conhecimento aprofundado sobre os trajetos e percursos que deram origem ao que chamamos de cristianismo moderno. Nosso compromisso é oferecer um conteúdo em que a ciência histórica seja apresentada para além do óbvio. Aqui, as histórias bíblicas serão contempladas, mas procuraremos compreender as nu- ances políticas, econômicas e sociais que, muitas vezes, não foram narradas nos relatos contidos na Bíblia e na tradição cristã. Desde já, cabe um importante esclarecimento: somos historiadores cristãos, com uma cosmovisãode mundo pautada na ética cristã; então, não é nossa intenção a descons- trução de conceitos pré-estabelecidos no que tange às questões relacionadas à fé. Não conseguimos exaurir todas as questões relacionadas à História da Igreja, para isso seria necessária uma coleção de obras sobre a temática, mas, aqui, serão lançadas as semen- tes que te possibilitarão futuras pesquisas em nível de especialização, mestrado e até mesmo doutorado. Este primeiro volume de História da Igreja que você tem em mãos, conta com um vasto período histórico que contempla quase três mil anos, por isso, é inevitável que algumas questões não sejam aprofundadas em sua totalidade. Nele, o período histórico contem- plado é do Chamado de Abraão, há mais de um milênio antes de Cristo, até a Reforma Calvinista, que se dá em meados do século XVI. Na unidade I, tentamos dar ênfase aos acontecimentos que envolvem o Antigo Testa- mento, ou Tanakh, como os judeus chamam esta compilação de livros. Dessa forma, trabalhamos o período patriarcal, dos juízes e dos reis, além do cisma que dividiu Israel em dois reinos e as investidas dos primeiros impérios expansionistas do Oriente Médio sobre a região. Também tratamos de apresentar as tentativas de revoltas populares contra os governos estabelecidos pela força, como foi o caso da Revolta dos Macabeus, que alcançou mui- tos dos objetivos iniciais, mas, quando enfim se colocaram no poder, agiram de maneira tão ou mais cruel com seus conterrâneos, que os próprios estrangeiros na região. Apresentaremos as intrigas entre as famílias, disputas de poder entre irmãos e a ascen- são de um novo Império, agora europeu sobre a região, o Império Romano. Mostrare- mos a ascensão de Herodes, um Idumeu ou edomita que, convertido ao judaísmo, foi o braço direito dos romanos na região. Apesar de braço direito, Herodes, o Grande, como ficou conhecido, trouxe de volta o brilho e o esplendor do grandioso Templo de Salo- mão, lugar sagrado de adoração ao Deus de Israel. Na Unidade II, fazemos uma radiografia das principais correntes políticas e religiosas da região, à pompa dos sacerdotes e grandiosidade do Templo, além do que também apresentamos o início do ministério de Jesus Cristo, os primeiros apóstolos e o preço que pagaram por propagar as Boas Novas do Reino. Neste capítulo, também nos pre- ocupamos em tratar da destruição do Templo Sagrado e da dispersão dos judeus pelo mundo, conhecida como diáspora. APRESENTAÇÃO HISTÓRIA DA IGREJA I Ainda com relação à Unidade II, foi possível uma breve apresentação sobre as in- fluências culturais de outros povos, como os gregos, em um primeiro momento, e, na sequência, os romanos que não foram poucas, diga-se de passagem, e influen- ciaram significativamente o olhar desses cristãos para a sua própria religião. Seja para incorporar ou repelir, as culturas clássicas grega e romana tiveram um papel imprescindível nesses tempos. Para Unidade III, selecionamos a discussão pertinente ao conhecimento da Idade Média e, consequentemente, a relação desse saber com a Igreja. Buscamos, para um compreendimento mais profundo, fazer uma seleção de temáticas e autores. Na medida do possível, podemos dizer que foram as mais importantes. Embora o grau de importância seja um conceito bem relativo, afirmamos essa seleção com base na literatura presente em programas de graduação e pós-graduação do país. Esta escolha nos levou, então, a fazer um panorama geral da Igreja na História, que, diga-se de passagem, é o tema central da nossa disciplina. Com os devidos recortes para o contexto medieval, pudemos selecionar a Patrística num primeiro momen- to, e a Escolástica, num segundo. Paralelamente, buscamos trabalhar os expoentes destas duas concepções que mais se destacaram, a saber, respectivamente, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Adentrando a Unidade IV, a discussão toma uma nova forma. Ainda situados no pla- no de fundo da História da Igreja, apresentamos o período da Idade Média (período de maior participação da Igreja na história) questionando a antiga expressão de que essa era uma idade das trevas. A seguir, ainda dentro da unidade, mostramos as rela- ções que essa instituição criou para se proteger. Destarte, vemos tanto as Cruzadas quanto a Inquisição como mecanismos de proteção da Igreja diante das ameaças externas e internas à fixação da fé no contexto do medievo. Na Unidade V, apresentamos o cenário e os eventos que possibilitaram o advento do movimento reformista, bem como os abusos da Igreja Católica e as transforma- ções vivenciados na Europa do século XVI, deixando claro que o triunfo do movi- mento protestante estava intimamente ligado a questões que vão além da religiosa, pois são de ordem econômica, política e social. Esperamos que este livro possa contribuir na sua formação. Boa leitura! APRESENTAÇÃO SUMÁRIO 09 UNIDADE I A HISTÓRIA DOS HEBREUS: DO PATRIARCA ABRAÃO A HERODES, O GRANDE 15 Introdução 16 O Cenário 19 Abraão e Isaac 29 No Tempo dos Juízes 32 O Período dos Reis 36 Roboão e a Divisão do Reino 39 Dominação Assíria, Dominação Babilônica e Exílio 42 Retorno a Sião: Sob Domínio Persa 44 Período Helenístico 46 Sob Domínio Selêucida 48 Revolta dos Macabeus e a Dinastia dos Asmoneus 51 A Dominação Romana e o Reinado de Herodes, o Grande 54 Considerações Finais 59 Referências 60 Gabarito SUMÁRIO 10 UNIDADE II O INÍCIO DO CRISTIANISMO NO MUNDO ANTIGO E AS SUAS ORIGENS JUDAICAS E GRECO-ROMANAS 63 Introdução 64 O Cenário Político 72 O Nascimento de Cristo e do Cristianismo 80 A Queda de Jerusalém 82 As Influências Gregas no Pensamento Cristão dos Primeiros Séculos 87 O Cristianismo no Mundo Romano: Convergências e Divergências para a Fundamentação da Nova Fé 92 Considerações Finais 98 Referências 99 Gabarito UNIDADE III A IGREJA E OS SEUS INTELECTUAIS: ANÁLISE HISTÓRICA DOS PENSADORES CRISTÃOS 103 Introdução 104 O Intelectual e a Igreja 110 Notas Sobre a Patrística 116 Santo Agostinho: a Fé e a Razão 124 Notas Sobre a Escolástica 129 Tomás de Aquino: a Fé e a Razão SUMÁRIO 11 135 Considerações Finais 141 Referências 142 Gabarito UNIDADE IV AS RELAÇÕES CRISTÃS NA IDADE MÉDIA: UM ESTUDO SOBRE AS CRUZADAS E A INQUISIÇÃO 145 Introdução 146 Notas Sobre a Idade Média 151 Idade Média: Idade das Trevas? 160 A Igreja do Período do Medievo 168 A Igreja e as Cruzadas 173 A Igreja e o Tribunal da Santa Inquisição 180 Considerações Finais 184 Referências 188 Gabarito SUMÁRIO 12 UNIDADE V UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO: A CRISE INSTITUCIONAL DO CATOLICISMO E A REFORMA PROTESTANTE 191 Introdução 192 Angústia Escatológica 195 Economia 198 Absolutismo Monárquico: Habsburgos e Valois 200 Turcos Otomanos 202 As Transformações Religiosas na Europa e a Reforma Protestante 218 Situação Política na Europa Pós-Reforma 221 A “Reforma” Inglesa 224 A Reforma Calvinista 227 Considerações Finais 233 Referências 235 Gabarito 236 CONCLUSÃO U N ID A D E I Professor Me. Saulo Henrique Justiniano Silva A HISTÓRIA DOS HEBREUS: DO PATRIARCA ABRAÃO A HERODES, O GRANDE Objetivos de Aprendizagem ■ Visualizar o cenário em que ocorreram os acontecimentos contidos no período estudado. ■ Compreender o chamado de Abraão e o início da história hebraica. ■ Estudar como se estruturou o período dos juízes. ■ Compreender os acontecimentos que tornaram Israel uma monarquia e os desdobramentos deste período. ■ Mapear os motivos que levaram à divisão do reino em dois. ■ Entender os motivos das invasões das potências regionais sobre a região. ■ Mostrar a volta dos hebreus para Jerusalém, depois de um longo período de exílio. ■ Apresentar a dominação de Alexandre e seus reflexos sobre a região. ■ Compreender como se estruturou a dominação selêucida sobre a região. ■ Entender a Revolta dos Macabeus e a tentativa de seus ancestrais de retornarao centro da vontade de Deus. ■ Estudar a dominação romana sobre a região e a política desenvolvimentista de Herodes, o Grande. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ O Cenário ■ Abraão e Isaac ■ No Tempo dos Juízes ■ O Período dos Reis ■ Roboão e a Divisão do Reino ■ Dominação Assíria, Dominação Babilônica e Exílio ■ Retorno a Sião: sob domínio Persa ■ Período Helenístico ■ Sob domínio Selêucida ■ Revolta dos Macabeus e a Dinastia dos Asmoneus ■ A dominação Romana e o Reinado de Herodes, o Grande INTRODUÇÃO Olá, bem-vindo(a) à Unidade I do livro de História da Igreja I. Esta unidade é crucial para a compreensão dos desdobramentos que se darão ao longo da disciplina. Nela, estudaremos a História de Israel no período bíblico, desde a for- mação da nação, passando pelas divisões e invasões estrangeiras, até chegar no governo de Herodes, o Grande. É importante esclarecer que esta unidade não é sobre o Antigo Testamento, mas sobre a História de Israel, de maneira que, neste momento, não entrarei em particularidades teológicas, apenas apresenta- rei um relato geral sobre os passos que levaram ao surgimento do cristianismo. Aqui, dentre outros assuntos, você aprenderá as diferenças entre hebreus e judeus, porque os samaritanos não eram bem recebidos pelos judeus, quem cons- truiu o Templo em Jerusalém, a mando de quem foi destruído, quem reconstruiu e quem o embelezou, quem eram os idumeus, os fariseus, os saduceus, dentre tantas outras questões. A bibliografia utilizada nesta unidade foi bem diversificada, contando com historiadores, teólogos, literatos, um filósofo e um rabino. Entre os historiado- res, estão Simon Schama, Ruth Leftel, Zwi Werblowsky e Martinus Beck, entre os teólogos estão Claude Tassin e Antônio Renato Gusso, os literatos Moacyr Scliar e Moacir Amâncio, o filósofo Luiz Felipe Pondé e o rabino Raymond Scheindlin. Também foram usadas três versões distintas da Bíblia: a de Jerusalém, a King James e a Almeida. As versões foram escolhidas para melhor compreensão, de modo que tentei expor a melhor versão em momentos específicos. Outro assunto de extrema importância foi a tentativa de expressar cientifi- cidade ao longo da unidade, de forma que algumas temáticas tratadas nela não estão contidas de forma explícita na Bíblia, mas são frutos de estudos arqueo- lógicos e etnológicos sobre os povos do crescente fértil e, principalmente, sobre os antigos hebreus. Bons estudos! Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 15 A HISTÓRIA DOS HEBREUS: DO PATRIARCA ABRAÃO A HERODES, O GRANDE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E16 O CENÁRIO Pouco sabemos sobre a história dos hebreus anterior a dos patriarcas, as escritu- ras não nos dão detalhes pormenorizados deste período. Da criação do mundo, passando pela queda do homem, dilúvio, até chegar a Abraão são apenas onze capítulos que representam mais de 4.000 anos de história (GUSSO, 2003). O lei- tor desatento pode até cometer erros graves ao afirmar certa proximidade entre o período patriarcal e a fundação do mundo, por isso, é importante esclarecer que nos pautamos em referenciais bíblicos, e não em perspectivas arqueoló- gicas, pois, baseados nelas, do surgimento australopithecus afarensis, um dos primeiros hominídeos, até o período patriarcal, seriam calculados, pelo menos, 3 milhões de anos. Para situarmos o período em que os patriarcas viveram, vale uma breve contextualização da região por onde passaram. A narrativa bíblica do Antigo Testamento, ou da Tanakh, como é conhecida pelos judeus, passa-se, eminen- temente, na região chamada de crescente fértil, uma vasta área que engloba o nordeste da África, passando pela Turquia, Palestina, Jordânia, Líbano, Síria e Iraque, e é marcada, sobretudo, pela pequena fertilidade em meio a regiões desér- ticas, proporcionada pelas cheias de rios, como o Nilo, na África, o Jordão, na Palestina e Jordânia e o Tigre e Eufrates, no atual Iraque, antiga Mesopotâmia. Na região do crescente fértil, estabeleceram-se grandes civilizações, entre as quais podemos citar a egípcia e a mesopotâmica. A egípcia, estruturada no V milênio a.C., cerca de dois mil anos antes de Abraão, e a mesopotâmica, mais antiga, estruturada no VII milênio a.C. Ambas organizaram-se produtivamente a partir das cheias e secas de rios. Já do ponto de vista político, essas sociedades estruturaram-se de modos diferentes. No Egito, por exemplo, o Faraó foi a figura O Cenário Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 17 que centralizou todo o poder e era considerado um deus; já na Mesopotâmia, pela multiplicidade de povos e línguas, não houve uma figura centralizadora, existiam reis que governavam cidades-estados e eram, por sua vez, representan- tes dos deuses, não a encarnação de um. Para compreensão do período patriarcal, vale explanação um pouco mais aprofundada sobre a Mesopotâmia. A palavra Mesopotâmia vem do grego “entre rios”, uma vez que as civiliza- ções desta região estabeleceram-se entre os rios Tigre, na parte ocidental, e o Eufrates, na oriental. Ali, estabeleceram-se diversas civilizações, dentre as quais podemos citar a dos sumérios, dos acádios, dos caldeus, dos amoritas e dos assí- rios. Cada povo tinha sua língua, sua cultura, suas leis, seus deuses e suas cidades que funcionavam, antes do estabelecimento de grandes impérios na região, como unidades político-administrativas autônomas. Cada povo tinha características próprias, como os sumérios, que ficaram conhecidos pela invenção da escrita cuneiforme, os amoritas, que organizaram o primeiro código de leis escritas: o famoso código de Hamurabi, ou mesmo os assírios, que ficaram conhecidos pela crueldade empregada contra seus ini- migos. As cidades mesopotâmicas também se destacavam pela suntuosidade, como Nínive, a principal cidade assíria, ou mesmo Babilônia, que fora centro de disputas de diversos impérios, como o dos acádios, dos amoritas, dos assí- rios, dos caldeus e, posteriormente, dos medo-persas. Aqui também vale uma menção especial à cidade de Ur, no sul da região, que fora fundada pelos sumé- rios, possivelmente no IV milênio a.C., mas que ficou imortalizada como umas das principais cidades caldeias, como mostrado na narrativa bíblica de Gênesis. NO TEMPO DOS PATRIARCAS É em Ur dos Caldeus que inicia a história bíblica dos patriarcas. Na cidade, vivia Terá, um escultor de ídolos, descendente de Sem, filho de Noé e pai de Abrão, Naor e Harã. Ainda em Ur, vivenciou o falecimento de seu filho Harã e, depois deste episódio, parte com seu filho Abraão, sua nora Sarai e seu neto Ló, filho de Harã, para Canaã. A HISTÓRIA DOS HEBREUS: DO PATRIARCA ABRAÃO A HERODES, O GRANDE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E18 Terá não chegou à terra de Canaã, tendo falecido no caminho, na cidade de Harã, no sul da atual Turquia. Possivelmente, a cidade tenha recebido este nome em homenagem ao filho falecido em Ur. Foi em Harã que Deus fez o pacto com Abrão, o primogênito de Terá. Ora, o SENHOR disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. Eu farei de ti um gran- de povo, eu te abençoarei e engrandecerei o teu nome; sê uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem, amaldiçoarei os que te amaldiçoa- rem. Por ti serão benditos todos os clãs da terra (BÍBLIA DE JERUSA- LÉM, Gênesis 12, 1-3). O capítulo doze do livro de Gênesis, ou Bereshit, como é conhecido na tradição judaica, inaugura o período patriarcal, que é descrito do décimo segundo capí- tulo de Gênesis ao primeiro capítulo do Êxodo, ou Shemot, na Torá, algoque, cronologicamente, abrange cerca de 700 anos (SCHEINDLIN, 2003). O que marca significativamente o período patriarcal é a tentativa de con- solidação dos hebreus em Canaã e a luta pela unidade religiosa monoteísta de seus descendentes. Economicamente, esse período caracteriza-se pela criação de pequenos rebanhos e pela agricultura de subsistência. Abraão E Isaac Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 19 ABRAÃO E ISAAC O primeiro patriarca foi Abrão, cujo nome significa “Pai nas alturas”. Casado com Sarai, foi escolhido por Deus para pos- suir Canaã. Historicamente, ele é conhecido como o primeiro Hebreu. A palavra Hebreu assume diversos significados, que podem ser desde habitante de Hebron, cidade Palestina, ou mesmo peregrinos, fazendo alusão ao caminho que o patriarca percor- reu até chegar à Terra Santa. Abrão recebeu de Deus a ordem, como narrado no versículo anteriormente apresentado, mas como ser pai de uma grande nação quando sua esposa é estéril? Para validar a ordem divina, o patriarca, a mando de sua esposa Sarai, deita-se com a concubina egípcia Agar e desta relação nasce Ismael, que pode ser tradu- zido como “Deus escutou”. Porém os planos do Criador em fazer de Abrão pai de uma grande nação, não contava um filho bastardo. No capítulo dezessete de Gênesis, Deus muda o nome do patriarca de Abrão, que significa “pai nas alturas”, para Abraão, que se traduz como “pai das nações”, e ainda, neste mesmo contexto, muda o nome de sua esposa Sarai, que em tra- dução livre pode ser “minha princesa”, para Sara, “princesa”. Esta mudança de nome teve por objetivo marcar uma transformação na vida da matriarca, que passou de estéril à fértil. O capítulo dezessete também marca o chamado Pacto Abraâmico, uma aliança eterna entre o Criador e seus descendentes: [...] a ti, e à tua raça depois de ti, darei a terra em que habitas, toda a ter- ra de Canaã, em possessão perpétua, e serei o vosso Deus. Deus disse a Abraão: Quanto a ti, observarás a minha Aliança, tu e tua raça depois de ti, de geração em geração. E eis a minha Aliança, que será observada entre mim e vós, isto é, tua raça depois de ti: Todos os vossos machos A HISTÓRIA DOS HEBREUS: DO PATRIARCA ABRAÃO A HERODES, O GRANDE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E20 sejam circuncidados. Fareis circuncidar a carne de vosso prepúcio, e esta será o sinal da Aliança entre mim e vós. Quando completarem oito dias, todos os vossos machos serão circuncidados, de geração em geração. Tanto o nascido em casa quanto o comprado por dinheiro a algum estrangeiro que não é de tua raça, deverá ser circuncidado o nas- cido em casa e o que for comprado por dinheiro. Minha Aliança, estará marcada na vossa carne como uma Aliança perpétua. O incircunciso, o macho cuja carne do prepúcio não tiver sido cortada, esta vida será eliminada de sua parentela: ele violou minha aliança (BÍBLIA DE JE- RUSALÉM, Gênesis 17, 8 -14). Ainda em nossos dias, o Pacto é celebrado entre os judeus na cerimônia da Brit Milá, que acontece como observância da lei no oitavo dia do nascimento de um menino. A criança tem, nesse ritual, o prepúcio cortado como marca da aliança entre o Eterno e seus descendentes. Os primeiros a cumprirem o Pacto foi o pró- prio Abraão, que na ocasião tinha 99 anos, e seu filho primogênito Ismael, que tinha 13 anos. A tradição cristã não incorporou tal ritual por entender que esta aliança foi feita com os filhos de Abraão, e Jesus Cristo representa a Nova Aliança. O próprio apóstolo Paulo, um dos fundadores da Igreja, admoesta da necessi- dade de circuncidar a alma, e não mais o corpo (Rm 2, 25 - 29; Fl 3,3; Cl 2, 11). Como prometido, o Senhor visitou Sara, e ela deu à luz Isaac, que fora cir- cuncidado com oito dias, como ordenado no Pacto. Ele era o filho da promessa, e, neste contexto, Agar e Ismael foram postos para fora de Canaã, em um pri- meiro momento por determinação de Sara e depois por permissão divina. Agar e seu filho habitaram no deserto da Arábia, tendo o menino se tornado flecheiro, e ela agricultora. Segundo a tradição islâmica, Ismael foi o filho da promessa, não Isaac, e o pai da nação árabe, sendo reconhecido como um dos vinte e seis profetas do Islã, o derradeiro e mais importante para a religião Muhammad, ou Maomé. Outro episódio importante foi narrado no capítulo vinte e dois do Gênesis, quando Deus pede para que Abraão sacrifique seu filho Isaac como holocausto, na terra de Moriá. O patriarca, prontamente, ouviu os desígnios divinos e, logo pela manhã, como narra o capítulo: “Abraão se levantou cedo, selou seu jumento e tomou consigo dois de seus servos e seu filho Isaac. Ele rachou a lenha do holo- causto e pôs a caminho para o lugar que Deus lhe havia indicado” (BÍBLIA DE JERUSALÉM, Gênesis 22,3). Abraão seguiu exatamente o mandamento de Deus, por mais que isso pudesse representar o “ato mais hediondo imaginável por um Abraão E Isaac Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 21 ser humano” (AMÂNCIO, 2010, p. 14). Quando estava a chegar nas vias de fato, o patriarca ouve a voz de Deus por meio de um anjo, que lhe diz: Não estendas a tua mão contra o rapaz!” − ordenou o Anjo “Não lhe faças nada! Agora bem sei que temes a Deus, porquanto não me negaste teu amado filho, teu único filho!” Em seguida, tendo Abraão erguido os olhos, viu atrás de si um carneiro preso pelos chifres entre os arbustos; tomou Abraão o carneiro e o ofereceu em holocausto, em lugar de seu filho ( BÍBLIA KING JAMES, Gênesis 22,12-13,[2017], on-line)1. Este episódio tornou-se um dos mais icônicos da Bíblia e da literatura extra bíblica, por exemplo, no livro de Hebreus, no capítulo onze, na galeria dos heróis da Fé, o autor escreve: [...]foi pela fé que Abraão, tendo sido provado, ofereceu Isaac; ofereceu o filho único, ele que recebera as promessas, ele, a quem fora dito: É por Isaac que uma descendência te será assegurada. Mas ele dizia: Deus é capaz também de ressuscitar os mortos. Por isso, recuperou seu filho, como um símbolo (BÍBLIA DE JERUSALÉM, Hebreus 11, 18 – 19). A fé de Abraão nesse episódio também foi tema do livro Temor e Tremor do existencialista dinamarquês Søren Kierkegaard, que se dedica “exclusivamente a examinar o episódio e designa Abraão, pela sua dedicação incondicional a Deus, comprovada no caso do sacrifício, como o cavaleiro da Fé por excelência” (AMÂNCIO, 2010, p. 15). Abraão habitou a terra de Canaã até o fim de sua vida. O capítulo vinte e três do livro de Gênesis mostra-nos a morte de Sara e a compra de um campo para sepultá-la. Esse campo, hoje, é chamado de Machpelá, ou apenas Túmulo do Patriarcas, localizado na região de Hebrom, na atual Cisjordânia, onde tam- bém estão sepultados o próprio Abraão e seus descendentes, Isaac e sua esposa Rebeca e Jacó e sua primeira esposa Lia. Por ter sido comprado, ainda hoje, judeus justificam a expulsão de árabes, que há séculos vivem na região, por esta perícope da Bíblia. A HISTÓRIA DOS HEBREUS: DO PATRIARCA ABRAÃO A HERODES, O GRANDE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E22 Figura 1- Machpelá Fonte: O bible.org ([2017], on-line)2. Isaac herdou tudo quanto pertencia a seu pai, inclusive as promessas de Deus. Fora casado com Rebeca, que gerou seus dois fi lhos, os gêmeos bivitelinos Esaú e Jacó. Durante seu patriarcado, aumentou sua riqueza pessoal e “chegou a agir como uma espécie de chefe de Estado ao fazer aliança com os fi listeus” (GUSSO, 2003, p. 11). Levando em consideração os feitos de seu pai, Isaac por si só não representou uma fi gura de destaque no panorama bíblico do antigo testamento, no entanto de Esaú e Jacó, seus fi lhos, nãoposso dizer a mesma coisa. O nascimento de Esaú e Jacó fi cou marcado na tradição bíblica por uma peculiaridade; Esaú, o primogênito, saiu do ventre com seu irmão segurando seu calcanhar, daí o nome do seu irmão, Jacó, que se traduz por “aquele que segura o calcanhar”, que também pode se referir a “enganador”. Este episódio foi ape- nas uma prévia do que Jacó faria. Abraão E Isaac Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 23 JACÓ Jacó, o preterido de seu pai e o preferido de sua mãe, envolveu-se em um dos epi- sódios mais constrangedores da narrativa bíblica. Na cerimônia preparada para a investidura da bênção ancestral a seu irmão, que pela tradição receberia toda a herança por ser primogênito, Jacó enganou seu pai, que estava velho e debili- tado, e se passou por seu irmão, isso com a benção de sua mãe, que manipulou a situação. Esse episódio pode ser lido no capítulo vinte e sete do livro de Gênesis. Jacó, o terceiro patriarca, jurado de morte por seu irmão e “devidamente” abençoado por seu pai, partiu para Harã, onde se refugiou na casa de Labão, seu tio. Foi na cidade onde morrera Terá que o enganador foi enganado. A narrativa bíblica mostra-nos que Jacó propôs a Labão o trabalho de sete anos em troca da mão de sua filha Raquel, e seu tio prontamente aceitou a proposta. Passados sete anos, Labão ofereceu a mão de Lia, sua filha mais velha, quebrando, assim, o contrato com o sobrinho. Para consolidar a união com a amada Raquel, foi obrigado a trabalhar mais sete anos. Com Lia, Jacó teve seis filhos: Rúben, Simeão, Levi, Judá, Isaacar e Zebulom, com Zilpa, concubina de Lia, Gade e Aser, com Bila concubina de Raquel, Dan e Naftali e com Raquel, José e Benjamim, filho este que não conhecera sua mãe, pois morrera em seu parto. Sem dúvida, um momento marcante para o desenvolvimento desta histó- ria foi o episódio do vau de Jaboque, quando, após uma luta com “um homem” (Gn 32,24), Jacó teve seu nome trocado para Israel, que significa “aquele que lutou com Deus e com os homens e prevaleceu”. Do núcleo familiar de Israel, teremos o surgimento das doze tribos, sendo seus descendentes também conhe- cidos como israelitas, traduzidos por filhos de Israel. É importante termos claro que a promessa da posse da terra, feita ao patriarca Abraão, não se cumpriu nele, mas em sua descendência. Gusso (2003) esclarece que para os antigos hebreus, diferente dos cristãos, não existiam expectativas para o que aconteceria depois da morte, “a não ser a continuidade da vida em seus descendentes. Sendo assim, na mentalidade deles, quando o descendente rece- besse o cumprimento da promessa, também o seu ascendente a receberia” (p. 12). É bem sabido que a presença hebreia na Palestina inicia-se com a chegada A HISTÓRIA DOS HEBREUS: DO PATRIARCA ABRAÃO A HERODES, O GRANDE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E24 do patriarca Abraão, mas vale ressaltar que a região não era um vazio demográ- fi co e que outros povos já haviam se estabelecido ali. Os chamados cananeus, que podem representar genericamente diversos povos, desde os hititas, como citado no episódio da compra da Machpelá, passando pelos amoritas e jebuseus, com- partilharam a região nesse mesmo período, de modo que a hegemonia israelita na região deu-se durante um período pequeno da História, que vai aproximada- mente de 1020 a.C. a 922 a.C., durante a época do reino unifi cado. Os compêndios historiográfi cos, ao citarem a região, não falam em Canaã, mas Palestina, que signifi ca terra dos Filisteus. De maneira geral, em Canaã, a geografi a do estabelecimento dos patriar- cas antes do exílio egípcio era desta maneira: “Abraão viveu em Manre, que é Hebrom, ao sul de Jerusalém (Gn 23: 18); Isaac, perto de Bersabéia (Gn 26:23) e Jacó, depois que voltou de Harã, perto de Salém e Betel (Gn 23:18; 25, 1)” (BEEK, 1967, p. 21). Figura 2 - As viagens dos patriarcas Fonte: wol ([2017], on-line)3. Abraão E Isaac Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 25 A HISTÓRIA DE JOSÉ O fechamento da história dos Patriarcas em Canaã se deu no episódio da vida do décimo primeiro filho de Jacó, José. José, um dos filhos de Raquel e muito querido por seu pai (aqui vale um adendo, pois parece que a predileção aberta era uma característica dos patriarcas, Abraão preferiu Isaac a Ismael, Isaac pre- feriu Esaú e Rebeca Jacó e Jacó a José) suscitou o ódio de seus irmãos ao tornar público seus sonhos, por conta disso fora vendido como escravo para o Egito e dado por devorado por uma fera para seu pai, que não sabia do ocorrido. No Egito, de escravo, José foi transformado em governador, lá reencontra sua família, perdoa-os e convida-os para deixar Canaã e viver no Egito. Aqui tem início o período do exílio egípcio na História de Israel. Não há registros históricos sobre a figura de José e sua família no Egito para além da narrativa bíblica. As suposições levantas é que “por algum tempo, o Egito esteve sob o jugo dos hicsos (que provavelmente vieram da Mesopotâmia) e que os egípcios preferiram silenciar sobre este período de dominação estrangeira” (BEEK, 1967, p. 23). O frutífero teólogo estadunidense John Bright em sua obra “História de Israel” também afirma que: [...]os patriarcas entraram no Egito na época em que que este era do- minado pelos hicsos. Isto explicaria, em parte, a benevolência demons- trada para com Jacó e seus filhos, pois existe a possibilidade destes con- quistadores, semelhante aos antepassados do povo de Israel serem de origem semítica (apud GUSSO, 2003, p. 13). Como não há referência a José e seus familiares, também não há sobre Moisés, o libertador e criador da religião. Entenda-se aqui como fundador da religião hebreia enquanto um corpo de regras pré-estabelecidas, apesar da revelação do Criador ao Patriarca Abraão, o período anterior a Moisés, caracteriza a religião como tradições de povos seminômades do Oriente Médio que se diferenciava dos demais por conta de suas crenças monoteístas em um mar de paganismo. A HISTÓRIA DOS HEBREUS: DO PATRIARCA ABRAÃO A HERODES, O GRANDE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E26 MOISÉS: O LIBERTADOR Conta-se na narrativa bíblica que Moisés era um hebreu da tribo de Levi nascido no Egito durante o período de opressão. No capítulo primeiro de Êxodo a Bíblia apresenta-nos que de hóspedes o povo de Israel havia se tornado escravo, neste contexto o bebê Moisés fora colocado no Nilo por sua mãe Joquebede que temia sua morte, pois, concomitante a seu nascimento, foi decretado uma lei faraônica para que todo filho recém-nascido de hebreu fosse morto. Moisés foi retirado do rio pela filha do Faraó e amamentado por sua mãe que era serva da mulher. Moisés viveu como um príncipe do Egito até o momento em que mata um oficial que atentou contra a vida de um hebreu, fato este que o fez fugir do Egito para o deserto de Midiã, onde se casou com Zípora, filha do sacerdote Reuel. Cuidando das ovelhas de seu sogro no deserto Moisés tem o decisivo encon- tro com o Deus de seus ancestrais: [...]e apascentava Moisés o rebanho de Jetro, seu sogro, sacerdote em Midiã; e levou o rebanho atrás do deserto, e chegou ao monte de Deus, a Horebe. E apareceu-lhe o anjo do Senhor em uma chama de fogo do meio duma sarça; e olhou, e eis que a sarça ardia no fogo, e a sarça não se consumia. E Moisés disse: Agora me virarei para lá, e verei esta grande visão, porque a sarça não se queima. E vendo o Senhor que se virava para ver, bradou Deus a ele do meio da sarça, e disse: Moisés, Moisés. Respondeu ele: Eis-me aqui. E disse: Não te chegues para cá; tire os sapatos de teus pés; porque o lugar em que tu estás é terra santa. Dissemais: Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó. E Moisés encobriu o seu rosto, porque temeu olhar para Deus. E disse o Senhor: Tenho visto atentamente a aflição do meu povo, que está no Egito, e tenho ouvido o seu clamor por causa dos seus exatores, porque conheci as suas dores ( BÍBLIA SAGRADA, Êxodo 3,1-7,[2017], on-line)4. Aqui vemos a renovação da aliança com seus ancestrais, Abraão, Isaac e Jacó,“demonstrando assim que ela continuava válida para a sua posteridade, já se referiu a eles como povo” (GUSSO, 2003, p. 21). Moisés foi levantado para tirar os hebreus do cativeiro egípcio: “Vem agora, pois, e eu te enviarei a Faraó para que tires o meu povo (os filhos de Israel) do Egito” (BÍBLIA SAGRADA, Êxodo 3,10,[2017], on-line)4, apesar da relutância e ajudado por seu irmão Arão, Abraão E Isaac Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 27 pois, segundo a tradição hebraica, Moisés era gago, parte para o Egito a fim de cumprir as ordens divinas. A Bíblia não designa qual Faraó receberá Moisés, mas existe uma indicação para Ramsés II. Segundo Beek (1967), a suposição baseia-se no capítulo 1, 11: [...] que menciona as cidades do tesouro faraônico, Fitom e Ramsés. Esta foi fundada pelo Faraó Ramsés II (1290 – 1224 a.C.). Com tais referências, muitos estudiosos concluíram que Ramsés II deve ter sido o Faraó que oprimiu os israelitas (p. 27). Moisés encontrou dificuldades diante do Faraó, de certa forma, isso já era previsto, pois o próprio Deus, no episódio da sarça ardente, havia falado do endure- cimento do coração do líder egípcio. Foi necessário algum tempo para que o monarca egípcio liberasse a saída dos hebreus, tempo esse marcado por suces- sivas audiências e por uma série de pragas enviadas por Deus, que foram: (1) Transformação de água em sangue; (2) Reprodução de rãs em abundância; (3) Infestação de piolhos em homens e gado; (4) Enxame de moscas; (5) Animais tomados por pragas; (6) Úlceras e tumores em homens e animais; (7) Chuvas de pedras; (8) Infestação de gafanhotos; (9) Trevas sobre todo o Egito e (10) morte O Talmud (texto importante do judaísmo, junto com os Midrashim) diz que Moisés ficou gago porque, quando jovem, no Egito, teria colocado na boca uma brasa, que deixou sua língua pesada. Conta-se que alguns do palácio do Faraó julgavam Moisés uma ameaça (lembramos que ele cresceu no pa- lácio do faraó) e o acusavam diante do soberano. O faraó, então, disse: Faça- mos uma prova. Vamos dar a ele uma pepita de ouro e uma brasa para que ele a coloque na boca. Se ele pegar o ouro significa que é uma ameaça, e se pegar a brasa, quer dizer que é inofensivo. Iluminado por Deus, pegou a brasa, queimando a língua e enganando o Faraó”. Para saber mais, acesse o link disponível em: <http://www.abiblia.org/ver. php?id=7320>. Fonte: o autor. A HISTÓRIA DOS HEBREUS: DO PATRIARCA ABRAÃO A HERODES, O GRANDE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E28 de todos os primogênitos entre pessoas e animais. Apenas após a morte de seu filho, no último episódio, Faraó libertou o povo. Não há relatos fidedignos de quantos hebreus saíram do Egito. A narra- tiva bíblica estima cerca de 600 mil homens (Êxodo 12,37), somando crianças e mulheres, este número poderia triplicar e ficar em torno de 1 a 3 milhões almas. A figura de Moisés é de extrema importância para se compreender a história da nação israelita, sua cultura, seus costumes nutricionais e, principalmente, suas leis. O levita nascido no Egito foi o autor dos cinco primeiros livros do Antigo Testamento (Pentateuco), ou Torá (lei) na tradição hebraica, textos que contêm preceitos que norteiam a fé judaica até nossos dias. É natural pensarmos nos 10 Mandamentos, escritos pelo próprio Deus no Sinai, como a base ética e moral dos descendentes de Abraão. De fato, não há leviandade neste pensamento, mas para além do decálogo, o Pentateuco/Torá apresenta 613 mitzvot (mandamen- tos), 603 mandamentos incluem normas de restrição alimentar, ritos fúnebres e relacionamentos social e conjugal, mas os famosos Mandamentos do Sinai, que se tratam de um “conjunto de obras cosmogônicas, histórias, de sabedoria, pro- fecia e poesia místicas” (PONDÉ, 2015, p. 14). Para grande parte dos estudiosos que se ocupam da temática a saída do Egito e a formação de um corpo, normas e regras formaram, definitivamente, a ideia de uma nação de Israel. Beek (1967, p. 26) afirma que: [...] a única menção egípcia a respeito de Israel é a inscrição em um marco comemorativo da vitória do Faraó Menefta sobre os líbios, cerca de 1220 a. C. Esta inscrição liga Israel a Canaã, Gezer e Yenoam, mas enquanto estas regiões são descritas por um hieróglifo significando “país”, Israel é representado pelo símbolo de “povo”. Daí podemos con- cluir que, cerca de 1220 a. C., Israel tornou-se uma nação. Foram 40 anos no deserto até alcançarem definitivamente a Terra Santa, anos marcados pelo juízo de Deus, que utilizou das intempéries geológicas e da seca como utensílios de conserto de um povo marcado por mais de 400 anos de cati- veiro egípcio. Simon Schama (2015, p. 26) em sua História dos Judeus, à procura das palavras 1000 a.C. – 1492 d. C. afirma que: [...]Os autores bíblicos apresentaram o êxodo do vale do Nilo, o fim da escravidão no estrangeiro, como o processo no qual os judeus se torna- ram plenamente israelitas. Viram a jornada como uma ascensão, tanto No Tempo dos Juízes Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 29 topográfica quanto moral. Foi em cumes altos e pedregosos, paradas no caminho para o céu, que YHWH[1] – como grafavam Iahweh – havia Se mostrado (ou pelo menos mostrara Suas costas), fazendo o rosto de Moisés queimar e resplandecer com a radiação refletida. Moisés, o libertador, não liderou o povo na conquista de Canaã, tarefa que ficou a cargo de Josué que juntamente com Calebe foram os únicos hebreus nascidos no Egito que herdaram a Terra Santa, os outros morreram, ou nasceram durante o período do deserto. NO TEMPO DOS JUÍZES Israel, no tempo do estabelecimento em Canaã, estava organizado em tribos, como já citado e essas representavam os filhos de Jacó. No entanto, vale ressal- tar que a tribo de José deu origem a duas tribos que representavam seus filhos, Efraim e Manassés, e a tribo de Levi não recebeu terras, pois a narrativa bíblica, em Josué 13,33, apresenta que “à tribo de Levi, Moisés não deu herança; o Senhor Deus de Israel é a sua herança, como já lhe tinha falado”. Dentro das tribos exis- tia a subdivisão dos clãs, A HISTÓRIA DOS HEBREUS: DO PATRIARCA ABRAÃO A HERODES, O GRANDE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E30 [...] formados por famílias estendidas (bet’ab, “casa paterna”). A família (bet’ab) era a “família grande” ou família estendida, formada pela des- cendência de um ancestral comum ao longo de três ou quatro gerações (PETERLEVITZ, 2005, p. 11). Dessa forma, tornam-se mais claras algumas referências bíblicas, como no caso de Gideão: “Eu peço, meu Senhor!” respondeu Gideão, “como posso salvar Israel? Meu clã é o mais fraco em Manassés, e eu sou o último na casa de meu pai” (BÍBLIA DE JERUSALÉM, Juízes 6, 15). A necessidade de ocupação de um vasto território e a formação de uma nova ordem caracterizada pelo sedentarismo, visto que ficaram 40 anos no deserto, fez com que os israelitas desenvolvessem um sistema político administrativo pecu- liar, caracterizado pelo governo dos juízes. Diferente dos povos vizinhos, os filhos de Israel não adotaram a monarquia como forma de governo, e as lideranças locais e tribais eram ocupadas pelos anci- ãos, no entanto, em momentos de grande instabilidadee perigo externo, dentre as tribos erguia-se uma personalidade reconhecida como uma liderança unifi- cadora, que possuía o direito de julgar e governar, que recebia o nome de juízes. Foram doze juízes, seis maiores e seis menores. Segundo a historiadora Ruth Leftel (2010, p. 22): Os seis juízes do relato bíblico que provavelmente “governaram” são de- nominados “juízes menores”, pois pouco é conhecido sobre sua vida e nada sobre atos militares e heroicos de “salvação”. Foram, possivelmen- te, lideranças que surgiram em tempos de paz. Os outros seis juízes, “salvadores”, são denominados “juízes maiores”, pois foram líderes mili- tares carismáticos, acompanhados, segundo relato bíblico, pelo Espírito Divino que os guiava num momento de tragédia nacional e impotência das tribos diante dos já organizados povos vizinhos que os atacavam. Ser juiz não era um cargo permanente, nem hereditário. A personalidade assu- mia a função por um determinado período de tempo e não transferia o cargo para membros de sua família. O único caso em que o filho de um juiz tentou assumir as funções de seu pai foi no episódio de Abimelec, filho de Gideão, um dos seis maiores. Segundo a narrativa bíblica, Abimelec matou seus irmãos e se autoproclamou rei de Israel, contudo seu “poder” de dominação não fora para além da tribo de Manassés, o filho de Gideão foi deposto pelos anciãos que não aceitavam perder seus poderes. No Tempo dos Juízes Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 31 A fragmentação das tribos começou a ruir por volta do século XII a.C., quando os Filisteus vindos das ilhas do mar Egeu estabeleceram-se na Palestina. Dominadores de técnicas de “fundição do ferro e, com ele, a confecção de espadas, pontas de lanças, flechas e outros artefatos” (LEFTEL, 2010, p. 23), tornaram- -se grandes ameaças. É importante esclarecer que Canaã, ou Palestina, apesar de ser uma região pouco fértil era um entreposto comercial entre a Europa, África e Ásia, além de ser banhada pelo Mar Mediterrâneo, que possibilitava o escoamento de pro- dutos para o extremo oeste europeu e para o norte do continente africano. Por isso, essa região foi palco de lutas encarniçadas de sucessivos reinos e impérios. A pressão dos Filisteus intensificou-se nos dias do profeta Samuel. A frag- mentação das tribos em um vasto território era presa fácil a uma monarquia sólida, como era a dos invasores. Diante disso, a solução foi a unificação e con- solidação de um Estado com regime monárquico forte, capaz de mobilizar as tribos contra um inimigo comum. A HISTÓRIA DOS HEBREUS: DO PATRIARCA ABRAÃO A HERODES, O GRANDE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E32 O PERÍODO DOS REIS O período dos reis foi o mais intenso da história hebraica. Nele veremos a ascensão de Israel como uma potência regional e a decadência do reino, seguida por invasões estrangeiras. SAUL O beijamita Saul tornou-se o primeiro rei de Israel por volta do ano 1020 a. C., com apoio de Samuel que, a princípio, rejeitou a ideia de uma monarquia, seu governo foi marcado por uma unidade nacional entre as tribos, separadas por regiões não israelitas e também por suces- sivas vitórias contra os Filisteus. Saul organizou um exército permanente e estabeleceu um corpo adminis- trativo rudimentar, ambos formados por membros de sua família, como Kish seu pai que tinha cargos administrativos, seu primo Abner, chefe do exército, e seu filho Jônatas, que possuía alta patente militar. Sobre o governo de Saul, o rabino Raymond Scheindlin (2003, p. 34) traz a seguinte explanação: [...] embora no início fosse ele eficaz no combate aos filisteus, revelou- -se instável, sujeito a ataques de depressão e raiva, assim como a lapsos de raciocínio. Samuel mudou seu apoio para Davi, um oficial jovem de Saul que se distinguirá num único combate contra Golias, um herói filisteu famoso. A popularidade de Davi como guerreiro eclipsou a de Saul[...]. Por volta do ano 1000 a.C., os Filisteus impetram uma terrível derrota aos isra- elitas, no monte de Gilboa, em que os três filhos de Saul morreram e o próprio rei se matou, sobrando apenas um herdeiro do trono, o jovem Ishbaal, que assu- miu o poder em Guilead e reinou durante um curto período de tempo sobre Efraim e Benjamim, mas teve uma morte misteriosa, após a traição de Abner. O Período dos Reis Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 33 Davi assumiu o trono após a morte de Ishbaal, ainda que já tivesse poder sobre as demais tribos após a morte de Saul, a totalidade só fora alcançada após a morte do filho desse. Para um bom estudante da Bíblia, fica claro que Davi assumiu o trono por promessa divina, no momento em que Samuel o unge, mas é importante escla- recer que, segundo as tradições políticas do Oriente Antigo, Davi era herdeiro natural do trono, pois havia se casado com Mical, filha de Saul. As tradições recaem na ideia de que se o rei não possuía herdeiros, o trono deveria ser pas- sado para seu genro, portanto, após a morte do último herdeiro de Saul, Davi deveria assumir o trono, o que aconteceu. DAVI E SALOMÃO O reinado de Davi marca o início da hegemonia de Judá sobre a região. No iní- cio de seu governo, Davi conquista Jerusalém dos Jebuseus, cidade que “separava as montanhas de Efraim da região de Judá” (LEFTEL, 2010, p. 26), no centro da Palestina. Jerusalém era o principal interesse dos hebreus desde a conquista de Canaã, Davi materializou essa conquista tornando a cidade o centro da monar- quia e do culto para todos os israelitas. O reinado de Davi foi marcado pelo apogeu da monarquia israelita, talvez de todo o período hebreu na região, desde os patriarcas até os tempos da destrui- ção do segundo templo. Segundo a tradição judaica, o Messias salvador, aquele que restauraria a sorte de Israel, deveria vir de origem davídica, pois o próprio Deus garantiu vitória a seus descendentes. Nem tudo foram flores no reinado Davi que, para colocar em prática seus planos ambiciosos de conquistas, iniciou uma política de recrutamento obri- gatório entre as tribos e aumentou significativamente a cobrança de impostos. Nesse contexto, seu filho Absalão organizou uma rebelião, apoiada pelos exér- citos e lideranças das tribos, que foi contida pela resistência de setores da tribo de Judá que defenderam os interesses do rei (LEFTEL, 2010). O reinado de Davi durou aproximadamente 39 anos, entre 1000 a.C a 961 a.C., período em que conseguiu concretizar quase todos os planos, contando com A HISTÓRIA DOS HEBREUS: DO PATRIARCA ABRAÃO A HERODES, O GRANDE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E34 a ajuda de seus Valentes, um exército que estava a seu dispor desde os tempos em que era perseguido por Saul, e por sua tribo, Judá, a quem sempre favoreceu. É importante deixar marcado a ideia de “quase”, pois apesar do desenvolvimento econômico e a consolidação da monarquia, o rei não conseguiu construir um templo de adoração a Deus, mantendo o centro das práticas da religião israelita na figura do tabernáculo, um santuário sagrado que continha a Arca da Aliança, símbolo da presença de Deus. A figura do tabernáculo fazia sentido em um momento em que a consolidação do povo não tinha se efetivado e as ameaças externas se espreitavam cotidiana- mente, mas a monarquia davídica tinha posto, mesmo que temporariamente, como veremos na história, um ponto final nestas imprecisões, por isso, era o momento de fixar um local definitivo de consagração ao Deus de seus ancestrais. A construção do templo sagrado foi iniciada e concretizada no reinado de Salomão, filho e sucessor de Davi ao trono de Israel. O rei, reconhecido por sua sabedoria, governou poraproximadamente 39 anos também, entre 961 a. C. e 922 a.C. e herdou a estabilidade política e econômica de seu pai. Salomão dominou as vias de comércio do crescente fértil e fez de Israel um dos principais reinos do comércio internacional da época. Em grande medida, o monarca não encontrou os problemas externos que assolaram as monarquias ante- riores, isso porque fizeram alianças, marcadas pelo matrimônio, com os antigos inimigos, entretanto o problema encontrado por Salomão foi de ordem interna. O reinado de Salomão foi marcado pelos altos impostos e a realização de trabalhos compulsórios, conhecidos como corveia, em grande medida para ‘dar conta’ de construir o Templo Sagrado ao Deus de Israel, que ficou conhecido por Templo de Salomão. O Período dos Reis Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 35 Figura 3 - Reino Unido de Israel nos tempos de Saul, Davi e Salomão Fonte: lh6 ([2017], on-line)5. A HISTÓRIA DOS HEBREUS: DO PATRIARCA ABRAÃO A HERODES, O GRANDE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E36 Assim como no reinado de seu pai, Salomão manteve a tribo de Judá como base política de seu mandato, desse modo, a tribo em questão não sofria com a alta tributação e a corveia. Estes fatores trouxeram grandes descontentamentos entre as tribos que não se beneficiavam, dentre elas, Efraim, que tinha em Jeroboão a principal voz contrária à política centralizadora real. Salomão edificou um exército forte e submisso às suas ordens e erigiu for- talezas em pontos estratégicos do reino (LEFTEL, 2010), no entanto, no final de seu reinado, viu seu poderoso domínio imergir em crises econômicas e insa- tisfação popular. Apesar dos problemas, Salomão conseguiu manter o reino unificado até sua morte. ROBOÃO E A DIVISÃO DO REINO Roboão, herdeiro do trono, não tinha o mesmo pulso que seu pai e avô tiveram. Diante das fortes hostilidades e do desejo de secessão das tribos do norte, lidera- das por Efraim, em 922 a.C. imediatamente após a morte de Salomão, aconteceu a definitiva divisão do reino, dando origem ao reino do Norte, formado por dez tribos e sob o comando de Jeroboão, enquanto restaram as tribos do Sul, formada por Judá e Benjamim. Etimologicamente, as tribos do norte ficaram conhecidas Quando os judeus retornaram para a Jerusalém, após o exílio babilônico, a Samaria, antigo vestígio do reino do norte, já era uma província bem estru- turada. Jerusalém, por sua vez, não passava de ruínas e destruição, herança do ocorrido 70 anos antes. Esdras e Neemias foram os responsáveis pelo restabelecimento de Jerusalém. Os judeus viam Samaria como concorrência política às pretensões de poderio sobre a região. A ortodoxia judaica via os samaritanos como idólatras e miscigenados. De fato, os samaritanos eram miscigenados e isso decorria das invasões assírias e alguns idólatras, o que não era tão diferente dos judeus, mas enquanto o templo de Jerusalém esta- va destruído, os samaritanos ergueram no Monte Garizim, seu próprio tem- plo em louvor ao Deus de seus ancestrais e tinham seu próprio pentateuco. Com a dominação de Alexandre sobre a região, Samaria foi rapidamente helenizada e, durante o período dos Macabeus, foi considerada inimiga dos judeus. Assim, sucedeu até o primeiro século da era comum. Fonte: o autor. Roboão e a Divisão do Reino Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 37 como Israel e, a partir desse momento, seus habitantes receberiam o nome isra- elitas, já as tribos do sul, apesar de Benjamim, ficaram conhecidas como Judá e seus habitantes judeus. O reino do Norte sofreu sucessivas mudanças de dinastias, enquanto Judá manteve até seu fim a dinastia davídica. Quanto às capitais, Israel teve Siquém, depois Tersa e, por fim, Samaria, já Judá manteve Jerusalém. Do ponto de vista religioso, também houve grandes mudanças. Jeroboão “estabeleceu seu próprio culto oficial, construindo templos em Dã e Betel, para que seus súditos não olhas- sem mais para o Templo de Jerusalém” (SCHEINDLIN, 2003, p. 42), os judeus mantiveram relativa devoção ao Deus de seus ancestrais, digo relativa, pois, em alguns momentos da história, reis do Sul estabeleceram cultos a ídolos. De maneira geral, os reinos do Norte e do Sul divididos não representavam gran- des ameaças aos Impérios que emergiam no crescente fértil. Por vezes, Israel e Judá aliaram-se entre si, ou com outros reinos, contra inimigos comuns, casando seus herdeiros com filhas de outros reis, como o caso de Acabe, filho de Amri, A HISTÓRIA DOS HEBREUS: DO PATRIARCA ABRAÃO A HERODES, O GRANDE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E38 herdeiro do trono de Israel que casou com Jezabel, fi lha do rei de Tiro, e a neta de Amri, Atalia, que casou com Jorão, fi lho do rei de Judá. Jezabel divulgou sua religião e perseguia os não pagãos, mas é importante esclarecer que, mesmo no reino do Norte, existiam profetas que se ergueram contra a idolatria, como Elias e seu discípulo Eliseu, que se mantiveram fi éis ao Deus de Abraão, Isaac e Jacó e não se curvaram diante de deuses estrangeiros. No sul, durante o reinado de Jorão, por infl uência de sua esposa Atalia, estabe- leceu-se o culto a Baal, uma entidade fenícia. Em ambos os casos, as esposas dos reis, responsáveis por cultos estrangeiros, foram executadas. Figura 4 - Reino dividido de Israel e Judá Fonte: cancao nova ([2012], on-line)6. Dominação Assíria, Dominação Babilônica e Exílio Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 39 DOMINAÇÃO ASSÍRIA, DOMINAÇÃO BABILÔNICA E EXÍLIO Entre 744 a.C e 727 a.C., a Assíria ressurge como grande império expansionista, sob liderança de Tiglath-Pileser III, que, após subjugar a Babilônia, voltou suas atenções para o ocidente. Em 738 a.C., o imperador assírio passa a cobrar impostos do Reino do Norte e dos Estados ao norte de Canaã. Nesse momento, Israel e Damasco, um dos Estados ao norte de Canaã, juntam-se em uma coalizão regional contra o poderoso Império. Judá, que nessa época tinha Acaz como rei, não se prontifi- cou a participar da coalizão, o que causou a ira dos membros que “invadiram Judá com a intenção de substituí-lo por um governante mais cooperativo. Frente a essa invasão e aos ataques de diversas outras partes, Acaz apelou para Tiglath- Pileser III, pedindo ajuda” (SCHEINDLIN, 2003, p. 45-46). Após o pedido de ajuda, os assírios mobilizaram-se em uma campanha para efetivamente acaba- rem com a coalizão e dominarem a região. Assim, invadiram Israel, deportaram parte de sua população e colocaram um rei fantoche no poder, Oséias. Apesar de ter sido colocado no poder por decreto Assírio, Oséias recusou- -se a pagar tributos ao poderoso império e pediu ajuda ao, já não tão poderoso, Egito, o que de fato não adiantou. Em 721 a.C., Sargão II invadiu Samaria, pondo fim definitivo na História do Reino do Norte. Os assírios tinham como prática, no momento da ocupação, a troca da popu- lação nativa por de outras regiões, desse modo, deportaram os israelitas para a região da alta mesopotâmia, e o território do Reino do Norte foi colonizado por sírios e babilônios, formando, assim, um dos estereótipos carregado pela popu- lação samaritana, o de povo miscigenado e pagão (SCHEINDLIN, 2003). A HISTÓRIA DOS HEBREUS: DO PATRIARCA ABRAÃO A HERODES, O GRANDE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E40 O reino de Judá não ficou totalmente ileso aos ataques assírios na região, em 703 a.C., após uma rebelião na Babilônia, possessão importante do Império, formou-se uma coalizão antiassíria,na Palestina, que contou com Tiro, cidades filisteias e Judá, que nesse momento era governado por Ezequias. Scheindlin (2003 p. 47) aborda esse momento da História: [...]preparando-se para a retaliação assíria, Ezequias reforçou as fortifica- ções de Jerusalém e cavou o famoso túnel de Siloé – que ainda pode ser visitado – para garantir o abastecimento de água da cidade. Quando o rei assírio Senaquerib entrou marchando pela região em 701 a. C., seguiu-se uma terrível carnificina e extensas expatriações, e Ezequias teve de ceder alguns de seus territórios e aumentar seu tributo. Mas Senaquerib partiu abruptamente da cena sem tomar Jerusalém, o que, de acordo com o nar- rado na Bíblia, foi resultado da milagrosa morte súbita de suas tropas”. Mesmo não efetuando dominação total da região, os judeus foram obrigados a pagar tributos aos assírios, fato que se estendeu até o reinado de Josias, que governou entre 640 a.C. e 609 a.C., o último rei judeu que governou com certa autonomia, seu reinado foi marcado pela purificação do estado judeu, eliminou os cultos estrangeiros, restabeleceu a celebração da páscoa, que há muito não se observava, restringiu o holocausto à cidade de Jerusalém, a Bíblia descreve este evento como sendo resultado da descoberta de um rolo de pergaminho antigo no Templo – presumivelmente, o Livro de Deuteronômio -, estabelecendo que os sacrifícios não poderiam ser oferecidos em qualquer outro lugar (SCHEINDLIN, 2003, p. 48). De fato, no reinado de Josias, a aliança com Deus de seus ancestrais foi restau- rada.Triste foi o fim de Josias, que, ao tentar impedir as tropas egípcias de se unirem aos assírios em uma ofensiva ao crescente império babilônico, fora bru- talmente assassinado. Apesar da ajuda egípcia aos assírios, os babilônios tornaram-se a grande potência na região. O grande general Nabucodonosor – que logo se tornou rei – derrotou os egípcios na Síria e transformou o rei de Judá, na época, Joaquim, em seu vassalo (SCHEINDLIN, 2003). Joaquim não se submeteu ao domínio babilônico e liderou um levante con- tra o império mesopotâmico. Nessa rebelião, o rei foi morto e sucedido por Jeconias, seu filho de 18 anos, que resistiu durante três meses, quando se rendeu. Dominação Assíria, Dominação Babilônica e Exílio Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 41 Sedecias tornou-se rei após a deposição de Jeconias, no entanto, apesar de ter sido colocado como rei fantoche dos interesses babilônicos, o rei foi líder de uma nova rebelião. Em 587 a.C., as tropas de Nabucodonosor destruíram as muralhas de Jerusalém e o Templo de Salomão, centro das celebrações religiosas do povo judeu, renderam os oficiais e os nobres e parte da população e os leva- ram cativos para a Babilônia, tinha, assim, o fim do Reino de Judá. O exílio babilônico fortaleceu as instituições religiosas do povo judeu. As reminiscências dos tempos gloriosos de Davi e Salomão tornaram-se ideais no inconsciente coletivo dos exilados, neste contexto as esperanças do sonho do Messias restaurador, aquele que restauraria a sorte de Sião, foram revividas. O redentor ideal seria um rei – o ungido do Senhor – da linhagem de Davi ou um Ser celestial referido como “Filho do Homem”. A Redenção poderia pois significar um mundo melhor e mais pacífico ou o fim e aniquilação total “desta época” e o prenúncio de uma nova era e de “um novo céu e uma nova Terra” entre a catástrofe e o julgamento (WER- BLOWSKY, 1972, p. 23). Foram, ao todo, 70 anos até que os judeus (que voltaram, mas muitos ficaram por lá) deixassem o exílio babilônico. No início, sob dominação do próprio Império Babilônico e depois sob dominação do Império Persa, que sob liderança de Ciro, conquista a Babilônia em 539 a.C. Já em 538 a.C., os primeiros exilados retor- naram a Judá, agora uma província Persa. Sobre o exílio babilônico, é importante esclarecer algumas questões: ape- nas cerca de 10% dos judeus tornaram-se cativos em Babilônia; muitos exilados enraizaram- se na Mesopotâmia, alcançando estabilidade econômica e não esta- vam dispostos a se mudarem para uma província pobre; os tempos áureos da dominação judaica, na Palestina, era lembrança de alguns idosos (SCHEINDLIN, 2003; TASSIN, 1988) e mais, “reconstruir o Templo se apresentava como empresa perigosa e esgotante” (TASSIN, 1988, p. 17). A HISTÓRIA DOS HEBREUS: DO PATRIARCA ABRAÃO A HERODES, O GRANDE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E42 RETORNO A SIÃO: SOB DOMÍNIO PERSA Em 538 a.C., sob proteção do Império Persa, retorna o primeiro governador da província da Judéia, Sasabassar, um membro da Casa Real judaica, trouxe consigo os objetos sagrados do Templo, que haviam sido roubados por Nabucodonosor, e também restabeleceu o altar do holocausto. Em 522 a.C., outro descendente da casa davídica assume o posto de gover- nador da província da Judéia, Zorobabel. Sob a liderança de Zorobabel tem-se a reconstrução do Segundo Templo, que ficou pronto em 515 a.C., longe de ter a suntuosidade do Primeiro Templo, como alguns poucos idosos podiam lem- brar (SCHEINDLIN, 2003). Apesar da reconstrução do Templo Sagrado, a cidade de Jerusalém continu- ava em ruínas, as muralhas que protegiam a cidade sagrada estavam destruídas, sendo passível de invasões estrangeiras. Além disso, o pouco da religião ances- tral que havia sobrevivido era marcado pelo sincretismo, pois, em Babilônia, os exilados tiveram contato com outras religiões, e muitos dos que haviam ficado também sofreram com a perda das referências religiosas, visto que poucos pro- fetas e sacerdotes resistiram ao exílio. Nesse contexto, surgiu Esdras e Neemias. Os contemporâneos Esdras e Neemias foram os grandes reformadores das ins- tituições judaicas pós-exílio e, para alguns, os fundadores do judaísmo enquanto religião. Esdras, um descendente de Arão, portanto, um levita, foi um escriba da casa real persa que fora enviado pelo próprio imperador, em 458 a.C., com o Retorno a Sião: Sob Domínio Persa Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 43 objetivo de colocar a Lei de Moisés como referência de identidade. Lutou con- tra os matrimônios mistos e estabeleceu o conceito de raça santa, que já existia entre os hebreus, mas que fora empregada com maior intensidade a partir do século V a.C. Porque a fidelidade à Lei (escrita) de Deus e o conceito de “raça santa”, dois princípios inseparáveis, mostravam que a pertença ao Povo elei- to não provinha de certidão de nascimento porém de opção de vida, cujo termo-chave era separar-se, para participar da santidade do Deus Totalmente-Outro, segundo a ideologia presente em Lv 20, 25-26 e Lv 26, 33 personificava o País que, graças ao sábado forçado do exílio, re- cuperaria a santidade de que fora despojado pela infidelidade à Aliança (TASSIN, 1988, p. 21-23). As reformas de Esdras são consideradas, até hoje, como essenciais para a existência do judaísmo, tanto que a tradição considera, assim como Moisés, o reforma- dor como um Legislador, diga-se de passagem, apenas as duas personagens tem este título. Mais do que um reformador da tradição, Neemias também foi um reforma- dor de fato, pois foi em seu governo que a cidade de Jerusalém e suas fortificações foram reconstruídas: [...]então eu lhes disse: Vede a deplorável e humilhante situação em que nos encontramos, como toda a cidade de Jerusalém está em ruínas e suas portas devastadas pelo fogo. Vinde! Vamos reconstruir os muros de Jerusalém, para que não passemos mais vergonha (BÍBLIA KING JAMES, Neemias 2:17,[ 2017],on-line)1. Neemias era o “enóforo – o encarregado dos vinhos – do rei persa Artaxerxes, no palácio de Susa, seu homem de confiança” (SCHAMA, 2015, p. 52) que havia se tornado governador da Judéiaem 445 a.C. por nomeação. Apesar de não ser da Casa de Davi, foi recebido como um enviado de Deus. Seu livro mostra as dificuldades que teve diante das autoridades regionais, “Sambalate, o Horonita, Tobias, o oficial Amonita e Gesém, o Árabe” (BÍBLIA KING JAMES, Neemias 2, 19,[2017], on-line)1, para assegurar a posse da Terra Santa, ao povo eleito. É incrível a riqueza de detalhes contidas no livro de Neemias, o historiador Simon Schama (2015, p. 53-54) elucida que: A HISTÓRIA DOS HEBREUS: DO PATRIARCA ABRAÃO A HERODES, O GRANDE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E44 [...]mesmo os acadêmicos mais moderados chamam o Livro de Nee- mias, breve, mas de excepcional vividez, de memórias. Ao contrário de outros livros da Bíblia Hebraica (mas da mesma forma que o Livro de Esdras, com o qual sempre faz par, a ponto de serem lidos juntos, como uma única narrativa), foi escrito quase com certeza perto da época dos fatos que descreve. As longas citações de decretos reais e alvarás persas em Esdras correspondem ao estilo cortesão e legal persa de meados do século V a. C. São, na verdade, transições diretas. A impressão domi- nante é de imediatismo documental, um livro que, em sua carga mate- rial de ferro, pedra e madeira, recorda fisicamente seu momento. Aos poucos, Judá foi alcançando certa autonomia e Jerusalém tornou-se o cen- tro de um pequeno Estado governado por um Sumo Sacerdote, que fazia da Torá regras de conduta religiosa e ética. PERÍODO HELENÍSTICO O Império Persa foi, durante dois séculos, o grande senhor do oriente próximo, no entanto, em 333 a.C., esta condição mudou quando Alexandre, o Grande, destronou Dário III e passou a ter os persas e os povos sob sua tutela em súditos do Império Macedônio. O grande Império liderado por Alexandre englobava um vasto território que ia da Península Balcânica ao rio Indo, no subcontinente indiano. Historicamente, o período de dominação macedônio é conhecido como Helenista. A palavra Helenista, vem de Hélade, que pode ser traduzido do grego como Grécia. Neste período, a Período Helenístico Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 45 cultura, a religião e os costumes gregos foram difundidos pelos lugares em que Alexandre dominou. O rei macedônio Filipe II, cognominado Caolho, pai de Alexandre, invadiu e dominou a Grécia em 346 a.C. e legou aos cuidados da alta intelectualidade grega a educação do filho. Alexandre teve como preceptor ninguém menos que o filósofo Aristóteles. Apesar de ter assumido o trono da Macedônia após a morte de seu pai, Alexandre estava imerso na cultura helênica. Como outrora citado, o Império Persa caiu sob dominação de Alexandre em 333 a.C. e isso fez com que todos os domínios do império invadido passas- sem para os macedônios, inclusive a Judéia. Beek (1967, p. 130-131) nos orienta ao fato de que: [...]não há razão para acreditar que a vitória de Alexandre em Isso (333 a. C.) tenha afetado a situação de Jerusalém em qualquer aspecto fun- damental. Tudo se resumiu na mudança do nome dos senhores – os impostos e soldados tinham, agora, de ser fornecidos aos gregos e não aos persas. Daí o silêncio das fontes judaicas sobre os momentosos acontecimentos históricos que, na época, abalaram o Oriente Próximo. A população judaica passou por uma paulatina helenização, entretanto a cul- tura grega não era novidade entre os povos do Oriente Médio, tanto que, antes mesmo da dominação persa, “mercadores gregos tinham viajado pelo Egito e Ásia ocidental, espalhando ideias e produtos gregos onde iam” (BEEK, 1967, p. 131), a própria língua grega fora usada como língua franca durante O reinado do persa Dario I. Após a morte de Alexandre, em 323 a.C., teve início uma série de conflitos pelo domínio de seu vasto território. Como O Grande não havia deixado her- deiros, seus generais foram os protagonistas de 22 anos de guerras intermitentes. Em 301 a.C., após a batalha de Ipsus, o Império Macedônio foi dividido em qua- tro partes: o reino de Cassandro, composto pela Macedônia, parte da Grécia e parte da Trácia; o reino de Lisímaco, composto pela Lídia, Frígia e partes da Turquia; o reino de Seleuco com parte da Pérsia, da Mesopotâmia, da Síria e da Ásia Central e, por fim, o reino de Ptolomeu, com o Egito e Palestina. A HISTÓRIA DOS HEBREUS: DO PATRIARCA ABRAÃO A HERODES, O GRANDE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E46 SOB DOMÍNIO SELÊUCIDA A Palestina, uma macro região em que dentre outras províncias estava a Judéia, ficou sob domínio do reino de Ptolomeu, sediado no Egito. Durante todo o século III a.C., a possessão asiática de Ptolomeu foi zona de litígio, sendo palco de con- flitos contra o nascente Império Selêucida. Em 198 a.C., os Selêucidas expulsaram os ptolomaicos da Ásia e tomaram a Palestina. Antíoco III, imperador selêucida na época, “permitiu que a judéia continuasse como um Estado semi-autônomo” (SCHEINDLIN, 2003, p. 65), seu sucessor Antíoco IV – 175 a.C. a 163 a.C. – estabeleceu uma relação diferente com a região, o que determinou decisivamente o poder estrangeiro sobre essa região. O governo de Antíoco IV, autodenominado Epífanes (encarnação de Deus), foi marcado pelo conflito de interesses entre ele e a, também, expansionista República Romana que, desde a época de seu pai, já infligira derrotas humilhan- tes ao Império Selêucida. Diante da necessidade de proteção, Antíoco IV adotou a pilhagem de templos dos povos súditos. [...] os templos sempre eram boas fontes de dinheiro, devido aos me- tais preciosos, usados em seus equipamentos de rituais e decorações, e porque, sendo considerados invioláveis, serviam com frequência de de- positários para fundos públicos e até mesmo particulares. Desta forma, o templo judeu chamou a atenção dos selêucidas como uma possível fonte de tesouros” (SCHEINDLIN, 2003, p. 66). Antíoco IV era senhor de uma vasta área que incluía a Mesopotâmia, a Síria e a Sob Domínio Selêucida Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 47 Palestina. Diante da multiplicidade de tradições e culturas dos povos invadidos, o imperador deu início à unificação Cultural do Império, impondo o helenismo como cultura oficial da região. Este novo modelo consistia na oficialização do idioma grego, na moda, na filosofia e no treinamento físico. De fato, a cultura grega já estava difundida na região, desde o período Persa, como já discutido anteriormente, por isso, muitos judeus achavam que as orde- nações do líder Selêucida poderiam modernizar o judaísmo, que para muitos, influenciados pelo helenismo, não passava de um sistema religioso rudimen- tar e primitivo. Até mesmo os sacerdotes, que haviam se tornado a autoridade máxima político-religiosa, aderiram à cultura clássica. Para os judeus citadinos do século II a.C., não havia reais diferenças entre o helenismo e o judaísmo: [...]na mente de seus escritores e filósofos, o judaísmo era a raiz antiga, e o helenismo, a árvore jovem. Zeus era apenas uma versão paganiza- da do Todo-Poderoso YHWH, e Moisés, o legislador moral de quem se originavam todas as legislações éticas. Escrevendo em meados do século II a.C., o judeu Aristóbolo de Panias queria que seus leitores acreditassem que Platão tinha estudado a Torá de forma meticulosa e que Pitágoras devia seu teorema à antiga ciência judaica. Diante des- se tronco comum de sabedoria, devia parecer bastante possível que os dois mundos se compreendessem (SCHAMA, 2015, p. 119). O período de dominação selêucida também marcou as sucessivas compras de sacerdócio por famílias de classe alta de Jerusalém, como quando, no início do século II, Josué, ou Jasão, seu nome helenizado, subornou o Imperador
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