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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 5 2 HISTÓRIA DA ÁFRICA ................................................................................................ 6 3 A HOMINIZAÇÃO: PROBLEMAS GERAIS. ................................................................. 6 4 OS HOMENS FÓSSEIS AFRICANOS ....................................................................... 10 5 A FORMAÇÃO DOS REINOS, IMPÉRIOS, CIDADES E ESTADOS ......................... 14 5.1 Reinos berberes ....................................................................................................... 16 6 O NORTE ORIENTAL DA ÁFRICA ............................................................................ 17 6.1 O Egito (3.200–32 a.C.) ........................................................................................... 17 6.2 Núbia, o reino de Kush (2.700 a.C.–350 d.C.) ......................................................... 18 6.3 O reino de Axum (I–VII a.C.) .................................................................................... 22 7 OS POVOS AFRICANOS DO SAHEL: CARACTERÍSTICAS SOCIAIS .................... 24 8 AS RELAÇÕES POLÍTICAS E ECONÔMICAS NA CONSTITUIÇÃO DAS SOCIEDADES SAHELIANAS ........................................................................................ 27 8.1 Reino de Gana ......................................................................................................... 28 8.2 Império do Mali ........................................................................................................ 28 8.3 Império de Songhai .................................................................................................. 30 8.4 Tecrur........... ............................................................................................................ 31 8.5 Kanem e Bornu ........................................................................................................ 31 8.6 Reinos iorubás: Ifé e Benin ...................................................................................... 33 9 AS CARACTERÍSTICAS DA ÁFRICA CENTRO-OCIDENTAL E ORIENTAL ............ 34 9.1 Reino do Congo ....................................................................................................... 34 9.2 Reino de Ndongo (Angola) ....................................................................................... 35 9.3 África Oriental .......................................................................................................... 36 3 9.4 Grande Zimbabue e o Reino de Monotapa .............................................................. 37 10 CULTURA AFRICANA ............................................................................................... 38 11 COLONIALISMO NA ÁFRICA: A ESCRAVIDÃO E O TRÁFICO DE ESCRAVOS .... 40 12 CARACTERÍSTICAS E DEFINIÇÕES DA ESCRAVIDÃO EM TERRITÓRIO AFRICANO.. ................................................................................................................... 41 13 ALVO DA ESCRAVIDÃO RACIAL E DOS TRÁFICOS NEGREIROS TRANSOCÊNICOS ........................................................................................................ 44 14 A ESCRAVIDÃO ISLÂMICA....................................................................................... 44 15 OS PORTUGUESES NA ÁFRICA ............................................................................. 47 16 RELAÇÕES ENTRE PORTUGAL E CONGO ............................................................ 50 17 A DOMINAÇÃO PELA CRUZ: O PAPEL DO CATOLICISMO NA COLONIZAÇÃO DA ÁFRICA........ .................................................................................................................. 53 18 O IMPERIALISMO NA ÁFRICA ................................................................................. 56 19 O CONGRESSO DE BERLIM .................................................................................... 59 20 A RESISTÊNCIA AFRICANA AO DOMÍNIO IMPERIALISTA .................................... 62 21 A DESCOLONIZAÇÃO DA ÁFRICA .......................................................................... 64 22 O PAN-AFRICANISMO E O MOVIMENTO DA NEGRITUDE .................................... 64 23 AS INDEPENDÊNCIAS NA ÁFRICA ......................................................................... 66 23.1 A África Ocidental Francesa ................................................................................ 66 23.2 As colônias britânicas .......................................................................................... 68 23.3 O fim do Império Português ................................................................................. 69 24 ÁFRICA CONTEMPORÂNEA: DESAFIOS ................................................................ 70 25 A DIÁSPORA AFRICANA .......................................................................................... 73 26 A DESCOLONIZAÇÃO DA ÁFRICA E DA ÁSIA E A QUESTÃO ÁRABE-ISRAELENSE NA PALESTINA .............................................................................................................. 73 27 NEOCOLONIALISMO: NOVAS PERSPECTIVAS ..................................................... 74 4 28 OS ANTECEDENTES PARA AS INDEPENDÊNCIAS ............................................... 75 29 ÁFRICA E ÁSIA: DOIS CONTINENTES EM CONFLITO ........................................... 77 30 ÁFRICA DO SUL E O APARTHEID ........................................................................... 78 31 ÍNDIA E O MOVIMENTO PACIFISTA ........................................................................ 84 32 ORIENTE MÉDIO ...................................................................................................... 86 33 QUESTÃO HISTÓRICA: ISRAEL E PALESTINA ...................................................... 87 34 GUERRA DO CANAL DE SUEZ (1956–1957) ........................................................... 89 35 GUERRA DOS SEIS DIAS (1967) ............................................................................. 90 36 GUERRA DO YOM KIPPUR (1973) ........................................................................... 91 37 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ................................................................................ 93 37.1 Bibliografia básica ................................................................................................ 93 37.2 Bibliografia complementar ................................................................................... 93 5 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O grupo educacional Faveni, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos!6 2 HISTÓRIA DA ÁFRICA Com uma ampla diversidade cultural, a África é banhada pelos oceanos Índico e Atlântico, além do Mar Mediterrâneo, cujo primeiro estado a se formar foi o Egito. Apesar disso, povos de todos os continentes já a exploravam desde a Antiguidade atrás de riquezas, como o ouro e o sal. Considerada como o continente de origem do ser humano, a África foi dominada por diferentes povos e civilizações, como árabes, romanos e fenícios estes foram fundamentais para o comércio, explorando o território do Mediterrâneo ao Índico. No século VII, os árabes dominaram a região, salientando o Norte e a proximidade com a Europa. Já no século XIX, os países europeus dividiram-na entre Portugal, Bélgica, Espanha, Holanda, Alemanha, Itália e Inglaterra. Atualmente, a África é considerada o continente mais rico em recursos naturais, mas o mais pobre, com diversos problemas sociais que atingem a sua população (FERRACINI,2019). 3 A HOMINIZAÇÃO: PROBLEMAS GERAIS. Os humanos são mamíferos, mais precisamente mamíferos placentários. Pertence ao primata. Os primatas diferenciam-se dos outros mamíferos placentários pelo desenvolvimento precoce do cérebro, pelo aperfeiçoamento da visão, que se torna estereoscópica, pela redução da face, pela substituição das garras por unhas chatas e pela oposição do polegar aos outros dedos. Os primatas classificam-se em prossímios e símios. O homem pertence ao segundo grupo, que se caracteriza por um aumento da estatura, pelo deslocamento das órbitas na face e consequente melhoria da visão, e pela independência das fossas temporais (SILVEIRO, 2013). Uma repentina proliferação de formas ocorre entre esses símios no Oligoceno Superior, há cerca de 30 milhões de anos, o que leva a supor que a diferenciação da família Hominidae poderia datar dessa época. Para poder escrever a história desses hominídeos, devemos pesquisar, portanto, entre os fósseis de símios dos últimos 30 7 milhões de anos, cujas tendências evolutivas se orientam para os traços que caracterizam o gênero Homo, ao qual pertencemos: locomoção sobre os membros posteriores com as consequentes transformações dos pés, das pernas, da bacia, da orientação do crânio, das proporções da coluna vertebral, desenvolvimento da caixa craniana, redução da face, arredondamento da arcada dentária, redução dos caninos, curvatura do palato etc. O Propliopithecus do Oligoceno Superior apresenta alguns discretos sinais dessas tendências, o que explica o entusiasmo, sem dúvida prematuro, de certos autores, em considerá-lo como pertencente ao nosso gênero. As tendências observadas no Ramapithecus são mais relevantes: seu cérebro parece ter atingido 400cm³, o tamanho da face é reduzido, a arcada dentária é arredondada, e os incisivos e caninos, também reduzidos, estão implantados verticalmente. Um outro primata, o Oreopithecus, de quem conhecemos o esqueleto completo, apresenta essas mesmas características cranianas e uma bacia de bípede ocasional (SILVEIRO, 2013). Por outro lado, as tendências evolutivas do Australopithecus não deixam margem a dúvidas. Esses bípedes permanentes têm pés humanos, mãos modernas, cérebro com nítido aumento de volume, caninos pequenos e face reduzida. Não podemos deixar de considerá-los hominídeos. O gênero Homo, fim da cadeia, distingue-se dos Australopithecus por aumento da estatura, melhoria na postura ereta, crescimento do volume do cérebro que, a partir da espécie mais antiga, pode atingir 800cm3, e transformação da dentição com maior desenvolvimento dos dentes anteriores em relação aos laterais, em consequência da mudança do regime alimentar, de vegetariano para onívoro. Há 30 milhões de anos, havia no nordeste da África uma grande variedade de pequenos primatas prenunciando todos os que existem hoje: Cercopithecidae, Pongidae, Hylobatidae e Hominidae. As linhas fundamentais estavam traçadas. No Plioceno e no Pleistoceno, entre 10 e 1 milhão de anos atrás, encontramo- nos na presença de um grupo ao mesmo tempo polimorfo e muito localizado, os australopitecíneos. Um breve histórico de sua descoberta vai nos permitir, também, delimitá-los geograficamente. O conjunto de descobertas feitas ao longo de vários anos, 8 desde 1924 até finais da década de 1970 por diferentes expedições, limita a área de distribuição do Australopithecus às regiões oriental e meridional da África. Os australopitecíneos parecem ter surgido entre aproximadamente 6 e 7 milhões de anos atrás e ter desaparecido há cerca de 1 milhão de anos. Vários hominídeos foram descobertos nas diferentes jazidas dessas áreas, alguns contemporâneos entre si. Pela primeira vez na história dos primatas esses restos se encontram associados a utensílios fabricados. Essa primeira indústria da história é constituída por uma grande quantidade de lascas obtidas artificialmente por percussão e utilizadas por causa de seu gume, de seixos cuja ponta ou gume foi aguçado e de ossos ou dentes trabalhados ou utilizados diretamente, quando sua forma assim o permitia. Não estamos, há 2.500.000 anos, na origem dos utensílios, mas provavelmente nos aproximamos dos limites de sua percepção; antes daquela data, o artefato se confunde com os objetos naturais (SILVEIRO, 2013). A partir das camadas mais antigas de Olduvai (1.800.000 anos), os instrumentos estão em toda parte, abundantes e constantes na forma; os seixos lascados, particularmente frequentes, tornaram essa indústria conhecida como Pebble Culture ou Olduvaiense (do topônimo Olduvai). Escavando o nível mais antigo de Olduvai (Tanzânia), o Dr. Leakey descobriu restos de uma estrutura que poderia ter sido de uma construção. Estaríamos na presença de uma estrutura de habitação de 2 milhões de anos! Foi no interior desse grupo de Australopithecus de início limitados ao leste e ao sul da África, e em seguida (sob a forma de Australopithecus ou sob forma já mais evoluída) estendendo-se até a Ásia ao sul do Himalaia que apareceram o gênero Homo e o utensílio fabricado. Este logo se torna a característica distintiva de seu artesão; vários tipos de instrumentos são rapidamente criados para finalidades precisas; sua fabricação é ensinada. Por último, aparecem estruturas de habitação. É a partir desse ponto de vista que se pode falar de uma origem africana da humanidade. O homem aparece, portanto, ao fim de uma longa história, como um primata que um dia aperfeiçoa o utensílio que vem usando já há muito tempo. Utensílios fabricados e habitações revelam de súbito um ser racional que prevê, aprende e transmite, constrói a primeira sociedade e lhe dá sua primeira cultura (SILVEIRO, 2013). 9 E como se, há 6 ou 7 milhões de anos, nascesse no quadrante sudeste do continente africano um grupo de hominídeos denominados australopitecíneos, e, entre 2,5 e 3 milhões de anos atrás, emergisse desse grupo polimorfo um ser, ainda Australopithecus ou já Homem, capaz de trabalhar a pedra e o osso, construir cabanas e viver em pequenos grupos, representando, através de todas as suas manifestações, a origem propriamente dita da humanidade criadora, do Homo faber. O último milhão de anos viu nascer o Homo sapiens e assistiu, durante os últimos séculos, à sua alarmante proliferação. Foram necessários 115 anos para que a população mundial passasse de um bilhão para 2 bilhões de indivíduos, 35 anos para que atingisse os 3 bilhões e mais 15 anos para que chegasse aos 4 bilhões. E a aceleração continua (SILVEIRO, 2013). Fonte: www.ambientalistasemrede.wordpress.com.br Ao tratar do problema da “hominização” na África, o procedimento do pré- historiador é bastante diferente daquele empregado pelo paleontólogo. Para este último, a hominização é o desenvolvimento progressivo do cérebro, que permite ao homem conceber e criar, aplicando técnicas cada vez mais elaboradas,um conjunto de utensílios tão diversificado e eficiente que multiplica, ao longo dos milênios, sua ação sobre o meio ambiente, a ponto de romper, em seu próprio proveito, o equilíbrio biológico. A evolução paleontológica que conduz ao homem não permite definir facilmente o “limiar” da hominização; a pedra lascada demonstra que esse limiar já foi transposto. 10 A posição do pré-historiador justifica-se: o verdadeiro (elo perdido) não é a forma intermediária entre australopitecíneos e pitecantropíneos, entre o homem de Neandertal e o Homo sapiens. Está entre as pedras ou os ossos lascados e esses fósseis. As indústrias pré-históricas, atribuídas com absoluta certeza ao Homo sapiens, a partir do Paleolítico Superior, e com uma evidência pouco discutível ao homem de Neandertal no Paleolítico Médio, só podem ser relacionadas hipoteticamente aos pitecantropíneos e australopitecíneos. Portanto, se para o paleontólogo existe um “limiar “da hominização a capacidade cerebral de 800cm3, para o pré-historiador existe um “limiar técnico” que, uma vez transposto, abre o caminho do progresso até nós. A definição desse limiar exige a solução de dois problemas: como e quando. O primeiro problema implica eliminar todas as causas naturais para poder reconhecer no utensílio a mão do homem. O segundo implica dispor de esquemas cronológicos que permitam datar as mais remotas evidências da indústria humana (SILVEIRO, 2013). Até o presente momento, somente a África forneceu respostas para esses dois problemas. Visto que a teoria do monogenismo é universalmente aceita, a África é considerada hoje como o berço da humanidade, fixado, por enquanto, na África Oriental. Esse fato teria ocorrido há uns 3 milhões de anos, no mínimo O homem fez sua entrada em silêncio, e são as pedras por ele lascadas que, muito tempo depois, denunciam sua existência. A responsabilidade do pré-historiador torna-se enorme pois, ao identificar os mais antigos traços perceptíveis de indústrias humanas, ele fornece um elemento de prova que a Paleontologia é incapaz de dar: “Através do utensílio, chegar ao homem. Esta é a finalidade admirável da pré-história” 4 OS HOMENS FÓSSEIS AFRICANOS Charles Darwin foi o primeiro cientista a publicar uma teoria importante sobre a origem e a evolução do homem e a apontar a África como o seu lugar de origem. Pesquisas realizadas nos últimos cem anos confirmaram inúmeros aspectos do seu trabalho pioneiro. Há boas razões para se acreditar que a África seja o continente onde 11 os hominídeos surgiram pela primeira vez e onde desenvolveram a postura ereta e o bipedismo, elementos decisivos à sua adaptação. O período evolutivo é longo, sendo possível que muitas de suas fases não estejam representadas por espécimes fósseis. A diversidade de habitats é uma das razões pelas quais certas partes da África são tão ricas em testemunhos pré-históricos. Parece que o continente africano sempre ofereceu um habitat adequado ao homem. Quando uma determinada área se tornava muito quente ou fria, era possível migrar para ambientes mais apropriados. O homem atual, que pertence integralmente à espécie Homo sapiens, é capaz de viver em habitats muito diferentes graças ao desenvolvimento tecnológico. Os requisitos fisiológicos fundamentais são um cérebro complexo e volumoso, mãos livres de qualquer função locomotriz e disponíveis para a manipulação, e o bipedismo permanente. Essas características podem ser identificadas no tempo, assim como os vestígios não perecíveis da atividade técnica do homem. O grau de desenvolvimento do cérebro, a habilidade da manipulação e o bipedismo podem ser considerados os melhores pontos de referência de que dispomos para traçar o caminho percorrido pela nossa espécie ao longo do tempo (SILVEIRO, 2013). Várias descobertas importantes atestam a presença do Homo sapiens primitivo no continente africano há mais de 100 mil anos. É provável que pesquisas futuras possibilitem datar com precisão o mais remoto vestígio, cuja idade talvez esteja próxima dos 200 mil anos. Em 1921, um crânio e alguns fragmentos de esqueleto foram encontrados em Broken Hill, Zâmbia; sendo esse país a antiga Rodésia do Norte, o espécime tornou-se conhecido como Homo sapiens rhodesiensis. Data aproximadamente de 35.000, ao que se crê, e pertence à nossa espécie. Traços ainda mais antigos do Homo sapiens foram descobertos na África Oriental. Em 1932, o Dr. L. S. B. Leakey encontrou fragmentos de dois crânios no sítio de Kanjera, no oeste do Quênia. Pareciam estar associados a uma fauna fóssil do fim do Pleistoceno Médio tardio, o que implicaria uma idade de cerca de 200 mil anos. Esse sítio ainda não foi datado com precisão, fato lamentável, visto que os fósseis aí encontrados dois crânios e um fragmento de fêmur parecem pertencer à espécie Homo sapiens e poderiam constituir as evidências mais antigas da espécie conhecidas até agora na África. 12 Em 1967, foram descobertos restos de dois indivíduos em um sítio do Vale do Omo, no sudoeste da Etiópia. Consistem em um fragmento de crânio, partes de um esqueleto pós-craniano e a calota de um segundo crânio. Os dois fósseis provêm de camadas com idade estimada em pouco mais de 100 mil anos. Embora existam poucos espécimes do Homo sapiens primitivo entre os fósseis, parece razoável supor que essa espécie gozava de ampla difusão tanto na África quanto em outras partes do globo. Consideraremos aqui a origem do Homo sapiens dentro de uma linhagem que pode remontar a vários milhões de anos. Em diferentes épocas, provavelmente existiram nessa linhagem vários tipos distintos do ponto de vista morfológico, devendo a composição genética do homem moderno refletir, em parte, essa herança compósita. Os restos humanos fósseis da África, por suas características, podem ser unidos em dois grupos principais considerados como linhagens evolutivas, uma das quais, representada pelo gênero Homo, pode ser seguida até hoje, sendo que a outra, representada pelo gênero Australopithecus, aparentemente extinguiu-se há cerca de 1 milhão de anos. Consideramos os hominídeos anteriores ao Homo sapiens com base nessas duas linhagens. A forma ancestral comum a ambas não pode ser facilmente identificada, pois os testemunhos fósseis são bastante fragmentários. O mais antigo hominídeo da África provém de Fort Ternan, no Quênia. O sítio foi datado de 14 milhões de anos, e seus fósseis provam que nessa época já havia ocorrido a diferenciação entre os hominídeos e os pongídeos. Os testemunhos fósseis entre 14 milhões e 3,5 milhões de anos estão bastante incompletos. Dispomos apenas de quatro espécimes que podem ser relacionados a esse período, todos provenientes do Quênia (SILVEIRO, 2013). A amostra bastante grande de espécimes encontrados em sítios com menos de 3 milhões de anos indica a existência de dois gêneros distintos de hominídeos primitivos, que por vezes ocupavam a mesma área. Presume-se que essas duas formas, Homo e Australopithecus, habitassem nichos ecológicos diferentes, mas é fato comprovado atualmente a coexistência dos dois gêneros por um período superior a 1.500.000 anos. Foi o Australopithecus o ancestral do Homo? Alguns especialistas tendem a pensar que as duas formas têm um ancestral comum, distinto de ambas. Cabe observar 13 que alguns pesquisadores classificam todos esses fósseis num mesmo gênero, o qual apresentaria uma grande variabilidade intragenérica e um acentuado dimorfismo sexual. A forma pré-sapiens mais conhecida do gênero Homo é a que foi atribuída a uma espécie morfológica bastante diversificada que se expandiu amplamente: Homo erectus, espécie encontrada pela primeira vez no Extremo Oriente e na China, depois na África. Essa espécie encontrava-se amplamente distribuída na África. A datação dos sítios da África do Norte e do Sul, onde se descobriuo Homo erectus, foi inferida, situando os aparentemente no Pleistoceno Médio (SILVEIRO, 2013). Os espécimes da África Oriental, datados de aproximadamente 1.600.000 anos, levam a crer que ele seja originário deste continente, tendo depois emigrado. Os fragmentos de membros indicam uma postura ereta, adaptação para a marcha e bipedismo com características próximas às do homem moderno. O Homo erectus fabricava e usava instrumentos de pedra e vivia de caça e coleta nas savanas, na África. Os especialistas são unânimes em relacionar o biface da indústria acheulense ao Homo erectus. A questão de se o Homo erectus é o estágio final de desenvolvimento que levou ao Homo sapiens está em aberto. Os fósseis atribuídos à linhagem Homo, anteriores ao Homo erectus, limitam-se, atualmente, à África Oriental. Essa espécie intermediária poderia ser chamada Homo habilis. Durante o Pleistoceno Inferior, por volta de 1.600.000 anos atrás, apareceram instrumentos bifaces rudimentares. Ainda não foi provado, mas podemos levantar a hipótese de que o aparecimento das indústrias pós-acheulenses está ligado à emergência do Homo sapiens (SILVEIRO, 2013). No momento, existem claras evidências de uma considerável diversidade morfológica dos hominídeos do Pliopleistoceno na África. A presença simultânea de pelo menos três espécies na África Oriental pode ser determinada com base no material craniano e pós-craniano. Qualquer reexame desta matéria deve incluir a análise do conjunto dos fósseis descoberto. 14 5 A FORMAÇÃO DOS REINOS, IMPÉRIOS, CIDADES E ESTADOS Contudo, você deve ter em mente que ainda não há informações disponíveis sobre algumas sociedades africanas da Antiguidade. A respeito de outras, existem apenas informações escritas vagas, provenientes de outros povos. De muitas, restam vestígios materiais (ruínas de cidades, templos, lugares de enterramento, etc.) em maior ou menor quantidade, já em processo de escavação e/ou pesquisa. Há ainda aquelas que se encontram enterradas e as que, como Cirta, antiga capital da Numídia, atual Constantina, continuam a existir, porém sobre ou ao lado da cidade antiga. Muito falta a escavar, decifrar, comparar e trabalhar para reconstituir a história dessas sociedades. A região norte africana, que vai do oeste do Egito Antigo até a Mauritânia, do Mediterrâneo ao norte até a região desértica do Saara, era inicialmente conhecida com Líbia, e seus habitantes, chamados líbios, eram diversos povos berberes. A região foi dominada alternada ou simultaneamente dado o seu tamanho, de forma pontual ou permanente, por diversos outros povos (egípcios, fenícios, gregos, romanos). Tais ocupações se deram a partir de negociações amigáveis ou em situações de conflitos Os fenícios e gregos, por conta do comércio, das navegações ou mesmo da busca por espaço para o excedente de seu povo, foram fundando cidades e colônias ao longo da costa, com tamanhos que podiam ir de um pequeno porto e entreposto comercial a cidades. Na longa duração, as populações pertencentes a uma variedade de tribos berberes e as das diversas povoações cidades estados de origem Fenícia, colônias gregas e, posteriormente, províncias tomadas pelos romanos aos demais povos mantiveram relações amistosas ou inamistosas, variando em grau e no tempo conforme as situações, os locais, os costumes e os interesses dos envolvidos (ALVES 2019). Uma das cidades fundadas pelos fenícios foi Cartago, que, segundo o mito, foi construída em um território comprado de um chefe local. Era, como a maioria das cidades fenícias, uma cidade de mercadores e navegantes que comerciavam por todo o Mediterrâneo, desde a Síria Palestina ao Atlântico. Nem sempre o comércio era direto, pois na região da Hispânia os fenícios fundaram a colônia de Nova Cartago, a partir de onde provavelmente partiam para comerciar com a Grã-Bretanha. 15 Os cartagineses eram excelentes navegadores e tinham em sua cidade dois portos: um comercial e outro militar. Eles guerrearam com diversas cidades ao longo do tempo, preferindo, na maioria das vezes, contratar mercenários para fazer a guerra, seja porque a sua população era pequena, seja porque o comércio era o seu negócio real. Cartago se tornou independente com a queda de Tiro, no século VI a.C., mas a derrota das cidades fenícias não foi o fim de seu componente civilizacional, pois Cartago manteve em sua essência os elementos fenícios de sua fundação: organização política, linguagem, panteão, comércio e desenvolvimento marítimo (CARAYON, 2008). No século IV a.C., a cidade-estado de Cartago dominava a cena comercial e política no Ocidente. Segundo Warmington (2010, p. 476), após a queda de Tiro e das demais cidades fenícias sob o Império Neobabilônico, ela passou a “[...] exercer supremacia sobre as outras povoações fenícias do Ocidente, assumindo a liderança de um império na África do Norte, cuja criação teria profundas repercussões na história de todos os povos do Mediterrâneo ocidental [...]” Segundo Carayon (2008), Cartago controlava seus territórios por meio de acordos e tratados, sabendo como usar a força quando necessário para se defender ou atacar, como pode ser constatado nas Guerras Sicilianas, contra os gregos, ou nas Guerras Púnicas, contra os romanos. Ela era um império naval comercial que dominava o comércio mediterrâneo e tinha portos em lugares estratégicos. As disputas pela hegemonia no Mediterrâneo eram equilibradas enquanto ocorriam entre cartagineses e gregos. Contudo, lutando contra as forças romanas, os cartagineses não foram capazes de resistir e, depois de três guerras, chamadas Guerras Púnicas, sucumbiram (ALVES,2019). Essas guerras envolveram outros povos, como munidas e mauritanos, diretamente ou como mercenários. Elas custaram a Cartago não somente a hegemonia do Mediterrâneo, mas dinheiro, vidas, o próprio território e a existência. Os cartagineses sofreram a derrota final em 146 a.C. e tiveram a sua cidade destruída pelos romanos. Ela viria a ser refundada pelos próprios romanos posteriormente. A destruição da cidade foi completa, incluiu o Senado e a biblioteca. Foram derrubados prédios, casas e templos, depois incendiou-se tudo, não restando nada, nenhum escrito sobre Cartago para contar a história da cidade. Roma dizimou todo o povo da cidade e, com ele, uma 16 civilização; os que não morreram em batalha, de fome ou doenças, morreram assassinados pelos romanos. 5.1 Reinos berberes Os reinos das regiões central e oeste do norte da África se constituíram a partir dos limites de Cartago, em direção oeste. Eles resultaram de confederações formadas por povos de origem berbere. Originaram-se de três linhagens: a dos mauros (mais tarde chamados “mouros”), situada na Mauritânia, na parte mais ocidental do norte africano; a dos massilos, que faziam fronteira com Cartago a leste e com a região central da Berbéria a oeste; e a dos masesilos, que se radicou nesta última região (BUSTAMANTE, 2012; KORMIKIARI, 2007). Esses reinos foram fundados por povos de origem e tradição berbere: nômades, seminômades, alguns em processo de sedentarização. Tais povos eram originariamente compostos por pastores transumantes, cavaleiros e agricultores de zona única ou temporária que praticavam igualmente o comércio e a guerra. São classificados como indígenas ou autóctones, a depender do autor. Sua tradição é tribal, com divisões clânicas e agnastícias (que descendem de linhagem masculina) (KORMIKIARI, 2007). São guerreiros, especialmente os númidas, cuja cavalaria era famosa na Antiguidade e que também aparecem na história como mercenários. Os massilos e os masesilos são chamados pelos autores antigos de “númidas”. Após a Batalha de Zama (202 a.C.), Siphax, o rei dos masesilos, é encurralado pelos massilos e derrotado. Dessa forma, a Numídia passa a ser um reino unificado sob Massinissa(ALVES,2019). Do Sul de toda a região ocupada por Mauritânia, Numídia, Cartago e demais cidades-estados vinculadas aos fenícios, aos gregos ou à própria Cartago até as fronteiras do Egito, os gétulos, também berberes e nômades, dominam o espaço no limite setentrional do Saara. Segundo Warmington (2010, p. 474), os gétulos são “[...] os verdadeiros nômades do Saara [...]”. Além disso, há diversos outros povos e tribos berberes e descendentes de gregos, fenícios e cartagineses (residentes em cidades e colônias) que convivem e dividem esses espaços. 17 As regiões próximas à costa mediterrânea, onde ficavam os reinos da Mauritânia e o dos munidas, eram favoráveis à agricultura e forneciam frutas em quantidade. Essa boa terra, também devido à sua posição geográfica, interessou aos romanos, que acabaram por transformá-la pouco a pouco em províncias romanas, após a queda de Cartago. 6 O NORTE ORIENTAL DA ÁFRICA No espaço norte oriental da África Antiga, havia três grandes reinos: Egípcio, Kush e Axum. 6.1 O Egito (3.200–32 a.C.) O Egito é o mais conhecido e pesquisado império oriental da Antiguidade. Ele exerce uma atração imensa sobre pessoas e pesquisadores do mundo todo. É um lugar exótico, carregado de mistérios a desvendar, a maioria deles relacionados às suas pirâmides e ao seu povo, sobre os quais foram tecidas as mais diversas teorias. O Egito encantou Napoleão, os ingleses e Hitler (ALVES,2019). O Egito é reconhecidamente um grande reino nilótico que, inicialmente, por suas características geográficas, viveu “para dentro” de seu território. Por volta do século VII a.C., formam-se agrupamentos de agricultores e pastores que, posteriormente, constituem os nomos, divisões territoriais com política e administração próprias, onde já havia divisões de trabalho, especialistas e desigualdade social. Por volta de 4.000 a.C., os dirigentes dos nomos se agrupam inicialmente em dois reinos, o do Sul e o do Norte, unificados em aproximadamente 3.200 a.C. por Menés (ou Narmer), na época rei do Alto Egito. Menés formou, assim, o Império Unificado do Alto e do Baixo Egito, submetendo os nomarcas e tornando-se o primeiro faraó. A história política do Egito Antigo se divide em: Reino Antigo (3.200–2.100 a.C.) Primeiro Período Intermediário (2.100–2.055 a.C.); 18 Reino Médio (2.055–1.665 a.C.); Segundo Período Intermediário (1.650–1.550 a.C.); Reino Novo (1.550–1.070 a.C.). Os reinos foram intercalados por fases denominadas “períodos intermediários”, usualmente representantes de épocas de convulsão social e desgoverno. Os egípcios desenvolveram uma civilização hierarquizada com diversos níveis de estratificação. Eles cultuavam diversos deuses, eram grandes arquitetos, artistas e escritores. Desenvolveram a navegação, a pesquisa médica e científica e os processos de mumificação. Além disso, praticavam o comércio de Estado (ALVES,2019). Com o passar do tempo, no Reino Novo, período em que se desenvolveu o imperialismo, os egípcios voltaram-se “para fora”, guerreando e conquistando territórios, até que foram conquistados pelos persas, em 525 a.C. Mais tarde, foram conquistados por Alexandre, o Grande (356–323 a.C.). Após a morte de Alexandre, na divisão do Império Alexandrino, o Egito ficou sob o domínio de Ptolomeu, que se tornou faraó. Posteriormente, no reinado de Cleópatra VII (69–30 a.C.), O Egito foi dominado e tornou-se província de Roma sob o governo de Augusto (63–14 a.C.). 6.2 Núbia, o reino de Kush (2.700 a.C.–350 d.C.) Núbia é o nome dado a uma civilização antiga que se desenvolveu no território que vai da primeira à sexta catarata do Nilo, onde hoje se encontra o Sudão. Nesse território, começaram a se formar pequenas comunidades aproximadamente a partir de 4.000 a.C. O reino se estendeu até o mar Vermelho. Os seus habitantes praticavam como atividades principais a agricultura e o pastoreio (carneiros, cabras, gado de chifre, cavalos e burros). Além disso, praticavam o comércio, produziam cerâmica, extraíam e exportavam minerais diversos (especialmente ouro e pedras preciosas). Ademais, realizavam trabalhos de metalurgia. Posteriormente, desenvolveram a escrita meroítica. O Império Kush era também rota de caravanas que circulavam “[...] entre o mar Vermelho, o alto Nilo e a savana nilo-chadiana [...]” (HAKEM; HRBEK; VERCOUTTER, 2010, p. 322). Esse povo cultuava vários deuses, incluindo Amon, Ísis e Osíris, além de 19 outros de origem egípcia, como Apedemak (Figura 1), o deus-leão ou o deus Sebiumeker (Sbomeker). Como os egípcios, eles se dividiam geograficamente em Alta e Baixa Núbia, sendo unificados por volta de 2.400 a.C. Fonte: Hakem, Hrbeck e Vercoutter (2010, p.329). A arqueologia divide a cronologia do reino de Kush em etapas, aqui simplificadas (LEMOS, 2018): Período de Kerma (2.700–1.550 a.C), com capital situada próxima à terceira catarata; Período colonial (1.500–1.070 a.C), no qual o reino estava submetido ao Egito (ALVES,2019). Período de Napata (1.100–250 a.C), com capital situada próxima à quarta catarata (entre 745 e 655 a.C., durante o segundo reino de Kush, os núbios 20 se expandiram, dominaram o Egito e fundaram a XXV dinastia egípcia, só se retirando do Egito quando foram derrotados pelos assírios); Período merolítico (250 a.C–350 d.C), com capital em Meroé, situada ao sul de Napata, sendo um período marcado por mudanças culturais e materiais, incluindo a introdução da escrita merolítica, ainda não de todo decifrada. Para Hakem, Hrbek e Vercoutter (2010), a principal característica do poder político na Núbia e no Sudão central, desde o século VIII antes da Era Cristã até o século IV da Era Cristã, parece ter sido a sua extraordinária estabilidade e a sua continuidade. O povo que deu origem ao Império Núbio era de cultura autóctone. Ele praticava a eleição de reis e parece ter mantido a mesma linhagem em todo o período, assim como é patente o importante papel exercido pelas rainhas-mães “candaces” e outras mulheres da família real. Por outro lado, os seus ritos funerários sofreram algumas pequenas modificações a partir da colonização egípcia, sem, no entanto, se alterarem em sua essência. Os reis eleitos eram escolhidos entre candidatos designados pelos sacerdotes e, depois da coroação, eram reverenciados como deuses (DIODORO apud HAKEM; HRBEK; VERCOUTTER, 2010), Segundo Lemos (2018), há mais pirâmides na antiga Núbia, atual Sudão, do que no Egito. O autor explora e compara “[...] as dinâmicas e negociações culturais coloniais e imperiais, procurando discutir como a Núbia pôde utilizar elementos da cultura egípcia para criar seu próprio poder imperial [...]” (LEMOS, 2018, documento on-line). As relações entre núbios e egípcios ocorreram desde o início de suas histórias, com altos e baixos, atritos, paz e guerra, além de tomadas de território e poder. A Núbia possuía muito ouro, o que chamou a atenção dos egípcios a partir do Reino Médio. A partir do período colonial, as interações culturais envolveram aspectos como alimentação e formas de enterramento adaptadas ou subvertidas ao padrão cultural núbio. De acordo com Lemos (2018, documento on-line), “[...] no Período de Napata (1.100–250 a.C.), os núbios subverteram elementos egípcios para criar e reafirmar seu próprio poder e cultura [...]”. Nesse período construíram pirâmides e templos, desenvolvendo a complexidade cultural e expressando a grandeza que seu império 21 atingiu. É possível perceber a presença da refinada técnica egípcia de escrita hieroglífica em paredes que apresentam formas alimentares especificamente núbias. Essas técnicas, depois de apropriadas da arte egípcia, foram utilizadas como “[...] instrumento para representar símbolos de poder tipicamente núbios [...]” (LEMOS, 2018, documento on-line). No períodoseguinte, os cuxitas mudam a capital de Napata para Meroé; ainda hoje, discute-se se isso ocorreu por conta da guerra ou de alguma questão climática. Segundo Leclant (2010, p. 285), “[...] com a rainha Shanakdakhete (por volta de 170 a 160) parece ter ascendido ao poder um matriarcado tipicamente local. É numa edificação em honra de seu nome, em Naga, que se encontram inscrições gravadas em hieróglifos meroítas [...]”. Em Meroé, as candaces, rainhas-mães, se tornam importantes elementos da política e da ritualística do poder. As meroítas eram rainhas guerreiras que governavam e comandavam exércitos e que negociaram com Augusto. Segundo Leclant (2010), o auge do Império Meroíta, atestado por diversas construções, ocorreu no período próximo ao início da Era Cristã (ALVES,2019). Os últimos anos do Império são pouco conhecidos: as pirâmides reais têm seu tamanho reduzido e os objetos importados se tornam raros, indicando o empobrecimento e a decadência do reino (ou o fechamento ao mundo externo), que se torna alvo para seus vizinhos territoriais a leste, os blênios, ao sul, os axunitas, e a oeste, os nubas. Leclant (2010) acredita que tenham sido os nubas vindos do Oeste os responsáveis pela queda do Império Meroíta. Veja: Por volta de +330, o reino de Axum, que se desenvolvera nos elevados planaltos da Etiópia atual, chegara rapidamente ao ápice de seu poder; Ezana, o primeiro monarca a adotar o cristianismo, atingiu a confluência do Atbara e se vangloriou de ter preparado uma expedição “contra os Nubas” que rendeu muitas presas de guerra. De tudo isso pode-se concluir que o reino meroíta já havia ruído na época da campanha de Ezana (LECLANT, 2010, p. 290). Assim, tem início o terceiro dos reinos orientais do norte da África, o reino de Axum. 22 6.3 O reino de Axum (I–VII a.C.) A região onde surgiu o reino de Axum era ocupada desde a Pré-História. A época pré-axumita pode ser subdividida em dois períodos: o período sul-arábico e o período intermediário (ANFRAY, 2010). A partir do século V a.C., surgiu e estabeleceu-se no planalto etíope do Norte uma civilização marcada pela influência sul-arábica, em que a agricultura era o principal meio de sustento e que prosperou durante os séculos V e IV a.C., entrando em decadência logo depois. Esse era um povo de agricultores e criadores de gado. A sua cultura não desapareceu totalmente nos séculos seguintes, mesmo após a sua decadência. Os axunitas preservaram parte de suas tradições agrícolas e arquitetônicas, traços da língua e da escrita. Além disso, muitas de suas construções se encontram nos mesmos sítios do período da civilização anterior à de Axum (ANFRAY, 2010). No período intermediário, “[...] vestígios arqueológicos evidenciam já uma cultura local com assimilação de influências estrangeiras. Percebe-se ainda, sem dúvida, elementos sul- arábicos, mas não se trata mais de um influxo direto e, sim, de uma evolução interna a partir de contribuições anteriores [...]” (CONTENSON, 2010, p. 368). Os sítios desse período estão sendo estudados, mas ainda existem poucas informações a respeito deles. A região onde se forma o Império de Axum volta a florescer em meados do século III a.C., com a criação do porto de Adulis, no mar Vermelho, pelo rei Ptolomeu Filadelfo, espaço posteriormente ampliado por seu filho. Esse porto foi um dos maiores da Antiguidade e é citado no Périplo do Mar da Eritreia, editado no século I d.C. O reflorescimento, nesse período, é cultural, comercial e linguístico. Desenvolvem-se a agricultura, a criação de gado diversificado, as manufaturas, a metalurgia, a arquitetura, a navegação e o comércio de larga escala. Contenson (2010) afirma que, com o declínio de Meroé (reino de Kush) e dos povos sul-arábicos, os etíopes passaram a controlar o comércio da região, o que favoreceu a criação do reino no século II a.C. A religião é inicialmente politeísta, praticando-se culto a deuses de lugares diversos, como os do sul da Arábia e Meroé, além de deuses próprios. Ao mesmo tempo, o povo se considera descendente de Salomão, portanto judeu, até que 23 se converte ao cristianismo, quando os templos dos deuses antigos são transformados em igrejas. Assim, tal espaço era ocupado por um povo de variadas crenças que convivem entre si por determinadas temporalidades (ALVES,2019). Com relação ao judaísmo, considere o seguinte: Mesmo deixando de lado a narrativa do Kbre Neguest (Glória dos Reis), considerado pelos clérigos etíopes como um livro basilar de história e literatura, e no qual todos os reis de Axum são erroneamente ligados a Salomão e Moisés, certas tradições, transmitidas através dos séculos, aludem à presença de fiéis da religião judaica. Os indícios são a circuncisão e a excisão infantil, além do relativo respeito pelo sabá. Os cantos sagrados e as danças litúrgicas acompanhadas de tambores, sistros e palmas evocam a dança dos judeus e do rei Davi diante da arca da aliança (MEKOURIA, 2010, p. 427). Já a conversão do rei de Axum ao cristianismo é atribuída ao bispo Frumêncio, primeiro bispo de Axum, posteriormente santificado. Considere o seguinte: Do Século I ao século IV d.C., no Norte e Nordeste de África, assiste-se à presença da vanguarda intelectual do Cristianismo, que veio a sucumbir com o aparecimento do Islamismo e do seu ímpeto a partir do século VII. Assim, no Egito, na Núbia, no Sudão e na Etiópia o Cristianismo foi convictamente adaptado pelos povos africanos dessas regiões às suas próprias culturas e assumiu prestígio relevante nessa época. Documentos históricos, nomeadamente arquitetônicos e monumentais, dão conhecimento dessa mesma realidade (BRANCO, 2010, p. 64). Alguns detalhes que merecem atenção dizem respeito à língua antiga, que se manteve apesar de algumas alterações, como o sentido da escrita e da leitura. Convém notar que a Igreja Ortodoxa Etíope mantém a sua força até os dias atuais no antigo território axunita, hoje Etiópia. Eles ainda utilizam a língua ge’ez como língua ritual em suas cerimônias, da mesma forma como faziam os cristãos europeus em suas missas, embora não existam falantes cotidianos desse idioma (ALVES,2019). A lenda de que esse império foi fundado por um filho de Salomão e da rainha de Sabá persiste no imaginário, e supõe-se que um dos túmulos encontrados na região seja o da rainha. O local onde se desenvolveu Axum está cheio de sítios arqueológicos que são escavados e estudados; assim, espera-se que, no futuro, seja possível esclarecer mais sobre a história desse povo. Sabe-se sobre os reis de Axum 24 especialmente por meio da numismática, já que eles marcaram época ao realizar a cunhagem de moedas. 7 OS POVOS AFRICANOS DO SAHEL: CARACTERÍSTICAS SOCIAIS Desde 4000 a.C., antes dos egípcios, os povos do Saara já trabalhavam com barro e praticavam o pastoreio. Devido à desertificação do Saara, contudo, eles não se fixaram na região. Os poucos que se mantiveram por lá tornaram-se nômades, como os líbio-berberes, antepassados dos atuais tuaregues (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2007). O deslocamento dos caucasoides para o norte e o nordeste da África, enquanto os negroides se direcionavam para o sul, inclusive para o Sahel (Figura 1), gerou um aumento populacional e, consequentemente, o desenvolvimento da agricultura para manter a população em crescimento (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2007). Para Silva (2011), predominava uma “agricultura deambulante”, em que se explorava a terra por alguns anos e, quando se chegava ao esgotamento dela, buscava-se uma nova área para o cultivo. Além disso, acontecia o deslocamento mais frequente com os povos pastores. Fonte: Sahel Map (2018, documento on-line). 25 No período de chuva, os animais eram levados da savana para o Sahel para fugir da expansão da tsé-tsé (uma mosca condutora de um tipo de protozoário que infectainsetos e vários mamíferos e que se abriga em matas úmidas). Assim, os povos aproveitavam o ressurgimento do verde nas margens do Saara. No verão, retornavam para a savana em busca de bons pastos. A transumância favorecia a relação comercial entre pastores e agricultores. Na savana, eles trocavam leite e estrume por tubérculos, cereais e cabaças. No período de seca, os agricultores eram favorecidos pela presença do gado em suas terras, pois o esterco adubava o solo. Contudo, eles temiam o crescimento desse rebanho ou a sua chegada antes do período sazonal, por ameaçar as colheitas (CAMPOS,2019). Segundo Niane (2010, p. 172–174), no Sahel, os povos: [...] se encontravam nas cidades setentrionais do Sudão, como Takrur, Awdaghust, Kumbi-Sleh, Walata e Tombuctu. Da foz do Senegal, no Atlântico, até a curva do Níger, viviam os nômades Fulbe (Fulani), criadores de bovinos. […] no século XIV, contudo, alguns grupos Fulbe haviam se infiltrado bem ao sul e tendiam a sedentarizar-se, especialmente na região de Djenné, bem como na margem direita do rio Sankarani, perto de Niani, e na zona do Takrur. Os agricultores sahelianos — Tukuloor, Soninke e Songhai —, todos eles islamizados já nos séculos XI e XII, viviam em grandes aldeias. Nessa região de planícies, as comunicações eram fáceis, o que favorecia a fundação de cidades novas e a constituição de cultura comum, mesmo entre povos que não falavam a mesma língua. A organização social dos povos sahelianos fez com que alguns grupos se dividissem em reinos e impérios, ou se mantivessem em agrupamentos muito pequenos. Esses agrupamentos praticavam a caça e a coleta ou a plantação para a subsistência. Enquanto ocupassem a terra para a sua sobrevivência, detinham o seu usufruto, sendo que tudo o que era cultivado ou nascesse nela era da posse da família ou do grupo. A terra era distribuída para os chefes de família pelo conselho de anciões, pelo chefe da aldeia ou pelo rei. Os chefes podiam cultivar um ou mais lotes de terra. Esse regime ocorria em regiões em que era possível a rotatividade do solo alguns anos de cultivo e outros de repouso. No momento em que a terra entrava em descanso, o chefe de família precisava ter um novo trato de terra. Dessa maneira, a alocação da terra passava por várias gerações, ficando na família, que assim herdava o uso da terra (SILVA, 2011). Mesmo detendo o usufruto da terra, na África ela não se tornava uma 26 propriedade da família, do chefe da aldeia ou do rei. A consciência de poder político estava calcada nas concepções religiosas e morais. Tanto se a organização social fosse simples quanto se fosse complexa, o núcleo de base, nos povos do Sahel, era a família estendida (clã ou linhagem). Ela era organizada em uma ordem patrimonial ou matrimonial. Veja o que afirma Souza (2006, p. 31): O chefe de família, cercado de seus dependentes e agregados, era o núcleo básico da organização na África. Assim, todos ficavam unidos pela autoridade de um dos membros do grupo, geralmente mais velho e que tinha dado mostras ao longo da vida da sua capacidade de liderança, de fazer justiça, de manter a harmonia na vida de todo dia. Conforme Souza (2006), percebe-se que a concepção de chefe nas sociedades sahelianas é diferente da concepção moderna, a de um indivíduo autoritário e temido. Naquela sociedade, um chefe não estava acima do grupo; ele pregava a união entre todos, fazendo com que exercessem a solidariedade em uma estrutura complexa de interdependência. Além disso, o poder não era hereditário, apesar de muitas vezes acontecer a sucessão dentro da mesma família. Segundo Pereira (apud VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2013, p. 27), o “[...] herdeiro natural e direto do chefe morto, por exemplo, não necessariamente assumia o lugar do mesmo”. Na sociedade africana, a religião estava presente no exercício do poder, pois a autoridade das lideranças era calcada no sobrenatural. Depois de serem reconhecidos pelos membros do seu grupo, os chefes deviam ser legitimados pelos sacerdotes, que trabalhavam pelo bem-estar da comunidade. Os sacerdotes consultavam entidades sobrenaturais como os deuses locais, espíritos ancestrais que tinham relação com a fundação da comunidade e eram responsáveis pelos recursos naturais da região. A cosmovisão africana era decifrada e controlada pela religiosidade nessas sociedades (SOUZA, 2006). O comércio interno de produção simples e a organização do trabalho com base na pequena família (clã ou linhagem) e na terra geraram uma sociedade tributária- mercantil que sobrepôs um reino a outro ou a um grupo. Isso promoveu o poder e a riqueza de alguns impérios que, calcados no excedente, deram origem ao comércio de longa distância (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2013). A cultura e a religião são dois 27 elementos fundamentais para o entendimento da sociedade tradicional africana e dos desdobramentos de sua relação tributária-mercantil com outros povos. 8 AS RELAÇÕES POLÍTICAS E ECONÔMICAS NA CONSTITUIÇÃO DAS SOCIEDADES SAHELIANAS O islamismo teve forte influência nas questões político-administrativas dos povos do Sahel. No momento em que estados africanos tornavam-se muçulmanos, isso os favorecia e permitia o maior desenvolvimento do seu comércio. Os azanegues e os tuarengues eram os povos que faziam a intermediação entre o Mediterrâneo e o Sahel. Eles montavam seus acampamentos nas áreas mais férteis, próximas aos rios e lagos, onde deixavam seus animais descansarem. Nessas regiões, aproveitavam para criar vínculos com os povos locais e estabelecer comércio. Em torno desses acampamentos temporários, formaram-se cidades como Tombuctu. As cidades se concentravam principalmente em locais de comércio. Os agricultores e pastores se estabeleciam perto dos mercados para abastecer com alimentos o grupo de nômades e os comerciantes locais (SOUZA, 2006). Segundo Souza (2006, p. 34): [...] do Norte vinham sal, tecidos, contas, utensílios e armas de metal. Do Sul vinham ouro, noz-de-cola, marfim, peles, resinas, corantes, essências, que eram levados para o norte pelos comerciantes fulas, mandigas e hauças. Estes eram guiados pelos tuaregues e outros povos do deserto. Como as cidades abrigavam uma população voltada para atividades diversas e com interesses distintos, precisaram de um sistema de governo complexo. Algumas centralizavam o poder em um governante e em seus auxiliares. Assim, buscavam o sucesso de seu reino expandindo seus limites, acumulando riquezas e ampliando sua influência sobre povos vizinhos. O Mali é um dos impérios que foi além do seu próprio território (SOUZA, 2006). 28 8.1 Reino de Gana O reino de Gana localizava-se entre o deserto do Saara e os rios Níger e Senegal ele foi fundado no século IV, pelos povos da etnia Soninke ou Sarakolle (NIANE, 2010). Entretanto, era governado pela dinastia dos Magas, uma família berbere que ficou no poder até o século XVIII. A capital de Gana era Kumbi Saleh e abrigava aproximadamente 15 mil pessoas. A maior parte da população era formada por agricultores. O enriquecimento do reino ocorreu devido à sua localização, no extremo sul da rota comercial do Saara, e pela existência de reservas de metal. Desde o século VIII, no Marrocos, a região já era conhecida como a “terra do ouro”. Ela mantinha comércio com o norte da África, trocando tecidos, noz-de-cola e ouro. Trocava-se principalmente ouro por sal, pois o tempero era raro na região das savanas e, por isso, considerado valioso. Por volta do século X, o reino de Gana atingiu o seu apogeu e atraiu a atenção dos árabes. Segundo Assumpção (2008), após diversos ataques dos povos Almorávidas do Magreb, isto é, grupos de muçulmanos cujos primeiros adeptos viviam no Saara Meridional e que procuravam expandir o Islã nessa região, Gana acabou sucumbida e por volta de 1240, o reino de Gana entrou em declínio,sendo destruído pelo povo do Mali. Outro motivo do declínio foi a perda do domínio do comércio do ouro, assim como a ascensão de outros impérios sudaneses, como Tecrur, Zafum e Sosso. 8.2 Império do Mali O império do Mali, localizado no alto do Níger entre o século XIII e o XV, era considerado o império mais importante da savana ocidental. O seu início está relacionado ao desenvolvimento de um pequeno Estado chamado Kangaba (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2007). A origem desse império está nos povos de língua mandê que habitavam em um kafu (conjunto de aldeias cercadas por terras cultivadas) no vale do Níger, governado pelos famas (descendentes dos primeiros habitantes do vale do Níger), donos da terra. Eles expandiram-se pela região até o 29 deserto e a floresta, também nas províncias conquistadas, mantendo vassalos semi- independentes. Por volta do século XIII, o guerreiro Sundiata (responsável pela junção de várias comunidades maliquês) foi coroado como o grande rei do Mali devido à expansão em territórios maliquês, vencendo os nossos (antigos subordinados de Gana). Sundiata fundou uma nova capital, Niani. Além disso, incorporou ao seu domínio o império de Gana, incluindo os territórios ao longo dos rios Gâmbia e Senegal e pelo alto Níger, assim como as minas de ouro de Bambuk e de Buré (MATTOS, 2007). Dessa forma, passou a controlar todo o comércio de ouro e sal transaariano. A organização política do Mali abrangia desde os reinos até as aldeias, tudo sob a influência do rei, que cobrava tributos, gerenciados pelo conselho de anciões. A sociedade era organizada de forma hierárquica. No topo, ficava o rei do Mali, denominado mansa; logo abaixo, a linhagem real, o clã dos Queitas, a nação mandinga e outras nações. Em cada nação, existiam famílias reais, nobreza, homens livres, servos e escravos. A sucessão do reino podia ser patrilinear ou fratilinear. Ou seja, tanto o filho quanto o irmão do rei poderiam substitui-lo no poder. Foi no século XIII que o filho de Sundiata, Uli, o sucedeu no trono do Mali e passou a controlar os grandes centros comerciais do Sahel, Tombuctu, Ualata, Djenné e Gaô. Tombuctu localizava-se ao noroeste do Níger e era a cidade mais famosa da região, por ser um ponto de encontro de várias rotas comerciais e local de descanso de muitas caravanas que atravessavam o deserto. Djenné ficava na região do rio Bani e era considerada um grande centro agropecuário e comercial, ligando a savana, o cerrado e a floresta. Tombuctu e Djenné se desenvolveram mais ainda no século XIV, devido à integração do comércio transaariano. O comércio era realizado pelos soninquês e mandingas, também conhecidos como uângaras ou diulas, que atravessavam a savana e a floresta. No século XIV, o Mali começou a entrar em decadência devido às disputas de sucessão entre os descendentes de Sundiata Keita, o que ocasionou a desintegração do reino em pequenos Estados. 30 8.3 Império de Songhai Desde o final do século XIII, Songhai tentava obter gradativamente a sua independência do domínio do império do Mali, sendo que a conquistou um século depois. Mas foi no século XV, com sonni Ali Ber, que Songhai atingiu o seu apogeu e expandiu o seu território, tomando Djenné, Tombuctu e Ualata do Mali. Nessas cidades conquistadas, passou a explorar a agricultura e o comércio. Além disso, tomou as aldeias bambaras e o reino de Mema e recuperou o controle das rotas comerciais caravaneiras em Gaô. O império de Songhai tentou ainda tomar as terras dos mossis, fulas e dogons, que foram de domínio do Mali, entretanto não conseguiu incorporá-las. Com a morte de sonni Ali Ber, em 1492, os membros da família real e a nobreza militar começaram a disputar o poder, o que gerou a divisão do Estado (MATTOS, 2007). Em 1493, ocorreu um golpe de Estado militar, chegando ao poder a dinastia Ásquia, sob o governo de Ásquia Muhammed (M’BOKOLO, 2009). No seu governo, ele criou um exército profissional, melhorando a qualidade dos guerreiros. Além disso, reduziu os tributos cobrados à população, liberando a produção agrícola, artesanal e comercial. Com a expansão do território de Songhai, foi implantada uma política administrativa para cada região, mas todas sob o controle do rei. Da região de Dendi, para além de Djenné, os vassalos e um núcleo de várias províncias eram comandados por parentes ou pessoas próximas ao rei, denominados farma ou farima. A parte ocidental era governada por um vice-rei, chamado curmina-fari. E a região oriental ficava sob o comando de outro vice-rei, com a denominação dendi-fari (MATTOS, 2007). O fim do reinado de Muhammed iniciou uma luta entre as dinastias, e os ataques dos impérios vizinhos geraram o enfraquecimento do Estado. Além disso, a invasão dos berberes e do império marroquino, em 1591, terminou de vez com o império de Songhai (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2007). 31 8.4 Tecrur O reino Tecrur ficava localizado nas margens do rio Senegal, ponto privilegiado pela ligação entre o deserto, a savana e também o litoral Atlântico e o interior. Por volta do século IX, esse reino era constituído por agricultores sererês, que deram origem aos tuculores, e pelos pastores fulas, do Saara. Os tuculores eram os grandes comerciantes islamitas de ouro e escravos. A primeira dinastia do reino foi a Diáogo, composta pelas fulas ou berberes. No final do século X, essa dinastia foi substituída pelas manas, do Estado de Diara, que permaneceram por 300 anos no poder. No século seguinte, o rei tuculor Uar-Jabe ibn Rabis se converteu ao islamismo, propagando essa doutrina religiosa por meio da força e pela catequese, com o auxílio dos mercadores tuculores. Segundo Mattos (2007, p. 27), “Os mercadores de Tecrur comercializavam ouro, escravos, âmbar, cobre, goma, contas, lã e sal pelas rotas do Atlântico ou por Audagoste, fazendo chegar esses produtos até Marrocos, Gana e Níger”. Tecrur tornou-se concorrente de Gana ao expandir o seu território até Barisa, que era um ponto comercial de ouro sob influência desse reino. No século XIV, as manas perderam o poder para os sereres e mandês da dinastia de Tondions, que no século seguinte acabaram sendo substituídos pelas fulas de Lam- Termes. Nesse mesmo período, o Tecrur foi invadido por guerreiros externos, o que ocasionou a sua divisão em pequenos reinos (MATTOS, 2007). 8.5 Kanem e Bornu Os reinos Kanem e Bornu surgiram a leste de Songhai, entre o rio Níger e o lago Chade. Muitos povos se instalaram nessa região para fugir da seca do Saara. O reino de Kanem tem a sua fundação atribuída aos zagauas, nômades do Sahel. Outra versão está relacionada à ideia de fortalecer a conversão de Kanem ao islamismo e levar a dinastia Sefau ao poder. Segundo Mattos (2007, p. 29), “Ibrahim, o filho de um grande herói árabe Saife inb Dhi Yazan viajou para o Sudão Central e tornou-se líder dos magumis, nômades do nordeste do lago Chade, conquistando vários grupos dessa 32 área”. Enfim, existem várias versões sobre a origem do Kanem, todas relacionadas à submissão entre povos, os mais fracos sob o comando dos mais fortes em função da supremacia militar, do domínio da metalurgia do ferro, do uso do cavalo ou da estratégia comercial. Nessa região, havia comércio de escravos, que eram vendidos para o norte da África como concubinas, eunucos, soldados e criados. No reino de Kanem, o escravizado era utilizado para pagar tributos e compor exércitos, bem como para o trabalho na agricultura e no pastoreio. Os escravos eram adquiridos pelo reino por meio de sequestros e ataques às aldeias próximas. Esses ataques também serviam para a expansão territorial do reino; os vizinhos tornavam-se vassalos em troca de proteção. No século XIV, Kanem entrou em decadência devido a várias guerras contra os saôs e por ser invadido pelos reinos vizinhos, que queriamescravizar a sua população. Por volta do século VII, os saôs chegaram à região, vindos do Norte, e se instalaram no curso inferior do rio Logone e no delta do Chari (LOPES, 2011). O rei Umar ibn Idris abandonou Kanem e foi com o seu exército para Bornu, no planalto de Chade. Bornu era uma região com inúmeras terras fertéis e, conforme Mattos (2007), tinha possíveis fontes para a captura de indivíduos. Além disso, era a saída de rotas comerciais para a África do Norte e para o Egito. A população em Bornu era canúri, ou seja, uma mistura dos povos canembus e saôs. O reino de Bornu era formado por aldeias, que se organizavam em torno dos chefes tradicionais, os bulamas, que se submetiam aos representantes militares do rei, os maína. O rei governava com o apoio dos maína e pela influência da rainha mãe, magira, e da rainha irmã (MATTOS, 2007). Os produtos que comercializavam eram escravos, que trocavam por cavalos vindos da África do Norte. Conforme Mattos (2007, p. 30), “Cada cavalo valia em torno de 15 a 20 escravos”. Além disso, como Kanem, Bornu guerreava com povos vizinhos para adquirir o seu produto. 33 8.6 Reinos iorubás: Ifé e Benin Os reinos iorubás foram constituídos da diversidade de povos e sociedades que habitavam as regiões ao sul, ao sudeste e ao sudoeste dos rios Níger e Benué há milhares de anos. Nessa área, viviam os povos de línguas edo, idoma, iorubano, ibo, ijó, igala, nupe, entre outros de origem linguística níger-congo (MATTOS, 2007). Por volta do século VI, Ifé começou a se estruturar em pequenas aldeias agrícolas que desenvolviam um comércio simples entre si. Alguns anos mais tarde, tornou-se um centro comercial importante devido ao desenvolvimento da metalurgia do ferro e à sua localização geográfica, na rota entre o rio Níger e Cotonu, constituindo um entreposto entre a savana, a floresta e o litoral. Conforme Mattos (2007), o comércio se dava de Ifé para Gaô, que fica ao norte, para as cidades hauças e para os povos de Ijebu, ao sul. Os produtos levados eram sal, ouro, marfim, dendê, pimentas, noz-de- cola, inhame, peixe seco e gomas. Além de ser um entreposto comercial, Ifé era uma cidade-estado e recebia tributos de outros minis estados. Era considerado um centro religioso do povo iorubá por ser o núcleo de origem de outras cidades. Segundo Lopes (2011, p. 164), “[...] de Ilê-Ifé, especificamente da localidade de Itajerô, teriam saído 27 descendentes de Odudua para fundar várias cidades e províncias, inclusive a que constituiria, mais tarde, o reino de Benin” Benin era um dos minis estados subordinados a Ifé e foi fundado pelos povos edos. Era organizado por um chefe (ovie/ogie), representante da unidade de várias comunidades administrativas, pelas linhagens e pelos grupos de anciões. Os mais velhos tinham o poder de legislar sobre as terras e os costumes das aldeias agrícolas, além de orientar o trabalho de alguns grupos. Os problemas e disputas na comunidade eram resolvidos nos santuários criados em homenagem aos ancestrais. As funções administrativas e políticas eram divididas de acordo com a hierarquia de geração. Os adultos cuidavam da proteção e das atividades principais, enquanto os mais novos eram encarregados de pagar os tributos ao obá (rei). Em termos econômicos, os reinos iorubás não eram grandes produtores agrícolas, pois as terras da floresta não eram muito fertéis. Apesar disso, cultivavam 34 inhame, melão, feijão, pimentas-de-rabo, anileiras e algodão. O que mantinham era o comércio, pois eram entrepostos de mercadores. Eles se expandiram em direção às rotas comerciais com o intuito de controlar as atividades mercantis e dominar outros pontos, como Aboh, Onistsha e Eko (MATTOS, 2007). 9 AS CARACTERÍSTICAS DA ÁFRICA CENTRO-OCIDENTAL E ORIENTAL O objetivo desta seção é apresentar as características gerais dos povos e reinos da chamada África Centro-Ocidental. Conforme Mattos (2007), próximo ao rio Zaire e das savanas ao sul da floresta equatorial, predominavam os povos bantos. Por volta do século XIII, surgiu o Estado de Luba, que mais tarde incorporou outras aldeias e formou um império. O Reino de Luba era composto por diferentes aldeias e pelo rei, descendente das linhas de guerreiros (Kalala Ilunga e Kongolo), o qual era o grande responsável pela proteção, fertilidade e prosperidade de todos, com a ajuda dos representantes escolhidos pelas aldeias. Já no vale do Kalany, às margens do rio Bushimai, viviam pescadores e agricultores de origem Lunda. Os chefes das diferentes aldeias (Cabungu) eram senhores respeitados entre as comunidades e considerados líderes espirituais. À medida em que as aldeias cresciam, um novo indivíduo era erguido à condição de chefe dos grupos, sempre mantendo os laços de parentesco e políticos. Por volta do século XV, ocorreu a centralização do poder e a expansão dos limites do reino (como a incorporação de aldeias dos vales Kalany, Lulua e Cassai), formando uma nova estrutura política em torno do Império Lunda. Aos poucos, diferentes grupos opositores abandonaram o Império e seguiram para regiões do Oeste em direção à Angola. 9.1 Reino do Congo O Reino do Congo teve origem entre 1350 e 1375, com Nimia Nzima, que, ao longo do tempo, expandiu o território e domínios mediante conquistas e alianças com diferentes regiões, sobretudo, aquelas ao sul do rio do Congo. Seu filho e sucessor, 35 Lukeni lua Nimi, empreendeu uma política semelhante e estendeu o poder sobre organizações políticas na região norte do rio do Congo, anexando áreas como Vugu, Ngoyo e Kakongo. Esse mesmo rei conseguiu alcançar domínios até a região de Mbanza Kongo, para onde mudou a capital e fundou, por volta do século XV, um estado que se chamaria Congo (ou Kongo), formado por comunidades que compartilhavam o grupo linguístico banto, sobretudo os bakongo (CORREIA, 2012). Em termos de atividades agrícolas, a região do Congo possuía terras férteis, onde os povos plantavam coco, banana, dendê, sorgo, milho, inhame, cola. O sal era um elemento importante a ser extraído, e muitos dedicavam-se à caça, à pesca, à criação de porcos, cabras, galinhas e cães. Outras atividades também se destacavam, como a tecelagem, artesanato e metalurgia (MATTOS, 2007). Em termos de estrutura social e política, os nobres moravam nas cidades e somente se deslocavam para as províncias quando alçavam algum cargo político/administrativo. A alta nobreza, por sua vez, era composta por parentes do rei ou um de seus predecessores, constituindo, assim, casas bilaterais interligadas por alianças matrimoniais. Frente às aldeias, a nobreza formava um bloco que era determinante no acesso às terras (CORREIA, 2012). Devido a essa estrutura, pode-se dizer que a nobreza era caracterizada como um dos elementos mais importantes e significativos para a coesão social, sobretudo nas cidades. Por fim, ao final do século XV, os domínios do Congo englobavam territórios da costa oeste do Atlântico, do rio Zaire até Luozi (norte), rio Inquisi (leste) rio Loje ou Dande (sul) e a ilha de Luanda (MATTOS, 2007; CORREIA, 2012). 9.2 Reino de Ndongo (Angola) Os territórios do Reino de Ndongo compreendiam faixas de terras entre dois importantes rios: o Kwanza e o Bengo. Cercado por importantes reinos como o Congo e Matamba, Ndongo era habitado por povos Mbundus de origem banto, falando língua Kimbindu. A principal autoridade entre os Mbundus era o Ngola, título que deu origem à designação Angola. Entretanto, conforme afirma Carvalho (2011), o poder do Ngola era restrito e muitos dos chefes das tribos (sobas) locais reconheciam sua autoridade 36 apenas como mística ou espiritual, como, por exemplo, o dom de fazer a chuva, mas não reconheciam a sua legitimidade política. No século XVI, o poder de Ngola aumentou e Kiluanji efetivou a centralização do poder. Com isso,passou a controlar a religião, a política, o comércio e os depósitos de ferro. Desse modo, o Reino de Ndongo era um estado organizado, sendo o rei assessorado pelo tendala, que o auxiliava administrativamente em tempos de guerra e paz, pelo Ngolambole que era o chefe de guerra. 9.3 África Oriental De acordo com Mattos (2007), por volta do século VI, nas terras próximas ao rio Juba ou a Lamu existia o reino Xunguaia, que supostamente tenha originado a cultura suaíli. Seus habitantes eram caçadores e agricultores bantos e pastores cuxitas. Alguns historiadores acreditam que os suaílis seriam agricultores bantos, vindos dos Grandes Lagos e das montanhas de Kwale, que desde o ano 500 se expandiram pela costa. Em várias cidades-estado da África Oriental, como Quíloa, Mogadixo, Mombaça, Moçambique, Zanzibar, Mafi a, Melinde, a organização política concentrava-se na figura de um sultão ou xeque, que governava com o apoio de um conselho, aparentemente com base nas leis islâmicas (MATTOS, 2007, p. 44). Na região da costa índica, as cidades já desenvolviam intensas atividades mercantis, o que, por sua vez, permitiu que os habitantes dessa região entrassem em contato com os povos árabes, persas e romanos, permitindo também diferentes trocas culturais. Mattos (2007) aponta que, de fora do Continente Africano, chegavam em grandes navios árabes e indianos diversos mercadores de luxo, dentre elas o vidro e cauris, das Maldivas. Grupos mais abastados realizavam suas refeições em louças chinesas ou persas, já os mais pobres comiam em torno de uma grande panela de cerâmica, comunitária. Entre os séculos XII e XIII, por exemplo, a cidade de Quiloa tornou-se um importante centro comercial, o que permitiu o desenvolvimento dessa região. Seus habitantes eram pescadores bantos, mas que possuíam grande conhecimento em metalurgia do ferro e cobre e produziam artefatos de cerâmica vermelha. Os produtos 37 comercializados giravam em torno de frutas, peixes, sal, cereais e o gado. Mais tarde, incluíram produtos como marfim e peles, no intuito de estabelecer relações comerciais com a Arábia, Índia, Pérsia e China. A partir do século XV, a cidade de Quiloa declinou em termos comerciais devido à concorrência com outras regiões, entretanto, outras cidades da região do Índico também se desenvolveram, como é o caso de Mombaça, Zanzibar e Melinde. 9.4 Grande Zimbabue e o Reino de Monotapa Os povos bantos que chegaram a região dos rios Zambeze e Limpopo, por volta do primeiro milênio, desenvolveram práticas como a da agricultura, do pastoreio e da metalurgia. No século XII iniciou-se a exploração de ouro nessa região, onde havia diversas jazidas (CAMPO,2019). Segundo Fagan (2010), no século XV o Grande Zimbábue tornou-se um importante centro comercial e os seus soberanos exerciam monopólio sobre as atividades de trocas. Era vantajoso para o negociante estrangeiro trabalhar em cooperação com os dirigentes, pois isso poderia garantir maior segurança e lucros. Mattos (2007) aponta que também no século XV o Grande Zimbábue entrou em decadência e isso se deu por diferentes motivos: a diminuição das águas do rio Save, a presença o mosquito tsé-tsé, que prejudicava a criação de gado, o crescimento populacional, o esgotamento do solo e de animais de caça. Esses fatores levaram o soberano Niatsimba Mutota a estabelecer, na segunda metade do século XV, uma nova capital do reino, ao norte, na região do Dande, entre os rios Mazoé e Hunyani. Nessa área surgiram diferentes dinastias carangas, cujos reis eram conhecidos como Monomotapa, que significa “senhor dos cativos” ou “senhor de tudo”. Fagan (2010) afirma que o soberano Mutope expandiu o território monomotapa para a região norte, transferindo a capital para uma área setentrional, longe da Grande Zimbábue. Por volta de 1490, as partes meridionais do reino romperam com a autoridade central. O reino Monomotapa estava restrito à região dos rios Zambeze, Mazoé, Lueanha, Dande e Huambe, bem como a cordilheira de Unvucué e ao vale do Zambeze. Conforme nos aponta Mattos (2007), a principal cidade era Ingombe Ilede, principal concorrente 38 da Grande Zimbábue, além de Cafué. Desde o século XIV, essas regiões tornaram-se centros de produção de sorgo, algodão, sal, da criação de bois e cabras, bem como produtos de cobre e cerâmica. Além disso, eram importantes pontos comerciais em que se trocavam o sal pelo marfim de Guembe e o cobre de Urungué. A partir do século XVI até XVII o domínio monomotapa caiu sob a influência dos portugueses (CAMPOS, 2019). 10 CULTURA AFRICANA A cultura, em essência, representa uma espécie de lente na qual olhamos o mundo e que nos condiciona a valores e práticas que compartilhamos com o grupo social no qual convivemos (LARAIA, 2008). O conceito de cultura de que nos reportamos é o de sentido antropológico. A cultura africana, nessa perspectiva, corresponde, em poucas palavras, à totalidade de práticas carregadas de significado, desenvolvidas por grupos sociais africanos e afrodescendentes em unidade na diversidade que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes, ou seja, hábitos adquiridos e presentes nos homens (e em cada indivíduo) como integrantes de uma sociedade (MUNANGA, 2009). Efetivamente, somos resultado de práticas carregadas de significados que compõe nossa herança cultural. A cultura africana está alinhada ao cotidiano brasileiro no quadro de uma longa herança cultural construída por inúmeras gerações de afro- brasileiros, desde o período colonial até o tempo presente. Os africanos foram compulsoriamente conduzidos ao Brasil no processo de diáspora negra que transformou seres humanos, de diversas etnias e culturas, em escravos na América Portuguesa. As práticas religiosas africanas já estão incorporadas aos ritos de fé no Brasil desde o período colonial. No século XVII, já há informações de manifestação de cultos africanos. Os atos religiosos iam além do mero ritual sagrado, congregando em si, também, práticas de curas do corpo enfermo e de adivinhação. 39 A diversidade étnica dos negros diasporizados e a presença imperativa do catolicismo ibérico tornaram o sincretismo religioso em um ato estratégico a fim de garantir a identidade africana (QUEIROZ, 2017). O candomblé possibilitou a reunião de negros escravizados de diversas etnias africanas, de línguas e culturas diferentes, em uma mesma matriz religiosa. Diferentes deuses celebrados no mesmo espaço religando povos africanos distintos a partir da fabricação de religiosidade afro-brasileira. A constante perseguição religiosa, no século XIX, e a persistência do candomblé como identidade negra até os dias de hoje demonstram-nos que as práticas religiosas de matriz africana estão alicerçadas na identidade brasileira. Ao contrário do catolicismo que adveio do topo da hierarquia ibérica para a América Latina, o candomblé nasce como criação popular de extensão africana. Realmente, o que caracteriza a cultura afro- brasileira é o popular, a africanidade que está no povo. Há uma independência surpreendente dos negros na formação das teias de significados culturais que escapa ao poder do Estado (QUEIROZ, 2017). O candomblé, além de ligar o continente africano à América e, de mesma forma, africanos aos afro-brasileiros, também produzia uma mistura geral: étnica, racial e social. Fonte: Brasil (2013) 40 11 COLONIALISMO NA ÁFRICA: A ESCRAVIDÃO E O TRÁFICO DE ESCRAVOS A historiografia ainda não chegou a um consenso sobre o surgimento da escravidão. Estudos referentes à Antiguidade Clássica revelam que gregos e romanos escravizavam os prisioneiros de guerra. Por sua vez, mesopotâmicos e egípcios contavam com escravos na base de suas pirâmides sociais. Silva (2002) aponta que uma campanha militar do faraó Esneferu, realizada por volta de 2.680 a.C.,
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