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Introdução à Bioquímica Apresentação Nesta Unidade de Aprendizagem você vai aprender como a Bioquímica Clínica é útil para o diagnóstico, prognóstico e tratamento das doenças. Além disso, você vai conhecer os perfis bioquímicos que auxiliam os médicos a tratar de seus pacientes. Os componentes bioquímicos encontram-se em uma quantidade estável no sangue e fluidos biológicos, porém quando há uma alteração na homeostase, podem sugerir testes bioquímicos alterados que indicam alguma doença. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Indicar os analitos que podem ser determinados no laboratório de Análises Clínicas;• Reconhecer a importância do perfil bioquímico e sua interpretação para o diagnóstico e tratamento médico; • Identificar que um perfil bioquímico alterado pode fornecer informações quanto a saúde do paciente. • Desafio O surgimento da Bioquímica Clínica Desde o período de 400 a.C., existem relatos que os médicos utilizavam a urina dos pacientes para basear suas hipóteses diagnósticas. Hipócrates, considerado o "Pai da Medicina", atribuía alterações nos fluidos dos pacientes com todas as doenças. Além disso, o médico Ephesus descreveu a presença de sangue na urina (conhecida como hematúria) e a análise da urina foi o principal fluido biológico utilizado pelos médicos até a época da Idade Média. No século XVI, surgiram métodos para o isolamento de proteínas, além da descoberta de como é o funcionamento da circulação sanguínea. Diante de tal contexto, você foi desafiado a responder: a) Durante muito tempo, Hipócrates provava a urina dos pacientes para diagnóstico do diabetes. Explique esta afirmação. b) O químico Otto Folin desenvolveu métodos para a quantificação de analitos na urina, tais como amônia, nitrogênio não proteico, ácido úrico, adrenalina e ureia. Qual foi a importância desses exames para o diagnóstico? Infográfico Na ilustração a seguir, está representada uma visão geral do que será abordado na Bioquímica Clínica. Conteúdo do livro Compreender os mecanismos pelos quais o organismo vivo se manifesta compõe o estudo da bioquímica básica. Mesurar essas reações fazem parte dos estudos voltados para a bioquímica Clínica. Parâmetros bioquímicos são de grande importância na compreensão de diversas patologias bem como na avaliação do estado geral de saúde do paciente. Avaliar perfis como lipídico, glicídico, funções renais, hepáticos dentre outros fazem parte da rotina clínica e conferem ao profissional de saúde informações precisas e importantes no processo de saúde doença. Nessa Unidade de aprendizagem você será convidado a compreender aspectos de grande importância envolvendo a bioquímica clínica bem como avaliar a real função dessa ciência no entendimento do corpo e estiar valores de referência nos mais diversos exames bioquímicos. Boa leitura. INTRODUÇÃO A BIOQUÍMICA Ana Daniela Coutinho Vieira Introdução à bioquímica OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: > Indicar os analitos que podem ser determinados no laboratório de análises clínicas. > Reconhecer a importância do perfil bioquímico e sua interpretação para o diagnóstico e tratamento médico. > Identificar um perfil bioquímico alterado e as informações sobre a saúde do paciente. Introdução A bioquímica consiste na interação entre as moléculas orgânicas e inorgânicas e os processos metabólicos e moleculares aos quais elas são integradas dentro de um sistema. Em um organismo vivo, como no corpo humano, essas moléculas são sinte- tizadas e degradadas de forma contínua, gerando energia e metabólitos sem os quais a manutenção fisiológica do corpo seria impossível (NELSON; COX, 2014). Por sua vez, a bioquímica clínica é a integração desses princípios em um âmbito médico-laboratorial. Neste capítulo, você irá conhecer um dos principais setores de um laboratório de análises clínicas — o de bioquímica —, responsável por um grande volume de exames diários. A partir de amostras biológicas variadas, as análises realizadas nesse setor geram resultados capazes de diagnosticar doenças, acompanhar evoluções clínicas e avaliar a fisiologia corporal de uma forma ampla e diversa. A partir dessas informações, você irá então conhecer quais são as amostras utilizadas para tais análises, além dos principais analitos avaliados. Com isso, será também capaz de compreender a importância dos perfis bioquímicos e das informações passadas por meio deles para o diagnóstico e o tratamento de diversas condições, colaborando diretamente para um melhor desfecho clínico dos pacientes. Bioquímica no contexto laboratorial Os exames bioquímicos compõem uma porção consideravelmente elevada dentro das análises realizadas em um laboratório clínico. Eles são requisi- tados em situações variadas, por vezes mais específicas, como na avaliação de glicemia em suspeitas de diabetes, e por vezes de forma complementar, como na monitorização de função hepática em pacientes acometidos por hepatites virais (MURPHY; SRIVASTAVA; DEANS, 2019). Por meio dos achados bioquímicos, é possível determinar o estado funcional dos mais diversos órgãos e sistemas corporais, realizar a triagem e o acompanhamento de distúrbios metabólicos, avaliar a resposta a tratamentos, entre outras tantas possibilidades que fazem com que o setor de bioquímica seja essencial na composição de um laboratório, seja este de pequeno ou grande porte, com atendimento ambulatorial ou hospitalar. Alguns desses exames são considerados rotineiros, pois fazem parte da generalidade dos pedidos médicos e testam analitos envolvidos na avaliação de doenças metabólicas bastante comuns na Medicina, e em condições de monitoramento terapêutico, ou ainda relacionados à avaliação da condição fisiológica dos pacientes. Tais exames costumam compor os perfis bioquímicos mais frequentemente solicitados e, portanto, fazem parte da listagem de procedimentos de laboratórios de todos os portes. O exemplo mais habitual desse tipo de exame é a dosagem dos níveis de glicose, que é frequentemente utilizada no acompanhamento dos pacientes diabéticos. Da mesma forma, as dislipidemias, fundamentais na avaliação do risco cardiovascular, também fazem parte da rotina diária de um laboratório de bioquímica, assim como a creatinina e a ureia, continuamente utilizadas na avaliação da função renal, e as enzimas hepáticas que são usadas na avaliação da qualidade funcional do fígado (BARCELOS; AQUINO, 2018; MURPHY; SRIVASTAVA; DEANS, 2019). Do mesmo modo, os eletrólitos, como sódio, potássio, cloreto e bicarbonato, indispensáveis para a manutenção do equilíbrio hidroeletrolítico e da pressão osmótica, também são avaliados a partir de parâmetros bioquímicos. De forma ainda mais completa, a gasometria arterial fornece uma avaliação geral do Introdução à bioquímica2 estado metabólico do paciente ao utilizar dados de pressão de oxigênio e dióxido de carbono, pH sanguíneo, entre outros parâmetros. Esses exames frequentemente solicitados compõem os principais perfis bioquímicos avaliados em laboratório. Os perfis são assim chamados por formarem uma série de exames que, ao serem analisados em conjunto, for- necem uma ideia mais ampla e completa da função de um determinado órgão ou sistema. Confira a seguir alguns dos principais perfis (BARCELOS; AQUINO, 2018; MURPHY; SRIVASTAVA; DEANS, 2019). � Perfil lipídico: composto principalmente pelas análises dos níveis sé- ricos de colesterol total, colesterol HDL, colesterol não HDL, colesterol LDL e triglicerídeos. � Perfil cardíaco: avaliado pela dosagem dos níveis séricos de troponinas e de forma secundária pelos níveis de creatinoquinase fração MB e mioglobina. � Perfil renal: níveis séricos de creatinina e ureia e taxa de filtração glomerular e depuração da creatinina e da proteinúria. � Perfil proteico: determinado, principalmente, pela avaliação dacon- centração de proteínas séricas totais e pela determinação da relação albumina/globulina, podendo ser avaliadas proteínas de forma indi- vidualizada, como as globulinas. � Perfil hepático: avaliado essencialmente pelos níveis séricos das enzi- mas alanina aminotransferase, aspartato aminotransferase, fosfatase alcalina e γ-glutamiltransferase e dos níveis séricos de bilirrubinas e proteínas totais. Os exames considerados especializados, por outro lado, envolvem analitos menos solicitados, pois são considerados de diagnóstico personalizado e, em geral, envolvem tecnologias diferenciadas. É o caso das dosagens hormonais (utilizadas para avaliações endócrinas) e das dosagens de vitaminas, de metabólicos intermediários ou de proteínas mais específicas. Habitualmente, essas análises são realizadas em laboratórios de maior porte ou em centros de referência (terceirizados). Além da categorização em relação à frequência de solicitação, ainda deve ser considerada a necessidade de urgência da liberação de um resultado de exame, visto que a avaliação de determinados analitos é decisiva na tomada de decisões em relação a procedimentos e à conduta terapêutica e médica. Nesses casos, o laboratório deve dispor de estrutura e equipe compatíveis com as demandas recebidas, especialmente em se tratando do nível hospitalar (MURPHY; SRIVASTAVA; DEANS, 2019). Introdução à bioquímica 3 Amostras biológicas utilizadas em bioquímica Para realizar essa diversidade de exames, as principais amostras utilizadas nas análises bioquímicas são sangue e urina, entretanto, também é possível analisar padrões bioquímicos em outras amostras, como saliva, líquido cefalorraquidiano e outros líquidos corporais (MURPHY; SRIVASTAVA; DEANS, 2019). As análises de sangue, particularmente, merecem uma atenção especial, pois, além de serem as mais frequentes no setor de bioquímica, também apresentam uma variação em relação à sua forma de utilização. Mais frequentemente os testes são realizados utilizando amostras de plasma ou soro, mas sangue total com anticoagulantes também pode ser empregado em alguns casos. Tanto o plasma quanto o soro são denominados como porção líquida do sangue, ou seja, sem as células após um processo de centrifugação. A diferença essencial entre eles é que o soro é a porção líquida gerada a partir de um sangue colhido sem anticoagulantes e que, portanto, consumiu os fatores de coagulação. Já o plasma é separado a partir de uma amostra colhida com anticoagulante e que, por isso, mantém intactos os fatores de coagulação e o fibrinogênio, o que possibilita, inclusive, a sua dosagem (FLEURY, 2019; MURPHY; SRIVASTAVA; DEANS, 2019). O Manual de coleta em laboratório clínico, elaborado pelo Programa Nacional de Controle de Qualidade (PNCQ), abrange detalhadamente as particularidades referentes à coleta, ao transporte e ao acondicionamento de amostras biológicas. O tipo de amostra de urina usualmente utilizada em avaliações bioquí- micas é a urina de 24h. Essa preferência ocorre pelo fato de que a excreção de substâncias na urina varia bastante durante o decorrer do dia. Por essa razão, esse tipo de amostra apresenta uma melhor representatividade em relação às amostras isoladas, apesar de essa última ser aceita em alguns casos específicos (RECOMENDAÇÕES..., 2017; MURPHY; SRIVASTAVA; DEANS, 2019). Processamento laboratorial e erros em potencial Para que o resultado de um exame bioquímico seja representativo da real condição do paciente, diversos critérios devem ser levados em consideração durante a execução do exame, tais como a metodologia a ser utilizada, o tipo Introdução à bioquímica4 de amostra clínica e os interferentes in vitro e in vivo. Uma análise apurada desses critérios pode minimizar substancialmente a ocorrência de erros labo- ratoriais e, por consequência, elevar a confiabilidade do exame em questão. Os erros laboratoriais podem ocorrer em qualquer fase da realização de um exame, seja nas fases pré-analítica, analítica ou pós-analítica. A fase pré-analítica compreende todas as atividades desde a requisição do exame, conforme pedido médico, até o início do procedimento analítico em si. Essa fase inclui o preparo do paciente, a coleta, o transporte e o acondicionamento de amostras. Nessa etapa, por exemplo, o jejum é um dos principais interferentes relacionados ao preparo do paciente, tanto pela ocorrência de alterações nos níveis séricos de alguns me- tabólitos, quanto pela ocorrência de lipemia (excesso de lipídios no sangue), que prejudica diversas dosagens séricas. Para a maioria dos exames, recomenda-se um jejum de 8h, sendo que esse tempo pode ser reduzido para 4h na maioria dos casos. Deve-se levar em consideração que o jejum excessivamente prolongado também pode ser prejudicial (BARCELOS; AQUINO, 2018; SOARES et al., 2012). Em dezembro de 2016, foi publicado o Consenso Brasileiro para a Normatização da Determinação Laboratorial do Perfil Lipídico, que consiste em uma revisão da necessidade de jejum para a realização dos exames de perfil lipídico: colesterol total, colesterol HDL, colesterol LDL, colesterol não HDL e triglicerídeos. Esse documento dispensa a obrigatoriedade do jejum de 12h para esses exames, desde que no laudo seja relatado o estado de jejum (quantas horas decorrentes desde a última alimentação), e leva em consideração a possibilidade de flexibilização do jejum em decorrência de solicitação médica específica. Para a adequação a essas situações, o Consenso recomenda a interpretação dos valores de referência e de alvo terapêutico levando em consideração o motivo do exame, o estado metabólico do paciente e a estratificação de risco cardiovascular. A utilização de medicamentos é um importante interferente, visto que pode causar alterações in vivo e in vitro. Quando um medicamento, ou seus metabólitos, gera uma alteração na fisiologia e no metabolismo do paciente, essa interferência é considerada in vivo; quando o uso de medicamentos causa uma alteração durante a realização do exame, seja por propriedades físicas ou químicas de interação com a técnica, considera-se que esta é uma interferência in vitro (BARCELOS; AQUINO, 2018). Ainda na etapa de pré-análise, um ponto crítico é a coleta de material biológico. Um dos principais interferentes em dosagens laboratoriais é o desenvolvimento de hemólise da amostra, ou seja, destruição das hemácias em uma amostra de sangue. Essa intercorrência geralmente acontece devido Introdução à bioquímica 5 a coletas demoradas ou difíceis e à manipulação incorreta de amostras (BARCELOS; AQUINO, 2018; FLEURY, 2019). Por esses e outros motivos, a fase pré-analítica é considerada crítica, visto que diversos fatores podem alterar a qualidade da amostra e, inclusive, destruir componentes, inviabilizando a execução do exame. É nessa etapa, portanto, que se concentra a maioria dos erros laboratoriais (SOARES et al., 2012; BARCELOS; AQUINO, 2018). A fase analítica compreende a etapa instrumental da realização de um exame: o processamento realmente dito. É nesse momento que ocorre a centrifugação e o preparo de amostras, a execução do exame (de forma automatizada ou semiautomatizada) e a leitura dos resultados. Essa etapa se relaciona com o desempenho do analista clínico e dos equipamentos e com a qualidade dos reagentes utilizados. A partir desses processos, podem ocorrer tanto erros sistemáticos, considerados previsíveis, quanto erros aleatórios e imprevisíveis (Quadro 1). Considera-se que os erros sistemáticos estão mais relacionados ao operador (analista), aos instrumentos e às suas calibrações, de modo a causar resultados sem exatidão. Já os erros aleatórios são associados à variabilidade analítica e geram resultados imprecisos. Para evitar, ou ao menos minimizar a ocorrência desses erros, o laboratório de análises clínicas deve contar com a uti- lização de sistemas de verificação e de controle interno e externo da qualidade. Quadro 1. Erros laboratoriaisna fase analítica Erros sistemáticos Erros aleatórios Origem Previsível Imprevisível Fontes Instrumento, calibração, operador Variabilidade analítica Quantificáveis Sim Não Resultado Inexato (não há concordância entre o valor real e o valor obtido na análise) Impreciso (não há reprodutibilidade entre os resultados) Exemplos Preparo incorreto de reagentes, diluição inadequada de reagentes, mudança de lotes de reagentes ou calibradores Bolhas de ar na tubulação, microcoágulos na amostra ou no pipetador, temperatura instável do equipamento Fonte: Adaptado de Xavier, Dora e Barros (2016) e Barcelos e Aquino (2018). Introdução à bioquímica6 Embora haja consenso quanto à necessidade de minimização de erros em todas as etapas laboratoriais, é impossível evitar completamente a sua ocorrência, dessa forma, torna-se necessário saber identificar correta e rapidamente a possibilidade de comprometimento da amostra bioló- gica em decorrência de possíveis falhas no processo. Como abordado anteriormente, o ponto crítico nesse seguimento é a fase pré-analítica, sendo que as amostras bioquímicas são especialmente afetadas por erros nas etapas de preparação do paciente e de coleta das amostras (MUPHY; SRIVASTAVA; DEANS, 2019). Muitas vezes, o erro pré-analítico se inicia muito antes da colheita da amostra, como acontece nos casos em que há descumprimento das recomendações ao paciente. Tanto a diminuição quanto o aumento do tempo de jejum, por exemplo, podem causar alte- rações significativas nos exames. Além disso, hábitos não alimentares, mas relacionados ao estresse, ao consumo de álcool e cigarro e à prática de exercício físico podem alterar os resultados desses exames. Analitos como a bilirrubina, a aldosterona, o glicerol, o ácido úrico, a ureia e os triglicerídeos são particularmente afetados por tempos excessivos de jejum. Já a glicose é afetada por situações diversas, como estresse, ciclo circadiano, tabagismo e consumo de álcool (BARCELOS; AQUINO, 2018; MUPHY; SRIVASTAVA; DEANS, 2019). A etapa de coleta de amostras é outro ponto de atenção crítico em relação a erros laboratoriais. Uma coleta de amostra de sangue demorada ou de difícil punção pode levar à destruição de hemácias (hemólise) e, conse- quentemente, à liberação de potássio e outros constituintes intracelulares, causando, por consequência, uma falsa elevação desses analitos. A demora na punção após o garroteamento também pode gerar um extravazamento de água do vaso sanguíneo para o espaço intersticial, com isso, eleva-se a concentração de componentes sanguíneos, especialmente de proteínas. Por outro lado, a utilização incorreta de anticoagulantes também pode gerar inaptidão e rejeição de amostras, pois cada análise tem suas particulari- dades e requer a utilização de tubos de coleta específicos. A utilização de tubos contendo fluoreto de sódio, por exemplo, é fortemente recomendada na avaliação de perfil glicêmico, pois o fluoreto inibe a via da glicólise, o que impede o consumo da glicose na amostra. Algumas propriedades refe- rentes aos principais anticoagulantes usados em bioquímica clínica estão demonstradas no Quadro 2 (BARCELOS; AQUINO, 2018; MUPHY; SRIVASTAVA; DEANS, 2019). Introdução à bioquímica 7 Quadro 2. Principais tubos de coleta utilizados em bioquímica clínica Tubos de coleta Cor da tampa do tubo Uso indicado Sem anticoagulante Vermelha Testes bioquímicos em geral Ativador de coagulação e gel separador Amarela Heparina de sódio ou lítio Verde Testes bioquímicos e enzimáticos Fluoreto de sódio + EDTA Cinza Testes de avaliação do metabolismo da glicose Fonte: Adaptado de Fleury (2019). Na fase analítica, há a confecção do laudo a partir da transcrição dos resultados e da avaliação dos resultados pelo médico. Nessa etapa, é de fundamental importância que os resultados sejam relatados de forma nítida, completa e correta para que a interpretação seja efetiva e resulte uma conduta clínica condizente com a situação do paciente. Para minimizar erros, como transcrição incorreta de resultados, informações mal expressas ou cálculos incorretos, a automatização dos equipa- mentos com interfaceamento direto dos resultados para um sistema de gerenciamento laboratorial se apresenta como uma excelente — e acessível — alternativa, aliada a bons processos de controle de qualidade (BARCELOS; AQUINO, 2018). Para a avaliação das informações geradas pelos resultados laboratoriais, ao receber o laudo de um exame, o médico assistente do paciente irá utilizar os critérios de intervalo ou os valores de referência para a sua tomada de decisão frente ao caso (MUPHY; SRIVASTAVA; DEANS, 2019). Introdução à bioquímica8 Avaliação de resultados e métodos diagnósticos em bioquímica Os valores de referência são norteadores da interpretação de um exame laboratorial. Teoricamente, a determinação desses parâmetros leva em consideração a média dos valores de um analito encontrada em 95% de indivíduos considerados saudáveis. A recomendação é que cada labora- tório produza seus próprios valores de referência por meio de estudos na população atendida, porém, esses estudos são onerosos, demorados e nem sempre adequados, devido a isso, esses padrões podem ser obtidos a partir da recomendação de sociedades especializadas, como a Sociedade Brasi- leira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML) e a Sociedade Brasileira de Análises Clínicas, além das recomendações do fabricante do teste ou de bibliografias prévias, cujos resultados são obtidos em estudos e pesquisas que visam à padronização desses valores (SOARES et al., 2012; MURPHY; SRIVASTAVA; DEANS, 2019). É importante ter em mente que, por ser uma avaliação que leva em con- sideração os resultados de 95% de uma população saudável, e não a sua totalidade, é natural que se espere que os 5% restantes da população apre- sentem resultados fora dos limites de referência, os quais estarão abaixo ou acima desses valores preestabelecidos, mesmo que sejam considerados cida- dãos saudáveis (Figura 1). Ou seja, uma pequena porcentagem de indivíduos considerados saudáveis para um determinado parâmetro pode apresentar valores que serão considerados fora dos padrões de referência, mesmo sem apresentar qualquer distúrbio nesse quesito (SOARES et al., 2012; MURPHY; SRIVASTAVA; DEANS, 2019). Além desse viés, também deve ser levado em consideração o fato de que as definições de normal e anormal para um resultado laboratorial precisam avaliar a condição fisiológica do paciente, haja vista que fatores como sexo e idade geralmente causam diferenças significativas nos resultados esperados para cada grupo. Da mesma forma, diferentes dietas, ocorrência de gravidez, histórico médico, uso de medicamentos e até mesmo o ciclo biológico de um indivíduo podem influenciar a resposta a um teste sem necessariamente indicarem alguma patologia. Por essa razão, os valores de referência devem ser considerados uma indicação de interpretação dos resultados e não um guia restrito (Figura 1). Introdução à bioquímica 9 Por outro lado, os valores críticos são, sim, resultados que devem ser avaliados de forma rígida e reportados de acordo com as recomendações. Chamam-se valores críticos os resultados de exames laboratoriais que re- presentam risco grave à saúde do paciente. Por isso, os laboratórios têm o dever de comunicá-los imediatamente ao médico assistente do paciente. Diversos exames bioquímicos têm valores críticos (BARCELOS; AQUINO, 2018): � ácido úrico > 13,0mg/dL; � amilase > 200UI/L; � bilirrubina total > 15,0mg/dL; � lactato > 45mg/dL. Os valores aqui citados podem ser consultados em documentos ofi- ciais, como na tabela publicada pelo PNCQ: Valores críticos de exames laboratoriais que necessitam de imediata tomada de decisão, em atendimento à RDC 302:2005 da Anvisa. Além dos parâmetros utilizados para avaliar os resultados laboratoriais, alguns importantes índices são empregados no julgamento daeficiência dos métodos e testes escolhidos. Nesse sentido, a sensibilidade e a especificidade Figura 1. Representação da definição dos valores de referência. Fonte: Murphy, Srivastava e Deans (2019, p. 1026). Introdução à bioquímica10 dos testes são peças-chave na escolha de uma metodologia a ser utilizada (BARCELOS; AQUINO, 2018; MURPHY; SRIVASTAVA; DEANS, 2019). Sensibilidade diagnóstica é como é designada a capacidade de um teste obter um resultado positivo mediante a presença da doença (ou do marcador da doença) no paciente, ou seja, trata-se de um resultado verdadeiro-positivo (VP), ao passo que a especificidade diagnóstica é a capacidade de um teste obter um resultado negativo na ausência da doença (ou do marcador da doença) no paciente (verdadeiro-negativo [VN]). Dessa forma, a proporção entre os VPs e os VNs, em relação ao total de testes, define a acurácia do método (BARCELOS; AQUINO, 2018; SOARES et al., 2012). Esses índices são importantes para a elaboração dos valores preditivos. O valor preditivo positivo (VPP) é a probabilidade de o paciente ter a doença (ou o marcador da doença) e apresentar o teste positivo. Esse índice é importante na escolha de testes confirmatórios, ou seja, nos quais é necessário que os pacientes doentes/positivos sejam corretamente identificados. Isso quer dizer que os testes com alto VPP serão os testes com alta especificidade (BARCELOS; AQUINO, 2018; MURPHY; SRIVASTAVA; DEANS, 2019). Já os testes com alto valor preditivo negativo serão aqueles com alta probabilidade de o paciente que não está com a doença (ou o marcador da doença) apresentar o resultado negativo. Esse tipo de desempenho exige uma alta sensibilidade e é bastante útil em testes de triagem, nos quais é mais importante que os pacientes sadios/negativos sejam corretamente identificados (Quadro 3) (BARCELOS; AQUINO, 2018; MURPHY; SRIVASTAVA; DEANS, 2019). Quadro 3. Avaliação de testes diagnósticos Doente/Com marcador Sadio/Sem marcador Teste positivo VP Falso-positivo (FP) Teste negativo Falso-negativo (FN) VN Sensibilidade = VP / VP + FN e Especificidade = VN / VN + FP Fonte: Adaptado de Barcelos e Aquino (2018) e Murphy, Srivastava e Deans (2019). Para que a escolha entre a sensibilidade e a especificidade seja mais balanceada durante a elaboração de uma técnica analítica, utiliza-se uma curva ROC (Figura 2). Essa curva consiste na demonstração gráfica da relação entre a proporção de FPs e VPs para diferentes pontos de corte de um teste. Introdução à bioquímica 11 Por meio dela, diferentes métodos podem ser comparados, o que facilita, por consequência, a análise e a escolha de testes mais acurados (XAVIER; DORA; BARROS, 2016). Esses índices são de extrema importância na avaliação de um teste diagnóstico, pois, quanto maior a sensibilidade, menor será a ocorrência de FNs, e quanto maior a especificidade, menor será o índice de FPs. Em um mundo ideal, um teste deveria ser considerado ótimo quando apresentasse especificidade e sensibilidade de 100%, ou seja, uma acurácia perfeita, apesar disso, esse perfil dificilmente é atingido devido a limitações próprias Figura 2. Exemplificação da curva de ROC. O eixo das ordenadas apresenta a sensibilidade (taxa de VPs) de um teste em diferentes pontos de corte. No eixo das abscissas, está repre- sentada a taxa de FPs (100% - especificidade). Para a avaliação dos testes, mede-se a área sob a curva, da curva ROC, que é representativa do poder de discriminação do teste, ou seja, sua capacidade preditiva. Nesse exemplo, o exame A apresenta uma maior área sob a curva e, portanto, é um melhor teste. Fonte: Xavier, Dora e Barros (2016, p. 76). Introdução à bioquímica12 das técnicas (BARCELOS; AQUINO, 2018). Por essa razão, a associação de diferentes marcadores em um perfil bioquímico se torna tão importante. Na avaliação do perfil enzimático hepático, por exemplo, os níveis de alanina aminotransferase e γ-glutamiltransferase não devem ser avaliados isola- damente, visto que essas enzimas são consideradas bastante sensíveis, mas inespecíficas na avaliação de dano hepático. Por isso, a integração de uma variedade de marcadores fornece resultados mais fidedignos e seguros (BARCELOS; AQUINO, 2018). Por fim, deve-se estar atento ao fato de que a sensibilidade analítica é um parâmetro diferente da sensibilidade diagnóstica. A analítica, também conhecida como limiar de detecção, refere-se ao menor nível de um analito que um determinado método consegue detectar com precisão e que também deve ser considerado com ponderação durante a escolha de uma metodologia (BARCELOS; AQUINO, 2018). Para esse fim, na bioquímica clínica, uma ampla variedade de metodologias pode ser utilizada para a execução dos exames, dependendo da necessidade e da capacidade de cada laboratório. Em geral, as técnicas são divididas em fotométricas, potenciométricas, eletroforéticas, cromatográficas, imunoensaios ou as que se baseiam em espectrofotometria de massa. De certa forma, a maioria desses métodos expressa os valores de forma quantitativa, em unidades numéricas, e consiste na utilização de diferentes técnicas de medida das reações bioquímicas, ou seja, interações entre substratos consumidos e produtos gerados. Referências BARCELOS, L. F.; AQUINO, J. L. (ed.). Tratado de análises clínicas. Rio de Janeiro: Atheneu, 2018. FLEURY, M. K. Manual de coleta em laboratório clínico. 3. ed. [Rio de Janeiro]: Programa Nacional de Controle de Qualidade, 2019. MURPHY, M.; SRIVASTAVA, R.; DEANS, K. Bioquímica clínica. 6. ed. Rio de Janeiro: Gua- nabara Koogan, 2019. NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. RECOMENDAÇÕES da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML): realização de exames em urina. Barueri: Manole, 2017. SOARES, J. L. M. et al. (org.). Métodos diagnósticos. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2012. (Consulta Rápida). XAVIER, R. M.; DORA, J. M.; BARROS, E. Laboratório na prática clínica. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016. (Consulta Rápida). Introdução à bioquímica 13 Leituras recomendadas CONSENSO brasileiro para a normatização da determinação laboratorial do perfil lipídico. [2016]. Disponível em: http://www.sbpc.org.br/upload/conteudo/consenso_je- jum_dez2016_final.pdf. Acesso em: 26 ago. 2020. PROGRAMA NACIONAL DE CONTROLE DE QUALIDADE. Valores críticos de exames la- boratoriais que necessitam de imediata tomada de decisão, em atendimento à RDC 302:2005 da Anvisa. 2017. Disponível em: https://www.pncq.org.br/uploads/pdfs/2015/ Valores%20cr%C3%ADticos%20no%20laborat%C3%B3rio%20cl%C3%ADnico%20.pdf. Aceso em: 26 ago. 2020. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Introdução à bioquímica14 Dica do professor O vídeo apresenta a importância dos testes bioquímicos no laboratório de Análises Clínicas na detecção e tratamento de patologias. Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. Exercícios 1) Assinale a alternativa correta em relação ao conceito dos valores de referência. A) a) É sempre expresso em unidades do SI (Sistema Internacional de nomenclatura). B) b) É um valor fixo representado em mg/dL. C) c) O valor de referência é obtido através da média ± desvio-padrão (DP). D) d) Não sofre interferência, segundo a idade, gênero do paciente e horário da coleta. E) e) Os valores de referência serão iguais em todos os laboratórios de Análises Clínicas. 2) Os eletrólitos desempenham muitas funções no organismo, entre eles o equilíbrio ácido- básico e o volume sanguíneo. Assinale o eletrólito menos abundanteno plasma e menos requisitado com a rotina no setor de Bioquímica Clínica. A) a) Sódio. B) b) Magnésio. C) c) Potássio. D) d) Cloreto. E) e) Bicarbonato. 3) O ferro é essencial para a síntese da hemoglobina e consequentemente no transporte de oxigênio para os tecidos. Assinale a alternativa correta em situações que os níveis de ferro estão elevados. A) a) Anemia ferropriva. B) b) Anemia hemolítica. C) c) Hemorragias. D) d) Anorexia. E) e) Má absorção intestinal. 4) O fígado é um órgão central no nosso organismo exercendo inúmeras funções. Cite cinco enzimas mais utilizadas para determinação da função hepática. A) a) Creatina quinase (CK), fosfatase ácida (ACP), lactato desidrogenase (LDH), aspartato aminotransferase (AST) e hormônio estimulante da tireoide (TSH). B) b) Fosfatase ácida (ACP), alanina aminotransferase (ALT), fosfatase alcalina (ALP), creatina quinase (CK) e ácido úrico. C) c) Fosfatase alcalina (ALP), lactato desidrogenase (LDH), alanina aminotransferase (ALT), aspartato aminotransferase (AST) e gama glutamil transferase (GGT). D) d) Lactato desidrogenase (LDH), fosfatase alcalina (ALP), creatina quinase (CK), hormônio estimulante da tireoide (TSH) e fosfatase ácida (ACP). E) e) Alanina aminotransferase (ALT), gama glutamil transferase (GGT), colesterol de alta densidade (HDL), aspartato aminotransferase (AST) e hormônio estimulante da tireoide (TSH). 5) Qual dos seguintes testes bioquímicos não é útil para diagnóstico de doenças renais? A) a) Creatinina. B) b) Ácido úrico. C) c) Ureia. D) d) Glicose. E) e) Bilirrubina. Na prática Acompanhe uma doença que o hormônio do crescimento em excesso pode causar. A causa mais comum dessa doença é um tumor benigno na glândula hipófise, no qual é chamado de adenoma. O excesso de GH produzido na hipófise estimula o fígado a produzir IGF-1 e os efeitos são o crescimento de ossos e cartilagens. Particularmente ocorre um alongamento da mandíbula, feições grosseiras no rosto e crescimento das mãos e pés. O setor de Bioquímica Clínica é extremamente útil porque painéis endócrinos permitem a dosagem do GH. Além disso, os resultados laboratoriais do GH associados com sintomas clínicos e exames de imagem permitem ao médico o diagnóstico da acromegalia. *Sinônimos do GH: HGH, GH, hormônio somatotrófico ou somatotrofina. Saiba + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Bioquímica Ilustrada de Harper Rodwell, Victor; Bender, David; Botham, Kathleen; Kennelly, Peter; Weil, Anthony Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Princípios de Bioquímica de Lehninger Nelson, David L.; Cox, Michael M. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!
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