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22/09/2022 17:01 Sociolinguística
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=xhESdL8432P8vAqgDyaT3A%3d%3d&l=nqxu9gBWksqh%2f%2bS8hbO%2b%2fg%3d%3d… 1/27
SOCIOLINGUÍSTICA
CAPÍTULO 3 - O QUE É E COMO SE
ESTRUTURA O PRECONCEITO
LINGUÍSTICO NA SOCIEDADE
BRASILEIRA?
Danieli Silva Chagas
INICIAR 
Introdução
Com o avanço dos estudos sociolinguísticos, muitas crenças sobre a linguagem são
abaladas. Percebe-se que as línguas são heterogêneas e que essa heterogeneidade
não é peculiaridade do uso, mas, sim, uma característica intrínseca à língua de
maneira geral. Discute-se, então, o papel da gramática tradicional, a saber o de
retratar os usos segundo o gosto dos “bons escritores”, o que começa a parecer
insuficiente diante da pluralidade nos usos que não se limitam a isso. Começa-se,
inclusive, a questionar: afinal, quem são esses bons escritores? Assim, é possível
analisar o que se pensa sobre a língua, visto que, tradicionalmente, na gramática
normativa, um ideal linguístico é estabelecido com base nos usos de indivíduos que
cultivam, sobretudo na literatura, uma “arte das palavras”, a qual se traduz como
símbolo do bom gosto. A Sociolinguística, relacionando língua e sociedade,
questiona esse “bom gosto”, indagando a quem ele serve e se ele se aplica em todas
as situações de comunicação. Consequentemente, desfaz-se a crença de que esse
22/09/2022 17:01 Sociolinguística
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padrão se configura como a única forma bela ou de valor em que a língua pode se
manifestar. Seria possível que toda essa mudança ocorresse sem provocar impactos
sociais? Não é por acaso que os estudos sociolinguísticos ainda encontram muita
resistência por parte do público leigo. Afinal, nem sempre é fácil para os não
linguistas aceitarem e compreenderem que há regras na multiplicidade, visto que a
heterogeneidade inerente a todas as línguas é ordenada e, portanto, as variedades
não são um caos ou sinônimo de “burrice”, como o senso comum ainda as
enxergam. Essas atitudes se agravam quando vemos que o apego ao padrão gera o
chamado “preconceito linguístico”. Mas o que é e como se constitui o preconceito
linguístico em nossa sociedade? Você saberia responder? Ao longo deste capítulo,
buscaremos entender não só como o preconceito linguístico se constitui, mas
perceber que, com base nos estudos sociolinguísticos, é possível entender que essa
atitude não encontra base científica para se justificar. Vamos em frente!
3.1 O preconceito na sociedade
Pensar o preconceito linguístico é, antes de tudo, pensar o preconceito de maneira
geral. Assim como há grupos que defendam que é ingenuidade combater o
preconceito linguístico — por essa atitude ser uma característica de comunidades
linguísticas heterogêneas em geral —, podemos dizer, por outro lado, que é
ingenuidade crer que esse preconceito seja puramente “linguístico”. 
Não são as formas linguísticas em variação, apenas e necessariamente, que geram
repulsa e manifestações de ódio ou desprezo, mas, também, e sobretudo, a
configuração social em que estão inseridas as pessoas que empregam essas
variações. 
Vamos entender um pouco mais sobre o assunto na sequência.
3.1.1 Preconceito, intolerância e como combatê-los
Segundo o Houaiss (2001, p. 620), é preconceito todo “1. julgamento ou opinião
concebida previamente” e “2. opinião formada sem fundamento justo ou
conhecimento suficiente”. Depreende-se, dessa forma, que o preconceito está
sempre relacionado à precocidade ou antecipação de um posicionamento, e,
sobretudo, à falta de conhecimento sobre o elemento contra o qual ele seja gerado. 
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Essa falta de conhecimento, aliada à uma atitude ou posicionamento precoce, está
profundamente ligado à intolerância, em que o preconceituoso considera difícil
“tolerar” o alvo do preconceito; e também à discriminação, em que o elemento
contra qual há o preconceito é separado, posto à parte e marginalizado.
O preconceito é fruto de estudos em vários campos da ciência, inclusive na Antropologia. Em uma curta
entrevista, o professor e antropólogo Kabengele Munanga, da Universidade de São Paulo, fala sobre o
preconceito, principalmente no Brasil. Assista ao vídeo completo no link:
<https://www.youtube.com/watch?v=Ded3EtKQZn8 (https://www.youtube.com/watch?
v=Ded3EtKQZn8)>.
Você já deve ter parado para pensar que o preconceito e a intolerância não geram
discriminação, em nossa sociedade, apenas com relação a estruturas linguísticas,
não é mesmo? Isso porque o preconceito, arraigado, sobretudo, em comunidades
extremamente plurais como a nossa, pode estar ligado à formação cultural, ao
gênero, à etnia, à religião, à padrões estéticos, à situação econômica e muitos outros
fatores que nos fazem “diferentes iguais”. Isto é, somos seres humanos acima de
tudo, mas dotados de particularidades.
VOCÊ QUER VER?
https://www.youtube.com/watch?v=Ded3EtKQZn8
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Há pessoas que veem riqueza na diversidade e que consideram que a pluralidade
em uma sociedade a torna mais bela e a enche de possibilidades. Contudo, há,
também, quem veja na pluralidade uma ameaça, no diferente um perigo, no que
não conhece a justificativa para o escárnio, para a depreciação e, até mesmo, para a
eliminação.
É o que acontece, por exemplo, com as variedades linguísticas, que, ao mesmo
tempo em que são alimentadas ou influenciadas pela diversidade — que atua sobre
ela como condicionador social —, são preteridas e, às vezes, ridicularizadas por
quem enxerga o fenômeno com desprezo.
VOCÊ SABIA?
Figura 1 - A diversidade é a base do condicionamento social da variação linguística. Fonte:
Rawpixel.com, Shutterstock, 2018.
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O que o preconceito linguístico tem a ver com a Sociolinguística? Conforme Mollica (2008, p. 09), “A
Sociolinguística [...] estuda a língua em uso no seio das comunidades de fala [...]. Essa ciência se faz
presente num espaço interdisciplinar, na fronteira entre língua e sociedade, focalizando
precipuamente, os empregos linguísticos concretos, em especial os de caráter heterogêneo”.
Sabendo disso, há de se pensar que os “usos concretos” contra os quais há preconceito, sobretudo
em função de quem faz esses usos, possuem valor científico comprovado de acordo com regras bem
determinadas, o que faz injustificada a diminuição dos usos como “errados”.
Conforme Gorski e Freitag (2013), o que chamamos de preconceito linguístico é um
preconceito social, visto que ele não se baseia em concepções científicas sobre a
língua, restringindo-se a usos linguísticos delimitados socialmente.
3.1.2 Preconceito linguístico
Há pouco tempo foi muito polemizada no Brasil a possibilidade do uso de um livro
didático em que constavam expressões como “nós pega o peixe” ou “os menino
pega o peixe”, e em que se afirmava que essas expressões eram válidas.
O principal argumento contra o livro consistia na defesa de que ele ensinaria as
crianças a “falarem errado”. Aliás, chegou a ser aberto um processo contra a obra,
tendo sido a reclamação arquivada em virtude da defesa, inclusive pelo Ministério
da Educação, de que o livro propunha a reflexão sobre a pluralidade da linguagem.
Essa problematização ressalta a pertinência de Bagno (2000) quando apresenta os
por ele chamados “três atos” que integram o “drama da linguagem”. Entre esses
atos propostos pelo autor, figura o “poder dizer”, que se materializa no julgamento
social inerente à variedade empregada no momento em que se diz.
Esse julgamento, que limita o “poder dizer”, é o mesmo que invalidae faz tanto
alarde diante da apresentação das expressões como “nós pega o peixe” ou “os
menino pega o peixe”, ilustrando o preconceito linguístico de nossa sociedade. 
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Tendo em vista que o preconceito, de maneira geral, está sempre relacionado à
precocidade ou antecipação de um posicionamento ligado à falta de conhecimento
sobre o elemento contra o qual o preconceito é gerado, cumpre pensar em que
consiste, mais especificamente, o preconceito linguístico.
De maneira geral, o preconceito linguístico consiste na prática em que uma pessoa
ou um grupo é desvalorizado em função das formas linguísticas que utiliza.
Conforme Bagno (2002, p. 13),
Parece haver cada vez mais, nos dias de hoje, uma forte tendência a lutar contra as
mais variadas formas de preconceito, a mostrar que elas não têm nenhum
fundamento racional, nenhuma justificativa, e que são apenas o resultado da
ignorância, da intolerância ou da manipulação ideológica. Infelizmente, porém, essa
tendência não tem atingido um tipo de preconceito muito comum na sociedade
brasileira: o preconceito linguístico. Muito pelo contrário, o que vemos é esse
preconceito ser alimentado diariamente em programas de televisão e de rádio, em
colunas de jornal e revista, em livros e manuais que pretendem ensinar o que é “certo”
e o que é “errado”, sem falar, é claro, nos instrumentos tradicionais de ensino da
língua: a gramática normativa e os livros didáticos.
Figura 2 - Poder dizer é um dos dramas da linguagem. Fonte: Rob Hyrons, Shutterstock, 2018.
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O comportamento preconceituoso em relação às variedades linguísticas é
estruturado por Bagno (2002) em mitos, desfeitos por ele, entre os quais figuram as
afirmações: “brasileiro não sabe português, só em Portugal se fala bem o
português”, “o português é muito difícil”, “as pessoas sem instrução falam tudo
errado”, “o certo é falar assim, pois se escreve assim”.
CASO
Há pessoas que consideram as afirmações sobre o preconceito linguístico um exagero, defendendo,
inclusive, que criticar o tratamento ofensivo de pessoas ou grupos que utilizam uma variedade
popular da língua portuguesa é prejudicial para essas próprias pessoas.
Essas afirmações se baseiam na crença de que, quando se critica um uso linguístico desprestigiado,
critica-se, também, o uso em desacordo com as normas gramaticais, que devem ser aprendidas e
dominadas para que o indivíduo possa avançar social e economicamente. Nessa perspectiva, a
adoção de uma postura que condene o preconceito linguístico seria paternalista e
contraproducente.
Contudo, a incoerência dessas afirmações tem base na própria Sociolinguística, que vem
demonstrado há décadas que não é simplesmente o uso ou não das regras da gramática tradicional
que está em jogo, mas, sim, o tratamento diferenciado que a “transgressão” dessa gramática
tradicional recebe em função de quem a pratica.
Você já deve ter tido a oportunidade de ler textos que falam, por exemplo, sobre como o uso da
construção “você” como pronome pessoal de segunda pessoa, cujo verbo se flexiona na segunda
pessoa (“você vai”), é bem avaliado socialmente (porque pessoas de níveis de escolaridade, sociais e
econômicos mais altos também o fazem, mesmo em situações monitoradas).
No entanto, também já deve ter reparado como a forma “tu vai”, concordando um pronome de
segunda pessoa com o verbo na terceira pessoa, é mal avaliado socialmente (por ser utilizada em
situações menos monitoradas e, sobretudo, por pessoas de níveis sociais, econômicos e de
escolaridade mais baixos).
Esse exemplo deixa claro que o preconceito linguístico é muito mais do a que mera indignação
diante de usos em desacordo com a gramática tradicional. 
As práticas que envolvem o preconceito linguístico são mais do que desagradáveis.
Contudo, mais do que serem expressões do desconhecimento e da ignorância, essas
práticas contrariam a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos. Em seu artigo
10º, a declaração destaca que 
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1. Todas as comunidades linguísticas são iguais em direito.
2. Esta Declaração considera inadmissíveis as discriminações contra as comunidades
linguísticas baseadas em critérios como o seu grau de soberania política, a sua
situação social, econômica ou qualquer outra, ou o nível de codificação, atualização
ou modernização alcançado pelas suas línguas.
3. Em aplicação do princípio da igualdade, devem ser tomadas as medidas
indispensáveis para que esta igualdade seja real e efetiva. (ONU, 1996, p. 7).
A Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, publicada em junho de 1996, possui 52 artigos e tem
patrocínio da UNESCO. Seu objetivo é preservar o direito das múltiplas comunidades linguísticas no
mundo, reconhecendo seus usos linguísticos como parte de sua cultura, a qual deve ser protegida. O
texto está disponível no link:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/a_pdf/dec_universal_direitos_linguisticos.pdf
(http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/a_pdf/dec_universal_direitos_linguisticos.pdf)>. 
A Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, além de considerar os males que o
preconceito linguístico pode causar em contexto no qual se considerem apenas as
variedades de uma mesma língua, é importante para que se pense no direito de
comunidades de refugiados em outros países e, até mesmo, no direito de grupos
étnicos marginalizados. Isso acontece no Brasil com grupos indígenas que, além de
dizimados pelo processo de colonização europeia, são escamoteados quando não
escarnecidos por parte da população.
Esse duplo preconceito — com as línguas indígenas e com as variedades populares
—, pode ser observado em uma simples e aparentemente inofensiva afirmação
muito comum diante de usos como “pra mim fazer”. Além disso, é muito conhecida
a piada que diz “você não é índio para dizer ‘pra mim fazer’”. Essas afirmações, além
de preconceituosas, demonstram o desconhecimento e a manutenção de
estereótipos sobre as línguas indígenas, passando, muitas vezes, despercebida em
nosso dia a dia como algo sem importância.
VOCÊ QUER LER?
http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/a_pdf/dec_universal_direitos_linguisticos.pdf
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3.2 A Língua de Eulália: uma narrativa
sobre o preconceito linguístico
Há muitos linguistas no Brasil — onde as desigualdades sociais, raciais e econômicas
refletem sobremaneira na forma como as variantes linguísticas desprestigiadas são
enxergadas — que se dedicam, de diversas maneiras, ao combate do preconceito
linguístico. Seja por meio de palestras e publicação de livros literários ou não, esses
linguistas buscam difundir informações sobre as pesquisas sociolinguísticas, de
modo a desfazer as concepções do senso comum em torno do que se enxerga com
grande valor sociossimbólico como “erro de português” em nossa sociedade.
Entre essas iniciativas, podemos citar o livro “A Língua de Eulália”, o qual
estudaremos com mais detalhes a seguir.
3.2.1 “A Língua de Eulália”
O livro “A Língua de Eulália”, de Marcos Bagno, fala sobre a visita de férias que três
jovens universitárias (Vera, Silvia e Emília) fazem ao sítio de Irene, tia de Vera e
renomada linguista aposentada que dedicou boa parte de sua vida ao trabalho de
professora universitária. 
Figura 3 - O sítio é o cenário onde se desenvolve a narrativa de “A Língua de Eulália”. Fonte: Roberto
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Chegando ao sítio, as três estudantes, todas já professoras, estranham e desfazem
da forma de Eulália falar, que fora empregada de Irene. Isso faz com que a linguista,
ao longo da narrativa e tomando como exemplo os fenômenos linguísticos
observados na fala de Eulália, explique o caráter variável, assim como a
heterogeneidade ordenada, inerente à língua portuguesa.
O linguista e professor da Universidade de Brasília — além de autor da novela sociolinguística “A Língua
de Eulália” —, Marcos Bagno, é conhecido nacional e internacionalmente por sua luta contra o
preconceito linguístico, sendo esse tema o foco de muitas da publicação do autor. A obra de Bagno é
controversa, visto que, por sua grande popularização, levanta debates acalorados, mesmo em meio ao
público leigo, sobre o valor da língua tida como padrão. Além disso, também é controversa sua defesa em
prol do reconhecimento do que chama de “língua brasileira”. A ideia, apoiada por alguns linguistas e
criticada por outros, é prova da riqueza acerca das variedades linguísticas existentes no Brasil.
Ao falar sobre a língua de Eulália, Irene explica à Vera e suas amigas que as línguas
variam, e exemplifica por meio de comparações entre vários estágios da língua
portuguesa até o presente momento. A linguista também destaca a existência do
mito do monolinguismo, ou o mito da existência de uma língua única no Brasil, o
qual ignora a existência de dezenas de línguas indígenas ainda faladas no país, além
das variedades distribuídas ao longo de todo o território brasileiro.
Por mais que as estudantes possuam certas reservas com relação ao que lhes é
explicado, por conta do preconceito linguístico que já lhes fora introjetado
socialmente, com os exemplos fornecidos pela professora Irene, os “erros”
observados na língua de Eulália começam a fazer sentido.
Explicando que Eulália fala um Português Não Padrão (PNP), Irene expõe a noção de
“erro” veiculada socialmente a respeito dessa variedade, demonstrando que tais
“erros” são comuns e que seguem determinadas regularidades, como acontece, por
Tetsuo Okamura, Shutterstock, 2018.
VOCÊ O CONHECE?
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exemplo, com o “rotacismo”, fenômeno que possuiu papel crucial na evolução do
latim vulgar falado da região lusitana. Ele possui, ainda, muita relevância na
evolução da língua portuguesa no Brasil.
Os criticados e escarnecidos usos de “framengo”, “bicicreta” e “fror”, nos quais,
sobretudo na fala, o /l/ dá lugar ao /r/, ocorreram, por exemplo, na evolução da
palavra “regra”, que já foi “regla” e, antes disso, “regula”. As variações que o
rotacismo provocava já incomodavam algumas pessoas durante o longo processo
de mudança, até que tivéssemos, de fato, a palavra “regra” consolidada em nossa
língua. Contudo, isso não impediu o curso da variação e da mudança. 
VOCÊ SABIA?
Você já ouviu falar no Appendix Probi? Ele é um documento cuja origem data o século IV d.C, em que
são citados vários considerados “erros” observados pelo autor do documento — cujo nome é
desconhecido — na fala latina da época, bem como sua devida “correção”. Os conflitos que o autor
tenta corrigir se originam no fato de que somente uma elite falava o chamado “Latim Clássico”, ao
passo que, no dia a dia, a maioria das pessoas usava o chamado “Latim Vulgar”, ao qual a
variabilidade linguística já influenciava profundamente.
Assim, Irene consegue mostrar que o “certo” de hoje já foi o “errado” de ontem,
ensinando às estudantes quanto a importância de um ensino crítico de língua
portuguesa. Dessa forma, em vez de servir à manutenção e ao fortalecimento do
preconceito linguístico, o ensino possibilita ao aluno não só a aprendizagem da
norma prestigiada e valorizada socialmente, mas também o conhecimento para
compreender a avaliação política, social e ideológica que perpassa esse prestígio.
Com isso, as estudantes podem entender as origens nada científicas do estigma. 
3.2.2 Discutindo “A Língua de Eulália”
O livro “A Língua de Eulália” levanta importantes questões que trazem à tona a
necessidade de se repensar os mitos que perpassam a língua portuguesa no Brasil,
como o mito do monolinguismo. É interessante pensar que, já na epígrafe, o livro
mostra a que veio: “O serviço mais útil que os linguistas podem prestar hoje é varrer
a ilusão da ‘deficiência verbal’ e oferecer uma noção mais adequada das relações
entre dialetos-padrão e não-padrão” (BAGNO, 2006, p. 5).
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A narrativa de “A Língua de Eulália” apresenta um tema importante: a variação linguística e suas
implicações na formação de um senso comum que tenta combater uma noção de “erro”, que, na verdade,
constitui a manifestação dessa variação. Irene, personagem do livro, fala sobre sociolinguística e
variação, explicando vários fenômenos variáveis na língua portuguesa. O livro completo está disponível
no link: <https://goo.gl/2Ms92f (https://goo.gl/2Ms92f)>.
Sabendo da profundidade das análises presentes nessa narrativa, muitas questões
podem ser levantadas como pautas para discussão. Observe, por exemplo, os dois
fragmentos do livro dispostos a seguir:
Fragmento I
Sílvia e Emília não compreendem. Vera logo acrescenta:
— A Eulália mora com a minha tia Irene. É a pessoa mais querida do universo inteiro!
Eu simplesmente amo ela...
— A “moela”, que eu saiba, é um órgão das galinhas, meu bem... — diz Emília,
sarcasticamente.
— Não enche, Emília, a gente “estamos” de férias, “tá bão”? —graceja Sílvia.
— Não senhora! — protesta Emília. — Temos um exemplo a dar. Uma professora deve
estar sempre alerta!
— Para mim isso é lema de escoteiro... — diz Vera, sem perder o bom humor. (BAGNO,
2006, p. 13).
Fragmento II
— Pode até ser — comenta Emília enquanto as quatro se sentam num grande banco de
madeira sob um caramanchão.
 — Mas ela fala tudo errado. Isso para mim estraga qualquer sabedoria.
— Eu tive de me segurar para não rir quando ela disse aquelas coisas na mesa —
acrescenta Sílvia.
— Que coisas? — quer saber Vera.
VOCÊ QUER LER?
https://goo.gl/2Ms92f
22/09/2022 17:01 Sociolinguística
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— Ah, sei lá... agora não me lembro — responde Sílvia.
— Eu me lembro — adianta-se Emília. — Ela disse “os probrema”, “os fósfro”, “môio
ingrês”...
— É mesmo — confirma Sílvia —, e a mais engraçada foi: “percurá os hôme”...
Sílvia ri, e Emília a imita. (BAGNO, 2006, p. 13).
Os dois trechos trazem questões polêmicas que podem ser observadas sob óticas
diferentes. Afinal, deve o professor, sobretudo de Língua Portuguesa, fazer uso do
português não padrão? Que contextos ou situações justificariam a assunção ou não
do uso de variantes populares pelo professor de Língua Portuguesa?
Esses questionamentos podem considerar o diálogo travado, como vemos no
fragmento I, entre Vera e Emília. Na ocasião, Emília corrige usos linguísticos de Vera,
que considera inadequados para professores, já que estes deveriam estar sempre
alertas com relação a seus usos.
A despeito do fragmento II, cumpre pensar: o modo como Eulália fala é digno de
riso? Ela fala tudo errado? Que fenômenos linguísticos podem estar envolvidos em
usos como “os probrema”, “os fósfro” ou “os hôme”? O que você pensa sobre tais
questões?
A seguir, estudaremos de forma mais profunda as normas linguísticas.
3.3 Normas linguísticas 
Ao refletirmos e discutirmos sobre prestígio, estigma e preconceito linguístico de
maneira geral, parece que há latentes códigos de conduta ou de interpretação dos
fatos linguísticos em sociedade que não são seguidos ou avaliados de maneira
individual, mas estão em acordo com convenções socialmente estabelecidas. Essas
convenções são as normas.
As normaslinguísticas perpassam nossa avaliação, em função de valores diversos,
dos fatos de língua que a sigam e dos fatos de língua que as transgridam. Vejamos,
então, de que maneira as normas linguísticas influenciam socialmente os usos
linguísticos.
3.3.1 Norma culta e norma padrão
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Ao falarmos de norma, é preciso considerar a polissemia do termo, conforme já
estabelecido por Faraco (2008), visto que é possível pensar em norma como o que é
normal e como o que é normativo. Essa polissemia tem feito as pessoas, até mesmo
professores de Língua Portuguesa, confundirem-se e utilizarem os termos “norma
culta” e “norma padrão” como sinônimos ou equivalentes, tendo até, em alguns
casos, a “norma gramatical” em mente.
Cumpre destacar que, mesmo a norma gramatical, é, por vezes, retratada em
ambiente escolar como termo sinônimo de norma culta e de norma padrão. Essa
confusão é preocupante, uma vez que, se nem mesmo o professor souber se
ambientar em meio à pluralidade de normas linguísticas que coexistem
socialmente, dificilmente os estudantes conseguirão transitar entre as normas,
compreendendo seus espaços de domínio e razão de ser.
VOCÊ SABIA?
O que é norma gramatical? De acordo com Faraco (2008), a chamada “norma gramatical” é aquela
apresentada em dicionários ou em compêndios gramaticais elaborados por renomados filólogos,
estabelecida como um dos modelos padrão, de acordo com a tradição gramatical. A norma
gramatical, diferentemente do que pensa o senso comum, não é a norma padrão, visto que a padrão
não se apropria de todas as normas gramaticais; assim como não é a norma culta, que, em muitos
casos, transgride a norma gramatical.
A norma culta, a qual Faraco (2008, p. 47) denomina de “norma
culta/comum/standard” — dada a variedade de termos sob a qual é reconhecida na
comunidade científica —,
[...] seria a variedade de uso corrente entre falantes urbanos com escolaridade
superior completa, em situações monitoradas. Ou seja, a norma culta seria, pelos
critérios do NURC, a variedade que está na intersecção dos três continua em seus
pontos mais próximos do urbano, do letramento e dos estilos mais monitorados.
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Ao fazer referência ao NURC (Norma Linguística Urbana Culta), Faraco (2008) ainda
destaca a importância desse projeto para a definição do que hoje entendemos por
norma culta.
Sendo a norma culta um conceito baseado no uso, e não na prescrição, é possível
perceber que ela se relaciona com a visão de norma que considerada como aquilo
que é normal ou aquilo que é praticado. Assim, por mais que imaginemos que os
estudantes precisem aprender a usar a norma padrão ou a norma gramatical para
circular em ambientes em que a língua seja mais monitorada, é à norma culta que
nos referimos na verdade, visto que, nem sempre, os usos monitorados de falantes
urbanos com nível superior segue os padrões gramaticais — que representam, via de
regra, uma visão engessada e artificial de língua.
O projeto NURC (Norma Linguística Urbana Culta) é um trabalho sociolinguístico pioneiro que resulta em
um corpus com usos cultos de vários centros urbanos brasileiros. Para saber mais sobre o projeto, acesse
a página oficial no link: <http://www.letras.ufrj.br/nurc-rj/ (http://www.letras.ufrj.br/nurc-rj/)>.
Entre as normas sobre as quais temos falado, exerce muita pressão sobre os usos
linguístico a que chamamos de “norma padrão”. A despeito da polissemia do termo
“norma”, a norma padrão se enquadra no sentido de ser entendida como aquilo que
é normativo.
Sendo assim, a norma padrão estaria em um plano idealizado, desejável de língua e
prescrita para a realização de determinadas práticas sociais. Diferente do que se
possa imaginar, essa norma não corresponde necessariamente à norma gramatical.
Faraco (2008, p. 73) nos explica que
Se a norma culta/comum/standard é a variedade que os letrados usam correntemente
em suas práticas mais monitoradas de fala e escrita, a norma padrão não é
propriamente uma variedade de língua, mas — como bem destaca Bagno (2007a) —
um construto sócio-histórico que serve de referência para estimular um processo de
uniformização. Enquanto a norma culta/comum/standard é a expressão viva de certos
segmentos sociais em determinadas situações, a norma-padrão é uma codificação
VOCÊ QUER LER?
http://www.letras.ufrj.br/nurc-rj/
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relativamente abstrata, uma baliza extraída do uso real para servir de referência, em
sociedades marcadas por acentuada dialetação, a projetos políticos de uniformização
linguística. 
Os conceitos de norma culta e norma padrão estão bastante ligados historicamente.
Faraco (2008, p. 72) destaca que “Foi em razão de seu prestígio entre os letrados que
a norma culta/comum/standard das línguas europeias ocidentais modernas foi
gramatizada, isto é, passou a ser objeto de gramáticas e dicionários [...]”. 
Além do prestígio — que acabou por engessar, na Europa, a partir do século XV, uma
variedade que continuaria a evoluir, deixando de parecer com a moldura eternizada
nas gramáticas —, a norma padrão surge em diversos países por motivos políticos,
segundo os quais se objetivava uma unidade linguística que se manifestaria
também em unidade política. Seria, então, uma referência em matéria de língua,
como ainda acontece atualmente, contando, agora, com os veículos de
comunicação, como jornais (impressos ou televisivos) e manuais oficiais de redação
para a sua propagação.
Figura 4 - O jornal é um veículo muito utilizado para a propagação da norma padrão. Fonte: Elder Vieira
Salles, Shutterstock, 2018.
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3.3.2 A “norma curta”
Mesmo as chamadas norma culta e norma padrão podem ser muitas, sobretudo a
norma culta, que representa uma variedade linguística real. Basta pensarmos, por
exemplo, que a norma culta é definida como a “[...] variedade de uso corrente entre
falantes urbanos com escolaridade superior completa, em situações monitoradas”
(FARACO, 2008, p. 47); e que há centros urbanos com falantes em escolaridade
superior completa utilizando a língua em situações monitoradas ao longo de todo o
território brasileiro.
Seria ingenuidade, então, pensar que há apenas uma norma ou variedade culta.
Além disso, cabe destacar que o padrão muda em função do contexto que determina
de onde vem a pressão.
Há, por exemplo, o padrão utilizado em determinado jornal, que não é
necessariamente o mesmo utilizado em outro, uma vez que há o padrão
determinado para comunicações oficiais na esfera da administração culta e aquele
representado pelo “[...] conjunto de preceitos dogmáticos que não encontram
respaldo nem nos fatos, nem nos bons instrumentos normativos, mas que
sustentam uma nociva cultura do erro e têm impedido um estudo adequado da
nossa norma culta/comum/standard” (FARACO, 2008, p. 92, grifo nosso).
Esse padrão, o qual Faraco (2008) chama de “norma curta”, é mais do que um
padrão de fato, já que utilizamos esse nome apenas para demonstrar que, assim
como a norma padrão, trata-se de uma norma abstrata, que constitui a base de
constituição do preconceito linguístico.
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Os defensores da “norma curta”, assim chamada por Faraco (2008) de maneira
irônica e descontraída para abordar um problema sério, ignoram, via de regra,
quando não desprezam todo o conhecimento científico construído emtorno da
variação, o que já demonstra o desinteresse pelos fatos linguísticos reais. Mas, além
disso, sustentam uma cultura do erro que não tem respaldo na norma gramatical,
buscando, por meio dos instrumentos normativos, alguma flexibilidade diante dos
fatos.
Vejamos, a seguir, um exemplo de manifestação da “norma curta”, em que Faraco
(2008) expõe a “portentosa” dúvida sobre que forma estaria correta: “falar ao
telefone” ou “falar no telefone”. 
Eduardo Martins, no Manual de redação e estilo de O Estado de S. Paulo (p. 278) diz
sumariamente (sem qualquer justificativa, como é, aliás, típico da norma curta): “Uma
pessoa fala ao telefone e não ‘no’ telefone”. No entanto, outro celebrado autor adepto
da norma curta, Napoleão Mendes de Almeida, em sua Gramática metódica (p.336)
condena “falar ao telefone” em vez de “falar no telefone” por ser galicismo!! (FARACO,
2008, p. 94, grifos do autor).
Figura 5 - O julgamento do erro é a principal preocupação dos que advogam em favor da “norma curta”.
Fonte: Lisa S., Shutterstock, 2018.
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VOCÊ SABIA?
Que nem todo manual de redação de jornais é instrumento de “norma curta”? Como temos visto, o
que vem sendo chamado de “norma curta” é mais uma atitude do que uma “norma” propriamente
dita. A “norma curta” é a representação da constante perseguição pelos conceitos de “certo e
errado”, colocados de maneira absoluta e irreflexiva. Ela é, nas palavras de Faraco (2008, p. 93),
eivada de “[...] condenações raivosas, das rabulices gramaticais”, típica das afirmações apocalípticas
e repletas de preconceito linguístico. Muitos se limitam a estabelecerem um padrão segundo o qual
se pretende caracterizar linguisticamente o instrumento midiático em questão, fazendo uso, então,
de uma “norma padrão”.
Como se vê, nas palavras do próprio Faraco (2008, p. 94), “Coitado do falante que
busca orientação nesse tipo de material: acabará sempre vítima de um fogo
cruzado”. Isso porque a “norma curta” não tem base nos usos cientificamente
comprovados, muito menos nos compêndios gramaticais, que, por mais que sejam,
por vezes, na constituição de uma “norma padrão” — que é uma abstração —, não o
faz como forma de tentar instrumentalizar o preconceito.
3.4 A Sociolinguística e o ensino de
língua
A existência de tantas normas, variedades e padrões nos leva a uma importante
questão: o que ensinar nas aulas de Língua Portuguesa?
Esse questionamento surge em função de entendermos as circunstâncias políticas e
ideológicas de que surge a norma padrão, de reconhecermos a praticabilidade
inerente à norma culta e, sobretudo, de reconhecermos o caráter preconceituoso,
impreciso e nada científico da “norma curta”.
Se pretendemos, por meio dos estudos de linguagem, formar cidadãos críticos,
responsáveis por seus atos e aptos a buscarem seus objetivos, tendo, na linguagem,
um de seus recursos; e se queremos, também, educar para a cidadania e para a
diversidade, essas questões são de suma importância. Vejamos, então, algumas
propostas.
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3.4.1 Que língua aceitar e que língua ensinar?
Por muito tempo, os estudos linguísticos e, mais precisamente, os sociolinguísticos,
ficaram restritos ao ambiente acadêmico.
Conforme já analisamos, os estudos sociolinguísticos se consolidam por volta da
segunda metade do século XX. Desde então, não são poucas as descobertas sobre as
línguas, de maneira geral, e sobre a língua portuguesa como ela é, não só no Brasil e
em Portugal, como nos países africanos. A constituição histórica e social de cada um
desses países permite que se verifiquem peculiaridades e similaridades, uma vez
que tais descobertas científicas constituem um legado para toda a comunidade
lusófona, e não só para os pesquisadores.
Sendo assim, tem-se consolidado um grande movimento nas últimas décadas, a
qual objetiva fazer com que o conhecimento científico sobre a língua saia da
academia e chegue à sala de aula, diretamente ao usuário, que tem o direito de
saber que a língua portuguesa não é só o que a gramática diz.
Esse movimento tem levado, cada vez mais, à formação de professores de Língua
Portuguesa que não se enxerguem simplesmente como professores do “certo e
errado”, mas, sim, como professores de linguagem, cujo objetivo é ampliar as
possibilidades de interação dos estudantes diante da língua nos mais variados
registros e situações de comunicação. Esse ensino passa, obviamente, pelo ensino
da norma culta e da norma gramatical, mas sem a supervalorização que a escola fez
por muito tempo do ensino de gramática como fim em si mesmo.
Não é por acaso que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), elaborados na
década de 1990, trazem críticas ao então ensino de Língua Portuguesa:
Nesse contexto, muitos linguistas, como Lucchesi (2015), têm defendido que os
estudos sociolinguísticos não podem ficar restritos aos pesquisadores. Para o autor,
eles devem chegar, inclusive, aos alunos da educação básica.
- a excessiva valorização da gramática normativa e a insistência nas regras de
exceção, com o consequente preconceito quanto as formas de oralidade e as
variedades não-padrão;
- o ensino descontextualizado da metalinguagem, normalmente associado a
exercícios mecânicos de identificação de fragmentos linguísticos em frases
soltas;
- a apresentação de uma teoria gramatical inconsistente – uma espécie de
gramática tradicional mitigada e facilitada. (BRASIL, 1998, p. 18).
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O linguista e professor da Universidade Federal da Bahia, Dante Lucchesi, possui uma larga bibliografia
em sociolinguística, na qual defende, entre outras teses, a transmissão linguística irregular da língua
portuguesa como principal motivo para a configuração do português brasileiro, sobretudo o popular. É de
sua defesa a tese da polarização sociolinguística do Brasil, segundo a qual a sociedade brasileira estaria
linguisticamente partida em função de vários fatores de origem social.
De acordo com essa perspectiva, a escola não seria mais o lugar de uma única
variedade linguística, imposta aos estudantes como a única forma correta; mas, sim,
um lugar permeado pelo constante exercício de reflexão linguística, baseada no
estudo das variedades da língua portuguesa, inclusive aquelas levadas pelos alunos
para a escola, de forma que eles possam compreender o valor social da linguagem,
mas não se tornem propagadores da “norma curta”.
VOCÊ O CONHECE?
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Para cumprir seu objetivo, pode-se, por exemplo, ao falar sobre a concordância
verbal ou nominal, em vez de apenas apresentar formas “certas” e “erradas”, o
educando chamar a atenção dos estudantes para fatores históricos, sociais e, até
mesmo, linguísticos que condicionam a não concordância. Assim, é possível
demonstrar que a variação não é algo relacionado a pessoas “burras”, mas, sim, que
segue regras linguísticas bem definidas, como a agramaticalidade da não marcação
do plural nos artigos, mesmo nas variedades populares, conforme exemplos a
seguir:
 Figura 6 - A escola é o lugar
onde o ensino da variação pode ser a oportunidade para a formação da pluralidade e contra o
preconceito. Fonte: michaeljung, Shutterstock, 2018.
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1. Os meninos comem pastel.
2. Os menino come pastel.
3. O meninos comem pastel.
Tanto as frases 1 e 2 — representantes, respectivamente, da variedadeculta e da
variedade popular da língua portuguesa — são gramaticais, permitidas segundo as
regras internas da língua, quanto a frase 3, na qual a marca de número é feita no
substantivo, mas não no artigo, é agramatical e, por isso, não será realizada pelo
falante que nunca tenha frequentado uma escola, já que ele conhece e usa as regras
internas da sua língua.
Apesar desse objetivo educacional parecer muito longe da realidade, ele não exige
muito além de professores cientes da pluralidade e da heterogeneidade inerente a
todas as línguas, e que consideram essa pluralidade objeto que, além da divulgação
do conhecimento científico, contribuem para a formação crítica dos alunos. 
3.4.2 Visão crítica da sala de aula
São muitos os benefícios do ensino de Língua Portuguesa consoante o
conhecimento científico trazido pela Sociolinguística. Não é por acaso que os PCN já
previam essa abordagem no ensino, considerando entre os objetivos gerais da área
de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental,
conhecer e valorizar as diferentes variedades do Português, procurando
combater o preconceito linguístico;
[...] usar os conhecimentos adquiridos por meio da prática de análise
linguística para expandir sua capacidade de monitoração das possibilidades
de uso da linguagem, ampliando a capacidade de análise crítica. (BRASIL,
1998, p. 32-33).
Dessa forma, preservar e valorizar as diferentes variedades linguísticas, como se vê,
faz parte dos objetivos da educação escolar e colaboram para a ampliação da
análise crítica dos alunos. Essa análise é importante, inclusive, para perceber usos
propositais de variedades populares com vistas a produzir recursos com sentidos
diversos.
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São famosas as canções de Adoniran Barbosa, por exemplo, como o “Samba do
Arnesto”, e a canção “Inútil”, do grupo Ultraje a Rigor, em que as concordâncias
verbal e nominal são transgredidas, a fim de caracterizar o grupo social que
pretende representar. Na literatura de cordel também é comum a utilização de
variedades desprestigiadas para representar um determinado grupo localizado
regionalmente. 
É muito comum presenciarmos, sobretudo em mídias virtuais, o preconceito linguístico contra as
variedades nordestinas. Além desse preconceito refletir na falta de conhecimento, também afasta as
pessoas de riquezas de nossa cultura popular, como os poemas de Patativa de Assaré, grande figura da
cultura brasileira. Bráulio Bessa elabora uma resposta a esse preconceito no vídeo intitulado “Dialeto
Nordestino – Uma resposta ao preconceito”, disponível no link: <https://www.youtube.com/watch?
v=npErliDE1xg (https://www.youtube.com/watch?v=npErliDE1xg)>.
Figura 7 - A variedade linguística em sala de aula pode ser essencial para o aprendizado sem
preconceito. Fonte: Rawpixel.com, Shutterstock, 2018.
VOCÊ QUER VER?
https://www.youtube.com/watch?v=npErliDE1xg
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Assim, a educação que considera o conhecimento científico sobre a variação,
permite a formação dos alunos para usos mais monitorados, sendo eles
conscientizados sobre o valor de prestígio inerente a tais usos; mas também permite
a formação para usos menos monitorados, conscientizando-os, sobre o estigma
inerente a esses usos e sobre a riqueza linguística inerentes a eles, capaz de
deslegitimar o preconceito linguístico.
Síntese
Você concluiu os estudos sobre os principais conceitos inerentes à estrutura e
manifestação do preconceito linguístico no Brasil, destacando sua ilegitimidade
científica e a importância de seu combate para a aceitação da diversidade linguística
brasileira. Dessa forma, foi possível perceber que as variedades não são superiores
umas às outras, tornando-o consciente de que o estigma e o prestígio linguístico se
estabelecem no nível social.
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
aprender a reconhecer e definir o preconceito linguístico;
perceber as origens contemporâneas do preconceito linguístico, tomando por
base o Brasil;
ler e interpretar textos literários que abordam quanto a questão
sociolinguística;
conhecer a definição de norma padrão, norma culta e norma “curta”;
analisar a importância da aceitação da fala cotidiana e da norma culta na
escola e na sociedade;
reconhecer a importância de defender as diferentes variedades linguísticas, de
acordo com os objetivos da educação escolar.
Referências bibliográficas
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