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151 QUÍMICA FARMACÊUTICA Unidade III Nesta unidade serão abordados os fármacos que atuam direta ou indiretamente sobre o sistema nervoso central (SNC). São os chamados psicofármacos, psicotrópicos ou psicoterápicos – eles podem ser modiificadores do SNC –, que vão alterar, estimular ou deprimir a atividade cerebral. As disfunções mentais originam-se do desequílibrio das aminas biogênicas ou de mediadores endogênicos. Muitos fatores que relacionam as patologias do SNC ainda não estão suficientemente estabelecidos, com isto, os fármacos empregados não oferecem cura, apenas aliviam os pacientes dos sintomas da doença, permitindo que possam retornar à vida social e profissional normais, ou ao menos o que é definido como comum. Podemos classificar tais fármacos por sua atuação: • Fármacos depressores do sistema nervoso central: essa classe compreende as substâncias bioativas que atuam no hipotálamo, tronco cerebral e outras partes subcorticais do cérebro compreendidas na coordenação do comportamento emocional. Exemplos: hipnóticos-sedativos, ansiolíticos, antidepressivos, anticonvulsivantes e antipsicóticos. • Estimulantes do sistema nervoso central: nessa classe temos os fármacos que possuem ação através do estímulo não seletivo do SNC, podendo produzir desde um estímulo intenso a um efeito fraco. São utilizados com diversos fins, desde manutenção da vigília até recuperação da consciência, respiração ou pressão arterial e reflexos normais. Podem ser classificados em analépticos, que são os estimulantes respiratórios, psicoestimulantes constituídos por fármacos que aumentam os níveis de atividades motoras e cognitivas, reforçam a vigília, estado de alerta, de atenção, além de ser potencial euforizante; e os nootrópicos, uma classe de fármacos que afeta seletivamente funções cerebrais como o domínio do córtex sobre os sistemas subcorticais, estimulando a atenção, a memória e o pensamento, sendo terapeuticamente utilizados para distúrbios cognitivos. 7 DEPRESSORES E ESTIMULANTES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL 7.1 Depressores do sistema nervoso central: barbitúricos e benzodiazepínicos Os barbitúricos e benzodiazepínicos são fármacos que atuam em diversas patologias, por exemplo, indutores de sono, ansiedade, epilepsia e anestesia geral. 7.2 Barbitúricos A descoberta dos barbitúricos foi feita em 1864 por Adolf Von Baeyer, e algumas hipóteses sobre a origem do nome dado por ele dizem que o termo barbitúrico vem de origem sentimental a uma amiga 152 Unidade III de nome Barbara; outra hipótese seria a de que, ao comemorar sua descoberta em um bar que era frequentado por oficiais de artilharia, presenciou-os comemorando e reverenciando a sua padroeira Santa Barbara, e há uma última versão de que o nome foi dado pelo aspecto dos cristais formados na síntese que se assemelhavam a uma farpa; seja qual for a verdadeira razão, sabemos que “barb” e “ureia” foram efetivamente a base do nome. 7.2.1 Síntese dos barbitúricos A síntese da descoberta foi feita entre ácido malônico e ureia, conforme demonstrado a seguir. NH O O O N H -2H2O N H H OH OH NH O O O H + Ácido malônico Ureia Barbitúrico Figura 201 Em 1904 Emil Fischer e Alfred Dilthey iniciaram uma série de sínteses derivadas da descoberta de Baeyer, testando essas novas substâncias com o objetivo de ação hipnótica; com o sucesso dos testes in vivo passaram a sintetizar estruturas com substituintes diversos na base inicial (barbitúrico de Baeyer). Com isto, cerca de 2.500 barbitúricos foram sintetizados, porém apenas cerca de 30 deles efetivamente comercializados. A síntese dos derivados barbitúricos (c), mostrada a seguir, é de suma importância na determinação da relação entre estrutura e atividade biológica (REA). Ela é obtida entre a reação de condensação da ureia substituída (a) com ésteres substituídos do ácido malônico (b) utilizando, para tanto, etóxido de sódio e etóxido de magnésio. N HN O X O R R’ R” NHX O + O R” R’ NH2 R YO YO NaOEt Mg(OEt)2 (a) (b) (c) Figura 202 153 QUÍMICA FARMACÊUTICA 7.2.2 Relação estrutura-atividade (REA/SAR) A relação estrutura-atividade (REA/SAR) apresenta como estrutura básica o anel barbitúrico e, dependendo dos substituintes presentes, eles são empregados com diferentes finalidades. A seguir mostraremos os requisitos estruturais que regem a atividade dos barbitúricos. NR2R1N R4R3 X OO 5 2 6 4 31 Figura 203 • Ação prolongada (anticonvulsivante) – lipofílicos — X=O; R1 e R2 = H; R3 e R4 = cadeias alquílicas curtas, saturadas, não ramificadas, fenila. • Ação intermediária (hipnóticos-sedativos) — X= O; R1 e R2 = H ou –CH3 monossubstituído; R3 e R4 = cadeias alquílicas mais longas, ramificadas. • Ação curta/ultracurta (anestésicos gerais ) + lipofílicos — X= S; R1 e R2 = H ou –CH3 monossubstituído; R3 e R4 cadeias alquílicas longas, insaturadas, ramificadas com halogênios. A somatória do número de átomos de carbono em R3 e R4 não deve ser maior que 8 ou 9. Através dos estudos de REA, os barbitúricos podem ser classificados em fármacos de ação prolongada (são os mais hidrofílicos da série, empregados especialmente como anticonvulsivantes), de ação intermediária (quando existe equilíbrio entre a propriedade hidrofílica e lipofílica, antigamente empregados como ansiolíticos, hipnóticos e sedativos) e os de ação curta e ultracurta (os mais lipofílicos da série, utilizados como anestésicos gerais e raramente como hipnótico-sedativos). Os empregos terapêuticos dos barbitúricos dependem do equilíbrio entre a lipofilicidade e hidrofilicidade da molécula. Assim, os mais hidrofílicos, portanto, de efeito mais prolongado, são utilizados como anticonvulsivantes; os de efeito intermediário, como sedativos e ansiolíticos; e os de ação curta como anestésicos. Tal relação depende da presença de determinados substituintes em posições adequadas. A substituição em N1, geralmente com grupos alquílicos, aumenta a lipofilicidade. Para manter a atividade depressora, o único substituinte permitido é o metila. A mesma observação vale para o N3. Cadeias alquílicas mais longas revertem o efeito depressor. Entretanto, essa modificação 154 Unidade III não pode ser feita simultaneamente, já que o derivado dimetílico, em N1 e N3, passa a apresentar propriedades convulsivantes. Substituindo-se o oxigênio da carbonila em 2 por enxofre, obtém-se derivados mais lipofílicos, portanto de ação mais curta. As posições 4 e 6 não sofrem substituições. A posição 5 é a mais importante com relação à atividade. Assim, grupos substituintes alquílicos de cadeia curta, não ramificada, saturada, não substituída e grupo fenila conferem propriedades hidrofílicas, observadas nos fármacos de ação longa e, portanto, anticonvulsivantes. Por outro lado, substituintes que apresentem cadeias insaturadas, ramificadas, longas, com substituintes halogênios são os mais lipofílicos e, assim, empregados como anestésicos gerais e eventualmente como hipnóticos e sedativos. Neste caso, a somatória do número de átomos de carbono que constituem as cadeias dos substituintes em 5 não deve ser superior a 8 ou 9 átomos de carbono, pois, caso contrário ter-se-á a reversão da atividade, de depressora para estimulante. Utilizando-se as substituições, de maneira ordenada, pode-se obter gama imensa de derivados. Consta a seguir quadro com os principais barbitúricos, vias de administração e uso terapêutico. Quadro 9 Barbitúrico Via de administração Utilização terapêutica amobarbital Oral, IV Insônia Sedação pré-operatória Gerenciamento emergencial de convulsões aprobarbital Oral Insônia butabarbital Oral Insônia Sedação pré-operatória mefobarbital Oral Epilepsia Sedação diurna pentobarbital Oral, retal, IV Insônia Sedação pré-operatória Gerenciamento emergencial de convulsões fenobarbital Oral, IV Epilepsia Status epilepticus Sedação diurna secobarbital Oral, retal, IV Insônia Sedação pré-operatória Gerenciamento emergencial de convulsões TiopentalRetal, IV Indução / manutenção da anestesia Sedação pré-operatória 155 QUÍMICA FARMACÊUTICA Na sequência constam suas estruturas químicas correspondentes. N N N HN HN HN HN HN NH NH NH NH NH O H H2C H3C H3C H3C H3C H3C CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 H O O O O O O O O O O O O O O O O OO O O O S O H N NH Amobarbital Mefobarbital Aprobarbital Pentobarbital Tiopental Fenobarbital Butabarbital Figura 204 7.2.3 Mecanismo de ação O mecanismo de ação dos barbitúricos, como depressores do sistema nervoso central, é paralelo ao sistema de receptor dos benzodiazepínicos, porém em sítios distintos. Os barbitúricos intensificam a interação do mediador endógeno depressor GABA, por atuarem como antagonistas de mediadores endógenos estimulantes, que mantêm o equilíbrio com o GABA, principal mediador depressor. Tal receptor, localizado na membrana do neurônio, está contido na macromolécula que contém o canal ionóforo de cloreto, que, com a interação com o barbitúrico, mantém-se aberto, permitindo a entrada de cloreto dentro da membrana, interferindo na condução elétrica e, com isso, desencadeia mecanismos favoráveis à interação do GABA com o seu receptor, causando a depressão. Portanto, o barbitúrico apenas intensifica a atividade do GABA. 156 Unidade III Sítio barbitúricos Sítio GABA Sítio anestésicos gerais Sítio benzodiazepínico Propalol Halotano Etanol Barbitúricos Etomidato Benzodiazepínicos Não benzodiazepínicos Figura 205 7.2.4 Propriedades físico-químicas Os barbitúricos apresentam-se como sólidos cristalinos e incolores cuja faixa de fusão encontra-se entre 96-205 °C. Têm caráter ácido que é explicado por possuirem um sistema ciclíco conjugado e na forma enólica, grupo metilênico ativo entre as duas carbonilas, além da presença de um grupo di-himinocarbonílico tautomérico. Sendo ácidos, são levemente solúveis em água e muito solúveis em solventes orgânicos. Por isto, podem ser convertidos em sais sódicos e na presença de ácidos precipitam na forma de barbitúrico livre. Para evitar que isso ocorra, no uso injetável, pode-se adicionar uma solução tampão de carbonato de potássio. 7.2.5 Metabolismo O metabolismo desta classe depende da sua lipofilicidade, em geral, levam a maiores etapas metabólicas. Para que a excreção renal ocorra, os barbitúricos passarão por reaçãoes de fase I (oxidação em sua maioria) que promoverão a converção em álcoois ou fenóis e posteriormente serão convertidos em substâncias hifrossolúveis na fase II com a glicuronidação. As reações de metabolização estão representadas a seguir: 157 QUÍMICA FARMACÊUTICA O O HN HN HNHNHN HN HN HNHNHN NH NH NHNHNH NH NH NHNHNH OOO O O + + O O O O O OOO O O O OH OH OH OH O O O-conj. Conj. - glucoronídeo ou sulfato O-conj. O-conj. O-conj. O O O O OO O O O O O O Fase I Oxidação Hidroxilação aromática Fase I Fase I Oxidação Fase II Fase II Fase II Tiopental Dessulfurização oxidativa Pentobarbital Fenobarbital Figura 206 Apesar de ser o primeiro fármaco sintético para alívio da insônia e controlar os sintomas da ansiedade, os barbitúricos possuem um grave efeito adverso, que é a dependência e podem levar à morte por sobredosagem (overdose), como ocorreu com os cientistas Fischer (que introduziu a série de sínteses de barbitúricos), Von Mering e a atriz Marilyn Monroe (consta em seu atestado de óbito envenamento agudo por barbitúricos). Em 1945, a American Pharmaceutical Association promoveu uma conferência para regulamentar o uso e a distribuição dos barbitúricos. Síndrome de abstinência também ocorre em pacientes que fizeram uso prolongado de tais fármacos, e em 1952 e 1956 a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou que essas substâncias só fossem prescritas com receita médica. Com o auge do uso de barbitúricos, houve um aumento acentuado no número de mortes por seu uso. Somente entre 1905 e 1960 cerca de 650 casos ocorreram, contra cerca de 250 eventos acidentais, como mostra o gráfico da sequência. 158 Unidade III 1905 0 100 200 300 400 500 600 50 150 250 350 450 550 650 1925 19451915 1935 19551910 Ano N úm er o de m or te s 1930 19501920 1940 1960 Suícidios Acidental Figura 207 7.3 Benzodiazepínicos Os benzodiazepínicos, caracterizados pela estrutura 5-fenil-1,4-benzodiazepin-2-ona, constituem classe de fármacos introduzidos na terapêutica pelo acaso. O primeiro elemento da série, o clordiazepóxido, foi produto inesperado de síntese planejada por Sternbach, o qual estudava uma série de compostos com núcleo benzo-heptoxdiazinas a partir das heptoxdiazinas, isso em meados de 1930. N N O O N N CH3 H3C R1 CIW Benzo-heptoxdiazina Heptoxdiazina Figura 208 Esse projeto foi engavetado quando Sternbach teve que mudar de país e ir para um novo laboratório com pesquisas de novos antimicrobianos. Vinte anos depois, impulsionado pela introdução da clorpromazina, primeiro antipsicótico para os sintomas positivos da esquizofrenia, que tem como efeito adverso sonolência. Ao rever seus estudos, sintetizou 40 compostos da série de heptoxdiazinas, porém ao elucidar estruturalmente a heptoxdiazina notou a presença, não deste anel, mas de um anel quinazolínico. Passou então a utilizar como reagente majoritário o 4,5-benzo-hepto (1,2,6-oxdiazina), o qual gerou o intermediário 6-cloro-2-clorometil-4-fenilquinazolina-3-óxido e ao fazê-lo reagir com N,N-dimetilamina, mais uma vez ocorreu uma surpresa: o produto obtido não era o 6-cloro-2- (N-metilaminometil)-4-fenilquinazolina-3-óxido esperado, mas o derivado 7-cloro-2-(N-metilamina)- 5-fenil-3H-1,4-benzodiazepin-4-óxido, levando a uma expansão do anel. Só então que ele percebeu 159 QUÍMICA FARMACÊUTICA que não havia utilizado o reagente amínico original, mas metilamina, uma amina primária, levando a reação a assumir uma forma diferente das propostas com aminas secundárias. Diante de tal resultado, resolveu iniciar seu trabalho, cujo rendimento de síntese foi de cerca de 80%. Apesar de não ser o produto esperado decidiu fazer os ensaios biológicos e em 1957 ele obteve os efeitos tranquilizantes e sedativos. Sternbach patenteou sua descoberta em 1958 e em dois anos e meio após essa descoberta o FDA aprovou em tempo recorde o composto denominado clordiazepóxido, comercialmente chamado de Librium®, medicamento que marcou a era dos ansiolíticos e hipnóticos-sedativos não barbitúricos. As etapas de síntese propostas por Sternbach estão representadas a seguir: O R2 R1 N N N N N N CH2CI NHCH3 6-cloro-2-(N,N-dimetilaminoetil)- 4-fenilquinazolina-3-óxido 7-cloro-2-(N-etilamino)-5-fenil- 3H-1,4-benzodiazepine-4-óxido (clordiazepóxido) 6-cloro-2-clorometil- 4-fenilquinazolina-3-óxido CH3NH2 NHR1R2 CI CI CI O O N Figura 209 Mais de 3 mil derivados benzodiazepínicos foram sintetizados e, destes, 35 estão na terapêutica. Alguns deles são mostrados na sequência e os comercializados no Brasil estão arrolados no quadro após as figuras, e nele não se incluem as associações. Porém, diversas especialidades farmacêuticas que os contêm em associações com outros fármacos são comercializadas. Em princípio, elas são consideradas irracionais. 160 Unidade III N N N N CI CI N N N N CI Br N N O O CI N N N N CI N N O CI N H3C O2N O F N N N H3C CH3O CIF N N NCI F N O O OHCI H N N O H N N N O OHOH CI H N N O CI CI H N NN O O OH N +- NN O O O CI H N +- N O CI H N + - Nitrazepam Alprazolam Lorazepam Clordiazepóxido Flunitrazepam Triazolam Bromazepam Oxazepam Diazepam Flurazepam Clonazepam Clorazepato Clobazam Estazolam Midazolam N N Figura 210 – Estruturas de diversos benzodiazepínicos usados na terapêutica 161 QUÍMICA FARMACÊUTICA Quadro 10 – Benzodiazepínicos comercializados no Brasil, excluindo-se as associações Nome genérico Nome comercial R1 R2 R3 R7 R2’ alprazolam Apraz® Frontal® Tranquinal® anel triazólico-H -Cl -H - bromazepam Bromazepam® Brozepax® Lexotan® Nervium® Neurilan® Novazepam® Somalium® -H =O -H -Br -N clobazam Frisium® Urbanil® -CH3 =O -H -Cl -H clonazepam Rivotril® -H =O -H -NO2 -Cl clorazepato Tranxilene® -H =O -COOH -Cl -H clordiazepóxido Psicosedin® -H -NHCH3 -H -Cl -H diazepam Ansilive® Calmociteno® Compaz® Diazepam® Dienpax® Kiatrium® Letansil® Noan® Somaplus® Valium® Valix® -CH3 =O -H -Cl -H flunitrazepam Rohypnol® -CH3 =O -H -NO2 -F flurazepam Dalmadorm® -CH2CH2N(C2H5)2 =O -H -Cl -F lorazepam Calmogenol® Lorax® Max-Pax® Mesmerim® -H =O -OH -Cl -Cl midazolam Dormonid® anel imidazólico -H -Cl -F nitrazepam Nitrapan® Nitrazepam® Nitrazepol® Sonebon® -H =O -H -NO2 -H Adaptado de: Korolkovas (1988). 162 Unidade III 7.3.1 Relação estrutura-atividade (REA/SAR) O estudo da relação estrutura-atividade teve início por volta dos anos de 1970, pelo próprio Sternbach. A partir daí, numerosas pesquisas foram efetuadas na área. A figura a seguir ilustra os aspectos estruturais importantes para a atividade ansiolítica a partir do grupo farmacofórico. N N O 2 3 4 2’ 4’ 6’ 56 7 8 9 1 x R A B C Figura 211 – Grupo farmacofórico dos benzodiazepínicos A presença do anel A (anel benzênico) conjugado ao anel heterocíclico B (que possui dois grupos N, daí o diazo no nome) caracteriza o nome benzodiazepínico e a presença do anel C (um grupo arila) aumenta a potência desses compostos. A substituição no anel A deve ser feita na posição 7 por grupos elétron-aceptores, como, por exemplo, os halogênios cloro e bromo, por metilas substituídas como o trifluormetil, ou ainda por grupos como o nitro e o ciano; essas substituições elevam a atividade dos benzodiazepínicos, por outro lado, qualquer alteração nas posições 6, 8 e 9 levam à redução ou perda de atividade. A substituição nas posições N1 e 2 do anel B podem variar desde grupos alquílicos menores em 1, carbonila na posição 2, até anéis como os imidazóis e triazóis fundidos a ele. É permitida a substituição na posição 3 por hidroxila. Permite-se a troca no N1 por metila e no carbono 3 por hidroxila. A insaturação entre 4 e 5 deve ser mantida pois faz parte do grupo farmacofórico, a redução dela pode acarretar diminuição da atividade. No anel C podem ser adicionados grupos elétron-aceptores nas posições 2’ e 6’ (orto e diorto), o que contribui para o aumento da ação farmacológica, e qualquer substituição em outras posições do anel levam à perda de atividade. Este anel não é essencial à atividade, porém tem papel essencial na interação com o receptor benzodiazepínico, principalmente quando se analisa o fator estereoquímico envolvido; além disso, ele aumenta a lipofilicidade da molécula. Ao se fazer a substituição da fenila na posição 5 do anel B por carbonila, na posição 4 por grupo metila e no anel imidazólico substituído com um éster etílico conjugado, obteve-se um composto com atividade intrínseca zero, ou seja, sem ação farmacológica, porém de suma importância na terapêutica por sua ação antagonista, trata-se do composto flumazenil, cujo uso é fundamental no tratamento de sobredoses (overdose) por benzodiazepínicos, bem como no tratamento da abstinência de tais fármacos. 163 QUÍMICA FARMACÊUTICA Por serem altamente eficazes e com relativa segurança, os benzodiazepínicos continuam sendo considerados fármacos de escolha no tratamento inicial da ansiedade, na indução do sono, como miorrelaxante, anticonvulsivante e anestésico geral. 7.3.2 Mecanismo de ação Assim como os barbitúricos, os benzodiazepínicos são moduladores de função dos receptores GABAA, causando hiperpolarização neuronal e ação depressora do SNC. O local de ligação dos benzodiazepínicos é bem-estabelecido e, ao se ligar alostericamente, pode produzir os efeitos agonista, agonista parcial, agonista inverso e antagonista. Eles podem aumentar a condutância de íons de Cl por ação inibitória no GABA e, diferentemente dos barbitúricos, que elevam o tempo de abertura dos canais de cloro, os benzodiazepínicos sobem a frequência da abertura de tais canais. Podemos resumir o mecanismo de ação dos benzodiazepínicos como: • Receptor benzodiazepínico ligado ao complexo receptor GABAA -canal de Cl. • Facilitador da transmissão inibitória GABAérgica no SNC. • Abertura dos canais de cloro como resposta à ativação do GABA. • Seus efeitos são sedativo, hipnótico, anticonvulsivante e relaxante muscular. 7.3.3 Propriedades físico-químicas dos benzodiazepínicos As propriedades físico-químicas e farmacocinéticas dos diversos benzodiazepínicos disponíveis variam muito. Dependendo da característica dos substituintes, em geral dos eletronegativos, a lipofilicidade pode variar enormemente, o que afetará a absorção, distribuição e o metabolismo desses fármacos. Quando o benzodiazepínico é administrado por via oral, por conta da alta lipofilicidade ele prontamente é distribuído para o cérebro e perfundido a outros órgãos, com exceção do clorazepato, que tem o caráter mais hidrofílico devido à presença da hidroxila na posição 3 do anel B; por causa dessa substituição ele é descarboxilado rapidamente e então rapidamente absorvido. Sinteticamente o produto obtido apresenta-se com pós cristalinos insolúveis em água (exceção para o clorazepato e o clordiazepóxido), por conta da sua lipofilicidade, e a maioria é comercializada na forma de sais para que a via oral seja alcançada. A figura a seguir mostra a rota sintética do diazepam na qual o reagente 2-amino-5-clorobenzofenona (1) é colocado em meio de éter etílico de glicina (2) e piridina. Assim, o produto 7-cloro-1,3-diidro-5- feni-2H-1,4-benzodiazepin-2-ona (3) sofre processo de metilação utilizando sulfato de metila em meio de etóxido de sódio, obtendo-se o diazepam. 164 Unidade III Piridina NH2 O O NH2 O CI CI (1) (2) N O H N N N O CI (CH3)2SO4 C3H5ONa (3) Diazepam Figura 212 – Síntese do diazepam 7.3.4 Metabolismo A biotransformação dos principais benzodiazepínicos ocorre principalmente no sistema hepático através das enzimas microssomais (CYP450). Alguns deles, ao serem biotransformados, geram metabólitos ativos, exemplo clássico é o flurazepam, cuja meia-vida plasmática é de 2-3 horas e, ao ser biotransformado, origina o metabólito N-desalquilflurazepam, cuja meia-vida é de aproximadamente 50 horas. Clordiazepóxido Desmetilclordiazepóxido* Fármacos disponíveis para uso clínico *Metabólito ativo Demoxepam* Flurazepam Hidroxietil- flurazepam Desalquil- flurazepam Diazepam Prazepam Desmetildiazepam* Oxazepam* Alfa-hidroxi metabólitos* Lorazepam Alprazolam Triazolam Clorazepato (inativo) Conjugação Excreção urinária Figura 213 – Vias de biotransformação dos principais benzodiazepínicos 165 QUÍMICA FARMACÊUTICA Antagonista benzodiazepínico Como já dito anteriormente, a busca de novos benzodiazepínicos levou à descoberta de um composto de alta afinidade pelo receptor benzodiazepínico, o flumazenil. Ele tem como usos principais: tratamento de dependência, intoxicação e como reversor de anestésicos gerais benzodiazepínicos. 7.3.5 Relação estrutura-atividade (REA/SAR) Quando se compara a estrutura química do flumazenil com os demais benzodiazepínicos vemos que os anéis A e B estão presentes e possuem alta semelhança. Diferem pela presença de um grupo carbonila em C5 no flumazenil, o que altera levemente a conformação do anel B em relação ao diazepam. Ambos se superpõem quase que perfeitamente na porção 1,4-benzodiazepínica, havendo apenas diferença na porção imidazólica em N1 e C2 do flumazenil e a fenila em C5 do diazepam. A falta desta última, presente em todos os benzodiazepínicos ansiolíticos, pode explicar a atividade antagonista. Embora o anel esteja relacionado ao reconhecimento e à atividade intrínseca do ligante pelo receptor, sua ausência não afeta a afinidade pelo receptor. A estrutura etilimidazol-3-carboxilato presente no flumazenil é importante para a afinidade com o receptor.Derivados que não a contêm são praticamente inativos, mesmo mantendo-se a função carbonila na posição 2. Existe ampla faixa de tolerância quanto ao tamanho deste grupo alquílico, mas a eficácia de antagonistas e agonistas inversos é sensível à hidrofobicidade. Outra observação importante diz respeito à distância entre o anel A do diazepam e a carbonila em C2 e a correspondente entre o anel A do flumazenil e o grupo carbonílico presente na substituição em C2. Essa distância parece definir o caráter agonista ou antagonista: nos agonistas é de 4,91 A, enquanto nos antagonistas é de 7,30 A. N N O 2 3 4 2’ 4’ 6’ 56 7 8 9 1 x R A B C N N N F O O O Flumazenil estrutura geral do benzodiazepínicos Figura 214 – Requisitos estruturais para a atividade antagonista do flumazenil Saiba mais Sugerimos o artigo a seguir para a obtenção de uma visão mais ampla das classes de fármaco: BERNIK, M. A.; SOARES, M. B. M.; SOARES, C. N. Benzodiazepínicos: padrões de uso, tolerância e dependência. Arquivos de Neuropsiquiatria, São Paulo, v. 48, n. 1, 1990. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/anp/ v48n1/20.pdf. Acesso em: 11 ago. 2020. 166 Unidade III Embora os fármacos aqui apresentados no capítulo estejam há muito tempo na terapêutica, é imperativo que continuemos buscando estruturas químicas com potência, eficácia e com baixos efeitos adversos. Um fármaco depressor do SNC ideal deveria ter as características apresentadas a seguir. Ação em receptores específicos Eficácia em todas as idades Tolerância Alteração na memória Depressão respiratória Dependência física Efeito residual Duração de efeito Lipofilicidade Sono normal Efeito rápido Sem causar: Depressores do SNC Figura 215 7.4 Estimulantes do sistema nervoso central: anfetaminas e metilxantinas A primeira pergunta que fazemos é: por que estudamos estimulantes do SNC uma vez que seu potencial efeito é a alucinação? Neste capítulo veremos que tal classe de fármacos pode produzir os efeitos farmacológicos esperados em diversas patologias, servir de base para melhor compreensão das doenças mentais, além de fornecer a compreensão geral dos mecanismos neuroquímicos e neurotransmissores envolvidos em tais patologias. Os estimulantes do sistema nervoso central têm sua atividade através da excitação não seletiva do SNC: alguns podem produzir ação intensa enquanto outros exercem uma fraca ação. Dois mecanismos gerais são responsáveis pelo estímulo do SNC: bloqueio da inibição pré-sináptica e bloqueio da inibição pós-sináptica; outros, contudo, têm sua ação devido ao estímulo neuronal direto. Com relação ao uso, temos diversas finalidades como, por exemplo: estados depressivos; recuperação da consciência, respiração ou pressão arterial; e restauração de reflexos normais. Existem três classes de estimulantes do SNC. Vejamos quais são: • Analépticos: fármacos que aumentam a ventilação pulmonar, intensificam a resposta ao estímulo sensorial e aceleram a volta dos reflexos normais; seu uso terapêutico é limitado, são utilizados como fármacos adjuvantes na depressão respiratória. No Brasil são comercializados dois fármacos, a almitrina, usada no tratamento da insuficiência respiratória com hipoxemia ligada à bronquite obstrutiva crônica e a niquetamida, que atua diretamente nos centros respiratórios medulares; aqui é comercializada apenas em associação. É considerada substância de dopping em atletas. 167 QUÍMICA FARMACÊUTICA • Psicoestimulantes: têm como sinônimo os estimulantes cerebrais, pois atuam estimulando o córtex cerebral e os centros medulares, bem como outras partes do SNC. Fazem parte deste grupo: aminofilina, cafeína, teofilina, metilfenidato e anfetaminas. • Nootrópicos: fármacos desta classe alteram seletivamente as funções cerebrais superiores, acentuando o domínio do córtex sobre os sistemas subcorticais e estimulam os níveis de atenção e memória. Em geral são fármacos indicados ao tratamento de distúrbios cognitivos. São exemplos destes fármacos: citicolina, codergocrina, donepezila, galantamina, piracetam, rivastigmina e vimpocetina. Neste capítulo daremos atenção aos psicoestimulantes, em especial, às xantinas e às anfetaminas. 7.4.1 Derivados xantínicos Trata-se de fármacos estimulantes cerebrais como a cafeína, a teofilina e a teobromina. Em doses mínimas, são consumidas na forma de chá, café, refrigerantes à base de cola, erva-mate, guaraná e cacau; sua ingestão em tais preparações leva ao aumento da vivacidade mental e vigília. Assim, cuidados com seu uso excessivo devem ser tomados, pois existe o risco de causar insônia e ansiedade. A seguir estão representadas as estruturas químicas dos derivados xantínicos. N N N H N O 2 H2N NH2 O Aminofilina N N N N N N N N N NN HN HN H N H N N H O OOO O O O O Xantina Cafeína 1,3,7-trimetilxantina Teofilina 1,3-dimetilxantina Teobromina 3,7-dimetilxantina Figura 216 168 Unidade III 7.4.2 Relação estrutura-atividade dos derivados xantínicos (REA/SAR) Entre os derivados xantínicos, a cafeína é aquela que apresenta maior potência estimulante, seguida por teofilina, e a teobromina quase não possui tal ação. Contudo, quando se fala em ação diurética, a teofilina possui maior ação, seguida pela teobromina e, por último, pela cafeína. N HN H N N H O 1 3 7 8 O Xantina Figura 217 • N1 e N7: sem substituição, perde atividade. • N1 e N3: substituintes grandes, não polares, aumentam a atividade. • C8 aromático: aumenta a afinidade por receptores da adenosina. • C8 cicloexil, ciclopentil: diminuição da inibição da nucleotídeo fosfodiesterase cíclica. 7.4.3 Mecanismo de ação das metilxantinas As xantinas têm dois mecanismos de ação distintos. Inibem os receptores da adenosina e a enzima fosfodiesterase, aumentando os mediadores intracelulares. No músculo liso brônquico, o aumento do cAMP (adenosina monofosfato cíclica) leva ao relaxamento. Como efeitos imediatos, temos: efeito central, estimulante suave e estímulo do córtex cerebral e dos centros medulares, além de outras porções do SNC. Em resumo, há: • Antagonismo competitivo nos receptores da adenosina. 3’,5’- AMPc →X 5’-AMP metilxantinas • AMPc promove a glicogenólise, aumentando a disponibilidade de glicose para o cérebro. 169 QUÍMICA FARMACÊUTICA 7.4.4 Efeitos adversos das metilxantinas Constituem seus efeitos adversos: Quadro 11 Altas doses Nervosismo, ansiedade, tremores, hiperestesia (1 g)Estado de pânico em pessoas sensíveis (8 mg/mL) Superdosagem Convulsões (teofilina > cafeína)Arritmias cardíacas Dose letal em adultos 5 a 10 g Retirada Sensação de fadiga e sedação (doses baixas)Dor de cabeça, náusea e raramente vômito (doses altas) 7.5 Anfetaminas (Fenilisopropilaminas) A mais simples das fenilisopropilaminas é a anfetamina (1-fenil-2-aminopropano), ela serve de base tanto para fármacos estimulantes quanto para drogas alucinógenas. As anfetaminas foram sintetizadas pela primeira vez em 1887 por Edeleano, e em 1933 foi introduzido o fármaco benzedrina, indicado como descongestionante nasal e de ação analéptica. A ação das anfetaminas não é restrita a estimulante, também se dá como anorexígena, cardiovascular e hipotérmica. Elas atravessam facilmente a barreira hematoencefálica (BHE), causando efeito central; estimulam o eixo cerebroespinhal, incluindo sistema reticular ascendente e estriato; seus efeitos anorexígenos estimulam núcleos laterais ou o centro da alimentação; diminuem o grau de depressão central causado por outros fármacos e estimulam os centros respiratórios medulares Constam na sequência exemplos de anfetaminas: N N N NH2 NHCH3 NH2 HO O Anfetamina (1-fenil-2-aminopropano) Anfepramona Mazindol Metanfetamina Fentermina Figura 218 170 Unidade III 7.5.1 Relação estrutura-atividade das anfetaminas (REA/SAR) N R1 R3 R4 R2 R 3 β-CH3 ↓ potência β-OH ↓ potência β = O retém atividade e potência Não substituído preferido α-CH3 importante Hou homólogos ↓ potência S(+) > (±) > R(-) N-metil > NH2 > NHR > NR2 D A B CE Figura 219 Substituição na amina A substituição da amina tem relação direta com a potência de tais fármacos; as aminas primárias são mais potentes que as secundárias, que por sua vez são mais potentes que as terciárias. Assim, podemos resumir tudo da seguinte forma: Potência: amina 1ária > 2ária > 3ária Em relação às aminas secundárias, quando o comprimento do substituinte amina aumenta, a atividade diminui; as N-monoetil e N-mono-n-propil aminas retêm o caráter estimulante, mas são menos potentes do que a própria anfetamina. Já para substituintes maiores, neste tipo de amina, geralmente resultam em compostos com pouco ou nenhum caráter psicoestimulante. Centro quirálico A presença de carbono assimétrico (quiral) faz com que ela se apresente como um par de enantiômeros e tenha papel importante na potência de alguns derivados de anfetamina, como é demonstrado no exemplo a seguir: NH2 (a) (b) NH2 NH2* Figura 220 • (a) 2S(-)-dextranfetamina é várias vezes mais potente como estimulante central; • (b) 2R(+)-levanfetamina é menos potente como estimulante central. 171 QUÍMICA FARMACÊUTICA Não é válido para outras ações, por exemplo, ação cardiovascular (periférica). α-Substituição NH2 CH3 α Figura 221 A anfetamina apresenta um grupamento α-metílico; a desmetilação, que formará feniletilamina ou 2-fenil-1-aminoetano, produz agente com menor lipofilicidade e maior probabilidade de rápida metabolização. Substituintes como o α-etil ou α-n-propil resultam em diminuição ou perda da ação estimulante central. β-Substituição NH2 β Figura 222 Ainda não se tem uma investigação mais detalhada sobre a substituição em beta. Os compostos efedrina e norefedrina são os mais estudados, elas são derivados de fenilpropanolaminas e vistos como análogos estruturais da β-hidroxianfetamina e metanfetamina. Tal hidroxilação nas anfetaminas revela um novo centro quiral, tendo, portanto, não mais dois isômeros possíveis, mas oito, como demonstrado a seguir: CH3 CH3 Efedrina Norefedrina Pseudoefedrina Norpseudoefedrina CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 (-) (-) (+) (+) (+) (+) (-) (-) NHCH3 NH2 H H NHCH3 NH2 H H H H H3CHN H2N H H H3CHN H2N S S R R R S R S S S S S R R R R OH OH H H H H OH OH H H HO HO HO HO H H Figura 223 172 Unidade III Das substituições feitas temos a hidroxilação, que reduz a lipofilicidade, como responsável pela diminuição da atividade estimulante e a ausência do átomo de oxigênio ou ele na posição β. Porém, a substituição aumenta a atividade periférica. Substituição no núcleo aromático As substituições no anel podem levar à ausência de atividade estimulante e ao aumento da ação. O grupo hidroxila presente no composto 4-hidroxiaminoetamina impede a passagem pela barreira hematoencefálica por sua característica polar. Mascarando o grupo hidroxila com grupos éteres, temos a p-metoxi-anfetamina (PMA), que possui apenas 10% da potência da anfetamina. Alguns exemplos de compostos com substituintes no anel e suas respectivas ações encontram-se na sequência: H3C H3C CH3 CH3 CF3 CI CH3 NH2 NH2 NH2NH2 S(+) anfetamina (potente estimulante) PCA (p-cloroanfetamina) perda da ação estimulante; antidepressivo potencial p-TAB (fraco estimulante) Fenfluramina perda da ação estimulante; supressor de apetite Figura 224 Na busca de substâncias estimulantes muitos outros foram sintetizados, alguns com ação estimulante e outros anorexígenas, como é o caso do aminorex e da anfepramona. Vejamos alguns exemplos: CH3 O O O CH3 CH3 NH2 N(C2H5)2 NH2 NH2 OO O NH NN Catinona Anfepramona Fenmetrazina Aminorex Pemolina Figura 225 173 QUÍMICA FARMACÊUTICA 7.5.2 Ações comparativas das fenilisopropilaminas A seguir veremos as ações comparativas das fenilisopropilaminas: Quadro 12 Posição Ação estimulante(tipo anfetamina) Ação alucinógena (tipo dimetoxianfetamina-DOM) A: amina terminal N-metil > NH2 > NHR > NR2 NH2 > NHR > NR2 B: centro quirálico S(+) > ( ± ) > R(-) R(-) > ( ± ) S(+) C: α-metil H e homólogos ↓ potência H e homólogos ↓ potência D: β-posição β - OH ↓ potência β = O retém atividade e potência β - OH sem estudo β = O sem estudo E: aromático não substituído 2,3-CH3 = preferido 7.5.3 Mecanismo de ação das anfetaminas estimulantes O principal sistema envolvido é o dopaminérgico, aumentando a liberação pré-sináptica de dopamina, noradrenalina e 5-HT e, em menor extensão, inibindo a recaptura nas terminações pré-sinápticas. Seu uso pr olongado leva à degeneração das terminações nervosas contendo aminas e morte celular. NA Transportador de intercâmbio Metabólitos NA Receptor pós-sináptico Anfetamina Anfetamina MAO Vesícula de Vesícula de armazenamentoarmazenamento Figura 226 – Mecanismo de ação das anfetaminas 174 Unidade III 7.5.4 Metabolização das anfetaminas A anfetamina tem meia-vida de aproximadamente 7 horas, alguns produtos de biotransformação são detalhados na figura a seguir. Uma parte significativa dos compostos são excretados em sua forma livre, outra passa pelos processos de hidroxilação e oxidação (fase I) cujas enzimas responsáveis são a citocromo P450 e a flavinamonoxidase. Após a metabolização da fase I, ocorre a fase II com a glicuronidação e posterior excreção renal. O O O OH OH HO HO NHOH CH3 CH3 CH3CH3 CH3 CH3 NH2 NH2 NH2 N-hidroxianfetamina Anfetamina Intermediário carbinolamina Fenilacetona Derivados hidroxicetonaÁcido benzoicop-hidroxianfetamina Figura 227 7.5.5 Efeitos farmacológicos Seus efeitos farmacológicos incluem: estimulação locomotora; euforia e excitação; comportamento estereotipado e anorexia. As anfetaminas apresentam ação simpatomimética periférica, produzindo elevação da pressão arterial e inibição da motilidade GI. Os efeitos comportamentais da anfetamina se devem principalmente à liberação de DA, e não de NA. 7.5.6 Tolerância de dependência Quando a anfetamina é tomada repetidamente durante alguns dias pode desenvolver um estado de “psicose por anfetamina”, o que gera nos usuários a busca por manter a euforia que a dose única produz. A dependência da anfetamina parece ser consequência do efeito posterior desagradável que produz e da insistente lembrança da euforia, o que leva ao desejo de repetir a dose. 175 QUÍMICA FARMACÊUTICA 7.5.7 Uso clínico e efeitos adversos Seu principal uso é o transtorno do déficit da atenção com hiperatividade (TDAH), particularmente em crianças (metilfenidato). Os efeitos que causam incluem: hipertensão, insônia, anorexia, tremores, risco de exacerbar esquizofrenia e de dependência. Metilfenidato Este fármaco é um derivado da benzilpiperidina e fenetilamina, comercialmente chamado de Ritalina®. É utilizado para transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), diminuindo a inquietação motora, aumentando a concentração, atenção e memória. Em menor uso, é aplicado para narcolepsia, na qual a estimulação do sistema nervoso central produz aumento da vigília, diminuição da sensação de fadiga e elevação do estado de ânimo, entendido como alegria e ligeira euforia. Possui dois centros quirais nas posições 2 e 2’, podendo existir nas quatro formas isoméricas: treo = 2R,2’R, treo = 2S,2’S, eritro = 2R,2’S e eritro = 2S,2’R. Sua ação estimulante está relacionada exclusivamente ao par isomérico treo, sendo as formas isoméricas eritro isentas de ação estimulante. O O OO OCH3 OCH3 (2S, 2’R)-metilfenidato (treo) (2S, 2’R)-metilfenidato (eritro) (2R, 2’S)-metilfenidato (treo) (2R, 2’S)-metilfenidato (eritro) H3CO H3CO 2 2 2 2 2’ 2’ 2’ 2’ H H H H H HH HN HN NH NH H Figura 228 Seu mecanismo de ação não está completamente elucidado, porém uma hipótese de que ele bloqueia fortemente a recaptura de norepinefrina e mais fracamente a recaptura de dopamina é a mais provável e aceita. 176 Unidade III Dopamina ou noradrenalinaTransportador da dopamina ou noradrenalina Fenda sináptica Neurônio pré-sináptico Neurônio pós-sináptico Metilfenidato Figura 229 – Hipótese de mecanismo de ação do metilfenidato Estudos de relação estrutura-atividade do metilfenidato ainda são feitos para tentar explicar seu mecanismo de ação de maneira mais precisa. 8 MODIFICADORES SELETIVOS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL: ANTIPSICÓTICOS E ANTIDEPRESSIVOS 8.1 Antipsicóticos O termo psicose descreve distúrbios psiquiátricos graves, geralmente de origem desconhecida ou idiopática, portanto funcionais, nos quais são encontrados, além dos distúrbios do comportamento, incapacidade de pensar coerentemente e de compreender a realidade. A orientação e a memória estão conservadas, apesar do comprometimento do pensamento, das emoções e do comportamento. Entre as psicoses funcionais mais importantes, encontra-se a esquizofrenia, termo genérico para um grupo de transtornos mentais que aparecem mais comumente entre os 15 e 35 anos, a qual é caracterizada por alucinações auditivas, delírios, afeto embotado ou incongruente, desorganização e incoerência do pensamento. A esquizofrenia aparece em muitas variedades. Um dos tipos mais comuns é visto na pessoa que ouve vozes e tem mania de grandeza, medo intenso, ou outros tipos de sensações que são irreais. Muitos esquizofrênicos são altamente paranoides, com sensação de perseguição de fontes externas; podem desenvolver fala incoerente, dissociação de ideias e sequências anormais de pensamento; são frequentemente retraídos, às vezes com posturas anormais e até mesmo rigidez. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2019) apontam que a esquizofrenia atinge 20 milhões de pessoas ao redor do mundo. Em geral, a doença tem seu início no fim da adolescência e começo da vida adulta, mas pode surgir mais tardiamente, em especial nas mulheres. Pode ser considerada um grave problema de saúde pública, pois é doença altamente incapacitante e com um custo social muito elevado, pois em geral os pacientes não conseguem entrar no mercado de trabalho e com frequência seus familiares param de trabalhar para cuidar do parente afetado. 177 QUÍMICA FARMACÊUTICA Os fármacos utilizados neste tipo de manifestação são denominados antipsicóticos ou neurolépticos, os quais incluem fenotiazinas tricíclicas, tioxantenos e dibenzazepinas, assim como butirofenonas e congêneres, diarilbutilpiperidínicos, benzisoxazóis e benzamidas. Quase todos eles bloqueiam os receptores D2 dopaminérgicos e inativam a neurotransmissão dopamínica no prosencéfalo; alguns também interagem com receptores dopaminérgicos D1, serotonérgicos 5-HT2 e a-adrenérgicos. A maioria desses neurolépticos induz efeitos neurológicos severos, como: distonia, acatisia, bradicinesia e, em alguns casos, a síndrome neuroléptica maligna, que pode ser fatal. Infelizmente, os antipsicóticos não fazem mais do que aliviar a intensidade dos sintomas esquizofrênicos, sendo incapazes de curar o paciente. Do ponto de vista etiológico, é difícil estabelecer uma causa única. Entretanto, há consenso de que são necessários fatores predisponentes (genéticos, constitucionais e bioquímicos) em concomitância com fatores ambientais para o desencadeamento da doença. Do ponto de vista bioquímico, a hipótese da hiperfunção dopaminérgica é a mais citada como produtora dos sintomas da esquizofrenia. Acredita-se que, na esquizofrenia, um excesso de dopamina é secretado por um grupo de neurônios secretores de dopamina cujos corpos celulares ficam no segmento ventral do mesencéfalo, medial e superior à substância negra. Vias de dopamina Estriado Córtex pré-frontal Nucleus accumbens Hipotálamo Área tegmental ventral Substância negra Figura 230 – Representação esquemática das vias de dopamina no sistema nervoso central O quadro a seguir apresenta algumas evidências que dão suporte à teoria da hiperfunção dopaminérgica. Quadro 13 – Evidências que sustentam a hipótese da hiperfunção dopaminérgica para a esquizofrenia 1. A maioria dos fármacos antipsicóticos bloqueia fortemente os receptores D2 pós-sinápticos no sistema nervoso central, especialmente no sistema mesolímbico central 2. Fármacos que aumentam a atividade dopaminérgica, como levodopa (precursor), anfetamina (liberadora de dopamina), ou apomorfina (agonista direto do receptor), tanto agravam a esquizofrenia como a desencadeiam em alguns pacientes 178 Unidade III 3. A densidade dos receptores dopaminérgicos está aumentada ao exame post-mortem nos cérebros dos esquizofrênicos não tratados com fármacos antipsicóticos 4. A tomografia por emissão de pósitrons (PET) mostrou que a densidade dos receptores dopaminérgicos está aumentada tanto nos esquizofrênicos tratados quanto naqueles não tratados, em comparação com as tomografias de indivíduos não esquizofrênicos 5. Há relatos de que o tratamento bem-sucedido dos pacientes esquizofrênicos altera a quantidade de ácido homovanílico (HVA), metabólito da dopamina, no líquido cefalorraquidiano, no plasma e na urina Adaptado de: Lodge; Grace (2011). Saiba mais Leia o artigo indicado para entender melhor a hipótese dopaminérgica dos antipsicóticos. MOREIRA, F. A.; GUIMARÃES, F. S. Mecanismos de ação dos antipsicóticos: hipóteses dopaminérgicas. Medicina, Ribeirão Preto, v. 40. n. 1, p. 63-71, jan./mar. 2007. Disponível em: http://revista.fmrp.usp.br/2007/vol40n1/ rev_mecanismos_acao_antipsicoticos.pdf. Acesso em: 11 ago. 2020. 8.1.1 Agentes antipsicóticos Os agentes antipsicóticos não curam a esquizofrenia, apenas controlam as manifestações psicóticas, melhoram a capacidade do paciente para o ajustamento, aceleram a remissão dos sintomas psicóticos e desvio de comportamento e diminuem o período de hospitalização. Várias classes de fármacos são eficazes no tratamento sintomático dos distúrbios psiquiátricos, que incluem, entre os mais empregados, os derivados fenotiazínicos (clorpromazina, tioridazina, trifluoroperazina, flufenazina), os tioxantenos, análogos isostéricos das fenotiazinas (clorprotixeno e tiotixeno), as butirofenonas (haloperidol, droperidol), as difenilbutilaminas (pimozida), os benzisoxazóis (risperidona), os derivados benzamídicos (sulpirida), os derivados dibenzodiazepínicos (clozapina), além de outros agentes antipsicóticos heterociclos diversos. Os antipsicóticos que atuam pelo bloqueio pós-sináptico do sistema nigroestriatal causam sintomas extrapiramidais, como: acatisia, discinesia tardia e disfunções neuroendócrinas. Agentes antipsicóticos com alta atividade anticolinérgica, como a tioridazina, provocam poucos efeitos extrapiramidais. Aqueles mais incisivos como haloperidol, trifluoperazina e flufenazinas produzem muito mais efeitos extrapiramidais. Os antipsicóticos atípicos são um grupo heterogêneo de fármacos que causam pouco ou nenhum efeito extrapiramidal, como clozapina e risperidona. Em compensação, flufenazina e haloperidol sedam menos que os demais, em geral, por serem fracos bloqueadores adrenérgicos. 179 QUÍMICA FARMACÊUTICA Além do uso como antipsicóticos, tais fármacos são utilizados nos seguintes casos: controle de náuseas e vômitos; controle de ansiedade e inquietação graves; controle de comportamento hiperexcitável; controle de hipercinese em crianças; auxílio no tratamento de tétano; tratamento de porfiria intermitente aguda; e controle de soluço incoercível. 8.1.2 Antipsicóticos típicos (de primeira geração) Fenotiazínicos e tioxantenos A introdução dos fenotiazínicos na terapêutica aconteceu por volta dos anos 1952, pesquisadores buscavam novos anti-histamínicos e, a partir de um deles, a prometazina, verificaram que ela causa sedação muito maior do que os outros anteriormente estudados. Desde então diversos compostos foram sintetizados e chegou-se à clorpromazina, com efeitos antipsicóticos extraordinários. Tal descoberta mudou a história da psiquiatria e do tratamento em pacientes com esquizofrenia. Prometazina (anti-histamínico) Clorpromazina (antipsicótico)CI S S N N N N Figura 231 8.1.3 Relação estrutura-atividade dos fenotiazínicos e tioxantenos (REA/SAR) A partir da descoberta da clorpromazina, mais de 25 fenotiazínicos e tioxantenos foram introduzidos na terapêutica e iniciaram-se os estudos de REA. Anel fenotiazínico Cadeia alquílica Amina terciária X 2 R1 R2 S N N Figura 232 180 Unidade III A potência e a interação com o receptor podem ser explicadas através dos substituintes apontados a seguir. Grupos elétron-aceptores SO2NR2 > CF3 > COCH3 > CI aumentam eficácia 2 carbonos: anti-histamínica Cadeia alquílica: atividade antipsicótica máxima com 3 carbonos Substituição por C=C Tioxantênicos Amina terciária alifática ou cíclica Isósteros menos ativos menos tóxicos Fenotiazínicos X 2 R1 R2 S N N Figura 233 Modificações na cadeia lateral da função amina resultam em três subclasses de fenotiazínicos: N N N N N N N NN R1 R2 R Derivados fenotiazínicos alifáticos Derivados fenotiazínicos piperidínicos Derivados fenotiazínicos piperidínicos Figura 234 A seguir temos os fenotiazínicos e tioxantenos encontrados no Brasil: Quadro 14 Fármaco Nome comercial Estrutura química Clorpromazina Amplictil® N N S CI 181 QUÍMICA FARMACÊUTICA Fármaco Nome comercial Estrutura química Flufenazina Flufenan® N N N S OH F F F Periciazinha Neuleptil® N N S OH N Pipotiazina Piportil® N N N N S S O O Tioridazina Melleril® N N S S Trifluoperazina Stelazine® N N N S F F F 182 Unidade III Fármaco Nome comercial Estrutura química zuclopentixol Clopixol® N N S CI OH Da relação estrutura-atividade foi possível determinar os quesitos estruturais responsáveis pela potência e efeitos adversos, conforme veremos a seguir: Quadro 15 Potência antipsicótica piperazínicos > piperidínicos > alifáticos Frequência EPS piperazínicos > piperidínicos > alifáticos Sedação e hipotensão alifáticos > piperidínicos > piperazínicos A fim de uma melhor adesão ao tratamento dos pacientes portadores de esquizofrenia, que muitas vezes abandonam o tratamento por conta dos efeitos adversos ou porque fazem uso de antipsicóticos potentes e se sentem “curados”, ou, ainda, para manutenção de pacientes estabilizados, foram produzidas formas latenciadas desses fármacos: decanoato de haloperidol (posologia 1x/21 dias por via intramuscular) e enantato de flufenazina (posologia 1x/1-3 semanas, dependendo do paciente, por via intramuscular ou subcutânea). S N N N CF3 OH Flufenazina S N N N O CF3 O Enantato de flufenazina N O O O F CI (CH2)8CH3 Decanoato de haloperidol N OH O CI Haloperidol F Figura 235 183 QUÍMICA FARMACÊUTICA Observação Um fármaco latenciado é aquele que passou pela modificação molecular chamada de latenciação. Trata-se de uma estratégia de formação de pró-fármacos. Exemplo de aplicação Embora a formação de pró-fármacos por latenciação seja uma estratégia incentivada pela OMS, existem poucos fármacos latenciados na terapêutica. A que devemos atribuir tal fato? Pesquise e reflita a respeito. Butirofenonas Na busca de novos hipnoanalgésicos derivados da meperidina foram sintetizados a propiofenona e a butirofenona; ambos tiveram potência superior à meperidina, mas somente a butirofenona apresentou, também, atividade antipsicótica. NH3C COOO2H5 Meperidina N O COOO2H6 Análogo propiofenona N O COOO2H6 Análogo butirofenoma Figura 236 8.1.4 Relação estrutura-atividade das butirofenonas (SAR) Através da REA foi possível suprimir a atividade analgésica dos análogos obtidos e manter a ação antipsicótica. Os grupos essenciais para tal atividade estão representados a seguir: 184 Unidade III N O Fenona é-aceptor 3C = propil Amina 3ª R1 R2 X Figura 237 A amina terciária ligada ao grupo butírico é essencial para a atividade, podendo ser uma piperidina ou piperazina; a substituição do oxigênio carbonílico por enxofre leva à redução da atividade; o encurtamento ou ramificação diminui a ação antipsicótica; a presença de flúor na posição para do anel aromático torna o fármaco mais potente; e variações na posição por elétron-aceptores aumentam a ação antipsicótica. Exemplos de fármacos dessa classe e o uso deles na terapêutica, além da ação antipsicótica, são mostrados na sequência: Quadro 16 Fármaco Nome comercial Uso Estrutura química droperidol Droperidol® Profilaxia e alívio de náusea e vômito O F O N N N H haloperidol Haldol® Síndrome de Tourette e alívio de náusea e vômito OH CI F O CH2 CH2 CH2 NC Difenilbutilpiperidinas Através da busca de análogos butirofenônicos foram sintetizados novos fármacos que deram origem aos difenilbutilpiperidínicos, por meio da substituição da carbonila por um grupo arila e a introdução de um anel piperidínico ligado diretamente à amina terciária. 185 QUÍMICA FARMACÊUTICA N O Fenona ρ-fluor 3C Amina 3ªR1 R2 X N Diaril Piperidínico Diarilbutilpiperidina 3C R1 R2 Figura 238 Sua ação é semelhante àquela dos fenotiazínicos piperazínicos e, embora existam três representantes dessa classe, temos o penfluridol, fluspirileno (não comercializado no Brasil e a pimozida). Quadro 17 Fármaco Nome comercial Estrutura química penfluridol Semap® F F F F F OH CI N pimozida Orap® O H N F F N N 8.1.5 Antipsicóticos atípicos (de segunda geração) Os antipsicóticos atípicos surgiram no final dos anos de 1960, eles atuam sobre os sintomas negativos, possuem menores efeitos neurológicos e são úteis em pacientes refratários aos antipsicóticos típicos. Benzamidas As benzamidas ou ortopramidas surgiram de modificações estruturais no antiemético metoclopramida, e no Brasil são comercializadas: amissulprida, sulpirida e tiaprida. 186 Unidade III N N N N N O S NH NH O O O H2N H2N OOOMe CI OMe SO2C2H5 SO2NH2 OMeO C C C2H5 C2H5 N H Metoclopramida Sulpirida Dogmatil Tiaprida Tipridal® Amissulprida Socian® Figura 239 Benzisoxazóis (Pirimidonas) Os fármacos desta classe são caracterizados pela presença de um anel homocíclico ou heterocíclico de cinco ou seis membros sendo conjugado a um grupo pirimidona e à cadeia carbônica ligada a um anel piperidínico, além de possuir um ou mais átomos de flúor. Eles possuem eficácia melhorada contra os sintomas positivos (desilusões e alucinações) e negativos (emoções diminuídas, baixa motivação) da esquizofrenia e reduzidos sintomas extrapiramidais (SEP). N N N NO O F Risperidona Risperdal® Figura 240 Dibenzazepínicos Classe de neurolépticos que utiliza o anel tricíclico dibenzazepínico como característica básica de sua estrutura. Eles são agrupados em classes químicas diferentes pela formação de bioisósteros (NH, O e S), possuem a mesma ação antipsicótica dos feniltiazínicos, porém com menores efeitos extrapiramidais. 187 QUÍMICA FARMACÊUTICA N X 10 11 2 5 8 Introdução de anel piperazínico facilita formulação Isóstero: tiofeno Anel dibenzazepínico X = NH: dibenzodiazepina X = O: dibenzoxazepina X = S: dibenzotiazepina Figura 241 8.1.6 Mecanismo de ação Os agentes antipsicóticos são depressores seletivos do sistema nervoso central. Seus sítios de ação central estão localizados no hipotálamo, tronco encefálico e provavelmente em outras regiões subcorticais do cérebro envolvidas na coordenação do comportamento emocional. Algumas evidências sugerem que a potência clínica e eficácia antipsicótica, de ambos os antipsicóticos típicos e atípicos, geralmente estão relacionadas às suas afinidades e à capacidade de bloquear os receptores dopaminérgicos D2. Embora todos os fármacos antipsicóticos eficazes bloqueiem receptores D2, o seu grau varia consideravelmente em relação a outras ações sobre receptores de diversos fármacos. O haloperidol age principalmente sobre os receptores D2, embora possua também algum efeito sobre os receptores serotonérgicos 5-HT2 e a1 adrenérgicos, mas praticamente possui efeitos insignificantes sobreos receptores D1. Dopamina em vesículas Neurônio pré-sináptico Receptores de dopamina neurônio pós-sináptico D1 D2 Bloqueio da captação de dopamina Bloqueio da recaptação de dopamina Antipsicótico Recaptação normal de dopamina Figura 242 – Mecanismo de ação dos antipsicóticos (neurolépticos) ao nível dos receptores dopaminérgicos D1 e D2 188 Unidade III 2.55Å 8.52Å 3.04Å O OOH ser 194 trp 160 asp 114 H N Figura 243 – Prováveis interações com os aminoácidos específicos do sítio de ligação do receptor D2 8.2 Antidepressivos A depressão é uma patologia que acomete o sistema nervoso central e tem como sintomas mais simples a falta de esperança e uma avassaladora sensação de desespero. É uma doença que não faz distinção de gênero, classe social, nível de instrução escolar ou faixa etária. O indivíduo se sente cansado em demasia, desacreditado, desesperançoso e com o sentimento de solidão. Afeta o humor, o pensamento, o sono, causa dor e sofrimento não apenas para si, mas para todos que o rodeiam. Sem tratamento adequado os sintomas podem durar semanas, meses ou anos, porém com o tratamento correto o indivíduo fica livre dos sintomas em pouco tempo. Embora seja uma doença das mais tratáveis, poucos procuram a ajuda apropriada. No Brasil a depressão é a doença que mais causa afastamento do trabalho, e nos Estados Unidos o número de jovens que cometem suicídio está associado a estágios depressivos. São fatores desencadeantes e agravantes da depressão: • vida urbana; • desemprego; • doença física; • estresse emocional; • adolescência; • histórico familiar; • medicamentos, drogas, álcool. 189 QUÍMICA FARMACÊUTICA 8.2.1 Causas bioquímicas dos distúrbios afetivos O papel fundamental das aminas neurotransmissoras, tais como dopamina, norepinefrina (noradrenalina) e serotonina é controlar determinados aspectos, os quais veremos na figura a seguir: Noradrenalina Energia Interesse Serotonina Impulso Obsessões Ansiedade Irritabilidade Emoção Humor Função cognitiva Dopamina Iniciativa Alerta HO HO OH NH2 HO HO NH2 HO N H NH2 Figura 244 8.2.2 Hipótese monoaminérgica da depressão Embora os mecanismos que envolvem a depressão não estejam totalmente elucidados, temos a hipótese de que as monoaminas: serotonina, norepinefrina (noradrenalina) e dopamina estejam diretamente envolvidas com a patologia. Diversas pesquisas apontam que um desequilíbrio nelas ou em seus receptores podem ser os desencadeantes da doença. Pós-sináptico Pré-sináptico Normal Pós-sináptico Pré-sináptico Depressão Pós-sináptico Pré-sináptico Tratamento Figura 245 – Hipótese monoaminérgica da depressão Na figura anterior, a imagem à esquerda representa o cérebro de pessoas sem sintomas, serotonina e noradrenalina, representadas em amarelo, que são liberadas e se ligam aos seus respectivos receptores nos neurônios pós-sinápticos. Tais monoaminas podem ser recapturadas por transportadores específicos (visualizados na cor rosa) em neurônios pré-sinápticos ou degradados pela enzima MAO. Na imagem do centro temos indivíduos que apresentam sintomas da doença, os quais têm diminuição dos níveis de monoaminas. Ao se bloquear os receptores das monoaminas, interromper sua captura ou ainda inibir a enzima MAO, teremos um aumento na concentração de serotonina, noradrenalina e dopamina e, como efeito direto, reestabelecimento do humor e alívio dos sintomas gerais da depressão, como mostrado na imagem à direita. 190 Unidade III 8.2.3 Classificação dos antidepressivos Os antidepressivos são classificados em: • sais de lítio; • inibidores da MAO (IMAOs); • antidepressivos tricíclicos e atípicos (ADTs); • inibidores da recaptura de dopamina; • inibidores da recaptura de norepinefrina; • inibidores da recaptura de norepinefrina e serotonina; • inibidores seletivos da recaptura de serotonina (ISRS). Sais de lítio A depressão maníaca, ou transtorno afetivo bipolar, está relacionada a mudanças bruscas de humor. O uso de sais de lítio atuam eficazmente nas oscilações de humor, independentemente da etiologia. A forma mais comum é o carbonato de lítio (Carbolitium®), porém podem ser comercializados nas formas de citrato e sulfato. Mecanismo de ação A terapia com estabilizadores de humor não tem mecanismo de ação definido, entretanto sabe-se que esses sais suprimem a sinalização de trifosfato inositol (IP3) intracelular e inibem a proteína C quinase (glicogênio sintase quinase-3); em pacientes bipolares, há aumento da atividade da proteína. O uso desses fármacos tem que ser realizado com rigoroaa atenção médica e farmacêutica, pois existe a possibilidade de intoxicação por lítio. Inibidores da monoaminoxidase (iMAOs) A monoaminoxidase (MAO) é uma enzima mitocondrial que catalisa os processos oxidativos das monoaminas endógenas, ela promove a retirada do grupo amina através da oxidação, resultando na formação de aldeído e amônia de acordo com a seguinte reação: R–CH2–NH2 + O2 → [R–CH=NH] → R–CHO + NH4 Os iMAOs podem ser classificados em derivados hidrazídicos e hidrazínicos. O primeiro iMAO foi descoberto ao acaso quando foram observados os efeitos no humor causados pela iproniazida, um tuberculostático de ação fraca. A busca por tuberculostáticos mais eficientes gerou a descoberta da isoniazida, que também provocava melhora no humor dos pacientes, e isso chamou a atenção e levou 191 QUÍMICA FARMACÊUTICA à busca do grupo químico responsável dos tuberculostáticos que teriam tal efeito. Então, descobriu-se que a presença da hidrazida era a responsável pela mudança de humor. Assim novos compostos foram sintetizados e introduzidos na terapêutica, entre eles: fenelzina, isocarboxazida e moclobemida. N N O O CH3 CH3 NH2 NH — NH2NH H N H N Iproniazida Isoniazida Fenelzina Figura 246 – Inter-relação dos tuberculostáticos com iMAO NH N OO Moclobemida Inibidor reversível da MAO-A 3ª geraçãoCI NH HN N O O Isocarboxazida CH3 NH HN N Iproniazida O CH3 CH3 NH Fenelzina NH2 Figura 247 Mecanismo de ação Os derivados hidrazínicos são inibidores irreversíveis da MAOA e MAOB, enquanto os hidrazídicos são inibidores reversíveis seletivos para a enzima MAOA. A administração de iMAOs deve ser feita com a atenção farmacêutica orientando os pacientes de que não devem fazer uso de certos alimentos, como, por exemplo, alguns tipos de queijo, fígado de galinha, vinho, cerveja sem álcool etc., pois eles são ricos em triptofano (precursor da síntese de serotonina) e tiramina, e tal associação causa crises hipertensivas por conta da potencialização da liberação de catecolaminas. Exemplo de aplicação Caro aluno, procure em livros de farmacologia as diferenças entre as monoaminoxidases do tipo A e do tipo B. O que distingue ambas? Como isso pode influenciar na escolha do fármaco? Pesquise e reflita a respeito. 192 Unidade III Antidepressivos tricíclicos (ADTs) A primeira classificação para esses fármacos foi de timolépticos, pois acreditava-se que tais compostos atuavam como depressores do timo, regulando as funções do humor. Mais tarde essa a classificação foi descartada com a descoberta do mecanismo de ação dos fármacos. Os ADTs são análogos dos antipsicóticos fenotiazínicos. O primeiro a ser estudado foi a imipramina, composto sintetizado em 1957 e testado para diversas patologias (anti-histamínico, antiparkinsoniano, entre outros). Em 1958, sua ação antidepressiva o fez ser introduzido na terapêutica. São fármacos utilizados tanto na depressão endógena, quanto exógena, mas contraindicados para pacientes com angina pectoris, insuficiência cardíaca congênita e taquicardia paroxísmica. Sua associação com inibidores da MAO também deve ser evitada, pois causa reação atropínica tóxica, muitas vezes fatal. NO2 COOC2H5 -NH3 C2H5ONa 270-280 ºC Sn/HCI CI(CH2)3N(CH3)2NaNH2 Imipramina NO2 NH2 H2N O2N N N H Figura 248 – Síntese da imipramina 8.2.3.1 Relação estrutura-atividade dos ADTs (REA/SAR) Os ADTs podemser classificados quanto a sua seletividade aos neurotransmissores norepinefrina (NE), dopamina (DO) e serotonina (5-HT ou SE). 193 QUÍMICA FARMACÊUTICA Para que tenha ação antidepressiva, esses fármacos precisam possuir estruturalmente: • Anel tricíclico composto de dois anéis benzênico e um anel de sete membros central, podendo ter um átomo de N no carbono ligado à cadeia alquílica. • Cadeia com três carbonos entre o anel de sete membros e a amina terminal, podendo ser saturada ou insaturada. • Amina terminal terciária, não seletiva quanto aos neurotransmissores (DO, NE, SE) ou amina secundária que tem maior afinidade aos receptores NE. N H N N N N N N NH CH3 CH3 CI Amitriptilina (Tryptanol) Nortriptilina (Pamelor) Imipramina (Tofranil) Desipramina (Norpramim) Clomipramina (Anafranil) Protriptilina (Vivactil) CH3 CH3 HN Figura 249 Mecanismo de ação Os ADTs bloqueiam o receptor de recaptura de neurotransmissor, como consequência ocorre aumento da concentração deles na fenda sináptica. α-adrenérgico Colinérgicos (muscarínicos) Serotoninérgico Noradrenérgico Histaminérgico (H1) Receptor Figura 250 – Mecanismo de ação dos ADTs 194 Unidade III Metabolismo Os ADTs são metabolizados pela família citocromo P oxidase através de reações de fase I: hidroxilação e desmetilação e glicuronidação na fase II, como mostrado na figura a seguir: CH3 OH OH OH CH3 CH2 CH2 CH2 N(CH3)2 Desmetilimipramina 2-hidroxidesmetilimipramina Imipramina N-óxido Glicuronídeo 2-hidroxi-imipramina Imipramina Glicuronídeo 2-hidroxi-iminodibenzil Iminodibenzil CH2 CH2 CH2 N(CH3)2 CH2 CH2 CH2 NHCH3 CH2 CH2 CH2 N → C CH2 CH2 CH2 NHCH3 N N N N N N H N H Figura 251 Inibidores seletivos da recaptura de serotonina (ISRSs) Durante muito tempo os iMAOs e os ADTs foram os fármacos mais prescritos para depressão, porém com seus efeitos adversos e potencial toxicidade, bem como as hipóteses de serotonina e norepinefrina desempenharem papel fundamental nessa patologia, estudos por compostos mais seletivos e com menores efeitos adversos passaram a ser feitos. Nesta busca foram incluídos: • alta seletividade pelos receptores; • retardamento ou inibição dos transportadores ligados aos neurotransmissores; • compostos com baixa atividade pelos receptores conhecidos pelos efeitos adversos dos ADTs. O primeiro caso de sucesso foi a síntese da zimelidina, em que o anel central do ADT amitriptilina foi aberto, formando um análogo de difenilpropilidina. Estudos mostraram que tal composto inibia 195 QUÍMICA FARMACÊUTICA seletivamente a recaptura de serotonina com mínima inibição da recaptura de noradrenalina, assim como não exibia os efeitos adversos dos ADTs. Novos derivados do protótipo zimelidina foram sintetizados e, entre eles, a paroxetina, que apresentou melhores resultados. A partir dela foi lançado no final dos anos 1980 a fluoxetina, como o nome comercial de Prozac®, e propagandas intensas fizeram com esse fármaco ficasse conhecido como “a droga da felicidade”. Os ISRSs estão apresentados a seguir: CI CI NHCH3 O N CH3 CH3 F N ≡ C (s) O N CH3 H H N ≡ C F (s) NH O O O (s) (s) NH O (s) S N CH3 CH3 H3C H (s) NH O O O F (s) (R) 3 2 1 4 O O N CH3 CH3 CF3 CH3 (s) (R) 3 2 1 4 O N CH3 CH3 H3C H O NH CH3H (s) CF3 O NH2 H (s) CF3 NH O OO F (s) 4 3 (R) S-fluoxetina S-fluoxetina S, S-reboxetina Sertralina 3R, 4S(+)-femoxetina S-citalopram S-desmetilcitalopram S-talsupram S-norfluoxetina (-)3S,4R-paroxetina (-)3S,4R-paroxetina (+)-talopram Figura 252 196 Unidade III Em 2017 foi aprovada pela Anvisa a introdução da vortioxetina, um ISRS, porém de ação multimodal, ou seja, atua em diversos sub-receptores de serotonina (5-HT1, 5-HT3, 5-HT7). Seu mecanismo de ação não está totalmente elucidado, mas estudos feitos mostram que além de inibir a recaptura de serotonina, ele está envolvido como agonista dos sub-receptores. Sua estrutura química está a seguir. S N N H Figura 253 Saiba mais O filme a seguir traz um panorama geral de como os ISRSs fluoexetina e sertralina foram introduzidos e promovidos pela indústria farmacêutica, vale a pena assistir. AMOR e outras drogas. Direção: Edward Zwick. Estados Unidos: 20th Century Fox, 2010. 112 min. Relação estrutura-atividade dos ISRSs Embora se tenha um grupamento em comum dos ISRS, a exceção é a sertralina, o fenoxipropilamina; assim, ao adicionar um grupo elétron-aceptor a atividade aumenta. Destaca-se que há poucos estudos de REA dessa classe de antidepressivos. Mecanismo de ação A afinidade pelo receptor de recaptura de serotonina e a baixa afinidade pelos receptores de norepinefrina são os responsáveis pelo aumento da monoamina na fenda sináptica. 197 QUÍMICA FARMACÊUTICA Baixo nível de sinalização Transportador de 5HT ATC ou ISRS Baixo nível de sinalização (b) Tratamento agudo(a) Antes do tratamento Receptor pós-sináptico Autorreceptor pré-sináptico Figura 254 – Ação dos ISRSs evidenciando aumento da concentração de serotonina na fenda sináptica Inibidores da recaptura de NE/DO Nesta classe destaca-se a bupropiona (anfebutamona), introduzida na terapêutica em 1989. Na época foi classificada como um antidepressivo atípico por não apresentar semelhança estrutural ou o mesmo mecanismo de ação dos fármacos já empregados na prática terapêutica. Sua eficácia pode ser comparada a todos os fármacos da classe, não interferindo na serotonina ou em seus receptores pós-sinápticos. Observação Além do uso como antidepressivo, a bupropiona é auxiliar no tratamento de tabagistas que queiram parar de fumar. N H CH3 CH3 CH3 CH3 O CI Figura 255 – Estrutura química da bupropiona Mecanismo de ação O mecanismo de ação da bupropiona é mais complexo porque, além de ser um inibidor seletivo de recaptura de dopamina, ele induz à liberação de dopamina e norepinefrina. Contudo, o mecanismo exato ainda é incerto e, por ser o único representante da classe, mais estudos devem ser feitos. Metabolismo Este fármaco é metabolizado no sistema hepático via citocromo P oxidase, através de reações de redução e hidroxilação, produzindo três metabólitos ativos: o eritro, o treo e a hidroxibupropiona, que 198 Unidade III chegam ao pico da concentração plasmática cerca de 6 horas após a administração, sofrem metabolização e são convertidos em compostos inativos para enfim serem excretados. CH3 CI HO HN CH3 CI HO HN CH3 O CI HN CH3 O OH CI HN Redução Hidroxilação + Treo-hidrobupropiona Eritro-hidrobupropiona Bupropiona Figura 256 – Mecanismo de ação da bupropiona Inibidores da recaptura de SE/NE Desta classe de fármacos temos dois representantes: a venlafaxina, que é metabolizada, a O-desmetilvenlafaxina, indicada como antidepressivo nos transtornos de ansiedade generalizada e transtorno do pânico; seu mecanismo de ação está associado ao aumento da atividade da serotonina e da norepinefrina. Outro representante é a duloxetina, introduzida na terapêutica em 2004; além de possuir ação antidepressiva, é utilizada em tratamento das dores neuropática e musculoesquelética crônica. S O H N CH3H O N CH3 CH3 CH3 OH H Venlafaxina Duloxetina Figura 257 Inibidores da recaptura de NE A reboxetina foi lançada na terapêutica em 2000 e seu mecanismo de ação está associado à sua ligação ao receptor de norepinefrina, aumentando a sua concentração na fenda sináptica. Sua baixa potência faz com que ele não seja fármaco de escolha, apenas em casos de depressão refratária (a que não responde à terapia convencional). Outro representante é a atomoxetina, que embora seja classificada como antidepressivo, possui uso exclusivo para pacientes com TDAH. 199 QUÍMICA FARMACÊUTICA O O O O CH3 NH HN Reboxetina Atomoxetina Figura 258 Resumo Nesta unidade vimos que os fármacos depressores do sistema nervoso central diminuem a atividade cerebral, fazendo com que o organismo fique mais “lento”.Estudamos que os dois grandes grupos de depressores foram os barbitúricos, que embora hoje se reduzam às ações anticonvulsivantes e anestésicas gerais, têm um papel muito importante na ansiedade como hipnótico-sedativo, uma vez que foram os primeiros a serem introduzidos na terapêutica. Observamos que na busca de novos agentes ansiolíticos uma descoberta ao acaso fez com que fossem achados os benzodiazepínicos, que passaram a ser os fármacos de escolha. Estudos mostraram que além da ansiedade, um ajuste de dose faz com que tal classe tenha outras ações farmacológicas como, por exemplo: hipnótico-sedativa, anticonvulsivante, miorrelaxante e até indutora de coma. Trata-se de fármacos mais seguros do que seus antecessores. Entendemos que tanto barbitúricos quanto os benzodiazepínicos exibem o mesmo mecanismo de ação: são inibidores GABAérgicos, a diferença entre os dois é que enquanto um aumenta o tempo de abertura dos canais de cloro (barbitúricos), o outro eleva a frequência de abertura nos canais (benzodiazepínicos), porque eles se ligam em pontos específicos e diferentes no GABAA. Os estimulantes agem de maneira oposta aos depressores, eles estimulam a atividade cerebral. Assim, podemos citar as anfetaminas, que, sem uso terapêutico efetivo, levaram à descoberta e síntese de anorexígenos, como: anfepramona, sibutramina, femproporex. Além das anfetaminas, destaca-se a ação dos estimulantes derivados das xantinas, substâncias encontradas 200 Unidade III no café, chá, cacau etc., e três estimulantes derivados e de uso clínico são: cafeína, teobromina e teofilina. Na sequência vimos os moduladores do sistema central, com destaque para os antipsicóticos e antidepressivos. Os antipsicóticos atuam em pacientes portadores de esquizofrenia, uma doença que atinge um grande número da população mundial. Eles podem ser classificados como típicos ou atípicos e atuam para aliviar os sintomas positivos e negativos dessa patologia crônica (não há cura para a doença, apenas alívio dos sintomas apresentados). Por fim, verificamos que a depressão é uma das patologias com maior agravo no mundo, além de afetar uma vasta parcela da população, ser a maior causadora de afastamento do trabalho, possui uma taxa de 5% nos casos de suicídios. A farmacoterapia dessa doença tem um variado número de fármacos, com mecanismos de ação distintos. O sucesso do tratamento depende, entre outros fatores, da escolha criteriosa dos agentes que podem ser classificados quanto ao seu mecanismo de ação como: IMAOs, ADTs, inibidores seletivos de recaptura de neurotransmissor; sendo eles: dopamina, norepinefrina (noradrenalina) e serotonina. Exercícios Questão 1. (UFSC 2019, adaptada) Com relação à transmissão química e à ação de fármacos no sistema nervoso central, analise as afirmativas a seguir. I – Muitos dos fármacos neuroativos atualmente disponíveis são relativamente inespecíficos, afetando vários alvos diferentes, sendo os principais os receptores, os canais iônicos e os transportadores. II – O GABA é o principal transmissor inibitório no cérebro. Há dois tipos principais de receptores GABA: GABAA e GABAB. Os tranquilizantes benzodiazepínicos interagem com os receptores GABAA. III – Os fármacos psicotrópicos que atuam parcial ou principalmente na transmissão noradrenérgica no sistema nervoso central incluem antidepressivos, cocaína e anfetamina. IV – O fármaco fluoxetina, usado no tratamento da depressão, é inibidor seletivo da captura de serotonina. Assinale a alternativa correta: A) Somente as afirmativas I, II e IV estão corretas. B) Todas as afirmativas estão corretas. 201 QUÍMICA FARMACÊUTICA C) Somente as afirmativas II e III estão corretas. D) Somente as afirmativas I e IV estão corretas. E) Somente as afirmativas I, II e III estão corretas. Resposta correta: alternativa B. Análise das afirmativas I – Afirmativa correta. Justificativa: a relação entre o perfil farmacológico e o efeito terapêutico dos fármacos neuroativos é, com frequência, obscura. Os tipos básicos de alvos dos fármacos (canais iônicos, receptores, enzimas e proteínas transportadoras) se aplicam ao sistema nervoso central da mesma forma que em outros lugares. II – Afirmativa correta. Justificativa: é um neurotransmissor importante, atuando como inibidor neurossináptico, por ligar-se a receptores específicos. Como neurotransmissor peculiar, o ácido gama aminobutírico induz a inibição do sistema nervoso central (SNC), causando a sedação. Isso porque as células neuronais possuem receptores específicos para o GABA. III – Afirmativa correta. Justificativa: os fármacos psicotrópicos podem ser divididos em quatro grupos principais: alucinógenos, antipsicóticos, antidepressivos e estimulantes. IV – Afirmativa correta. Justificativa: a fluoxetina é um medicamento da classe dos antidepressivos, possui como mecanismo de ação a inibição seletiva da recaptação de serotonina na fenda sináptica, fazendo com que aumente a concentração desse neurotransmissor. Questão 2. (FGV 2011) A respeito dos efeitos da anfetamina no sistema nervoso autônomo, analise as afirmativas a seguir. I – Substâncias que estimulam o sistema nervoso simpático, como uma anfetamina, dilatam uma pupila (midríase). II – A anfetamina não pode ser prescrita em função do risco de causar dependência química. 202 Unidade III III – A anfetamina é uma amina simpaticomimética de ação dupla: estimula diretamente o receptor adrenérgico e libera a noradrenalina para uma fenda sináptica do sistema nervoso simpático. IV – O metabolismo da anfetamina pelo fígado resulta em metabólitos farmacológicos ativos. Assinale: A) Se somente a afirmativa I estiver correta. B) Se somente as afirmativas II e IV estiverem corretas. C) Se somente as afirmativas III e IV estiverem corretas. D) Se somente as afirmativas I, II e III estiverem corretas. E) Se todas as afirmativas estiverem corretas. Resposta correta: alternativa B. Análise das afirmativas I – Afirmativa incorreta. Justificativa: a anfetamina produz efeitos também fora do sistema nervoso. Nos olhos, ela provoca dilatação da pupila. No coração, há taquicardia e ocorre aumento da pressão arterial. II – Afirmativa correta. Justificativa: a anfetamina é prescrita no tratamento de alguns distúrbios (TDAH e narcolepsia), além da obesidade mórbida e nesses casos é comum o uso de femproporex, metilfenidato, mazindol, metanfetamina e dietilpropiona. III – Afirmativa incorreta. Justificativa: as anfetaminas interferem na dopamina e noradrenalina, que são neurotransmissores do sistema nervoso. Essas drogas agem aumentando a liberação e diminuindo a recaptação desses transmissores. Com isso, aumenta a quantidade dessas substâncias e suas funções ficam exacerbadas no organismo. No caso de uma dose excessiva, os efeitos se acentuam e a pessoa pode se tornar muito agressiva e ter delírios. Ocorre também aumento da temperatura, que em alguns casos pode levar a convulsões. 203 QUÍMICA FARMACÊUTICA IV – Afirmativa correta. Justificativa: o fígado é o responsável pela metabolização das anfetaminas. Ela é inativada e posteriormente é eliminada pela urina. Uma pequena quantidade das drogas não é modificada pelo fígado, sendo eliminada diretamente pela urina. 204 FIGURAS E ILUSTRAÇÕES Figura 4 SANTOS, L. C.; FURLAN, M.; AMORIM, M. R. Produtos naturais bioativos. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2016. Adaptada. Figura 8 LEMKE, T. L.; WILLIAMS, D. A.; FOYE, W. Principles of medicinal chemistry. 7. ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013. Adaptada. Figura 10 VIEGAS JÚNIOR, C.; BOLZANI, V. S.; BARREIRO, E. J. Os produtos naturais e a química medicinal moderna. Química Nova, São Paulo, v. 29, n. 2, p. 326-337, 2006. Adaptada. Disponível em: http:// static.sites.sbq.org.br/quimicanova.sbq.org.br/pdf/Vol29No2_326_24-DV04373.pdf. Acesso em: 10 ago. 2020. Figura 14 PRADO, L. D.; ROCHA, H. V. A. Estado sólido na indústria farmacêutica: uma breve revisão.
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