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O Dom de Ser Você Mesmo - David G Benner

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O Dom de Ser Você Mesmo 
O Chamado Sagrado para a Autodescoberta 
David G Benner 
Sumário 
Prefácio .......................................................................................................................................................... 4 
Introdução Identidade e autenticidade ................................................................................................. 6 
Assumindo o verdadeiro eu ................................................................................................................ 7 
1. Conhecimento transformador do eu e de Deus ............................................................................. 9 
Conhecimento que preenche .......................................................................................................... 10 
Conhecimento que transforma ....................................................................................................... 12 
O Conhecimento transformador de Pedro ................................................................................... 12 
O convite divino .................................................................................................................................... 14 
2. Conhecendo a Deus ............................................................................................................................. 16 
Conhecendo Jesus ............................................................................................................................... 17 
Encontrando Jesus nos Evangelhos ................................................................................................ 18 
Encontrando a Deus nas ocorrências da vida ............................................................................... 20 
Pronto para o conhecimento mais profundo de Deus? ............................................................ 22 
3. Primeiros passos para conhecer a si mesmo ................................................................................. 23 
Saiba-se profundamente amado .................................................................................................... 23 
Conheça os seus eus parciais ............................................................................................................ 25 
Do eu para Deus ................................................................................................................................... 26 
Autoaceitação e autoconhecimento .............................................................................................. 27 
Em busca da chave espiritual ............................................................................................................ 29 
4. Conheça-se como você realmente é ............................................................................................... 30 
Reconheça-se pecador ....................................................................................................................... 31 
Os pecados atrás do pecado ............................................................................................................. 32 
Um auxílio ancestral ao conhecimento profundo do pecado .................................................. 33 
Reflexão fundamentada em oração ............................................................................................... 35 
5. Desmascare o seu falso eu ................................................................................................................. 37 
Estilo pessoal ......................................................................................................................................... 37 
O desafio da autenticidade................................................................................................................ 38 
Dando ouvidos à serpente ................................................................................................................ 39 
Enfrentando a nudez .......................................................................................................................... 40 
Reconhecendo o seu falso eu ........................................................................................................... 41 
A ilusão do falso eu .............................................................................................................................. 42 
Uma batalha divina com o falso eu ................................................................................................. 43 
A saída do esconderijo ........................................................................................................................ 43 
6. Assuma o seu verdadeiro eu .............................................................................................................. 45 
Uma identidade fundada em Deus ................................................................................................. 46 
Vocação .................................................................................................................................................. 47 
Uma vocação fundada na identidade ............................................................................................ 48 
Vivendo a verdade da nossa singularidade ................................................................................... 50 
Nossa vocação, nossa realização...................................................................................................... 51 
O próximo passo .................................................................................................................................. 52 
Epílogo - A busca da transformação ..................................................................................................... 54 
 
 
Prefácio 
Considero a leitura do livro anterior do dr. David Benner, “Surrender to Love” uma das maio-
res dádivas da minha vida. Agora, esse psicólogo nos presenteia com outro livro breve e forte. O texto 
de Benner é intenso aqui, como em tudo, porque vem de profunda experiência pessoal, que ele co-
rajosamente compartilha com seus leitores. Escreve de modo verossímil a respeito de Deus porque, 
conforme diz, conhece a Deus e “Deus é o único contexto em que [a nossa] existência tem sentido” 
E mais uma vez, com seu jeito acima de tudo prático e humano, Benner mostra passo a passo como 
adquirir o conhecimento que ele revela. 
Um dos projetos de aposentadoria com que me comprometi (quando a aposentadoria es-
tava ainda muito longe!) foi reunir os preciosos achados de alguns dos maiores pensadores religiosos 
do nosso tempo — Bernard Lonegan, Pierre Teilhard de Chardin, John Dunne — e reapresentá-los 
em linguagem simples, para que fossem mais acessíveis ao leitor comum e influenciassem sua vida. 
Sem saber disso, David Benner fez algo bem parecido, tornando acessível para nós alguns dos emo-
cionantes pensamentos de Teilhard de Chardin — lembro-me especialmente de The Divine Milieu 
— em um texto fácil porém rico. A imanência onipresente de Deus, que sempre nos gera em seu 
amor criador e está conosco em tudo que fazemos, ganha significação pastoral imediata. Ao ler este 
livro, só se pode abraçar a sagração da... vida humana, com suas reais implicações no aborto, na eu-
tanásia, na pena de morte, nos armamentos e na guerra, no cuidado com o meio ambiente, para 
que o nosso planeta sustente as próximas gerações, e na divisão correta daquilo de que dispomos 
para preservar a vida nesta geração. 
Alguns perceberão que Benner nos oferece um texto muito enriquecedor daquele que talvez 
seja o mais forte programa espiritual elaborado no último século, o Programa de Doze Passos, já em-
pregado em alguns dos nossos maiores males. Qualquer pessoa mais idosa dotada da compreensão 
que vem com os anos e sobretudo com a aposentadoria convence-se de haver de certa forma vivido 
“a mentira que cresceu do desconhecimento de si mesmo”. 
Benner nos surpreende o tempotodo com máximas que calam fundo, com precisão pun-
gente. Frases impressionantes destacam-se e inscrevem-se em nossa memória, levando-nos conti-
nuamente à verdade: 
Nosso desafio é desvelar o Divino na natureza e identificar a presença de Deus em nossa 
vida. 
Criada do amor, com amor e para o amor, nossa existência não tem sentido sem o amor 
Divino. 
Se Deus o ama e o aceita como pecador, como abster-se? 
A autoaceitação sempre antecede a genuína entrega e autotransformação. 
Acreditamos que sabemos cuidar melhor que Deus das nossas necessidades. 
Todos tendemos a forjar um deus que sirva à nossa falsidade. 
Não encontramos o verdadeiro eu procurando-o. Nós o encontramos procurando a Deus. 
Jesus é o Verdadeiro Eu que nos mostra com sua vida como encontrar o nosso eu em rela-
ção com Deus. 
Nossa felicidade é importante para Deus. 
Só para citar algumas. 
Este livro é um grande desafio. Se lhe dermos toda a atenção e procurarmos aplicá-lo à nossa 
vida, ele nos levará à transformação. Isso significará a morte do nosso falso eu ciosamente cultivado. 
Dói, para dizer o mínimo. Se eu não tivesse pecados, se fosse a Imagem perfeita de Deus, eu conhe-
ceria o Deus do amor. Mas, reconhecendo-me como pecador, posso conhecer algo mais: um Deus 
da piedade — algo maior, pois amor corresponde ao que é bom e digno; piedade corresponde ao 
que não é bom e o torna bom e digno, o dom de ser eu mesmo. 
O livro de David já começou a mexer comigo. Passarei muitas horas com ele, horas que, acre-
dito, serão muito frutíferas. E espero que você também sinta o mesmo. 
Dom M. Basil Pennington, Ordem Cisterdense da Estrita Observância Abadia de Maria San-
tíssima de São José 
Introdução Identidade e autenticidade 
É uma grande ironia escrever um livro que incentiva a autodescoberta para pessoas que pro-
curam seguir um Cristo que se sacrifica. Talvez até o faça recear que eu tenha esquecido — ou, pior 
ainda, não tenha levado a sério — o ensinamento paradoxal de Jesus de que é perdendo a vida que 
nós realmente a encontramos (Mateus 10:39). À medida que você for lendo, acho que concluirá que 
não fiz nada disso. 
Embora conceitos como “autodescoberta”, “identidade” e “autenticidade” sejam facilmente 
desprezados por serem considerados psicologismos, cada qual tem importante papel na busca da 
transformação espiritual cristã. Mesmo na passagem de Mateus que acabo de citar, Jesus fala tanto 
de autodescoberta quanto de sacrifício! Mas não há dúvida de que o esforço para encontrar em 
Cristo o nosso eu realmente autêntico e enraizar a nossa identidade nessa realidade é inteiramente 
diferente do programa de autorrealização promovido pela psicologia popular. 
O absurdo do entendimento que a psicologia popular tem do eu está sintetizado em uma 
charge que vi recentemente. Dirigindo-se a um desconhecido numa festa, uma mulher diz: “Não 
conheço ninguém aqui, a não ser a anfitriã — e, claro, num sentido bem mais profundo, eu mesma”. 
Obviamente, existem muitas maneiras bem não-cristãs e em geral ridículas de buscar a autodesco-
berta e a autenticidade! 
Entretanto, a espiritualidade cristã tem grande relação não só com Deus mas também com o 
eu. A meta da busca espiritual é transformar a própria vida. Como veremos, para isso é necessário 
conhecer tanto a nós mesmos quanto, a Deus. As duas coisas são imprescindíveis se quisermos des-
cobrir nossa verdadeira identidade como aqueles que estão “em Cristo” (2 Coríntios 5:17), porque é 
em nós que encontramos a Deus. As duas coisas são também imprescindíveis se quisermos viver a 
singularidade da nossa vocação. 
De todos os seres vivos, apenas para os seres humanos a identidade é um desafio. Uma tulipa 
sabe exatamente o que ela é. Nunca se sente tentada por sentidos falsos da existência. Nem en-
frenta decisões complexas no exercício de ser. O mesmo acontece com cães, pedras, árvores, estre-
las, amebas, elétrons e outras coisas. Todos glorificam a Deus por serem exatamente o que são. Isso 
porque, ao serem o que Deus determinou, eles obedecem a Deus. Os seres humanos, no entanto, 
enfrentam uma existência com mais desafios. Nós pensamos. Analisamos opções. Decidimos. Agi-
mos. Duvidamos. É tremendamente difícil conseguir apenas viver e extremamente raro viver com 
total autenticidade. 
O corpo e a alma contêm milhares de possibilidades para que se formem muitas identidades. 
Contudo, somente em uma dessas você encontrará o seu verdadeiro eu que esteve oculto em Cristo 
por toda a eternidade. Somente em uma você descobrirá a sua vocação única e a sua mais profunda 
realização. Mas, como afirma Dag Hammarskjõlcl, você não a encontrará enquanto não... 
“...tiver excluído todas as possibilidades superficiais e fugazes de viver e fazer, com as quais 
você brinca por curiosidade ou admiração ou cobiça e que o impedem de lançar âncora 
na experiência do mistério da vida e na consciência do talento confiado a você, que é o 
seu eu”1. 
Todos vivemos em busca daquela forma de existência única que traz consigo o dom da au-
tenticidade. Temos mais consciência dessa busca de identidade durante a adolescência, quando ela 
toma o primeiro plano. Nessa etapa da vida, experimentamos identidades, como no vestir, procu-
rando um modo de ser que se adapte à imagem que queremos apresentar. Todavia, mesmo muito 
tempo após a adolescência ter passado, a maioria dos adultos sente ocasionalmente que é um en-
godo — têm a sensação de serem não o que fingiam ser, mas exatamente o que fingiam não ser. 
Refletindo um pouco, a maioria de nós pode conscientizar-se das máscaras que vestimos como es-
tratégia para afastar o sentimento de vulnerabilidade, mas que se tornaram parte do nosso ser so-
cial. Tragicamente, acomodamo-nos com facilidade ao fingimento, e o eu realmente autêntico 
quase sempre parece ilusório. 
Há, porém, um modo de ser para cada um de nós que é tão natural e profundamente coe-
rente quanto a vida da tulipa. Por trás dos modelos e das máscaras existe a possibilidade de um eu 
que é tão singular quanto um floco de neve. Trata-se de uma originalidade que existe desde que 
Deus nos fez existir com amor. Nossa verdadeira vida em Cristo é a única que garante a autentici-
dade. Ela e somente ela proporciona uma identidade eterna. 
Encontrar esse eu singular é, como observou Thomas Merton, a questão da qual a nossa exis-
tência, paz e felicidade dependem2. Nada é mais importante, pois, se encontrarmos nosso verda-
deiro eu, encontraremos a Deus, e, se encontrarmos a Deus, encontraremos o nosso eu mais autên-
tico. 
Assumindo o verdadeiro eu 
Não teria o mínimo sentido espiritual ser você mesmo se a sua singularidade não tivesse um 
valor imenso para Deus. Mas cada pessoa é exatamente isso — de um valor inestimável para Deus. 
Nunca devemos ser levados a pensar que crescer à imagem de Cristo diminui a nossa singu-
laridade. Embora alguns pontos de vista cristãos a respeito da vida espiritual sejam de que, à medida 
que nos assemelhamos mais a Cristo, tornamo-nos mais parecidos uns com os outros, essa cultuada 
expectativa de perda de individualidade não tem relação alguma com a genuína espiritualidade 
cristã. Paradoxalmente, à medida que nos tornamos mais e mais parecidos com Cristo, nós nos tor-
namos cada vez mais um ser único e verdadeiro. 
Como veremos a seguir, existem várias maneiras equivocadas de alcançar a singularidade. 
Elas resultam das tentativas de criar um eu em vez de receber a dádiva da vida em Cristo. Entretanto, 
a singularidade que deriva do nosso verdadeiro eu não é uma singularidade criada por nós. Nunca a 
identidade é uma criação pura e simples. É sempre uma descoberta. A verdadeira identidade é sem-
pre uma dádiva de Deus. 
O desejo de singularidade é um desejo espiritual, assim como o anseio de ser autêntico. Não 
são anseios meramente psicológicos, descabidos na busca espiritual. Ambos são respostas do espí-
rito ao Espírito — o Espírito Santo fazendo-nos enxergar o nosso lugar e a nossa identidade em Deus. 
Deus deseja que você sejaintensamente único, porque o seu verdadeiro eu se alicerça em 
Cristo. Deus o criou inimitável e procura levá-lo de volta a essa singularidade em Cristo. Encontrar e 
viver o seu verdadeiro eu é realizar o seu destino. 
Este livro fala da busca da transformação ao assumirmos o nosso verdadeiro ser em Cristo e 
vivermos a vocação que ele acarreta. Depois de discorrer, no primeiro capítulo, sobre a interdepen-
dência do conhecimento de Deus e do eu, o livro organiza-se de acordo com três necessidades am-
plas sentidas por todos os cristãos que tentam colocar-se a serviço de Deus: 
 A necessidade de um conhecimento de Deus transformador, que provém do encon-
tro com Deus no nosso íntimo. Esse é o tema do segundo capítulo. 
 A necessidade de um conhecimento transformador de nós mesmos, que provém da 
descoberta de como Deus nos reconhece. Esse é o tema do terceiro, do quarto e do 
quinto capítulo.1 
 A necessidade de encontrar a própria identidade, realização e vocação no eu oculto 
em Cristo — tema do sexto capítulo. 
A busca da transformação não é tão linear como esses tópicos fazem parecer, de modo que, 
na realidade, a discussão avançará retomando cada um deles. Além do mais, as dimensões da busca 
são interrelacionadas. Como veremos, o verdadeiro conhecimento do eu implica conhecermos o 
nosso eu como Deus o conhece, e o verdadeiro conhecimento de Deus implica conhecermos a Deus 
não apenas como abstração ou como dado objetivo, mas ao longo de toda a nossa experiência de 
vida. 
Minha oração é que o que proponho neste livro ajude ao leitor descobrir a singularidade do 
seu eu que tem origens eternas. Confio que lhe ajudará a conhecer mais profundamente a si mesmo 
e a Deus e, consequentemente, o levará à descoberta da dádiva de ser o seu verdadeiro eu. 
 
1 O fato de eu ter dedicado três capítulos ao conhecimento do eu e apenas um ao conhecimento de Deus não 
significa que eu ache que conhecer a si mesmo é mais importante que conhecer a Deus. Isso se deve ao pouco que se escreve 
a respeito do papel do conhecimento do eu na espiritualidade cristã, ao passo que há milhares de livros sobre conhecer a 
Deus. Ademais, por causa da interdependência dessas duas formas de conhecimento, encontraremos diversas maneiras de 
conhecer a Deus ao longo dos capítulos que analisam os modos de conhecer a si mesmo. 
1. Conhecimento transformador do eu e de Deus 
Na epígrafe da abertura deste livro, Thomas Merton revela o que considera mais importante 
neste mundo — aquilo de que dependem a sua existência, felicidade e paz. O que você consideraria 
mais importante para a sua vida e o seu bem-estar? Como, em sua opinião, a maioria dos cristãos 
que você conhece responderia a essa pergunta? 
Muitos dos cristãos que conheço responderiam com duas palavras: “Conhecer a Deus”. Ou-
tros talvez dissessem conhecer, amar e servir a Deus. Alguns incluiriam na resposta a igreja e os rela-
cionamentos com pessoas. Seja como for que respondessem, desconfio que a maioria diria algo a 
respeito de Deus, mas não faria referência alguma ao eu. 
Não surpreende ninguém a afirmação de que conhecer a Deus tem papel importante na es-
piritualidade cristã. A afirmação de que conhecer o eu tem a mesma preponderância vai alarmar 
algumas pessoas — até por, talvez, ser o tipo de coisa que se espera ouvir de um escritor que é psi-
cólogo, não teólogo. 
Mesmo assim, a compreensão cia interdependência do conhecimento do eu e de Deus tem 
tido lugar reconhecido e persistente na teologia cristã. Veja, por exemplo, as primeiras palavras de 
João Calvino em Instituição da Religião Cristã, 
“Não existe um conhecimento profundo de Deus sem um conhecimento profundo de si 
mesmo, nem um conhecimento profundo de si mesmo sem um conhecimento pro-
fundo de Deus”1. 
Esse modo de ver não era exclusivo de Calvino. Thomas à Kempis afirmou que 
“Um autoconhecimento humilde é caminho mais seguro para Deus do que a busca após 
um aprendizado profundo"2, 
E a oração de Santo Agostinho era: 
“Permita, Deus, que eu me conheça para conhecer-Vos”3. 
Esses são apenas alguns dos numerosos teólogos que, desde os primórdios da igreja, adota-
ram tal ponto de vista. 
A espiritualidade cristã envolve uma transformação do próprio ser que só ocorre quando se 
conhecem profundamente Deus e o eu. Ambos têm, portanto, lugar importante na espiritualidade 
cristã. 
Embora não tenha havido nenhuma polêmica teológica séria sobre esse antigo entendi-
mento cristão, a igreja contemporânea praticamente o esqueceu. Nós nos concentramos em co-
nhecer a Deus e tendemos a ignorar o conhecimento de nós mesmos. As consequências têm sido 
quase sempre dolorosas — casamentos desfeitos, famílias destruídas, sacerdócios arruinados e um 
número infindável de pessoas prejudicadas. 
Deixar o eu fora da espiritualidade cristã tem por resultado uma espiritualidade que não se 
funda corretamente na experiência. Portanto, não se funda corretamente na realidade. Concentrar-
se em Deus e ao mesmo tempo deixar de conhecer a nós mesmos em profundidade pode levar a 
uma forma externa de devoção, mas sempre deixa um vazio entre a aparência e a realidade. Isso é 
arriscado para a alma de qualquer um — e, no caso dos líderes espirituais, isso pode ser desastroso 
para as pessoas que os seguem. 
Reflita sobre o modo como a falta de autoconhecimento afetou a vida de um pastor bem-
conhecido e de sua congregação. Ninguém poderia duvidar do conhecimento de Deus que esse ho-
mem tinha — pelo menos até que ele entrasse em decadência pública. Com suas pregações, esse 
pastor teve um sacerdócio muito bem-sucedido, e não havia por que suspeitar que não conhecesse 
pessoalmente as verdades que professava em público. Nem havia nenhum motivo manifesto para 
se questionar o conhecimento que ele tinha de si mesmo. Qualquer um que pensasse a esse res-
peito provavelmente consideraria profundo o autoconhecimento dele. Nos sermões, ele costumava 
expor-se bastante e parecia saber ser vulnerável diante de Deus. 
Contudo, como ocorre com a maioria, tudo aquilo era mais aparência do que realidade. O eu 
que esse pastor mostrava ao mundo era o eu público, que ele forjara com muito esmero — um eu 
falso criado por ele mesmo. Havia um abismo enorme entre esse eu público e a sua verdadeira ex-
periência. Tanto o abismo quanto a vivência interior do pastor estavam longe da sua consciência. 
De repente, revelou-se o fosso entre a realidade interna e a aparência externa. Coisas que o 
pastor não sabia nem aceitava a respeito de si mesmo se avolumaram dentro dele e desmancharam 
a ilusão que sua vida representava. A luxúria levou-o ao envolvimento sexual com uma mulher que 
ele aconselhava, assim como a cobiça o levara antes a se aproveitar de recursos da igreja. Quando 
esses fatos vieram a público, a mentira que era a vida dele explodiu. Era uma mentira que ele vivera 
perante a família, amigos íntimos, a congregação, Deus e ele próprio. Era uma mentira que crescera 
pelo desconhecimento de si mesmo. 
Não é preciso identificar esse homem, nem mesmo dar-lhe um nome fictício. A sua história é 
conhecida demais. Ele nos faz lembrar o ensinamento de Jesus sobre o perigo de um cego guiar ou-
tro cego (Mateus 15:14) — ambos caem facilmente no buraco da dor e do desespero. Qual a gravi-
dade disso? Segundo Jesus, é melhor ser lançado ao mar com uma grande pedra de moinho no pes-
coço do que fazer uma pessoa tropeçar (Mateus 18:16). Aquele pastor e muitos outros como ele 
fizeram não uma, mas milhares de pessoas tropeçarem, e as deixaram com feridas arrasadoras. 
Conhecimento que preenche 
A esse homem não faltavam conhecimentos nem sobre si mesmo nem sobre Deus. Mas não 
lhe fizeram bem algum. Nenhum deles era digno de ser chamado conhecimento transformador. 
Nem todo conhecimento transforma. Alguns se enfatuam como bola cheia demais. E você 
sabe o que acontece com um bola muito cheia! 
O ator e cineasta Woody Allen sempre fala em públicodas suas décadas de psicanálise — três 
ou quatro sessões por semana em um divã, dizendo o que lhe venha à cabeça, deixando que as in-
terpretações ocasionais do analista a respeito do significado dessas livres associações orientem a sua 
análise. No entanto, existem poucas provas de que o autoconhecimento de Allen lhe tenha dado 
liberdade ou saúde psicológica. Na verdade, fazendo dos seus reiterados esforços neuróticos a 
marca da sua personagem pública, ele frequentemente concentra o seu humor sarcástico nos ex-
tremos da compreensão de si mesmo como meio de mudança. 
O autoconhecimento que se busca sem conhecer a nossa identidade em relação com Deus 
leva facilmente à enfatuação. É o eu grandioso, enfatuado, de que Paulo adverte (1 Coríntios 8:1) — 
arrogância à qual somos vulneráveis quando damos mais valor ao saber que ao amor. Pode levar 
também à autocomiseração. Se não dedicarmos a Deus o mesmo tempo que dedicamos a nós, o 
conhecimento do próprio eu simplesmente nos levará cada vez mais longe no abismo da fixação por 
nós mesmos. 
Todavia, também é possível ter um enorme conhecimento sobre Deus que em nada nos 
ajuda a conhecer genuinamente tanto a Deus quanto a nós mesmos. As informações sobre Deus 
não têm poder de transformação maior que as informações sobre o amor. As teorias e ideias a res-
peito de Deus podem ficar num cofre-forte dentro da sua cabeça e não fazerem bem algum. Se você 
duvida disso, lembre-se das palavras duras de Jesus para os chefes religiosos da sua época que co-
nheciam a lei de Deus, mas não o coração de Deus. 
O pastor cuja história contei tinha muitas informações sobre Deus. Parecia também saber 
muito de si mesmo. Mas esse conhecimento era todo objetivo, não pessoal. Era, portanto, pratica-
mente inútil para ele. Ele me disse, por exemplo, saber que Deus era clemente. Porém, nunca havia 
realmente sentido esse perdão, pelo menos no que dizia respeito a qualquer falha significativa. Seria 
mais correto dizer que ele acreditava que Deus era clemente, mas não sabia disso como verdade 
sentida. Vivendo a mentira do seu falso eu, ele sempre apresentou a Deus pecados menores, incon-
sequentes, para obter perdão, sem nunca ousar revelar a Deus a realidade do seu mundo interior. 
Para fazê-lo, teria de encarar essa realidade pessoalmente. Nunca esteve preparado para tanto. 
Ele me disse que o seu inimigo era a indolência — a preguiça espiritual. Afirmou que pedira 
frequentemente a Deus que o perdoasse por não trabalhar mais pelo Reino. Mas a confissão de um 
pecado desses não passava de subterfúgio. Mantinha a atenção dele (e, talvez fosse sua esperança, 
também a de Deus) distante das coisas mais profundas sobre si mesmo que estavam inteiramente 
desordenadas. 
Ele também me disse saber que Deus era amor. Mais uma vez, porém, tratava-se de uma 
crença, não de experiência pessoal. Para realmente conhecer o amor, devemos recebê-lo com total 
isenção — na vulnerabilidade do “exatamente como eu sou”. Aquele homem nunca se permitiu 
esse grau de vulnerabilidade com ninguém — nem com a mulher, nem com os filhos, nem com seus 
amigos íntimos, nem, certamente, com Deus. 
Não admira, então, que o conhecimento que ele tinha de si fosse também superficial. Ouvir 
o que ele me disse sobre sua vida era o mesmo que ler um romance descartável ou ver um filme de 
segunda categoria. Faltavam profundidade e realismo ao papel que ele desempenhava. Era ralo. 
Quando me falava de si mesmo, o pastor se referia a alguém que ele observara de longe. O conhe-
cimento que ele tinha de si era objetivo e distante. Não tinha, portanto, nenhum valor para a trans-
formação. Era simplesmente uma tentativa lastimável de dar um realismo de carne e osso à falsi-
dade da sua imagem fingida. A imagem do eu que ele tentava projetar para o mundo era uma ilusão. 
Mesmo depois da crise, esse homem teve uma dificuldade enorme de ser sincero. Sua ten-
dência antiga, profundamente arraigada, de apresentar um eu fingido e idealizado perdurou mesmo 
após o fim do seu sacerdócio e do seu casamento. Não que ele dissesse mentiras, mas sim que as 
vivia. Essa é a tragédia do falso eu. Mas, infelizmente, a falsidade não era exclusiva desse homem. Faz 
parte de todos nós, seja em que grau for. 
Conhecimento que transforma 
O conhecimento realmente transformador é sempre pessoal, nunca meramente objetivo. 
Significa conhecer de fato, não somente saber, isto é, ter um conhecimento objetivo. E é sempre 
correlato. Cresce cia relação com o objeto conhecido — seja teus, seja o próprio eu. 
O saber objetivo pode ocorrer com relação a qualquer coisa que examinemos a certa distân-
cia. É um saber que independe de nós. Por exemplo, você pode saber que a Terra gira em torno do 
Sol ou que Colombo chegou à América em 1492 — e pode sabê-lo sem participar diretamente des-
ses fatos, desde que esteja disposto a aceitar o que dizem os outros. Boa parte do que acreditamos 
se forma assim. 
O saber pessoal, por outro lado, baseia-se na experiência. Portanto, é subjetivo. Sei que minha 
mulher me ama por causa da minha convivência com ela. Ao mesmo tempo que eu posso comentar 
com alguém sobre o amor dela, não posso comprová-lo. Não posso torná-lo objetivo. No entanto, 
isso não diminui a validade do que eu sei. 
Por se fundamentar na experiência, o conhecimento pessoal implica estarmos abertos à ex-
periência. Conhecer o amor de Deus implica recebermos o amor de Deus — na prática, não simples-
mente em teoria. O saber pessoal nunca é apenas coisa do cérebro. Por estar enraizado na experi-
ência, está enraizado nas profundezas do nosso ser. As coisas que sabemos por experiência própria 
estão além da crença. Esse conhecimento não é incompatível com a crença, mas não depende dela. 
Eu não só acredito que a minha mulher me ama; eu sei que ela me ama. Por mais arrogante 
que pareça, posso dizer que eu não só acredito em Deus, mas conheço Deus — sem dúvida, não 
inteiramente, mas ainda assim genuinamente. 
As pessoas que nunca adquiriram um conhecimento profundo de Deus estão limitadas no 
conhecimento profundo de si mesmas. Não conhecendo a Deus, são incapazes de se conhecer, pois 
Deus é o único contexto em que a existência delas tem sentido. De modo parecido, as pessoas que 
têm medo de olhar-se em profundidade sem dúvida terão medo de olhar para Deus em profundi-
dade. Para elas, as ideias a respeito de Deus são um substituto da vivência direta de Deus. 
O conhecimento de Deus e o conhecimento do eu são, portanto, interdependentes. Ne-
nhum deles avança muito sem o outro. Paradoxalmente, conseguimos conhecer melhor a Deus não 
ao olhar para Deus exclusivamente, mas ao olhar para Deus e então para nós mesmos — e depois 
para Deus e de novo para nós mesmos. É também assim que passamos a conhecer melhor a nós 
mesmos. Conhecem-se muito melhor tanto Deus quanto o eu quando interrelacionados. O Conhe-
cimento transformador de Pedro 
Para ilustrar como isso ocorre, tomemos a busca espiritual de Pedro. A pedra em que Cristo 
prometeu edificar sua igreja era claramente frágil. Mas nenhum dos discípulos apresentou um de-
senvolvimento maior do conhecimento tanto de si mesmo quanto de Deus durante os três anos 
que seguiram Cristo. 
Analisemos o conhecimento interno de Pedro em vários momentos dessa busca. O primeiro 
deles é o encontro com Cristo e o pedido de Cristo de que o acompanhasse. O que podemos presu-
mir que Pedro conhecia de si mesmo e de Deus nesse momento? 
André, irmão de Pedro, conhecera Jesus antes e aceitara prontamente o convite para segui-
lo. André então foi a Pedro, contou-lhe que encontrara o Messias e levou Pedro a Jesus para que 
comprovasse com os próprios olhos. A reação de Pedro foi a mesma que a do seu irmão — largou 
imediatamente as redes de pesca para seguir Jesus (Mateus 4:18-22). Por esse relato, parece correto 
concluir que Pedro aceitou que Jesus era o Messias. Sendo assim, podemos dizer que ele acreditava 
que Jesus era o tão esperado libertador da opressão dos romanos. Nesse ponto,o conhecimento 
dele era uma crença — uma esperança baseada na convicção do seu irmão e no seu breve contato 
com Jesus. 
Mas o que ele sabia de si mesmo? É uma especulação, claro, mas, se lhe perguntássemos, ele 
talvez dissesse que era pescador. É provável que acrescentasse que era um tanto irascível e impul-
sivo. E talvez nos contasse da sua ânsia por um salvador do seu povo — o que mostraria que ele era 
um homem de esperança e fé. No entanto, é muito improvável que ele soubesse até que ponto iam 
os seus temores ou o tamanho do seu orgulho. Esses graus de conhecimento de si mesmo estavam 
à espera de um conhecimento mais profundo de Deus. 
Passando para o episódio em que ele viu Jesus andar sobre a' água (Mateus 14:22-33), parece 
sensato admitir que aí a crença de Pedro de que Jesus era o Cristo estava muito mais sólida. Pedro 
presenciara os vários milagres de Jesus, ouvira-o pregar para multidões enormes e conversar com 
pessoas e tivera a oportunidade de observá-lo de perto. 
Contudo, naquela noite, Pedro não pensava em nada disso. Dentro de um barco, em meio a 
uma forte tempestade, Pedro e os outros discípulos estavam preocupados com a própria segurança. 
De repente, ao verem Jesus caminhando sobre a água em direção a eles, ficaram aterrorizados. As 
palavras de Jesus devem tê-los confortado na hora: “Tende confiança, sou eu, não tenhais medo”. 
Em seguida, Pedro gritou: “Senhor, se és tu, manda que eu vá ao teu encontro sobre as águas”. Cristo 
disse-lhe que descesse do barco e fosse até ele, e foi o que Pedro fez (Mateus 14:22-33). 
Se, após essa experiência, lhe tivessem perguntado o que conhecia de Deus, Pedro talvez fa-
lasse da sua crescente convicção de que Jesus era mesmo o Cristo. Talvez também mencionasse a 
sua esperança crescente por ter presenciado os milagres de Cristo. Talvez dissesse que se sentia con-
fortado de saber que Deus ouvira as orações do seu povo e enfim enviara o Redentor. Se lhe per-
guntassem a respeito de si mesmo, poderia agora ter condições de falar dos seus medos. Se teve 
coragem de descer nas águas ao chamado de Cristo, ele também sentiu pavor ao começar a afundar 
quando olhou para as ondas e não para Cristo. Mas — ele provavelmente acrescentaria depressa — 
isso só servira para aumentar a sua confiança em Cristo. 
Pulando para a lavagem dos pés dos discípulos feita por Jesus (João 13), vemos que Pedro de 
início não permite que Cristo lhe lave os pés, no que Cristo prevê a traição de Pedro. O que teria ele 
dito, nesse momento, do conhecimento de Deus e de si mesmo? Parece provável que Pedro falasse 
confiante do seu amor por Jesus, do fervor da sua crença de que Jesus era o Cristo e da sua descrença 
e espanto diante da previsão de Jesus de que ele o negaria. A questão da negação deve tê-lo deixado 
profundamente confuso. Deve ter sido inconcebível que ele seria capaz de negar Jesus. Será que Je-
sus não sabia da intensidade do seu amor? Não sabia da sua coragem heroica e da força das suas 
convicções? Ele deve ter presumido que a previsão de Cristo estava errada. Era mais fácil duvidar de 
Jesus do que de si mesmo. Pedro ainda não conhecera nem o seu orgulho nem a extensão do seu 
medo. 
Analisando brevemente Pedro após a sua rejeição de Cristo (João 18:15-27), nós talvez o vís-
semos cheio de remorsos e angústia. Em um instante, ele se confrontara com a própria falta de co-
ragem, com a pérfida deslealdade e com a intensidade dos seus medos. Talvez estivesse pensando 
também no tanto que a previsão de Jesus lhe ferira o orgulho. Talvez também se lembrasse do seu 
protesto de que “ainda que todos percam a fé, eu não a perderei” (Marcos 14:29). Em suma, ele 
conhecera o seu íntimo mais fraco e desprezível e provavelmente estava cheio de ódio de si mesmo. 
Por fim, o que podemos dizer do conhecimento de Pedro a seu respeito e de Deus no mo-
mento do seu encontro com Cristo ressurreto (João 21:15-25)? Após a morte de Cristo, Pedro e al-
guns dos discípulos haviam voltado a pescar. O que mais poderiam fazer? Depois de não apanharem 
nada por toda uma noite, no início da manhã eles se encontraram, próximo da costa, com um des-
conhecido, um homem que lhes perguntou como tinha sido a pescaria e os encorajou a lançar a 
rede do outro lado do barco. Imediatamente a rede transbordou de peixes. E imediatamente eles 
reconheceram o seu Mestre. Pedro saltou rápido para a água e começou a nadar em direção à praia. 
Repetindo o número das suas rejeições, Jesus perguntou-lhe três vezes se ele o amava mais 
que os outros discípulos. Isso deu a Pedro três oportunidades de declarar o seu amor — uma para 
cada rejeição. A resposta de Jesus foi repetir o convite a Pedro para que o seguisse (João 21:19), exa-
tamente o mesmo convite que dera início ao relacionamento deles. 
O que Pedro teria dito nesse momento sobre o seu conhecimento de Deus e de si mesmo? 
Desconfio que ele teria dito primeiro que sabia muito pouco de si ou de Jesus antes disso. Com rela-
ção a Jesus, desconfio que Pedro repetiria extasiado que Jesus era muito indulgente. O que ele sou-
bera antes como informação objetiva, ao presenciar os encontros de Jesus com outras pessoas, ele 
agora sabia profunda e pessoalmente. E tenho certeza de que ele teria mencionado essa nova dis-
posição de seguir Cristo, que ele agora conhecia no coração, não só na mente. 
O entrelaçamento do conhecimento aprofundado do eu e de Deus que vimos na experiência 
de Pedro mostra como ocorre o conhecimento genuíno de Deus e do eu. Pedro não poderia real-
mente conhecer Jesus se não conhecesse a si mesmo em relação a Jesus. Ele não se conheceu en-
quanto Jesus não lhe mostrou quem ele era. Mas, ao conhecer a si mesmo, ele passou a realmente 
conhecer Jesus. 
O conhecimento profundo de Deus e o conhecimento profundo do eu sempre se de-
senvolvem interdependentemente. O resultado é a verdadeira transformação do eu, 
que é o cerne da espiritualidade cristã. 
O convite divino 
O que você aprendeu a seu respeito em decorrência da convivência com Deus? E o que você 
conhece de Deus em decorrência do encontro genuíno com o seu eu? 
A primeira coisa que muitos cristãos diriam conhecer de si mesmos em decorrência do rela-
cionamento com Deus é a sua tendência para o pecado. E, muito provavelmente, a primeira coisa 
que diriam ter aprendido com isso, a respeito de Deus, é a clemência e o amor de Deus. É importante 
saber essas coisas, e eu direi mais sobre elas nos capítulos a seguir. Mas o que mais você sabe sobre 
si mesmo e sobre Deus após o seu encontro com o Divino? 
Embora muitos de nós sigam Jesus por muito mais tempo do que os três anos que recapitu-
lamos na busca de Pedro, muito frequentemente nós não permitimos que o contato inicial tome a 
forma de um conhecimento profundo, íntimo. Apesar de falarmos com naturalidade de um relacio-
namento pessoal com Deus, muitos de nós conhecemos a Deus menos do que conhecemos colegas 
eventuais. Nós nos tranquilizamos muito facilmente em saber sobre Deus. Muito facilmente o nosso 
relacionamento real com Deus é superficial demais. Seria de admirar, então, que não tenhamos 
aprendido muito a respeito do nosso eu após esse encontro? 
Se foi isso que aconteceu com você, não se deixe tomar pela culpa. Entenda o chamado de 
Deus para um encontro pessoal profundo como convite, não como repreensão. É um convite para 
sair da segurança do seu barco e encontrar-se com Jesus na vulnerabilidade e no caos das suas tem-
pestades internas. É um convite para ir além do conhecimento objetivo e ganhar conhecimento pes-
soal. É um convite para realmente conhecer a Deus. 
2. Conhecendo a Deus 
É fácil não ser sincero ao falar em conhecer a Deus. Frequentemente, nossa referência a Deus, 
repleta de clichês, encontra-se em sério descompasso com a nossa vivência real. 
Espero que a minha amizade com Vicki ajude-me a evitar isso. Imagino que ela está sentada 
ao meu lado, lendo por cima do meu ombro, enquanto escrevo este capítulo. 
Vicki quer conhecer a Deus mais que qualqueroutra coisa no mundo. É o seu anseio por mais 
de uma década de devoção a Cristo. É um anseio tão profundo que ela não quer trocá-lo por nada 
— principalmente pelas mentiras que, como ela sabe, lhe escapariam da boca se dissesse que o “re-
lacionamento pessoal com Deus” faz parte da sua experiência. Ela se sente muito só e tem medo de 
por algum motivo haver errado em algo ou ser totalmente incapaz de conhecer a Deus. Porém, em-
bora se sinta assim, ela não está nem um pouco sozinha. É simplesmente mais sincera. E sua ânsia 
de ter uma maior intimidade com Deus é mais ardente. 
J. I. Packer afirma que o conhecimento se torna cada vez mais complexo quando, depois de 
conhecermos objetos, passamos a conhecer pessoas e, depois destas, passamos a conhecer a Deus. 
“Quanto mais complexo for o objeto, mais complexo será o conhecimento que temos dele”1. Assim, 
se conhecer um ser humano já é uma empreitada difícil, conhecer o Deus invisível deve ser pratica-
mente impossível. Seria, não fosse pelo fato de que Deus tem um desejo muito mais profundo de 
que isso aconteça do que seriamos capazes de ter. É incrível demais que Deus queira ser conhecido 
pelos seres humanos. Contudo, nada satisfaz mais a Deus (Oséias 6:6). A revelação é fundamental 
para o caráter Divino. Deus anseia revelar-se para nós. 
A revelação não é apenas algo que aconteceu em tempos remotos. Se fosse, só poderíamos 
esperar receber informações sobre esse evento histórico. Mas “Deus não deixou de ser tanto Reve-
lação quanto Amor”2. O bom é que os seres humanos podem conhecer a Deus tanto pessoal quanto 
intimamente. Essa é a essência da vida eterna (João 17:3). Nada no mundo tem mais valor (Filipenses 
3:7-10). 
Mas o que é esse conhecimento de Deus que tem valor supremo, que dá tal satisfação a Deus 
e nos dá uma vida genuína e eterna? É o conhecimento pessoal — conhecimento que se inicia pela 
crença, mas se aprofunda por meio do relacionamento. 
Muito do que sabemos a respeito de Deus é objetivo, e o aceitamos como fatos do confiável 
testemunho das Escrituras e da comunidade de fiéis. Eles alicerçam o nosso conhecimento mais pes-
soal e servem de âncora em tempos de incerteza e de referência para dar sentido à nossa vida. Esse 
alicerce de crenças se aprimorará com a experiência, mas nunca será substituído por ela. O propósito 
de Deus é que conheçamos o amor Divino vivendo-o. No entanto, mesmo quando o nosso Amado 
Divino parece distante, podemos nos agarrar confiantes à esperança da firmeza do amor de Deus 
em razão do testemunho das Escrituras e de outras pessoas. 
Por mais valioso que seja esse conhecimento objetivo, Packer lembra que até “um pequeno 
conhecimento de Deus vale mais que um grande conhecimento sobre Deus”3. O conhecimento de 
Deus transformador provém do conhecimento íntimo, pessoal, do amor Divino. Uma vez que Deus 
é amor, Deus só pode ser conhecido por meio do amor. Conhecer a Deus é amar a Deus, e amar a 
Deus é conhecer a Deus (1 João 4:7-8). O Deus cristão só é conhecido na devoção, não por um afas-
tamento objetivo. Por isso a oração de Paulo diz que podemos conhecer o amor de Cristo para então 
sermos tomados de toda a plenitude de Deus (Efésios 3:19). Isso é conhecimento transformador. 
Conhecer a Deus também exige entrega. Thomas Merton diz que “devemos saber a verdade, 
devemos amar a verdade que conhecemos e devemos agir na medida do nosso amor. A verdade é 
o próprio Deus, que não se pode conhecer sem amor e não se pode amar sem entrega à sua von-
tade”4. O conhecimento genuíno exige uma reação. Conhecer a Deus exige estarmos predispostos 
a ser tocados pelo amor Divino. Ser tocado pelo amor de Deus é mudar para sempre. Entregar-se ao 
amor Divino é encontrar a morada da nossa alma — o lugar e a identidade pelos quais ansiamos em 
cada célula do nosso ser. 
Conhecendo Jesus 
Se o Deus invisível nunca tivesse se tornado visível, nosso conhecimento de Deus seria muito 
restrito. Mas a autorrevelação Divina completou-se em Jesus. Conhecer Jesus, portanto, é conhecer 
a Deus (João 14:9). Jesus é a “Imagem do Deus invisível” (Colossenses 1:15). Assim, ele é o filtro pelo 
qual precisamos passar todas as nossas ideias a respeito de Deus à medida que procuramos ir do 
conhecimento sobre Deus ao encontro pessoal de Deus em Jesus. 
Alguns cristãos falam de um encontro pessoal com Jesus como se isso se tratasse de uma 
ocasião única — algo que acontece na conversão. Essa é uma trágica confusão de apresentação com 
relacionamento. Um primeiro encontro é exatamente isso um primeiro encontro. Deus anseia que 
vivenciemos o conhecimento profundo que advém de um relacionamento corrente. 
Lembre-se mais uma vez de Pedro para perceber como o relacionamento com Jesus amplia 
o conhecimento de Deus. Por ser um judeu palestino do primeiro século, Pedro devia saber várias 
coisas a respeito de Deus antes de seu encontro com Jesus. Esse conhecimento devia provir da sua 
participação em uma comunidade devota que partilhava constantemente as histórias dos grandes 
pactos de Deus com ela ao longo da sua história. Pedro devia saber, por exemplo, que Deus fora o 
Criador de todas as coisas. Devia também saber que Deus livrara seus antepassados da servidão no 
Egito. E devia saber que esse Deus de Abraão, Isaac e Jacó era um Deus sagrado. 
No entanto, todo esse conhecimento objetivo ampliou-se enormemente quando Pedro co-
nheceu Jesus. Suas duas epístolas estão repletas do conhecimento de Deus adquirido nos três anos 
de vida com Jesus. Esse conhecimento, proveniente de um relacionamento, apresentou a Pedro um 
Deus que ele nunca teria conhecido distante de Jesus. Veja algumas das coisas que ele aprendeu 
reveladas em sua primeira epístola: 
 que Deus é a fonte de nova vida e viva esperança fundada no Cristo ressurreto (1Pe-
dro 1:3); 
 que Deus é a fonte de uma fé mais preciosa do que o ouro (1Pedro 1:7); 
 que Deus é fonte de alegria inefável (1 Pedro 1:8); 
 que Deus julga com justiça e imparcialidade (1 Pedro 1:17); 
 que Deus nos permite compartilhar os sofrimentos de Cristo para que conheçamos 
Jesus por identificação (1 Pedro 4:12-13); 
 que Deus é fiel e nele se pode confiar para a prática do bem (1Pedro 4:19); 
 que Deus resiste aos soberbos, mas concede sua graça aos humildes (1Pedro 5:5). 
Ao ler as epístolas de Pedro, pergunto-me se esse seria o mesmo pescador irascível que ve-
mos nos Evangelhos! Algo extraordinário lhe aconteceu. Seu conhecimento tanto de Deus quanto 
de si mesmo sofreu uma mudança radical porque ele conheceu Jesus. 
Os relacionamentos se desenvolvem à medida que as pessoas passam o tempo juntas. Estar 
um tempo com Deus deve ser a essência da oração. Contudo, a oração, do modo que costuma ser 
feita, assemelha-se mais a uma série de e-mails e mensagens imediatas do que a permanecer uni-
dos. Geralmente implica falar, mais do que ouvir. Não é de surpreender que o relacionamento resul-
tante seja superficial. 
O primeiro passo para simplesmente estar com Deus é aprender a fazê-lo com Jesus. Estando 
com Jesus, podemos firmar o nosso conhecimento de Deus nos acontecimentos concretos de uma 
vida concreta. Mas como se faz isso? Fazemos isso com meditação nos Evangelhos guiada pelo Espí-
rito. 
Encontrando Jesus nos Evangelhos 
A meditação nos Evangelhos propicia uma oportunidade para entrar em momentos especí-
ficos da vida de Jesus e, assim, partilhar sua experiência. A experiência compartilhada é o cerne de 
qualquer amizade. E a meditação guiada pelo Espírito a respeito da vida de Jesus proporciona essa 
oportunidade. 
A meditação que recomendo não é o mesmo que estudar a Bíblia. É um exercício mais da 
imaginação que do intelecto. Implica permitir que o Espírito de Deus o ajude a participar imaginati-
vamente de um acontecimento na vida de Cristo apresentado pelos Evangelhos. 
Vou exemplificar o que quero dizer sugerindo um exercício simples baseado no relato de 
Marcos a respeito de Jesus e do jovem rico. 
Primeiro, reserve um tempo para aquietar-se na presençade Deus. Feche os olhos e peça a 
Deus que tome as palavras das Escrituras e, por meio do poder do seu Espírito, transforme-as na 
Palavra de Deus para você. Peça a dádiva de um breve momento de encontro imaginativo com Jesus 
guiado pelo Espírito. Depois, leia o relato a seguir lentamente e várias vezes — de preferência em voz 
alta. 
[Jesus] retomava seu caminho quando alguém correu e ajoelhou-se diante dele, pergun-
tando: “Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” Jesus respondeu: “Por que 
me chamas bom? Ninguém é bom senão só Deus. Tu conheces os mandamentos: Não 
mates; não cometas adultério, não roubes, não levantes falso testemunho, não de- 
fraudes ninguém, honra teu pai e tua mãe". Então, ele replicou: “Mestre, tudo isso eu 
tenho guardado desde minha juventude”. Fitando-o, Jesus o amou e disse: “Uma só 
coisa te falta: vai, vende o que tens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, 
vem e segue-me”. Ele, porém, contristado com essa palavra, saiu pesaroso, pois era 
possuidor de muitos bens. (Marcos 10:17-22) 
Agora, deixe-se devanear na situação apresentada na história. Primeiro, imagine o homem 
aproximando-se de Jesus quando ele está de partida. Depois, como se você fosse um espectador, 
observe os acontecimentos se desenrolarem. Olhe, escute e fique atento a Cristo. Não se distraia 
com o jovem mandatário rico. E não tente analisar a história nem tirar lições dela. Apenas atente 
para Jesus e abra-se às suas próprias reações. Coloque o livro de lado e faça esse exercício simples 
por quatro ou cinco minutos. 
Só nos últimos anos passei a meditar regularmente dessa maneira sobre a vida de Cristo. De-
pois de décadas de leitura da Bíblia, percebi que o meu relacionamento com Deus devia-se mais ao 
que eu acreditava do que àquilo que eu sentia. Eu tinha muitas informações sobre Deus, mas ansiava 
por aprofundar meu conhecimento pessoal. O ponto de partida correto parecia ser conhecer me-
lhor Jesus. E era. 
A prática, contudo, não foi fácil. Eu tinha dificuldade de visualizar as situações, e a minha ima-
ginação — na melhor cias hipóteses — é bem limitada. Quase sempre acho que os detalhes da mi-
nha imagem mental de uma cena são exclusivamente os insinuados no relato bíblico. Parece que 
tenho dificuldade em deixar que o Espírito enriqueça o quadro acrescentando outros detalhes sen-
soriais, como ocorre com outras pessoas. Porém, depois de ter superado a frustração e a sensação 
de fracasso, percebo que só de pensar no acontecimento — deixando-me devanear — consigo par-
tilhar com Jesus sua vivência. Na verdade, estou lentamente adquirindo um novo grau de conheci-
mento de Jesus. 
Também deparo com a inevitável dispersão da atenção. Talvez você também tenha passado 
por isso quando tentou o breve exercício de meditação mencionado anteriormente. Se foi assim, 
não se preocupe. As digressões são inevitáveis. Assim que você se aperceber delas, volte a atenção 
para a meditação. As divagações são consequência do modo como Deus fez que o nosso cérebro 
seguisse associações de ideias — portanto, não se irrite quando isso acontecer. 
Outra dificuldade minha foi a sensação de que a meditação era perda de tempo. Eu tendia a 
julgá-la pelo que ela me dava. Quando o fazia, ela quase sempre parecia ser uma prática espiritual 
terrivelmente infrutífera. Mas produtividade e eficiência não têm nada a ver com isso. O que Deus 
quer é simplesmente a nossa presença, mesmo que a sensação seja de perda de tempo produtivo. 
É isso que os amigos fazem quando estão juntos gastam o tempo com os outros. Basta estar junto, 
sem esperar “tirar alguma coisa” da interação. Não deveria ser diferente com Deus. 
O fato de estar com Jesus na meditação dos Evangelhos passou a dar substância ao Deus que 
eu procurava conhecer por tantos anos. À medida que Jesus tornou-se mais humano e real para 
mim, o Deus invisível do qual ele é imagem tornou-se mais acessível. Jesus é a ponte entre o paraíso 
e a terra, entre o humano e o divino. Se ele é tão divino que não conseguimos conhecê-lo em sua 
humanidade, Deus continua inteiramente a ser o Outro. Mas Deus está presente em Jesus. Esse é a 
verdade de Emanuel — Deus conosco. 
Não há o que substitua a meditação sobre a vida de Jesus se queremos fundamentar o co-
nhecimento de Deus nos Evangelhos. Os sermões e a leitura da Bíblia dão informações sobre Jesus 
que não equivalem a um encontro pessoal com ele nos acontecimentos da sua vida. A meditação 
devia fazer parte das orações de todos os cristãos que realmente procuram conhecer a Deus. Os 
Evangelhos propiciam oportunidades riquíssimas de conhecer Jesus, desde que aprendamos a usá-
los com esse intuito. 
Meditar nos Evangelhos é olhar para Cristo. Quando Jesus se comparou à serpente de bronze 
que Deus disse a Moisés que fizesse, a fim de que os filhos de Israel que estavam morrendo com 
picadas de serpente olhassem para ela (João 3:14-15), uma das coisas que ele dizia era que olhar 
para Cristo com confiança e devoção faz o Espírito de Deus tomar-lhe a vida e torná-la nossa5. 
Deus deu-nos Jesus como Imagem Divina com a intenção de que olhássemos para 
ele e assim conhecêssemos a Deus. Por esse motivo a meditação nos Evangelhos 
tem tal poder transformador. 
Encontrando a Deus nas ocorrências da vida 
O segundo recurso extremamente rico para estar com Deus é discernir a Presença Divina na 
vida diária. A vida, observa Carolyn Gratton, continua acontecendo6. Ao mudarmos as circunstâncias 
da vida — algumas desejáveis, outras nem um pouco —, conseguimos ótimas oportunidades de 
conhecer melhor tanto a Deus quanto o eu. Cada uma delas nos dá ocasião de examinar onde se 
encontra Deus naquela circunstância e que dádivas Deus oferece para que cresçamos. 
Esse segundo modo de conhecer a Deus não é tão diferente do primeiro quanto possa pare-
cer. Ambos implicam encontrar a Deus em circunstâncias concretas da vida. Portanto, ambos per-
mitem desenvolver uma espiritualidade prática, realista, pela qual encontramos a Deus nas esferas 
terrenas e familiares da vida comum. 
Paul Stevens discorre sobre essa espiritualidade: 
“Se Deus se apresentou em carne e osso e se Deus continua a se apresentar em nossa exis-
tência carnal, a vida inteira se enche de significação. A terra está repleta de paraíso, e o 
paraíso (quando enfim lá chegarmos) estará repleto de terra. Nada se desperdiça. Nada 
se perde. Nada é secular. Nada é absurdo. [...] Tudo é proveitoso em uma espirituali-
dade realista”7. 
O Deus onipresente cujo nome é Emanuel não está distante de nós, mas mais próximo do 
que imaginamos. Deus não é estranho às circunstâncias da nossa vida, mas vem a nós nelas. Nosso 
desafio é desvelar o Divino na natureza e identificar a presença de Deus em nossa vida8. 
Uma amiga acaba de me escrever para falar do seu desespero e profunda desesperança di-
ante do sofrimento de tantas pessoas em seu país. “No entanto”, diz ela, “atrevo-me a ter a espe-
rança de que, em meio a essa desolação, eu encontre o Senhor, que chora comigo por aqueles cuja 
dor é tão inimaginável e por aqueles cuja esperança está por um fio”. Ela tem razão. Deus está com 
ela na desolação, esperando que identifique a Presença Divina e oferecendo-a como acompanhante 
dessa sempre difícil jornada do ser humano. 
É relativamente fácil encontrar Deus nos momentos de alegria ou felicidade. Nessas situa-
ções, nós acertadamente nos consideramos abençoados por Deus. O desafio é acreditar que isso 
também ocorre — e reconhecer a presença de Deus — na incerteza, na depressão, na ansiedade, 
no conflito e no fracasso. Entretanto, o Deus que é Emanuel encontra-se tanto nesses momentos 
que nunca teríamos escolhido quanto naqueles que sempre escolhemos de bom grado. 
Richard Rohr lembra que “não podemos ganhar a presença de Deus. Já estamos inteira-
mente na presença de Deus. O que falta é conscientização”9. 
Este é o âmago da busca espiritual: aprender a discernir a presença de Deus, ver o 
que é na realidade. Mas não há nada maisarriscado do que presumir que já vemos 
quando não vemos. 
A verdade é que Deus se encontra em todas as coisas — até mesmo e principalmente nas 
dolorosas, trágicas e desagradáveis. Jesus foi o sofrido Salvador que sabia de todas as tentações e 
situações negativas da humanidade que poderíamos conhecer. O coração de Deus contém todas as 
emoções humanas concebíveis. Ele nos contém, independentemente daquilo por que passemos. O 
Deus cristão onipresente, de cuja companhia não se foge ao ir para as trevas, para os confins do mar 
ou para as alturas dos céus (Salmos 139:7-12), é o Deus presente em nós em cada momento da vida. 
A maioria aprende a identificar a presença de Deus procurando por ela primeiro no espelho 
retrovisor. É para isso que serve uma revisão do dia com devoção — que chamei de exame diário 
em outra obra10. Lucinda relatou sua primeira experiência a esse respeito da seguinte maneira: 
Depois de me acomodar na minha poltrona predileta e pedir a Deus que me ajudasse a 
rever o dia, lembrei-me imediatamente de uma situação incômoda com uma colega 
naquela manhã. Ela botou a cabeça na porta do meu escritório e perguntou sobre a 
visita aos meus pais que eu fizera no fim de semana. Embora conversasse com ela todos 
os dias, eu nunca havia falado da minha família, e de repente me vi embaraçada de 
tocar nesse assunto. Não havia nada de que eu me envergonhasse, mas estranha-
mente me senti como se quisesse me esconder. Encerrei rápido a conversa e não pensei 
nela até aquele momento. 
Tive medo de pedir a Jesus que me ajudasse a refletir sobre isso. Eu não tinha certeza de 
querer mexer com esses sentimentos. Eles pareciam familiares — eram sempre evita-
dos, mas rondavam a minha vida. Disse a Deus que queria enfrentá-los com a ajuda 
dele. Lembrei-me de outras vezes em que eu sentira algo parecido. Antes, eu sempre 
me livrava dessa sensação o mais rápido possível. Dessa vez, fiz o voto de não afastá-la 
se Deus me ajudasse. 
Ainda não tenho certeza de onde vem essa sensação nem o que significa. Só refleti a res-
peito do acontecimento de um dia. Mas acho que dei um passo importante. 
Escrevi respondendo a Lucinda e lhe perguntei se ela havia aprendido algo sobre Deus com 
essa experiência. Ela respondeu: 
Ter ficado lá, envergonhada, na presença de Deus, me ajudou a ver que Deus não estava 
chocado. Aliás, tive a impressão de que ele sabia de tudo. E ainda assim me acolheu! 
Conscientizei-me de que, qual fosse o motivo da vergonha, eu não precisava me escon-
der dela, pois Deus já sabia. Ao partilhá-la com Deus, pude sentir o amor dele por um 
lado meu frágil e vulnerável. 
A experiência de Lucinda comprova que o conhecimento de Deus e o conhecimento do eu 
andam de mãos dadas. O conhecimento transformador de Deus provém do encontro com Deus no 
nosso íntimo, não na abstração de proposições teológicas batidas. 
O objetivo de uma revisão devotada das ocorrências recentes da vida não é a autoanálise. A 
questão não é remexer as coisas para achar algum problema ou um significado. O objetivo é sim-
plesmente aumentar a percepção a respeito de Deus nos acontecimentos da vida e no íntimo de si 
mesmo. É presenciar o Deus que já está presente. Em geral, as perguntas com “o quê” (por exemplo: 
O que eu estava sentindo? O que me perturbou naquele comentário? O que realmente me deixou 
ansioso?) são melhores do que as perguntas com “por quê” (Por que me senti ameaçado? Por que 
isso me incomodou?). E evite exigir de si mesmo ou de Deus. Apenas aceite o que vem com cada 
experiência, todos os dias e se pergunte “para que” aconteceu isto na sua vida. 
Pronto para o conhecimento mais profundo de Deus? 
Se as ideias da meditação nos Evangelhos e da revisão da vida recente com devoção lhe des-
pertam o interesse, dedique quinze minutos no fim de cada dia da próxima semana às seguintes su-
gestões. 
1. Em primeiro lugar, pegue o seu diário (ou algo em que você possa escrever) e encon-
tre um lugar sossegado para se sentar sem ser perturbado. 
2. Escolha um relato dos Evangelhos de um acontecimento da vida de Cristo. Depois 
de urna breve oração pedindo a Deus que lhe permita participar com imaginação 
dessa experiência e encontrar Jesus, devaneie por cinco minutos sobre essa passa-
gem. 
3. Depois de agradecer a Deus pela dádiva de estar com Jesus, peça-lhe ajuda ao refletir 
sobre o seu dia a fim de identificar melhor a Presença Divina nele. 
4. Deixe os acontecimentos do dia voltarem a você. Aceite como uma dádiva de Deus 
qualquer coisa que lhe venha à mente, embora possa parecer banal de início. Peça 
ajuda para discernir a Presença Divina no acontecimento. 
5. Termine a sessão agradecendo a Deus pelas dádivas recebidas. 
Não existe uma fórmula simples para o conhecimento profundo de Deus. Vicki — que na mi-
nha imaginação esteve sentada ao meu lado enquanto escrevi este capítulo — já sabe evitar qual-
quer coisa ou pessoa que diga o contrário. Você deve fazer o mesmo. 
Este capítulo nem começa a dar conta de todas as maneiras de conhecer a Deus. Todavia, a 
reflexão sincera e devotada sobre os Evangelhos e a vida diária proporcionam uma ótima oportuni-
dade para encontrar a Deus de um modo que fará você mudar. E, como vimos, também permite 
que você se encontre consigo mesmo de maneira mais profunda. 
3. Primeiros passos para conhecer a si mesmo 
Embora digamos que algumas pessoas fizeram a si mesmas, ninguém realmente se cria sozi-
nho. A personalidade não é uma conquista; é uma dádiva. Como veremos no sexto capítulo, o nosso 
verdadeiro eu — o eu no qual nos estamos tornando em Deus — vem de Deus. Qualquer outra 
identidade é criação nossa e é ilusão. 
O conhecimento de si mesmo, portanto, deve começar pelo conhecimento do eu que Deus 
conhece. Se Deus não nos conhece, nós não existimos. E, como observou Merton (com toda a ironia 
possível), “ser desconhecido por Deus é privacidade demais!’’1 
A possibilidade de conhecer a si mesmo tem por fundamento o fato de que Deus já conhece 
o seu eu. De modo parecido, a possibilidade de você conhecer a Deus tem por fundamento o fato 
de que Deus já o conhece. J. I. Packer apreende corretamente a prioridade em todo esse conheci-
mento: 
“O que importa sobremaneira, portanto, não é, em última análise, o fato de que eu conheço 
a Deus, mas o fato ainda mais importante inerente a isso — o de que ele me conhece"2. 
Estamos gravados na palma das mãos de Deus e nunca ausentes da mente Divina. Todo o 
nosso conhecimento de Deus depende da constante iniciativa de Deus em nos conhecer. Conhece-
mos a Deus porque Deus nos conheceu primeiro e continua a nos conhecer. 
O autoconhecimento autêntico se inicia ao olhar para Deus e perceber que Deus olha para 
nós. Nosso conhecimento do eu fundado no conhecimento que Deus tem de nós ancora-nos na 
realidade. E também nos ancora em Deus. 
Saiba-se profundamente amado 
A pergunta é: o que Deus sente a seu respeito? O que é o conhecimento que Deus tem de 
você? 
Uma jovem me disse estar com medo por ter certeza de que Deus se zangou com ela. Acha 
que Deus está preocupado com seus pecados e faltas, que tem raiva dela e a reprova. Será que ela 
tem razão? 
Lembro-me também de um amigo que não acredita mais que Deus tenha interesse nos seres 
humanos. Por ser uma pessoa entre bilhões na face da Terra, acha que ele mesmo e todos nós não 
conseguimos gravar-nos como indivíduos na consciência de Deus. Diz-me querer acreditar que Deus 
o ama, mas não se convence de que isso é possível. Será que ele tem razão? 
Estou convicto de que Deus ama cada um de nós com profundidade, persistência e intensi-
dade inimagináveis. Deus não apenas gosta de você. Nem tem bons sentimentos por você só por-
que você foi criado à imagem Divina. A verdade é que Deus o ama com o que Hannah Hurnard 
chama de “interesse arrebatado e passional’’3. Deus não deixa de vê-lo com olhos amorosos. 
Mais admirável ainda, o amor de Deus por você não tem relação com o seu comportamento. 
Sua incredulidade e sua infidelidadenão alteram o amor Divino nem no mais ínfimo grau. Como o 
amor do pai na parábola do filho pródigo, o amor Divino é absolutamente incondicional, ilimitado e 
inimaginavelmente profuso. 
Os cristãos afirmam um princípio de identidade inteiramente singular na esfera da espiritua-
lidade. Percebamos ou não, nossa existência enraíza-se no amor de Deus. O amor gerador de Deus 
foi a nossa origem. O amor acolhedor de Deus mantém a nossa existência. O amor inexaurível de 
Deus é a única esperança que temos de realização. O amor é a nossa identidade e a nossa vocação, 
pois somos filhos do Amor. Criada do amor, com amor e para o amor, nossa existência não tem sen-
tido sem o amor Divino. 
Nem o conhecimento de Deus nem o conhecimento de nós mesmos vão muito longe se não 
partirem do conhecimento de que somos profundamente amados por Deus. Enquanto não ousar-
mos acreditar que nada nos separará do amor de Deus — nada que possamos fazer ou deixemos 
de fazer, nem nada que alguém possa fazer-nos (Romanos 8:31-39) —, permaneceremos no nível 
primário da escola da transformação espiritual cristã4. 
Para que o nosso conhecimento do amor de Deus seja realmente transformador, ele deve 
tornar-se base da nossa identidade. Nossa identidade é aquilo que sentimos ser — o eu que cada 
um de nós carrega em si. Uma identidade fundada em Deus significa que, quando pensamos em 
quem somos, a primeira coisa que vem à mente é a condição de sermos profundamente amados 
por Deus. 
Confesso com tristeza que isso raramente ocorre comigo. Apesar de ter sempre tentado evi-
tar definir-me pela minha função profissional, quando preciso me apresentar costumo recorrer à 
prática social comum de ostentar títulos. Mas, o que é ainda mais revelador, se o meu amor-próprio 
é ameaçado e eu sinto a minha identidade um pouco vulnerável, minha primeira reação quase au-
tomática é pensar em elogios ou em projetos presentes e futuros. Isso me mostra que, muito mais 
do que eu normalmente me dou ao trabalho de reconhecer, minha identidade depende do que eu 
faço, não de quem eu sou. 
Cristo representa uma contraposição particularmente pungente. Sua identidade foi definida 
pelo relacionamento com seu Pai. Esse era quem ele era. O que ele fez não constituiu a base da sua 
identidade, mas, antes, indicou quem ele era: “As obras que o Pai me encarregou de consumar, tais 
obras, eu as faço e elas dão testemunho de que o Pai me enviou” (João 5:36). 
No seu batismo, Jesus ouvira uma declaração Divina de amor como Filho em que Deus se 
comprazia (Mateus 3:17). Jesus nunca deu mostra de duvidar disso. Seu relacionamento com o Pai 
fundamentava a sua vivência e compreensão de si mesmo. Ele era uno com seu Pai no amor — 
estando Deus nele e ele em Deus (João 14:11). Nada era mais infalível para ele do que o amor de seu 
Pai, um amor que ele sabia existir antes da fundação do mundo (João 17:24). O cumprimento da 
vontade do Pai proveio desse relacionamento de amor, que era a base da sua identidade. 
Mesmo quando Jesus sentiu que Deus o abandonara no Jardim do Getsêmani, sua confiança 
no amor do Pai era tão grande que ele ainda ansiava mais pela vontade de Deus do que pela sua. 
Jesus sabia que era amado independentemente de senti-lo ou não. Sua identidade fundava-se em 
Deus. 
Se você estiver pensando que claro que Deus ama Jesus — afinal, ele era Jesus, talvez seja 
bom lembrar que a Bíblia tem vários outros exemplos do modo pelo qual o conhecimento do amor 
de Deus transforma o indivíduo. Por exemplo, a samaritana que se encontrou com Jesus no poço 
(João 4:7-30), acostumada a ser rejeitada pelos judeus, espantou-se com o tratamento que Jesus lhe 
deu. O fato de ele ter-se aproximado em vez de evitá-la, ter falado com ela e até lhe ter pedido algo 
deve tê-la surpreendido demais. Mesmo depois de ele ter apontado a falha moral da mulher, não 
aconteceu o esperado. Ele não a condenou! Nem lhe disse que não pecasse mais. Ao contrário, de-
pois de revelá-la a ela mesma, ele revelou-se a ela, mostrando ser o Messias. 
A revelação geralmente começa, como aconteceu com essa mulher, com Deus revelando-
nos a nós mesmos. Só então Deus aos revela o eu Divino. Tocada pelo amor perfeito, ela nunca mais 
seria a mesma. Ela encontrara o Senhor. 
O processo de conhecer o amor de Deus e confiar nele leva uma vida inteira. Também não é 
imediato tornar esse conhecimento a fundação da nossa identidade — ou melhor, deixar que a 
nossa identidade se reconstrua em torno desse fato fundamental da nossa existência. Ambos for-
mam o cerne da transformação espiritual, que é o resultado almejado da devoção a Cristo. 
Toda vez que ouso encontrar-me com Deus na vulnerabilidade do meu pecado e da minha 
vergonha, esse conhecimento se fortalece. Toda vez que retomo o meu modelo de autoaperfeiço-
amento e tento mostrar a Deus o meu melhor eu, este se enfraquece. Só conheço o amor Divino 
por mim, incondicional, absoluto e desinteressado, quando ouso aproximar-me de Deus exata-
mente como sou. Quanto mais coragem eu tiver de encontrar-me com Deus nessa fraqueza, mais 
eu me reconhecerei como verdadeira e profundamente amado por Deus. E quanto mais profundo 
for o meu conhecimento desse amor, mais fácil será confiar nele como fez Cristo — preferindo a 
vontade de Deus à minha. 
Deixe o livro de lado por um instante e reflita sobre o seu conhecimento do amor de 
Deus. Quanto esse conhecimento constitui o alicerce da sua identidade? De que 
forma você sente o amor Divino? E como saber que ele é verdadeiro mesmo que 
você não o sinta? 
Se não gostar das suas respostas a essas perguntas — ou caso se sinta confuso nesse particu-
lar da sua busca —, diga a Deus que você anseia muito conhecer o amor perfeito. Ore a Deus para 
que o leve a alguém com quem você possa partilhar esse desejo, alguém com maturidade espiritual 
para acompanhá-lo na busca do conhecimento pessoal do amor de Deus. 
É sempre difícil levar da cabeça ao coração verdades como “Deus me ama". É possível, mas 
só quando tentamos com outros. O Deus que é comunidade Divina só se conhece na comunidade 
humana. O conhecimento profundo do amor perfeito, assim como o conhecimento profundo de 
nós mesmos, implica termos relacionamentos de amizade espiritual5. Ninguém jamais deve esperar 
fazer a busca sozinho. E o conhecimento do eu e de Deus descrito nestas páginas depende da com-
panhia de outras pessoas na nossa viagem para o coração de Deus. 
Conheça os seus eus parciais 
O conhecimento do eu realmente transformador sempre acarreta descobrir e acolher as par-
tes de si mesmo que antes eram importunas. Embora costumemos pensar em nós mesmos como 
um eu uno, unificado, aquilo a que chamamos “eu" é na verdade uma família de muitos eus parciais. 
Isso, em si, não é um problema. O problema está em que não conhecemos muitos desses eus par-
ciais. Apesar de serem em geral conhecidos por outras pessoas, nós continuamos alegremente 
alheios a eles. 
Dizer que somos uma família de muitos eus parciais não é o mesmo que dizer que desempe-
nhamos papéis diferentes. A maioria sabe o que é ser amigo, funcionário, membro de uma igreja e 
talvez pais ou cônjuge. Cada um desses papéis é diferente, e a maioria consegue desempenhar um 
e outro sem esforço. Esse não é o problema. 
O problema é que há aspectos importantes da nossa vivência que ignoramos. Muitos, como 
a mulher que mencionei no segundo capítulo, recusam-se a enfrentar o sentimento de vergonha. 
Ele nos faz sentir vulneráveis demais. Então, fingimos que não existe e torcemos para que desapa-
reça. Ou talvez tentemos negar o eu desalentado e magoado. Quando fazemos isso, no entanto, 
essas partes indesejáveis do eu não desaparecem. Elas simplesmente se escondem. 
Se, por exemplo, só conheço o meu eu forte e competente e nunca sou capaz de acolher o 
meu eu fraco e inseguro, sou forçado a viver uma mentira. Devo fingir que sou forte e competente, 
não simplesmente que tenho uma parte forte e competente ou que, sob certas circunstâncias, 
posso ser forte e competente.De modo parecido, se me recuso a encarar o meu lado insincero, vivo 
uma ilusão quanto à minha integridade. Ou, se não quero reconhecer meu eu orgulhoso, vivo a ilu-
são da falsa modéstia. 
É muito proveitoso conhecer esses lados rejeitados do eu e dar nome a eles. Meu eu brinca-
lhão, meu eu prudente, meu eu exibicionista, meu eu gentil, meu eu competitivo e muitas outras 
faces minhas fazem parte de mim, a despeito de reconhecer ou não a existência deles. O forte con-
dicionamento na infância nos estimula a reconhecer apenas os lados mais aceitáveis de nós mes-
mos. E as partes do eu que não se mostram quando estamos em família tornam-se ainda mais for-
tes, não mais fracas. Agindo às escondidas e no inconsciente, elas têm uma influência crescente no 
comportamento. 
A espiritualidade cristã implica o reconhecimento de todos os eus parciais, revelando-os ao 
amor de Deus e deixando-o conformá-los na nova pessoa que ele está criando. Para chegar a isso, 
devemos ter vontade de aceitar essas partes ignoradas como membros plenos da família do eu, 
dando-lhes espaço para que se mostrem à nossa família natural e permitindo que sejam lentamente 
atenuados e curados pelo amor e componham a pessoa íntegra em que estamos nos transfor-
mando. 
Do eu para Deus 
Para exemplificar esse processo de conhecimento do eu e acolher os eus parciais importunos, 
assim como o modo que ele pode levar ao conhecimento de Deus, vou contar a história de uma 
pessoa que chamarei de Judith. 
Conheci Judith quando ela fazia um curso ministrado por mim na St. Michael’s University 
College, uma das faculdades católicas romanas filiadas à Universidade de Toronto. O curso, Psicolo-
gia e Espiritualidade Cristã, estava aberto a qualquer um dos cinquenta e cinco mil estudantes da 
universidade, e era sempre interessante ver quem se matriculava. Em certo ano, após a primeira 
palestra, Judith apresentou-se como judia que estava prestes a se tornar cristã. 
Ela fora criada em uma família judia leiga. Ser judeu, disse Judith, era uma questão de etnia, 
não de religião. Esta nunca lhe interessara, a não ser bem recentemente. O que lhe interessava era 
se conhecer. Além de estudar psicologia, ela fazia psicanálise havia anos, por meio da qual entrara 
em contato com o seu íntimo. Ela me contou da coragem que adquirira ao enfrentar os seus lados 
assustadores —- especialmente a sexualidade. Também me falou da crescente liberdade que con-
quistou para amar as pessoas e ser realmente ela mesma. Mas o que mais me chamou a atenção 
foi ela ter dito que sua análise com um psicanalista judeu agnóstico a levara ao cristianismo. 
Judith interessou-se por Deus por causa do constante incentivo do analista para que enca-
rasse a verdade. Esse, disse ela, era o seu lema terapêutico. Quando aprendeu a encarar a verdade 
sobre si mesma, ela se deu conta dos seus anseios espirituais, que estavam dormentes e desperce-
bidos havia muito tempo. Seu primeiro passo foi explorar a espiritualidade judaica frequentando a 
sinagoga e lendo alguns dos místicos judeus. Após um tempo nessa busca, ela leu algo sobre a vida 
de Teresa de Ávila, o que acendeu seu interesse pelo cristianismo. Depois de ler o Castelo Interior, de 
Teresa, Judith passou a devorar tudo que achasse na literatura clássica cia espiritualidade cristã. Foi 
nesse ponto que ela se inscreveu no meu curso. 
Judith realmente se tornara cristã. E, à medida que ia conhecendo e amando ao Deus que ela 
encontrara na vida dos santos cristãos, aprofundava o conhecimento de si mesma. O mais surpre-
endente foi que o caminho da descoberta de que ela era totalmente aceita por Deus ajudou-a no 
trabalho que vinha fazendo na psicanálise. Até o seu analista observou esse fato. O contato com os 
seus lados assustadores na presença de Deus e a percepção de que Deus a acolhera por inteiro de-
ram-lhe coragem para lentamente se livrar da antiga repressão da sua sexualidade. Pouco a pouco, 
ela se atreveu a colocar os aspectos vergonhosos e aterrorizantes na esfera da aceitação carinhosa 
de Deus, e pouco a pouco ela passou a conhecer a si mesma e a Deus com mais profundidade. 
A história de Judith não é tão rara quanto possa parecer. Todos os seres humanos são criatu-
ras espirituais com profundo anseio de encontrar sua identidade em Deus. Aqueles que procuram 
conhecer-se com sinceridade inevitavelmente deparam com esse anseio e decidem como respon-
der a ele. O conhecimento profundo do eu dá ensejo ao conhecimento profundo de Deus, assim 
como o conhecimento profundo de Deus dá ensejo ao conhecimento profundo do eu. Vem a ser 
exatamente o que João Calvino previu. 
Autoaceitação e autoconhecimento 
Ao deixar que Deus me aceite como eu sou, faço com que eu também me aceite assim. Isso 
é fundamental para uma transformação espiritual autêntica. 
A autoaceitação e o autoconhecimento estão intimamente ligados. Para realmente conhecer 
algo a seu respeito, você precisa aceitá-lo. Mesmo as coisas sobre si mesmo que você mais quer mu-
dar devem ser primeiro aceitas — e até acolhidas. A autoaceitação sempre precede a autotransfor-
mação. E o eu que você deve aceitar é o eu que você de fato é — antes de iniciar qualquer plano de 
aprimoramento! 
E uma ilusão querer conhecer-se sem aceitar traços seus que você gostaria que não existis-
sem. Deve-se antes aceitar a realidade para depois mudá-la. O conhecimento de nós mesmos con-
tinuará superficial até que desejemos aceitar-nos da maneira que Deus nos aceita — íntegra e incon-
dicionalmente, exatamente como somos. 
A aceitação de Deus como somos não conflita de forma alguma com o anseio Divino pela 
nossa integridade. Nem a nossa aceitação de nós mesmos. Porém, enquanto não estamos prontos 
para aceitar aquilo que realmente somos, nós impedimos a obra transformadora de Deus de fazer 
de nós o verdadeiro eu oculto em Deus. Devemos aliar-nos ao eu que procuramos conhecer. Deve-
mos recebê-lo com hospitalidade, não hostilidade. Não se pode conhecer ninguém — nem mesmo 
o próprio eu — sem essa acolhida. 
Vou exemplificar isso retomando a história de Pedro. É muito improvável que a sua traição de 
Cristo tenha sido a primeira vez que ele sentiu o medo que esse ato deve ter gerado. Com quase 
toda a certeza ele deve ter-se visto em outras situações em que o medo o levou a não fazer o que 
pretendia. Se ele não reprimiu totalmente essas experiências, devia ser capaz de lembrar-se delas. 
No entanto, o fato de ter essas informações sobre si não era a mesma coisa que realmente se co-
nhecer. 
A diferença encontra-se na autoaceitação. Enquanto não queremos aceitar as verdades de-
sagradáveis da vida, racionalizamos o nosso comportamento ou não nos responsabilizamos por ele. 
Assim, ao recusar-se a enfrentar e aceitar a covardia e o medo, Pedro pode, por exemplo, ter atenu-
ado esses atos concentrando-se nas circunstâncias deles. Ele pode ter adotado o mesmo artifício 
após a sua rejeição de Jesus. Talvez tenha sido isso que Jesus antecipou e procurou evitar ao prever 
em público a rejeição de Pedro. Todavia, a decisão de aceitar ou não a realidade e a si mesmo cabia 
apenas a Pedro. 
Se Deus o ama e o aceita como pecador, como abster-se? Você nunca poderá ser outro se-
não você mesmo até que deseje aceitar aquele que você realmente é. Só então você será capaz de 
se tornar aquele que mais intimamente deve ser. 
Alguns cristãos ficam muito perturbados com a afirmação de que a autoaceitação precede a 
transformação. Argumentam que a autoaceitação é o contrário do que devemos fazer com os lados 
do eu que não honram a Deus. O que devemos fazer, dizem eles, é mortificá-los, não acolhê-los. 
As Escrituras são bastante claras a respeito da importância da mortificação da nossa natureza 
pecadora (Romanos 8:13). No entanto, as tentativas de eliminar as coisas que encontramos em 
nosso íntimo e não aceitamos de início como parte de nós dizem respeito à rejeição, não à mortifi-
cação. A mortificação deveria ser aplicada à nossa natureza pecadora. E precisamos primeiro