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Todos já sentiram dor em resposta a um estímulo intenso ou nocivo. Essa dor fisiológica ajuda a evitar uma potencial lesão, atuando como alerta inicial e sinal protetor. Entretanto, a dor também pode ser incapacitante, como a que ocorre após traumatismo, durante a recuperação de uma cirurgia ou em associação a condições clínicas caracterizadas por inflamação, como a artrite reumatoide. Em circunstâncias nas quais há lesão tecidual e inflamação, os estímulos nocivos provocam dor mais intensa que a normal, em decorrência de um aumento na excitabilidade do sistema somatossensorial, de modo que estímulos que normalmente não causariam dor tornam-se dolorosos. Nessas condições, alterações patológicas e, algumas vezes, irreversíveis na estrutura e na função do sistema nervoso produzem dor intensa e intratável. Para esses pacientes, a dor constitui mais uma patologia que um mecanismo de defesa fisiológico. Por fim, há pacientes que sentem dor considerável na ausência de estímulos nocivos ou de inflamação ou lesão do sistema nervoso. Essas categorias de dor – fisiológica, inflamatória, neuropática e disfuncional – são produzidas por vários mecanismos diferentes. A conduta ideal é a de que o tratamento seja direcionado para os mecanismos específicos envolvidos, mais que para a supressão do sintoma da dor. Na atualidade, dispõe-se de diversos agentes farmacológicos para o alívio da dor. Esses fármacos apresentam mecanismos de ação que interferem em resposta dos neurônios sensoriais primários a estímulos sensoriais somáticos ou viscerais, transmissão da informação ao cérebro e resposta perceptual a um estímulo doloroso. Fisiologia Dor é a consequência perceptual final do processamento neural de determinada informação sensorial. Em geral, o estímulo inicial surge na periferia e é transferido, sob vários controles, por intermédio de conectores sensoriais no sistema nervoso central (SNC) até o córtex. Em primeiro lugar, a transdução de estímulos nocivos externos e intensos despolariza as terminações periféricas dos neurônios sensoriais primários de “alto limiar”. Esses neurônios, denominados nociceptores dada sua capacidade de responder a estímulos nocivos, são de alto limiar, por necessitarem de um forte estímulo, que potencialmente lesa o tecido, para despolarizar suas terminações nervosas. Os potenciais de ação resultantes são conduzidos até o SNC pelos axônios dos neurônios sensoriais aferentes primários, que percorrem inicialmente os nervos periféricos e, em seguida, as raízes dorsais, que fazem sinapse em neurônios no corno dorsal da medula espinal. Os neurônios de projeção secundários transmitem a informação ao tronco encefálico e ao tálamo, que, a seguir, transmitem sinais a córtex, hipotálamo e sistema límbico. A transmissão é modulada em todos os níveis do sistema nervoso por interneurônios inibitórios e excitatórios de circuito local. Transdução sensorial: excitação dos neurônios aferentes primários As terminações nervosas periféricas das fibras nociceptoras sensoriais somáticas e viscerais aferentes primárias respondem a estímulos térmicos, mecânicos e químicos. OBS: Alguns agentes químicos excitam diretamente as terminações nervosas periféricas (ativadores químicos), enquanto outros aumentam a sensibilidade das terminações periféricas (agentes sensibilizadores). Condução da periferia para a medula espinal Os axônios dos neurônios aferentes primários conduzem a informação das terminações periféricas para o SNC. Esses neurônios podem ser classificados em três grupos principais de acordo com a sua velocidade de condução e calibre. Esses grupos também apresentam diferentes sensibilidades a estímulos e padrões distintos de terminações centrais. O primeiro grupo (Aβ) consiste em fibras de condução rápida, que respondem com baixo limiar de estímulo a estímulos mecânicos e são ativadas por toque leve, vibração ou movimento de pelos. A segunda população (Aδ) inclui fibras que conduzem com velocidade intermediária e respondem a estímulos de frio, calor e mecânicos de alta intensidade. As fibras do terceiro grupo (fibras C) conduzem lentamente, fazem sinapse na medula espinal e, em geral, respondem de modo multimodal; são capazes de produzir potenciais de ação em resposta a calor, temperatura morna, estímulos mecânicos intensos ou irritantes químicos (nociceptores polimodais). Algumas fibras C aferentes (denominadas fibras silenciosas ou dormentes) não podem ser ativadas normalmente, porém se tornam responsivas durante a inflamação. OBS: Para que ocorra condução, os canais iônicos de sódio regulados por voltagem devem converter a despolarização da terminação periférica em potencial de ação. O bloqueio seletivo desses canais de sódio específicos de neurônios sensoriais pode inibir a dor induzida na periferia, sem bloquear a sensibilidade tátil ou a função motora somática ou autônoma, nem atuar sobre os canais de sódio do SNC ou cardiovasculares. Na atualidade, o uso de agentes bloqueadores de canais de sódio não seletivos, como os anestésicos locais e fármacos antiepilépticos, é limitado pelos efeitos adversos associados ao bloqueio dos canais de sódio regulados por voltagem no coração e no SNC. Transmissão no corno dorsal da medula espinal Os potenciais de ação gerados nos aferentes primários induzem a liberação de neurotransmissores ao alcançar suas terminações axônicas centrais no corno dorsal da medula espinal. Os canais de cálcio regulados por voltagem do tipo N desempenham um papel significativo no controle dessa liberação de neurotransmissores a partir das vesículas sinápticas. A transmissão sináptica no corno dorsal, entre os aferentes primários das fibras C e os neurônios de projeção secundários, apresenta componentes rápidos e lentos. O glutamato, atuando nos receptores ionotrópicos AMPA e NMDA, medeia a transmissão excitatória rápida entre os neurônios sensoriais primários e secundários. Por meio de sua ação sobre os receptores mGluR metabotrópicos, o glutamato também medeia uma resposta moduladora sináptica lenta. A presença desses peptídeos coliberados proporciona considerável plasticidade funcional da transmissão da dor dependente do uso. A função fisiológica dos neuropeptídios na transmissão sináptica envolve respostas de sinalização a estímulos de intensidade particularmente alta, uma vez que a liberação das vesículas sinápticas contendo neuropeptídios requer uma frequência mais alta e sequências de potenciais de ação de duração mais longa que a liberação das vesículas contendo glutamato. Regulação inibitória local e descendente na medula espinal A transmissão sináptica na medula espinal é regulada pelas ações de interneurônios inibitórios locais e projeções que descem do tronco encefálico para o corno dorsal. Como esses sistemas podem limitar a transferência da informação sensorial para o cérebro, eles representam um importante local de intervenção farmacológica. Os principais neurotransmissores inibitórios no corno dorsal da medula espinal são os peptídios opioides, a norepinefrina, a serotonina (5-HT), a glicina e o GABA. Os peptídios opioides inibem a transmissão sináptica e são liberados em vários locais do SNC em resposta a estímulos nocivos. Os opioides são liberados proteoliticamente das proteínas precursoras maiores, a propiomelanocortina, a proencefalina e a prodinorfina. Tradicionalmente, os receptores opioides são divididos em três classes, designadas como µ, δ e κ, que apresentam receptores acoplados à proteína G que atravessa sete vezes a membrana. Os receptores opioides µ medeiam a analgesia induzida pela morfina. Os peptídios opioides endógenos são seletivos para seus receptores: as dinorfinas atuam principalmente sobre os receptores κ, enquanto tanto as encefalinas quanto a β-endorfinaatuam sobre os receptores µ e δ. Os efeitos da sinalização dos receptores opioides consistem em redução da condutância do cálcio pré- sináptica, aumento da condutância pós-sináptica de potássio e redução da atividade da adenilil ciclase. A primeira função impede a liberação pré-sináptica de neurotransmissores; a segunda reduz as respostas neuronais pós-sinápticas a neurotransmissores excitatórios; e o papel fisiológico da última permanece desconhecido. Os opioides produzem analgesia em decorrência de sua ação em cérebro, tronco encefálico, medula espinal e terminações periféricas dos neurônios aferentes primários. No cérebro, os opioides alteram o humor, produzem sedação e diminuem a reação emocional à dor. No tronco encefálico, os opioides aumentam a atividade das células que fornecem inervação inibitória descendente à medula espinal; neste local, os opioides também provocam náuseas e depressão respiratória. Os opioides espinais inibem a liberação das vesículas sinápticas dos aferentes primários e hiperpolarizam os neurônios pós-sinápticos (ver anteriormente). Há também evidências de que a estimulação dos receptores opioides periféricos diminui a ativação dos aferentes primários e modula a atividade das células imunes. Acredita-se que a ação dos opioides nesses locais de distribuição seriada tenha um efeito sinérgico, inibindo o fluxo de informações da periferia para o cérebro. A norepinefrina é liberada por projeções que descem do tronco encefálico para a medula espinal. O receptor α2- adrenérgico, acoplado à proteína G que atravessa sete vezes a membrana (ver Capítulo 10), constitui o principal receptor de norepinefrina na medula espinal. À semelhança da ativação dos receptores opioides, a ativação dos receptores α2- adrenérgicos inibe os canais de cálcio pré-sinápticos regulados por voltagem, abre os canais de potássio pós- sinápticos e coíbe a adenilil ciclase. Dada a expressão pré e pós-sináptica dos receptores α2-adrenérgicos, a liberação de norepinefrina espinal pode reduzir a liberação das vesículas pré-sinápticas e diminuir a excitação pós- sináptica. Algumas vezes, a clonidina, um agonista do receptor α2-adrenérgico, é utilizada no tratamento da dor, embora essa aplicação seja limitada por seus efeitos adversos, que incluem sedação e hipotensão postural. A serotonina também é liberada na medula espinal por projeções que descem do tronco encefálico. Esse neurotransmissor atua sobre vários subtipos de receptores, que medeiam efeitos excitatórios e inibitórios sobre a nocicepção. O canal regulado pelo ligante 5-HT3 pode ser responsável pelas ações excitatórias da serotonina na medula espinal; vários dos receptores de 5-HT acoplados à proteína G podem mediar as ações inibitórias da 5-HT. Tendo em vista essa complexidade, o mecanismo do efeito analgésico da serotonina não está totalmente elucidado Fisiopatologia O circuito de processamento da dor descrito anteriormente é responsável pela produção de dor nociceptiva aguda, uma sensação fisiológica adaptativa, produzida apenas por estímulos nocivos que atuam como sinal de alerta ou protetor. Existem algumas situações clínicas, como traumatismo agudo, trabalho de parto ou cirurgia, em que é necessário controlar a dor nociceptiva. Nessas circunstâncias, a via da dor pode ser interrompida pelo bloqueio da transmissão com anestésicos locais ou pela administração de opioides em altas doses. Os opioides podem ser de ação rápida, como a remifentanila para uso intraoperatório, ou de ação mais lenta, como a morfina; quando administrada no perioperatório, a morfina mantém a sua atividade para o controle da dor no pós-operatório. A inflamação periférica e a lesão do sistema nervoso produzem dor, que se caracteriza por hipersensibilidade a estímulos nocivos e inócuos e por dor espontânea, que surge na ausência de qualquer estímulo óbvio. Dor clínica O tratamento ideal da dor deve basear-se na identificação e atuação específica sobre os mecanismos precisos da dor que operam em determinado paciente, bem como na normalização da sensibilidade anormal à dor. Pode ser complicado lidar com condições de dor crônica, e o tratamento efetivo exige habitualmente o uso de múltiplos fármacos (polifarmácia) para obter o efeito terapêutico ideal e reduzir os efeitos adversos. As condições de dor crônica inflamatória exigem o emprego de fármacos que reduzem a resposta inflamatória; esses agentes podem corrigir o distúrbio inflamatório subjacente (tratamento modificador da doença) e também reduzir a dor. Os agentes anti- inflamatórios não esteroides (AINE), por exemplo, constituem o tratamento de primeira linha para a artrite reumatoide. Essa intervenção, ao reduzir a inflamação, pode diminuir a liberação de ligantes químicos que sensibilizam as terminações nervosas periféricas e impedir, portanto, a sensibilização periférica. Os principais agentes usados no tratamento da maioria das condições de dor neuropática ou disfuncional não são, em geral, modificadores da doença, visto que os processos mórbidos subjacentes não são conhecidos (p. ex., fibromialgia) ou são refratários aos tratamentos atualmente disponíveis (p. ex., dor neuropática). A dor neuropática associada a lesão do tecido nervoso periférico, lesão da medula espinal ou acidente vascular encefálico exige comumente o uso de diversos agentes para aliviar os sintomas da dor. Em geral, na dor não maligna, os opioides têm sido utilizados como último recurso, em decorrência de seus efeitos adversos e do potencial de desenvolvimento de tolerância e dependência física. Todavia, nesses últimos anos, os opioides têm sido cada vez mais utilizados no controle da dor crônica não associada ao câncer, apesar dos riscos de produzir comportamento de dependência em uma proporção substancial de pacientes, propiciando a oportunidade de desvio dos fármacos para uso ilícito. Os procedimentos cirúrgicos envolvendo lesão tecidual que leva tempo para cicatrizar exigem o uso de agentes de ação mais longa para controlar a dor no pós-operatório. Podem ser utilizados agentes de ação mais longa isoladamente (hidromorfona, meperidina ou morfina) ou associações de agentes de início rápido e ação curta (fentanila, remifentanila) com os agentes de ação mais longa. Sensibilização periférica Diversos estímulos periféricos podem induzir os neurônios aferentes primários a baixar seus limiares de ativação e aumentar sua capacidade de resposta. Essas alterações, que constituem a sensibilização periférica, podem resultar em alodinia, em que estímulos normalmente inócuos são percebidos como dolorosos, e em hiperalgesia, em que estímulos de alta intensidade são percebidos como mais dolorosos e de maior duração que o habitual no local de lesão. Os mecanismos responsáveis pela hiperalgesia primária envolvem alterações diretas na transdução, bem como alterações indiretas induzidas pela liberação de moléculas efetoras. Um exemplo de transdução alterada é a ativação repetida do receptor TRPV1 resultante do calor, o qual diminui seu limiar de ativação, de modo que possa ser ativado por estímulos mornos (38 a 40°C) que normalmente não são dolorosos. Os mediadores químicos sensibilizadores atuam sobre receptores acoplados à proteína G ou sobre receptores de tirosina quinases expressos nas terminações nervosas periféricas de neurônios nociceptores. Além do aumento da resposta periférica causado por um evento externo que produz inflamação, as próprias terminações nervosas periféricas podem contribuir para a inflamação. Sensibilização central Com frequência, a hiperalgesia e a alodinia estendem- se além da área primária de inflamação e lesão tecidual. A hipersensibilidade à dor nessa região, descrita como área de hiperalgesia secundária e/ou alodinia, depende de alteraçõesno processamento sensorial no corno dorsal da medula espinal. Essas alterações, que constituem uma forma de plasticidade neuronal denominada sensibilização central, ocorrem quando a transmissão sináptica repetitiva e habitualmente de alta intensidade ativa cascatas de transdução de sinais intracelulares nos neurônios do corno dorsal, que intensificam a resposta a estímulos subsequentes. Vários dos receptores pós-sinápticos expressos pelos neurônios do corno dorsal estão envolvidos na indução da sensibilização central. Com a ativação dos receptores metabotrópicos ou o influxo de cálcio pelos canais NMDA, as proteinoquinases intracelulares, como a PKC, a cálcio/calmodulina quinase e a proteinoquinase relacionada com sinais extracelulares (ERK), são ativadas. Por sua vez, esses efetores podem alterar a função das proteínas de membrana existentes por processamento pós-translacional, habitualmente por fosforilação. A ativação das ERK leva a uma redução na atividade dos canais de potássio nos neurônios do corno dorsal; a corrente diminuída de potássio aumenta a excitabilidade neuronal. Com mais frequência, a sensibilização central desaparece lentamente após cessar o estímulo indutor. Entretanto, a lesão ou a inflamação crônica podem produzir um estado de sensibilização central que persiste com o passar do tempo. O bloqueio dos receptores NMDA pode impedir tanto a indução quanto a manutenção da sensibilização central. Por exemplo, foi constatado que o bloqueio dos receptores NMDA, quando instituído no pré-operatório, reduz a dor apresentada no pós-operatório. A cetamina, um bloqueador dos receptores NMDA, pode ser empregada para neutralizar a ativação dos receptores NMDA sensibilizados. Entretanto, os receptores NMDA são amplamente expressos, e os bloqueadores de NMDA, como a cetamina e o dextrometorfano, produzem efeitos psicotrópicos significativos, incluindo amnésia e alucinações. Dor neuropática Os mecanismos responsáveis pela dor persistente que pode ocorrer após lesão nervosa envolvem alterações tanto funcionais quanto estruturais do sistema nervoso e ocorrem tanto em neurônios aferentes primários quanto no SNC. • Agonistas dos receptores opioides: Os agonistas dos receptores opioides constituem a principal classe de fármacos empregada no controle agudo da dor moderada a intensa. Mecanismos de ação e principais efeitos adversos: Os agonistas dos receptores opioides produzem analgesia e outros efeitos por meio de sua ação sobre os receptores de opioides µ. Os locais de ação analgésica incluem cérebro, tronco encefálico, medula espinal e terminações nervosas periféricas aferentes primária. Os opioides produzem uma ampla variedade de efeitos adversos. Esses efeitos são qualitativamente semelhantes entre os opioides, porém podem variar em intensidade. No sistema cardiovascular, os opioides podem reduzir o tônus simpático e resultar em hipotensão ortostática; um subgrupo de opioides, mais notavelmente a morfina, provoca liberação de histamina, que também pode contribuir para a hipotensão ortostática por meio de vasodilatação. Os opioides também causam bradicardia. Os efeitos respiratórios dos opioides constituem, com frequência, seus principais efeitos adversos e limitantes de dose. Por agirem sobre o centro de controle respiratório bulbar, os opioides diminuem a resposta respiratória ao dióxido de carbono e podem causar períodos de apneia. É importante assinalar que os efeitos respiratórios dos opioides interagem com outros estímulos; os estímulos dolorosos ou outros estímulos de reatividade podem promover a ventilação, enquanto o sono natural atua de modo sinérgico com os opioides, suprimindo a ventilação. Os opioides, atuando sobre receptores na zona quimiorreceptora bulbar e no trato gastrintestinal, também provocam náuseas, vômitos e constipação intestinal. Dada sua ação nos receptores do sistema geniturinário, os opioides podem causar urgência e retenção urinárias. No sistema nervoso central, os opioides podem causar sedação, confusão, tontura, euforia e mioclonia. OBS: O uso de opioides está frequentemente associado ao desenvolvimento de tolerância, em que o uso repetido de uma dose constante do fármaco resulta em diminuição do efeito terapêutico. Também pode ocorrer dependência física, de modo que a interrupção abrupta do tratamento resulta no desenvolvimento de uma síndrome de abstinência característica. • Morfina, codeína e derivados: A morfina, a codeína (metilmorfina) e seus derivados semissintéticos constituem os opioides mais amplamente utilizados para o controle da dor. Em geral, a morfina é considerada o opioide de referência, com o qual outros opioides são comparados. É metabolizada no fígado, e seu metabolismo de primeira passagem diminui a sua disponibilidade oral. Para atender às necessidades de suas diversas indicações, dispõe-se de várias vias diferentes para a administração de morfina. As preparações orais de liberação controlada são comercializadas para reduzir o número de doses diárias necessárias para analgesia. Essas formulações contêm uma alta dose de opioide a ser liberada no decorrer de 12 a 24 h. Infelizmente, pelo fato de conterem altas doses e serem amplamente utilizadas, as formulações de liberação prolongada têm sido associadas a alto potencial de uso abusivo, particularmente quando são ilegalmente reformuladas para liberar de uma vez a dose integral, em lugar de fazê-lo no decorrer de várias horas. Os indivíduos que fazem uso abusivo dessas formulações procuram a sensação de euforia com o rápido aumento dos níveis plasmáticos. A morfina intravenosa ou subcutânea costuma ser administrada em dispositivos de analgesia controlados pelo paciente, que são atualmente empregados para o controle de inúmeros estados de dor, principalmente em pacientes internados. A morfina epidural ou intratecal pode produzir analgesia altamente efetiva, visto que alcança concentrações localmente altas no corno dorsal da medula espinal. A administração neuroaxial do fármaco resulta em duração de ação muito mais longa que sua admin istração parenteral, dado o tempo necessário para a difusão da morfina relativamente hidrofílica do SNC para a circulação sistêmica. À semelhança da morfina, a codeína é um agonista dos receptores opioides de ocorrência natural. Embora seja muito menos eficaz que a morfina para tratamento da dor, a codeína costuma ser usada por seus efeitos antitussígeno (i. e., supressor da tosse) e antidiarreico, na medida em que apresenta uma disponibilidade oral consideravelmente maior que a da morfina. • Agentes sintéticos: As duas principais classes de agonistas sintéticos dos receptores µ são as fenileptilaminas (metadona) e as fenilpiperidinas (fentanila, meperidina). A metadona é mais conhecida por seu emprego no tratamento da dependência química, mas também pode ser usada no controle da dor. A metadona apresenta uma meia-vida na faixa de 25 a 35 h, é mais lipofílica que a morfina e liga-se aos tecidos e às proteínas plasmáticas. Em consequência de sua longa duração de ação, a metadona é frequentemente utilizada para obter alívio prolongado da dor crônica em pacientes com câncer terminal. A administração repetida da metadona prolonga sua meia-vida. Em consequência, os pacientes que iniciam a terapia com metadona correm risco de depressão respiratória tardia depois de tolerar uma dose inicial do fármaco. A fentanila é um agonista opioide sintético de ação curta, que é 75 a 100 vezes mais potente que a morfina e apresenta meia-vida de eliminação comparável à da morfina. Dada sua alta afinidade por lipídios, a fentanila é biodisponível quando administrada por diversas vias. A remifentanila, a fenilpiperidina mais recentemente desenvolvida, exibe um comportamento farmacocinéticodistinto. A remifentanila contém uma metade éster metilada que é essencial para sua atividade, mas também atua como substrato para a ação de numerosas esterases teciduais inespecíficas. Por conseguinte, apresenta metabolismo e eliminação inusitadamente rápidos. Quando administrada em infusão contínua durante a anestesia, a remifentanila possibilita uma equivalência precisa de sua dose com a resposta clínica. Entretanto, o rápido término de sua ação exige que o uso da remifentanila durante a anestesia seja associado à administração de um fármaco de ação mais longa para manter a analgesia pós-operatória. • Agonistas parciais e mistos Embora os agonistas dos receptores opioides sejam predominantemente agonistas µ, foram também desenvolvidos diversos fármacos que são agonistas µ ou κ parciais ou mistos. Esses agentes incluem os agonistas µ parciais butorfanol e buprenorfina, bem como nalbufina, um agonista κ com atividade antagonista µ. O butorfanol e a buprenorfina produzem analgesia semelhante à da morfina, porém com sintomas de euforia mais discretos. A nalbufina e compostos semelhantes são analgésicos efetivos, dada sua ação nos receptores κ; todavia, esses fármacos também estão associados à disforia psicológica indesejável. A tendência reduzida desses agentes a produzir euforia pode diminuir a probabilidade de comportamento de uso abusivo do fármaco em indivíduos suscetíveis. • Antagonistas dos receptores opioides Os antagonistas dos receptores opioides µ são utilizados para reverter os efeitos adversos potencialmente fatais da administração de opioides, especificamente a depressão respiratória. A naloxona, um desses antagonistas, é um derivado sintético da oximorfona, administrado por via parenteral. Como a meia- vida da naloxona é mais curta que a da morfina, não é seguro deixar o paciente sem assistência imediata após o tratamento bem-sucedido de um episódio de depressão respiratória com naloxona; o monitoramento do paciente somente pode ser reduzido quando houver certeza de que a morfina não se encontra mais no sistema. O antagonista naltrexona, administrado por via oral, é principalmente usado em condições ambulatoriais, geralmente para a desintoxicação de indivíduos dependentes de opioides. Há um quadro de resumos sobre os principais fármacos utilizados para cada categoria de problema na página 605 do livro Princípios de farmacologia – a base fisiopatológica de farmacologia - Golan
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