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UnB – Universidade de Brasília
NOME
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA: segunda avaliação geral
Brasília – DF
2021
DISSERTAÇÃO FILOSÓFICA
A partir da leitura do excerto de Marilena Chauí percebe-se que o tema central apresentado é a história da filosofia e como os diversos discursos filosóficos são suscitados. Assim, a indagação acerca da experiência imediata do filósofo é referente ao espaço e à posição da qual a reflexão partiu para tornar-se o cerne das indagações de um filósofo. Com isso, o contexto de um texto filosófico não se dissocia da obra, tal qual apresentado por Chauí “em outras palavras, não penso em termos de texto e contexto como duas instâncias separadas, externas uma à outra e que o intérprete procura unificar.” (2017, p.16). No entanto, ao perscrutar o excerto de Marilena em relação às palavras do médico António Coutinho, algumas questões tornam-se sobressalentes a partir da argumentação de ambos: a filosofia possui “prazo de validade”? A filosofia não apresenta evolução e deve desaparecer?
Dando continuidade ao seu raciocínio, Marilena afirma que a grandiosidade, a originalidade e a potência de um filósofo podem estar contidas na possibilidade de relacionar sua ideia a um contexto vivenciado fora do tempo em que foi escrita. Essa proposição pode ser remetida ao caráter eterno da filosofia, o que fora defendido por Franklin Leopoldo e Silva (1995) ao pensar que a filosofia fala do que é eterno e, assim, eterniza a sua importância na sociedade, o que se afasta da afirmação contida no excerto de Coutinho, na qual o médico afirma que a filosofia será superada e defende uma determinada hierarquia da ciência sobre a filosofia. 
Nesse sentido, convém sobrelevar o pensamento de Giannotti (1976) acerca da fonte inesgotável que a filosofia representa, pois os saberes não se tornam obsoletos pelo volume de seu uso, bem como, as indagações não se esgotam por já terem sido outrora exploradas, uma vez que, o filosofar é um exercício que a partir do consumo de um saber técnico anterior gera um novo produto, sendo assim, uma tarefa que não se esgota e não esvazia a sua importância ou validade. Logo, a construção de um discurso filosófico vale-se de bases que remetem aos grandes filósofos passados para geração de um novo discurso, de forma válida e técnica. (COMTE-SPONVILLE, 2002) 
Assim, ao retornar ao pensamento de Franklin Leopoldo relembra-se que as questões filosóficas dizem respeito à existência humana e são universalmente relevantes enquanto a condição humana persistir e existir. Dessa forma, a afirmação de Coutinho de que a filosofia está fadada ao desaparecimento possui controvérsias e não pode ser definida como verdade, percebendo-se sumariamente que sua lógica se distancia e se opõe ao que fora apresentado por Chauí. 
Sob a óptica do trecho apresentado por António Coutinho infere-se a defesa da ciência pautada nas contradições que geram progresso em detrimento da filosofia. No entanto, tal qual a ciência, a filosofia se movimenta por meio de ideias que podem se opor ou se complementar, sendo que a “não-verdade” não deve ser aceita no campo filosófico, como afirma Marilena Chauí “somente a não-verdade tem passado, pois a verdade é eterna” (2017, p.16), por isso na história da filosofia não existe passado. A mesma ideia de evolução por meio das contradições e hipóteses pode ser vista na filosofia hegeliana uma vez que para Hegel o movimento da história é o movimento dos espíritos, o que se dá em torno das contradições. Assim, os saberes produzidos pelos espíritos na história são agregados pelas novas contribuições dos atuais espíritos com base nos passos outrora dados, constituindo um progresso baseado no acúmulo e evolução dos saberes produzidos. (HEGEL [1816], 1973).
Nesse sentido, não tão distante encontra-se o pensamento de Kant no que tange ao esclarecimento, pois se evidencia uma caracterização do esclarecimento como um processo que também ocorre por meio das movimentações da sociedade que são possíveis pela movimentação e pelo progresso dos indivíduos que compõem um determinado tempo histórico. Logo, assume-se que o esclarecimento representa a saída da menoridade que por sua vez é caracterizada como o não uso de sua própria racionalidade. O esclarecimento é um processo lento, mas desejável na sociedade; nesse processo a geração posterior estará um passo à frente do que a geração anterior, evidenciando um movimento do homem na história em busca de seu próprio esclarecimento (KANT, 1783).
Além disso, concernente às movimentações da filosofia e do homem na história, é relevante explicitar o pensamento de Pascal acerca da inserção do indivíduo na história através do entendimento da contradição como intrínseca à existência do sujeito. (LEOPOLDO E SILVA, 1995) Portanto o avanço pelas contradições e a utilização de um acúmulo de saberes também é presente na filosofia e, ao contrário do que afirma Coutinho, a filosofia não tornar-se-á obsoleta pela sua forma e estrutura metódica, pois a produção filosófica não se estagna, mas se multiplica pela utilização de bases teóricas que culminam em um novo produto.
Ao realizar essa defesa da filosofia, relembra-se de Martha Nussbaum (2005) que já antecipa a defesa às humanidades e preconiza os ataques que essas sofreriam, à exemplo da filosofia. A autora explicita a importância das humanidades para o desenvolvimento crítico do homem e para que a democracia persista, mesmo que pareça sem valor prático a curto prazo. Em vista do seu caráter crítico e passível de destruir estratégias de controle social, torna-se conveniente preterir e reduzir o valor das humanidades para docilizar e anestesiar o sujeito. Logo, para grupos poderosos as humanidades não são relevantes, pois o seu esquecimento representaria a possibilidade de subjugar intelectualmente grande parte da população. Dessa forma, pode-se relembrar os dizeres do filósofo Karl Jaspers no que tange à importância da filosofia, mas ao mesmo tempo à sua desvalorização e até mesmo à sua colocação na sociedade como objeto de desprezo “muitos políticos veem facilitado seu nefasto trabalho pela ausência da filosofia. Massas e funcionários são mais fáceis de manipular quando não pensam, mas tão-somente usam de uma inteligência de rebanho.” (JASPERS, 1965, p. 115)
	Nesse sentido, Rousseau (1750) contradiz a superioridade da ciência da forma que fora defendida por Coutinho, pois acredita que esse progresso da ciência afasta o homem de suas virtudes, de sua moralidade e de sua essência primária. Assim Rousseau defende que os artifícios produzidos por esse tipo de discurso levantam barreiras entre o indivíduo e sua própria natureza, fazendo-o se corromper. Logo se percebe que a argumentação de Coutinho revela um possível desconhecimento acerca da filosofia ou uma incapacidade de apreciar os frutos filosóficos, assim como David Hume descreve que nem todos os homens teriam a delicadeza de gosto. A delicadeza de gosto representa para Hume um atributo que torna os homens sensíveis às experiências vivenciadas de tal forma que seus sentidos se tornam apurados para avaliar com maior sensibilidade e refinamento o que os cerca. Portanto pode-se questionar se o médico Coutinho e aqueles que não compreendem a relevância e a resistência da filosofia na sociedade desenvolveram a delicadeza de gosto, pois com a delicadeza de gosto porventura seus sentidos fossem capazes de distinguir o papel ímpar e imprescindível do filósofo no corpo social e não somente observarem-no como alguém que desperta fascínio e pavor ao mesmo tempo. Ao explorar e desenvolver a delicadeza de gosto, pode ser os sentidos do indivíduo se agucem para perceber o caráter que compõe a filosofia e a sua relevância.
Ainda em defesa à filosofia como colocada por Chauí, pode-se pensar no papel do filósofo como alguém que busca a verdade e, ao encontrá-la, deseja conduzir os demais à saída das trevas, como uma espécie de “saída da menoridade”. Assim convém resgatar a “Alegoria da Caverna” desenvolvida por Platão, que consiste em uma cavernaonde homens estão desde a infância acorrentados de modo que enxergam apenas sombras projetadas na parede pela luz de uma fogueira. Essas sombras são projetadas à medida em que homens do lado externo carregam objetos. Logo, tudo o que os prisioneiros conhecem e acreditam ser a verdade são as sombras desses objetos. No entanto se algum dos indivíduos se libertar e, após conhecer a luz do Sol, decidir libertar os demais com a verdade, este poderia ser desacreditado ou até mesmo morto. Nesse sentido o papel do filósofo não se distancia tanto do que seria realizado por esse sujeito que resolve levar a verdade para os demais mesmo quando o ato contraria a ordem vigente e hegemônica.
Por fim, retorna-se às questões iniciais para perceber que a filosofia ainda exerce e permanecerá exercendo um papel de relevância na sociedade além de evoluir no domínio da verdade, mesmo que sob constantes ameaças em virtude de seu caráter contra hegemônico e transgressor, pois vai contra as ideias hegemônicas que se perpetuam com o fito de afastar os indivíduos de um caminho de esclarecimento e domínio de sua própria razão. Logo, seus saberes não possuem prazo de validade, tal qual Franklin Leopoldo defende seu caráter eterno e Marilena afirma que os conhecimentos filosóficos se constroem e se produzem constantemente com base nos saberem antigos e já existentes dos grandes filósofos, por isso seu progresso contradiz a fala de Coutinho, aproximando-se de Marilena e de sua argumentação em prol da filosofia. 
BIBLIOGRAFIA
COMTE-SPONVILLE, A. Apresentação da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2002
DE SOUZA CHAUI, Marilena. Texto e contexto: a dupla lógica do discurso filosófico. Cadernos Espinosanos, 2017, no 37, p. 15-31.
GIANNOTTI, J.A. Por que Filósofo. Estudos Cebrap, nº 15, 1976.
HEGEL, Friedrich. Introdução à história da filosofia. Trad. Antonio Pinto de Carvalho. In: Os Pensadores
HUME, David. A arte de escrever ensaio e outros ensaios (morais, políticos e literários). São Paulo: Iluminuras, 2008.
JASPERS, Karl. Introdução ao Pensamento Filosófico. Ed. Cultrix, 1965.
KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: O que é esclarecimento? Rio de Janeiro: Via Verita, 2011.
LEOPOLDO E SILVA. Franklin. Função social do Filósofo. In: ARANTES, Paulo Eduardo, et alii. A Filosofia e seu ensino. EDUC, 1993.
PLATÃO. A República. 7. ed. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre as ciências e as artes. Tradução Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p.165-214. (Coleção Os Pensadores – Rousseau, vol. II).

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