Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ INSTITUTO DE ESTUDO DO TRÓPICO ÚMIDO FACULDADE DE HISTÓRIA – FHT GIOVANA DE MELO DANTAS SILVA FICHAMENTO Xinguara-PA Agosto de 2022 UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ INSTITUTO DE ESTUDO DO TRÓPICO ÚMIDO FACULDADE DE HISTÓRIA – FHT GIOVANA DE MELO DANTAS SILVA Trabalho apresentado em cumprimento às exigências da disciplina Teoria da História III Faculdade de História – do Instituto de Estudos do Trópico Úmido da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. Xinguara-PA Agosto de 2022 “O diálogo cada vez mais intenso entre a história e a antropologia tem resultado em novos pressupostos teóricos e conceituais para a análise de relações de contato entre povos cultural e etnicamente distintos. Alguns conceitos básicos, como cultura e etnicidade, vistos como produtos históricos que continuamente se constroem nas dinâmicas das complexas relações sociais entre grupos e indivíduos em contextos históricos definidos, permitem compreensões mais amplas e complexas sobre as relações interétnicas e sobre os processos históricos (Thompson, 1981; Mintz, 2010; Barth, 2000).” p. 151 “Excelentes exemplos sobre essas novas tendências encontram-se nos mais recentes estudos sobre as sociedades da América colonial e pós-colonial nas quais povos indígenas e africanos foram sendo inseridos, ao longo de quatro séculos, em condições de extrema violência e exploração. Se até meados do século passado, esses povos eram vistos pela historiografia basicamente como mão de obra e/ou vítimas de sistemas opressivos que anulavam suas possibilidades de ação, em nossos dias, essas abordagens já não se sustentam.” p. 151 “Ao se constituírem como disciplinas, no século XIX, história e antropologia pouco dialogavam, e seus métodos, suas teorias, suas fontes e seus temas pareciam nitidamente demarcados em campos específicos de investigação. De um lado, os historiadores dedicavam-se a pesquisas empíricas e diacrônicas baseados fundamentalmente em fontes escritas, por meio das quais visavam reconstruir, com considerável dose de veracidade, o passado de sociedades consideradas históricas; de outro, os antropólogos interessavam-se pelas culturas dos povos vistos como primitivos, tradicionais e a-históricos, analisados, grosso modo, de uma perspectiva sincrônica, a partir de pressupostos teóricos previamente definidos.” p. 152 “O principal ponto de encontro entre historiadores e antropólogos tem se dado basicamente no campo da história cultural e da cultura entendida em perspectiva histórica. Nesse campo, fronteiras antes nitidamente demarcadas tornam-se tênues ou até desaparecem em abordagens interdisciplinares que valorizam igualmente as mais variadas fontes (de ambas as disciplinas), extraindo delas novos dados por meio dos quais são repensados tanto sistemas culturais de diferentes épocas, quanto processos históricos.” p. 153 “como lembrou Davis (1981, p. 267), enquanto os historiadores tendiam a considerar hábitos e comportamentos superstição e irracionalidade, os antropólogos já buscavam e encontravam sentidos relacionados às culturas dos grupos por eles estudados. Segundo ela, trabalhos históricos sobre o medo e a perseguição à feitiçaria foram os primeiros a se beneficiar da observação etnográfica. Observar minuciosamente processos vivos de interação social, os modos de interpretar o comportamento simbólico e buscar compreender como as partes de um sistema social se combinam foram, segundo a autora, algumas das principais práticas antropológicas adotadas pelos historiadores.” p. 153 “Desde então, a história do cotidiano e a atuação dos homens comuns foram se tornando temas relevantes para os historiadores, visto que camponeses, mulheres, “fanáticos”, degredados, cativos e inúmeros outros atores, antes marginalizados nas interpretações históricas, tiveram suas ações valorizadas por intermédio de pesquisas voltadas para a identificação dos significados de seus comportamentos e mentalidades. Da mesma maneira, índios, africanos e seus descendentes, tradicionalmente vistos por historiadores como mão de obra e/ou vítimas passivas de sistemas opressores, e por antropólogos e/ou folcloristas como portadores de culturas tradicionais prestes a desaparecer, tornaram-se também agentes históricos, cujas ações foram ganhando novos significados. Sob o olhar histórico-antropológico, esses significados passaram a ser vistos como múltiplos, variáveis e sujeitos a contínuas alterações conforme os agentes, suas culturas, seus lugares sociais, seus tempos e seus espaços.” p. 154 “Cresce, entre os antropólogos, a tendência de considerar a historicidade das culturas, porém há diferentes formas de entendê-la. O contexto histórico e as mudanças culturais são às vezes valorizados como “estado”, desconsiderando, de certa maneira, a ideia fundamental de história como processo, tão bem explicitada por Marc Bloch (1965) quando afirma que ao historiador não interessa saber o que é, nem como era, mas como o que era passa a ser o que é, ou seja, como uma significação desliza para outra no complexo jogo das relações sociais. Afinal, embora dialoguem cada vez mais historiadores e antropólogos têm formações teóricas e metodológicas próprias e, na difícil tarefa de conjugá-las, enfrentam alguns desafios.” p. 155 “Como estabelecer relações entre estruturas sociais (e culturais) e processos históricos; ações autônomas dos homens na história e determinações estruturais; estruturas e evidências empíricas? Tais questões remetem ao problema epistemológico básico da relação entre teórico e empírico na apreensão do real. O estruturalismo é um elemento extremamente complicador na aproximação da antropologia com a história, visto que estabelece a primazia do teorismo a-histórico na apreensão da realidade social (Mckay, 1981-1982, p. 193).” p. 155 “O problema central do pensamento estruturalista é estar continuamente vacilando entre proclamar a complementariedade das análises históricas e estruturais, e afirmar sua oposição. Embora Lévi-Strauss tenha considerado o estruturalismo compatível com o materialismo histórico, porque simplesmente complementa a investigação “superestrutural”, é muito difícil estabelecer seu status epistemológico, ou seja, até que ponto, afinal, seriam as estruturas (tais como descobertas por Lévi-Strauss e tão valorizadas pelos estruturalistas) simples representações teóricas para serem revisadas de acordo com as evidências empíricas? (Mckay, 1981-1982)” p. 155 “A compreensão da cultura como produto histórico, dinâmico e flexível formado pela articulação contínua entre tradições e novas experiências dos homens que a vivenciam permite perceber a mudança cultural não apenas enquanto perda ou esvaziamento de uma cultura dita autêntica, mas em termos do seu dinamismo, mesmo em situações de intensa violência. Nesse sentido, o conceito de aculturação se altera e, em vez de se opor à resistência, passa a caminhar junto com ela.” p. 156 “Para o estudo de grupos subalternos, convém considerar, ainda, a tendência atual da história política de rejeitar a ideia de oposição rígida entre dominadores e dominados, incorporando as ideias de pacto, negociação e cultura política para a análise de suas relações sociais. Trata-se, na verdade, de uma leitura antropológica das relações de poder, no sentido de buscar significados distintos para acordos e estratégias comuns entre grupos cultural, social e etnicamente diversos. Valoriza-se cada vez mais os fatores subjetivos e culturais nas práticas políticas desenvolvidas pelos atores, por meio de análises interdisciplinares que permitem identificar culturas políticas de grupos subalternos construídas nas relações de conflitos eacordos com os demais agentes com os quais interagem.” p. 157 “Nessa perspectiva, povos indígenas e africanos na América, “aculturados” e “dominados”, não se anularam enquanto agentes históricos e políticos, antes se inseriram nas sociedades coloniais e pós-coloniais, misturaram-se com diversos grupos étnicos e sociais e incorporaram novas práticas culturais e políticas que souberam utilizar para amenizar perdas ou obter possíveis ganhos. Pesquisas em diferentes tempos e espaços na América revelam como índios, africanos e seus descendentes assumiram, grosso modo, as culturas políticas do Antigo Regime e dos novos estados nacionais latino-americanos.” p. 157 “É preciso pensar a história culturalmente e a cultura historicamente. Trata-se de uma arte, como afirma Trigger (1982), pois implica integrá-las em um só movimento de análise por meio do qual o historiador procura ler as fontes com um olhar antropológico, buscando os significados das ações dos agentes a partir de suas próprias culturas; e o antropólogo procura compreender as culturas dos povos com um olhar histórico, entendendo-as como resultado de trajetórias e experiências vivenciadas por esses povos ao longo do tempo.” p. 158 “Dessa maneira, as abordagens interdisciplinares atuais de historiadores e antropólogos têm caminhado no sentido de cruzar e articular informações e interpretações produzidas pelas duas disciplinas, analisando-as sempre em um contexto histórico e valorizando a ação e compreensão que os próprios povos ou indivíduos estudados têm sobre suas ações, trajetórias e relações. Para isso, lançam mão dos mais diversos tipos de fontes, questionando- -as e problematizando-as a partir de pressupostos teóricos e conceituais renovados por sua crescente interlocução.” p. 158 “Deve-se lembrar, sobretudo, que as culturas, as etnicidades e os significados das ações humanas e dos objetos são dinâmicos, de modo que projeções de elementos ou situações sociais, históricas ou etno-culturais em tempos diversos devem levar em conta os processos de mudança.” “[...] estudos histórico-antropológicos têm demonstrado a capacidade dos povos indígenas e africanos de rearticular culturas, tradições e identidades mesmo submetidos às mais violentas condições. Essas pesquisas têm se ampliado nas últimas décadas, englobando uma variada gama de temas, espaços e temporalidades.” p. 160 “É necessário, portanto, refletir sobre como os processos de mudança iam sendo vividos e elaborados pelos diferentes grupos, com os sentidos que lhes iam sendo atribuídos e, inclusive, com novas formas de identificação gradualmente construídas nesse processo.” p. 160 “Índios, africanos e seus descendentes tornaram-se cristãos e participaram intensamente de sacramentos, festas, instituições e rituais cristão, atribuindo-lhes, com certeza, significados próprios, por vezes difíceis de serem percebidos. No desafio de desvendá-los, pesquisas recentes têm se debruçado sobre grupos específicos, procurando identificar, além de suas características culturais pré-contato (quando possível), suas trajetórias e as dinâmicas de suas relações como fatores fundamentais para a compreensão dos sentidos atribuídos às novas práticas assumidas. É fundamental atentar para um aspecto bastante enfatizado nas pesquisas recentes: as reelaborações de tradições e mitos se fazem tendo como referencial as situações presentes.” p. 161-2 “Sem subestimar a violência e os prejuízos causados aos povos indígenas e africanos pelas imposições religiosas, cabe reconhecer o interesse de muitos deles em assumir a identidade cristã, uma vez que, por meio dela, inseriam-se nas sociedades coloniais e pós-coloniais e reelaboravam relações sociais, culturais e identitárias. A conversão ao cristianismo lhes oferecia instrumentos não só para se adaptar às sociedades envolventes, como também para contestar as ordens dominantes, conforme revelam vários estudos.” p. 162 “Sobre a relação entre etnicidade e cultura, convém retomar Weber para o qual mais do que informar a criação dos grupos étnicos, a cultura pode ser por eles criada. A partir dele, muitos autores têm discutido os limites e as dificuldades de se considerar a cultura como elemento-chave para definir grupos étnicos, limites esses que se aplicam principalmente a grupos cujo longo e intenso processo de contato proporcionou tantas misturas e mudanças que fica difícil detectar traços culturais distintivos entre eles e os demais grupos com os quais interagem.” p. 163 “Esse é um desafio, por exemplo, para o estudo das reconstruções identitárias de índios, africanos e afro-descendentes em diferentes regiões e temporalidades do Brasil e da América. Transformaram-se e misturaram-se tanto, em violentos processos de contato com guerras, migrações, deslocamentos forçados, inserções e interações intensas com as sociedades envolventes, que se torna muito difícil detectar entre eles sinais de descendência ou manutenção de traços culturais distintivos, inclusive pela limitação das fontes.” p. 163 “A partir dessas perspectivas, desenvolvem-se na América inúmeros estudos de caso sobre as reconstruções culturais e identitárias dos mais variados povos indígenas, africanos e seus descendentes em tempos e espaços variados e, no caso dos índios, as novas abordagens incluem tanto os de dentro, quanto os de fora das fronteiras de sociedades coloniais e pós- -coloniais. Etnônimos têm sido problematizados, reconhecendo-se neles considerável dose de invenção, como lembrou Monteiro (2001), afirmação que é válida tanto para os indígenas, quanto para os africanos. Os diversos grupos étnicos foram classificados conforme os interesses e as compreensões limitadas dos agentes registradores, tendo dado margem a muitas generalizações e equívocos que misturaram, dividiram e criaram muitos grupos. Estes últimos, no entanto, participaram ativamente desse processo, tendo assumido em muitas situações as novas formas de identificação que lhes eram atribuídas.” p. 164 “[...] a reconstrução identitária e a afirmação de identidades étnicas de grupos indígenas e afro-descendentes não significa negar a condição de intensa mistura e mestiçagem tão característica das sociedades coloniais e pós-coloniais da América. Aldeias indígenas (missionárias ou não), quilombos, vilas, cidades e sertões foram espaços de intensos processos de mestiçagem, nos quais africanos, índios, brancos pobres e mestiços conviviam e se misturavam, rearticulando identidades e culturas.” p. 165 “As identidades são, hoje, entendidas como construções fluidas, múltiplas e cambiáveis, que se constroem por meio de complexos processos de apropriações e ressignificações culturais nas experiências entre grupos e indivíduos que interagem. Essas abordagens tornaram-se possíveis a partir da aproximação entre historiadores e antropólogos, que, ao estreitarem o diálogo, reformularam conceitos e teorias fundamentais para refletir sobre relações de contato.” p. 166 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. História e antropologia. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Novos domínios da história. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 152-168.
Compartilhar