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1 Modelo Moradia Primeiro (Housing First) para a População em Situação de Rua Estruturação de projetos Moradia Primeiro (Housing First) 3 2 Fundação Escola Nacional de Administração Pública Conteudista: Tomás Melo (Conteudista, 2021); Eliane Betiato (Conteudista, 2021); Vanessa Lima (Conteudista, 2021); Luis Ferro (Conteudista, 2021); Danilo Pena (Conteudista, 2021); João Bleim (Conteudista, 2021); Natália Leister (Conteudista, 2021); Leonildo Monteiro (Conteudista, 2021); Carlos Humberto (Conteudista, 2021); Estevam Cerqueira (Conteudista, 2021); Rafaella Riesemberg (Conteudista, 2021); Diretoria de Desenvolvimento Profissional. Desenvolvimento do curso realizado no âmbito do acordo de Cooperação Técnica FUB / CDT / Laboratório Latitude, Laboratório CEPED/UFSC e Enap. Curso produzido em Brasília, 2021 Enap Escola Nacional de Administração Pública Enap, 2021 Diretoria de Educação Continuada SAIS - Área 2-A -70610-900 - Brasília, DF 3 Sumário Unidade 1 – Diagnóstico da situação de rua no território ....................................................5 1.1. Diferenças nas formas de atendimento ..................................................................................................... 7 1.2. Princípios para implementação local ........................................................................................................... 7 Princípios para a implementação local a partir do poder público – Estratégias .................................... 8 Princípios para a implementação local a partir do setor privado - Estratégias...................................... 9 1.3 Estudo de viabilidade econômica ................................................................................................................10 Referências .................................................................................................................................................................12 Unidade 2 – Perfil profissional das equipes e formação para o atendimento ............... 13 Princípios orientadores da equipe técnica:.......................................................................................................13 Índices técnicos sugeridos: ....................................................................................................................................13 2.1. Estrutura e perfis profissionais das equipes de acompanhamento .................................................14 Referências .................................................................................................................................................................16 Unidade 3 – Provisão de moradias para o Moradia Primeiro (Housing First) ................ 17 3.1. Estruturação dos imóveis: mobília mínima ..............................................................................................19 3.2. Contrato de aluguéis e serviços ..................................................................................................................20 3.3. Contrato de adesão e regras de permanência .......................................................................................20 Referências .................................................................................................................................................................23 4 Estruturação de projetos Moradia Primeiro (Housing First) MÓ D U LO 3 Ao final do módulo 3, você será capaz de identificar as estratégias de implementação do modelo Moradia Primeiro (Housing First) em relação à rede constituída no território; reconhecer as possibilidades de formação de equipes técnicas para suporte e acompanhamento; e descrever a organização da infraestrutura das moradias ofertadas. O módulo 3 está estruturado da seguinte forma: • Unidade 1 – Diagnóstico da situação de rua no território • 1.1. Diferenças nas formas de atendimento • 1.2. Princípios para implementação local • 1.3. Estudo de viabilidade econômica • Unidade 2 – Perfil profissional das equipes e formação para o atendimento • 2.1. Estrutura e perfis profissionais das equipes de acompanhamento • Unidade 3 – Provisão de moradias para o Moradia Primeiro (Housing First) • 3.1. Estruturação dos imóveis: mobília mínima • 3.2. Contrato de aluguéis e serviços • 3.3. Contrato de adesão e regras de permanência 5 Objetivo de aprendizagem Unidade 1 – Diagnóstico da situação de rua no território Ao final desta unidade, você será capaz de identificar as estratégias de implementação do modelo Moradia Primeiro (Housing First) em relação à rede constituída no território. O diagnóstico territorial da população em situação de rua deve visar a melhoria da qualidade de vida dos atendidos. Entram nessa dinâmica, além das redes de proteção social, os serviços especializados disponíveis em cada local, os serviços de políticas públicas setoriais, destinados à saúde integral da população, integrado a outras políticas públicas, sistema de defesa e garantia de direitos, movimentos sociais e outros interlocutores coletivos, tendo em vista que essas articulações contribuem para fortalecimento da cidadania, autonomia e protagonismo da PSR. Diagnóstico. Fonte: Canva Pró Afinal, o que devemos saber ou que tipo de informações devemos buscar para organizar a intervenção no modelo Moradia Primeiro (Housing First) de forma qualificada e em diálogo com as políticas públicas existentes no território? Uma das informações essenciais que podemos ter em nossos municípios é o número total de pessoas em situação de rua. Infelizmente, essa informação está disponível em poucas cidades brasileiras. Sem dúvida, trata-se de um esforço importantíssimo que nos auxiliará a produzir estratégias qualificadas, pois nos permitirá ter dimensão global do segmento, bem como sua diversidade de perfil e ocupação das ruas. A partir dessa informação, podemos organizar a razão entre o número de vagas em serviços em relação ao número de pessoas que não aderem ou não conseguem vagas. Sem dúvida, a melhor forma de buscar esse dado é por meio de uma pesquisa em profundidade, contudo, algo que também pode ser feito é relacionar os dados das unidades de acolhimento e a demanda reprimida nos encaminhamentos do serviço de abordagem social. Esse cálculo nos oferecerá, por exemplo, um número aproximado de pessoas não atendidas (ou que não aderem aos serviços) em relação ao número de vagas. Outro nível de informação importante é a taxa de superação da situação de rua nos serviços de acolhimento. Infelizmente, nosso atual modelo não encoraja a verificação dessa informação. Podemos dizer com toda certeza que esse dado existe, mas não é contabilizado na maioria dos serviços. É fundamental que passemos a contabilizar esses casos. É de suma importância saber quantas pessoas passam pelos serviços e conseguem atingir encaminhamentos efetivos a ponto de produzir superação da situação de rua. Vamos chamar esse índice de “taxa de superação”. 6 Vamos pensar um cenário no que diz respeito ao direcionamento dos casos atendidos, observe a imagem abaixo. Trata-se de um banheiro, aparentemente inundado. Façamos a seguinte analogia: o banheiro é o nosso município. A água é a população em situação de rua e o chão representa os espaços públicos da cidade, cheios de gente em situação de rua. Imagine que a banheira também está cheia de água e transbordando. A banheira representa nossas unidades de acolhimento e demais serviços de atendimento. Ainda temos um terceiro problema: a torneira da pia e o chuveiro da banheira estão ligados e vertendo água para todos os lados do banheiro, fazendo a banheira continuar a transbordar e inundar cada vez mais o chão. A água corrente representa o fato de que continuamente há pessoas recém-chegadas à situação de rua. Banheira vazando. Fonte: br.freepik Como resolvemos esse problema? Sem dúvida, precisamosfechar a torneira, ou seja, criar circunstâncias preventivas que nos permitam diminuir o intenso fluxo de pessoas em situação de rua recém-chegadas. No entanto, acabar com esse fluxo não resolverá o problema da inundação. Como faremos isso? Precisamos esvaziar a banheira! Criar circunstâncias de que os serviços emergenciais não estejam lotados o tempo todo com pessoas sem alternativas permanentes e que as permita superar a situação de rua. Igualmente, precisamos também secar o chão do banheiro, a saber, oferecer alternativas para aquelas pessoas que estão nas ruas propriamente, sem utilizar os serviços, seja porque não aderem a eles por inúmeros motivos, seja porque os serviços existentes estão lotados e com intensa demanda. Essa analogia nos auxilia a tratar de três diretivas fundamentais: 1 É necessário prevenir a situação de rua para as pessoas que ainda não chegaram nela; 2 É necessário oferecer alternativas de moradia permanente de modo que as Unidades de Acolhimento sejam serviços emergenciais; 3 É preciso oferecer serviços para as pessoas que estão nas ruas sem nenhuma alternativa adequada às suas necessidades. 7 1.1. Diferenças nas formas de atendimento O modelo Housing First chileno tem buscado realizar uma política de Estado. O atendimento realizado compõe a construção de uma política social e de Estado integral, coerente com essa demanda (LOURENÇO, 2015). As características gerais do atendimento Housing First no Chile são desenvolvidas a partir da incorporação das equipes em um protocolo de apoio permanente, direto, estratégico e operacional, visando a multicausalidade da situação de rua. Critérios importantes para a adesão ao Moradia Primeiro. Fonte: Autoria Vanessa Lima O objetivo dessa identificação é garantir que o modelo Moradia Primeiro (Housing First) esteja disponível para as pessoas que estão em situação de rua em todo o território, otimizando a capacidade esperada para fazer alocações de habitação aos atendidos. A abordagem é regional e as metas estão inter-relacionadas com uma abordagem integrada e personalizada. 1.2. Princípios para implementação local Casal acessando a moradia após mais de 6 anos em situação de rua - Projeto Moradia Primeiro Curitiba, 2019. Fonte: Arquivo INRua. A implementação local do modelo supõe reordenamento dos serviços e reorientação dos gastos públicos com programas de atendimento à população em situação de rua. Seu pilar é o direito à moradia, sobre o qual pode ser gerado um processo de acompanhamento personalizado para a integração social e condições de vida digna aos participantes. 8 A seguir veremos algumas alternativas possíveis e que podem ser combinadas entre si de acordo com os planos locais para implementação do Programa. Princípios para a implementação local a partir do poder público – Estratégias • Conversão das infraestruturas: transformação de alojamentos de emergência e moradias coletivas em apartamentos individuais ou moradias compartilhadas, reconfigurando o uso dos recursos das entidades públicas que disponham de grandes espaços coletivos subutilizados, transformando-os em pequenas moradias independentes com espaços coletivos (como a lavanderia, por exemplo). Embora exista uma preferência por moradias dispersas, a conversão de estruturas já existentes potencializa a promoção de grandes conjuntos habitacionais para fins sociais. • Concessão de terrenos públicos: concessão de terrenos públicos para entidades sem fins lucrativos que possam utilizar esses locais para a construção de equipamentos convertidos em moradias, com fins sociais. • Oferta de moradias comercializadas pelas construtoras para fins sociais, revertidas em benefícios fiscais: levando em consideração que o mais adequado à filosofia do Housing First é a presença de moradias dispersas por toda a cidade, pode-se prever que as grandes construtoras reservem uma porcentagem das suas unidades habitacionais para uso social, o que promoveria uma ampla rede de moradias, distribuídas para a utilização no programa. • Auxílio governamental para a compra de moradias destinadas ao projeto por entidades sociais: entidades podem ser subsidiadas pelo poder público para adquirir moradias colocando- as à disposição dos mais vulneráveis. • Deduções fiscais que sejam direcionadas à redução no valor dos aluguéis: possibilidade de acordos com proprietários que estejam ligados ao projeto para que tenham benefícios fiscais, oriundos da vinculação social dada aos imóveis locados para o Housing First. • Bonificação tributária do Estado para empresas que financiam moradias sociais: subsidiar empresas comprometidas com o projeto para que não concorram em desvantagem com imobiliárias que não possuem a mesma vinculação social, facilitando a oferta de um número maior de imóveis por parte de imobiliárias interessadas em direcionar seu portfólio para programas Housing First. • Fomento e incentivo de cooperativas sociais: cooperativas sociais e habitacionais podem ser envolvidas na dinâmica do projeto, desenvolvendo atividades de geração de renda, produzindo materiais de construção para a venda, bem como serviços e artefatos. Essas associações comunitárias e entidades de bairro contribuem no fomento à produção social da moradia, alavancando o processo de construção de forma autogestionária. 9 A seguir veremos algumas alternativas possíveis e que podem ser combinadas entre si de acordo com os planos locais para implementação do Programa pelo setor privado ou de modo combinado. Princípios para a implementação local a partir do setor privado - Estratégias • Incentivos fiscais a entidades privadas, somando forças na relação com o setor público e privado: ampliação de subsídios e possibilidades de benefícios fiscais a fim de que as entidades sem fins lucrativos somem forças no processo de garantir acesso à moradia para fins sociais. • Promoção de aluguel acessível: intermediar com proprietários condições favoráveis para locação a partir de um diálogo que explicite o caráter social do projeto, buscando valores abaixo dos praticados no mercado. Articular uma série de imóveis adequados ao uso esperado pelo Moradia Primeiro (Housing First) em uma espécie de “imobiliária social” localizando uma rede de proprietários dispostos a esse intento. Para tal, é possível que o próprio projeto invista em pequenas reformas ou reparos que tais imóveis necessitem. • Associação das moradias (housing association): pode-se erigir uma entidade promotora das moradias, responsável pela gestão do conjunto dos imóveis destinados ao projeto (sejam eles públicos ou privados), capaz de captar uma gama de colaboradores ligados à responsabilidade social intrínseca ao Moradia Primeiro (Housing First) e promover, por meio de projetos com financiadores diversos, aportes de recursos para investimentos destinados à habitação social. • Alugar moradias de uma única instituição: com a intenção de reduzir o número de fornecedores e garantir amplo acesso do programa a projetos habitacionais interessados de forma focal. Para isso, bancos, construtoras e imobiliárias podem oferecer preço inferior diante do aumento da procura, à medida em que novas entidades sociais sem fins lucrativos demonstrem interesse de negociar lotes inteiros destinados ao Moradia Primeiro (Housing First). • Contratos de aluguel social: apoio a entidades sem fins lucrativos que possam assumir o planejamento econômico e pagamento dos aluguéis destinados a pessoas em situação de vulnerabilidade, garantindo a intermediação comercial em vista de uma saudável integração dos interesses dos locatários, bem como dos moradores. Essa mediação contratual evita a discriminação dos participantes que, devido a contingência em que se encontram, não teriam respaldo documental e avalista para conduzir tal operação. • Utilização de moradias que necessitam de reformas ou que estão em situação de risco: bancos e imobiliárias verificamas moradias sob sua gestão e que necessitam de reformas (e por isso não estão em condição de locação ao mercado formal), bem como imóveis que podem gerar ocupações irregulares, cedendo sob forma de comodato, para que o projeto organize mutirões de reparo, colocando-os à utilização no projeto. • Aluguel em troca de oportunidades de emprego: utilizar as estruturas de gestão e recursos humanos próprias das empresas ligadas ao setor imobiliário, acolhendo em seus quadros a mão de obra dos beneficiados pelo projeto para que assumam funções como porteiro, serviços gerais e manutenção. Em troca há um abatimento no valor dos aluguéis ou cessão de uso. • Colaboração para gestão do patrimônio de grandes instituições: fundações com grande número de imóveis e que não possuem pessoal destinado para a gestão adequada do patrimônio (como Igrejas, congregações, associações centenárias, rede de lojas, etc.), tomam o serviço do projeto em sua dinâmica de “imobiliária social”, cuja porcentagem acordada desses recursos é direcionada à manutenção do projeto. 10 1.3 Estudo de viabilidade econômica Como se sabe, o modelo Housing First é reconhecido internacionalmente como mais eficaz do ponto de vista "econômico", no entanto precisamos dar um passo a mais com esta informação, rumo a produzir um cenário mais coerente com relação aos gastos e custos reais para implementação do programa. É certo dizer que os valores de aluguel variam dramaticamente a depender da cidade. Em cada uma delas, os valores também flutuam de acordo com a região do imóvel, bem como suas condições, instalações e tamanho. Ou seja, é virtualmente impossível definir um valor médio de custos que se repita em cada cidade, de forma não contextual e específica. Da mesma forma, os custos de vida também variam enormemente de cidade a cidade, bem como os custos do fornecimento de água e energia elétrica. Assim, um primeiro passo importante para projetar o programa é avaliar de forma básica um valor médio de instalação e manutenção das moradias, considerando certa dispersão espacial dos imóveis, bem como presumir algumas regiões da cidade em que as pessoas poderiam ter predileção. Por exemplo, sabemos que boa parte da população em situação de rua em Curitiba ocupa a região matriz (central) da cidade e prefere buscar moradia nessa região. É necessário também estimar um custo médio de consumo de água, energia e gás de cozinha por pessoa. A manutenção de uma moradia sempre conta com certo nível de imprevistos: há vazamentos de água, infiltrações, lâmpadas queimam, eletrodomésticos estragam, enfim, é importante sempre considerar uma taxa de reserva para manutenção e reparos ocasionais. Geralmente, os maiores custos associados à instalação de novas unidades para o programa Moradia Primeiro (Housing First) se dão no primeiro mês. Seja em casos de programas que contam com recurso para compra de mobília nova ou mesmo em casos em que há doação de mobília e enxoval para instalação de um novo morador ou moradora, existem custos com a mudança, transporte ou com a compra da mobília. Esses custos precisam ser presumidos e organizados em cronograma de aplicação, pois o custo inicial é sempre maior e não representará o custo real per capita da manutenção nos meses seguintes. Outro aspecto imprescindível é o custo com a contratação da equipe de trabalho. O tamanho da equipe dependerá da quantidade de pessoas atendidas, bem como da escolha do perfil profissional da equipe. Sugerimos que se visualize uma equipe mínima para o atendimento de no máximo 20 pessoas. Partir dessa formulação ajudará a pensar uma circunstância de contratação e gastos associados à manutenção da moradia, por exemplo, para 20 pessoas. Isso significa dizer que este valor pode ser multiplicado a partir desta razão, ou mesmo diminuído para adaptação de projetos piloto menores, que atendam menos pessoas. Estudos onde o Housing First já está em funcionamento mostram que, em média, 40% do custo da intervenção com esse modelo são recuperados nos anos seguintes pela economia de gastos que os governos têm com emergências médicas e internações. No ano de 2020, o Governo Federal sugeriu um projeto baseado na experiência do INRua para produção de projetos financiados por emendas parlamentares. Nessa formulação, chegou-se à cifra de R$ 600.000,00 para atendimento de 15 pessoas, pelo período de dois anos. Esse arranjo permite depreender um custo de quase R$ 1.700,00 per capita/mês. 11 Junto do custo da equipe, é importante também prever os custos de manutenção dos serviços de suporte da equipe. Este aspecto também pode depender de acordo com a conjuntura local. Em um cenário ideal, a equipe poderia contar com automóveis do próprio projeto e com motoristas disponíveis exclusivamente para as visitas e demais trânsitos necessários à equipe. Contudo, também pode-se prever a utilização de carros individuais para os membros da equipe responsáveis pelas visitas, ou mesmo a utilização de carros próprios dos componentes com auxílio de combustível. Enfim, é necessário pensar arranjos que garantam a capacidade de deslocamento da equipe e geralmente isso também precisa ser computado como parte dos custos operacionais. Outro custo associado trata também de eventuais repasses aos indivíduos atendidos, por exemplo, transporte para utilização de serviços diversos ou mesmo com suporte para alimentação nos casos em que as pessoas não tenham recursos para manutenção da vida cotidiana. Eventualmente pode ser necessário, por exemplo, compra de materiais de limpeza e higiene. De forma sintética, podemos concluir que os programas de Moradia Primeiro (Housing First) devem considerar os seguintes custos: • Aluguel; • Custos com mudança e instalação de mobília mínima; • Serviços de fornecimento de água, luz e gás; • Taxa de reserva para manutenção eventual das unidades; • Custos com equipe técnica; • Custos operacionais para visita; • Custos eventuais com auxílio dos moradores (transporte, alimentação, produtos de limpeza, dentre eles, algo bastante importante para a relação do atendido com o programa: aparelho celular para contato com a equipe, marcação de visitas e emergências). É importante lembrar que cada contexto favorece a possibilidades distintas. Precisamos ter em mente uma circunstância mínima em termos de condições de execução e sermos criativos em adaptá-las para obter os melhores resultados, visando a oferta do melhor serviço possível. Pensar projetos Housing First também significa estruturar sua manutenção ao longo do tempo. Afinal, trata-se de uma promessa de moradia permanente, portanto devemos ser responsáveis com o planejamento de nossos custos, de modo que possamos garantir a oferta de moradia, com qualidade e segurança, pelo tempo que for necessário. 12 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. BRASIL. Decreto n. 7.053, de 23 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 24 dez. 2009a. BRASIL. Plano Nacional de Habitação. Brasília: Ministério das Cidades/ Secretaria Nacional de Habitação, dez. 2009b. Disponível em: https://urbanismo.mppr.mp.br/arquivos/File/ Habitacao/Material_de_Apoio/PLANONACIONALDEHABITAO.pdf. Acesso em: 21 jun. 2021. GONÇALVES, G. C. ; AFFONSO, L. M. F. ; TEIXEIRA, V. R. ; AYDOS, M. R. ; PRIANTI NETO, R. B. . Elaboração e Implementação de Políticas Públicas. 1. ed. Porto alegre: Sagah, 2017. v. 1. 324p. LAMEIRAS, Andreia Carvalho. Diagnóstico Social. 2015. Disponível em: https://servicosocial. pt/diagnostico-social/. Acesso em: 20 jun. 2021. LOURENÇO, João Marcolino Pimentel. A Relação Locatícia no Arrendamento Urbano para Habitação, Lisboa,2015. Disponível em: https://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/1866/1/ Disserta%C3%A7%C3%A3o%20de%20Mestrado_v2.pdf. Acesso em: 20 jun. 2021. OFICINA NACIONAL DE CALLE; SUBSECRETARIA DE SERVICIOS SOCIALES; MINISTERIO DE DESARROLLO SOCIAL Y FAMILIA. Visión internacional de situación de calle: Gestión de la Vivienda. 27 slides. 2021?. tradução nossa. Acesso em: 19.04.2021). Referências https://urbanismo.mppr.mp.br/arquivos/File/Habitacao/Material_de_Apoio/PLANONACIONALDEHABITAO.pdf https://urbanismo.mppr.mp.br/arquivos/File/Habitacao/Material_de_Apoio/PLANONACIONALDEHABITAO.pdf https://servicosocial.pt/diagnostico-social/ https://servicosocial.pt/diagnostico-social/ https://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/1866/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20de%20Mestrado_v2.pdf https://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/1866/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20de%20Mestrado_v2.pdf 13 Objetivo de aprendizagem Unidade 2 – Perfil profissional das equipes e formação para o atendimento Ao final desta unidade, você será capaz de reconhecer as possibilidades de formação de equipes técnicas para suporte e acompanhamento. Para que o Moradia Primeiro (Housing First) se estabeleça há a necessidade de um grupo técnico responsável pela dinâmica direta com os moradores que serão aderidos ao projeto, com os proprietários dos imóveis e com a comunidade. Deve-se oferecer formação a esse grupo, para garantir a agilidade esperada nos trâmites e assim alcançar os objetivos esperados. Sabe-se, pela experiência em países como Canadá e Chile, que a alta fidelidade ao modelo Housing First se deve sobretudo à presença de uma equipe profissional compromissada com a filosofia e princípios do modelo, detentora de senso de justiça social, com técnicas eficientes, estruturalmente organizada e burocraticamente flexível. É importante uma equipe com sensibilidade e conhecimento das necessidades complexas encontradas nas situações de rua, capaz de articular estratégias de redução de danos, com capacidade para o trabalho em equipe, criativa e empenhada em encontrar soluções com o melhor de suas habilidades. Trata-se de um coletivo profissional capaz de responder rapidamente às necessidades dos participantes. Princípios orientadores da equipe técnica: Índices técnicos sugeridos: • Técnicos de administração de casos/suporte Housing First: 1x10 (trabalhar com a razão de pelo menos um técnico para cada dez pessoas atendidas); • Responsável administrativo: 1x100 (um responsável administrativo por cada cem moradias); • Responsável jurídico: 1x200 (um responsável jurídico por cada duzentas moradias). Princípios orientadores da equipe técnica do Moradia Primeiro. Fonte: Autoria Vanessa Lima. 14 2.1. Estrutura e perfis profissionais das equipes de acompanhamento Vamos ver a seguir alguns conhecimentos que podem ser particularmente úteis como ferramentas. Estes apontamentos foram produzidos a partir da experiência prática do INRua em direto diálogo com os materiais produzidos pelo programa chileno, em uma parceria entre a organização Hogar Sí e o Ministerio de Desarrollo Social y Família em 2020. • A produção dos programas necessita que as equipes estejam afinadas no que diz respeito à metodologia de gestão de casos. É particularmente interessante que as equipes estejam organizadas com relação a quem devem recorrer para a gestão de problemas específicos, como organizar os materiais de acompanhamento e repassar informações aos supervisores/ coordenadores de equipe. • Desde seus primórdios a elaboração do modelo Housing First promove e se utiliza da estratégia de redução de danos. É importante perceber que o princípio de atender as pessoas em maior vulnerabilidade social, a posição contrária à triagem com base em capacidades e a oferta da moradia como espaço central do suporte como forma de buscar estabilidade e condições de cuidado é apenas o início do processo, a porta de entrada para os serviços que virão a seguir. • Outra aptidão bastante utilizada pelos membros de equipe é a capacidade e estratégia de mediação de conflitos. A relação com a vizinhança, com proprietários e com a própria equipe pode muitas vezes gerar situações problemáticas e desagradáveis. A capacidade de mediar conflitos, negociar distintos interesses, compreender aspectos inegociáveis entre as partes e buscar acordos e consensos de modo que as partes possam ceder ou ter suas vontades realizadas é fundamental no processo de estabelecimento do bem-estar dos envolvidos. Deve-se lembrar que não se trata de configurar equipes compostas apenas de especialistas, mas é importante considerar a utilização de metodologias que valorizam a autonomia, o cuidado humanizado e a participação em conjunto com os integrantes do projeto. Outro ponto em destaque é o estabelecimento de uma relação autêntica e sincera, com base na produção de vínculos de confiança e empatia. Competências da equipe técnica Moradia Primeiro. Fonte: Autoria Vanessa Lima. e 15 Ainda se tratando da experiência chilena, ficou constatado que a separação dos profissionais em equipes de apoio na gestão de permanência na moradia e em equipes socioeducativas elimina o esforço de adaptação do profissional em competências tão diversas entre si. Tal feito possibilita uma ação interdisciplinar entre a pessoa atendida e a equipe que acompanha demandas diferenciadas. Serviços maiores permitem a definição de equipes mais diversas, já que para cada profissional tem- se um número de participantes atendidos. Em equipes menores essa contratação tem que ocorrer pontualmente de acordo com a demanda de participantes, o que pode se tornar um problema, na medida em que esta gestão produz mais custos. Contudo, destaca-se que a abrangência destas especialidades e características necessárias e, por vezes, inacessíveis, podem ser buscadas também através de outras parcerias, tais como grupos de extensão e pesquisa universitária, organizações da sociedade civil e movimentos sociais com interesse em participar e colaborar com o programa. A experiência de atuação no Moradia Primeiro Curitiba tem demonstrado que a busca por parceiros externos dispostos a colaborar com o projeto é um recurso vantajoso que auxilia na resolução de demandas que, de outra maneira, seria quase impossível realizá-las. Idealmente, a disponibilidade da equipe de suporte para situações emergenciais deve ser contínua e permanente: 24h por dia, 7 dias por semana. Tal fato se deve, sobretudo, à possibilidade de emergências de distintas ordens, as quais a equipe de suporte e acompanhamento representará o principal apoio às pessoas atendidas. Esta é uma questão complexa, dada as legislações trabalhistas e o bem-estar do profissional. Por isso, é necessário uma clara negociação e definição de acordos, em relação à articulação com os profissionais. Tendo em vista essa prerrogativa da disponibilidade contínua da equipe, a parceria entre agentes públicos e organizações da sociedade civil é imensa, haja vista que tal disponibilidade é um recurso de difícil mobilização. Não por acaso, em muitos programas ao redor do mundo, a maioria das iniciativas são formuladas por iniciativas público-privada. 16 FABREGAS, Daniel. Documento de estratégias de locação. Euro Social. Nov. 2020. Disponível em: www.provivienda.org. Acesso em: 21 jun 2021. HOGAR SÍ; MINISTERIO DE DESARROLLO SOCIAL Y FAMÍLIA. Estructura, perfiles profesionales de los equipos de trato directo y estrategia de funcionamento. Programa para cohesión social en America latina. Chile, 2020. tradução nossa. Referências http://www.provivienda.org 17 Objetivo de aprendizagem Unidade 3 – Provisão de moradias para o Moradia Primeiro (Housing First) Ao final desta unidade, você será capaz de descrever a organização da infraestrutura das moradias ofertadas. O processo de captação de moradias é uma atividade fundamental para a plena execução de programas Housing First. No entanto, considerando que esta é uma abordagemrelativamente nova no país e se trata de algo que ainda é pouco familiar para a maioria das pessoas, a captação de moradias guarda muitos desafios. Nesta unidade vamos abordar algumas ideias úteis na condução das estratégias de captação de moradias e gestão de contratos. Confira a seguir o modelo utilizado pelo INRua: Importante ressaltar que no modelo Housing First os participantes do projeto têm voz ativa na tomada de decisão sobre a escolha do imóvel. Neste processo é fundamental que a pessoa tenha liberdade de expressar suas opiniões acerca do ambiente onde irá morar. Para que esses passos se desenvolvam, é necessário visualizar previamente o número de moradias disponíveis no território buscado, o preço médio do m² nas principais regiões habitacionais, a evolução do valor do aluguel em relação aos últimos períodos, conhecer a gestão das imobiliárias e o valor estimado referencial para a manutenção da moradia no programa e a estimativa de tempo para a captação de um imóvel Housing First. Esse estudo deve se dar por bairro/região, de acordo com a prioridade do morador, identificando as vias de acesso ligadas às moradias. Caminhos para encontrar as moradias: imprensa local, anúncios da internet em portais especializados, rede de colaboradores interessados, centros comunitários e andando porta a porta (visita in loco). Passo a passo para a captação das moradias (Moradia Primeiro). Fonte: Autoria Vanessa Lima. 18 É comum encontrar resistência por parte dos proprietários para que fechem o contrato com o projeto. Deve-se ressaltar que haverá, por parte da equipe técnica, o controle sobre o estado e conservação da moradia. Após as primeiras contratações celebradas pode ser uma estratégia interessante a formulação de material de divulgação sobre o programa com testemunhos de proprietários/locadores que aderiram ao programa, com relatos da experiência por parte deles. Os pagamentos são realizados nas datas acordadas, firmando o compromisso de realizar os trâmites para a locação em menor tempo possível. Também é relevante informar a intermediação da equipe em possíveis conflitos com a vizinhança, assessoramento jurídico e fiscal relativo ao processo da locação. Em alguns casos, a resistência dos proprietários pode ser atenuada também com o pagamento adiantado de alguns aluguéis (caução) – estratégia muito utilizada no Brasil – que apazigua um pouco os ânimos, desconfianças e riscos no processo de contratação de imóveis. Para uma resposta significativa, a implementação local deve basear-se nos seguintes aspectos: • Moradias individuais ou com poucas pessoas, respeitando a afinidade entre as pessoas; • Evitar barreiras arquitetônicas que dificultem a vida das pessoas; • Garantir a instalação de mobília mínima e adequada às necessidades; • Indicar locais que favoreçam a integração com a comunidade local e a vizinhança; • Evitar bairros com alta densidade de exclusão social e problemas que venham a dificultar a adaptação dos indivíduos ou fortalecer condutas problemáticas; • Optar por lugares de fácil acesso ao transporte público e demais aspectos de infraestrutura urbana de modo a garantir o direito à cidade; • Acesso a serviços de infraestrutura básica, culturais e sanitárias; • Evitar a concentração de pessoas filiadas ao programa em uma única instalação e produzir “guetos” reconhecidos por serem moradias de pessoas com trajetória de rua – em grandes locações pode-se restringir ao máximo de 10% ou 15% de unidades utilizadas no programa Housing First. 19 3.1. Estruturação dos imóveis: mobília mínima A entrega do imóvel deve acontecer mediante inclusão de todo o mobiliário para que as pessoas acompanhadas já tenham condição de viver, respeitando necessidades específicas de cada situação. Para isso, vale contar com uma “banca de móveis doados” que aciona possíveis doadores de itens como: cama, guarda-roupa, mesas, cadeiras, eletrodomésticos, roupas, etc., transportando e catalogando essas doações, para que sejam usadas ao longo dos acolhimentos de futuros moradores. As experiências internacionais frequentemente contam com um “Banco de Mobília”, ou seja, um espaço que armazena doações que podem compor enxovais para novas casas e todo tipo de mobília necessária. Em alguns casos, os novos moradores instalados têm a oportunidade de ir até estes locais e escolher eles mesmos a mobília que mais agrada e convém ao espaço de moradia. Deve-se buscar contratos de subvenção com instituições parceiras, contando com várias opções de financiamento e apoiadores. Quando a moradia já estiver mobiliada, a responsabilidade pela entrada, verificação das instalações e notificação em caso de alguma intercorrência com esse patrimônio é do técnico do projeto, ligado àquela casa e atendimento. Quanto aos equipamentos e eletrodomésticos das moradias, o projeto deve contar com uma lista básica, porém flexível de acordo com a demanda minimamente personalizada a cada participante que adere ao Housing First, lembrando especialmente das adaptações para pessoas com mobilidade reduzida. Veja abaixo uma sugestão de mobília mínima para instalação de moradias: • Fogão; • Geladeira; • Botijão de gás; • Armário de cozinha; • Mesa de jantar com cadeiras; • Jogo de pratos e talheres; • Conjunto de panelas; • Filtro de água; • Utensílios de cozinha variados: potes, tábuas, bacia, pano de prato; • Cama; • Sofá; • Armário de roupas; • Travesseiros; • Lençol; • Fronha; • Edredom ou cobertor; • Toalha de rosto; • Toalha de banho; • Vassoura, pano de chão, baldes. Importante ressaltar que nem sempre o projeto conta com orçamento para realizar esse tipo de compra (não no início da execução). Assim, as equipes garantem a arrecadação dos móveis necessários para atender às necessidades básicas do futuro morador também através de doação, incluindo atuação dos participantes em uma espécie de captação solidária, na comunidade. 20 3.2. Contrato de aluguéis e serviços 3.3. Contrato de adesão e regras de permanência O programa Moradia Primeiro (Housing First) exige medidas políticas estruturais, mas o ponto focal está na articulação dos aluguéis. Todas as rotas disponíveis para o acesso à habitação são tomadas, mas uma atenção especial precisa ser dada ao processo de elaboração do contrato, já que a pessoa jurídica, articuladora do Housing First (seja o governo ou a instituição que operacionaliza o processo) é quem responde na condição de locador. O contrato de aluguéis e serviços deve ser formatado visando também garantir a fidelidade aos princípios de Housing First, adaptando-o às necessidades locais. Para isso, é necessária uma equipe de suporte para olhar além das filosofias institucionais, apoiando os participantes a alcançar autêntica integração comunitária. A equipe técnica deve acompanhar fisicamente o inquilino para que, antes da assinatura do contrato, conheça o imóvel e concorde com a territorialidade, facilitando uma relação empática com a comunidade. Para o êxito nessa aproximação, o contrato deve basear-se na honestidade e na ampla garantia de direitos e execução de deveres de ambas as partes. Um elemento facilitador nesse processo é o de criar uma relação de engajamento com os proprietários. As intervenções positivas por parte dos proprietários devem ser valorizadas e reforçadas pela equipe técnica, reconhecendo o esforço e preocupação social envolvida na interposição. As datas comemorativas (aniversário, natal, ano novo) são oportunidades afáveis para agradecer a participação do proprietário, integrando-o sempre mais na filosofia do Housing First, levando a dialogar com os resultados sociotransformadores do projeto. Escutar de maneira ativa e qualificada também as necessidades e horizontes dos proprietários, para que ajudem a desenhar um serviço mais personalizado, em convergências que tragam a eles também a satisfação, dada a relevância do projeto e seu alcance global. Por isso é potencializador manter umcanal aberto, dialogal e operativo, inclusive para gerenciar as questões contratuais. Uma pergunta muito frequente a respeito do modelo Housing First é: sendo o programa tão aberto, não utilizando processos de triagem convencional, organizado para atendimento de casos complexos, atendendo pessoas com uso problemático de drogas e com transtornos mentais severos, potenciais causadores de problemas graves ou mesmo de abandono das moradias, quais são as regras de desligamento? Em que circunstâncias uma pessoa pode ou deve ser desligada do programa? Ou ainda, qual é o limite de tempo de permanência no programa? É necessário compreender que a lógica tradicional dos serviços de atendimento pressupõe que o apoio e o auxílio técnico de qualidade e eficaz é aquele que irá produzir no indivíduo as condições de ser plenamente autônomo do ponto de vista financeiro e da organização de suas vidas. Obviamente, esta é uma circunstância ideal que desejamos para todas as pessoas. Mas até onde esta é uma perspectiva realista? Em que termos este é um plano funcional para todas as pessoas? As situações reais impõem a necessidade de refletirmos sobre esta projeção ideal de autonomização e levar a sério o fato de que esta não é uma realidade possível para um grande número de pessoas. Políticas estruturais. Fonte: Canva Pró 21 As pessoas em situação de rua estão acostumadas a buscar serviços de atendimento e quanto antes serem noticiadas sobre o tempo que tem para utilizá-los, por exemplo, em determinada unidade de acolhimento o tempo máximo de permanência é de 90 dias, após este período, a pessoa é desligada e precisa ficar algum tempo sem ser atendida, até que este prazo se renove e ela tenha nova chance de utilizar o serviço. O processo repetitivo de renovação de prazos é absolutamente frustrante. Nas entrelinhas, estabelece um prazo imaginado como suficiente para que as pessoas consigam se organizar e elas repetem este fluxo por anos a fio sem consegui-lo. Em alguma medida, é como se este fracasso fosse culpa delas mesmas, que não conseguem utilizar o tempo concedido para resolver suas vidas. Este é um dos motivos para grande parte das pessoas em situação de rua não aderirem aos serviços, pois sabem que não poderão contar com eles em longo prazo e que brevemente terão que se readequar às ruas. Em programas Housing First, é importante não trabalhar com essa lógica. A informação de que o programa é permanente e que as pessoas poderão contar com aquele bem (a moradia e o suporte) por tempo indeterminado tem um efeito psicológico de segurança imediato. É como se a pessoa pudesse relaxar e respirar aliviada. Sair da “frequência da rua” (MELO, 2017), ou seja, de uma lógica da emergência, risco, imprevisibilidade e imediatismo que produz um corpo hostil e tenso, para então se sentir seguro e poder organizar planos e projetos de curto, médio e longo prazo. Por sua vez, as regras de permanência podem variar pontualmente em programas de Housing First, mas é imprescindível fazer com que elas sejam objetivas, simples e em menor número possível. Vamos agora observar as regras de permanência do Projeto Moradia Primeiro Curitiba e entender suas razões: • Permitir que os representantes do INRua participem do processo de acompanhamento ao participante em uma base diária ou semanal (de acordo com a avaliação do caso, dos acordos com o atendido, considerando que as visitas são agendadas) ao longo de todo período de atendimento; Não há Housing First sem acompanhamento e suporte, parte imprescindível do trabalho. A pessoa que assina o termo de acordo e adesão ao programa deve estar ciente de que será acompanhada e visitada pela equipe. Na maioria dos casos, a relação de suporte é muito bem-vinda, mas este termo garante o conhecimento do indivíduo sobre esta condicionalidade. Por vezes, pode acontecer desentendimentos que fazem com que a pessoa atendida não queira receber visitas e crie subterfúgios para evitá-la. Através do contrato de adesão, a permanência no projeto é condicionada ao suporte com a anuência do atendido. • Se compromete a designar 30% de sua renda (quando existente) para custeio dos gastos mensais de domicílio. Na maioria dos casos, as pessoas aderem ao programa sem ter qualquer tipo de rendimento. No entanto, o processo de trabalho auxilia as pessoas em sua organização de tarefas e aspectos financeiros, de modo que possam estar inseridas em alguma atividade remunerada para provisão de seu sustento. Por vez que se alcance esta conquista e a pessoa passa a ter alguma renda, ela está comprometida em repassar para administração do programa 30% daquilo que ganha para o custeio do projeto. 22 • O participante concorda em ser um bom vizinho, cuidar e manter sua casa, respeitar os vizinhos e a comunidade do entorno, limitando as perturbações causadas por visitantes, bem como barulhos e outros comportamentos perturbadores da ordem, privacidade e bem-estar dos demais. Em um primeiro momento, o serviço de Housing First é curioso para os próprios participantes. É comum que nos primeiros dias ou até meses as pessoas não se sintam plenamente “em casa” e demorem um pouco para entender o funcionamento do programa ou mesmo acreditar que aquilo é verdadeiro. Surgem dúvidas sobre a permissão de receber visitas, tais como vizinhos, familiares e amigos. Se é possível oferecer um jantar ou fazer uma festa, dentre outras coisas. A ideia com o programa é que as pessoas possam ter uma vida como qualquer outro domiciliado e, da mesma forma, tenham também que cumprir e respeitar normas locais de convívio de modo a não incomodar a vida dos demais. • Ser o único inquilino vivendo no apartamento, conforme contrato de locação, sem nenhuma outra pessoa vivendo no mesmo imóvel, a não ser quando os participantes forem um casal ou tiver filhos/as. A regra de ser o único inquilino trata-se na verdade de uma tentativa de oferecer segurança para os próprios moradores. Afinal, as pessoas em situação de rua frequentemente produzem redes de amigos, conhecidos, colaboradores enquanto estão em situação de rua. Na medida em que conseguem uma vaga no programa e atingem um determinado nível de bem-estar – algo desejado pela maioria das pessoas – pode haver uma tendência de querer auxiliar os companheiros e companheiras de rua ou até mesmo de se sentir coagido a receber mais pessoas para coabitação. Se por um lado tal circunstância pode ser motivada até mesmo por um sentimento nobre de “ajudar ao próximo”, é também uma situação que pode atrapalhar o processo individual, na medida em que pode reproduzir o padrão de ocupação nas ruas, converter a moradia em espaço de uso coletivo de substâncias, tornando a moradia um espaço compartilhado, superlotado e precário. O que não é nosso objetivo. A primeira e mais fundamental tarefa que devemos realizar é, antes do processo mesmo de entrada no imóvel, fazer um estudo detalhado e paciente do termo de acordo que será celebrado entre as partes. Deve-se guardar toda cautela possível para que a pessoa atendida conheça exatamente todos os termos do contrato assinado e que esses termos sejam explicados à exaustão de modo que se garanta seu entendimento. Por vez que compreendido, o termo deve ser assinado entre as partes e é fundamental que a pessoa atendida tenha uma cópia desse documento, de modo que possa consultá-lo livremente, quando bem entender. Mas o que faremos quando as pessoas incorrerem na quebra de algum dos termos acordados? Se uma pessoa começa a produzir evitação das visitas, convida um colega para coabitar de forma escondida, perturba a paz da vizinhança e engaja em condutas antissociais? As equipes de programas Housing First devem ter o compromisso de resolver esses conflitos e infrações através de negociação e acordos, tendo em mente realizar o máximo de esforços possíveis para que a pessoa não seja desligada do programa. O desligamento do programa deve ser a última alternativa, depois de esgotadastodas as negociações. Deve ser uma situação evitada ao máximo e que, quando inevitável, deve ser absolutamente excepcional. Sobretudo, devemos ter cuidado redobrado com o risco de utilizar as regras como forma de coação, constrangimento ou ameaça sobre a perda do direito a morar. 23 MELO, Tomás Henrique de Azevedo Gomes. Política dos “improváveis”: Percursos de engajamento militante no Movimento Nacional da População de Rua (MNPR). Tese de Doutoramento apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense, 2017. Referências 24 Unidade 1 – Diagnóstico da situação de rua no território 1.1. Diferenças nas formas de atendimento 1.2. Princípios para implementação local Princípios para a implementação local a partir do poder público – Estratégias Princípios para a implementação local a partir do setor privado - Estratégias 1.3 Estudo de viabilidade econômica Referências Unidade 2 – Perfil profissional das equipes e formação para o atendimento Princípios orientadores da equipe técnica: Índices técnicos sugeridos: 2.1. Estrutura e perfis profissionais das equipes de acompanhamento Referências Unidade 3 – Provisão de moradias para o Moradia Primeiro (Housing First) 3.1. Estruturação dos imóveis: mobília mínima 3.2. Contrato de aluguéis e serviços 3.3. Contrato de adesão e regras de permanência Referências
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