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FABIANO CAXITO FA B IA N O C A X ITO D IR E ITO S H U M A N O S E R E LA Ç Õ ES SO C IA IS Código Logístico I000128 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-65-5821-053-5 9 7 8 6 5 5 8 2 1 0 5 3 5 Direitos humanos e relações sociais Fabiano Caxito IESDE BRASIL 2021 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2021 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: melitas/Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ C377d Caxito, Fabiano Direitos humanos e relações sociais / Fabiano Caxito. - 1. ed. - Curiti- ba [PR] : IESDE, 2021. 124 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-65-5821-053-5 1. Direitos humanos. 2. Direitos sociais. I. Título. 21-71941 CDU: 342.57 Fabiano Caxito Mestre em Administração Estratégica pela Universidade Nove de Julho (Uninove). MBA em Recursos Humanos pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Pós-graduado em Business Intelligence, Big Data e Analytics, pela Universidade Anhanguera; Língua Portuguesa: redação e oratória, pela Universidade São Francisco; Filosofia, pela Universidade Estácio de Sá; e Educação Corporativa, Educação Financeira, Tecnologias e Educação a Distância, Antropologia, Sociologia Política e Urbana e Coaching, pela União Brasileira de Faculdades (Faculdade UniBF). Licenciado em Filosofia pela Faculdade Mozarteum de São Paulo. Graduado em Administração Financeira pela Universidade Cidade de São Paulo (Unicid). Atuou nas áreas comerciais, de logística e de recrutamento e seleção e na área de treinamento e desenvolvimento em diversas empresas de distribuição e venda de bebidas. Foi coordenador de cursos de pós-graduação lato sensu. Atualmente, é professor universitário e influenciador digital. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 Bases históricas dos direitos humanos 9 1.1 Origens filosóficas dos direitos humanos 10 1.2 Origens jurídicas dos direitos humanos 16 1.3 Origens políticas dos direitos humanos 18 1.4 Direitos humanos: contextualização histórica 21 1.5 Direitos humanos no Brasil 25 2 Relações étnico-raciais 32 2.1 Raça e etnia 33 2.2 Preconceito e discriminação 41 2.3 Cultura afro-brasileira e indígena 49 2.4 Políticas de ações afirmativas 51 2.5 Trabalho, produtividade e diversidade cultural 56 3 Gênero e sexualidade 63 3.1 Sexualidade e diversidade sexual 64 3.2 Identidade de gênero e orientação sexual 67 3.3 Movimentos feministas 70 3.4 Movimentos LGBTQIA+ 76 4 Alteridade, diversidade e multiculturalismo 83 4.1 Sujeito, identidade e alteridade 84 4.2 Diversidade e reconhecimento 89 4.3 Multiculturalismo e direitos humanos 91 4.4 Alteridade na sociedade contemporânea 95 5 Direitos humanos e inclusão 101 5.1 Participação social e inclusão 102 5.2 Movimentos sociais e sujeitos coletivos 107 5.3 Lutas sociais e direitos humanoss 110 5.4 Direitos humanos: presente e futuro 114 Resolução das atividades 121 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! Embora a luta pelos direitos humanos esteja presente em grandes marcos da história da civilização, como na Revolução Francesa e na Declaração de Independência dos Estados Unidos, somente em meados do século XX, com a formação da Organização das Nações Unidas (ONU), é que o tema ganhou projeção global. Após mais de 70 anos, o que se observa na prática são parcelas cada vez mais significativas da população mundial tendo seus direitos mais básicos negados. Mesmo que legislações e tratados supranacionais definam os direitos humanos como base da relação entre os povos, o que observamos é uma grande distância entre o que as leis defendem e o que de fato acontece. O primeiro capítulo deste livro aborda o desenvolvimento histórico da discussão sobre os direitos humanos, desde as primeiras civilizações até a atualidade, traçando um paralelo entre direitos individuais e filosofia, política, legislações nacionais e tratados internacionais. No segundo capítulo é discutida a miscigenação étnico-racial do povo brasileiro, que se por um lado traz benefícios para o país, por outro alimenta o racismo, a discriminação, o preconceito e a xenofobia, temas que são abordados em seus contextos social, cultural, profissional e educacional, bem como os conceitos de raça e etnia. Os direitos humanos, as discriminações e os preconceitos relacionados ao gênero, à sexualidade e à diversidade sexual são debatidos no terceiro capítulo. Trata-se de temas urgentes e importantes na contemporaneidade, em especial em um país no qual as questões de gênero ainda causam perseguições, violência e mortes. Os movimentos LGBTQIA+ e feminista também são apresentados, bem como suas conquistas e seus desafios. O quarto capítulo tem como foco a discussão sobre identidade, alteridade e cultura. O reconhecimento das diferenças e da alteridade é fundamental para que os direitos humanos de todos que fazem parte da sociedade sejam respeitados. Também são examinados os aspectos APRESENTAÇÃOVídeo 8 Direitos humanos e relações sociais relacionados ao multiculturalismo, em um mundo no qual as fronteiras entre países e culturas são cada vez mais tênues. Por fim, no quinto capítulo trata da desigualdade social no Brasil, da cidadania, da inclusão social e das relações entre estas e os direitos humanos. A história do país é marcada por questões étnico-raciais, econômicas e culturais que resultaram em uma sociedade desigual, em que uma parte significativa da população ainda não tem seus direitos humanos plenamente garantidos. Altos níveis de desemprego e subemprego, falta de qualidade de estruturas e serviços públicos, dificuldade de acesso à educação e carência de espaços de lazer e acesso à cultura são apenas alguns dos exemplos que mostram como a inclusão social ainda não é uma realidade para toda a população brasileira. Ao final desta obra, esperamos que você passe por um despertar de sua consciência quanto à realidade dos direitos humanos tanto no Brasil como no mundo. Bases históricas dos direitos humanos 9 1 Bases históricas dos direitos humanos A discussão sobre os direitos humanos apresenta uma dicotomia ao mesmo tempo que todos os seres humanos têm os mesmos direitos com relação aos diversos fatores que compõem a vida em sociedade (direito à vida, à saúde, à educação e a oportunidades iguais). Por outro lado, na prática, o que se observa é que parcelas cada vez mais significativas da população têm seus direitos mais básicos negados. A pobreza, as guerras e as pandemias globais mostram que a socieda- de se divide entre um grupo que tem acesso a seus direitos e outro que se vê marginalizado e não é beneficiado pelo aumento da riqueza ou pelo desenvolvimento da humanidade. Apesar de as legislações globais e na- cionais definirem nitidamente os direitos humanos, colocá-los em prática requer mudanças profundas na organização política, econômica, jurídicae social. Ainda há uma grande distância entre o que as leis pregam e o que acontece no mundo. Neste capítulo, vamos abordar o desenvolvimento da discussão sobre os direitos humanos, desde as primeiras civilizações até o momento atual, traçando um paralelo entre direitos individuais e filosofia; esta discute a igualdade entre os seres humanos. Ainda, trataremos da relação entre os direitos humanos e a política, pois as duas áreas guardam uma profunda relação, visto que é papel do Estado garantir que os direitos das parcelas mais pobres e marginalizadas da população sejam garantidos. Portanto, discutiremos também as origens das legislações que abor- dam os direitos humanos e como elas evoluíram ao longo do tempo, mostrando como se organizam as declarações globais que orientam as legislações nacionais sobre o tema, especialmente no Brasil. 10 Direitos humanos e relações sociais Com o estudo deste capítulo você será capaz de: • conhecer a evolução do conceito de direitos humanos; • compreender a relação entre filosofia, política, legislação e direitos humanos; • acompanhar a evolução do debate sobre direitos humanos no Brasil. Objetivos de aprendizagem 1.1 Origens filosóficas dos direitos humanos Vídeo A discussão sobre os direitos humanos é central em nossa socieda- de contemporânea, marcada por grandes diferenças entre as parcelas mais ricas e as mais marginalizadas da população global. Questões po- líticas, econômicas, raciais, étnicas e sociais dividem os grupos huma- nos a ponto de impedir que uma parcela significativa da humanidade não tenha acesso aos seus direitos mais básicos. No entanto, os debates sobre os direitos individuais não são recen- tes. Na verdade, estão presentes desde os pensamentos dos primeiros filósofos clássicos. Logo, as bases dos conceitos que norteiam as legis- lações quanto aos direitos humanos podem ser rastreadas nas ideias da lei natural e do direito natural. Platão discute a lei natural em alguns de seus diálogos, como em Timeu, no qual o filósofo aponta o indivíduo como um ser social que deve agir de modo justo com os outros indivíduos (MATSUURA, 2019). A lei natural também é discutida por Platão em Górgias, outro de seus diálogos, publicado originalmente por volta do ano 403 a.C. Em uma discussão entre Sócrates e Cálicles a respeito da justiça, Platão (2006, p. 167) define: “não é, portanto, apenas em virtude da lei que é mais feio praticar algum ato injusto do que ser vítima de injustiça, e que a justiça consiste na igualdade, mas também por natureza”. Em uma de suas obras mais importantes, A República, o filósofo aprofunda as discussões sobre a justiça e sobre o que chama de direito natural, utilizando o termo physei dikaion (justo por natureza) para ex- plicar como esse direito é diferente do direito fundado nas leis escritas pelos seres humanos. Segundo Platão (2006), as ações humanas são O vídeo ‘Eu tenho um sonho’, publicado no canal O Tempo, apresenta o discurso realizado por Martin Luther King – líder da luta pelos direitos humanos – no ano de 1963, em Washington, DC, capital dos Estados Unidos, que contou com um público de mais de 250 mil pessoas. Conheci- do como “I have a dream”, o discurso é tido como um dos mais importantes já realizados, tanto pelo momento pelo qual pas- sava a luta pelos direitos dos negros americanos quanto pelo impacto que causou às discussões sobre a legislação segre- gacionista. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=aWlhPFHOl-Y. Acesso em: 21 maio 2021. Vídeo Bases históricas dos direitos humanos 11 mutáveis e individuais, portanto o direito humano é diferente do di- reito natural, que é sempre igual e imutável para todos (NEIVA, 2011). A discussão sobre o physei dikaion está presente também na obra Ética a Nicômaco (ARISTÓTELES, 2009), em que Aristóteles discute os conceitos de justiça e equidade. Para o filósofo, equidade e justiça es- tão interligadas. Contudo, não é possível afirmarmos que tudo o que é lei seja totalmente pleno e justo, pois não abarca todas as possibilida- des e realidades de todos os indivíduos. Mesmo que as leis desenvol- vidas pelo grupo social sejam justas, nem tudo que é justo, do ponto de vista da natureza humana e das relações sociais, é abarcado pela lei. Dessa forma, o direito natural deve estar acima dos códigos legais desenvolvidos pela sociedade (MIRANDA FILHO, 2013). São Tomás de Aquino (2005), um dos principais filósofos católicos, retoma o tema dos direitos naturais em Suma Teológica, obra na qual discute as diversas modalidades da lei e as classifica em quatro diferen- tes tipos – lei eterna, lei natural, lei humana e lei divina positiva. A lei eterna é aquela que está relacionada a Deus e dirige os atos dos indivíduos. Já a lei natural, segundo Aquino (2005), surge da relação entre a lei eterna e a ação moral do ser humano racional. Enquanto a lei eterna é infinita, a lei natural é finita e temporal, por se relacionar à humanidade e ao grupo social. A lei natural é, para o filósofo, a mani- festação da lei eterna no indivíduo, que possibilita a ele poder distin- guir entre o bem e o mal. Para que os princípios e as normas éticas da lei eterna e da lei natural possam ser colocados em prática no cotidiano das relações humanas, é necessário que sejam transcritos e traduzidos para regras específicas e normas explícitas. Essa é a origem da terceira lei, a lei humana, um ordenamento jurídico que possibilita a convivên- cia em sociedade. Como filósofo católico, Aquino (2005) desenvolve um quarto tipo de lei, a denominada lei divina positiva. Para ele, essa lei é necessária para que o ser humano seja virtuoso e possa agir tanto de acordo com a lei eterna quanto com a lei natural, e isso depende de ele receber ou não a revelação divina. O ser humano é falho e para ter a certeza de que suas ações não sejam fundamentadas em juízos equivocados, deve seguir a lei divina. As leis humanas dizem respeito apenas aos atos externos que ocorrem nas relações humanas. Entretanto, para ser virtuoso, o ser humano precisa seguir internamente os ensinamentos e as regras 12 Direitos humanos e relações sociais divinas. De acordo com o filósofo cristão, a lei humana não consegue controlar e castigar todos os males realizados pelo indivíduo. Assim, a lei divina pune aqueles que não são julgados pela lei humana. Aquino – assim como outro importante filósofo católico da idade medieval, Santo Agostinho – estabelece uma relação entre o direito na- tural, discutido pelos filósofos gregos, e a fé cristã, mostrando que a lei divina e a lei eterna são a base sobre a qual se estabelece a lei natural, que coloca todos os seres humanos como iguais. A lei humana, por ser imperfeita e incompleta, não garante que essa igualdade seja colocada em prática. Por isso, os direitos hu- manos, apesar de serem um direito de todos os indivíduos, não são totalmente garantidos pela lei humana. Martin Luther King Jr., um dos mais proeminentes líderes na luta pelos direitos humanos no século XX, apoiou algumas de suas ideias nessa visão da filosofia católica da era medieval, tanto nas ideias de Santo Agostinho quanto nas de São Tomás de Aquino. Conforme King: “todos os estatutos da segregação são injustos porque a segregação distorce a alma, prejudica a personalidade, dá ao segregacionista um sentido falso de superioridade e ao segregado um sentido falso de in- ferioridade” (KING, 1970 apud MIRANDA FILHO, 2013, p. 18). Para Miranda Filho (2013), estão presentes nas ideias e na luta de King aspectos relacionados à lei eterna e à lei natural. A lei humana, no momento histórico no qual se dá a luta de King, não garante a igual- dade, pois é segregacionista. Para o líder, só com o total respeito ao direito de todos os indivíduos, com equidade e justiça, a lei humana se aproximaria da justiça divina e natural. Durante a evolução da história humana, a ideia de igualdade entre os indivíduos não era comum. A existênciada escravidão e a separação da sociedade em cidadãos que gozavam de plenos direitos e classes inferiores ou escravizadas era comum na sociedade grega, no desen- volvimento do Império Romano, assim como no Oriente. Nos estados absolutistas europeus, o poder econômico e político estava centralizado nas mãos dos nobres. Essa segregação entre os que tinham acesso aos direitos e aqueles a quem esses direitos eram negados era ainda mais evidente nessa época (DONNELLY, 2007). As intensas mudanças culturais e sociais pelas quais a Europa passou durante a Renascença, desde o século XIV, foram incentiva- O filme Lutero mostra a vida de Martinho Lutero, monge católico que, ao discordar da forma como a Igreja se organizava, desenvolveu um trabalho composto de 95 teses, nas quais discutia pontos importantes da fé católica. Excomungado pela Igreja, passou a defender suas ideias, que deram origem à Reforma Protestante, que acabou por impactar não apenas a Igreja, mas a própria organização política, so- cial e jurídica da Europa durante a transição da Idade Média para a Idade Moderna. Direção: Eric Till. EUA; Alemanha: MGM, 2003. Filme Bases históricas dos direitos humanos 13 das pelas mudanças econômicas e sociais trazidas pelo capitalismo e pelo fim gradativo do modelo feudal, seguidas pela Reforma Pro- testante a partir do século XVI, que diminuíram o poder da Igreja, trazendo mudanças religiosas e políticas. Apesar de os direitos humanos estarem presentes nas discussões filosóficas desde os escritos dos primeiros filósofos e tenham evoluído paralelamente ao desenvolvimento da filosofia ocidental, bem como possam ser identificados em outras tradições filosóficas, como afri- cana, islâmica e, principalmente, na filosofia oriental, passaram a ter um papel central no pensamento global com base nos ensaios dos filósofos chamados de contratualistas, entre eles Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau (CAXITO, 2020). A Renascença, segundo Jerónimo (2019), traz de volta a visão do humanismo da filosofia clássica, na qual o ser humano está no centro da sociedade. Já a Reforma Protestante diminuiu o poder da Igreja e reaproximou o indivíduo ao conhecimento religioso. O declínio do poder dos nobres e dos Estados absolutistas, somados ao crescimento do capitalismo, criou uma classe economicamente dominante. Todas essas mudanças têm em comum a importância da liberdade individual, da liberdade de opinião, de propriedade privada e apontam para a centralidade do indivíduo na sociedade. Para Jerónimo (2019), os filósofos contratualistas europeus, es- pecialmente da França e da Inglaterra, que desenvolveram suas ideias no decorrer dos séculos XVII e XVIII, foram os responsá- veis por introduzir no campo da política e, posteriormente, nas discussões jurídicas e legais as ideias sobre os direitos naturais e, consequentemente, sobre os direitos humanos. Para a autora, os direitos humanos, dentro do conceito de que é aceito, são um pro- duto das transformações políticas, econômicas, jurídicas, sociais e filosóficas da Europa Iluminista. O conceito do contrato social, que fundamenta a filosofia contratua- lista, tem como princípio a ideia de que os indivíduos nascem iguais e com o mesmo potencial de desenvolvimento de suas competências. Por isso, todos têm o direito de usufruir os resultados econômicos, po- líticos e sociais de seus esforços (CAXITO, 2020). Por outro lado, o ser humano é antissocial e, para que possa conviver em sociedade, precisa seguir regras e normas que garantam o respeito mútuo à proprieda- de e à posição social do outro. Quando mais de uma pessoa deseja O nome da rosa é um livro escrito pelo filósofo Um- berto Eco, um dos mais importantes do século XX. O livro foi transformado em um filme no ano de 1986 e é considerado um clássico do cinema. O enredo se passa duran- te a Idade Média e segue a história de um monge beneditino, Guilherme de Baskerville, que atua como investigador em uma série de assas- sinatos ocorridos em uma abadia, retratando o ambiente social da Idade Média, em que as liberdades e os direitos individuais são poucos e o Estado e a Igreja desempenham um papel controlador. Direção: Jean-Jacques Annaud. EUA: Warner Filmes, 1986. Filme 14 Direitos humanos e relações sociais a mesma propriedade ou a mesma posição política ou social, surgem discórdias que podem gerar conflitos sociais. De acordo com Caxito (2020, p. 16): para garantir a segurança de todos, surgiu um ente maior e imparcial: o Estado. Para conviver em sociedade, o ser huma- no aceita abrir mão de alguns aspectos de sua liberdade e se submete às normas que regem a relação entre cada cidadão e o Estado, que tem o papel de defender seus participantes, garantindo o bem comum, além de criar e garantir as condi- ções para que cada cidadão se desenvolva. De acordo com Hobbes (2014), o Estado, a que chama de Leviatã, é responsável por garantir que as normas e regras sejam seguidas pelos membros da sociedade. Todavia o indivíduo precisa aceitar as regras e normas impostas pelo Estado para garantir a convivên- cia social. Hobbes (2014) chama de contrato social essa aceitação tácita das normas que garantem a convivência em grupo. O filósofo dá o nome de estado de natureza à condição em que o ser humano é totalmente livre para exercer suas vontades, sem nenhuma forma de controle ou cerceamento. Já o denominado es- tado social, que é atingido por meio da aceitação do contrato social, possibilita aos indivíduos poderem conviver em grupo sem entrar em lutas, conflitos e guerras. A visão do homem antissocial é oposta à defendida pela filosofia clássica. Para Aristóteles (2009), o ser humano é um ser social, que busca conviver em grupo para se proteger e para conseguir atingir seus objetivos. Em um momento histórico de transição do mode- lo de poder do absolutismo para as democracias, Hobbes (2014) era um defensor da centralização do poder político do Estado na mão dos soberanos, uma vez que somente com o poder absoluto é possível garantir que o contrato social seja respeitado. Locke (2018) parte da mesma base filosófica sobre o contrato social que Hobbes, mas os filósofos divergem sobre qual é o papel do Estado com relação aos direitos individuais e à centralização do poder. Se para Hobbes o poder do soberano deve ser absoluto, para Locke a aceitação dos cidadãos ao contrato social é consensual. Assim, o poder do governante não pode estar acima dos direitos individuais, principalmente aqueles ligados à justiça e ao direito à O filme Zootopia – essa ci- dade é o bicho foi lançado em 2016. Além do enredo divertido, a animação também retrata alguns pensamentos do filósofo Hobbes, presentes na obra Leviatã, mostrando os efeitos iniciais e poste- riores do contrato social causados na população. Direção: Byron Howard; Rich Moore. EUA: Walt Disney, 2016. Filme Bases históricas dos direitos humanos 15 propriedade privada, pois os direitos naturais de cada indivíduo existem mesmo no estado natural. Para Locke (2018), se o Estado e os governantes no poder não garantirem os direitos naturais dos indivíduos, devem ser questio- nados e, em último caso, devem ser retirados da posição de poder. Locke (2018) também propõe a divisão dos poderes em: PODER EXECUTIVO Governantes que têm o poder de comandar a população e administrar interesses públicos. PODER LEGISLATIVO Papel do Estado em criar leis que garantam os direitos naturais dos indivíduos e possibilitem que o contrato social e a vida em sociedade sejam respeitados. Ku lipe rko /Shu terstock Essa divisão de poderes é a base da estrutura de poderes dos gover- nos democráticos atuais, com o estabelecimento de um terceiro poder, denominado Judiciário. O terceiro filósofo contratualista que foi fundamental para que as discussões sobre os direitos naturais e, consequentemente, para os direitos humanos se tornassem um tema central na filosofiae na polí- tica é Jean-Jacques Rousseau. Em sua obra Do contrato social, publicada originalmente em 1762, ele afirma que o contrato social que possibilita a vida em sociedade só é válido se os direitos individuais e os bens de cada pessoa forem protegidos, respeitados e preservados. De acordo com Rousseau (2013), o papel do Estado é garantir que os direitos naturais dos indivíduos sejam preservados. Se os governan- tes falham nessa missão, devem ser trocados. Para o filósofo, a única forma possível de se estruturar o Estado é a república. Ao resgatar as discussões sobre o direito natural no contexto da filosofia e relacioná-lo ao papel do Estado, em um momento histórico 16 Direitos humanos e relações sociais de grandes transformações sociais, os filósofos contratualistas pavi- mentaram o caminho para que os direitos humanos passassem a ser discutidos nos âmbitos políticos e legais, em especial nos países que estabeleceram governos democráticos nas décadas seguintes, como os Estados Unidos e a França. 1.2 Origens jurídicas dos direitos humanos Vídeo Com base nas discussões desenvolvidas pelos filósofos contratualis- tas, os direitos humanos passaram a ser incluídos nas legislações e nas constituições dos países democráticos com base em dois importantes documentos: a Constituição dos Estados Unidos da América, promulga- da em 1787, e a Constituição Francesa, de 1791. Após a Revolução Francesa, em 1789, foi instituída a Assembleia Nacional Constituinte, que votou e promulgou, no mesmo ano, os Ar- tigos da Constituição, que serviram de base para o desenvolvimento da Constituição Francesa, promulgada em 1791. O documento central da Assembleia é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. O artigo 1º da Declaração define que: “os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum” (DECLARAÇÃO..., 2021). No mesmo período, os Estados Unidos da América, recém-funda- dos no ano de 1776, após a independência do jugo político da Ingla- terra, também passavam pelo processo de criação de sua constituição. Assinada em 1787, a Constituição Americana foi complementada, no ano de 1791, pelo documento conhecido como Bill of Rights (Carta de Direitos, em tradução livre), que define a garantia dos direitos humanos como um ponto central da legislação americana. A Constituição Francesa e a Americana eram inovadoras e repre- sentaram uma ruptura nos modelos de legislação característicos dos Estados absolutistas que dominaram a Europa e suas colônias durante grande parte da Idade Média e no início da Idade Moderna. A inclusão dos direitos humanos como base conceitual e ponto cen- tral das constituições dos dois países influenciou a criação e a altera- ção de constituições e do arcabouço jurídico de diversos outros países, tanto aqueles que realizaram a transição para formas democráticas de governo quanto os que mantiveram a forma de governo monárquico. No site da Biblioteca Vir- tual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo, há um dos mais importantes documentos da história dos direitos humanos, a Constitui- ção Americana que é a constituição mais antiga ainda em uso, mantendo a escrita original de 1787. Disponível em: http://www. direitoshumanos.usp.br/index.php/ Documentos-anteriores-%C3%A0- cria%C3%A7%C3%A3o- da-Sociedade-das- Na%C3%A7%C3%B5es- at%C3%A9-1919/ constituicao-dos-estados-unidos- da-america-1787.html. Acesso em: 21 maio 2021. Site http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/constituicao-dos-estados-unidos-da-america-1787.html http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/constituicao-dos-estados-unidos-da-america-1787.html http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/constituicao-dos-estados-unidos-da-america-1787.html http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/constituicao-dos-estados-unidos-da-america-1787.html http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/constituicao-dos-estados-unidos-da-america-1787.html http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/constituicao-dos-estados-unidos-da-america-1787.html http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/constituicao-dos-estados-unidos-da-america-1787.html http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/constituicao-dos-estados-unidos-da-america-1787.html http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/constituicao-dos-estados-unidos-da-america-1787.html Bases históricas dos direitos humanos 17 Um exemplo de como a preocupação com os direitos humanos passou a ser presente nas legislações de diversos países pode ser ob- servado nas mudanças implementadas na Constituição de Portugal, realizada em 1822, que incluiu, em um de seus artigos, o objetivo de garantir a liberdade, os direitos individuais, a segurança e o direito à propriedade privada a todos os cidadãos portugueses. A crescente constitucionalização tornou os direitos humanos ainda mais importantes nas discussões políticas e jurídicas, com a promulgação, em diversos países, de leis positivas com o obje- tivo de garantir o acesso de todos os cidadãos aos seus direitos individuais. Apesar de ter como base filosófica a ideia do contrato social e dos direitos naturais, de acordo com as pressões políticas, caracte- rísticas culturais e influência de forças econômicas sobre o governo em cada país, as legislações dos direitos humanos foram adotadas e promulgadas com velocidades e intensidades diferentes. Um exemplo é a abolição da escravidão. Enquanto a Dinamarca promulgou a lei da abolição da escravatura no ano de 1792, nos Es- tados Unidos, um dos berços dos direitos humanos, somente no ano de 1863 os negros foram libertados da escravidão por Abraham Lin- coln, após a guerra civil conhecida como Guerra da Secessão, durante os anos de 1861 e 1865. Já no Brasil, a escravidão só foi abolida em 1888, mais de um sé- culo depois da promulgação das constituições francesa e americana que colocaram os direitos humanos no centro da discussão jurídica das constituições nacionais. Com o rápido crescimento econômico trazido pela industriali- zação e pela adoção do modelo capitalista de produção e o conse- quente crescimento das cidades, com a migração de trabalhadores em busca dos empregos nas indústrias, surgiram novas demandas sociais, notadamente entre os membros das classes proletárias (MARX; ENGELS, 2008). Entre as diversas demandas surgidas com a nova realidade so- cial, destacam-se o direito a um salário justo com relação ao traba- lho desenvolvido, o direito à saúde, à habitação digna e à educação (JERÓNIMO, 2019). A série Amend: The Fight For America apresenta e discute a 14ª emenda da Constituição Americana e a luta pela igualdade de direitos e o racismo estrutural e institucional nos Estados Unidos. Lançada em fevereiro de 2021, a série apresentada por Will Smith está dispo- nível na Netflix. Direção: Will Smith. Estados Unidos: Netflix, 2021. Série O livro 1º de Maio: cem anos de Luta – 1886-1996 mostra a luta pelos direitos trabalhistas, iniciada com uma greve na cidade americana de Chicago, em 1886, e relata as lutas dos trabalhadores brasileiros desde o início do processo de industrialização da eco-nomia brasileira, no início do século XX. Lançado no ano de 1986, o livro foi relançado em 2016 para comemorar os 130 anos da data. DEL ROIO, J. L. 2. ed. São Paulo: Centro de Memória Sindical, 2016. Livro 18 Direitos humanos e relações sociais Esses direitos sociais, que não estavam incluídos na visão filo- sófica dos direitos naturais, seguem a lógica de individualidade dos direitos. Da mesma forma que os direitos humanos e os direitos na- turais foram incluídos na maioria das constituições de diversos paí- ses, os direitos sociais também passaram a fazer parte do arcabouço jurídico de diversos países a partir da última década do século XIX e início do século XX. 1.3 Origens políticas dos direitos humanos Vídeo Antes de apontarmos as origens políticas das discussões sobre os direitos humanos, é necessário definirmos o termo política. A palavra é bastante utilizada no cotidiano e está presente na mídia diariamente. Afinal, as decisões tomadas pelos políticos, sejam eles do Poder Exe- cutivo, sejam do Poder Legislativo, impactam diretamente a vida dos indivíduos de uma sociedade. O termo política pode ser usado em diversos contextos diferentes e com significados diversos. Pode estar relacionado às políticas públi- cas, isto é, aos programas e às ações coordenadas pelo governo ou pelo Estado. Para Souza (2006), ao analisarmos as políticas públicas de determinado governo, é possível compreendermos as motivações, os valores e os objetivos do grupo político que está no poder. Na sua acepção mais conhecida e utilizada, política está relacionada à organização do Estado em poderes que se equilibram e ao processo eleitoral pelo qual os representantes do povo são escolhidos para exer- cer cargos nesses poderes. Segundo Caxito (2020, p. 39): assim, o governo é composto por um grupo de indivíduos elei- tos, que assumem posições nas quais têm alto poder de decisão sobre os rumos da sociedade. Porém, essas decisões são contra- balanceadas pelo sistema de freios, pelos contrapesos dos três poderes, pela atuação política, pelas estratégias dos partidos po- líticos, pelos interesses de grupos econômicos e, também, pelas ideologias que cada um desses grupos representa. É possível observarmos, na definição apresentada, que a palavra política aparece em vários contextos diferentes. Ela está relacionada ao próprio modelo de divisão de poderes, aos grupos de interesse que se organizam na cena pública, às ideologias defendidas e representadas por esses grupos e ao processo de negociação e mediação dos conflitos e interesses das diversas parcelas da sociedade. Bases históricas dos direitos humanos 19 Hanna Arendt, uma das principais filósofas a abordar o conceito de política apresenta em sua obra O que é política? (2002) diversos concei- tos sobre o termo. Para ela, a política surge por meio da pluralidade dos indivíduos que fazem parte de um grupo social. Como as pessoas não são iguais e têm interesses, crenças e valores diferentes, é neces- sário haver uma forma de mediar essas divergências, e é por meio da política que a convivência entre diferentes é possível. Uma das definições dadas por Arendt (2002) de política é especial- mente importante no contexto das discussões no que diz respeito aos direitos humanos: o homem, tal como a filosofia e a teologia o conhecem, existe — ou se realiza — na política apenas no tocante aos direitos iguais que os mais diferentes garantem a si próprios. Exatamente na garantia e concessão voluntária de uma reivindicação juridica- mente equânime reconhece-se que a pluralidade dos homens, os quais devem a si mesmos sua pluralidade, atribui sua existên- cia à criação do homem. (ARENDT, 2002, p. 2) Já Rancière (2018) define a política tanto como um processo que agrega ao grupo social pela aceitação e pelo consentimento das dife- renças quanto como a organização do Estado em diferentes poderes equilibrados, formados por lugares, cargos e funções que são ocupados e distribuídos entre os grupos de interesse, de acordo com processos definidos – processos eleitorais, por exemplo. No contexto político, mesmo com as discussões referentes aos di- reitos humanos tendo iniciado nos séculos XVII e XVIII, como aborda- mos na primeira parte deste capítulo, houve a transição dos regimes absolutistas para o modelo democrático do Estado graças às ideias dos filósofos contratualistas. Foi somente após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que o tema passou a fazer parte das articulações políticas globais, com a publicação da Declaração Universal de Direitos Huma- nos pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948. De acordo com Salles (2015), a ONU foi criada no ano de 1945, logo após o final da Segunda Guerra Mundial, como resultado de um esfor- ço de diversos países para promover a paz, a reorganização econômica e a reconstrução das relações entre as nações. Além da preocupação imediata com a reconstrução da Europa, em grande parte destruída pela guerra, a ONU nasceu também com a preocupação de promover o desenvolvimento social nos países em desenvolvimento. O documentário Nações Unidas: soluções urgentes para tempos urgentes foi realizado para comemo- rar o aniversário de 75 anos de criação da ONU e mostra o potencial de transformação do mundo na próxima década, abor- dando diversos aspectos relacionados aos direitos humanos, incluindo o impacto da pandemia de Covid-19 nas questões sociais globais. Além de atores, ativistas e embaixadores da Boa Vontade, a produção tem participação especial da Mensageira da Paz da ONU e Prêmio Nobel da Paz de 2014, Malala Yousafzai. Direção: Richard Curtis. EUA: ONU; Projeto Todos; 72 Filmes, 2020. Disponível em: https://www.youtu- be.com/watch?v=KucGm-5mOQ8. Acesso em: 14 jul. 2021. Documentário 20 Direitos humanos e relações sociais A Declaração Universal dos Direitos Humanos, segundo Rosa (2015), foi um dos principais documentos publicados pela ONU nos primeiros anos após sua formação. Conforme a autora, 50 países fo- ram signatários da Declaração que buscava garantir a proteção social e os direitos individuais que haviam sido sistematicamente desres- peitados durante a sequência de conflitos que marcaram a primeira metade do século. O contexto político no qual a Declaração foi publicada é fundamen- tal para entendermos cada um de seus artigos. Em seu preâmbulo, o documento destaca, entre outras considerações que fundamentam o documento, que: considerando que o desconhecimento e o desprezo dos Direitos Humanos conduziram a atos de barbárie que revoltam a cons- ciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração humanos; Considerando que é essencial a proteção dos Direitos Humanos através de um regime de direito, para que o homem não seja com- pelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão. (ONU, 1948, p. 1) As duas considerações estão relacionadas ao momento político glo- bal do pós-guerra, no qual o documento foi escrito. A primeira mostra que os motivos políticos que causaram as duas guerras mundiais leva- ram a situações de total desrespeito aos direitos humanos. O que se pretende, com a declaração, é lançar as bases para um mundo no qual as divergências políticas não ocasionem perdas de direitos individuais. A segunda consideração mostra o receio dos países signatários com o desenvolvimento de ditaduras nas quais os direitos humanos não sejam respeitados. No contexto político do momento, o mundo assistia ao início da divisão política entre o mundo ocidental, capita- neado pelos Estados Unidos, e os países comunistas, liderados pela União Soviética. Mesmo tendo sido aprovado pela esmagadora maioria dos paí- ses que compunham a ONU naquele momento, profundas divergên- cias marcaram a definição dos direitos que constam no documento. Essas divergências prenunciavam a divisão do mundo em duasdi- ferentes visões econômicas e políticas que marcaram o período da Guerra Fria. Apesar de ter sido escrita há mais de 70 anos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos ainda é atual, pois muitos dos direitos básicos nela des- critos ainda não foram totalmente garantidos por diversos países. O documento, disponível no site do Ministério Público de Goiás, mostra como direitos funda- mentais dos indivíduos são complexos de serem garantidos, mesmo que haja vontade política dos Estados e governos, pois envolvem aspectos cul- turais, religiosos e sociais arraigados nos diversos grupos sociais humanos. Disponível em: http://www. mp.go.gov.br/portalweb/hp/7/ docs/declaracao_universal_dos_ direitos_do_homem.pdf. Acesso em: 21 maio 2021. Site http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/7/docs/declaracao_universal_dos_direitos_do_homem.pd http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/7/docs/declaracao_universal_dos_direitos_do_homem.pd http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/7/docs/declaracao_universal_dos_direitos_do_homem.pd http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/7/docs/declaracao_universal_dos_direitos_do_homem.pd Bases históricas dos direitos humanos 21 Divergências sobre aspectos culturais e religiosos também mar- caram as discussões que deram origem à Declaração, em especial com relação às nações da África e Oriente Médio, como África do Sul e Arábia Saudita, para as quais a declaração apresentava uma visão ocidentalizada. Já para as nações socialistas do Leste Europeu e da Ásia, a Declara- ção apresentava uma visão capitalista e individualista, em contrapo- sição à visão da economia centralizada do comunismo. Assim, países como União Soviética, Iugoslávia, Bielorrússia, Polônia, Tchecoslováquia e Ucrânia se abstiveram durante a votação do documento. Para Alves (1994), o documento só foi aprovado por ter um caráter de declaração e orientação, não sendo nenhum país signatário obriga- do a implantar nenhuma de suas determinações. O autor aponta que foram necessários quase 20 anos para que a declaração passasse a ter peso de obrigatoriedade, com a aprovação no ano de 1966, do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e do Pacto In- ternacional de Direitos Civis e Políticos. Com base na Declaração da ONU, cada país passou a realizar al- terações jurídicas e foram criadas legislações específicas para orien- tar as políticas públicas com o objetivo de garantir a proteção dos direitos humanos. A obra Guerra e Paz, disponível no site da produtora cultural SP-Arte, do pintor brasileiro Candido Portinari, foi encomen- dada pelo governo brasileiro como um presente do país para a sede da Nações Unidas. A obra é composta de dois painéis em que são representados, separadamente, os horrores da guerra (pintada em tons sóbrios e carregados, com figuras que demonstram medo e desespero) e a esperança da paz (que usa tons alegres e tranquilos). Disponível em: https://www. sp-arte.com/editorial/conheca- o-painel-de-portinari-que-fez- historia-na-onu/. Acesso em: 21 maio 2021. Curiosidade 1.4 Direitos humanos: contextualização histórica Vídeo Segundo Tosi (2009), a discussão a respeito dos direitos humanos evoluiu à medida que o entendimento sobre o tema foi se tornando mais global, aprofundado e diversificado. Se em sua primeira versão, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU foi assinada por 48 países, nas décadas ini- ciais do século XX, o número de Estados participantes da organização e signatários da declaração se aproximou de 200 nações, mostrando que o tema é uma preocupação global. No decorrer da segunda metade do século XX e nas primeiras déca- das dos séculos XXI, a ONU e diversos outros organismos internacionais desenvolveram estudos, conferências, documentos e legislações sobre os direitos humanos, o que trouxe um conhecimento cada vez mais pro- fundo e extenso de diversos temas relacionados aos direitos humanos. https://www.sp-arte.com/editorial/conheca-o-painel-de-portinari-que-fez-historia-na-onu/ https://www.sp-arte.com/editorial/conheca-o-painel-de-portinari-que-fez-historia-na-onu/ https://www.sp-arte.com/editorial/conheca-o-painel-de-portinari-que-fez-historia-na-onu/ https://www.sp-arte.com/editorial/conheca-o-painel-de-portinari-que-fez-historia-na-onu/ 22 Direitos humanos e relações sociais À medida que as discussões se aprofundaram, também se diver- sificaram e especializaram. Se nos primeiros documentos os direitos humanos eram pensados para um indivíduo genérico, gradativamente se passou a enxergar a diversidade cultural, religiosa, etária, étnica e de gênero. Desse modo, as legislações passaram a ser desenvolvidas para garantir os direitos específicos dos diversos grupos sociais. Analisando essa evolução dentro do contexto histórico das discussões sobre os direitos humanos, Tosi (2009) classifica os direitos humanos em quatro gerações. A primeira geração está relacionada à conquista dos direitos ci- vis ou naturais, a que o autor chama de direitos negativos, uma vez que têm o objetivo de proibir os excessos do Estado. Esses direi- tos foram o foco das primeiras legislações que abordam os direitos humanos, como a Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão, publicada na França, e a Carta de Declaração dos Direitos, publicada nos Estados Unidos, no fim do século XVIII. Apesar de serem objeto tanto de legislações e declarações de orga- nismos globais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, os direitos civis ainda não são plenamente garantidos. Segundo dados da ONU (2019), o trabalho infantil ainda é uma realidade que afeta mais de 150 milhões de crianças, cerca de 25 milhões de pessoas vivem em situação análoga à escravidão e quase 5 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem exploração sexual. A Anistia Internacional (RELATÓRIO..., 2021), organização não gover- namental que luta pelos direitos humanos, calcula que, em 2019, cerca de 652 pessoas foram executadas em cumprimento a penas de morte. O número não considera as penas de morte na China, pois não exis- tem dados oficiais. A Anistia Internacional calcula que tenham ocorrido mais de mil execuções no país durante o ano. Apesar de a maioria dessas penas de morte e execuções te- rem ocorrido em países com governos não democráticos, como a China, o Irã, a Arábia Saudita, o Vietnã e o Iraque, mesmo a maior democracia do mundo em termos populacionais e econômicos, os Estados Unidos, executou 22 pessoas durante o ano de 2019 (RELATÓRIO..., 2021). A figura a seguir mostra a distribuição de exe- cuções no mundo em 2019. Bases históricas dos direitos humanos 23 Figura 1 Execuções pelo mundo em 2019 400 350 300 250 200 150 100 50 0 1,000s 251+ 184 100+ 32+ 22 14+ 12+ 11+ 7 4 3 3 2+ 2 1 1 + + + CH IN A IRAN SAU D I ARABIA IRAQ EG YPT U SA PAKISTAN SO M ALIA SO U TH SU D AN YEM EN SIN G APO RE BAH RAIN JAPAN BELARU S BAN G LAD ESH BO TSW AN A SU D AN N O RTH KO REA SYRIA VIET N AM 4. Iraque 2. Irã 1. China 5. Egito 6. EUA 9. Sudão do Sul 3. Arábia Saudita 8. Somália 7. Paquistão 13. Vietnã 10. Singapura 12. Coreia do Norte 11. Japão CH IN A IRà ARÁBIA SAU D ITA IRAQ U E EG ITO EU A PAQ U ISTÃO SO M ÁLIA SU D ÃO D O SU L IÊM EN SIN G APU RA BARÉM JAPÃO BIELO RRÚ SSIA BAN G LAD ESH BO TSU AN A SU D ÃO CO REIA D O N O RTE SÍRIA VIETN à Fonte: Relatório..., 2021, p. 4. Os direitos da primeira geração também estão relacionados aos direitos políticos, que foram conquistados gradativamente, no decorrer dos séculos XVIII, XIX e XX, à medida que países, em especial os ocidentais, alteraram suas formas de governo de monarquia para democracia. A luta pelos direitos políticos ainda se faz presente no mundo contemporâneo, seja nos países que adotam regimes ditatoriais, seja em países nos quais a democracia ainda não está plenamen- te estabelecida. A existência de presos e exilados políticos mostracomo o tema é ainda bastante atual. Os direitos políticos são con- siderados por Tosi (2009) como direitos positivos, visto que buscam garantir a liberdade de expressão e a participação do indivíduo nas decisões e ações do grupo social. Já os direitos de segunda geração, estão ligados principalmente a aspectos econômicos e surgiram com as lutas da classe trabalha- 24 Direitos humanos e relações sociais dora pela garantia de condições dignas de trabalho e remuneração, as quais são asseguradas pelo Estado pelas legislações específicas que regulam as relações trabalhistas, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) brasileira (FERREIRA FILHO, 2005). Incluem-se também nos direitos dessa geração a garantia de igualdade e bem-estar social, como o direito à educação gratuita, à proteção de crianças e adolescentes (como a proibição do trabalho infantil) e às manifestações culturais. Segundo Tosi (2009), a maioria desses direitos de segunda geração ainda não estão totalmente ga- rantidos legalmente na maioria dos países. Bonavides (2003) e Ferreira Filho (2005) explicam que os direi- tos de segunda geração, mesmo quando garantidos pela legislação, eram vistos em muitos países, inclusive no Brasil, mais como normas e ideias a serem buscadas pelo governo, e não como regras de exe- cução imediata. Como exemplo, as legislações que versam sobre o direito à educação gratuita e de qualidade apontam os objetivos de médio e longo prazos a serem alcançados por meio do desenvolvi- mento de políticas sociais e programas de governo. Os direitos de terceira geração estão relacionados a questões supranacionais, que impactam diversos países ou a totalidade da humanidade. Entre eles, podemos citar o direito à paz, à garantia da preservação do meio ambiente – para que as condições de vida da humanidade sejam protegidas –, ao desenvolvimento social e à preservação da cultura de que o indivíduo faz parte. Para Bonavides (2003), esses direitos estão ligados à ideia de so- lidariedade entre as diversas nações que formam o mundo. A ga- rantia desses direitos é complexa, pois depende da colaboração de Estados e governos com ideologias e visões políticas e econômicas diferentes. Negociações e acordos globais, como o Acordo de Paris – com- promisso assumido por diversos países para diminuir as emissões globais de poluição –, são exemplos de ações desenvolvidas por ins- tituições e organizações globais com o objetivo de garantir os direi- tos de terceira geração. Contudo, como esses organismos não têm poder de obrigar que os países signatários cumpram as condições acordadas, os resultados dependem de aspectos políticos e econô- micos que podem ser alterados a qualquer momento. Bases históricas dos direitos humanos 25 Os direitos das três primeiras gerações podem ser identificados, com maior ou menor intensidade, nas constituições da maioria dos países democráticos, inclusive na constituição brasileira. Segundo Ferreira Filho (2005, p. 57), as três gerações dos direitos humanos podem ser assim entendidas: “a primeira geração seria a dos direi- tos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim, complementaria o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade”. Os direitos de quarta geração, como explica Tosi (2009), são aqueles ligados às próximas gerações. Cada geração tem um dever de garantir que as condições naturais, sociais, econômicas e tecnoló- gicas das gerações futuras sejam preservadas. Bonavides (2003) afir- ma que o Estado social estará totalmente institucionalizado assim que os direitos de quarta geração estiverem devidamente garanti- dos na constituição do país. Apesar de a classificação proposta pelo autor possibilitar enten- der de maneira organizada os diferentes tipos de direitos humanos, eles se entrelaçam e se interligam. Para que o indivíduo possa alcan- çar plenamente todo o seu potencial como ser humano, precisa ter acesso pleno a todos os seus direitos. O vídeo Acordo de Paris para as mudanças climáti- cas, publicado pelo World Wildlife Fund – WWF, explica de modo simples e direto a Conferência de Clima (COP) da ONU, realizada em 2015, com a participação de 195 países com o objetivo de negociar um acordo global para diminuir as emissões de gases preju- diciais ao meio ambiente. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=DMGmfforM3g. Acesso em: 21 maio 2021. Vídeo 1.5 Direitos humanos no Brasil Vídeo Existe uma relação intrínseca entre as legislações sobre os direitos humanos e os estados democráticos, pois respeitar os direitos dos in- divíduos é um dos principais valores da República e da democracia. Moraes (2003) estabelece uma relação entre os direitos humanos, a justiça e o arcabouço jurídico do país. Para o autor, sem respeito aos direitos individuais, não é possível garantir a justiça social. Conforme as Diretrizes Nacionais de Ensino em Direitos Humanos (BRASIL, 2013, p. 38), os valores que direcionam as legislações e os programas do governo brasileiro quanto aos direitos humanos como: por valores democráticos entendem-se: (a) O amor à igualdade e consequente horror aos privilégios; (b) A aceitação da vonta- de da maioria legitimamente formada, decorrente de eleições ou de outro processo democrático, porém com constante res- peito aos direitos das minorias; e (c) Em consequência dos tópi- cos acima, configura-se como conclusivo o respeito integral aos Direitos Humanos. 26 Direitos humanos e relações sociais No entanto, mesmo que as legislações existam e sejam adequa- das, garantir que os direitos humanos sejam respeitados no cotidiano da sociedade é uma tarefa complexa e ainda difícil de ser implemen- tada. Nogueira (2001) afirma que a democracia, na prática da política brasileira, ainda está mais ligada ao rito eleitoral do que à garantia real dos direitos humanos de todas as parcelas da população. Após mais de duas décadas sob regime militar, foi promulgada em 1988 uma nova constituição brasileira, que ficou conhecida como Constituição Cidadã. Foi o primeiro documento a determinar os direi- tos e os deveres dos cidadãos, também sendo reconhecido por insti- tucionalizar os direitos humanos no país. No artigo 5º da Constituição de 1988: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (BRASIL, 1988). Ao institucionalizar os direitos humanos no país, a Constituição representou um grande avanço para a proteção dos direitos indivi- duais. Entretanto, mesmo depois de três décadas de sua promulgação, a garantia plena dos direitos dos cidadãos brasileiros ainda não foi alcançada. Por sua grande extensão territorial e grande diversidade cultural e étnica, com um povo composto de ondas migratórias provindas de diversas origens diferentes e sua história econômica fundada na ex- ploração das riquezas naturais e dos povos escravizados, o Brasil é um país com um grande débito com relação aos direitos humanos de uma parcela significativa de sua população (SANTOS; CHAUÍ, 2016). Mesmo nas grandes capitais brasileiras, o Estado não consegue ga- rantir a aplicação da lei que protege os direitos naturais do cidadão, nem mesmo o direito à vida – o mais básico deles. Situação ainda mais grave se observa quanto aos direitos de segunda e terceira ge- ração, que dependem, em alguns casos, de altos investimentos em programas e políticas sociais de longo prazo, que devem estar ligadas a um projeto de Estado, mas que muitas vezes sofrem alterações ou são abandonadas a cada troca de governo. Bases históricas dos direitos humanos 27 No Brasil, a garantia dos direitos humanos passa por outro gran- de desafio: reparar séculos de atraso no que diz respeito à defesa dos direitos das minorias, especialmente as minorias étnicas e de gênero. Para Paula, Silva e Bittar (2017, p. 3842) as minorias podemser definidas como: um grupo humano ou social que esteja em uma situação de inferioridade ou subordinação em relação a outro, considerado majoritário ou dominante. Essa posição de inferioridade pode ter como fundamento diversos fatores, como socioeconômico, legislativo, psíquico, etário, físico, linguístico, de gênero, étnico ou religioso. A inclusão social dos grupos minoritários é uma das grandes dívi- das sociais da sociedade brasileira (URI; URI, 2019), porém é um pro- cesso lento que não depende apenas da promulgação de leis positivas e ações afirmativas. A inclusão envolve mudanças conjuntas em po- líticas macroeconômicas e sociais que diminuam a concentração de riqueza e de renda, pois a distribuição de riqueza entre a população se torna cada vez mais desigual, o que aprofunda ainda mais as dívi- das históricas do Estado brasileiro para com os grupos minoritários. Segundo Martins e Siqueira (2017), o Brasil é signatário de gran- de parte dos instrumentos internacionais que abordam os direitos humanos, mas, mesmo assim, ainda apresenta grande desigualdade social e enfrenta dificuldades para garantir o acesso das populações mais pobres a seus direitos. Dornelles (1998) aponta a falta de conhecimento do cidadão quan- to a seus direitos e alerta que esse fato pode ser um empecilho para que se exija que o governo cumpra seu papel na garantia dos direitos humanos da população. Uma das formas de aumentar a percepção dos indivíduos vulneráveis a respeito de seus direitos é a educa- ção (SACAVINO, 2007). Com esse objetivo, em 2013, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República publicou o Caderno de Educação em Direitos Humanos, no qual define as diretrizes nacionais de educação sobre os direitos humanos (BRASIL, 2013). O Caderno de Educação em Direitos Humanos: Diretrizes Nacionais foi publicado com o objetivo de definir as diretrizes que norteiam o ensino no que se refere aos direitos humanos em cinco eixos da educação: 28 Direitos humanos e relações sociais Educação básica Educação dos profissionais de Justiça e Segurança Educação e mídia Educação superior Educação não formal Vya che slav ikus/Sh utterstock Com o objetivo de consolidar na realidade a garantia dos direitos humanos presentes na Constituição, o Estado brasileiro lançou em 1996 o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). O progra- ma tinha como objetivo garantir tanto os direitos de primeira geração quanto os direitos políticos e civis, a proteção da vida, da liberdade e a promoção da igualdade de todos os cidadãos, além dos direitos de segunda geração, como a educação e a cidadania, e estava alinha- do com políticas e documentos internacionais de direitos humanos (FAISTING; GUIDOTTI, 2019). O programa foi ampliado e revisto em 2002, passando a ser conhe- cido como PNDH II. Nessa versão, incluiu-se direitos de segunda gera- ção, relacionados a questões de proteção econômica, como trabalho, moradia e alimentação, bem como questões relacionadas à cultura, ao lazer, à educação e à saúde. Foi novamente revisto no ano de 2009 e a versão conhecida como PNDH III trouxe avanços consideráveis para a concretização das leis de proteção dos direitos humanos. Para Dallari (2004), no que diz respeito aos direitos humanos, o texto da Constituição brasileira é rígido e descritivo, incluindo eviden- temente e de maneira inequívoca diversos direitos humanos da pri- meira, segunda e terceira gerações. Por outro lado, a Constituição é também aberta a mudanças e a novas demandas por direitos e neces- sidades sociais que surjam com o desenvolvimento da humanidade. Novas leis são promulgadas à medida que ocorrem mudanças sociais, econômicas, naturais e tecnológicas. São exemplos dessa constante renovação a Lei n. 12.965, conhecida como Marco Civil da Para saber mais sobre as Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos, acesse o site da Secretaria em Direitos Humanos e leia Educação em Direitos Humanos: Diretrizes Nacionais. Esse documento apresenta os princípios da dignidade humana, considerando que todos os cidadãos têm igualdade de direitos, visando à aceitação das diferenças entre os indiví- duos, à diversidade social e buscando a sustentabi- lidade socioambiental. Disponível em: https://www.gov. br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/ educacao-em-direitos-humanos/ DiretrizesNacionaisEDH.pdf. Acesso em: 25 mar. 2021. Site https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/educacao-em-direitos-humanos/DiretrizesNacionaisEDH.pdf https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/educacao-em-direitos-humanos/DiretrizesNacionaisEDH.pdf https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/educacao-em-direitos-humanos/DiretrizesNacionaisEDH.pdf https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/educacao-em-direitos-humanos/DiretrizesNacionaisEDH.pdf Bases históricas dos direitos humanos 29 Internet (BRASIL, 2014), e a Lei n. 13.709, chamada de Lei Geral da Pro- teção de Dados (BRASIL, 2018), promulgadas para garantir o direito à privacidade dos dados pessoais dos indivíduos no contexto do de- senvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação, uma realidade que não existia no ano de 1988, quando a Constituição foi promulgada. CONSIDERAÇÕES FINAIS A busca pela garantia dos direitos humanos pode ser identificada em diversos momentos da história humana e tem raízes na filosofia, na polí- tica e na evolução das legislações nacionais. O tema ganhou centralidade por meio das grandes mudanças econômicas, sociais e políticas que mar- caram a transição da Idade Média para a Idade Moderna e, posteriormen- te, para a Idade Contemporânea. A partir da segunda metade do século XX, após a Segunda Guerra Mundial, o surgimento de organizações internacionais, como a ONU, fez com que a busca pela garantia dos direitos humanos se tornasse uma preocupação global. No Brasil, apesar de a Constituição de 1988 ter como um de seus prin- cípios a proteção dos direitos humanos, na prática cotidiana de nossa sociedade, uma grande parcela da população ainda não goza plenamente de seus direitos. ATIVIDADES 1. Explique os conceitos filosóficos de estado de natureza e estado social. 2. Conceitue os direitos humanos de primeira, segunda, terceira e quarta gerações. 3. Explique a importância da Constituição Francesa de 1791 e da Constituição Americana de 1787 para os direitos humanos. REFERÊNCIAS ALVES, J. A. L. A ONU e a proteção aos direitos humanos. Revista Brasileira de Política. Internacional, Brasília, v. 37, n. 1, p. 134-145, 1994. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/ lindgrenalves/lindgren_alves_onu_protecao_dh.pdf. Acesso em: 21 maio 2021. AQUINO, T. de. Suma teológica VI. São Paulo: Edições Loyola, 2005. ARENDT, H. O que é política? 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. de António de Castro Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009. Vídeo http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/lindgrenalves/lindgren_alves_onu_protecao_dh.pdf http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/lindgrenalves/lindgren_alves_onu_protecao_dh.pdf 30 Direitos humanos e relações sociais BONAVIDES, P. 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Indígenas, portugueses e africanos formaram a base da constituição do povo brasileiro. Migrações de po- pulações europeias e asiáticas, no decorrer do século XX, além de, mais recentemente, povos latino-americanos, contribuíram ainda mais para a formação de um povo diverso e miscigenado. Se por um lado essa carac- terística traz benefícios para o país, por outro alimenta ações de racismo, discriminação e xenofobia. Neste capítulo, vamos estudar os conceitos de raça e etnia. Estes termos estão na base dos preconceitos e discriminações que impac- tam a vida de milhões de brasileiros, tirando deles direitos e opor- tunidades. A importância da cultura afro-brasileira e indígena para a formação cultural brasileira também é nosso objeto de estudo deste capítulo. Discutiremos, ainda, as ações afirmativas que buscam incluir as minorias raciais, dos pontos de vista cultural, educacional, econô- mico e profissional. Por fim, vamos abordar a diversidade étnica, racial e cultural no mercado de trabalho e o impacto do racismo sobre as oportunidades profissionais das minorias. Com o estudo deste capítulo você será capaz de: • compreender os conceitos de raça, etnia, racismo, precon- ceito e discriminação racial; • reconhecer a importância das culturas afro-brasileira e indí- gena na formação cultural do país; • conhecer as políticas de ação afirmativa no Brasil e no mundo; • compreender o impacto do racismo no trabalho, na cultura e na sociedade. Objetivos de aprendizagem Relações étnico-raciais 33 2.1 Raça e etnia Vídeo O discurso de Mano Brown, vocalista do grupo musical Racionais MC’s, durante show realizado em 2006, toca no ponto central da discri- minação racial no Brasil. Vejamos: “Tem que acreditar. Desde cedo, a mãe da gente fala assim: ‘Filho, por você ser preto, você tem que ser duas vezes melhor’. Aí, passados alguns anos, eu pensei: ‘como fazer duas vezes melhor, se você está pelo menos cem vezes atrasado? Pela es- cravidão, pela história, pelo preconceito, pelos traumas, pelas psicoses, por tudo que aconteceu’. Duas vezes melhor como? Ou você é o melhor ou pior de uma vez. Sempre foi assim. Se você vai escolher o que estiver mais perto de você, o que estiver dentro de sua realidade, você vai ser duas vezes melhor como?” (BROWN, 2006). As minorias raciais, notadamente os negros e indígenas, sofrem com o preconceito que está inserido profundamente nas estruturas sociais, culturais e econômicas brasileiras. A discussão sobre racismo parte de uma ideia ultrapassada e cientificamente provada como incorreta: a de que existem diversas raças humanas. Biologicamente, a humanidade é composta de uma só raça: a humana (CAMPOS, 2017). Segundo Santos (2010), a ideia de que os seres humanos são divi- didos em raças surgiu por volta do século XVII, com as publicações de François Bernier e, principalmente, Carolus Linnaeus, que desenvolveu a estrutura de classificação das espécies vegetais e animais com base em uma hierarquia de reinos, classes, ordens, gêneros e espécies. Foi ele também o responsável pela criação da forma de se nomear as espécies, com dois termos em latim: o primeiro referente a gênero e o segundo, à espécie (FERNANDES; SANCHES; DIAS, 2018). O gêne- ro Homo, por exemplo, que nomeia todos os hominídeos, é dividido em diversas espécies, como Homo habilis, Homo erectus e Homo sapiens (CASETTA et al., 2018). Em sua classificação, Linnaeus (2018) divide o Homo sapiens em quatro variedades, de acordo com as origens geográ- ficas das populações (Quadro 1). 34 Direitos humanos e relações sociais Quadro 1 Classificação Homo sapiens Denominação Localização Características Homo sapiens americanus Habitante das Américas Indivíduo de mau temperamen- to, facilmente subjugável Homo sapiens asiaticus Proveniente dos países asiá- ticos Ganancioso Homo sapiens afer Originário da África Preguiçoso e impassível Homo sapiens europaeus Originário da Europa Considerado sério, inteligente leal e forte Fonte: Adaptado de Linnaeus, 2018. Linnaeus (2018) ainda relacionou essas classificações com a cor da pele. Os americanos foram nomeados vermelhos; os asiáticos, amarelos; os europeus, brancos; e os africanos, pretos (CASETTA et al., 2018; SANTOS et al., 2010). A classificação de Linnaeus foi desenvolvida por outros autores, como Blumenbach (SANTOS et al., 2010), que classificava a espécie humana em quatro variedades: a primeira incluía os europeus, a po- pulação branca da América do Norte e da parte leste da Ásia; a se- gunda, os indígenas australianos; a terceira, os negros africanos; e a quarta englobava os humanos de todas as demais áreas do chama- do novo mundo (SANTOS et al., 2010; FERNANDES, SANCHES, DIAS, 2018). Segundo Santos et al. (2010), a divisão da população em preten- sas raças passou a ser usada oficialmente depois do censo realizado nos Estados Unidos, em 1790. Este separou a população em brancos livres e outros indivíduos, classificação
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