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- -1 ABORDAGENS SOCIOPSICOLÓGICAS DA VIOLÊNCIA E DO CRIME O QUE É VIOLÊNCIA? - -2 Olá! Ao final desta aula, você será capaz de: 1 - Identificar o conceito de violência; 2 - Reconhecer as variáveis sociais e psicológicas implicadas na violência; 3 - Relacionar os aspectos sociais e psicológicos envolvidos no comportamento humano. 1 Introdução Nesta aula, abordaremos o fenômeno da violência a partir de duas perspectivas: uma psicológica e outra sociológica e finalizaremos conceituando o que é violência. O objetivo é criar uma base conceitual do fenômeno para o entendimento das discussões posteriores mais complexas. 2 Fenômeno da violência O fenômeno da violência está presente na vida humana desde os seus primórdios. Muitas vezes, aparece na forma de defesa do indivíduo ou povo, e de outras surge absolutamente destrutiva, como o crime e as guerras. Entretanto, ao pensarmos sobre a violência, algumas questões se tornam evidentes: • É um fenômeno relacional, ou seja, envolve a relação de um indivíduo com outro (ou outros) ou a relação de indivíduo com a cultura (a própria ou uma na qual não se identifique); • Está presente desde os primórdios das civilizações humanas; • Está vinculado às características psicológicas e emocionais dos indivíduos. Nesse sentido, a violência é um fenômeno complexo que abrange tanto fatores biológicos e psicológicos e, portanto, relativos ao ser humano enquanto um ser individual, quanto fatores sociais, históricos e políticos, isto é, relacionados ao contexto cultural e político no qual os seres humanos estão inseridos. Para se entender as dimensões da violência, é preciso refletir e compreender a importância da relação entre indivíduo e sociedade para a formação, a manutenção e a alteração no que se refere tanto ao ser humano quanto ao grupo social que pertence. 3 Evolução das relações interpessoais do homem Inicialmente, é importante destacar a história de superação dos seres humanos desde os seus primórdios, fazendo com que chegassem ao ponto de dominar, em detrimento dos outros animais, todo o globo terrestre. • • • - -3 E a característica crucial que os torna a espécie dominante e os diferencia de todos os outros animais é a sua inteligência (ou organização do seu pensamento) o que possibilitou a tomada de consciência de si e do mundo circundante e a construção de conhecimento a partir dos problemas que se colocavam na sua vida. Dessa forma, se faltava (ou falta) à espécie humana a força, a velocidade e a agilidade de outros animais, o ser humano possui a capacidade de produzir , que se torna um alargador das suas potencialidades na “luta”cultura pela sobrevivência. 4 O homem como produtor de cultura O processo de produção cultural ocorre a partir da apropriação pelo ser humano do mundo natural que o cerca, na sua transformação para satisfazer as suas necessidades e na transmissão do conhecimento produzido para as novas gerações. Tal mecanismo incrementa o relacionamento social, a partir do momento em que os seres humanos percebem que juntos conseguem resistir melhor aos outros predadores do que individualmente, dando início a construção das comunidades, vilas, aldeias e cidade. Segundo Dias (2009): Ao resistir aos outros predadores, [o ser humano] foi gradativamente aprendendo que como indivíduo isolado não teria maiores condições de sobrevivência. Passou a caçar em grupos, tornando- se esta prática a essência de sua existência. A partir do momento em que os indivíduos entenderam que agrupados conseguiam alcançar objetivos comuns, surgiu a necessidade de melhor organização dessas atividades, com a criação de funções e tarefas e o sequenciamento destas provocando um melhor rendimento. (DIAS, 2009, p. 2). Saiba mais Cultura refere-se ao modo de vida do ser humano, construído por ele com o objetivo adaptativo de satisfação de suas necessidades. Então o conceito de cultura abarca desde comportamentos, instrumentos de trabalho, vestuário, organização política, arte, religião, conhecimento do senso comum, conhecimento científico, linguagem, música etc. - -4 5 Construção dos grupos sociais Tal cooperação e organização hierárquica das tarefas e a sua conservação e permanência, constituíram os grupos sociais. Com esta organização em grupos, a humanidade ampliou gradativamente o seu potencial de intervenção no mundo natural, acarretando a construção de cada vez mais complexas. Por exemplo, se asociedades necessidade de segurança e defesa produziu o estabelecimento de agrupamentos humanos, a necessidade de reprodução biológica e cultural acarretou a formação das famílias e a necessidade de alimentação delimitou o início do processo econômico. Nesse sentido, pode-se dizer que a existência humana é produto da socialização do meio cultural. Ao mesmo tempo em que o homem aumenta o seu potencial de intervenção no mundo, dialeticamente este mundo transformado retorna para cada indivíduo da espécie transformando a sua existência. É exatamente neste ponto que o ser humano rompe com as barreiras do determinismo biológico e ganha a especificidade que lhe diferencia de todas as outras espécies: a produção e a transmissão da cultura. Saiba mais O processo de produção cultural ocorre a partir da apropriação pelo ser humano do mundo natural que o cerca, na sua transformação para satisfazer as suas necessidades e na transmissão do conhecimento produzido para as novas gerações. Tal mecanismo incrementa o relacionamento social, a partir do momento em que os seres humanos percebem que juntos conseguem resistir melhor aos outros predadores do que individualmente, dando início a construção das comunidades, vilas, aldeias e cidade. Saiba mais Segundo Dias (2005, p. 4), o termo sociedade é a designação utilizada para “um grupo social onde se produzem fenômenos sociais, se estabelecem vínculos de solidariedade e instituições econômicas, culturais, políticas e/ou religiosas que visam atender as suas necessidades”. Destaca, ainda, que este grupo de pessoas possui a característica de se estabelecer em um determinado território e compartilhar uma determinada identidade. - -5 É interessante observar que a organização e a hierarquização dos grupamentos humanos possibilita a criação de culturas cada vez mais complexas até chegarmos à sociedade altamente tecnológica de hoje. Se no início da civilização humana o homem era caçador e coletor, o que causava o estabelecimento de território a partir das possibilidades de alimentação e segurança que ele oferecia, à medida que foi dominando a arte da agricultura, teve a possibilidade de se fixar em uma única região. Este quadro, aliado ao surgimento da hierarquização das atividades entre o grupo (homens, mulheres, jovens e anciãos), acarreta a produção excedente de alimentos que permite ao ser humano momentos de ócio criativo e a fabricação de novas ferramentas para lidar com as diversas problemáticas cotidianas, alimentando o processo de criação cultural. 6 O homem como produtor de cultura Sociologicamente, podem-se destacar algumas características das sociedades (DIAS, 2009): Fixação territorial: a fixação territorial é importante para a sobrevivência do grupo. Totalidade: porque é muito mais do que a soma dos indivíduos, constituindo um sistema complexo onde todas as partes encontram-se relacionadas de tal forma que uma mudança, em alguma delas, acarreta a transformação em todo o resto. Temporalidade existencial: grupo social possui uma temporalidade existencial que ultrapassa a existência de seus membros. Características específicas: toda cultura imprime características distintas em sua obra social, de tal modo que é possível verificá-la até mesmo na obra individual de seus integrantes. Grupo de pessoas sob normas comuns: constitui um grupo de pessoas que vive sob normas comuns, produzem fenômenos sociais e possui uma cultura comum, o que permite o surgimento de uma consciência coletiva de sua unidade e historicidade. Fique ligado Segundo Dias (2009, p. 4),a “cultura do homem lhe serve de diferentes modos: adapta-o como espécie biológica a seu meio ambiente e assegura a unidade de sobrevivência do grupo social”. Nesse contexto, é possível verificar como o arranjo social dos grupos humanos torna-se fundamental para a sobrevivência da espécie. - -6 Busca pelo bem comum preponderante: é uma unidade funcional e operante, onde o interesse comum subordina o interesse individual de seus membros. Interação social contínua: a interação social é contínua, permanente e diversificada, produzindo relações e papéis sociais complexos. Cooperação dos integrantes: a cooperação torna-se valor fundante do grupo e assumido pelos seus integrantes para a sua manutenção e sobrevivência. Universalidade: porque está presente em todos os recantos do mundo. 7 Transmissão de valores Para garantir a sua unidade e permanência, a sociedade promove o processo de socialização, que pode ser definido como a , crenças e sentimentos prescritos pelo grupo para cada nova pessoatransmissão de valores que começa a fazer parte dele. Este processo ocorre inicialmente dentro da família e depois dentro dos grupos nos quais o indivíduo participa, como os amigos e a escola. Solidariedade, cooperação e respeito ao outro são valores fundamentais para a sobrevivência do grupo, pois garantem as bases para a sua convivência pacífica. Em sociedades mais simples, os sentimentos de solidariedade e cooperação são suficientes para garantir a ordem do grupo social e manter os laços. Tal fato ocorre porque em sociedades menores é mais fácil todos os membros se conhecerem e se relacionarem entre si. Saiba mais Podem-se definir os valores morais como comportamentos, intenções e sentimentos construídos consensualmente por um grupo com o objetivo de servir como referência sobre o que é considerado adequado ou inadequado, desejável ou indesejável. Os valores são transmitidos para as futuras gerações e possuem a finalidade de garantir a sobrevivência daquela comunidade. Os valores devem, ainda, ser contextualizados historicamente e culturalmente, pois são transformados ao longo da história e possuem validade somente para o grupo que os produziu. - -7 8 Da necessidade das normas de convívio Nas sociedades mais complexas, tais sentimentos não garantem a convivência pacífica; é necessário o desenvolvimento dos sentimentos de direito e dever para com o grupo enquanto totalidade e, também, para cada associado. A assunção do sentimento de compromisso com o grupo e com cada membro é fundamental para a manutenção da ordem, principalmente em sociedades muito grandes e complexas como a nossa. Devido a impossibilidade de relacionamento de todos os membros entre si, o estabelecimento de um laço produtivo e pacífico com o outro fica dificultado. Isto ocorre porque é difícil reconhecermos ou percebermos a existência dos direitos de outra pessoa se ela não pertence ao nosso círculo de relações pessoais. Nesse contexto, surge a instituição do Direito com a afirmação de um corpo de normas amplamente aceito e considerado ideal naquele momento histórico específico, e que deve valer para todos os membros de uma sociedade, visando a garantia da ordem e da paz social. 9 Diferenças entre valores morais e normas jurídicas Apesar de possuírem uma origem semelhante, há diferença entre os valores morais e as normas jurídicas: • Os valores morais permanecem da dimensão simbólica do ser humano. • As normas legais são sistematizadas, organizadas e consolidadas enquanto documento concreto, onde constam, inclusive, punições ou sanções para quem não cumprir o que está na letra da lei. Resumindo, ao longo dos tempos, os seres humanos, percebendo a importância da convivência em grupo para garantir a própria sobrevivência, percebeu também a importância da criação de normas de conduta para os membros do grupo. A complexificação destas relações tornou indispensável a criação de códigos de conduta oficiais, surgindo a norma jurídica. 10 A complexidade do ser humano A importância na normatização do que é esperado e do que é inadequado aos membros de uma sociedade é evidenciada a partir da reflexão sobre a complexidade fundamental do ser humano. Somos seres biológicos, racionais, emocionais que dependem do outro para a sua existência. Apesar de já termos rompido com o determinismo biológico devido a nossa evolução cerebral e neurológica, o que possibilitou a construção de todo o conhecimento humano, possuímos, como os outros animais, aspectos de difícil controle como as emoções. • • - -8 11 O ser humano e suas emoções As emoções são fundamentais para a vida humana, porque trazem um colorido diferenciado para a nossa existência. As emoções trazem significado aos relacionamentos, embasando a construção normativa já mencionada, e são importantes no processo adaptativo. Por exemplo: quando é necessário se defender de algum risco iminente ou lutar por algum ideal que se acredita. Desse modo, as emoções fazem parte do nosso processo evolutivo enquanto espécie, pois, ao incrementarem a vida humana, permitem uma adaptação melhor do ser humano ao seu meio. 11.1 Distinção das emoções Podem-se distinguir algumas emoções básicas que estão presentes desde o nascimento e outras que são aprendidas no decorrer da vida. Dentre as básicas, o medo e a agressividade (ou raiva) são elementares para a adaptação humana. Medo: o medo nos permite ter cautela com possíveis riscos à nossa vida. Agressividade: a agressividade é uma emoção poderosa que nos faz lutar desde os primeiros segundos da nossa existência para sobreviver e impulsiona o movimento de ir adiante buscando aquilo que se precisa para saciar as necessidades. E é neste ponto que podem surgir conflitos. Antes de prosseguirmos cabe um breve retorno: até aqui já verificamos como ocorreu, durante a evolução humana, a organização dos indivíduos em grupos e como, a partir da complexificação das organizações sociais, foi importante a criação das normas de conduta para a manutenção e a sobrevivência do grupo. 11.2 O ser humano e suas emoções – violência Como os seres humanos não são regidos somente pela razão, mas também pela sua emocionalidade que traz benefícios adaptativos, mas que também podem incitar conflitos de interesse e violência, as normas de conduta são importantes para minimizar tais conflitos e a possível violência decorrente. As questões relativas aos fatores geradores de violência serão abordadas mais profundamente nas próximas aulas, mas antes de finalizarmos este primeiro tópico, cabe conceituar o que é violência. Saiba mais Tradicionalmente, a violência pode ser conceituada como uma ação voluntária, realizada por uma pessoa ou grupo de pessoas, e que traz prejuízos a outro indivíduo ou grupo no que tange à sua existência física, material, psicológica ou moral. Nesse sentido, quando abordamos o - -9 12 Refletindo sobre o fenômeno da violência Se podemos encontrar facilmente a definição de violência na forma citada, a reflexão sobre o fenômeno da violência pode não ser tão simples. Isto porque o fenômeno não é abstrato, ou seja, para podermos compreendê- lo devemos contextualizá-lo histórica, social e culturalmente. Portanto, torna-se importante buscar na Sociologia e na Psicologia parâmetros conceituais para entendimento do tema. Sociologia: A Sociologia, disciplina que possui como objeto de estudo o fato/fenômeno social e seus condicionantes históricos, abordará a temática através do estudo dos aspectos políticos, econômicos e sociais que afetarão o fenômeno violento. Exemplos desta abordagem são a relação entre pobreza e criminalidade, desigualdade social e violência, a cultura da violência entre outros. Ou seja, a Sociologia vai abordar o fenômeno violento a partir de um olhar mais abrangente, refletindo sobre como a estrutura, a organização e o funcionamento da sociedade alimentam, ou não, a violência e o crime. Psicologia: Já a Psicologia é uma disciplina que estuda o ser humano como um ente quepossui características singulares, representações, valores e crenças, emoções, e que entende o ser humano como alguém dotado de um mundo interior em constante relação com o mundo exterior (ou realidade social). Desta forma, pensar este “mundo interior humano” torna-se fundamental para construir um conhecimento mais abrangente sobre qualquer fato social, visto que tudo o que compõem o “mundo interior” de cada ente humano afeta sua conduta nas relações interpessoais. O que vem na próxima aula Na próxima aula, você vai estudar: • O que são as emoções e como elas são importantes para a vida dos seres humanos; • A agressividade enquanto emoção básica; • As relações entre agressividade e violência sob a perspectiva de cada pessoa. à sua existência física, material, psicológica ou moral. Nesse sentido, quando abordamos o aspecto violento de uma ação, ele deve ser caracterizado por uma intencionalidade de quem produz a ação violenta para atingir a outra pessoa. • • • - -10 CONCLUSÃO Nesta aula, você: • Entendeu o conceito de violência; • Aprendeu como os aspectos sociais e individuais podem influenciar no comportamento violento; • Verificou que para garantir a convivência pacífica entre as pessoas de um grupo social, são construídas normas de conduta como os valores morais e as normas jurídicas. • • • Olá! 1 Introdução 2 Fenômeno da violência 3 Evolução das relações interpessoais do homem 4 O homem como produtor de cultura 5 Construção dos grupos sociais 6 O homem como produtor de cultura 7 Transmissão de valores 8 Da necessidade das normas de convívio 9 Diferenças entre valores morais e normas jurídicas 10 A complexidade do ser humano 11 O ser humano e suas emoções 11.1 Distinção das emoções 11.2 O ser humano e suas emoções – violência 12 Refletindo sobre o fenômeno da violência O que vem na próxima aula CONCLUSÃO