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Autor: Prof. Vinícius Carneiro de Albuquerque Colaboradores: Prof. Francisco Alves da Silva Prof. Gabriel Lohner Grof História do Brasil Império Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 Professor conteudista: Vinícius Carneiro de Albuquerque Vinícius Carneiro de Albuquerque é historiador, formado pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e licenciado pela Faculdade de Educação da mesma universidade. Obteve o título de mestre pelo programa de História Social, para o qual apresentou, em 2007, a dissertação Ceará: 1824. A Confederação das Províncias Unidas do Equador contra o Império do Brasil. Seu mestrado foi resultado de diversas discussões historiográficas com as quais teve contato ainda durante a graduação como membro do Programa Especial de Treinamento (PET) sob a tutoria do prof. Dr. István Jancsó, seu orientador depois no mestrado e também professor responsável pela coordenação do Projeto Temático “A fundação do Estado e da Nação Brasileiros, 1750/1850”, grupo de pesquisadores com o qual seu mestrado dialoga constantemente. Suas áreas de interesse são relacionadas à história política e social, principalmente no século XIX, mas também no Brasil e a América Latina, nos séculos XX e XXI. Atualmente é professor do colégio e curso pré‑vestibular Objetivo, instituição na qual atua há mais de dez anos, tendo amplo contato com modernas tecnologias utilizadas na preparação de aulas digitais em diversas plataformas midiáticas. No colégio e curso pré‑vestibular também desenvolveu um vasto trabalho na preparação de material didático para turmas de ensino médio. É também professor da Universidade Paulista, na qual trabalha com especial interesse na área de Educação a Distância voltada para a formação de professores de História. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) A345h Albuquerque, Vinícius Carneiro. História do Brasil Império. / Vinícius Carneiro Albuquerque. – São Paulo: UNIP, 2015. 176 p. il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XIX, n. 2‑042/15, ISSN 1517‑9230. 1. Brasil império. 2. Primeiro e segundo reinados. 3. Período regencial. I. Albuquerque, Vinícius Carneiro. II.Título. CDU 981.04 A‑XIX Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona‑Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Marcilia Brito Lucas Ricardi Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 Sumário História do Brasil Império APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 A CRISE DO ANTIGO REGIME E DO ANTIGO SISTEMA COLONIAL PORTUGUÊS: A CORTE NO BRASIL ........................................................................................................................................... 11 1.1 Liberalismo político e crise na América Portuguesa .............................................................. 18 1.2 Revolução Liberal e Constitucional do Porto (1820) ............................................................. 20 2 SETE DE SETEMBRO DE 1822: INDEPENDÊNCIA DO BRASIL? ....................................................... 22 2.1 Assembleia Geral e Constituinte dos Povos do Brasil ............................................................ 33 3 A CONSTITUIÇÃO OUTORGADA DE 1824 ............................................................................................... 36 3.1 A Confederação do Equador: 1824 ............................................................................................... 39 4 CRISE DO I REINADO E ABDICAÇÃO ........................................................................................................ 43 4.1 Sete de abril de 1831 – a abdicação de Pedro I ....................................................................... 56 Unidade II 5 REGÊNCIAS, ORGANIZAÇÃO POLÍTICA ................................................................................................... 64 5.1 Regência Trina Provisória .................................................................................................................. 68 5.2 Regência Trina Permanente ............................................................................................................. 70 5.3 Ato Adicional de 1834 ........................................................................................................................ 73 5.4 Regência Una – Feijó .......................................................................................................................... 74 5.5 Regência Una – Araújo Lima ........................................................................................................... 77 6 REVOLTAS OU REBELIÕES REGENCIAIS .................................................................................................. 81 6.1 Guerra dos Farrapos ou Farroupilha ............................................................................................. 82 6.2 Revolta de Pinto Bandeira e do Benze‑Cacetes ...................................................................... 87 6.3 Guerra dos Cabanos, ou Os “Guerrilheiros do Imperador” .................................................. 88 6.4 Os Restauradores do Ano da Fumaça .......................................................................................... 89 6.5 Cabanagem ............................................................................................................................................. 90 6.6 Sabinada................................................................................................................................................... 92 6.7 Balaiada .................................................................................................................................................... 94 6.8 Revolta dos Malês ................................................................................................................................ 97 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 Unidade III 7 II REINADO – 23 DE JULHO DE 1840 ATÉ 15 DE NOVEMBRO DE 1889 ..................................104 7.1 Segundo Reinado: organização social, política e econômica ..........................................1047.2 Eleições do Cacete: violência na política imperial ................................................................106 7.3 A Praieira: Pernambuco (1848) .....................................................................................................108 7.4 O parlamentarismo às avessas: fortalecimento de Pedro II ..............................................112 8 II REINADO: APOGEU E CRISE ..................................................................................................................115 8.1 Conflitos no Sul e a Guerra do Paraguai ..................................................................................117 8.2 Economia: modernizações e crises ..............................................................................................125 8.3 Expansão do café e imigração ......................................................................................................132 8.4 Mais revoltas e a crise final do Império ....................................................................................140 8.5 Abolicionismo ......................................................................................................................................142 8.6 Do aumento das críticas à monarquia ou a degringolada ................................................148 8.7 Os militares e o positivismo ...........................................................................................................151 8.8 II Reinado: momentos finais ou o golpe de 15 de novembro ..........................................153 7 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 APRESENTAÇÃO A disciplina de História do Brasil Império, cujo livro‑texto agora se apresenta, tem como objetivo primordial oferecer um olhar sobre a história do Império do Brasil, desde sua fundação em 1822 até seus momentos finais em 1889. Nossa concepção partiu da ideia de que considerar Império a obra política de Pedro I ou de Pedro II não contribui para se entender a construção do Estado nacional brasileiro que, no fundo, é do que se trata politicamente a estruturação do Império do Brasil no decorrer do século XIX. Nos últimos anos, o estudo do período da História do Brasil conhecido como Império tem levantado novos problemas e abordagens. Os novos olhares fogem bastante aos esquemas mais tradicionalistas que buscaram justificar a existência do Estado e da Nação brasileiros como o feito de algumas grandes personagens alçadas à condição de próceres da Nação. Os debates relativos ao Império precisam superar as armadilhas que certas datas nos impõem para que possamos avançar na compreensão de importantes aspectos da História do Brasil ao longo do século XIX. O período que se estendeu de 1822 até 1889 é bastante longo e passou por momentos distintos conhecidos como I Reinado (1822‑1831), Período Regencial (1831‑1840) e, por fim, II Reinado (1840‑1889). E seus diferentes aspectos políticos, econômicos e sociais serão abordados em cada uma das três unidades que agora apresentamos. A Unidade I inicia‑se com a apresentação do quadro geral de crise do Antigo Regime e do Antigo Sistema Colonial. Essa crise não ocorreu em um único país, mas em quase todo o mundo ocidental, representando a emergência de uma nova classe social: a burguesia, e a contestação à ordem absolutista de tipo estamental ainda vigente. O liberalismo político, os ataques napoleônicos e a fuga da família real portuguesa com a sua corte para o Brasil simbolizam muito bem a agudização da crise que demonstraremos ocorrer no mundo português. Em seguida apresentamos a construção do Estado português na América e as consequências para ambos os lados do Atlântico, inclusive com o Vintismo português. Assim, chegaremos ao problema fundamental para se compreender o período: os vários sentidos da Independência do Brasil e suas múltiplas possibilidades expostas; logo, analisaremos quais projetos políticos foram vitoriosos e quais foram derrotados. Dessa forma, apresentaremos o Primeiro Reinado propriamente dito (1822‑1831), com a construção da persona de Pedro I, a Constituição de 1824, o Poder Moderador, o voto nessa constituição e a revolta da Confederação do Equador, que foi severamente reprimida em nome da ordem constitucional ou mesmo da “Boa Ordem”. Buscando enfatizar que o Estado nacional não se apresentou no Brasil pronto em 1822, indicaremos as crises do Primeiro Reinado que levaram à abdicação de Pedro I e ao seu retorno para Portugal, onde morre como Pedro IV. 8 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 A Unidade II inicia‑se com o quadro geral da crise no Brasil devido à volta de Pedro I para Portugal, uma vez que o herdeiro do trono é menor de idade. Nesse momento, foi apresentada a difícil construção da ordem, pois em 1831 e, pelo menos, até o Ato Adicional de 1834, a tensão entre centralização e descentralização era um sério risco ao Império. Passando pelas diferentes Regências (Trina Provisória, Trina Permanente, Una comandada pelos liberais e, por fim, Una comandada pelos conservadores) ficam expostas as dificuldades do universo da política às quais as populações não estavam alheias, apesar de apartadas das decisões políticas no centro do Império. Assim, as muitas revoltas que abalaram o Império foram apresentadas e discutidas, não como simples fases a serem superadas na manutenção de nosso país, já definido em 1822, mas como movimentos particulares que, a seu modo, contestaram a ordem que se buscava estabelecer. O conturbado período das Rebeliões Regenciais apresentou‑nos o problema da própria sobrevivência do Brasil como Estado imperial. A Unidade III tem a particularidade de abarcar um período longo em aspectos temporais, no qual o Estado Imperial afirmava‑se como ordem política. Ao iniciar com o Golpe da Maioridade, procuramos esclarecer que o gesto forte e simbólico de coroar o herdeiro do trono não garantiu a estabilidade, uma vez que diversas revoltas continuavam a ocorrer. A articulação política em torno da acomodação das elites liberais e conservadoras, bem com a superação de grandes revoltas, ainda marcaram os anos iniciais do Segundo Reinado, que se estendeu de 1840 até 1889. A política do Parlamentarismo às Avessas, um recurso de estabilização na década de 1840, marcou o início da organização e do apogeu político do Império, mas, como a história não para, tampouco acaba, a estrutura política foi também constantemente afetada pelas mudanças sociais e econômicas do século XIX. O dinamismo da era foi, no século XIX, uma das marcas da economia do Brasil, apesar do arcaísmo social e da mentalidade fundamentalmente retrógrada das elites latifundiárias. Nesse sentido, abordaremos a expansão do café, das comunicações, das cidades e do comércio e o desenvolvimento de um momento singular, que foi apelidado de Era Mauá. O apogeu e a crise do império foram marcados pelo avento externo da Guerra do Paraguai que aqui foi apresentada, não para comprovar a superioridade de um povo sobre outro, mas pelo fato de como ela era percebida em sua época, ou seja, pela destruição, pelo consumo de recursos sociais essenciais e, mais que tudo, pelos impactos na vida das pessoas das mais variadas origens sociais. A Guerra do Paraguai, chamada, por ninguém menos do que Caxias, de maldita, representou um momento de inflexão e, com isso, passamos a abordar a crise do Império. A crise política com o republicanismo, o federalismo e o positivismo, teve ainda aspectos econômicos, religiosos e sociais, pois pensar o Império era pensar a manutenção da escravidão. Logo, os esforços desprendidos para sua manutenção ou para a sua abolição definitiva ocuparam a centralidade nos debates políticos e sociais nas décadas de 1870e 1880. 9 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 INTRODUÇÃO Nossa visão foi marcada pelos aspectos sociopolíticos e econômicos, procurando abordar os impactos da realidade nas vidas das pessoas de carne e osso e não apenas em figuras com retratos e nomes que às vezes podem soar apenas como aquelas coisas que aconteceram há tanto tempo. Ao longo de todo o texto e em todas as unidades buscamos apresentar imagens que pudessem esclarecer o aspecto abordado nos textos, mas na Unidade III enfatizamos um recurso um pouco diferente que foi a apresentação também, e em escala maior, de documentos históricos e de tabelas, pois acreditamos ser fundamental a familiarização com esses recursos, tanto para melhor compreender os conteúdos apresentados como para poder utilizar como subsídios para discussões em sala de aula. Dessa maneira, a crise do Segundo Reinado que culminou na Proclamação da República proporcionou que apresentássemos diversos documentos, o que nos pareceu enriquecedor para a capacidade de entender a época. Nas palavras de Novais (1985), na apresentação da Coleção Estudos Históricos em seu livro Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777‑1808), o mestre de muitos de historiadores e professores de história afirma que “conhecer o passado é a única maneira de nos libertarmos dele, isto é, destruir os seus mitos”, frase breve que nos serve como norte nas muitas discussões que aqui apresentaremos. Conforme Holanda (apud MARTINS, 1990) pontuou, para estudar o passado de um povo, de uma instituição, de uma classe, não basta aceitar ao pé da letra tudo quanto nos deixou a simples tradição escrita. É preciso fazer falar a multidão imensa dos figurantes mudos que enchem o panorama da História e são muitas vezes mais interessantes e mais importantes do que os outros, os que apenas escrevem a história. Lucien Febvre, a respeito da História, teria dito: eu qualifico a história como estudo cientificamente conduzido [...] a necessidade de retomar, refazer, repensar, quando preciso e desde que seja preciso, os resultados conquistados para readaptá‑los às concepções e, através delas, às condições de existência novas que o tempo e os homens, no quadro do tempo, não cessam de imaginar. E por último e não menos importante, as palavras de Pierre Vilar (apud COHEN, 2007, p. 56), quando afirma que “é preciso compreender o passado para conhecer o presente”. Assim, esclarecemos que essas são as maiores preocupações que conduziram nossas discussões, aqui apresentadas, e que perpassaram todo o período que abordamos para podermos compreender os aspectos mais importantes da construção da ordem imperial no Brasil e do Estado nacional, tratando de sua origem, tensões, contradições e conflitos, e de seu apogeu e queda em 1889. 11 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO Unidade I REINADO (1822‑1831) Na Unidade I, vamos apresentar uma visão a respeito do I Reinado (1822‑1831) que vai desde suas origens até sua crise final. Nossa intenção é desenvolver a noção da existência de uma história integrada que vai para além das fronteiras do Estado Nacional. Assim, as problematizações devem começar na crise do Antigo Regime Português, anteriores, portanto, ao 7 de setembro de 1822. Para isso, nosso olhar deve voltar‑se para o contexto do final do século XVIII e início do século XIX, quando da Independência do Brasil, ressaltando as dificuldades, articulações e alternativas que se apresentavam na construção e organização do Primeiro Reinado. 1 A CRISE DO ANTIGO REGIME E DO ANTIGO SISTEMA COLONIAL PORTUGUÊS: A CORTE NO BRASIL A crise que levou à desintegração do Império Colonial Português, entre o final do século XVIII e o início do século XIX, fez surgir um novo mundo no qual a independência do Brasil marcaria o início da construção de um estado‑nação que lutaria muito no decorrer do século XIX por sua consolidação. A Independência do Brasil, considerada por muitos como um evento ocorrido em 1822, não é, de modo algum, um acontecimento isolado em nossa História. Para entender alguns de seus diversos significados é preciso retroceder aos momentos de agudização da crise final do Antigo Sistema Colonial Português nas Américas. O final do século XVIII, com a Revolução Americana de 1776 e a Revolução Francesa de 1789, foi marcado pelo rompimento das estruturas do Antigo Sistema Colonial e do Antigo Regime que, somados às consequências da Era Napoleônica (1799‑1815), irá transformar significativamente o universo político de ambos os lados do Atlântico. O Império português foi literalmente sacudido pelos diversos acontecimentos que irão contribuir para o rompimento definitivo entre Portugal e o Brasil, que nesse momento não era mais uma simples colônia portuguesa, pois já havia sido elevado à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves, desde 1815. As revoluções que convulsionaram a Europa no período de fins do século XVIII e início do XIX também tiveram sua expressão portuguesa e em 1820 ocorre em Portugal a Revolução Liberal e Constitucional do Porto. 12 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 Unidade I Figura 1 – Europa no tempo de Napoleão Bonaparte Em 7 de março de 1808 desembarcava no Rio de Janeiro, então capital do Brasil, a Família Real Portuguesa e sua Corte. A bem sucedida fuga da invasão napoleônica proporcionou a sobrevivência da Coroa dos Bragança num momento em que parecia impossível o pequeno Reino de Portugal resistir ao imperador dos franceses. Caso único na história mundial, o corpo político da corte metropolitana transferia‑se para a uma colônia, buscando sobreviver às mudanças em uma época bastante agitada. Ao contrário do que frequentemente se imagina, não se tratava de fuga ou de medida covarde para não ter que enfrentar graves circunstâncias. Na opinião dos principais homens públicos de Portugal, naquela época a transferência da Corte era uma decisão que, por vários motivos, mostrava esperteza. Primeiro, estaria resguardada a parte mais rica dos domínios portugueses, já que o governo de D. João sabia das intenções da França e da Espanha de partilharem as possessões coloniais lusitanas, caso se concretizasse a invasão do Reino. Segundo, asseguraria nas mãos da família real de Bragança a Coroa Portuguesa. E, finalmente, era uma forma de os grupos dirigentes portugueses se precaverem também diante dos interesses dos ingleses e da provável desorganização do domínio português na América (OLIVEIRA, 1995, p. 54). 13 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO Após a chegada da esquadra do almirante inglês Sidney Smith à Bahia em 22 de janeiro, o príncipe regente de Portugal Dom João assinou o Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas e com isso o status de colônia foi abalado em sua essência, pois o exclusivo metropolitano que o sustentava deixava de existir. Mesmo não tendo sido elevado a Reino, como acontecerá em 1815, a América Portuguesa já sentia os efeitos nos novos tempos. Exemplo de aplicação Como um importante recurso para organizar informações de ordem econômica e material, além da escala das pessoas, e para melhor percebermos as mudanças que se desenvolveram na sociedade brasileira no decorrer de todo o século XIX, lançaremos mão de um recurso importante para apresentar esses dados, ou seja, faremos o uso de tabelas. Pode, no primeiro momento, aparentar ser uma forma um tanto quanto arcaica, mas nos justificamos com a preocupação em oferecer, sempre quepossível, os números, os produtos e as mudanças, da forma mais sistematizada possível para que seja facilitada a observação e também a posterior consulta de uma informação ou dado aqui lançado. Vale ressaltar, ainda, que é fundamental saber ler e interpretar tabelas e listas, e, assim, conseguir construir as escalas e grandezas representadas. Observar valores e saber compreendê‑los em si e em relação aos demais é fundamental na organização do raciocínio para uma aula, por exemplo. O que significa dizer que o café é o maior produto de exportação? Quer dizer que era 30% do total e o resto estava pulverizado entre os demais? Que era 51%? Que era 90%? Assim, consideramos fundamental a prática dessa leitura de grandezas para a familiarização e uso das informações da maneira mais adequada possível. Portanto, ao longo de nosso texto, será frequente a apresentação de tabelas e listas, para que essa familiarização comece a ser construída. O comércio recebeu um grande impulso, conforme demonstra a entrada de navios no Rio de Janeiro. Tabela 1 Anos Portugueses Estrangeiros 1808 756 90 1810 1214 422 1819 1313 340 1820 1311 354 Fonte: Teixeira (1993, p. 60). A diversidade de produtos e também das origens desses produtos dá a medida da complexidade do momento, onde a ruptura dos laços coloniais inaugura uma nova realidade econômica pautada pelo dinamismo e pelo liberalismo econômico, bem ao estilo das mudanças relacionadas com revolução industrial que se acelerava e conquistava mercados pelo mundo. 14 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 Unidade I Ainda como indica Teixeira (1993, p. 60‑1) o quadro de produtos importados e seus respectivos locais de origem permite‑nos observar o que foi assinalado: Quadro 1 Artigos importados Locais de origem Vinhos, azeite, trigo, biscoitos, sal, manteiga, vinagre, bacalhau Portugal Tecidos de lã, chitas, linhos, porcelanas, ferro, chumbo, cobre, zinco Inglaterra Jóias, móveis, velas, medicamentos, licores finos, pinturas, gravuras em cobre França Cerveja, objetos de vidro, lãs, papel Holanda Relógios, pianos, espingardas, estojos de lã Áustria Objetos de ferro e latão, brinquedos de Nuremberg Alemanha Cereais, velas, biscoitos, azeite de baleia, alcatrão, couros, breu, móveis Estados Unidos Escravos, ouro em pó, ébano, marfim, pimenta, cera, óleos, enxofre, gomas África Porcelanas, chás, tintas, canela, cânfora, sedas Macau Fonte: Teixeira (1993, p. 60‑1). O seguinte quadro, que demonstra quais eram os produtos exportados e a partir de quais portos, também lança o olhar sobre o dinamismo econômico e assinala a complexidade existente na região, que não era um mundo estático e completamente submisso exclusivamente aos ditames externos. Quadro 2 Artigos exportados Portos brasileiros Açúcar, café, algodão, couros de boi, fumo Rio de Janeiro Cachaça, melado, azeite de baleia, couros, arroz, cacau, drogas nativas Salvador Algodão e açúcar Recife Algodão Fortaleza Algodão, arroz, couros curtidos, solas, polvilhos São Luis Açúcar, cachaça, melado, café, cacau, baunilha Belém Açúcar, couros, arroz, anil Santos Carne seca, sebo, graxa, couros de boi e de égua e chifres Rio Grande Fonte: Teixeira (1993, p. 61). Conforme ressaltou Dias (2005, p. 12), a vinda da Corte para o Brasil e a opção de fundar um novo Império nos trópicos já significaram em si uma ruptura interna nos setores políticos do velho reino. 15 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO Figura 2 – D. João VI. Regente do Império Português que conseguiu enganar Napoleão, decretou a Abertura dos Portos rompendo o Pacto Colonial e elevou o Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves O significado da Abertura dos Portos foi, de imediato, a presença do capitalismo inglês nos moldes do liberalismo do século XIX, e assim o Rio de Janeiro foi inundado por lojas inglesas dos mais diversos artigos. Além disso, a assinatura dos Tratados de Aliança e Amizade, Comércio e Navegação com os ingleses em 1810 dava a eles uma condição privilegiada em relação ao comércio com o Brasil. A capital rapidamente se modernizava em diversos setores com a instalação de Ministérios (do Reino, Marinha e Ultramar e também da Guerra) e com a criação do Erário Régio (depois Ministério da Fazenda em 1821), da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordem, do Conselho de Estado, do Conselho da Fazenda e Supremo Conselho Militar, do Banco do Brasil (1808), da Biblioteca Real, das Juntas do Comércio, da Agricultura e da Navegação, além da Academia Militar, da Marinha e da Imprensa Régia. Havia também a presença de artistas, cientistas e viajantes com a chamada Missão Francesa em 1816. Com todas essas mudanças, o Rio de Janeiro deixava a condição de capital de uma colônia para abrigar as mais altas instâncias do poder português num movimento consagrado – na expressão de Dias (2005), a “interiorização da metrópole”. A sofisticação ocorria em vários aspectos que eram sentidos no dia a dia da população, influenciando a sociedade, a economia, os impostos, as artes e mesmo os padrões de sociabilidade. 16 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 Unidade I Observação A presença da corte portuguesa no Brasil e a internacionalização do comércio brasileiro alteravam a vida provinciana que caracterizava nossa capital administrativa. Em 1816 o Rio de Janeiro já era um importante centro comercial e cultural, contando com mais de 110.000 habitantes. A alfândega carioca transbordava de produtos ingleses e já havia mais de 30 casas de negócios estabelecidas no Brasil, em conexão com firmas inglesas. Em 1824, de 53 negociantes estrangeiros estabelecidos no Brasil, 40 eram ingleses, que dominavam o mercado de tecidos e metais (TEIXEIRA, 1993, p. 62). Figura 3 – Vista da Baía de Guanabara no início do século XIX, em pintura de F. E. Taunay A Abertura dos Portos em 1808, na prática, abolia o status colonial do Brasil, os tratados de 1810 davam uma condição preferencial aos ingleses, logo, a condição de economia fechada e exclusiva para a metrópole lusa acabava definitivamente. As mudanças do lado de cá do Atlântico ocorreram não sem consequências para Portugal, uma vez que o próprio príncipe regente estava ausente, pois a invasão napoleônica era inconteste, mas, com a queda de Napoleão em 1815 e a restauração das antigas dinastias europeias em seus tronos, caberia aos Bragança decidir se voltariam de uma vez por todas a Portugal ou se manteriam a Coroa em solo americano. 17 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO Figura 4 – Carta de D. João VI de elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves Saiba mais Indicamos, como forma de ilustrar a época, o filme: CARLOTA Joaquina: Princesa do Brasil. Dir. Carla Camurati. Brasil: Copacabana Filmes e Produções, 1995, 100 min. E ainda como forma alternativa de familiarização, indicamos os quadrinhos: SCHWARCZ, L. M.; SPACCA, D. João Carioca: a corte portuguesa chega ao Brasil – 1808‑1821. São Paulo: Cia das Letras, 2007. 18 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 Unidade I Retornar ao Reino na Europa significaria, de imediato, o confronto da Coroa com setores liberais portugueses descontentes com aquilo que era percebido como uma inversão de papeis, quando Portugal mais parecia ser a colônia do que a metrópole. Permanecer no Rio deJaneiro, no entanto, não era a solução automática, uma vez que poderia significar abrir fissuras no Império Português, que poderia não resistir às mudanças. A perspectiva no Rio de Janeiro de perder a Corte também mobilizava projetos políticos, conforme o parecer de Silvestre Pinheiro Ferreira (apud SOUZA, 1999, p. 56): A questão de Estado, que se agita sobre o regresso da Corte de V. A. R. para a Europa, e sobre a qual V. A. R., por efeito de Sua Alta Benevolência, se há dignado de ordenar‑me que diga o meu parecer, é sem dúvida um dos maiores problemas políticos, que jamais soberano algum teve de resolver. [...] Trata‑se de nada menos que de suspender e dissipar a torrente de males, com que a vertigem revolucionária do século, o exemplo dos povos vizinhos, e a mal entendida política que vai devastando a Europa, ameaçam de uma próxima dissolução, e de total ruína os Estados de V. A. R., espalhados pelas cinco partes do mundo: quer seja pela emancipação das colônias, no caso de V. A. R. regressar para a Europa: quer seja pela insurreição do Reino de Portugal, se aqueles povos, perdida a esperança que ainda os anima, de tornarem a ver seu amado Príncipe, se julgarem reduzidos à humilhante qualidade de colônia. 1.1 Liberalismo político e crise na América Portuguesa Devemos lembrar, inicialmente, que D. João VI e sua corte estavam no Brasil desde 1808; que a Abertura dos Portos às Nações Amigas e os Tratados de Aliança e Amizade, Comércio e Navegação com os ingleses ocasionou certa inversão de papeis entre a metrópole e a colônia. Além disso, D. João havia assinado também a liberação das fábricas no Brasil. Contudo, havia também a percepção em diversas regiões da América Portuguesa de que a Corte no Rio de Janeiro era excessivamente custosa e que, afinal de contas, os benefícios de sua existência não eram tão significativos assim. Apesar da liberalização econômica em alguns setores, noutros as práticas mercantis monopolistas não haviam sido modificadas. Ao mesmo tempo, a arrecadação de impostos instituída pelo Real Erário em 1812 recaía, em Pernambuco, não só sobre os gêneros exportáveis, mas especialmente sobre aqueles de consumo interno, como alimentos. Some‑se a isso a baixa nos preços de seus principais produtos iniciada naquele mesmo ano, o resultado é uma insatisfação bastante generalizada com o governo do Rio de Janeiro entre setores mercantis e agrários de Pernambuco e capitanias adjacentes (SLEMIAN, 2003, p.43). Tal foi o que ocorreu em Pernambuco em 1817, quando irrompeu uma Revolução Republicana que procurou articular as capitanias próximas na fundação de uma República que romperia com o Rio de Janeiro, como efetivamente o fez, entre março e maio, tendo inclusive governo e bandeira própria. 19 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO A repressão ao movimento rebelde expõe uma das faces do Antigo Regime que sobrevivia no século XIX, a saber, a extrema violência de que lançava mão para conter ameaças de rupturas internas. O movimento de 1817 em Pernambuco funciona como uma reação, nas palavras de Slemian (2003), como algo que se voltou contra aquilo que era considerado uma excessiva e indevida centralização do governo das capitanias do Brasil nas mãos do Rio de Janeiro. O movimento pernambucano reivindicava antes autonomia do que soberania. E ainda, nas palavras de D. João, um “horrível atentado contra a Minha Real Soberania e Suprema Autoridade, que uns malévolos indignos do nome português [...] se atreveram a cometer (SLEMIAN, 2003, p. 43)”. Vale lembrar que ainda estavam num contexto de Antigo Regime e, dessa maneira, as punições seriam, como impunha a tradição, severas, cruéis e exemplares – inclusive com desmembramentos e cenas espetaculares de sangue e afirmação do poder dos monarcas. Centenas de homens foram presos e condenados. A alguns foi aplicada esta sentença: Depois de mortos são cortadas as mãos, e decepadas as cabeças, se pregarão em postes a saber: a cabeça do primeiro réu na Soledade e as mãos no quartel; a cabeça do segundo em Olinda e as mãos no quartel; a cabeça do terceiro em Itamaracá, e as mãos em Goiana; e o resto dos seus cadáveres será ligado a caudas de cavalos e arrastado até o cemitério (SLEMIAN, 2003, p. 43‑4). O Império Português sobrevivera a mais essa crise e ao republicanismo que já havia produzido significativos movimentos no final do século XVIII, como foram os casos da Inconfidência Mineira de 1789 e do Movimento dos Alfaiates, na Bahia, em 1798. No entanto, o caráter emancipacionista presente nesses movimentos de contestação demonstra a gravidade da época. Projetos alternativos não são apenas pensados e planejados, são também executados e violentamente contidos. Para Slemian (2003, p. 47), os projetos, as práticas políticas, os temores e os novos paradigmas de ação advindos da revolução de Pernambuco serão responsáveis por uma importante redefinição no jogo de luta política em curso no Império Português. A partir de 1817, as alternativas anteriormente esboçadas em resposta à crise que, cada vez mais, se fazia perceptível e angustiosa aos homens da época irão cristalizar‑se em torno de projetos mais definidos e, por isso mesmo, mais incompatíveis entre si. A consolidação da ideia de que a heterogeneidade do Império carecia, nos novos tempos, de sustentação, chegará com um movimento de reação peninsular, de cuja resposta americana surgirão as condições para a concretização de um Brasil politicamente autônomo e soberano. De maneira geral, nos diversos movimentos que tiveram características emancipacionistas, de acordo com Oliveira (1995, p. 37), a decisão de romper com a metrópole foi adotada porque, na interpretação dos protagonistas, os problemas que os afligiam somente poderiam ser solucionados caso conquistassem a liberdade para administrar os negócios públicos. Mas a ruptura com a política metropolitana significava também o questionamento das práticas do Antigo Regime. 20 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 Unidade I Lembrete Ao falar em emancipacionismo cabe especificar que eram movimentos que optaram pela ruptura política com a metrópole, escolhendo como alternativa não pertencer mais ao Antigo Regime e ao Sistema Colonial. São importantes exemplos nesse sentido a Inconfidência Mineira de 1789, a Inconfidência Baiana de 1789, também conhecida como movimento dos alfaiates, e ainda a Revolução de 1817 em Pernambuco. Esses três movimentos são radicalmente diferentes dos movimentos nativistas anteriores, como a Guerra dos Emboabas, a Revolta de Nosso Pai, a Botada dos Padres para Fora, a Aclamação de Amador Bueno, a Revolta de Filipe dos Santos, a Revolta dos Beckman ou o caso da Guerra dos Mascates, pois nesses casos não estava na agenda a ruptura e sim o reajuste para poder permanecer naquele mundo que era português. 1.2 Revolução Liberal e Constitucional do Porto (1820) A Europa, no início do século XIX, fora convulsionada pela expansão napoleônica e após sua queda e prisão em Santa Helena, em 1815, sentira o peso da reação absolutista deflagrada pelo Congresso de Viena e pela Santa Aliança. Uma das expressões políticas desse momento foi o aparecimento de reivindicações de natureza constitucionalista seguindo, portanto, moldes liberais revolucionários para a época. No entanto, também é muito importante para os atores envolvidos na crise a ideia geral da possibilidade de regeneração do quadro que rapidamente se deteriorava. No caso de Portugal, o Manifesto aos Portugueses, de 24 de agosto de 1820, de Fernandes Tomás, trazia escrito: [...] para cúmulo de desventura deixou de viver entre nós o nosso adorável soberano. Portugueses!Desde esse dia fatal contamos nossas desgraças pelos momentos que têm durado a nossa orfandade [...] Tenhamos, pois, essa constituição e tornaremos a ser venturosos. O senhor D. João VI, nosso adorado monarca, tem deixado de a dar porque ignora nossos desejos [...]. Não nos intimideis, portanto, porque decerto não atraiçoais os sentimentos de vossa natural fidelidade [...]. A mudança que fazemos não ataca as partes estáveis da monarquia (SLEMIAN, 2003, p. 51). Considerando o teor monarquista e também propositivo de uma constituição para o Império Português, limites seriam impostos ao rei por meio da criação de uma Monarquia Constitucional. Era o início da Revolução Constitucional e Liberal do Porto, que mais tarde seria transferida para Lisboa e transformada em um uma espécie de congresso do mundo lusitano. A crise, instaurada há muito no Império, ganhava, então, um projeto político como sua expressão. 21 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO A ação dos revolucionários, a partir do Porto, transfere‑se para Lisboa e lá são estabelecidas as Cortes (espécie de Assembleia Constituinte) sob a designação de Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa. Cabe, nesse momento, indagar quem fazia parte da Nação Portuguesa. A resposta não é tão óbvia quanto pode parecer, pois quem nascia no Brasil também era membro desse grupo identitário. Foram eleitos deputados para as Cortes em Portugal e também no Brasil. O liberalismo se alastrava nesse momento pelo Brasil com o aparecimento de Juntas de governo no Pará, na Bahia e que se relacionavam com o poder de Lisboa, afastando‑se do Rio de Janeiro, onde estava D. João VI. A tensão, incertezas e ameaças de fragmentação do Império exercem pressão sobre o rei, ao mesmo tempo que no Rio de Janeiro se exigia a adesão do monarca ao liberalismo. Pedro, filho de D. João VI e herdeiro da Coroa de Portugal, jurou adesão à Constituição que se fazia em Lisboa e pouco depois D. João VI parte para Portugal deixando Pedro como regente. O rei D. João, revelando posteriormente que jurou as bases da Constituição devido às pressões, teria dito: “algum dia fez‑se alguém jurar o que ainda não se conhece e talvez nem exista?” (LUSTOSA, 2006, p. 104). Note‑se que ele, Pedro, ainda não tinha condições de exercer uma autoridade sobre todo o Brasil, uma vez que o Pará e a Bahia se aproximavam do governo de Lisboa, bem como ocorreu em Goiás, no Rio Grande do Sul e no, então, Norte do Brasil (atual Nordeste). A tensão do liberalismo das Cortes faz‑se presente no Brasil quando serão formadas as Juntas de Governo e assim fica evidente a oposição de interesses entre Lisboa e o Rio de Janeiro. Em 26 de abril de 1821, D. João VI partira para Portugal e Pedro, seu filho mais velho, ficou no Brasil como Regente. Pouco antes do embarque D. João teria expressado na última reunião em que estivera presente com seu Conselho de Estado no Rio de Janeiro: “Que remédio, Silvestre Pinheiro! Fomos vencidos!” (LUSTOSA, 2006, p. 110). Observação As Juntas de Governo também surgiram na América Espanhola, no momento da desagregação do Império Colonial Espanhol, quando as elites criollas resolveram tomar para si o poder político e assim romperam com a metrópole, deflagrando um movimento sangrento, demorado e que provocaria a fragmentação do mundo colonial espanhol em diversas novas nações no decorrer do século XIX. O Congresso de Viena foi uma reunião das potências europeias após a derrota de Napoleão, tendo como principais participantes os vendedores de Napoleão e mais a própria França. Foram os debates tensionados pelas discussões entre os Princípios da Legitimidade das Dinastias Derrubadas, defendida pelo francês Talleyrand, e o Principio do Intervencionismo, do austríaco Metternich. Sua expressão armada foi a Santa Aliança (composta por forças da Áustria, Rússia e Prússia), tendo como missão combater quaisquer possibilidades de eclosão de movimentos liberais na Europa, e mesmo fora dela. Dessa forma, havia pressões para a Europa retornar ao mundo anterior à própria Revolução Francesa, o que era profundamente conservador e reacionário, mas também refletia em ameaças às independências na América, sempre com receio de um ataque direto das principais potências. 22 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 Unidade I Saiba mais Para aprofundar seus conhecimentos sobre o caso da América Portuguesa, indicamos a leitura: BERNARDES, D. O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820‑1822. São Paulo: Hucitec, 2006. 2 SETE DE SETEMBRO DE 1822: INDEPENDÊNCIA DO BRASIL? A partida de D. João VI, D. Carlota Joaquina e a corte para a Europa, em função das pressões das Cortes de Lisboa, evidenciava o avanço do liberalismo em Portugal e a percepção da gravidade do momento; no entanto, Pedro ficou no Brasil, o que demonstrava, também, que não haveria uma subordinação tão imediata às ordens chegadas de Portugal. Figura 5 – D. Pedro, então regente no Rio de Janeiro, tornar‑se‑ia Pedro I, Imperador do Brasil O Rio de Janeiro havia crescido economicamente e politicamente com a corte e a ideia de recondução ao status colonial assombrava a elite econômica local – composta por comerciantes portugueses, latifundiários da região e das províncias no entorno. Os principais articuladores políticos buscaram, na figura de Pedro, manter a condição recém alcançada no Império Português. O Senado da Câmara do Rio de Janeiro e a imprensa extremamente ativa naquele momento são espaços privilegiados da política por volta de 1821‑1822. 23 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO Naquele momento, no Rio de Janeiro, apareceram os periódicos: Revérbero Constitucional; O Espelho; A Malagueta; O Conciliador do Reino Unido; A Sabatina Familiar; O Regulador Brasílico Luso e o Correio do Rio de Janeiro. Assinaram folhetos para marcar sua posição e atuar na esfera da opinião pública, que emergia, pela primeira vez, neste início da década de 1820: José Bonifácio, padre Perereca, José Clemente Pereira, Martim Francisco de Andrada, Silva Porto, Raimundo José da Cunha Mattos, Luis Pereira da Nóbrega Coutinho, todos mobilizados pela ideia de felicidade geral da nação, considerada como obra política, conforme indica Souza (1999, p. 121). O jornalismo, em princípios da década de 1820, ganhava viés político, mas desde 1808 essas tendências já se faziam sentir no mundo lusófono. O Correio Braziliense era publicado em Londres por Hipólito José da Costa desde 1808, criticando Portugal abertamente e propugnando que D. João ficasse na porção americana de seus domínios, chegando mesmo a tratar da Independência do Brasil contra as cortes. Em 1821, segundo Lustosa (2006, p. 126‑7), três jornais saudavam a união luso‑brasileira: O Amigo do Rei e da Nação, de Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva; O Bem da Ordem, do cônego Francisco Vieira Goulart; e O Conciliador do Reino Unido, de José da Silva Lisboa. Ainda em 1821, o Revérbero, do maçom Joaquim Gonçalves Ledo, O Espelho, A Malagueta e a Gazeta do Rio de Janeiro, além da revista O Patriota, repercutiam os debates políticos. Em termos de valor, já se questionou, inclusive, a possibilidade do acesso da população às folhas que circulavam na capital, pois o Diário do Rio de Janeiro custava 20 réis, o valor equivalente a uma porção de manteiga, enquanto uma empada de recheio de ave custava 100 réis; um arrátel [equivalente a 459 gramas] de linguiça, 280 réis; e um quartilho [0,6655 litro] de tinta para escrever, 320 réis. As tiragens eram pequenas, cerca de 200 a 500 exemplares.Era uma verdadeira guerra de publicações que se desenvolvia, chegando até mesmo aos não letrados, pois aqueles que liam contavam, recontavam e popularizavam o debate. A leitura era coletiva em praça pública e também nas tavernas. Diversas propostas geravam discussões e polêmicas e as articulações transformam‑se em projetos políticos. As pressões políticas eram sentidas dos dois lados do Atlântico e rapidamente as articulações em Portugal ganham características de exigências de que o príncipe Pedro, regente no Rio de Janeiro, retorne a Portugal. A notícia foi sentida no Rio de Janeiro como um golpe, pois em Lisboa articulava‑se um movimento potencialmente ameaçador. Os grupos políticos do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Minas Gerais e da Bahia articulavam‑se no sentido de manter um governo na América e isso deveria ser equacionado com uma monarquia constitucional. Algumas ações da Revolução de 1820, em certo sentido, passam a ser vistas como uma possibilidade de recolonização do Brasil, seja politicamente, seja economicamente. Os projetos políticos articulados no momento da Regência de Pedro no Rio de Janeiro dão a clara dimensão de que não havia uma única possibilidade a seguir. O poder de Pedro no Rio de Janeiro não se estendia automaticamente às demais províncias e havia quem desconfiasse das vantagens políticas do fortalecimento de Pedro e de sua adesão ao constitucionalismo. Mesmo no Rio de Janeiro, importantes figuras como Clemente Pereira, Gonçalves Ledo, Januário da Cunha Barbosa e João Soares Lisboa articulavam‑se para contrabalançar o poder do regente por meio de um legislativo muito mais forte, fruto das discussões liberais da época e do constitucionalismo que ganhava corpo. 24 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 Unidade I Os decretos das Cortes de Lisboa que começaram a chegar ao Rio de Janeiro tornaram a situação ainda mais crítica. Em primeiro lugar, eram assinados antes mesmo de que alguns dos representantes eleitos na América Portuguesa tivessem tomado assento na assembleia. As eleições foram realizadas entre 15 e 16 de maio de 1821, sendo escolhidos os deputados do Brasil às Cortes de Lisboa. Logo em seguida chegava de Portugal a notícia da promulgação das bases da Constituição. A ausência dos deputados do Brasil fazia com que as medidas tomadas do outro lado do Atlântico fossem percebidas como unilaterais, não por todos os envolvidos nos acontecimentos, mas, pelo menos, pelo grupo mais próximo de Pedro. Figura 6 – Províncias rebeldes A política era feita em Lisboa e no Rio de Janeiro, num tenso e emaranhado jogo de forças, e que naquele momento, permanecia em aberto quanto ao seu desfecho. Emissários do Grão‑Pará noticiaram em Lisboa sua adesão às Cortes e não sua adesão a Pedro no Rio de Janeiro. Os deputados de Pernambuco tomaram assento em 30 de agosto de 1821 e em 30 de setembro o Congresso aprovava a criação das Juntas Provisórias nas províncias, sendo constituídas por cinco ou seis membros. Os boatos na capital não paravam de circular, chegando mesmo a aparecer publicações desde setembro de 1821, e já nos primeiros dias de outubro se afirmava que os brasileiros queriam declarar o rompimento definitivo para aclamar Pedro como imperador em 12 de outubro, data de seu aniversário. 25 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO Saiba mais Indicamos, para que se tenha uma visão da construção de figura de Pedro I, o filme: INDEPENDÊNCIA ou Morte. Dir. Carlos Coimbra. Brasil: Cinedistri, 1972, 108 min. O longa foi produzido por ocasião dos 150 anos da Independência do Brasil, celebrados num contexto de Ditadura Militar. Ainda nesse formato, em 2002, foi realizada a minissérie O Quinto dos Infernos, cobrindo desde a chegada da Família Real até aspectos da vida de Pedro I. O QUINTO dos Infernos. Dir. Wolf Maya; Alexandre Avancini. Brasil: Rede Globo de Televisão, 2002, 50 min. (48 episódios). As Cortes de Lisboa enviaram um decreto impondo a volta de Pedro a Portugal, ainda em 1821, e tal exigência não passou despercebida como manobra portuguesa. Além disso, as Cortes contrabalançavam o poder do Rio de Janeiro sobre as demais províncias convocando eleições locais para a formação das Juntas de Governo, até mesmo no Rio de Janeiro. De acordo com o liberalismo vintista, essas juntas desfrutariam maior legitimidade, na medida que eram eleitas. Assim, tentava‑se criar e sedimentar uma rede de interlocutores, aliados às Cortes. No Brasil, desde o começo de 1821, organizavam‑se governos provisórios nas províncias sem se articularem ou se submeterem, obrigatoriamente, a um comando do Rio de Janeiro, experimentando uma certa autonomia. Roderick Barman chamou a isto de governo de pequenas pátrias, que estaria na origem da influência local na administração e nos assuntos fiscais das províncias, que caracterizaria a estrutura política do Brasil no Império e impediria qualquer tentativa de um forte governo centralizado no Rio de Janeiro (SOUZA, 1999, p. 116). Além disso, as Cortes de Lisboa ordenaram também a existência de Governadores de Armas como uma forma de garantir, pela violência, se preciso fosse, subordinação às leis que aprovassem. Nas palavras de Oliveira (1995, p. 88‑9) os decretos contaram com o aval dos deputados brasileiros já presentes em Lisboa, dispostos a reajustar os vínculos entre Brasil e Portugal a partir de uma federação de províncias autônomas, que manteriam relações comerciais recíprocas e encontrariam nas Cortes da nação portuguesa seu fórum legislativo comum. 26 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 Unidade I Mesmo existindo a preocupação com a fundação de um novo pacto político que pudesse unir o império luso‑brasileiro, como bem notou Souza (1999, p. 129), muitas possibilidades confrontavam‑se naquele momento. As constantes pressões pelo retorno do regente a Portugal exigiam o posicionamento das forças políticas no Brasil. Pedro, como regente, era uma parte interessada da discussão, mas havia também outros atores políticos. Sentindo‑se diminuído, D. Pedro queixava‑se em carta ao pai: “Vossa honra, senhor, exige que o vosso herdeiro presuntivo seja algo mais que um simples governador de província” (LUSTOSA, 2006, p. 117). A gravidade do momento era tal que mesmo Pedro não havia se decidido por romper com o pai e lhe escrevera dizendo: Queriam e dizem que me querem aclamar imperador. Protesto a Vossa Majestade que nunca serei perjuro, que nunca lhe serei falso; e que eles farão essa loucura, mas será depois de eu e todos os portugueses estarem feitos em postas, o que juro a Vossa Majestade, escrevendo nesta com o meu sangue estas palavras: – Juro sempre ser fiel a Vossa Majestade, à nação e à Constituição portuguesa (LUSTOSA, 2006, p. 118). Apesar de tão elevados protestos de fidelidade ao pai e ao constitucionalismo vintista, ocorreu a chegada em 9 de dezembro de 1821 dos Decretos das Cortes, que foram publicados no dia 11 do mesmo mês na Gazeta Extraordinária do Rio de Janeiro. O Despertador Brasiliense, um panfleto de autoria desconhecida, alardeava que os portugueses fomentavam o cisma, pois a resolução das Cortes era “ilegal, injuriosa e impolítica” (LUSTOSA, 2006, p. 119). Logo na sequência foi apresentada a Pedro, ainda em dezembro, uma solicitação de que ficasse no Brasil. O manifesto de 29 de dezembro de 1821 pedia que Pedro ficasse no Brasil, e entre 8 e 9 de janeiro de 1822 recebeu cerca de 8.000 assinaturas. Em janeiro de 1822 Pedro anunciava seu posicionamento frente às pressões das Cortes com uma importante recusa de subordinação.Após ter considerado partir para Portugal para juntar‑se ao pai, decide pela permanência no Rio de Janeiro. Esse momento referenciado na história política do Brasil como o Dia do Fico (dia 9 de janeiro de 1822) não deve ser pensado como um impulso nacionalista de um príncipe que sonhava com um Brasil independente, mas antes, uma articulação política que foi instrumentalizada por José da Silva Lisboa (o Visconde de Cairu) e Nogueira da Gama, em uma importante articulação com São Paulo, na figura de José Bonifácio de Andrada e Silva (visto depois como o Patriarca da Independência). Frente às pressões da época, Pedro teria dito que: Convencido de que a presença da minha pessoa no Brasil interessa ao bem de toda a nação portuguesa e conhecendo que a vontade de algumas províncias assim o requer, demorarei a minha saída até que as Cortes e meu 27 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO augusto pai e senhor deliberem a este respeito com o perfeito conhecimento das circunstâncias que têm ocorrido. [O Espelho, 11 de janeiro de 1821] (LUSTOSA, 2006, p. 124). Observação Foi no Dia do Fico, tradicionalmente considerado como 9 de janeiro de 1822, que o então Príncipe Regente Pedro teria proferido a célebre frase em que afirmou “Como é para o bem de todos, e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico”. Essa articulação tinha como objetivo fundamental neutralizar o sucesso do apoio ao constitucionalismo das Cortes no Brasil, representado pelo grupo de Gonçalves Ledo e pela formação das Juntas de Provinciais de Governo, que reduziam as possibilidades de supremacia do Rio de Janeiro. A própria esposa de Pedro, D. Leopoldina, em 8 de janeiro de 1822 escrevia em carta: Receiam‑se aqui muitos distúrbios para o dia de amanhã. Terá v. ouvido alguma coisa? O príncipe está decidido, mas não tanto quanto eu desejava. Os ministros vão ser substituídos por filhos do país que sejam capazes. O governo será administrado de modo análogo aos Estados Unidos da América. Muito me tem custado alcançar isto tudo: só desejava insuflar uma decisão mais firme (LUSTOSA, 2006, p 123). A gravidade do momento ficou ainda mais evidente quando as Cortes enviaram ao Brasil uma divisão comandada pelo general Avilez, mas Pedro conseguiu que embarcassem para Portugal em fevereiro de 1822, livrando‑se de forças portuguesas que poderiam seriamente comprometer seu poder. Sendo expulsa a Divisão Auxiliadora Portuguesa, Pedro tratou de proibir quaisquer desembarques de tropas mandadas por Portugal, sendo conhecido como batalhão dos Algarves. Em maio de 1822, o Senado da Câmara do Rio de Janeiro oferecia a Pedro o pomposo título de Protetor e Defensor Perpétuo do Brasil. Souza (1999, p. 136) sinaliza que ao acolher esta honra, de forte caráter militar, D. Pedro estreitava seus laços com a causa do Brasil. A atuação política do governo do regente no Rio de Janeiro ganhava contornos de projeto nacional ao buscar cooptar lideranças baianas, pernambucanas, paulistas e mineiras. Pedro foi até Vila Rica apresentar‑se como possibilidade política concreta. No Rio de Janeiro, as expectativas em torno das eleições de uma Assembleia Geral das Províncias do Brasil era uma clara ameaça ao poder de Pedro. As manifestações de rua, do povo e da tropa, em torno da solicitação da convocação da Assembleia por meio de eleições, deixavam claro o posicionamento liberal de Gonçalves Ledo e Clemente Pereira, favoráveis à supremacia do legislativo. O resultado das pressões foi que em junho de 1822 Pedro teve que assinar o decreto de convocação de uma Assembleia Legislativa no Rio de Janeiro, que ocorreria em 3 de junho de 1822. 28 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 Unidade I Havendo‑Me representado os Procuradores Gerais de algumas províncias do Brasil já reunidos nesta Corte, e diferentes Câmaras, e Povo de outras, o quanto era necessário, e urgente para a mantença da Integridade da Monarquia Portuguesa, e justo decoro do Brasil, a Convocação de uma Assembleia Luso‑Brasiliense, que investida daquela porção de Soberania, que essencialmente reside no Povo deste grande, e riquíssimo Continente. Constitua as bases sobre que se devam erigir a sua Independência, que a Natureza marcara, e de que já estava de posse, e a sua União com todas as outras partes integrantes da Grande Família Portuguesa, que cordialmente deseja. Com a rubrica do Príncipe Regente (BONAVIDES, 1991, p. 538). Contrariamente às instruções portuguesas quando da recomendação de eleições no Brasil, as eleições foram definidas como um processo indireto, em duas etapas, sendo a fase inicial realizada nas paróquias, para a indicação dos eleitores provinciais. O critério adotado seria a possibilidade de participação de homens livres com mais de 20 anos, com ocupação comprovada, mas que não recebessem soldos nem salários, além de residência de mais de um ano no distrito de votação. Estrangeiros, religiosos, escravos, e comerciários estavam assim excluídos. Para eleitor provincial era preciso ter mais de 25 anos, com domicílio por mais de 4 anos e também “sem nenhuma sombra de suspeita e inimizade à causa do Brasil”, como aponta Oliveira (1995, p. 96). E ainda, para ser deputado, era preciso saber ler e escrever, ter bens e virtudes reconhecidas, “zelar pela causa do Brasil” e, no caso de nascido em Portugal, ter mais de doze anos de residência no Brasil. Na eleição para a Assembleia, que teria poderes legislativos para elaborar uma Constituição independente daquela que as Cortes elaboravam, a distribuição ficaria assim: Província Cisplatina: 2; Rio Grande do Sul: 3; Santa Catarina: 1; São Paulo: 9; Mato Grosso: 1; Goiás: 2; Minas Gerais: 20; Rio de Janeiro: 8; Capitania [Espírito Santo]: 1; Bahia: 13; Alagoas: 5; Pernambuco: 13; Paraíba: 5; Rio Grande do Norte: 1; Ceará: 8; Piauí: 1; Maranhão: 4 (BONAVIDES, 1991, p. 545‑6). Em junho de 1822, antes mesmo da consolidação de uma ruptura política definitiva com Portugal, estava posta a questão da participação política em termos de construção de uma determinada cidadania. A legitimidade do governo que se buscava consolidar em terras americanas, por oposição a Lisboa, não se daria por direitos dinásticos nos moldes do Antigo Regime, pelo contrário, seria uma monarquia constitucional que devesse assegurar o direito de representação política e liberdades civis contra a ação de setores absolutistas, além da ligação das províncias ao Rio de Janeiro, e não a Lisboa, com a representação política de proprietários e grupos escravistas, sendo a base de um Estado Nacional moderno. Em que pese a existência de diversos grupos políticos, faz‑se necessário esclarecer a denominação de um grupo, especificamente, os chamados republicanos. Gonçalves Ledo, Clemente Pereira e João Soares Lisboa, distanciando‑se do grupo que mais tarde será visto como áulicos e até mesmo absolutistas, em razão do fortalecimento de Pedro, aproximavam‑se de ideias republicanas, mas isso no início do século 29 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO XIX, em meados de 1820, indicava lutar pela participação dos cidadãos nas leis e na administração pública. Vale dizer que defendiam uma determinada liberdade política, como muito bem salientou Oliveira (1995, p. 100). Concordando com as observações de Oliveira (1995), impõe‑se questionar a construção em torno de Pedro I como príncipe herói e valente, disposto, inclusive, a morrer pelo Brasil. No entanto, a iconografia da época pode ser de grande serventia, não como mera ilustração, mas como fonte de conhecimento. Sabendo‑seda trajetória do quadro, pode‑se pensar mais sobre o momento e sobre quem e como se retratava a cena. Figura 7 – Proclamação da Independência, por René Moureaux, pintado em 1844 Nas palavras de Oliveira (1995, p. 102), independência e separação de Portugal não eram necessariamente sinônimos. O governo da Regência havia assegurado o rompimento com as Cortes de Lisboa e, portanto, a cisão dentro da monarquia portuguesa por meio de duas iniciativas: o movimento pela permanência do príncipe, em janeiro de 1822, e a lei eleitoral de junho do mesmo ano, que excluiu da cidadania os imigrantes portugueses. Lembra, ainda, que em agosto de 1822, José Bonifácio, em dois manifestos, anunciava que a Regência do Brasil e as províncias que a apoiavam (São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Pernambuco e Rio Grande do Sul) estavam dispostas a declarar a independência. Os manifestos dirigiam‑se aos povos do Brasil, aos diplomatas presentes no Rio de Janeiro e aos governos europeus (OLIVEIRA, 1995, p. 102‑3). E mais, a historiadora problematiza a construção histórica do 7 de setembro quando afirma: Ao contrário daquilo que frequentemente se imagina, a proclamação do príncipe D. Pedro, na colina do Ipiranga e às margens do riacho do mesmo nome, não teve repercussão no momento de sua ocorrência. Além de não merecer acolhida especial da parte dos inúmeros e atuantes jornais que circulavam na Corte do Rio de Janeiro e em várias outras regiões do Reino do Brasil, a ela também não se referiram os membros do governo da Regência 30 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 Unidade I e tampouco foi àquela interpretada como baliza definidora do curso da história. Nem mesmo D. Pedro na carta dirigida aos paulistas, datada de 8 de setembro, deixou registros específicos a respeito do episódio do dia anterior (OLIVEIRA, 2002). Ao considerarmos o que foi apresentado, é fundamental ressaltar que a Independência do Brasil faz parte de um processo histórico no qual diferentes projetos políticos estavam presentes e que a articulação de determinados grupos logrou suplantar outros. Foi um momento tenso não apenas pela oposição entre Brasil e Portugal, mas antes, por disputas nas Cortes de Lisboa e também no Brasil, entre o Rio de Janeiro e diversos grupos, nas províncias e também na capital. É evidente a necessidade de construção de uma ordem política, não apenas uma subordinação nos moldes do Antigo Regime, pois o príncipe regente precisou viajar a Minas Gerais e a São Paulo, como uma estratégia de forjar alianças. Assim, o famoso grito “Independência ou Morte”, que deu acabamento a decisões anteriormente definidas, aconteceu em São Paulo, à distância da agitação que tomava conta da Corte do Rio de Janeiro. Mas realizou‑se sob o patrocínio do ministério e contou com o aval de D. Leopoldina, que presidiu a Regência durante a viagem de D. Pedro. A declaração foi justificada com base nas ameaças dos deputados de Portugal em iniciar uma guerra enviando tropas ao Rio de Janeiro, diante do não cumprimento de suas deliberações, especialmente a que dizia respeito ao retorno do príncipe a Portugal. O curioso é que, no momento de sua ocorrência, o ato do príncipe em 7 de setembro não mereceu atenção especial dos protagonistas do processo histórico. Foi sobrepujado em importância pelas articulações do ministério em torno da aclamação popular de D. Pedro como imperador e pelas negociações para que lideranças provinciais de Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco reconhecessem publicamente não só a autoridade do príncipe, mas sua nova condição de dirigente máximo do Império que se pretendia criar (OLIVEIRA, 1995, p. 104). O senso comum, e mesmo certas épocas históricas, escolhe datas e personagens e constrói suas imagens que são glorificadas como versões realistas do passado. Lembramos que isso é um grande risco, pois deixamos de entender a sociedade que produziu tal ou qual versão. Não devemos afirmar que os quadros de Debret são um olhar realista sobre o Rio de Janeiro do século XIX, mas sim, nos questionarmos porque Debret pintou daquela maneira e mais, qual discurso – visão de mundo – estava presente ali. Isso vale para diversos momentos e os exemplos quase inumeráveis. O quadro consagrado à independência do Brasil, presente no Museu Paulista da Universidade de São Paulo no salão principal de um edifício construído justamente para seu abrigo e exposição, talvez seja o melhor exemplo disso. O quadro foi produzido muitos anos depois do evento, numa construção absolutamente fictícia de imagens e que até a atualidade nos parece tão bem estruturado que é comum as pessoas se perguntarem se foi daquela maneira mesmo que ocorreu. 31 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO Figura 8 – Independência ou Morte, de Pedro Américo Vale aqui ressaltar que o início da construção da nova nação não se dava pela atuação de um indivíduo isolado e que, por qualidades pessoais de liderança inequívoca, conseguia a adesão de todos ao seu sacrifício pessoal em nome de um novo país que escolhia defender. É preciso lembrar que desde 1821, ao longo de 1822 e 1823 e chegando até mesmo a 1824, o jogo não estava ganho para os partidários mais próximos de Pedro. Símbolos, festas públicas, jornais, bandeiras e mesmo um hino fizeram parte do arsenal mobilizado por Pedro na construção de sua imagem pública, na efetivação de sua persona como representante dos interesses do Brasil (SOUZA, 1999, p. 257). É conhecida a divisa Independência ou Morte e no Hino da Independência registrou‑se: Brava Gente Brasileira Longe vá temor servil Ou ficar a Pátria livre Ou morrer pelo Brasil. Fonte: Veiga (2013). A construção dessa nova percepção de Brasil necessitava de mudanças muito significativas nos vínculos políticos, sendo Pedro aclamado imperador em 12 de outubro e coroado, no mesmo ano de 1822, em dezembro. Uma vez coroado imperador, as dificuldades não se dissiparam automaticamente e seria ainda preciso negociar externamente, por meio de diplomacia, o reconhecimento da independência. Além disso, em solo brasileiro ainda se travavam lutas entre os partidários da separação os seus contrários, havendo combates nas províncias do Norte do Brasil, sendo os mais célebres no Pará e especialmente na Bahia, de onde as tropas portuguesas do general Madeira somente seriam expulsas em 2 de julho 32 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 Unidade I de 1823. Politicamente, havia ainda a questão da reunião da Assembleia Constituinte e essa somente ocorreria em maio de 1823, quando Pedro já havia sido coroado imperador. Lembrete As províncias tinham a possibilidade em 1822 de não ficarem unidas ao Brasil, conforme o mapa dos conflitos pode apontar na figura 6. Vale ressaltar que o Brasil na Colônia, apesar de ter uma capital, articulava‑se por fora, em Lisboa. Quando da independência, foi preciso romper os antigos laços e construir novos elos de uma cadeia forjada, muitas vezes, por guerras. Os confrontos políticos levaram à perseguição dos opositores, prisões e exílios, e mesmo processos criminais com perseguição policial contra aqueles acusados de articulações contra Pedro e seus partidários. Os opositores a Pedro foram tomados como “inimigos do Brasil”. Uma analise superficial poderia concluir que era apenas uma questão de xenofobia, antilusitanismo, pura e simplesmente, mas seria uma conclusão equivocada, pois as identidades políticas estavam mudando e esse reordenamento provocava choques, rupturas e conflitos. As articulações em torno de Pedro e de determinadosgrupos do Rio de Janeiro levaram àquilo que foi percebido por diversos grupos como um pacto político, um pacto de cidadãos formando uma sociedade civil no Brasil, e esta precisava de direitos. Em 1823, o ordenamento legal desse pacto precisava ser definido e isso ocorreria por meio de uma Constituição, definida finalmente em 1824. No decorrer do século XIX, já em 1821, mas principalmente durante o II Reinado (1840‑1889), a figura de Pedro I foi construída para parecer a única das possibilidades legítima. Existiam, inclusive, idealizações como Pereira da Silva faz na História da Fundação do Império Brasileiro, de 1865, quando diz: “Raiava a primeira ocasião em que devia aparecer francamente o príncipe na cena política” (SOUZA, 1999, p. 97). As poesias que circulavam em 1821 enalteciam‑no como um herói: Os Heróis sempre marcaram Um dia com grandes Feitos? Ou mais troféus, que ganharam, Outros além levantaram Padrões de valor inteiro; Mas o Rio de Janeiro Um Herói em si achou, Que de mais glória coroou, 26 de fevereiro (SOUZA, 1999, p. 97). Ainda nas palavras de Souza (1999, p. 108) é necessário pensar a opção pela monarquia constitucional como forma de governo no começo da década de 1820. A questão capital entre 1820 e 1822 residia na maneira de celebrar um pacto entre Brasil e Portugal. 33 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO No entanto, ressaltamos aqui que para além de um gesto heroico, havia disseminada na cultura política certa noção contratualista, de construção de pactos políticos em torno de noções de cidadania política tributária do vintismo, mas que no Brasil ganhava outras cores. Em 11 de dezembro de 1823 foi publicada oficialmente a Constituição Política do Império do Brasil e em 25 de março de 1824 a Carta de Lei assinada pelos ministros e pelo imperador foi enviada para todas as autoridades, ordenando‑se seu cumprimento. O documento legitimava a formação, pela primeira vez no Brasil, do “pacto de cidadãos” e da sociedade civil. Estabelecia que o governo da nação brasileira era uma monarquia representativa cuja soberania estava concentrada no imperador e na Assembleia Geral. Garantia os direitos de liberdade, segurança, propriedade e igualdade a todos os homens livres e considerava cidadãos os brasileiros e portugueses radicados no território do Império, assegurando o direito de participação nas eleições primárias a pequenos proprietários, lavradores, caixeiros, empregados públicos e oficiais militares (OLIVEIRA, 1995, p. 110). Dessa forma, é necessário questionar como foi feita a primeira constituição, para que ela servia e a quem servia, pois o mundo que ruía como o fim do Antigo Regime necessitava da formulação de normas. 2.1 Assembleia Geral e Constituinte dos Povos do Brasil Para refletir sobre os interesses que estavam em confronto entre 1820 e 1824 deve‑se escapar da ideia construída de que o gesto de Pedro, em 7 de setembro, foi a revelação de um caráter movido para o bem público, superior aos enfrentamentos da época, que são, até mesmo, considerados de menor importância frente ao glorioso ato. Pedro I era realmente uma figura privilegiada? Era o único capaz de manter a situação nos rumos dos interesses que satisfaziam o bem público? Os choques entre Pedro e a Assembleia Geral sinalizam que talvez a figura histórica do primeiro imperador do Brasil seja mais complexa. Eleitos os representantes da Nação Brasileira, foi convocada a Assembleia que tomaria assento no Rio de Janeiro. Vale lembrar que no Império existiam 19 províncias, mas nem todas estavam ali representadas no início dos trabalhos, como foi o caso do Maranhão, do Piauí, de Sergipe, do Grão‑Pará e no sul, da Cisplatina. No dia 3 de maio de 1823, após uma série de sessões preparatórias para a abertura dos trabalhos, Pedro I entrou no recinto e proferiu seu discurso dizendo: Dignos representantes na nação brasileira. É hoje o dia maior, que o Brasil tem tido, dia em que ele pela primeira vez começa a mostrar ao mundo, que é império, e império livre. [...] como imperador constitucional, e mui principalemente como defensor perpertuo deste império, disse ao povo no 34 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 Unidade I dia 1º de Dezembro do anno proximo passado, em que fui coroado, e sagrado, que com minha espada defenderia a patria, a nação e a constituição, se fosse digna do Brasil e de mim (BRASIL, 1874, p. 13). Figura 9 – Senado da Câmara do Rio de Janeiro, local de reunião da Assembleia Constituinte do Brasil Quando da instalação da Assembleia, muitas possibilidades estavam em aberto, e Dom Pedro usou uma expressão indicativa do que poderia acontecer. No entanto, a frase não era sua, mas uma cópia da existente na carta constitucional da França, de julho de 1814, por meio da qual o Rei Luís XVIII tentou retomar a tradição monárquica, após a derrota de Napoleão. O imperador jurava defender a futura Constituição “se fosse digna do Brasil e dele próprio”. O condicional deixava em suas mãos a última palavra (FAUSTO, 1997. p.148). As possibilidades de conflitos estavam presentes e logo seriam reveladas. E ainda, de acordo com Fausto (1997, p. 148) posicionar‑se assim, logo na primeira Sessão da Assembleia, frente ao Legislativo, impondo condições à aceitação da Constituição que seria elaborada, colocava a audiência presente de sobreaviso. Nas discussões que se seguiram, começaram a definir quais as atribuições dos diferentes poderes; assim, alguns dos mais importantes e ativos membros do poder legislativo tenderiam a impor limitações ao imperador, quando buscaram determinar que o orçamento do Império ficaria a cargo dos deputados e senadores. Condição inaceitável para um poder executivo que ainda buscava se afirmar. No decorrer de 1823 os trabalhos legislativos se intensificaram e nenhum grupo em específico conseguiu controlar os debates que, afinal de contas, não foram assim tão demorados, uma vez que o funcionamento da Assembleia ocorreu, apenas, entre maio e novembro. Os principais pontos de discussão presentes nos debates eram relativos, principalmente, à educação, à criação de cursos de Direito (o que ocorreria ainda no I Reinado em Recife e São Paulo), à educação básica, à Justiça Criminal e Civil, à mão de obra escrava e livre e às possibilidades de colonização. Outro ponto de grande discussão era relativo ao próprio território – quando surge a discussão sobre a Cisplatina e as ameaças no Norte do Império, no Pará e no Maranhão, assim como o gravíssimo problema na Bahia, 35 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 05 /0 2/ 20 15 HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO onde a Guerra de Independência ainda não findara (o que somente aconteceu em 2 de julho de 1823, com a expulsão das tropas do general Madeira). Politicamente, estava em aberto a questão da divisão de poderes e os embates ganharam expressão no Anteprojeto da Constituição da Mandioca. Pedro I, ao perceber as articulações como possibilidades concretas de redução de sua soberania e poder, mobiliza‑se também. No dia 12 de novembro de 1823 a Assembleia foi dissolvida. Um dos momentos importantes da crise que levaria à dissolução foi a apresentação, na sessão de 6 de novembro, de um requerimento de David Pamplona Corte Real que alegava ter sido espancado por militares portugueses e exigia uma providência. Em 10 de novembro a situação fica mais complicada, pois se discute na Assembleia um projeto de lei sobre a liberdade de imprensa, sendo, inclusive, solicitado pelo deputado cearense Alencar que o povo adentrasse ao recinto para acompanhar as discussões, e assim a sala ficou repleta.
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