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Hipoglicemia neonatal

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HIPOGLICEMIA NEONATAL 
DEFINIÇÃO 
• Definição: distúrbio metabólico mais comum no período neonatal, sendo um evento potencialmente prevenível 
de lesão neurológica permanente ou óbito. Geralmente ocorre nas primeiras 72h. 
• Incidência: 5-15%. Estima-se que acometa 8% dos RN GIGs e 15% dos RN PIGs. 
• Nas primeiras 3h de vida, ocorre hipoglicemia normal transitória no RN a termo, AIG, assintomáticos e sem 
fatores de risco, não tendo implicações neurológicas. O nascimento é um evento estressante, causando liberação 
de catecolaminas, que estimulam a secreção de glucagon e lipólise. Importante incentivar amamentação, pra 
facilitar recuperação aos valores normais (3º dia). 
CAUSAS E FATORES DE RISCO 
• Reservas de glicogênio insuficientes: prematuros, CIUR, PIG, baixo peso. 
• Inadequada produção de glicose: prematuros, CIUR, PIG, baixo peso, erros inatos do metabolismo (galactosemia 
ou doença de depósito de glicogênio), policitemia (inibe síntese de enzimas relacionadas à produção de glicose). 
• Aumento da utilização de glicose: condições de estresse perinatal, como infecções/septicemia, desconforto 
respiratório/asfixia, cardiopatia congênita (ambos alteram metabolismo cerebral), uso de álcool e drogas 
(aumento do metabolismo), policitemia (eritrócitos consomem mais glicose). 
• Hiperinsulinismo: RNs de mães diabéticas, GIG, condições genéticas, sofrimento fetal crônico, pós 
exsanguineotransfusão (hiperinsulinemia secundária ao estímulo pancreático da dextrose contida no 
anticoagulante usado para conservar sangue), doença hemolítica (hiperplasia das células das ilhotas), uso de 
medicamentos pela mãe (tocolíticos B-agonistas, propranolol, tiazídicos, HGO podem estimular a liberação de 
catecolaminas que ativam a produção de insulina), 
o É o tipo mais grave e mais resistente ao tratamento, pois não apenas ocorre redução da glicemia, como 
também o comprometimento da capacidade do cérebro de utilizar fontes energéticas secundárias, por meio 
da supressão da liberação de ácidos graxos e síntese de corpos cetônicos. 
o RNs prematuros com hiperinsulinismo têm maior chance de apresentar estresse respiratório, porque a 
insulina é antagônica ao cortisol, que é fundamental para a produção de surfactante. 
PATOGÊNESE 
• A capacidade do RN de manter a homeostase da glicose é bem menos desenvolvida que a da criança maior, por 
estar em um período de transição metabólica. Assim, o RN pode, mas é mais difícil (principalmente RN) utilizar 
reservas alternativas, como corpos cetônicos, lactatos e aminoácidos no metabolismo oxidativo cerebral. Embora 
a glicose seja o principal nutriente metabólico para a maior parte dos órgãos nas horas imediatamente após o 
nascimento, existem evidências de que o lactato é o nutriente cerebral preferido neste momento, mais do que 
a glicose e os corpos cetônicos. Contudo, o lactato é dificilmente metabolizado. 
• Após o clampeamento do cordão, a interrupção abrupta da passagem da glicose (70-80% da glicose materna) 
resulta em redução da glicemia do RN entre 30 e 90 min, atingindo um valor médio de 55 mg/dL, que geralmente 
não é < 40 mg/dL. A estabilização geralmente ocorre entre 2-4 horas. 
• Os neonatos possuem elevada taxa de utilização de glicose, em função de possuírem uma massa cerebral 
proporcionalmente maior em relação ao tamanho do corpo. 
• No entanto, para normalizar quadro, além do início da alimentação, hormônios contrarreguladores à ação da 
insulina (adrenalina, glucagon, GH, cortisol) estimulam a glicogenólise e a gliconeogênese, gerando ação 
hiperglicemiante e lipolítica. Com isso, aumenta a glicemia, que estabiliza entre 45-80 mg/dL em 48h de vida. 
• Feto GIG: insulina causa anabolismo (fetos grandes = taxa metabólica elevada = maior consumo glicose e O2 
fetal, podendo causar hipoxemia). Os rins respondem à hipoxemia aumentando eritropoietina, que estimula 
eritropoiese (policitemia = maior demanda). Além disso, insulina alta diminui hormônios contrarreguladores da 
insulina (cortisol responsável pela maturação pulmonar). 
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS 
• Frequentemente são assintomáticos (bebês já dormem muito) ou apresentam sinais e sintomas inespecíficos. 
Lara Mattar | Neonatologia | Medicina UFR 
• Bebê agitado: tremores, irritabilidade (falta de saciedade em função da hiperinsulinemia, leva mão à boca), 
convulsões, taquipneia, taquicardia, choro anormal. 
• Bebê lento: hipotonia, letardia, apatia, choro fraco, sonolência excessiva, má sucção/alimentação (dorme na 
mama ou fica <10 min, não acorda 2h após mamada), cianose, hipotermia, apneia. 
• Obs: a maioria dos estudos indicam que a encefalopatia hipoglicêmica (deficiências motoras e intelectuais, como 
ataxia, espasticidade e convulsões) está relacionada a hipoglicemias persistentes por hiperinsulinemia (DMG) ou 
convulsões hipoglicêmicas. Então o manejo em tempo oportuno sempre é resolutivo, e a monitorização de rotina 
em bebês saudáveis não é necessária, sendo, inclusive, negativa, por tirar desnecessariamente o RN do AME. 
DIAGNÓSTICO 
• Valores de referência: as referências ora definem com base nos sintomas, outras no valor da glicemia. A 
atualização da SBP/2022 não se posiciona sobre valores de corte, mas traz os limites estabelecidos pela Academia 
Americana de Pediatria e da Sociedade Americana de Endocrinologia Pediátrica. 
o Do nascimento até 48h de vida: PES define <50 mg/dL, AAP define <47 mg/dL. 
o Entre 48h e 72h: 60 mg/dL 
o > 72h de vida: 70-99 mg/dL 
• Só a glicemia plasmática guia manejo. Glicemia capilar pode ser usada só como triagem (var. de erro de 10-15%). 
• A triagem não deve ser realizada para bebês a termo saudáveis assintomáticos e sem fatores de risco. Pela diretriz 
de 2014, RN PIG e pré-termos tardios devem mamar a cada 2-3h e ser rastreados antes de cada mamada nas 
primeiras 24h. Após 24h, o rastreio só deve continuar se glicemia mantida < 50 mg/dL. 
• Triagem (se fatores de risco): 
o Diminuição de reserva de glicogênio e causas mistas: dextro com 3, 6, 12, 24 e 48 horas de vida. 
o Hiperinsulinismo: dextro com 1, 3, 6, 12, 24 e 48 horas de vida. 
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 
• Devem ser consideradas outras etiologias se os sintomas persistirem depois que a glicemia estiver na faixa 
normal. Incluem: sepse, doença do SNC, exposição tóxica, anormalidades metabólicas, insuficiência suprarrenal, 
insuficiência cardíaca, insuficiência renal, insuficiência hepática. 
TRATAMENTO 
• RN assintomático com fatores de risco: alimentação oral inicial na 1ª hora e glicemia 30/30 min, até 12h de vida. 
Considerar alimentação por gavagem se RN não sugar adequadamente. 
• Adjuvante para assintomáticos hipoglicêmicos: gel de dextrose bucal 40% (200 mg/kg) antes da alimentação por 
48h. É uma alternativa de rápida absorção (amilase salivar), barata (carboidrato simples em solução aquosa), fácil 
administração (direto na mucosa oral ou língua), parte é deglutida (absorção por TGI), evita separação mãe-RN 
(melhor que a fórmula, porque incentiva a amamentação). 
• Na diretriz antiga (2014), assintomáticos <25 nas primeiras 4h e <35 entre 4-24h recebiam tratamento EV. Na 
atualização, primeiro deve-se tentar alimentar o bebê via oral com controle 1/1h. Somente os casos refratários 
ganham tratamento EV (estudos recomendam não fazer em bolus de glicose para assintomáticos, pois a correção 
muito rápida possui relação estreita com sequela neurológica subsequente = iniciar com infusão endovenosa / 
soro de manutenção, aumentando TIG se hipoglicemia persistente). 
• Nos bebês entre 24-48h é estabelecido uma glicemia esperada >45. Se <45, deve receber glicose EV (SG). 
• Em alguns locais, o bebê é mantido em alojamento conjunto, mas o ideal é que ele se mantenha na UTI neo até 
a recuperação, uma vez que a hipoglicemia causa queda do sistema imune. 
• Seio materno exclusivo precoce sempre, inclusive durante a terapia EV. 
• Hipoglicemia persistente: velocidade de infusão de glicemia vai aumentando somado à dieta enteral. 
o O uso de glucagon IM (estimulagliconeogênese), epinefrina, corticoide (hidrocortisona>prednisona atuam 
na gliconeogênese liberando glicose), diazóxido (inibe liberação de insulina atuando como agonista 
específico nos canais de K+ sensíveis ao ATP nas células beta-pancreáticas normais) podem ser utilizados em 
casos específicos. 
 
ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO 
• Ressonância magnética: Há relatos de que recém-nascidos com hipoglicemia apresentam um padrão típico de 
lesão do SNC, que acomete, sobretudo, o córtex parieto-occipital e a substância branca subcortical. Estudos 
recentes descrevem padrões de lesão mais disseminados e variados, assim como alterações nas imagens 
ponderadas por difusão que são observadas nos 6 dias seguintes ao agravo. Com frequência, é difícil separar 
clinicamente a hipoglicemia isolada da encefalopatia isquêmica hipóxica associada a hipoglicemia. Alguns 
neonatologistas acreditam que vale a pena solicitar RM em recém-nascidos com hipoglicemia sintomática. No 
entanto, é consenso de que RN com hipoglicemia sintomática precisam de acompanhamento atento ao DNPM. 
• Prevenção: amamentação na primeira hora de vida e rastreio de grupos de risco.

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