Buscar

O QUE SE TRANSCRIA EM EDUCAÇÃO

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 228 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 228 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 228 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

O QUE SE TRANSCRIA EM EDUCAÇÃO?
Conselho Editorial
Betina Schuler (UCS/EMEF Rincão/PM-POA)
Dóris Helena de Souza (SMED/POA)
Gláucia Maria Figueiredo (UNIOESTE)
Karen Nodari (UFRGS/Colégio Aplicação)
Luciano Bedin da Costa (UFRGS/SETREM)
Ludmila de Lima Brandão (UFMT)
Maria Amélia Santoro Franco (Universidade Católica de Santos)
Nadja Maria Acioly-Regnier (Université Claude Bernard Lyon1)
Vânia Dutra de Azeredo (PUC/Campinas)
Comitê Editorial
Carla Gonçalves Rodrigues (UFPel)
Ester Maria Dreher Heuser (UNIOESTE)
Silas Borges Monteiro (UFMT)
© Sandra Mara Corazza, 2013
Editoração por SUPERNOVA EDITORA
Capa e escultura da Classe Monstra por LEONARDO GARBIN
Classe Monstra · 2013
cerâmica, vidro, lápis e canetas, ferro, papel e nanquim. 25 x 30 x 22 cm
acervo do artista · Porto Alegre/RS
Fotos por WILLIAN ANSOLIN
Bibliotecário: Douglas Rios (CRB - 1/1610)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
C788q 
 Corazza, Sandra Mara.
 O que se transcria em educação?/ Sandra
 Mara Corazza. Porto Alegre-RS : Doisa, 2013.
 228p.
 ISBN: 978-85-66308-03-7
 1.Educação. 2.Pesquisa 3.Docência.
 4.Currículo. 5.Didática. I. Título.
CDU 37 
O QUE SE TRANSCRIA EM EDUCAÇÃO?
SANDRA MARA CORAZZA
A quem transparadisa o mundo:
PEDRO, ALICE, LUCAS
SUMÁRIO
PARA FALAR DELA 11 
 Paola Zordan; Nilton Pereira; Samuel Bello 
PARTE 1 – ENSAIO E MÉTODO 15
1. Para artistar a educação: 
 sem ensaio não há inspiração 17
2. Método Valéry-Deleuze: 
 um drama na comédia intelectual da educação 41
3. Pedagogia dos sentidos: 
 a infância informe no método Valéry-Deleuze 71
PARTE 2 – PESQUISA E DOCÊNCIA 91
4. A formação do professor-pesquisador 
 e a criação pedagógica 93
5. Discurso biografemático: 
 Vidarbos 103
6. O docente da diferença: 
 identidade e singularidade 119
PARTE 3 – CURRÍCULO E DIDÁTICA 141
7. Os sentidos do currículo: 
 necessidades inadiáveis 143
8. O drama do currículo: 
 pesquisa e vitalismo da criação 163
9. Currículo da infância e infância do currículo: 
 uma questão de imagem 183
10. Didática-artista da tradução: 
 transcriações do currículo 203
OS QUE 225
11
PARA FALAR DELA1 
Paola Zordan; Nilton Pereira; Samuel Bello
Estou aqui hoje pra falar DELA, falar sobre ELA, falar na 
cara DELA. Ela. A infernal botadora de boca nos trombones 
maquinais das comissões, dos colegiados, conselhos, do 
DEC, dessa Faculdade, da Universidade. Por isso chamam Ela 
de Fera. Ela, a colega do DEC da FACED, parceira intelectual 
que não se amesquinha por pontos e descontos. Ela, a 
distribuidora de brindes e rodadas. Partilhadora de ideias, 
sopradora de palavras, doadora de escritos, indicadora de 
bibliografias inesgotáveis, ela É MESMO FERA. Mas, como 
uma boa paradoxal, Ela também é Bela. Mãe do Paulo, do 
André e do Sérgio. Agora a avó do Pedro, da Alice e do Lucas. 
A dona dos dálmatas. A mulher de mil e uma multiplicadas 
noites do especial Hugo. Das poucas viventes desse pago que 
teve a coragem de deixar de ser gremista, talvez antes de ter 
deixado de ser Rodrigues. Sorte d’Ela, agora bicampeã da 
Libertadores... E o mundo nos espera de novo! Mas a taça 
que vem erguer no coração dessa homenagem é outra. ELA! 
Mesmo que “libertadora” tenha tentado ser. Isso no tempo em 
que vivia dentro dos livros do Paulo Freire. E atuava na Rede 
Estadual de Ensino, lutando por uma educação libertária, 
coordenando projetos em torno de um Tema Gerador. 
Quando acampava na Praça da Matriz e batia sineta na frente 
do Palácio do Governo. Ah, num tempo em que era militante, 
e sabia de cor e salteado as cartilhas de Freud e Marx, e lutava 
na linha de frente por uma Educação Básica de qualidade. Bah! 
1 Texto produzido pelos colegas do Departamento de Ensino e Currículo (DEC): 
Paola Zordan, Nilton Pereira, Samuel Bello; e lido por Cesar Lopes (falador-
transmissor-atravessador-corruptor do texto), em nome do DEC, na Sessão 
de Homenagem a Professores, em comemoração aos 40 anos da Faculdade de 
Educação da UFRGS, realizada em 10 de dezembro de 2010 na FACED/UFRGS.
12
Quase arrebentou as cordas vocais, tanto que quase 
desistiu de ser escutada pelo poder estatal e tenha se ocupado, 
dali para frente, a falar só para minorias. Mas com sua garganta 
forte que a levou muito jovem, ainda em Montenegro, para 
a frente de uma classe primária de Séries Iniciais, corpo 
coletivo infantil que toda aluna de curso Normal tem como 
decisivo na vida. E este seu amor pelo Infantil a carregou 
para os mares agitados de seus estudos infindáveis, maiores 
e bem mais ecléticos que os de sua Faculdade de Filosofia... 
E também a conduziu aquele medo horrível de ser (como 
alguns colegas efetivamente foram) carregada para dentro de 
um porão e apanhar por causa de ideologias; desaparecer 
sem nem ter ainda aparecido. Logo Ela, leoa rugidora que, 
goste ou não, sempre acaba aparecendo. Mesmo quando Ela 
é Uma. Porque Ela é muitos, muitos livros, muitos artigos, 
incontáveis publicações, pareceres, orientandos vários. Ela é 
Bando. Ela é uma multiplicidade em si. Ela dá de ombros 
para a sirene que avisa que acabou o período e a aula está 
burocraticamente encerrada. Para Ela, o ensino não termina 
nunca e a aprendizagem é sempre a aventura. Embarcando 
na Jangada de Medusa, largou bandeiras e ideologias para 
pegar a fina pena dos manifestos canibais. Antropófaga, 
quanto mais vive, mais autores devora. Aliás, também é 
conhecida por Esfinge. Assusta todos a quem questiona. 
E deuses, Ela QUESTIONA... E como eu sei bem disso... 
Desde nosso primeiro encontro, Professora-questionadora-
banca x aluno-iniciante-químico num Salão de Iniciação 
Científica do século XX. Questionar faz parte do seu método 
pedagógico. Ainda que até o pedagógico seja um conceito a 
ser posto em xeque. Não porque Ela goste de ser crítica, e sim 
porque aprendeu com Nietzsche que sem o rugir do Leão 
o Camelo continua a carregar estupidamente seus fardos. 
A criança precisa brincar, sem peso, sem “camelagem”. 
E por mais séria e de terninho, de cabelo arrumado e de 
óculos que apareça, Ela, a Fera, nunca deixou de ser a 
menina Bela dançante sobre suas sapatilhas de balé. Só que 
agora, sexagenária, sua dança são as palavras precisas nas 
coreografias espetaculares que apresenta em sala de aula. 
13
E quem já assistiu uma aula Dela sabe: ninguém sai do mesmo 
jeito que entrou. Muito menos o currículo. Do currículo, 
Ela já perguntou: o que queres? Então trouxe currículos 
nômades, vagabundos e de tantos tipos, que dizer de todos 
eles aqui seria viajar em letras que a Ela mesma escapam. 
Ela, que acabou com tantas prescrições e traz outras para 
facilitar os modos de uso. Artistou a pesquisa e veio criar um 
currículo cheio de Artistagens. Ela, que explora a potência 
do disciplinar e torna as palavras indesejadas, apavorantes, 
em questões vitais. Necessária, oportuna, quando se trata de 
pensar, de falar baixinho para si, as ideias que depois surgem 
literárias. Inventou, alguns julgam que até demais, cifrou 
conceitos em textos que a Educação estranha, fantasiando 
sempre. Tanto que a acusam de “filha de Hermes”, quando, 
por ignorância, não decifram os n códigos que seus textos 
costumam por em jogo. Ousou tanto que ninguém duvida o 
quanto seja Diferente. Não apenas por coordenar o DIF e sim 
por tudo o que veio a ser numa vida, à qual ninguém consegue 
ser indiferente. Perto d’Ela, ou se ama ou se odeia. Afectos 
neutros são impossíveis. Ela é trágica, exagerada, estridente. 
Pega sempre o teu ponto mais fraco, principalmente quando 
te ama. Boa professorinha, que nunca deixou de ser, quer que 
tu aprendas e sabe que isso, muitas vezes, é na marra. Bem, 
daí tanta gente sair correndo. Mas os que ficam aprendem a 
superar suas falsas limitações. Afinal, limite é uma palavra 
que, como muitas outras, Ela transforma em outra coisa. 
Limites são humanos e tudo o que é demasiadamente 
humano se torna intolerável, mesmo para a mais didática 
das professoras. E maisque, uma vez pesquisadora, essa 
professora só faz romper com os limites de suas próprias 
crenças, com o limite de todo discurso pedagógico. Ciente dos 
limites dos discursos, Ela os transverte em versos e fabuladas 
versões. Ela, a Mara, Márai, Maradea nunc sum, Amor fati, 
De Fouror, corazzakai, S. M. Costello, Lisbeth Salander, 
Salamandra, Cassandra, San, Sandy, sandramaracorazza. 
FERA! Vem pra cá.
Da tribo dos adoradores da Medusa.
PARTE 1
ENSAIO E MÉTODO
17
 1PARA ARTISTAR A EDUCAÇÃO: – sem ensaio não há inspiração1
Em O Abecedário de Gilles Deleuze (Deleuze, 2007), no 
vocábulo Professor, Claire Parnet pergunta a Deleuze (então 
com 64 anos e aposentado) se ele não sentia falta de dar 
aulas, já que as dera, com paixão, durante quase 40 anos, 
nos níveis médio e superior de ensino. Deleuze responde-lhe 
que, no momento, é uma alegria não ter mais de dar aulas, 
porque já não tinha mais vontade, embora elas tivessem 
constituído uma parte importante da sua vida. Diz, então, que 
essa questão de aulas é simples, já que elas têm equivalentes 
em outras áreas, em função de ser algo muito preparado: 
– “Se você quer 5, 10 minutos de inspiração, tem de fazer 
uma longa preparação”. E acrescenta que sempre fez dessa 
maneira porque gostava: – “Eu me preparava muito para ter 
esses poucos momentos de inspiração”. 
Entretanto, com o passar dos anos, Deleuze começou 
a perceber que precisava de uma preparação crescentemente 
maior para obter uma inspiração cada vez menor. E concluiu 
que estava na hora de parar, para fazer outra coisa, como 
escrever. Ele diz que não saberia calcular quanto tempo essas 
preparações lhe exigiam, mas que, como tudo, tratava-se de 
ensaios: – “Uma aula é ensaiada, como no teatro”. Se não 
a ensaiarmos suficientemente, “não estaremos inspirados”; 
e se ela não resultar de “momentos de inspiração”, não quererá 
“dizer nada”. O ensaio que fornece a inspiração consiste 
em “considerar fascinante a matéria da qual tratamos”; em 
achar “interessante o que se está dizendo”; para “chegar ao 
ponto de falar de algo com entusiasmo”. E Deleuze finaliza: 
– “O ensaio é isso”.
1 Texto publicado, com variações, em 2007 e 2012 (2ª edição), na Revista Edu- 
cação Especial Biblioteca do Professor (Editora Segmento, SP, volume 6, 
p. 16-27; p. 68-73); e, ainda, em 2008, na Revista de Educação Pública (Univer- 
sidade Federal de Mato Grosso, UFMT, v.olume 17, número 34, p. 237-254).
18
Para ensaiar Deleuze, ao escrever sobre algumas resso- 
nâncias, provocadas por sua Filosofia da Diferença na 
Educação, vários usos conceituais poderiam ser enfatizados, 
tais como os que vêm sendo produzidos em diversos espaços 
institucionais, de relações e textuais (Tadeu; Corazza, 2002; 
2005). Seguindo Barthes (2005), para que as escolhas que 
fazemos dos conceitos, textos, livros, obras dos outros passem 
para nós, é necessário defini-los como escritos por nós; e, ao 
mesmo tempo, torná-los outros, deformando-os por amor, 
desde que por eles fomos seduzidos. O que buscamos nos 
conceitos que desejamos é que alguma coisa ocorra: uma 
nova aventura, uma nova conjunção amorosa; e, por isso, a 
relação que estabelecemos com determinados conceitos do 
autor amado é a de que eles fiquem lá, como signos de nós 
próprios, inspirando-nos a passar do Prazer de Ler ao Desejo 
de Escrever (Scripturire = Querer-Escrever). 
É em nome dessa relação que, primeiramente, ficcionalizo 
a questão “O que Deleuze quer da educação”? Em seguida, 
para imaginarizar respostas, extraio, traduzo e uso alguns 
conceitos deleuzianos, como cartografia, impessoalidade, 
simulacro, devir, nômade, acontecimento, entre outros. Com 
eles transvertidos, constituo e qualifico quatro temáticas 
educacionais, quais sejam: Crianças, Professores, Currículos 
e Pesquisa. Então, concluo, diferindo do que escrevi.
1. Deleuze 
 O que Deleuze quer Da eDucação?
Quem vem por lá, no meio da neblina? Quem entra sem 
bater, sem se anunciar, sem dizer o próprio nome? Quem 
chega ao jardim de infância da Educação? As crianças se 
assustam, pois veem que é um homem de saúde frágil, a 
quem frequentemente falta ar. Elas gritam por socorro, ao 
olharem suas unhas longas, não aparadas, que protegem a 
falta de impressões digitais. Todas se perguntam: – “O que 
ele vem fazer aqui? O que quer da Educação? Cometerá 
violências contra a sua educação, ao fazê-las aprender a 
pensar sem imagens e a desaprender o que já aprenderam? 
19
Quem ele pensa que é, para vir se meter com elas, até agora 
tranquilamente fixadas em formas essenciais e saturadas de 
definições substanciais? Quanto atrevimento por parte de 
quem nunca atribuiu à infância qualquer valor, enquanto 
fonte do sujeito, origem do sentir e do pensar adultos! Quanta 
invasão de quem jamais deu qualquer importância à infância-
arquivo, à criança-lembrança ou ao infantil-universal, por 
privilegiar somente um devir-criança do mundo! Que ousadia 
a desse homem intrometer-se na Educação, justamente 
ele que, enquanto aluno, foi uma nulidade na escola”. (Até 
descobrir que a filosofia podia ser tão desafiadora e divertida 
quanto qualquer obra de arte!)
Os professores tentam acalmar as crianças, que choram 
de medo, quando o homem lhes fala com a sua voz rouca e 
a dicção fatigada, como as de um feiticeiro. Então, mostram-
lhes que este pensador traz, para todas, belas, novas e fortes 
lufadas de enunciação, que nos levam a pensar e a viver a 
Educação do mesmo modo que um artista pensa e vive a sua 
arte. Explicam-lhes tratar-se de um filósofo que prossegue 
a tarefa (que Spinoza começou e Nietzsche continuou) de 
nos levar a detestar todos os poderes ligados à tristeza, que 
transmitem a ideia de se viver em estado perpétuo de dívida 
infinita. De alguém que tem horror a tudo que apequena 
e entristece a vida, isto é, dos poderes de quem trabalha para 
diminuir ou nos separar das forças ativas de que somos 
capazes; e que, com isso, buscam conduzir nossas vidas 
à resignação, à má consciência, à culpa, recheando-as de afetos 
tristes e imobilizadores, de queixas e de ressentimentos. 
As crianças, agora, entendem melhor o rico presente 
que esse homem trouxe consigo: a possibilidade de pensar 
e de viver a alegria em Educação; já que ele mostra como 
amar tudo aquilo que desenvolve e efetua as potências 
afirmativas e como odiar todos os poderes que obstaculi- 
zam essa efetuação. E lhes diz que qualquer poder é sempre 
muito triste, mesmo se aqueles que o exercem alegram-se 
em fazê-lo: – “Os que exercem os poderes e com eles se 
alegram são uns pobres coitados, porque a sua é uma alegria 
triste”! 
20
Nesse momento, as crianças param de chorar, porque 
se existem, neste Universo, criaturas que não querem saber 
de alegrias tristes, mas só de alegrias que as regozijam – 
por serem o que são e por chegarem aonde chegam, por 
meio de suas potências infantis –, essas criaturas são as 
crianças! No entanto, os professores alertam: – “Sejam pru- 
dentes! Não exibam demasiadamente essa alegria em estado 
puro, pois há muita gente para quem a infantilidade – que 
diz um Sim incondicional à Vida – é insuportável”!
2. Crianças 
 Cartógrafas-impessoais-artistas
Após o pavor que o encontro inicial com o Feiticeiro 
do Pensamento da Diferença provocou, tudo muda na 
Educação. A começar pelas próprias crianças, que não mais 
se pensam ou são pensadas como embriões originários 
do ser humano cognitivo e psíquico, nem como fontes da 
sociedade e da cultura, mas se anunciam como cartógrafas, 
impessoais e artistas. Cartógrafas porque exploram os 
meios das aulas, escolas, parques; fazem trajetos dinâmicos 
pelas vizinhanças das ruas, campos, animais; traçam mapas 
virtuais dos currículos, projetos político-pedagógicos, em 
extensão e intensão, os quais remetem uns aos outros; e 
que elas superpõem aos mapas reais, cujos percursos, então, 
são transformados. 
Como mapeadoras extensivas dos movimentos das 
relações pedagógicas de poder e dos deslocamentos dos 
saberes curriculares,as crianças redistribuem impasses e 
aberturas desse poder, limiares e clausuras desses saberes, 
limites e superações dos seus modos de subjetivação, em 
busca do Acontecimento – que elas sabem não se tratar 
de fatos educacionais, dados históricos nem práticas 
pedagógicas; embora ele não exista fora dessas efetuações; 
só que, nelas e em seu existir atual, o Acontecimento não 
se esgota, pois é imaterial, incorporal e virtual. 
Já, enquanto mapeadoras intensivas de afetos (ativos e 
alegres, passivos e tristes), as crianças produzem constela- 
21
ções educacionais, que preenchem suas deambulações 
sociais. Impessoais, elas falam e escrevem por indefinidos, 
que consistem naquela forma de expressão que precede as 
manifestações da sua subjetividade infantil, delas fazendo 
singularidades pré-individuais e consciências pré-reflexivas 
sem Eus. Por isso, as crianças adoram o indefinido Uma-
Criança, que é como elas se enunciam como sensíveis; o 
que as leva à conclusão de que também são Artistas. 
Artistas porque, definindo-se como sensíveis, fazem 
as mesmas coisas que a Arte. Ou seja, tanto as crianças 
Cartógrafas-Impessoais como a Arte não ordenam lugares, 
mas abrem rasgões para o Fora; movimentam-se sobre 
um devir-infantil e sobre o esquecimento da história e o 
abandono das lembranças de infância; percorrem passagens 
e linhas erráticas de materiais flexíveis e heteróclitos; 
desenroscam anéis de superfície pura, sem interior nem 
exterior; conectam e desconectam inimagináveis zonas de 
vizinhança; jogam pedras numa velocidade infinita contra 
todos os organismos; realizam viagens histórico-mundiais, 
sem saírem do Continente da Infância e da Arte; abrem e 
fecham portas, telhados e planos, enlouquecendo totalmente 
o pensamento do bom senso da Infância e do senso comum 
da Arte. Em suma, em devir-infantil, as crianças, cartógrafas-
impessoais-artistas fazem até voar os morcegos que bicam 
as suas janelas.
3. Professores 
 Devir-simulacro
– “Estivemos sempre sob o jugo do Princípio de Iden-
tidade”. Eis um diagnóstico que Deleuze realiza, juntamente 
com toda filosofia pós-nietzschiana, e que orienta o seu 
pensamento na direção oposta ao do pensamento da 
identidade – o qual, para reunir a multiplicidade sob um 
conceito, deve, necessariamente, igualar o não-igual. Assim, 
ao utilizar esse Princípio da Identidade para formular a 
designação uniformemente válida do conceito de Professor, 
abandonamos todas as diferenças singulares das inúmeras 
22
maneiras de ser, de tornar-se, de operar como um professor, 
além de despertar o pensamento da Representação. 
Assim procedemos porque tal Princípio, ao formular o 
conceito de Professor, leva-nos a esquecer tudo aquilo que é 
distintivo; como se, no campo da Educação, além dos vários 
professores e de suas ações individualizadas e desiguais, 
houvesse algo ou alguém que fosse O Professor-Primordial 
(Uno, Padrão, Verdadeiro, Normal). E, ainda, como se, a 
partir deste determinado professor, todos os outros fossem 
formados, embora por mãos inábeis; de maneira que nenhum 
saísse correto e fidedigno à Ideia Pura daquele Professor-
Modelo, dotado de uma qualidade essencial, ou qualitas 
occulta, cujo nome pode ser Professoralidade; e à qual cada 
um e todos os professores deveriam submeter-se ou esforçar-
se para dessa categoria se aproximar, como Cópias bem 
ou mal assemelhadas; caso contrário, seriam considerados 
simulacros; e, assim, por estarem tão distantes e por serem 
tão dessemelhantes da Professoralidade (que é a causa de 
O Professor e de todos os professores) seriam profunda- 
mente desprezados.
Essa matriz platônica compõe o que Deleuze denomina 
Imagem Dogmática de Pensamento, que integra a Filosofia 
da Representação; a qual, juntamente com todas as áreas 
que operam com o pensamento monocentrista, positiva as 
Cópias-Ícones como sucedâneos válidos do Original, en- 
quanto teme os simulacros (fantasmes), considerados es- 
tranhos, primitivos, selvagens, desviados, divergentes e 
perigosos subversivos das hierarquias estabelecidas, verda- 
deiros casos perdidos, que Platão detestava e recomendava 
que fossem jogados nos abismos dos oceanos mais pro- 
fundos, ou abandonados no mais recôndito das florestas; 
visto negarem tanto o Original quanto as Cópias. Imagem 
que, em Educação, valoriza positivamente os Professores-
Cópias (como imitações do Primordial), pois eles teriam 
relações diretas com a Ideia Pura da Professoralidade; sendo, 
dessa maneira, os seus pretendentes bem fundados; ao mesmo 
tempo que desvaloriza os professores-simulacros, como 
falsos pretendentes que sobrevivem graças a semelhanças 
23
falsificadas; e que vivem abertos para a dessemelhança, 
ficando, cada vez mais, afastados do centro do Modelo-Ideia-
Essência-de-O-Professor. 
Vê-se como um regime de imagem do pensamento 
desse tipo somente pode ser formulado num plano trans- 
cendente, metafísico, concebido em um além-mundo supe- 
rior, organizado, ordenado e hierarquizado; que preexiste e 
sobre-existe àquele plano ordinário no qual os professores 
vivem e atuam; em um plano idealista, portanto, que amal- 
diçoa a diferença, ao desconsiderá-la por meio do conceito, 
uma vez que cada professor, como Cópia-Ícone, deve re- 
presentar (re-apresentar) o Modelo; e, assim, repetir o seu 
agir, fazer, dizer, pensar, sentir. Logo, quando um professor 
é denominado Bom, Verdadeiro, Correto, Competente; en- 
quanto outro é denominado Mau, Falso, Incorreto, Incom- 
petente, é porque cada um deles está sendo julgado por sua 
Professoralidade; em função do maior ou menor grau de 
semelhança ou de infidelidade a ela, considerada a causa de 
todos eles. 
Já a Filosofia da Diferença (também chamada por 
Deleuze de Empirismo Transcendental) reverte esse plano 
transcendente e privilegia a mobilidade perpétua do real, 
exercida num plano de imanência; a ser traçado pelos 
professores, que lhe vão dando consistência à medida que 
o criam por meio de experimentações. Plano que é desse 
mundo dos professores e, no qual, o único ser-professor que 
pode ser dito é o do devir; isto é, daquele ser que não para 
nunca de se deter no jogo da sua própria proliferação. Plano 
que é povoado por professores em devir-simulacro e que 
extrai a força da sua imanência dos conceitos nietzschianos 
de Vontade de Potência e de Eterno Retorno; os quais não 
repetem o Mesmo; mas, a cada repetição, produzem a 
Diferença Pura. 
Por isso, o platonismo, inclusive em Educação, é ferido 
de morte em sua diferença relativa, entre O-Bom-Professor 
e O-Mau-Professor, que nada mais são do que Cópias, bem 
ou mal-assemelhadas ao Padrão; diferença que sempre 
hierarquiza, privilegiando uns e secundarizando outros 
24
professores. Platonismo ferido pelo pensamento deleuziano, 
que valoriza justamente os professores-simulacros como 
os únicos que têm condições de produzir novidades e de 
levar a Educação à diferença não maldita; pois, somente 
eles possuem forças inventivas orientadas para o porvir. 
Esse devir-simulacro dos educadores-professores-pedagogos 
pode ser considerado, também, no plano educacional, como 
uma espécie de Gaia Ciência, que fornece ferramentas 
conceituais para pensar um devir-alegre, um devir-criador, 
um devir-artista.
Plano, para o qual, a aula brilhante que um professor 
porventura tenha realizado, no dia de hoje, não seja comparada 
a nenhum Modelo-de-Aula, nem a outras aulas dadas por 
ele ou por seus colegas; tampouco, seja ele considerado um 
Bom-Professor, em comparação com um Professor-Padrão, 
nem com outros professores. Mas, considera brilhante uma 
aula, pelo fato de que, hoje, neste dia determinado, nesta 
aula específica, o professor em questão, circunstancialmente, 
conseguiu formular algo novo para pensar; problematizar, 
com e diante dos alunos, o que até então não era considerado 
problemático por ninguém; conseguiu levar os alunos a 
encararem as besteiras e desaprender as verdades, que lhes 
haviam sido transmitidas e ensinadas, e que eles haviamassimilado; para, desse modo, aprender algo que não fosse 
senso comum nem opinião. 
Esse professor conseguiria, assim, mostrar que a 
dificuldade de pensar é algo de direito do pensamento, não 
possuindo nada de inato ou de recognição; nem trataria de 
responder a perguntas para as quais já existem respostas; 
tampouco, pensaria a partir de postulados previamente 
definidos; já que, para ele, pensar é, antes de tudo, criar. 
Logo, trata de engendrar o pensar no próprio pensamento: 
condição de possibilidade para uma criação que merece 
esse nome, dado por um Pensamento sem Imagem. Um 
pensamento que os professores em devir-simulacro podem 
experienciar, pois é relativo à economia de fluxos materiais 
e semióticos do desejo (nem subjetivo nem representativo), 
que precedem sujeitos e objetos e procedem por afetos 
25
e transformações, independentemente de serem ou não 
calcados sobre pessoas, imagens, identificações. 
Desse modo, um professor etiquetado como Tradicio- 
nal, um pedagogo rotulado como Construtivista, ou um 
educador definido como Progressista podem ser atravessa- 
dos por devires múltiplos: por um devir-simulacro, que 
coexiste com um devir-mulher, com um devir-criança, 
com um devir-animal, com um devir-negro, com um devir-
poético, com um devir-imperceptível. Devires, que o ligam 
a processos de singularização e remetem à problemática 
da multiplicidade; processos e problemática que excluem 
a obsessão – que o Pensamento da Representação instalou 
no campo educacional – de encontrar, formular ou reconhe- 
cer algum perfil, identidade, função, papel de O Professor; 
os quais reificam uma natureza pedagógica verdadeira, 
uma essência universal de professor, uma arcaica vocação 
educadora, um modo certo de planejar, de dar aula, de 
avaliar, de formular um currículo. 
Tais devires-simulacros são compostos por processos 
transversais de artistagem, que permeiam as diferentes 
subjetividades dos educadores, instauram-se através de cada 
um deles e dos grupos sociais que integram, realizando uma 
crítica radical a formas determinadas e a funções legitimadas. 
Devires de pedagogos-artistas, feito por elementos virtuais, 
embora reais, que se distinguem apenas pelo movimento 
e pelo repouso, pela lentidão e pela velocidade; que não 
são átomos, apesar de serem finitos; que, embora possam 
ser dotados de formas, nem por isso são indefinidamente 
divisíveis; e que consistem nas últimas partes, infinitamente 
pequenas de um infinito atual, estendidas num plano de 
consistência. Partes essas que se definem pelos graus de 
intensidade e relações, nos quais entram, e que pertencem 
a este ou àquele professor, pedagogo, educador, artista, que 
pode ser parte de outro, numa relação complexa; embora 
cada um seja uma multiplicidade de multiplicidades 
perfeitamente individuadas. 
Os educadores-artistas são tomados em segmentos de 
um devir-simulacro, cujas fibras levam de um devir a outros, 
26
transformados naquele e que atravessam limiares de poderes, 
saberes, subjetividades. Desse modo, quando professores-
artistas compõem, pintam, estudam, escrevem, pesquisam, 
ensinam, orientam, eles têm apenas um único objetivo: 
desencadear devires. Devires que são sempre moleculares, já 
que devir não é imitar algo, nem identificar-se com alguém, 
tampouco promover relações formais entre identidades. 
A partir da bagagem cultural que esses pedagogos-artistas 
possuem, de suas formas-professorais, do sujeito-educador 
em que se transformam, das funções-educativas que 
aprendem a exercer, devir-simulacro é extrair partículas disso 
tudo; que são as mais próximas daquilo que eles estão em 
vias de se tornarem; e através das quais se tornam outros 
educadores, professores, pedagogos e artistas diferentes 
daqueles que são. 
Assim, devir-simulacro é o próprio processo do desejo 
de educar. Isto é, a partir do educador que é; dos fundamen- 
tos, metodologias, pedagogias que aprende; de como sabe 
exercer a profissão; o professor-artista entra na zona de 
vizinhança – que marca o pertencimento a uma mesma 
molécula, independentemente dos sujeitos e das formas – do 
desejo, ou em sua co-presença, entre as partículas extraídas 
do que carrega em si e que não mais pertencem ao que ele 
é, ao que possui, a como ensina. 
Por isso, um pedagogo-educador-professor, em devir-
artista-simulacro, é considerado uma hecceidade; isto é, 
uma coletividade molecular não separável de um espaço 
corpuscular. Não que um professor se torne um artista, 
nem que um pedagogo se assemelhe a um artista, tampouco 
que um educador seja análogo a um artista, ou vice-versa, 
já que o devir não é metáfora simbólica; mas, sim, que o 
educador, o professor, o pedagogo e o artista invocam uma 
zona objetiva de indeterminação ou de incerteza, comum 
e indiscernível; na qual não se pode dizer onde passam as 
fronteiras de uns e de outros. E não que esse devir-simula-
cro aconteça somente para alguns privilegiados, corajosos 
ou iluminados: todos os educadores, pedagogos, professo- 
res e artistas, independentemente de evoluções, possuem 
27
potência para outras possibilidades inatuais e para outros 
devires. 
Devires que não são regressões, mas involuções cria- 
doras, núpcias anti-natureza, que ocorrem fora dos corpos 
programados e dão testemunho de uma vivificação per- 
manente. Essa é a realidade do devir-artista dos educadores-
simulacros e do devir-educador dos artistas-simulacros, 
sem que os educadores se tornem artistas ou os artistas 
se tornem educadores; embora possam tornar-se. Isso 
porque, no devir-simulacro não se compara e, quando se 
usa a palavra “como”, esta já mudou de sentido e de função, 
porque fica remetida às hecceidades e não a sujeitos, 
significados ou estados significantes. 
Assim, quando um professor brinca, um educador 
uiva, um pedagogo canta, um artista ensina, se isso for 
feito com bastante intensidade e paixão, o professor emite 
uma criança molecular; o educador, um lobo molecular; 
o pedagogo, um cantor molecular; o artista, um professor 
molecular. Não que um se torne o outro, como se mu- 
dassem de espécies molares, em suas formas e subjetividades; 
o que ocorre é uma emissão de partículas, que entram em 
vizinhança com moléculas compostas e produzem um 
professor-criança, um educador-lobo, um pedagogo-cantor, 
um artista-educador moleculares. Claro que é no professor 
que a criança brinca, no educador que o lobo uiva, no peda- 
gogo que o cantor canta, no artista que o pedagogo-educador-
professor ensina; mas por meio de emissões corpusculares 
e não por imitação, nem pela proporcionalidade de suas 
formas. Portanto, mudam aqui, também, a realidade-em-
devir da criança, do lobo, do cantor, do artista; sem que eles, 
necessariamente, tornem-se professores, educadores ou 
pedagogos.
4. Currículos 
 Currículos-nômaDes
Desde a chegada do pensamento de Deleuze na Educação, 
vê-se como, para crianças-cartógrafas-impessoais-em-devir-
28
artista e para professores-pedagogos-educadores-artistas- 
em-devir-simulacro, não há mais possibilidade de operar 
com qualquer tipo de currículo, a não ser com currículos 
plurais, que podemos chamar por diferentes nomes, 
como Currículo-Nômade; o qual apresenta os seguintes 
componentes em seu plano de composição. 
Sem memória nem ambição, disforme e alienado, 
fora de si, esse Currículo-Louco é ilegítimo, odeia planos 
homogêneos e unidades metodológicas, objetivos e projetos, 
formas didáticas e medidas avaliativas. Pensado a partir 
de um desmoronamento da interioridade do pensamento 
curricular, é dotado da potência extrínseca de surgir em 
qualquer ponto e de traçar qualquer linha, irrompendo nas 
águas mansas da sabedoria adquirida, de modo involuntá- 
rio, imprevisto, incompreensível, inassimilável.
Vive às voltas com as forças do Fora, como uma vio- 
lência que se abate destrutiva sobre os saberes consoli- 
dados, como um estranhamento recíproco entre o pen- 
samento racional e a realidade de algum objeto. Por se 
movimentar em outro espaço-tempo,esse Currículo-Errante 
é inconstante, versátil, anda de terra em terra, corre mundo; 
de modo que os seus pontos se alternam, subordinados 
aos trajetos que eles mesmos vão traçando; enquanto os 
seus traços apagam-se à medida que os trajetos vão sendo 
feitos. Em movimento perpétuo, com vagos trejeitos de 
um Currículo-Ambulante, distribui-se, em espaços abertos, 
sem partilha, sem alvo nem destino, sem partida nem 
chegada, crescendo no meio do campo curricular como 
grama. 
Esse Currículo-Fluido desterritorializa e reterritorializa, 
faz ruptura das próprias territorialidades, abrindo-se para 
o novo e consolidando-o, mediante a construção de outras 
adjacências, desfaz-se e renuncia a si mesmo, vai embora 
para outra parte. E, mesmo que os fluxos desse Currículo-
Turbilhão sejam canalizados por condutos e diques, precipita-
se, torna a jorrar, transborda, flexibilizando as distinções 
binárias, ternárias e sintéticas, afetando seus pontos hete-
rogêneos, fazendo com que se revezem, ramifiquem-se 
29
e se encadeiem, extrinsecamente, para se tornarem vetores 
de transformação. 
Polimorfo e difuso, bifurcado e fibrilado, esse Currículo-
Estrategista corre solto numa atmosfera de errâncias. 
Deformante e móvel, o Currículo-Ubíquo agencia elementos 
díspares, opera multiplicidades acentradas, realiza disjunções 
inclusivas e, por meio de sua rapidez e leveza, conecta-se 
com outras máquinas de pensar e de viver que têm forças 
vivas de devires, para conjurar o peso e a gravidade de 
currículos paquidérmicos e tingidos de cinza-chumbo. Esse 
Currículo-Imoderado fornece provas de interações inéditas 
com crianças, professores, matérias, vivendo cada instante 
curricular molar, em termos de relações moleculares e de 
movimentos de fuga. 
Por ser um Currículo-Amoroso com tudo aquilo que 
inventa, conjura as cruéis forças econômicas e políticas, as 
insuportáveis humilhações humanas, os centros de poder, ao 
desenrolar os seus segmentos e figuras imóveis, dispersando-
os, de modo que voltem a bailar. Currículo-Dançarino, que 
não pretende ter desenvolvimento autônomo ou tomar 
algum poder e, inclusive, espanta-se com a servidão abjeta 
dos Currículos-Oficializados, não entendendo como eles 
podem ser tão desejados, triunfantes e duradouros. Irritado 
com os torpores, adaptações e consciências dos Oficializados, 
esse Currículo-Abalo tensiona-os, faz com eles piruetas, 
rolinhos e cambalhotas, dá-lhes rasteiras com novas ideias, 
cria personagens misteriosos, que são irrepetíveis. 
Indisciplinado, o Currículo-Rebelde questiona conser- 
vações e convenções, regimes de legitimidade e rouba- 
lheira, direções constantes e delimitações fincadas sobre 
codificações. Esse Currículo-Bandido define-se por suas 
ações livres, inventa revides, luta, joga projéteis, questiona 
hierarquias, regimes de propriedade, direções constantes, 
delimitações de objetos e se transforma em arma para 
ferir os currículos firmados sobre bases sólidas, não 
relevando sentimentos ternos diante de nenhum sujeito 
dos Currículos-Equilibrados; embora seja pleno de afe- 
tos variáveis, que atravessam corpos de alunos e de pro- 
30
fessores como flechas, numa velocidade infinita de des- 
territorialização andeja. 
Possuidor de uma Ciência-Menor, contrária à Ciência-
Régia, o Currículo-Balístico reporta-se a agenciamentos ma- 
quínicos e coletivos de enunciação, definindo-se pelo con- 
junto das singularidades extraídas de seus fluxos curricula- 
res, que convergem para uma consistência inventiva. 
Esse Currículo-Hiper-Ativo funciona como uma máquina 
vagamunda, social e coletiva, cujos agenciamentos definem, 
num determinado e volátil momento, a sua racionalidade 
curricular e o seu nível de compreensão; tais como os usos 
e a extensão dos seus conteúdos, as paixões e os desejos 
das emoções de um Currículo-Eros, que promove descargas 
de afetos múltiplos, opostos aos pesados conhecimentos 
estáveis, bagagens culturais, valores eternos, sujeitos idên- 
ticos, essências constantes, verdades verdadeiras. 
Um Currículo-Itinerante desse tipo pode ser chamado 
Currículo-Mar; pois é fluência pura, nada representa, não 
fixa lugares, não disciplina, mas engendra-se e percorre-se, 
faz fugir os sujeitos e os objetos, que implicam um ponto 
de vista fixo e exterior, procedem por iteração, valorizam 
reiterações, reconhecem fenômenos, buscam resultados, 
comprovam constantes. Já um Currículo-Intuitivo capta as 
singularidades da matéria e a variação contínua das variáveis 
para constituir a sua territorialidade móvel. Remetido 
ao par matéria e forças, subordina as suas operações a 
condições sensíveis da intuição e da construção; por isso, 
é tanto arte quanto técnica, produz mudanças de estado, 
processos de deformação e de transformação dos modelos, 
métodos e programas gradeados, opera individuações por 
acontecimentos, nunca por fatos ou por sujeitos. 
Como um Currículo-Anexato, não deixa de ser rigoroso, 
pois não é nem inexato como as coisas sensíveis, nem exato 
como as essências ideais, possuindo essências vagas – que 
despreendem uma materialidade não confundível com a 
essencialidade inteligível ou com a coisidade sensível –, as 
quais geram uma identidade anexata entre os pensamentos 
e as coisas curriculares. Materialidade de um Currículo-
31
Força, cuja matéria-movimento, matéria-energia e matéria-
em-variação são seguidas por uma intuição em ato, que 
não para de situar-se de um lado e de outro dos seus 
limiares, nem de transformar as matérias homogeneizadas 
e suas formas estabelecidas. Esse Currículo-Problemático 
antes formula problemas do que os resolve. Por isso, é um 
Currículo-Aprendizado, operando como experiência de 
problematização, que não fornece condições empíricas do 
saber, não faz transição do saber ao não-saber, não é solução 
para alguma falta de saber. 
Currículo-Aprendente, não sabe direito como alguém 
aprende; só sabe que não é por assimilação de conteúdos, 
nem por faculdades inatas, ideias a priori, elementos 
transcendentes. Ao juntar o pensar, o aprender e o viver, 
procura tornar o pensamento possível outra vez, pois 
acredita que, assim, pode retirar o pensar da sua imobili- 
dade e separação da vida. Encontrando-se em relação com 
forças e velocidades infinitas do caos, é um Currículo-que 
-aprende-ao-mesmo-tempo-em-que-ensina, a partir da ques- 
tão “O que é pensar”? – que só acontece na imanência 
absoluta, na criação de novidades e na vida ativa. Currículo-
Vitalista, dotado de vida com luz própria e de produtividade 
híbrida, rizomática, que dá saltos, faz desembocaduras, 
passagens e desvios, que costumam ser sobrecodificados 
pelo pensamento curricular reativo e triste, que os tenta 
capturar, sitiar e harmonizar; de modo a colmatar suas fugas, 
subordinar suas diferenças às identidades, impor limites a 
suas inumeráveis conexões. 
Por isso, é um Currículo-Inimigo da adequação do 
intelecto às coisas, do amigável acordo entre as faculdades 
mentais, do Bem/Mal, do Certo/Errado, do Verdadeiro/Falso. 
Esse Currículo-de-Briga com o pensamento moral, odeia 
besteiras comunicativas, opinião medíocre, contemplação, 
reflexão, clichês, decalques, regras, ordens, certezas fáceis 
e repetidas ad nausean. Esse Currículo-Violento tem a sua 
violência chegando-lhe do não conhecido, do tempo não 
cronológico de Aion, dos elementos selvagens não domes- 
ticados, ou seja, do Fora, que lhe é trazido pelos Signos. 
32
Signos que fazem dele um Currículo-Enigma, pois o for- 
çam a pensá-los, a decifrá-los, a interpretá-los; para que, 
desse modo, possa praticar um ensinar e um aprender 
imprevisíveis, que nos levam a não reconhecer nada do que 
até então conhecíamos, impedem-nos de pensar e de viver 
como antes, constrangendo-nos a nos desprender de nós 
próprios.
O Currículo-Ignorante ensina que importa perder tem- 
po para aprender e para enamorar-se dos Signos, de sua 
necessidade e urgência, inevitabilidade e força. Esse Currí- 
culo-Aventureiro não propõe gestos a serem reproduzidosou conteúdos a serem reconhecidos; nunca diz – “Faça 
como eu faço”!, mas convida: – “Venha, faça comigo”!, enca- 
deando sensibilidade, intuição e pensamento para sacrificar 
os Imperativos dos Objetos, as Palavras de Ordem da 
Linguagem e a Facilidade das Recognições; funcionando 
como um atrator-caótico, contagiando e propagando, pu- 
xando, arrastando matérias e encontros para um devir-
vagamundo, feito da proliferação de possíveis e da ramifi- 
cação de não-sensos. E é tão forte esse Currículo-Desejante, 
que só se preocupa em ser avaliado pelo que produz e pelos 
efeitos que causa: se são importantes e interessantes, no- 
táveis e potencializadores de mais vida. 
O Currículo-Ladrão-da-Paz não adota jamais uma po- 
sição neutra ou passiva diante do mundo e da vida; ao 
contrário, trata-os como uma questão de artistagem, vincu- 
lada à produção de diferenças, a intervenções e à invenção 
de vidas ricamente vividas por minorias ex-cêntricas, que 
procedem por difusões móveis de prestígio. Por sua própria 
natureza, esse Currículo-Gangue existe e opera, mesmo 
que de modo imperceptível, em Todos os Currículos Exis- 
tentes e em Funcionamento. Embora os Currículos-Oficia- 
lizados queiram sempre pô-lo na prisão, segmentarizar os 
seus espaços lisos, cortar as suas linhas de fuga, represar os 
seus fluxos que teimam em escorrer. O problema é que os 
Currículos-Bandos movimentam os Oficializados, porque 
estes (embora muita gente não aceite ou não perceba) vivem 
em metamorfose perpétua e em errância perigosa, voam, 
33
galopam, varrem tudo aquilo que, neles, foi organizado e 
ordenado enquanto dualidades, correspondências, estrutu- 
ras; de modo a poderem criar novos movimentos curriculares, 
que ousem impulsos inovadores e vivam em permanentes 
devires-revolucionários. 
Agora, chegou a hora de perguntar: – “Como criar, para 
si, um Currículo-Clandestino que desenvolva, no campo 
curricular, um novo espaço de pensar? Como abrir nossos 
poros e criar novas sensibilidades, que nos dêem condições 
de possibilidades para acompanhar os movimentos im- 
perceptíveis e intempestivos de currículos fortemente codi- 
ficados”? Ora, é simples: – “Fiquemos atentos”! Por que esses 
Currículos-Andarilhos, fazendo aparições descontínuas, 
praticando atos violentos, esticando linhas de inovação, 
criando contrapensamentos para pensar o impensável, o 
não-pensado do pensamento, a exterioridade pura, acabam 
movimentando todos os currículos, sem exceção. 
Então, cabe a um pedagogo-professor-educador, em 
devir-simulacro, que trabalha com crianças-cartógrafas-
impessoais em devir-artista, analisar as multiplicidades não 
métricas e os pontos de singularidades de cada um daqueles 
Currículos-Codificados, para ver do que eles ainda são 
capazes, quais são as suas vagas e andamentos curvilíneos, o 
turbilhonar de suas linhas diferenciais e os novelos de seus 
fios subterrâneos, que saem de um Currículo-Malta, arras- 
tam um Codificado e o explodem. 
Então, nesse campo de batalha desordenado, nesse 
vapor incorporal de pura intensidade, nessa cena funerária 
do sujeito, nesse espelho cego dos objetos, nessa película de 
experimentação rebelde, nesse tabuleiro de jogo ideal, nessa 
dobradiça do aprender, nesse reservatório do pensar; em um 
tempo fora dos gonzos, renascendo e recriando-nos, altiva e 
revolucionariamente, viveremos, com prazer e gozo, a porção 
Marginal dos Currículos-Certinhos. Porção que são como 
grandes fetos mexendo-se, boiando, mergulhando, circu- 
lando e crescendo na barriga do grande Tubarão Pensamental 
do Currículo-Maior. Engendrar, encontrar e seguir ou não 
esses fetos, cuidar ou não deles é uma questão de juventude 
34
ou de velhice, de tristeza ou de alegria, de vida ou de morte. 
É aí que a covardia ou a coragem de cada um de nós se decide.
5. Pesquisa 
 Pesquisa Do acontecimento
Por último, na relação amorosa e intelectual com os 
conceitos deleuzianos, distingo um conceito que me parece 
imprescindível para a pesquisa contemporânea em Educação: 
o de Acontecimento. Trata-se de um conceito formulado ao 
longo de toda a produção de Deleuze, desde a sua Tese de 
Estado Diferença e repetição (Deleuze, 1988) – na qual, tanto 
o problema quanto suas condições são remetidos à ordem 
do Acontecimento; até ganhar força e complexidade em 
Lógica do sentido (Deleuze, 1998) – sob influência da teoria 
estóica dos incorporais (Bréhier, 1997) e de Leibniz; passando 
pelo livro A dobra. Leibniz e o Barroco (Deleuze, 1991a) – em 
que há um capítulo inteiro dedicado à questão “Que é um 
acontecimento?”, no qual, Whitehead é identificado como 
o terceiro pensador do Acontecimento; indo até o último 
livro escrito com Guattari, O que é a filosofia? (Deleuze; 
Guattari, 1992) – em que aparecem como influências Péguy 
e Blanchot, saudados como os novos pensadores, que foram 
capazes de penetrar o Acontecimento; chegando até o seu 
último texto “A imanência: uma vida...”, em que escreve: 
“Uma vida [...] é feita de virtualidades, acontecimentos, 
singularidades. Os acontecimentos ou singularidades dão 
ao plano toda sua virtualidade, como o plano de imanência 
dá aos acontecimentos virtuais uma realidade plena. O 
acontecimento considerado não atualizado (indefinido) não 
carece de nada” (Deleuze, 2002).
De uma Pesquisa do Acontecimento (Corazza, 2005), 
seguem-se novas maneiras de pensar e de realizar uma crítica-
escrileitura, que vão até a singularidade da experimentação 
de cada pesquisador-professor, num processo de artistagem 
inventiva da Educação. Por essa via, buscam-se novas formas 
de expressão e de conteúdos, que derivam de percursos 
intensivos e de trajetos extensivos das produções que vêm 
35
sendo realizadas, já há alguns anos, no campo educacional; 
lutas contra a secura dos corações, a acídia nas relações e 
o agreste dos códigos; inspirações fornecidas por filósofos, 
escritores, educadores do Pensamento da Diferença, os 
quais participam de um gesto coletivo, cuja divisa consiste 
na palavra simples de Nietzsche (1986), embora dotada de 
um poder infinito: “Uma nova maneira de sentir, uma nova 
maneira de pensar”. 
Esse gesto coletivo fornece impulsos para que também 
a Educação participe da pesquisa de novos meios de 
expressão, que Deleuze aponta para a Filosofia, em Dife- 
rença e repetição: “Aproxima-se o tempo em que já não 
será possível escrever um livro de Filosofia como há muito 
tempo se faz: ‘Ah! O velho estilo”... A pesquisa de novos 
meios de expressão filosófica foi inaugurada por Nietzsche 
e deve prosseguir, hoje, relacionada à renovação de outras 
artes, como, por exemplo, o teatro ou o cinema”. Uma 
Educação, portanto, a ser criticada, lida e escrita enquanto 
“ficção científica”, no sentido em que não se evita “aquilo que 
não sabemos ou que sabemos mal”; mas que é realizada, 
necessariamente , “neste ponto que imaginamos ter algo a 
dizer”; já que dar um jeito de acabar com a ignorância faria 
com que transferíssemos, indefinidamente, “a escrita para 
depois” ou a tornássemos impossível (Deleuze,1988, p. 18-19).
Assim, para a Pesquisa do Acontecimento, escrever não 
é impor uma forma de expressão a uma matéria vivida, 
mas trata-se de um procedimento informe, de um processo 
inacabado, de uma passagem de Vida que atravessa o vivível e 
o vivido. E, quando o professor-pesquisador critica-lê-escreve, 
fica comprometido com a Literatura do Acontecimento em 
Educação, necessitando ser um bom artesão, um esteta, 
um pesquisador de palavras, frases, imagens, para atuar no 
limite, na ponta extrema, que separa o saber e a ignorância, 
e os transforma. 
Por ser construída ao mesmo tempo em que se desen- 
volve, esta Pesquisa possui uma natureza empírica-trans- 
cendental e condensa, nas ações correlatas de pensar, criticar, 
ler e escrever, que lhes são constitutivas, a criação de sentidos 
36
imanentes, que resultam de uma reversão das represen- 
tações feitas por outras pesquisas. Age, despojada de 
qualquer significação prévia, pois forma-se na anulaçãodos referentes externos e nos sentidos transcendentes 
anteriormente construídos. Seus movimentos são expressi- 
vos, em relação aos sujeitos, objetos, temáticas, já que é uma 
pesquisa que não consiste num ato subjetivo decorrente 
de condições empíricas negativas, como a ignorância do 
pesquisador; nem objetiva ultrapassar obstáculos de des- 
conhecimento acerca de algum fenômeno; como se pesqui- 
sar fosse uma passagem do não-saber ao saber. 
Ao contrário, trata-se de uma Pesquisa que investiga o 
conhecimento, no sentido deleuziano, como aquilo que 
não é “nem uma forma, nem uma força, mas uma ‘função’”. 
Conhecimento-função que não se realiza sobre “paradigmas 
arborizados do cérebro”, mas é feito com “figuras rizomáticas, 
sistemas acentrados, redes de autômatos finitos, estados 
caóides”, que se conjugam em processos criadores sobre 
planos de pensamento (Deleuze; Guattari, 1991, p. 26). 
A Pesquisa do Acontecimento esparrama-se, assim, 
sobre três “planos”, “disciplinas”, “pedagogias” e seus res- 
pectivos componentes, que são como solos nos quais ela 
se movimenta: a filosofia – com o seu plano de imanência, 
forma do conceito, conceitos e personagens conceituais; a 
arte – com o seu plano de composição, força da sensação, 
sensações e figuras estéticas; e a ciência – com o seu plano 
de referência ou de coordenação, função do conhecimento, 
funções e observadores parciais.
A filosofia pode operar, em separado, sobre cada um 
desses planos e utilizar seus elementos específicos; pode, 
também, dedicar-se às interferências intrínsecas de um 
plano sobre o outro e aos deslizamentos entre funções, 
sensações, figuras estéticas; ou pode, ainda, efetivar-se sobre 
interferências ilocalizáveis, isto é, sobre os negativos de 
cada disciplina, desde que a ciência encontra-se em relação 
com uma não-ciência, a arte com uma não-arte; e a filosofia 
necessita de uma compreensão não-filosófica, em cada 
instante de seu devir ou desenvolvimento. 
37
Assim, a sua energia provém da utilização de múltiplas 
linguagens (ciência, pintura, música, literatura, poesia, 
teatro, cinema), que lhe fornecem a consistência de uma 
coexistência heteróclita, a qual transforma os elementos 
pesquisados numa unidade virtual, à medida que cria um 
vazio na consciência atual que deles possuímos. Por dedi- 
car-se à parte não-histórica do que acontece em Educação, 
esta Pesquisa trata os conceitos como acontecimentos e 
não como noções gerais; como singularidades e não como 
universais; o que não implica a reconversão ao aqui-e-
agora, nem a troca do essencial pelo acidental; já que o 
Acontecimento a ser pesquisado é um dinamismo criador 
– que permaneceria imperceptível caso se tentasse investigá- 
lo pelos canais habituais da tradição. 
Buscando o Acontecimento, a Pesquisa substitui a ques- 
tão ontológica da Essência “O que é”? pelas questões da 
novela, do conto, do romance “O que se passou”? “O que vai 
se passar”? (Deleuze; Guattari, 2004, p. 235). Experimentando 
e mostrando o Acontecimento como produção de eventos, a 
Pesquisa troca o eterno pelo presente, não realizando uma 
fenomenologia da atualidade, mas uma Ontologia do Pre- 
sente, no sentido de Foucault (Deleuze, 1991b). Assim, ela 
não pesquisa divisões, unidades, identidades definidas e 
formadas (crianças, professores ou currículos), mas dia- 
gramatiza-as em fuga, valoriza os seus devires, nomadismos 
e inatualidades, conceitualizando suas configurações por vir. 
Para tal Pesquisa, tudo é considerado Acontecimento 
puro, isto é, potencialidade inexistente fora de suas atua- 
lizações e, todavia, delas transbordante. Incorporal sem 
ser vago, coletivo e particular, perceptível e microscópico, 
o Acontecimento é modo de individuação, ligado a um 
clima, a um clarão, a um silêncio, a outros acontecimentos. 
Ele não designa coisas, fatos, ações, paixões dos corpos, 
estados de ser ou de coisas, pessoas, sujeitos, porque os 
toma como individuados por linhas acontecimentais, como 
individuações assubjetivas, impessoais, subpessoais; cada 
qual dotado de duração própria e variável, embora intensiva, 
feita de afetos e de sensações. 
38
Relatórios, críticas, leituras e escrituras feitos nessa 
Pesquisa do Acontecimento são constantemente dissolvidos 
e reformulados por novos planos de pensamento, que pro- 
curam identificar a imagem peculiar de cada linguagem; 
afastar o nevoeiro de universalidade que rodeia cada pe- 
dagogia; restabelecer o momento da originalidade de cada 
pensar. A Pesquisa investe, portanto, contra tudo aquilo a 
que o pensamento se dirige: a besteira, o erro, a superstição, 
a ideologia, a estupidez, o senso comum, o bom senso, a 
opinião, a comunicação. 
Para escapar da Imagem Dogmática do Pensamento, 
ela se posiciona a favor de que pesquisar é criar e criar é 
problematizar; só que problematizar é determinar dados 
e incógnitas dos problemas, que vão sendo formulados à 
medida que a pesquisa se realiza e que persistem nas solu- 
ções que lhe são atribuídas, como em um jogo afirmativo 
de novidades, por meio da Vontade de Pesquisar. Esta Von- 
tade que, para o professor-pesquisador, abre novos caminhos, 
que interferem e ecoam uns nos outros, graças a materiais 
de expressão ainda informes ou de conteúdos incodificados. 
Pesquisa que se dedica a raspar, escovar, lixar clichês de 
resultados já organizados, para construir um espaço liso, 
como no deserto, onde seja possível realizar experiências 
empírico-transcendentais. Pesquisa desenvolvida, por meio 
de imagens e de signos, que a burilam esteticamente e 
dela fazem um compósito de conceitos, afectos, perceptos 
e funções. Pesquisa que atenta, a um só tempo, para as 
multiplicidades das multiplicidades e para os seus movi- 
mentos de desterritorialização, reterritorialização e terri- 
torialização. Pesquisa que, ao traçar mapas de intensão e de 
extensão, considera, em primeiro lugar, as linhas de fuga; 
depois, as moleculares, mais flexíveis; e toma as linhas duras, 
molares, como resíduos secundários; pois refere decalques 
aos mapas, relaciona raízes e árvores aos rizomas, e nunca 
o inverso. Pesquisa que investiga os agenciamentos em suas 
duas faces: a do agenciamento técnico-maquínico, voltada 
para os estratos e a do agenciamento coletivo de enunciação, 
voltada para o corpo sem órgãos. 
39
6. Diferir-Artistar 
 Pensar-ensinar, pesquisar-criticar, ler-escrever, 
 Diferir-artistar com Deleuze
Amante dos encontros, a cada vez em que é exercida, a 
Pesquisa do Acontecimento estabelece diferentes relações 
entre os elementos e compõe geografias inéditas, nos quais 
os acontecimentos curriculares se tecem e destecem, já que 
não há, para essa pesquisa, primeiros princípios, represen- 
tações eternas, regras normativas, orientações naturais. 
Assim, os Professores pesquisam incessantemente 
porque não acreditam nas coisas pré-fabricadas da Educa- 
ção e detestam a inércia pedagógica que os impele a repetir. 
Eles possuem como guias iniciáticos as suas paixões 
concretas, que os desviam dos conjuntos espaço-temporais; 
não os deixam passar ao longo das Crianças; nem recolher 
a sua efetuação na atualidade; mas os levam a instalarem-
se no Acontecimento do Currículo, como num devir, para 
rejuvenescer e envelhecer, simultaneamente, componentes 
e singularidades que na Educação circulam. 
Então, os Pesquisadores-Professores conseguem criar 
algo novo ao promoverem a irrupção de um devir em 
estado puro, que Nietzsche chamou “Intempestivo” ou 
“Inatual”. Realizam, desse modo, uma Pesquisa-Docência 
de uma Infância-Inatual, que implica que sejam dignos do 
Acontecimento Curricular e que artistem a Educação, em 
devir-revolucionário: o único devir, que conjura o intolerá- 
vel e os faz acreditar no mundo.
Referências
BARTHES, Roland. A preparação do romance I: da vida à obra. (Trad. Leyla 
Perrone-Moisés.) São Paulo: Martins Fontes, 2005. 
BRÉHIER, Émile. La théorie des incorporels dans l’ancien stoïcisme. Paris: 
J.Vrin, 1997.
CORAZZA, Sandra Mara. Pesquisaro Acontecimento: estudo em XII exemplos. 
In: TADEU, Tomaz; CORAZZA, Sandra; ZORDAN, Paola. Linhas de escrita. 
Belo Horizonte: Autêntica, 2004 (p. 7-78).
40
DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. (Trad. Luiz Orlandi e Roberto 
Machado) Rio de Janeiro: Graal, 1988.
_____. A dobra: Leibniz e o barroco. (Trad. Luiz B. L. Orlandi.) Campinas, São 
Paulo: Papirus, 1991a. 
_____. Foucault. Paris: Minuit, 1991b.
_____. Lógica do sentido. (Trad. Luiz Roberto Salinas Fortes.) São Paulo: 
Perspectiva, 1998.
_____. A imanência: uma vida... In: Dossiê Deleuze e a Educação. (Trad. Tomaz 
Tadeu.) Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 27, n. 2, julho-dezembro 2002 
(p. 10-18). 
 DELEUZE, Gilles. O Abecedário de Gilles Deleuze. Disponível em: <http://www.
oestrangeiro.net/>. Acesso em: 18 de setembro de 2007.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Qu’est-ce que la philosophie? Paris: 
Minuit, 1991. 
_____. 8. 1874 – Trois nouvelles, ou ‘qu’est-ce qui s’est passé? In: ____. 
Capitalisme et schizophrénie 2. Mille plateaux. Paris: Minuit, 2004 (p. 235-242). 
NIETZSCHE, Friedrich W. Assim falou Zaratustra. Um livro para todos e para 
ninguém. (Trad. Mário da Silva.) São Paulo: Círculo do Livro, 1986. 
TADEU, Tomaz; CORAZZA, Sandra Mara. (Orgs.). Dossiê Deleuze e a 
Educação. In: Educação & Realidade. Porto Alegre, v. 27, n. 2, jul./dez. 2002.
_____. (Orgs.) Dossiê Entre Deleuze e a Educação. Educação e Sociedade. 
Campinas, v. 26, n. 93, set./dez. 2005. 
41
MÉTODO VALÉRY-DELEUZE: 
um drama na comédia intelectual da educação2
Justamente porque o espírito humano enfrenta 
dificuldades para pensar o informe, este artigo constitui o 
Método Valéry-Deleuze (Método do Informe), enquanto 
componente de uma Educação ou Pedagogia da Sensação, 
que associa a vivência dos limites formais e a criação 
artistadora. Tributário do gosto filosófico, extrai conceitos 
do meio-Deleuze (expressão, pensar, dramatização) e 
do meio-Valéry (informe, criação, comédia), para operar 
com as unidades analíticas de Autor, Infância, Currículo 
e Educador (doravante referidos em um bloco AICE); 
pela via biografemática, ao modo de Roland Barthes. Com 
esses instrumentais operatórios, impulsiona as pesquisas 
a capturar as forças de acontecimentos educacionais, em 
suas modulações assignificantes, vitalidades assubjetivas, re- 
lações ininterpretadas, devires inorgânicos e imperceptíveis.
O valor
Distante de Flaubert (1997; 1999) que, com Bouvard et 
Pécuchet e Dictionnaire des idées reçues, sonha realizar uma 
obra sobre a estupidez humana, o Método do Informe, aqui 
composto, sonha pesquisar o valor do espírito humano. 
Assim, em vez de celebrar o triunfo da mediocridade sobre 
o gênio, que imola “os grandes homens aos imbecis, os 
2 Texto intitulado “Valéry-Deleuze Method: a Drama in the Intellectual 
Education Comedy”, publicado em Anais completos (p. 629-642) do evento 
International Conference & International Summer University: Borders, 
Displacemente and Creation: Questioning the Contemporary, realizado na 
Universidade do Porto, Portugal, de 29 agosto a 04 de setembro de 2011. 
Ainda publicado na revista Educação & Realidade, da Faculdade de Educação 
da UFRGS, v. 37, n. 3, set./dez. 2012 (p. 1009-1030). 
2
42
mártires aos carrascos”, funcionando como uma “apologia 
da canalhice humana” (Reys, 1999, p. 407), empenha-se em 
fazer triunfar o espírito sobre a mediocridade. Se, diz Valéry 
(1997, p. 57), “um poema deve ser uma festa da inteligência” 
– isto é, “um jogo tão bem regulamentado que não se pode 
concebê-lo de modo diferente”; já que a “‘impressão de 
Beleza, tão irrefletidamente buscada, tão vãmente definida, 
é talvez o sentimento de uma impossibilidade de variação’” 
(Maurois, 1990, p. 46) –, acreditamos que, também, a lite-
ratura educacional pode ser essa espécie de festa, desde que 
em vias de se fazer. 
Literatura derivada de pesquisas que tomam, como 
objetos ou materiais, as Vidarbos – vidas-obras, e inver- 
samente – de infantis, educadores, autores e currículos de 
diversas destinações e níveis de ensino (Adó, 2010; Corazza, 
2010b; Costa, C., 2010; Costa, L., 2010; Feil, 2011; Oliveira, 
2010). Para tanto, o Método detecta e lança saberes, em um 
AICE iluminado pela inteligência, delineando os processos 
de sua gênese e composição. Diante de cada AICE, os 
pesquisadores professam ignorância, em vez de projetarem 
seus sentimentos em ídolos; consideram os sistemas das 
verdades como aquilo que há de mais arbitrário, em termos 
de convenções, ficções e mitos; explicitam de que maneira 
multiplicidades, ideias e singularidades podem adquirir 
realidade em educação. O Método demonstra que, pela 
criação da obra de arte, a impossibilidade de variação e o 
arbitrário da criação transformam-se em necessidade de 
agir para viver, não podendo ser diferente (Bergson, 2006).
À medida que os pesquisadores deslocam-se da boa 
vontade, do senso comum e das decisões premeditadas, para 
encontrar-se com o acaso e com o caos, o Método trans- 
forma-se na Paidéia (cultura) de AICE revisitado. Pesquisar 
consiste, assim, em devir outra coisa que não pesquisador: 
realizando movimentos de ataque e proteção, vontade e 
decisão, viagens e mutação; borboleteando intelectualmente 
e titubeando entre blocos de saber-poder e subjetivida- 
des; suspendendo o que encontra, para desenhar traços 
imprevistos e excêntricos de possibilidades; desmoronando 
43
e traindo o sistemático; proliferando o processual e anda- 
rilhando num tabuleiro de experimentações fictícias, que 
sobrepujam qualquer retidão.
A busca
A experimentação e a construção de um método con- 
sistem tanto numa força intensiva da obra de Valéry como 
de Deleuze. Em nome de quê e para quê? Em Valéry, sob a 
influência de Poe, Baudelaire, Verlaine, Rimbaud, Mallarmé, 
o Método importa para fazer da criação poética uma obra 
de precisão, como resultado de uma consciência organizada: 
“Um espírito inteiramente ligado seria bem, em direção a 
esse limite, um espírito infinitamente livre, visto que a 
liberdade, em suma, não é mais que o uso do possível, e 
que a essência do espírito é um desejo de coincidir com 
seu Todo” (Valéry apud Maurois, 1990, p. 8). Em Deleuze, 
o método importa para a realização de um “alfabeto do que 
significa pensar”, considerando que a “Ideia não é o elemento 
do saber, mas de um ‘aprender’ infinito”. Para ter e aprender 
uma Ideia, a filosofia deve seguir a exigência bergsoniana, 
que indica a necessidade de formular não conceitos abstratos 
e gerais (que não concernem a nada em particular e podem 
aplicar-se a tudo e a seu contrário); mas conceitos precisos, 
talhados na medida dos objetos singulares, de modo que 
a filosofia alcance não as condições de toda experiência 
possível (como em Kant), e sim as condições da experiência 
real (Bergson, 2006, p. 3-4; p. 192 segs.; Deleuze, 1988, p. 295; 
p. 310; p. 153 segs.; 1998, p. 97 segs.; 1999, p. 13; p. 39).
Em ambos os autores, dispõe-se e insiste a mesma 
questão, qual seja: uma inteligência ansiosa por precisão, 
necessária para elucidar as relações que tecem uma de- 
terminada maneira de pensar, de escrever, de estar no mundo, 
de viver. Assim, de um lado, em Valéry, encontramos uma 
epistemologia expandida em poética; enquanto, de outro, 
em Deleuze, uma epistemologia expandida em filosofia.
Nas pegadas desses dois pensamentos rizomáticos, que 
procedem por aforismos, poemas, relâmpagos punctiformes 
44
e linhas descontínuas, o duplo Método atinge a consciência, 
suas relações, condições e possibilidades. Método que é 
contrário ao substancialismo da representação, pelo uso da 
“exatidão de imaginação e de linguagem”, com uma “rigorosa 
geometria do cristal” (Calvino, 1990, p. 133): “o gosto da ordem 
intelectual da exatidão, a inteligência da poesia juntamente 
com a da ciência e da filosofia”. Perseguindo o dogmático 
e o vago, sob o controle da consciência, o Método constrói 
transversalidades entre as artes verbais e não-discursivas, 
as ciências da exatidão,a matemática, a física, a filosofia, a 
poética, a educação. Buscando o rigor e a consistência, sem 
perder a sensibilidade, o Método formula procedimentos, 
para os quais, “[Mr.] Teste é a impossibilidade caricatural”, 
enquanto “Leonardo [da Vinci é] o arquétipo da realização 
bem-sucedida” (Barbosa, 1991, p. 14). 
Operar com Valéry e o seu olhar semiológico implica 
que as pesquisas inscrevam-se “num campo de possibilidades 
combinatórias”, que transcende “qualquer expectativa crítica” 
(Gonçalves, 1991, p. 227). Existe, aqui, uma correspondência 
entre os domínios artísticos, técnicos e científicos, por in- 
termédio de uma lógica imaginativa e analógica, fundada nas 
relações “entre coisas cuja lei de continuidade nos escapa”. 
Ao modo valéryano, a unidade do presente Método baseia-
se nas “vertigens da analogia”, vinculadas à “consciência 
das operações de pensamento”; a qual é capaz de articular 
a “indissolubilidade entre o sensível e o inteligível”; e que 
Valéry apreendia “tanto no ostinato rigore de Leonardo quanto 
no princípio de consistência elaborado e defendido por Poe 
em Eureka” (Barbosa, 1996, p. 272).
Definindo o próprio ato poético como tensão para a 
exatidão, Valéry, leitor de Bergson e amante de Proust, com 
eles concordava que pouca valia tem remontar ao passado, 
para refazer episódios vividos; desde que a lucidez da 
consciência e da linguagem depende das operações do espírito 
e nunca das vivências mundanas. É o rigor da construção do 
espírito que processa os elementos da experiência e expressa, 
na literatura tratada como jogo da arte, a indissociabilidade 
entre linguagem e pensamento. Dessa maneira, “como se 
45
tivesse um bisturi entre os dedos”, Valéry consegue “abrir 
cada fibra do mundo das referências tangíveis e imaginárias 
e decompor, aos nossos olhos, a natureza construída”. É 
esse mesmo movimento que “determina as irregularidades 
regulares não só das coisas e dos seres” e que “demonstra 
as noções de Tempo e de Espaço, mediante a consciência”. 
Consciência, que, para Valéry, “reside no Homem e só nele e, 
por isso, só esse animal sensível e inteligente torna-se capaz 
de agir sobre a Natureza e recriá-la, apontando para a sua 
insuficiência” (Gonçalves, 1991, p. 226). 
Já do lado da produção de Deleuze (1997), sob marcada 
influência de Nietzsche (além de Spinoza, Bergson, Foucault, 
Artaud, Kafka, Proust), o Método importa para tomar dis- 
tância da epistemologia representacional, levando o pen- 
samento a capturar forças, numa semiótica da sensação 
e numa física dos afectos. Dessa maneira, não requer es- 
crileituras (escrituras-leituras) evolutivas, cronológicas ou 
progressivistas, acerca de sujeitos plenos ou autoridades; 
de mestres renomados ou grandes obras; de currículos 
bem sucedidos ou documentos-chaves; como se fossem 
expressões de Obra, Autor, Gênio, Pessoa, Pai, Senhor. Essas 
categorias ficam fora de questão, permanecem desfocadas, 
ou sujeitas a problematizações; desde que o terreno e os 
materiais das pesquisas atualizam-se, sob a forma de blocos 
de sensações, perceptos e afectos. Como artistas ou opera- 
dores das forças, ao efetivar experimentações de posturas 
vitais, os pesquisadores fazem da pesquisa, clínica; e, ao 
diagnosticar o tipo vital de cada Vidarbo de AICE (o seu de-
Fora), fazem do discurso, crítica. 
Trata-se, para Deleuze, de articular pensamento e vida, 
devir e história, concebendo os encontros disjuntivos, daí 
advindos, enquanto irrupção da criação e do novo. Para tal, 
o Método, que lhe é correlato, formula uma teoria intensiva 
e diferencial das formas, como relações de forças e de 
afectos; a qual rompe com a hermenêutica da interpretação 
e seus sentidos invariantes, sujeitos, objetos, territórios de 
organização e de estratificação. Empenhando-se, nas zonas 
de intensidade das suas pesquisas, para diagnosticar como 
46
as forças insensíveis produzem tanto signos como imagens, 
os pesquisadores agenciam movimentos e vibrações de 
afectos; encontros com hecceidades e variação de potências; 
relações complexas de velocidades e lentidões, movimento e 
repouso, entre moléculas ou partículas. Funcionando como 
Afectologia, as pesquisas transformam o poder de afetar e de 
ser afetado de cada participante; tornam sensíveis forças antes 
insensíveis; procedem a deformações inorgânicas; fogem 
da segurança das formas constituídas (clichês orgânicos); e 
lutam para permanecer no nível das intensidades instáveis 
(corpo sem órgãos). 
Feito as crianças que preferem as aventuras, com suas 
maravilhas, dificuldades, perigos e possibilidades, o Método 
Valéry-Deleuze, em sua infância aventureira, reconstrói o 
prazer de fazer (le plaisir de faire): “prazer atravessado de 
tormento, misturado de sofrimentos e prazer na busca do 
qual não faltam nem os obstáculos, nem as amarguras, nem 
as dúvidas e nem mesmo o desespero”. É que os efeitos do 
Método criam, para os pesquisadores, uma segunda natureza 
e uma segunda educação; através das quais, eles combinam 
e conservam estranhamentos, mediante o que executam. 
Provocado por esses efeitos, cada artista “troca a cada instante 
aquilo que ele quer por aquilo que ele pode, o que ele pode 
por aquilo que ele obtém” (Gonçalves, 1991, p. 230). 
o método
Privilegiando o real puro de AICE, como percebido e 
não conhecido, irredutível a uma única lei, e não dedutível 
por meios racionais, o Método opera com os indefinidos 
– “um autor”, “um infantil”, “um currículo”, “um educador” –, 
considerados outsiders, excepcionais e anômalos, vagos e 
únicos, que não se parecem com ninguém, não são idênticos 
a nada e jamais foram vistos. Localiza essas hecceidades 
(singularidades) tão-somente ocupando um lugar no espaço 
e possuindo uma existência de fato; logo, que não têm 
formas, mas são forças. O ponto de partida radica na dis- 
tância entre aquilo que os pesquisadores acreditam ver e 
47
aquilo que efetivamente vêem, entre sua visão habitual e 
a visão vazia. Isso porque o quadro teórico-operatório do 
Método consiste em um construcionismo, que defende 
o fato de as impressões não terem, necessariamente, de 
ser substituídas, de maneira imediata, por conceitos ou 
signos, em detrimento de presenças anteriores aos arranjos 
inteligíveis. 
Desnudando as formas de AICE, através das ambi- 
guidades do Informe, o Método leva os pesquisadores 
a realizarem dois movimentos, diversos e próximos: a 
percepção e a criação. Considerando-se não “uma doutrina”, 
mas “um sistema que realiza melhor que o espírito entregue 
a si próprio o trabalho do espírito”, com “operações quase 
materiais”, que “podem ser concebidas, senão realizadas, 
por meio dum mecanismo” (Valéry, 1965, p. 137), o Método 
propõe Exercícios do Informe (Valéry, 2003). Exercícios que, 
em primeiro lugar, desenvolvem a sutileza e a instabilidade 
sensorial, incitando os pesquisadores a ver AICE, para, 
deste, arrancar a impressão bruta e a existência efetiva; 
em vez das significações de objeto, representações de sujeito 
e configurações de códigos, que implicam a generalização 
pelo conceito. 
Mesmo que não haja disposição de ordem entre os 
elementos de AICE, vistos pelos pesquisadores, pois o In- 
forme não emite lei, o Método posiciona-os no começo do 
começo, para ler as impressões visuais, únicas e insubstituí- 
veis; e, assim, criar a possibilidade de conhecer as unidades 
dos corpos regulares de AICE. Fazendo-os demorar na 
sensação, possibilita criar uma visão singular, como se AICE 
fosse visto por vez primeira. Ao mesmo tempo, em que é 
abandonado tudo aquilo que, anteriormente, tinha sido 
constituído como tesouros, bagagens e ideais. 
Porém, ao lado dessa desconstrução, o Método exige 
construção. O seu segundo gesto requer a colaboração dos 
corpos dos pesquisadores, num diálogo entre o Eu que vê 
e o Eu que desenha (rabisca, escreve, pinta, esculpe, canta, 
etc.). Na passagem da sensação visual para a configuração 
manual, a visão encarna-se sobre um suporte (papel, tela, 
48
monitor, teclas,pautas, areia, etc.); ao mesmo tempo em 
que são desfeitos o objeto e o sujeito de referência. Desse 
modo, ao lançarem, sobre algum suporte, não só o AICE que 
viram, mas aquele que querem fazer ver, os pesquisadores 
têm condições de criar um AICE, constituído por sua von- 
tade de expressão, articulada à sensação. 
Podem, assim, atribuir ao AICE informe uma (nova) 
forma. Porém, esse ato não o fixa; já que, ao ser expresso, 
AICE pode ser modificado, enquanto “o Infantil”, “o Edu- 
cador”, “o Autor” e “o Currículo” familiares tornam-se outros. 
Desde que “a expressão precede o conteúdo e o conduz” 
(Deleuze e Guattari, 1977, p. 62), as mãos dos pesquisadores 
também guiam sua visão: a “pintura é pensamento: a visão 
existe pelo pensamento, e o olho pensa” (Deleuze e Guattari, 
1992, p. 250). Se o Método considera AICE informe, isso não 
quer dizer que ele não possua formas; e sim que as formas 
de AICE não encontram mais, no pensamento das pesquisas 
(liberto de clichês e de memória), nada que permita substituí-
lo pela recognição ou pelo reconhecimento. 
Diante das formas de AICE – que não são fixas, mas 
intensas, carregando puras possibilidades e sendo irredutíveis 
a nada –, o Método colabora para a identificação daquilo que 
os pesquisadores ignoravam ou que nunca haviam visto; 
bem como, para a condição que AICE pode ser modificado 
pelos Exercícios do Informe. Além disso, por breves e fugazes 
que sejam as novas formas de AICE, os pesquisadores são 
surpreendidos, exploram acasos felizes, dominam alguns 
achados, terminam sua criação. Podem, assim, exercer a 
potência própria de quem estuda uma Literatura Menor; 
educa uma Infância Informe; vive um impessoal Devir-Do- 
cente; e fabrica Currículos Nômades (Corazza, 2010a; 2010c). 
O espírito e a ideia 
Para se constituir, o Método Valéry-Deleuze junta o 
esprit de géométrie ao esprit de finesse, através, em parte, 
de elementos conceituais do pensamento em prosa de 
Paul Valéry, especialmente no que se refere àquilo que ele 
49
denomina, a partir de 1894, “Comédia do Intelecto” (Comédie 
de l’Intellect) – também “Comédia Intelectual” (Comédie 
Intellectuelle); “Comédia da Inteligência” (Comédie de 
l’Intelligence); “Comédia do Espírito” (Comédie de l’Esprit) –, 
qual seja: “Acontece-me muito freqüentemente sonhar 
com uma obra singular, que seria difícil de fazer, mas 
não impossível”; “e que teria lugar no tesouro de nossas 
letras, junto à Comédia humana, de que seria um notável 
desenvolvimento, consagrada às aventuras e às paixões da 
inteligência”. Seria “o drama das existências dedicadas a 
compreender e a criar”; nelas, ver-se-ia “tudo o que distingue 
a humanidade, tudo o que a eleva um pouco acima das 
condições animais monótonas”; e que consiste na “existên- 
cia de um número restrito de indivíduos, aos quais devemos 
o que pensar, como devemos aos operários o que viver” 
(Valéry, 1996, p. 252). 
Essa autarquia intelectual, pertinente à Comédia In- 
telectual – que Valéry define como “autodiscussão infinita”; 
“teoria de si mesmo”; “obra de arte feita com os fatos do 
próprio pensamento” –, entra em composição com o 
pensamento do Deleuze dos anos 60, no que se refere ao 
aporte do “Método de Dramatização”, presente nos livros 
Nietzsche e a filosofia (1991, [1962]) e Diferença e repe- 
tição (1988, [1968]); bem como, na conferência proferida 
na Societé Française de Philosophie, em 28 de janeiro de 
1967, intitulada “O método de dramatização” (2006, p. 
145), na qual afirma: “Tento definir mais rigorosamente a 
dramatização: são dinamismos, determinações espaços-
temporais dinâmicas, pré-qualitativas e pré-extensivas 
que têm ‘lugar’ em sistemas intensivos onde se repartem 
diferenças em profundidade, que têm por ‘pacientes’ 
sujeitos-esboços, que têm por ‘função’ atualizar Ideias”. 
Assim, ao corresponder um tal sistema de determinações 
espaços-temporais a um conceito, “um logos é substituído 
por um ‘drama’”, e estabelecemos o drama desse logos. 
Se, afirma Deleuze, existe “um liame fundamental entre 
a dramatização e um certo mundo do terror, mundo que 
pode comportar o máximo de bufonaria, de grotesco”, 
50
“uma cólera”, por exemplo, é uma dramatização que põe 
em cena sujeitos larvares”. 
Porém, em quais pontos, a Comédia Intelectual de 
Valéry e o Método da Dramatização de Deleuze levam suas 
produções a realizarem um bom (ativo) encontro, que nos 
possibilita erigir o Método do Informe em Educação? 
1. O espírito 
Para Valéry, a cultura é obra do espírito humano. A 
tarefa do espírito é sonho, isto é, superação do dado, von- 
tade ativa e busca incansável de um plano de realidade, que 
não seja o da aparência, nem o da experiência imediata, 
tampouco o plano sólido do já trilhado. Ocorre que este 
plano é prisão, o complexo de resistências dos estudiosos, 
no qual se debate todo querer humano, em seu afã de 
perfeição e justiça, segurança e certezas. O grande inimigo 
do espírito é, assim, a natureza, no que tem de mais ime- 
diato; por isso, embora o espírito seja também natureza, 
toda obra do espírito, desde que há cultura no mundo, é 
contranatural. 
Na concepção valéryana, o espírito trabalha, funciona; 
é pergunta sem resposta (demande sans réponse); negação 
de fundamentos e determinações. “Alma” é um dos 
nomes historicamente dados a espírito, como dinamismo 
perceptível, que suscita uma estruturação psíquica íntima. 
Há outras acepções da palavra espírito, que apontam para 
noções que, semanticamente, se aproximam, como ψυχή 
e anima, na antiguidade clássica: substância intelectual e 
incorpórea, que sobrevive à morte do corpo, nas doutrinas 
espirituais platônicas e neo-platônicas e no cristianismo. 
Para o aristotelismo e o estoicismo, o espírito consiste numa 
energia que vivifica e anima o corpo. Desde Montaigne e 
Descartes, na modernidade, o subjetivismo segue essa ideia 
de espírito como energia e a introduz no senso comum, 
sendo usada como característica central de uma instituição, 
disciplina, povo, nação. Em Hegel e no idealismo alemão, 
alma é entendida como espírito finito, intelecto; em 
51
Schopenhauer, como vontade de viver; em Freud, como in- 
consciente; e em Nietzsche, como vontade de potência.
Espírito, na acepção de consciência de si ou Eu, é raro, 
seja na antiguidade, no medievo ou na renascença, por 
ficar, até então, dependente da ordem cósmica e natural. 
Com a burguesia, no entanto, espírito adquire o sentido 
da substância (algo em si) de um pensar autônomo e livre, 
em relação a instituições, tradições e esquemas tidos como 
imutáveis. Valéry é um herdeiro crítico dessa tradição, 
chamada racionalista-cartesiana; e adota a palavra francesa 
esprit para designar Eu, consciência, consciência de si, razão, 
intelecto, sujeito (não assujeitado), que aspira e realiza 
criações. Em sua obra, contudo, não encontramos a noção 
de espírito remetida à metafísica de alguma alma imortal; 
nem inserida num sistema idealista; ou referida a qualquer 
divindade reguladora.
Assim, quando poetiza o mar, o sol, a luz, a concha, 
a dança, Valéry é apolíneo, adotando um ambíguo sen- 
sualismo-materialista. Para ele, o espírito humano não é 
totalmente controlado por forças irracionais, escravizado 
pela inconsciência ou determinado por estruturas. Existindo 
em situação, o espírito tem, quase sempre, possibilidades 
de escapatória ou de superação das condições mais vis. 
O próprio inconsciente nada mais é do que um condicio- 
nante e tudo o que humano realiza é resultado da sua 
racionalidade, mesmo que mesclada com alguns fatores 
obscuros. O homem de gênio aproveita-se, consciente- 
mente, das figuras lançadas pelo acaso; daí advindo a famosa 
fórmula valéryana: “Gênio = consciência das inconsciências” 
(Valéry, 1977, p. 221). Apenas a consciência realiza ações e 
obras, pois, um espírito totalmente inconsciente nada faz: 
“A consciência é a possibilidade de atos”. O inconsciente 
pode até fornecer soluções; porém, formular e decidir qual 
o melhor problema, ou solução, só pode

Outros materiais