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176943507-Parmenides-Da-natureza

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Prévia do material em texto

2 
'd 
"' R M E 
José Trindade Santos 
Da natureza 
Parmênides 
~ lHEsnunU~ 
&dito= 
© 2000 by José Trindade Santos 
Diagramação 
Victor Tagore 
Capa 
Leonardo Gonçalves 
Impressão: 
Thesaurus Editora 
S337d Santos, José Trindade 
Da natureza - Parmênides I José Trindade 
Santos.- Brasília : Thesaurus, 2000. 
124 p. 
1. Filosofia da natureza 2. Parmênides, filósofo 
grego I. Título 
CDU 113 
CDD 113.2 
Todos os direitos em língua portuguesa, no Brasil, reservados de acordo com a lei. Nenhuma parte deste 
livro pode ser reproduzida ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio, incluindo fotocópia, 
gravação ou informação computadorizada, sem permissão por escrito do autor. THESAURUS i::D!TORA 
DE BRASÍLIA LTDA. SIG Quadra 8, lote 2356- CEP 70610-400 - Brasília, DF. Fone: (61) 344-3738-
Fax: (61)344-2353 
Composto e impresso no Brasil 
Printed in Bra~il r=re~:=- .. · 
.~ NP,j_t~-~- 2:, . 
#,_;;:-·.,,~C .. : ';:'f!!:--=.,·.· • ..:..::.-~"~..,. 
A Giovanni Casertano 
"Questa vita e um continuo sacrificio " 
Sumário 
PREFÁCIO ............................................. ..... ........................ 11 
FRAGMENTOS ..... ...... ....... .. .................. .. ... ........... ............. 15 
PoR QUE SABER? ................................................ ... .. .. ....... . .............. . 33 
O saber é coletivo e pessoal .......................................................... . 34 
O que há para saber? ............................................ .. ...................... 35 
O peso da memória ....................................................................... 36 
Transmissão e criação cultural na Antigüidade ............................... 39 
A ESCRITA ...................................... ................................. .... ........ 40 
A produção dos primeiros textos da Cultura Grega ........................ 43 
A Cultura e Literatura gregas até ao séc. V .................................... 45 
A formação da tradição filosófica grega ......................................... 4 7 
INTERLÚDIO POLÍTICO ........ .. .................. .............. · .................. . 47 
Política e Cultura .................. ... .................... .... ....... ..... . ; ........ .. ..... . 50 
Os sofistas ....... .................................................. ... .. ...................... . 51 
A FILOSOFIA ..... .... .... .................................................................. 54 
PLATÃO .......... . ............. . .................................................................. 54 
ARISTÓTELES .............................................. . .... ... .... . ....................... . 56 
O Poema de Parmênides ................................................................ 57 
INTRODUÇÃO À LEITURA DO POEMA DE PARMÊNIDES .... . ..... ........ .. 59 
História das cópias do poema ................. ...................... .......... ....... 60 
O texto do poema ................ ... ... .......................... .. ............ ... .... .... 63 
Sentido desta edição do Poema de Parmênides ............................... 64 
INTERPRETAÇÃO DO POEMA DE P ARMÊ IDES ........ . ............ 65 
1. o PROÊMIO .. .. .. .. .. .. ... .. .. . .............. ..... .... . ............ ........................ 65 
1.1 As PALAVRAS DE ACOLHJME ;TO AO JOVE.\1. .... . .......... .................. 68 
1.2 REALIDADE E APARÊ CIA ........................... ......................... ..... 69 
2. A via da Verdade .......................... .... .................... ..................... 76 
2.1 OS DOIS CAMINHOS ........................................ ......................... 76 
NoTA sOBRE ALÊTHEIA . ............. ........... ........................................ 87 
A LOCALIZAÇÃO DOS FRAGS. 4 E 5 .. ....................... ......... .. .. ........... 88 
2. 2 DESENVOLVIMENTO DO ARGUMENTO: A NOVA VIA ...................... 90 
3. A Via da Opinião ... ................... ................. ....... . ......... . .. ... ...... 101 
3. 1 0 ALCANCE DA V IA DA VERDADE .. . ....................................... 102 
3. 2 As DUAS FORMAS ........................................................ . ....... 104 
3. 3 A POSITIVIDADE DA OPINIÃO .............. . ................................. , 107 
3. 4 ASTRONOMIA E FISIOLOGIA .. . ................................................ 108 
3. 5 0 PENSAMENTO E A MISTURA....................................... . .... . .... 111 
3. 6 A OPINIÃO E OS NOMES ......................... ............................ ... 112 
4. Parmênides e a herança eleática .. .............................................. 113 
.4 . 1. 0 FRAG. 2 REVISITADO .......... .. ............................................ 114 
4. 2 A CRÍTICA À SOFÍSTICA ............................................. ........ .... 117 
4. 3 0 SABER DOS SOFISTAS .. .. .. . .. .. .. . .. . .. .. .. .. .. .. .. .. .. . .. .. . .. . .. .. .. .. .. .. . 122 
4.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE OS SOFISTAS ............ .. ... . ............ 125 
4.5 CONCLUSÃO: NÓS E PARMÊNIDES ............................................ 126 
PREFÁCIO 
Esta obra apresenta, uma tradução anotada e um comentário 
seqüencial do Poema de Parmênides, acompanhando uma versão do 
texto Grego. A tradução é precedida de UI\1 ensaio dedicado à aborda-
gem da questão do saber. 
O trabalho dirige-se especialmente aos estudantes e procura pro-
vê-los com uma versão cientificamente aceitável de um dos textos capi-
tais da Cultura Ocidental, à qual agrega alguns instrumentos de traba-
lho, com a finalidade de facilitar a sua compreensão. 
Como se explicará adiante, e pelas razões aí apresentadas, esta 
versão não pode confundir-se com uma edição do poema. Apoia-se na 
edição realizada por Hermann Diels, Parmênides' Lehrgedicht, griechisch 
und deutsch, Berlim, 1897. Não parte, portanto, de um cotejo das fon-
tes manuscritas e das respectivas variantes, ou mesmo das principais 
edições do poema, às quais se refere incidentalmente e de passagem, só 
quando é preferida uma lição divergente da acima citada. 
Este esclarecimento é importante pelo fato de a tradução apre-
sentada ser devedora do trabalho de análise filológica e crítica realiza-
do por muitas outras edições e traduções do poema, em diversas lín-
guas, às quais não faz a referência devida. Menciono apenas, e porque 
seria grave não o fazer, a dívida para com duas traduções do poema: 
em Português, a de Maria Helena da Rocha Pereira, in Hélade, Cohnbra, 
1959 (1 a edição), e, em Italiano, a edição e comentário de Giovanni 
11 
Casertano, Parmenide il metodo la scienza l'esperienza, Napoli, 1978 
( 1 o edição). A estes estudioso quero aqui acrescentar, ao meu agrade-
cimento, a minha homenagem. 
Como é de esperar, .um texto com a en ergadura do Poema de 
Parmênides tem vindo a merecer, especialmente ao longo do séc. XX, a 
detida atenção da crítica, atravé da apre entação de muitas edições e 
comentários, tanto globais, quanto centrado numa ou noutra questão 
do argumento. A finalidade e ambição de te trabalho não justificam a 
referência a essa monumental tarefa, nunca acabada, para a qual con-
tribuirá apenas na medida das limitações já expressas. 
Esta advertência é ditada não apenas pelo rigor e exigência do 
trabalho científico, mas sobretudo para que se tome manifesto que a 
interpretação aqui apresentada carece da referência ao acervo de bibli-
ografia filológica e crítica, sem a qual nunca teria chegado a poder ser 
formulada 1• A única justificação que se oferece para essa falta reside 
na finalidade que presidiu à sua concepção e redação. O diálogo com a 
tradição multissecular de interpretação crítica do Poema de Parmênides 
pesaria enormente sobre a sua compreensão, sobretudo àqueles que o 
vão abordar, pela primeira- e talvez última - vez. 
Para benefíciodesses, passo agora a sugerir o modo como devem 
realizar a tarefa de se apropriarem das indicações e pistas aqui semeadas. 
1. A versão bilíngüe do texto do poema, que inicia a obra, deve 
ser utilizada sobretudo como referência e oportunidade de visualização 
global do texto. Para além das poucas divergências assinaladas, limita-
se a seguir a edição de Diels, no texto estabelecido e na ordem pela qual 
são apresentados os fragmentos. Essa ordem, que a tradição impôs, 
5 Ainda assim, as pouquíssimas referências bibliográficas feitas , de todo indispensáveis, não de-
vem ser confundidas. De um lado, acham-se as fontes-. textos antigos-, com os quais se estabele-
cem relevantes relações; do outro, os comentadores que se pode ignorar. 
Em qualquer dos casos, a função que desempenham no texto é secundária: ou servem de apoio a 
um argumento, ou tese apresentada; ou apontam uma via de investigação possível. As personagens 
referidas e as siglas das suas obras acham-se explicadas em qualquer obra de introdução ao estudo 
do pensamento antigo, como o clássico de G. S. Kirk e J. E. Raven, The Presocratic Philosophers, 
Cambridge, 1966 (trad. port. Os filósofos pré-socráticos, Gulbenkian, Lisboa, 1979). 
12 
u~~;vEr~sír:\~~~~~-~~-< _': __ .-· ~. · 
,.-.,t · •· • 
-~r-- -
r ~ 
será questionada adiante, mas nunca alterada. Isto ~ignifica, por exem-
plo, que, apesar de se propor a sua localização entre os fragmentos 1 e 
2, o fragmento 5 nunca deixa de ser referido por esse número; e assim 
para os casos análogos. 
Na parte dedicada ao comentário, a tradução do poema será 
repetida pari passu. Tanto aí, como na tradução inicial, é da maior 
importância a habituação da referência aos fragmentos, identificados 
pelo respectivo número, seguido de um ponto '.', quando precedem a 
indicação de versos. Estes podem aparecer sozinhos, ou emparelhados 
por um hífen '-', ou uma vírgula ','. Por exemplo: 8 (ou B8, adiante 
explicado) refere esse fragmento; 8. 2, o verso 2 do fragmento 8; 8. 34-
41 a seqüência de oito versos, habitualmente referida como o "sumário 
da via da verdade"; 8. 38, 53, os dois versos do frag. 8 em que apare-
cem formas do verbo onornazein (nomear). 
2. O ensaio sobre o saber deve ser encarado como uma introdu-
ção temática ao texto e ao seu comentário. Debate, de modo superficial 
e sem pretensões, a constituição da questão do saber na Grécia clássi-
ca, procurando evocar a adesão simpática dos leitores, a quem 
porventura nunca terá sido proposta nesta perspectiva. A pouco fre-
quente intrusão da linguagem poética pelo discurso de divulgação cien-
tífica constitui uma opção de incerta eficácia. Também aqui se calou a 
oportuna referência a muita e variada bibliografia de difícil acesso a 
estudantes. 
Para facilitar a leitura e compreensão, esse texto é dividido em 
curtas seções, com titulação centrada. Essa decisão traduz e· pretende 
sugerir que não reproduz um argumento seqüencial. É antes constituí-
do por um percurso, quase caleidoscópico, onde se vão descobrindo 
tópicos que convergem numa visão panorâmica da Cultura de uma 
época, convocada de uma pluralidade de perspectivas. Deve ser enca-
rado mais como matéria para meditação e reflexão pessoal do leitor do 
que como abordagem dogmática e científica do tema tratado. Para os 
que quiserem entrar imediatamente no texto do poema, esse capítulo 
poderá ser abordado depois do comentário. 
13 
3. A última parte do texto é integralmente dedicada ao comentá-
rio do poema. Começa por uma curta introdução que descreve sucinta-
mente as vicissitudes pelas quais o texto passou até atingir a forma com 
que é hoje apresentado ao público. A entrada no poema é assinalada 
pela paragrafação numérica, inserida à margem, de forma a salientar a 
integração dos tópicos, na ordem pela qual são abordados. 
Estes são quatro: as três partes em que consensualmente se divi-
de o poema, seguidas de um comentário ao modo como este foi recebi-
do pelos filósofos e pelos sofistas gregos - 1. O proêmio; 2. A via da 
Verdade; 3. A via da opinião; 4. Parmênides e a herança eleática (cada 
um deles articulado e subdividido em parágrafos distintos). A repeti-
ção dos algarismos iniciais significa que o parágrafo seguinte faz parte 
do anterior, enquanto a mudança indica a passagem à outra questão. A 
inclusão de notas com titulação centrada quer dizer que estas devem 
ser lidas como apêndices ao que se disse na seção em que se acham, 
mas que a sua relevância para o argumento é marginal. 
Devo ainda uma palavra de agradecimento a todos aqueles que 
1n:e auxiliaram com a leitura atenta de alguma das sucessivas versões 
por que foi passando o texto, até atingir a forma atual. Começo por 
Adriana Nogueira, que me auxiliou em inúmeras revisões do texto, e 
não posso deixar de mencionar Maria José Figueiredo, Helena Ramos, 
Pedro Vidal e Graça Pina, além do revisor, cuja competência e acribia 
já se tornou entre nós lendária, Senhor Manuel Joaquim Vieira. Devo-
lhes a chamada de atenção para muitas passagens duvidosas, erradas e 
imprecisas, que afetavam a sua compreensão do texto. 
José Trindade Santos 
14 
FRAGMENTOS 
Bl 
'(rrrrm Tal J.l.E <j>Époumv, oaov T' E:rrl. 8uJ.l.OS' Í.Kávm, 
TTÉJ.l.TTOV, ETTEL 11, ES ó8ov ~f)aav TTOÀÚ</>TJJ.l.OV ayouam 
8aLJ.l.ovos-, ~ KaTà rrávT' aCJTTJ <PÉpEL d8óTa <PwTa-
T~L <f>EpÓJ.l.llV" T~l yáp !J-E TTOÀÚ<f>paCJTOl <f>ÉpOV 'L-rTTTOL 
5 apJ.l.a TLTa(vovam, KOUpm 8' ó8àv ~'YEJ.l.ÓVEVOV . 
. ã~wv 8' E:v XVOLTJLCJLV '(EL aúptyyos àvT~v 
at8ÓJ.l.Evos- (8oLOí.s yàp E:rrEC yETo 8wwToíaLv 
KÚKÀOLS' àll<f>oTÉpw8Ev), OTE CJTTEPXoLaTo TTÉJ.l.TTELV 
'HÀ.Lá8Es- Koupm, rrpoÀL rrouam 8wJ.l.aTa NuKTÓS, 
·lO ELS' <f>áos-, waáJ.l.EVm KpáTwv arro XEPCJL KaÀÚTTTpas-. 
Ev8a TTÚÀm NuKTÓS' TE Kal. "HJ.l.aTÓS' dm KEÀEÚ8wv, 
Ka[ a<f>as- ÚTTÉp8upov clj.l</>LS' EXEL Kal ÀálVOS' ov8ós-· 
mJTaL 8' aL8ÉplaL TTÀf)VTaL J.l.EyáÀOLOl 8upÉTpms· 
Twv 8E_ ~LKTJ rroÀúrrowos- EXEL KÀTJL8as- àJ.l.m~oús. 
15 T~v 8~ rrap<PáJ.l.EVm Koupm J.l.aÀaKÔLGL ÀÓyotCJL v 
rrôaav E:m<j>pa8Éws-, ws- a<Pw ~aÀavwTov óxila 
clTTTEpÉWS' WCJELE TTUÀÉwv arro · Tal OE 8upÉTpwv 
xáall' àxavEs TTOL TjCJaV àvaTITáf..LEVaL TTOÀUXáÀKOUS 
16 
B1 
r··-·;_:. · ... -... "'" , 
Fragmento 1 
Os corcéis que me transportam, tanto quanto o ânimo me impele, 
conduzem-me, depois de me terem dirigido pelo caminho famoso 
da divindade, que leva o homem sabedor por todas as cidades. Por 
aí me levaram, por aí mesmo me levaram os habilíssimos corcéis, 
5 puxando o carro, enquanto as jovens mostravam o caminho. 
O eixo silvava nos cubos como uma siringe, 
incandescendo (ao ser movido pelas duas rodas que vertiginosamente 
o impeliam de um ede outro lado), quando se apressaram 
as jovens filhas do sol a levar-me, abandonando a região da Noite, 
1 O para a luz, libertando com as mãos a cabeça dos véus que as 
[escondiam. 
Aí está o portal que separa os caminhos da Noite e do Dia, 
encimado por um dintel e um ombral de pedra; 
o portal, etéreo, fechado por enormes batentes, 
dos quais a Justiça vingadora detém as chaves que os abrem e fecham. 
15 A ela se dirigiram as jovens, com doces palavras, 
persuadindo-habilmente a erguer para elas 
por um instante, a barra do portal. 
E ele abriu-se, revelando um abismo hiante, enquanto fazia girar, 
17 
ãÇovas- EV aúpLyÇLv a~m[)a8ov EL\[Çaam 
20 yó!-l<Pms- KGL TTE pÓV"flWLV àp"flpóTE. T~l pa 8L, auTÉWV 
leus- Exov Kovpm KaT ' à~aÇLTov éíp11-a Kal. 't nnouç. 
KGL 11-E 8Eà n pó<Ppwv Ú1TE&ÉÇa o. xépa 8E XELpl 
8E6 TE p~v E ÀE\J, w8E 8) EíTOÇ <f>áTO KGL 11-E 1Tpü0"f1Ú8a. 
W KOVp' à8avÚTOWL auváopo:;- ~VLÓXOWL lJ, 
25 '( nrroLs- Ta[ aE <f>Épouaw iKáv<,Dv ~flÉTE pov 8w, 
xa'Lp ', ETTEL OUTL O"E f.!.Ôlpa KaKi] TípOÜTTE ~ TTE VÉECJ8m 
T~v8' ó8óv (~ yàp àTT' àv8pwTTwv EKTOS' TTÚTou E.aTív), 
àÀÀà 8ÉfHS' TE 8LK"f1 TE. XPEW 8É CJE TTÚvTa TTu8Éa8m 
~f.!. EV 'AÀ"f18d TlS'EUTTEL8Éos- àTpE 11-ES ~Top 
30 ~8E ~poTwv 8óÇaç, TaL:;- ouK EVL TTLO"TLS' àÀ"f18~ç. 
àÃÀ' Ell-TTTJS' Kal. TaÚTa 11-aS~aEm, ws- Tà 8oKoÚvTa 
xp~v 8oKLJ.lWS' ELVaL 8Là TTaVTC)Ç TTÚVTa TTEpwvTa. 
BZ 
EL 8' ãy' E.ywv EpÉw, KÓf.!.LCJaL 8E au !1-U8ov àKoÚaas-, 
a'( TTEP ó8ol. JlOVVaL 8L(~0LÓS' da L voflam · 
~ JlEV cmwç EO"TL\J TE Kal WS' OUK EO"TL 11~ EllJaL, 
TIEl8ous- E.an KÉÀEu8oç ('AÀT)8ELT]L yàp ÓTT"flbEL), 
5 ~ 8' WS' OUK EO"TLV TE KGL WS' XPEWV EO"TL 11~ ELVaL, 
T~v 8~ TOL <f>pá(w TTavaTTEU8Éa EJ.lJ.lEV àTapTTóv· 
18 
o ih E yàp a v yvo[ T]S' TÓ YE 11-~ EOV (ou yàp àvuaTÓV) 
oÜTE <Ppáams-. 
um atrás do outro, os estridentes gonzos de bronze, 
20 fixados com pregos e cavilhas. Por aí, através do portal, 
as jovens guiaram com celeridade o carro e os corcéis. 
E a deusa acolheu-me de bom grado, mão na mão 
direita tomando, e com estas palavras se me dirigiu: 
"Ó jovem, acompanhante de aurigas imortais, 
25 tu, que chegas até nós transportado pelos corcéis, 
Salve! Não foi um mau destino que te induziu a viajar 
por este caminho- tão fora do trilho dos homens-, 
mas o Direito e a Justiça. Terás, pois, de tudo aprender: 
o coração inabalável da realidade fidedigna2 
30 e as crenças dos mortais, em que não há confiança genuína. 
B2 
Mas também isso aprenderás: como as aparências 
têm de aparentemente ser, passando todas através de tudo. 
Vamos, vou dizer-te - e tu escuta e fixa o relatoque ouviste-
quais os únicos caminhos de investigação que há para pensar: 
um que é, que não é para não ser, 
é caminho de confiança (pois acompanha a verdade); 
5 o outro que não é, que tem de não ser, 
esse te indico ser caminho em tudo ignoto, 
pois não poderás conhecer o não ser, não é possível, 
nem mostrá-lo [ ... ] 
·.: .. ~ .. :·r. r~! 
2 Preferimos a lição eu:rm8Éoç (eupeitheos : Sexto Empírico Adversus Mathematicos VII 111: 
"fidedigna) à tradicional e mais frequente e'ÓKUKÀÉoç(eukykleos: Simplício De caelo 557, 25), por 
sustentar a oposição en tre os vários termos com as raízes ÕOK-, rrn8-/ mot-, que encontramos no 
v. 30 ("crenças dos mortais" /"confiança verdadeira"). 
Em abono de eukykleos pode dizer-se que indicaria a circularidade da verdade (vejam-se os frags. 
5 e 8. 43). Dados os óbvios méritos de ambas as lições, a preferência é justificada pela importância 
desempenhada pela família de termos, no contexto do proêmio. 
19 
!B 
B-+ 
BS 
B6 
TO yàp aiJTO voELV EOTLV TE Kal. ELVGL. 
ÀEuooE 6' Ofl.WS' ànEÓvTa vówL napEÓvTa ~E~a(ws· 
ou yàp cXlTOTfl~ÇEL TO EOV TOU EÓVTOS' EXECY6aL 
OÜTE OKLDVáll-EVOV TiáVTT)L TiáVTWS' KUTà KÓall-OV 
OÜTE aUVlOTáll-EVOV. 
Çuvov 6É 11-o( ÊaTLv, 
ÓTITIÓ8EV apÇWilaL. TÓ8L yàp TiáÀLV 'LCOilaL au8Lc;. 
XP~ To ÀÉYELv TE voôv T' E:ov EflflEVm · Ecrn yàp E1vm, 
fl.T)DEV 6'ouK Eanv· Tá a' Êyw cppá(Ea6m avwya. 
npWTT)S' yáp a' àcp' ÓOOU TaÚTllS' OL(~aLOS <ELpyw>, 
auTàp E1TEL T' àno T~S'. ~v 6~ ~pOTOL ELDÓTES' OUOEV 
5 nÀáTTOVTaL, 6(KpavoL · cXfl.TJXUVLT) yàp Êv auTwv 
ar~6EoLV L8úvEL 1TÀaKTOV vóov· oí. OE cpopouvTm 
KWcpOL ÓflWS' TUcpÀOL TE, TE6T)1TÓTE S', aKpl Ta cpuÀa, 
ots- To nÉÀELV TE Kal ouK ELVaL TauTov VEVÓfl.WTaL 
Kou TauTóv, návTwv 6E naÀL vTponós E:an KÉ ÀEu8os. 
20 
B3 
[ ... ] pois o mesmo é pensar e ser. 
B4 
Nota também como o que está longe, pela mente se toma firme 
mente presente: 
B5 
B6 
pois não separarás o ser da sua continuidade com o ser, 
nem dispersando-o por toda a parte segundo a ordem do mundo, 
nem reunindo-o. 
[ ... ]para mim é o mesmo 
por onde haja de começar: pois aí tomarei de novo 
É necessário que o ser, o dizer e o pensar sejam; pois podem ser, 
enquanto o nada não é: nisto te indico que reflitas. 
Desta primeira via de investigação te <afasto>3 , 
e logo também daquela em que os mortais, que nada sabem, 
5 vagueiam, com duas cabeças: pois a incapacidade 
lhes guia no peito a mente errante; e são levados, 
surdos ao mesmo tempo que cegos, aturdidos, multidão indeci 
sa,que acredita que o ser e o não-ser são o mesmo 
e o não-mesmo, para quem é regressivo o caminho de todas as 
coisas. 
3 Reconstituição conjecturai de Di eis - dpyw (eirgô) - "afasto" (termo que ocorre em 7.2). 
Nesta situação, em que qualquer opção é consentida ao intérprete, são-lhe exigidas boas razões 
para apresentar uma nova sugestão. Por exemplo, N .-L. Cordero Les deux chemins de Parménide 
Paris, 1984, 24, 132-144, propõe apl;EL (arxei) "começarás", para argumentar que na Via da 
Verdade a deusa aponta apenas dois caminhos: "que é" e "que não é". Mas a interpretação não 
colheu grande apoio entre os estudiosos. 
21 
ll7-llS 
7.1 OU yàp fl~TTOTE TOUTO bO!lTJl Ell'Ql llll EOl'Ta· 
à H à a v TTja6' cicj)' ó6ou 6L( ~aw;- E 1 pyE t•<'rrwa 
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ECJTLV avopxol' GTTOUCJTOl', ETTEL )'Él'EaLç KCÚ tÍÀE8poç 
22 
B7-B8 
7.1 Pois nunca isto será demonstrado: que são as coisas que não são; 
mas afasta desta via de investigação o pensamento, 
não te force por este caminho o costume muito experimentado, 
deixando vaguear olhos que não vêem, ouvidos soantes 
5 e língua, mas decide pela razão a prova muito disputada 
8.1 de que falei. I I Só falta agora falar do caminho 
que é. Sobre esse são muitos os sinais 
de que o ser é ingénito e indestrutível, 
pois é compacto, inabalável e sem fim; 
5 não foi nem será, pois é agora um todo homogêneo, 
uno, contínuo. Com efeito, que origem lhe investigarias? 
como e onde se acrescentaria? Nem do não-ser te deixarei 
falar, nem pensar: pois não é dizível, nem pensável, 
visto que não é. E que necessidade o impeliria 
10 a nascer, depois ou antes, começando do nada? 
E assim, é necessário que seja de todo, ou não. 
Nem a força da confiança consentirá que do não ser 
nasça algo ao pé do ser. Por isso nem nascer, 
nem perecer, permite a Justiça, afrouxando as cadeias, 
15 mas sustem-nas: esta é a decisão acerca disso -
é ou não é - ; decidido está então, como necessidade, 
deixar uma das vias como impensável e inexprimível (pois não é 
via verdadeira), enquanto a outra é autêntica. 
Como poderia o ser perecer? Como poderia gerar-se? 
20 Pois, se era, nãoé, nem poderia vir a ser. 
E assim a gênese se extingue e da destruição se não fala. 
Nem é divisível, visto ser todo homogêneo, 
nem num lado é mais, que o impeça de ser contínuo, 
nem noutro menos, mas é todo cheio de ser 
25 e por isso todo contínuo, pois o ser é com o ser. 
Além disso, é imóvel nas cadeias dos potentes laços, 
sem princípio nem fim, pois génese e destruição 
foram afastadas para longe, repelidas pela confiança verdadeira. 
23 
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rrávTo8Ev, EUKÚKÀou CJ<PaC PllS' E:vaÀ[ yKLov ÕyKwL, 
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45 ouTE TL ~mÓTEpov rrE ÀÉvm XPEÓv E:an TTJL ~ TTJL. 
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TTJL IJ.âÀÀOV TTJL 8' ~CJ00V, E1TEL TTâv E0TLV aauÀov· 
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50 E:v TWL aOL rraúw maTov ÀÓyov ~8E vÓT]IJ.a 
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Twv IJ.Lav ou XPEwv EGTLV -E:v WL rrETTÀaVT]!J.ÉVOL ELCJLV-
55 TàvT[a 8' EKpLvavTo 8úws- Kal. CJTHJ.aT' E8EvTo 
24 
Uf4~VEf{1~ .. ~--~. ;'~~C/: !·~.· .. ~ --~: 
··}tfíi .!CTi .. v .. , 
O mesmo em si mesmo permanece e por si mesmo repousa, 
30 e assim firme em si fica. Pois a potente Necessidade 
o tem nos limites dos laços, que de todo o lado o cercam. 
Portanto não é justo que o ser seja incompleto: 
pois não é carente; ao [não-] ser, contudo, tudo lhe falta. 
' ·. -~·. 
·- '''1. 
O mesmo é o que há para pensar e aquilo por causa de que há 
35 pensamento. 
Pois, sem o ser- ao qual está prometido-, 
não acharás o pensar. Pois não é e não será 
outra coisa além do ser, visto o Destino o ter amarrado 
para ser inteiro e imóvel. Acerca dele são todos os nomes4 
40 que os mortais instituíram, confiantes de que eram reais: 
"gerar-se" e "destruir-se", "ser e não ser", 
"mudar de lugar" e "mudar a cor brilhante". 
Visto que tem um limite extremo, é completo 
por todos os lados, semelhante à massa de uma esfera bem 
45 rotunda, em equilíbrio do centro a toda a parte; pois, nem maior, 
nem menor, aqui ou ali, é forçoso que seja. 
Pois nem é o não-ser, que o impeça de chegar 
até ao mesmo, nem é possível que o ser seja 
maior aqui, menor ali, visto ser todo inviolável: 
pois é igual por todo o lado, e fica igualmente nos limites. 
50 Nisto cesso o discurso fiável e o pensamento 
em torno da verdade; depois disso as humanas opiniões 
aprende, escutando a ordem enganadora das minhas palavras. 
E estabeleceram duas formas, que nomearam, 
das quais uma não deviam nomear- e nisso erraram-, 
55 e separaram os contrários como corpos e postaram sinais, 
4 Lendo ÓVÓ!J.UO'tUL (onomastai) em vez do tradicional óvó~J,' EO'tm (onom'estai) de Diels), 
apoiado em L Woodbury "Parmênides on Names" Essays in Ancient Greek Philosophy I Anton 
& Kustas (eds.) Albany 1971, 145-162. 
25 
'-----
Xtuplç âTT' àÀÀ.~ÀuJV, TTJL !lEI' <PÀoyóç ai8ÉpLOv TTup, 
~mov ov, ~Éy' [àpmóv] EÀa<Pp<Ív. Étuun0L TTávToaE TttJtJT<Ív, 
TL~L 8' ÉTÉptu~ P-~ n.JiJTóv· àTàp KàKELVo KaT' ainó 
Tàtn(a vúKT' à6a~. TTUKLVÓv bÉfl-GS' Efl~pL8Éç TE . 
60 TÓv am Eyt;J 8LáKOITfl-OV EOLKCÍTa TTái'Ta <PaTLÚJ. 
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úJS' ou f1 ~ TTOTÉ TL ç aE f3poTt01' yvt•J flfl TTapE ÀáaaflL. 
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Kal Tà KaTà a <PETÉpaç 8wáf1ELS' hrl. Tol.a[ TE Kat Totç, 
TTâv TTÀÉ ov E-aTiv Ófl-OU <PáEoç Kai. VUKTÓç a<PâvTou 
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ELGflL 8' ai8Ep(av TE <PúaLv Tâ T EV ai8ÉpL TTW'Ta 
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À.G!lTTá8oç E'py' à(bflÀa Kai ÓTTmÍ8Et' EÇEyÉt'Ol'TO, 
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26 
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m 8' ETTL TGLS' vuKníç, fl-ETà 8E <PÀ.oyóç ·LETaL a1aa · 
~~r.\r~J~:.r~s~~J,~·-·~:,~:: ~ ~ · ~ 
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separados uns dos outros: aqui a chama do fogo etéreo, 
branda, muito leve, em tudo a mesma consigo, 
mas não a mesma com a outra; e a outra também em si 
contrária, a noite sem luz, espessa e pesada. 
60 Esta ordem cósmica eu te declaro toda plausível, 
B9 
Blü 
Bll 
B12 
de modo a quenenhum saber dos mortais te venha transviar. 
Mas, uma vez que tudo é chamado luz ou noite 
e o conforme a estas potências é dado a isto e àquilo, 
tudo é igualmente cheio de luz e de noite obscura, 
ambas iguais, visto cada uma delas ser como nada. 
E conhecerás a natureza do éter e no éter de todos os 
sinais e dos raios da pura lâmpada do sol 
as obras destruidoras, e de onde nascem, 
e conhecerás as obras que rodam em tomo da lua de olho redon 
do 
e a sua natureza, e saberás do céu que os tem à volta, 
e de onde nasce, e como guiando-o a Necessidade o obriga 
a conter os limites dos astros. 
... como a terra e o sol e a lua 
e o éter que a tudo é comum e a via láctea e o Olimpo 
extremo e o calor ardente dos astros forçados a 
nascer. 
Pois as coroas mais estreitas enchem-se de fogo sem mistura 
e as que vêm à noite depois destas, mas com elas lança-se uma 
parte de chama. 
27 
28 
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Kat rrâau.1 KaL rravT[ · To -yàp rr ÀÉov EO"TL vón1.1a. 
8E ÇL TEpo'Lmv IJ.EV Koúpous-, Àmo'LaL 8E. Koúpas-
BlH 
femina virque úmulllmeris rum germina misrent, 
venis informrms diverso ex srmguine virtus 
temperiem servans be11e condita corpora fingir. 
ttam si virtutes permixto semine pugnent 
S tm:jaârmt unam permixto in mrpore. dirae 
nasrentem gemino vexalmnt semine sexum. 
Bl3 
B14 
BlS 
BlSa 
B16 
·. ~' 
No meio delas está a divindade que tudo governa; 
pois em tudo comanda o parto doloroso e a mistura, 
impelindo a fêmea a unir-se ao macho, e ao contrário 
o macho à fêmea. 
Primeiro que todos os deuses concebeu Eros. 
Facho noturno, em tomo à terra, alumiado a uma alheia luz 
Sempre à espreita dos raios do sol. 
Parmênides no poema diz que "a terra tem raízes na água". 
Pois, tal como cada um tem mistura nos membros errantes, 
assim aos homens chega o pensamento; pois o mesmo 
é o quenos homens pensa, a natureza dos membros, 
em cada um e em todos; pois o mais [o pleno] é o pensamento. 
B17 
À direita os machos, à esquerda as fêmeas 
B18 
Quando a mulher e o homem juntos misturam as sementes de 
Vênus, a força que se forma nas veias a partir de sangues diver 
sos, mantendo o equilíbrio, gera corpos bem formados. 
Se, contudo, misturados os sémens, as forças se opõem, 
5 e não fazem unidade, misturados no corpo, cruéis, 
atormentam o sexo da criança com o duplo sémen. 
29 
Bl'J 
oÜTt•J TOL KaTà &óÇm 1 E=<Pv Tá&E KaL PVt' EaaL 
Kat p.ETÉTTELT' ànú Tou&E TEÀ.EUT~aoum Tpa<PÉvTn-
TOÍ:S' 8' ÔVojl' avTptuTTOL KaTÉ8EvT' ETTLCJnU<W ÉKÓOTt•Jl. 
30 
B19 
:;:; ,,, ', 
Assim, segundo a opinião, as coisas nasceram e agora são 
e depois crescerão e hão-de ter fim. 
' .' 
A essas os homens puseram um nome que a cada uma distingue. 
31 
PoR ouE SABER? 
Ninguém nasce por acaso. 
Ninguém vive sozinho 
N ão há quem tenha vindo ao mundo por vontade sua. A vida é uma força anônima que demora até achar um nome. Por mais 
que tenha florido num encontro de desejos. 
Tudo começa num tempo e num lugar. Como por acaso. Mas só 
aparentemente. Porque o tempo nunca é só de alguém e o espaço é 
sempre de muito mais gente. O agora e o aqui já eram de outros antes 
de serem nossos. De toda uma sociedade, de um país, de um mundo 
inteiro. Nos quais todos somos, porque deles nascemos. E é para eles 
que vivemos, apesar de só mais tarde o podermos compreender. 
Tudo encontramos já feito à chegada. Tudo deixaremos à parti-
da. E, contudo, nesse breve instante entre um e outro tempo, tudo é ao 
mesmo tempo nosso e muito mais que nosso. Gestos de uns, que foram 
sonhos de outros. Esperanças que hão-de vir a ser memórias. O sempre 
diverso a brotar, para voltar a convergir no mesmo. 
33 
.. , 
'~Í I 
Nascemos num mundo já pronto: os pais, a casa, o lá fora, e um 
dia a escola. Só começamos a aperceber-nos disso ao iniciar esse longo, 
infindável, processo de transmissão, pelo qual recebemos o saber que é 
de todos. E vamos aprendendo a fazer nossa a diversa experiência de 
cada um dos que estão conosco. 
É isso a Escola: o lugar em que cada um começa a aprender a ser 
ele próprio, ao mesmo tempo que é levado a descobrir os outros. Pri-
meiro, o que têm diante de si: família, amigos, colegas, professores, 
. entre a diversidade das pessoas com quem se convive: entre os parentes 
presentes e ausentes. Depois, os mais distantes, que já aqui estavam, e 
os que vieram antes deles. A quem só chega pela decifração dos sinais 
que deixaram. Em casa, os retratos dos familiares. Na cidade, os nomes 
das ruas, os lugares, os monumentos. Nos livros, as imagens de outros 
tempos e de outras gentes. As histórias que deixaram. 
Assim vamos aprendendo. Até ao dia em que nos acham prontos 
para enfrentarmos o próprio saber. 
O saber, esse, começamos por recebê-lo passivamente, Depois 
vamo-lo gradualmente acomodando à cadeia de decisões pela qual cada 
vida humana se impõe e se distingue das outras. E, tal como a cada um 
de nós, assim acontece e acontecerá aos outros. 
É por tudo isto que o acaso é uma ilusão. Só um nome para 
designar o que não podemos entender. É também por isto que ninguém 
nunca está só, mesmo que um dia assim o sinta. 
O saber é coletivo e pessoal 
Todos os povos, todas as culturas, todas as nações têm um saber, 
que contém o reportório do que descobriu e acha importante para a 
sua sobrevivência. Saber ao mesmo tempo moldado aos contornos da 
sua identidade. 
Podemos compreender bem esta dupla natureza do saber pen-
sando numa casa, num lar. Vê-mo-lo equipado com tudo aquilo que os 
34 
que nela vivem usam no seu dia-a-dia. Mas os móveis, utensílios e ador-
nos que aí encontramos carregam em si uma memória em que a vida 
dos que vêm se cruza com a dos que vão, na persistente continuidade 
da família. 
O saber constitui, pois, mais um dos campos de batalha em que 
os humanos travam a sua guerra contra o tempo. De um lado está a 
unidade do grupo, incessantemente reafirmada, cristalizada na memó-
ria que tem de si. Do outro, a sua constante renovação, na diversidade 
dos que inscrevem na memória coletiva o selo da sua personalidade 
própria. 
Unidade e diversidade são perspectivas complementares pelas -
quais o saber pode ser abordado. Vê-mo-las concretizarem-se na série 
de associações que o termo imediatamente desperta: conhecimento, 
ciência, experiência, habilidade, aptidão ... Nelas a dimensão cole.tiva 
da informação, tendencialmente teórica, combina-se com capacidade 
individual de realização, que remete para a prática. 
O que há para saber? 
Mas esta complementaridade vai ainda mais longe. Pois o saber 
cobre, além destas, outras áreas, mais vastas e difíceis de descrever: a 
percepção e a consciência que cada um tem de si e dos outros, as im-
pressões pessoais, só parcialmente transmissíveis, os valores e o con-
junto de regras e preceitos deles decorrentes. Tudo isto condensado na 
atitude que expressa a relação do ser humano com a vida e o mundo 
que o cerca. 
Condicionado pela rotina da Escola, que o coloca como sujei-
to passivo da aprendizagem, o estudante não tem grande oportuni-
dade para se aperceber de quanto o saber invade todo o espaço e 
tempo da sua existência. Escapa-lhe, portanto, a extensão global do 
muito que tem para aprender. Por outro lado, o turbilhão das sensa-
ções instala-o numa bem urdida ilusão de novidade. Não o deixan-
35 
do ver que tudo o que lhe está a acontecer é idêntico, embora sem-
pre diferente da experiência por que todos os outros passaram, pas-
sam e hão-de passar. 
No fundo, um erro compensa o outro. Pois, se, por um lado, a 
sistemática confrontação com o corpo coletivo e teórico do saber 
objetivo lhe esconde a dimensão pessoal daquele; por outro, o modo 
como vive "a sua vida" não o deixa aperceber-se de como ela se 
confunde com as outras, na identidade continuada da existência co-
letiva. 
Só com a entrada na maturidade começa a valorizar a memória. 
Quando começa a recordar-se de si e da sua história pessoal, quando 
aprende a reconhecer-se no passado, começa a dar-se conta da longa his-
tória de tudo em que afinal sempre se achou inserido. Embora lhe falte 
ainda uma enorme parte do percurso. Aquela em que acabará por entrever 
quanto ele próprio não passa de um fragmento de História, por um fugaz 
instante perdurando na sua própria memória e na dos que o cercam. 
O peso da memória 
É e tem sido sempre assim ao longo dos tempos. O grupo sobre-
vive atualizando-se em cada um dos seus membros: em quem imprime 
a sua identidade e de quem recebe um novo e diverso impulso vital. 
Mas, como se compatibiliza a unidade do grupo com a sempre renova-
da diversidade dos indivíduos que o compõem? Como pode a unidade 
coletiva subsistir através da mudança das gerações? O problema é este. 
E se é o mesmo em todas as culturas, as estratégias divisadas para o 
resolver têm variado significativamente. 
O homem é um animal gregário: não é capaz, nem está equipado 
para viver sozinho. Depende dos outros para protecção e sustento. Mas 
é errado pensar que essa dependência liga de modo indiferente todos e 
cada um dos outros, do mesmo modo. O que acontece é que a 
interdependência dos membros de um grupo varia e tende a 
36 
u~~iVEHSIOJ.\I)f.: t:E-::· 
' Rf'.L!í rt:Cí\ ._. 
funcionalizar-se, aumentando com o crescimento do grupo e a diversi-
ficação das tarefas necessárias à sua sobrevivência. 
É muito longo o percurso feito pelas sociedades até o momento 
em que se torna manifesta a sua consciência de si. Tudo o que se pode 
dizer é que há um momento em que a emergência da identidade coleti-
va começa a exigir dos seus membros a organização do território e do 
modo de vida que escolheu. Estas exigências concretizam-sesobretudo 
através da definição das instituições em que se concentra o poder polí-
tico e da manutenção do quadro técnico-profissional de que depende o 
quotidiano da coletividade. 
Que instituições são estas? Como se definem e estabelecem as 
carreiras profissionais numa sociedade? Cada cultura tem de encontrar 
a sua resposta para estas perguntas. Mas pode dizer-se que, na sua 
evolução, a sociedade atinge um grau de complexidade que a obri'ga a 
resolver um conjunto de problemas. Um é o da concretização da sua 
identidade através da fixação da sua memória coletiva. Outro o da 
necessidade de sistematizar o modo de transmissão dessa memória. 
Um outro ainda será o da habilitação dos jovens para uma participa-
ção ativa no funcionamento do todo social. Em duas palavras, o pri-
meiro problema é o da emergência do saber. O segundo e o terceiro, 
sob perspectivas complementares, o da educação. 
Este é o momento em que o peso da memória se manifesta de 
forma visível. Até aí à continuidade do grupo bastava a efêmera 
transmissão oral. Mas desta não ficaram sinais. A não ser nesses 
textos coletivos de outros tempos, conservados pelos sacerdotes, ou 
nas narrativas dos feitos gloriosos dos antepassados heróicos, com 
que os bardos cantavam a identidade e os valores que regiam o 
grupo. Esta é a parte mais confusa do processo. Que memória pode-
mos ter de u~ saber que só ficou registado na memória dos que já 
desapareceram? 
Tudo o que sabemos é que há um momento, e uma sociedade, em 
que passa a ser confiada a escribas a missão de fixar o saber coletivo 
em contornos precisos. O próprio registo assume uma dignidade mo-
37 
numental, independente das circunstâncias adequadas à preservação 
da mensagem fixada e dos destinatários por ela visados. 
O produto final é antes de mais nada, uma narrativa palpitante, 
recheada de peripécias. Uma história de aventuras, que a muitas outras 
servirá de modelo e inspiração. E, no entanto, a própria história não é 
mais do que um artifício, concebido para garantir a fixação de tudo o 
que se quer registar. Pois a forma da narrativa, moldada em verso 
ritmado, encadeia nos feitos das personagens míticas um manancial de 
informações, oriundas de todas as regiões da experiência5 , que a me-
mória assim procura fixar, para com mais facilidade poder reproduzir. 
Vista deste modo, a composição de um poema, que narra as ori-
gens do mundo, dos deuses e dos homens, é uma tarefa gigantesca. 
Não pode, portanto, ser obra de um único autor. No princípio eram os 
cantos, que os bardos compunham, ou aprendiam de cor, e recitavam a 
uma assistência atenta. É desses cantos que se alimenta a memória 
coletiva, persistente na tradição oral. Até ao dia - séculos mais tarde -
em que os versos declamados· começam a ser registados por escrito. 
Inicia-se então o trabalho complementar do anterior: o de orga-
nizar a diversidade dos episódios -as aventuras das personagens indivi-
duais -na unidade da narrativa. É aí que o poema começa a definir-se, 
afirmando-se sobre a variedade dos cantos. Porque o texto escrito é 
manejável, como a sua fonte oral não era. Fixado, pode ir-se aperfeiço-
ando. E as sucessivas correções pelos quais passa vão-no moldando até 
encontrar a sua forma canônica. 
É um processo muito complexo. E sobretudo lento. No início era 
a imagem de um mundo que se pretendia captar. O mundo conquista-
do pelo povo cuja história mítica é narrada. Mas o poema inclui tam-
bém o saber desse povo, que passa dos feitos dos príncipes ilustres e 
dos guerreiros à descrição dos modos de vida da população anônima: o 
5 A leitura de uma obra como A vida quotidiana no tempo de Homero, de Émile Mireaux (trad. 
portuguesa, Livros do Brasil, Lisboa, sem data), mostra perfeitamente como a elisão da história, a 
supressão dos contornos concretos da narrativa, converte os poemas numa enciclopédia, numa 
organização abstrata da memória e do saber dos tempos homéricos. 
38 
agricultor, o pastor, o homem do mar. É esse saber que o grupo quer 
ver transmitido aos vindouros. 
Mas a sociedade tem de optar. Ou permanece igual a si própria; 
condenando-se a mudar sempre sem se dar conta do fato, limitada pela 
imutabilidade do saber que ensina cada geração a seguir as pisadas da 
anterior. Ou aceita o desafio de se libertar do peso da transmissão oral, 
adotando a tecnologia que lhe permite fixar as mensagens sem ter que 
as carregar na memória: a escrita. 
Transmissão e criação cultural na Antigüidade 
Esta maneira de apresentar o problema da transmissão cultural é 
ilusoriamente simples. Quase parece que as sociedades optam pela escrita, 
como se a tivessem à mão. A verdade é que também neste campo nos 
deparamos com um processo longo e complicado. Há, porém, aspetos 
distintos que não podem ser confundidos. Um- a que passaremos a seguir 
-é o da invenção de um sistema de sinais escritos, capaz de registar os 
fatos. Uma espécie de fala muda, que se vê, mas não se ouve. Que se lê. 
Outro; que envolve toda a sociedade, é o que passa pela difusão da 
nova tecnologia, desde que foi inventada até ao momento em que acaba 
por se estender aos mais diversos contornos da vida da comunidade. Esse é 
o mais difícil de perceber, porque dele não pode haver registos6 • 
6 Uma forma indireta de nos darmos conta da dificuldade de compreensão deste processo é atentar-
mos no modo como ele continua a imperceptivelmente a transformar-se no nosso tempo. 
Há menos de cem anos, os homens só podiam comunicar-se uns com os outros pessoalmente, 
ou através de registos escritos. A entrada na segunda década do século XX trouxe consigo a difusão 
dos meios de comunicação eletrônicos: as telefonias, os telefones, os gravadores, primeiro de sons, 
e depois de imagens: as televisões. 
É a partir de então que a palavra escrita começa a perder o império que mantinha sobre os 
homens e a existência humana é enriquecida pela adjunção da realidade virtual. Enquanto os 
nossos avós praticamente só escreviam, os nossos pais habituaram-se a comunicar-se de formas 
mais vivas, em que a própria presença do emissor da mensagem é simulada. 
Esse jogo entre o real e o virtual ocupa hoje um peso decisivo na vida dos mais jovens. Quanto 
tempo gastamos a ver televisão? A ouvir música gravada (ou melhor, quantos de nós já foram a um 
concerto ao vivo)? A falar ao· telefone (dentro de alguns anos com imagem)? 
As transformações das tecnologias da comunicação estão criando um novo mundo à nossa 
volta, sem que nos demos conta disso. 
39 
O papel capital é sempre desempenhado pela escrita. Mas como 
é que ela pode agir sobre as mentalidades, condicionando o seu modo 
de ver o mundo? A sua primeira função reside na libertação da memó-
ria do peso da mensagem imposta pela .tradição. Poupada ao esforço 
exigido pela memorização, a mente adquire a capacidade de observar 
de fora a mensagem. Tom_fl-se crítica. Nota incongruências. Revolta-se 
contra o servilismo com ~ que tradição repetia sempre os mesmos pre-
ceitos. Por exemplo, por que é que temos de aceitar aquilo que os anti-
gos consideravam certo, quando é claro que já não tem validade hoje? 
A mais relevante conseqüência do processo assim iniciado é a aparição 
do novo, da declaração inédita e do seu autor, definido pelos contornos 
da sua personalidade própria. E, a ele associadas, virão a autoconsciência 
e o florescer nos outros das sementes do espírito crítico. 
Assim se declara a revolução cultural. Mas é um erro pensar 
que a opção por ela se põe isoladamente às sociedades, ou sempre 
da mesma maneira. Representa um degrau, um patamar, a que as-
cenderam em conseqüência de um crescimento social e político con-
tinuado, para o qual converge uma imensidão de fatores. É possível 
.só porque muitos outros obstáculos foram já ultrapassados com su-
cesso. A atenção particular que aqui lhe é conferida resulta do enfoquena questão do saber. Deixemos, pois, de parte os outros aspectos. 
Chegamos, contudo, a um momento em que a história que estamos 
a explorar já não pode prosseguir sem a identificação dos protagonis-
tas. O desafio da revolução cultural começou a apresentar-se às socie-
dades do Mediterrâneo Oriental a partir dos finais do IV milênio a.C. 
Foi aceita por todas. Porém, com estratégias e resultados bem diversos. 
Fixemo-nos na escrita. 
A escrita 
Todo o sistema de escrita associa elementos de duas naturezas: 
uma visual, outra fonética. A primeira está patente na realidade referi-
40 
da, ou na idéia a ela associada, bem como no signo que a representa. 
Por exemplo, a idéia de 'cavalo' contém a imagem real, ou imaginada, 
de um cavalo qualquer: visíveis como a figura, ou signo, que a repre-
senta (o desenho de um cavalo). Todavia, a escrita pode também refe-
rir essa mesma realidade recorrendo à representação do som, ou sons, 
da palavra usada para a designar. É o qu~ sucede se optarmos por 
representar um cavalo pelas letras da palavra 'cavalo'- 'f' -'a' -'v' -'a' -'1'-
'o'-, que representam os sons com que é pronunciada. 
O sistema de escrita adotado por uma sociedade pode ser esco-
lhido entre duas soluções possíveis. Ficar no visível, passando da reali-
dade à figura, ou signo, desenhando uma imagem do representado, de 
modo indiferente aos sons palavra. Ou pode optar por representar a 
realidade visual através do conjunto de signos representativos dos sons 
da palavra falada. 
Em termos práticos a diferença entre um e outro sistema é imen-
sa, em variedade, expressão e economia. Pois, enquanto o visual abre 
diretamente para a ilimitada realidade representada, o fonético, que 
estabelece a mediação entre duas realidades visuais através da sua re-
presentação sonora, recorre a um número definido de signos para re-
presentar o conjunto limitado de sons que os falares humanos são 
capazes de articular7 • 
Por outro lado, a infrastrutura (conjunto de elementos de que 
faz uso) e a superestrutura (sistema dos objetivos e produtos que reali-
za) destes dois tipos de escrita vai conduzir a situações praticamente 
opostas. Se não, vejamos. A escrita pictográfica é "pesada", porque a 
acumulação de um extenso número de caracteres desenhados: 1) re-
quere um suporte material estável- pedra ou argila (osso, madeira ou 
7 Em todo o signo linguístico se combinam duas naturezas: a visual e a sonora. A primeira refere-
se à própria realidade descrita (tecnicamente diz-se: refere). A segunda, a ela associada, evoca a 
palavra, o som convencional usado para referir essa mesma realidade. 
O sistema de escrita que se apoia na natureza visual requere idealmente um signo único para cada 
entidade descrita. A escrita fonética é, pelo contrário, muito mais economica. A diversidade infinita dos 
objetos é primeiro representada pela combinação dos sons da fala (que descrevem a realidade através 
signos fonéticos), sendo estes que depois vêm a ser representados pelo signo escrito. 
41 
r 
bambu, na China8 ) -; além de 2) uma classe de especialistas; portanto 
3) uma utilização limitada. Pelo contrário, a escrita fonética é "leve": 
1) porque não depende de suportes rígidos; 2) pode - e até deve - ser 
aprendida por todos, num curto espaço de tempo, enquanto jovens; 3) 
tendendo conseqüentemente a sua utilização a estender-se a todos os 
campos da atividade cultural. 
Os mais antigos sistemas de escrita do próximo Oriente -o hieroglífico 
(egípcio) e o cuneiforme (sumério) -combinavam as duas naturezas do 
signo numa escrita ritualista e monumental (adequada à natureza sacra 
dos textos que começou por fixar). A evolução por que passaram ao longo 
de dois milênios tendeu a simplificá-la -limitando drasticamente o núme-
ro de signos - e a diversificá-la, adaptando-a a finalidades práticas. Toda-
via, pelo início do primeiro milênio, outras escritas apareceram no Medi-
terrâneo, nas quais o elemento fonético era determinante. 
Nestes, a diferença residiu na utilização do signo para represen-
tar fonemas compostos (sílabas), ou simples (letras). Os primeiros, 
também cronologicamente, eram mais difíceis de manejar, devido à 
ambiguidade consentida (resultante da elisão dos sons vocálicos9). Os 
.segundos, do quais se destaca o alfabeto grego, eram-lhes superiores 
pela introdução das vogais, separadamente representadas ao lado das 
consoantes. 
Somando aos dezessete sons consonânticos (beta, gamma, delta, 
dzêta, thêta, kappa, lambda, my, ny, ksi, pi, rhô, sigma, tau, phi, khi, 
psi) as sete vogais (alpha, epsilon, iota, omicron, hypsilon, mais as 
longas, êta e ômega) estabeleceu-se um sistema limitado de sinais 
unívocos (representando sempre os mesmos sons, com um mínimo de· · 
8 O caso da China (e do Japão) são típicos da opção por um sistema puramente visual (pictográfico), 
pois aí se desenvolveu uma Literatura que desde sempre viveu alheia à realidade fonética do falar 
quotidiano. Enquanto a língua literária tradicional é para ver e não para ouvir, só mais tarde se 
inventará um sistema destinado à representação da fala do quotidiano. 
A invenção do papel (no séc. li d.C.) e a sua utilização como suporte da criação literária não 
corresponderá, portanto, nem á restrição do número de signos escritos, nem contribuirá para a 
aparição de uma esc ri ta fonética. 
9 A ambiguidade reside no modo como o signo representa a sílaba falada. Uma vez que só o 
elemento consonântico (por exemplo, 'p') se acha escrito, é permitida uma gama de vocalizações 
- 'pa', 'pe', 'pi', 'po', 'pu' -, os quais podem representar palavras diferentes. 
42 
tJ1~P:/·er~S~üt~t· f :··:r:·r 
c: .. ·.: .. F~ .~ 
ambiguidades), susceptível de cobrir a totalidade dos sons articuláveis 
na língua (incluindo variantes dialetais). O sistema era muito mais prá-
tico que os dos outros povos por várias razões. Era adequado a supor-
tes mais ou menos rígidos (da pedra ao papiro) . . Prestava-se a uma 
aprendizagem rápida (menos de dois anos, antes da adolescência). Po-
dia fixar qualquer tipo de mensagens: não só as recebidas da tradição, 
mas ainda outras, novas10 em que a intenção do autor se subrepunha à 
do escriba. 
A produção dos primeiros textos da Cultura Grega 
A entrada no último quartel do séc. VIII a. C. assiste à produ-
ção dos textos inaugurais da Literatura Grega. São eles os Poemas 
Homéricos- a Ilíada e a Odisséia-, o primeiro com mais e o segun-
do com menos de de 15.000 versos (cujo cânone só terá sido fixado 
no início do sé c. VI). 
Um enorme mistério rodeia a produção destas obras geniais, de 
; 
tão grandes dimensões. Terão alguma base histórica os acontecimentos 
que narram? Ou, pelo contrário, não passarão de ficções da imagina-
ção homérica? Poderão ser atribuídos a um único poeta? Como se 
explica tamanha perfeição e grandeza de concepção, numa época à 
qual a escrita é recém-chegada? 
Todas estas interrogações têm apaixonado os estudiosos das 
origens da cultura Grega ao longo dos séculos. A hipótese que com 
maior probabilidade responde satisfatoriamente a todas é a de uma 
origem oral, que este e um conjunto de obras refletirão durante sé-
culos. Notamo-la nos cantos, ordenados em ciclos (Troiano, Tebano, 
Argonautas, Titanomaquia, Cantos Cíprios), que reaparecem em po-
emas posteriores e mais tarde ganham proeminência na Tragédia. 
10 Só era preciso inventar a palavra, ou conferir um novo sentido a uma já existente. A escrita 
limitava-se a representá-la. Num sistema pictográfico, além da palavra, é preciso inventar o signo, 
acrescentando-o ao imenso número dos caracteres já existentes. 
43 
' , I 
\ 
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Homero pode assim ser visto simultaneamente como um fim e 
um começo: efeito da fixação por escrito de um conjunto de mensa-
gens conservadas na memória, tradicionalmente transmitidas pelare-
citação oral. ~ 
A hipótese de ua "literatura oral", resolvendo uma cascata de 
problemas, abre, ,c ntudo, para uma nova cadeia de interrogações. Que 
intenção, ou fh1~lidade cultural, se oculta por detrás destas obras? Que 
relação é po.Úível estabelecer - de fato, que traços encontramos nos 
Poemas-, ligando os mundos de Homero e dos seus heróis? Como se 
pode explicar a função que Homero continuará, durante séculos, a de-
sempenhar na educação dos Gregos? 
Como resposta à primeira pergunta, só recentemente começou a 
ganhar consenso a visão "oralista" (que preside á abordagem da Lite-
ratura que estamos fazendo). Esta encara o conjunto monumental de 
produções a que nos temos referido como uma gigantesca enciclopé-
dia, um enorme repositório do saber tradicional, em que a memória 
dos Gregos, a consciência da sua identidade cultural, integralmente 
repousam. 
Nos Poemas Homéricos confundem-se dois tempos diferentes: o 
dos fatos narrados pelos cantos orais e o das descrições e comentários , 
introduzidos por Homero, quando lançou por escrito os poemas (séc. 
VIII), sendo ainda possível que, até à fixação do cânone (séc. VI), se 
tivessem feito acréscimos. 
Durante todo este tempo, e ainda depois, até ao séc. V, Homero 
ficará como o "educador dos Gregos". A tradição mitopoética, que 
dele parte, agrupará as contribuições dos criadores "originais" da Cul-
tura e Literatura Gregas que nele se inspiram: a obra didática de 
Hesíodo (a Teogonia, os Trabalhos e dias e o Escudo de Aquiles) e 
depois dele a lírica arcaica, monódica e coral, e a partir daí uma 
variedade de gêneros e autores, cuja presença conflui nos grandes 
cultores da Tragédia, no séc. V (Ésquilo, Sófocles e Eurípides). Que 
representam todos estes afinal? Numa palavra, a mudança dos tem-
pos, a emergência de uma consciência crítica, produzida pela trans-
44 
formação dos costumes e dos valores, pelos novos desafios a que as 
alterações sociais vão originar. 
É desta mesma fonte e explorando este mesmo impulso que a 
Filosofia vai nascer na Grécia. Mais assumida e conscientemente vol-
tada para o saber, dependendo das personalidades em quem ele se 
consubstancia- os Sábios (sophoi) -, toda ela é intrinsecamente gre-
ga, provindo dos mais distantes pontos do mundo helênico, do Ori-
ente norte, no mar Negro, até às colônias do sul da península Itálica, 
passando pela ilhas jonicas e pelo litoral da Ásia Menor. Todavia, esta 
abrangente origem aponta para um único alvo: para a Atenas dos 
sécs. V-IV. É aí que a vemos florescer, primeiro na intensa revolução 
cultural a que se associam os sofistas, depois, nas obras dos grandes 
filósofos: Platão e Aristóteles. Nelas se assume como método de in-
vestigação e busca do saber, e depois disciplina em que esse saber se 
acha fixado e apto a ser transmitido para o futuro, em obras concebi-
das e estruturadas pelas regras da composição escrita 11 • 
A Cultura e Literatura gregas até ao séc. V 
O processo que conduz à emergência da Filosofia Grega não pode 
ser desassociado daquele que acabamos muito sucintamente de referir. 
Um e outro se entendem como manifestações da identidade cultural 
grega. Num e noutro é a intenção epistêmica (do Grego epistêmê), a 
preocupação com o saber- coletivamente encarado, ou individualmen-
te assumido - que o pode explicar. 
11 A história dos primeiros momentos do processo de transmissão, aquisição e fixação do saber 
grego acha-se condensada em torno destes três figuras tutelares: o sábio, o sofista e o filósofo. O 
epíteto 'sábio' começa por designar uma personalidade venerável, responsável por qualquer frag-
mento de saber que a memória coletiva tenha deciddo fixar, para, no séc. V. referir todo aquele que 
aspira a ostentar esse estatuto. O termo 'sofista' começa por ser aplicado àquele que se afirma 
detentor de um saber qualquer, pela transmissão do qual se responsabiliza, para acabar por descre-
ver uma personagem típica, hábil na fala e na argumentação. O 'filósofo' é aquele que se dedica à 
aquisição e exploração de um saber teorético (desinteressado das aplicações "práticas"), que cobre 
todos os domínios da realidade, de cuja posse efetiva nunca se quer afirma como detentor. 
45 
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O que inicialmente se nos manifesta como captação de uma 
memória milenar, genialmente imobilizada "nas potentes cadeias" 
do verbo homérico, é a um tempo declamação oral e discurso escri-
to. É o imenso compêndio de um saber que abarca a história e a 
geografia do mundo antigo, além de um percurso enciclopédico atra-
vés das artes e técnicas do quotidiano, tudo encerrado numa síntese 
ética e política, que afirma e questiona o próprio sentido da identi-
dade cultural dos Gregos: a sua origem e o seu futuro como herdei-
ros dos deuses. 
A poesia didática e a lírica arcaica retomam essa síntese através 
dos olhares, cada vez mais intensamente pessoais, dos criadores cultu-
rais gregos, atentos às exigências dos seus tempos e lugares. É todo um 
mundo novo - interior e exterior- que o homem reconhece e descreve 
com surpresa e paixão. 
A entrada no séc. VI vai trazer a confrontação dos Gregos 
com outras e sempre novas experiências. Dessa tradição- a lírica-
mencionaremos apenas três nomes. Arquíloco revisita e revê 
Homero, do mesmo modo que Sólon o ajusta- e também a Hesíodo 
- a uma nova realidade política: a da cidade-estado. A sociedade 
aberta que começa a despontar, oferece oportunidades a diferentes 
reações: dos que choram a pureza dos valores perdidos, ou se riem 
da estranha mistura de que são compostos os humanos. Píndaro 
caldeia o metal da antiga excelência guerreira no fogo que incen-
deia os estádios, propondo uma nova visão do heroísmo. 
Mas a voz e o olhar dos Gregos alarga-se a outros horizontes. 
É a exploração da nova geografia do Mediterrâneo e dos povos que 
o habitam que, com Heródoto, aponta para a fundação da História. 
É a interrogação sobre a razão de ser de tudo, o questionar da or-
dem, do mundo e da vida, o espanto com a sua própria evidência, 
que conduz à intenção epistêmica de que nascerá a Filosofia. Mas 
essa história, em que Parmênides ocupa posição proeminente, tem 
de ser contada de outra maneira. 
46 
A formação da tradição filosófica grega 
Se a preocupação com o saber constitui a essência da Filosofia, 
então é impossível dissociá-la do impulso que desde sempre anima toda 
a Cultura e Literatura gregas. Se, por outro lado, a reflexão filosófica 
se dirige a um conjunto de temas e problemas específicos -os que assis-
tem à organização e explicação do mundo e da vida - , então como é 
que deixamos fora dela quantos a estes se dedicaram: os poetas, nome-
adamente? Todavia, se a tradição filosófica retoma questões antigas a 
uma outra luz, ou se concentra nelas de uma forma nova, então há que 
explicar como e porque isso acontece. E também onde e quando, e com 
que conseqüências. Numa palavra, se não tem sentido separar a Filoso-
fia da Cultura em que nasce e da Literatura que a exprime, na Grécia, é 
preciso explicar como foi que isso mesmo veio a acontecer (por exem-
plo, nas Histórias da Filosofia). 
Mas para isso teremos de prestar atenção a um conjunto de fatos 
políticos que ocorreram num tempo e num lugar bem circunscritos, 
com enormes conseqüências em todo o futuro da Cultura Ocidental. E 
depois que abordar uma história bem conhecida por uma perspectiva 
um tanto diferente da habitual. 
Interlúdio político 
Os fatos políticos são os que se prendem com a História de Ate-
nas, que por mais de um século se confunde com a de toda a Grécia: 
praticamente do final do séc. VI aos meados do IV a.C. 
As lutas políticas que tinham dilacerado as cidades gregas duran-
te os sécs. VII e VI tiveram contornos bem definidos. Uma aristocracia 
terra tenente, senhora do Poder e do Direito, subjugava pela força com-
binada dos laços de sangue e das armas uma população de agriculto-res, agrupada em torno de centros urbanos. A luta pela posse da terra é 
em alguns casos conduzida ao limite extremo da guerra civil. Para a 
47 
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evitar, ou como conseqüência dela, algumas dessas cidades entregam-
se ao arbítrio de um tirano. 
E é assim que o poder de um único homem e, por arrastamento, 
da dinastia dos seus descendentes, por algumas décadas, consegue afir-
mar-se acima das leis. Esse episódio traz, porém, inesperadas conse-
qüências. A política dos tiranos é intensamente "desenvolvimentista". 
Ao dar novo impulso às atividades produtivas, desenvolvendo as in-
dústrias artesanais e o comércio que nelas assenta, o tirano converte a 
cidade no pólo de atração de uma nova forma de riqueza- a moeda. E, 
com ela, deixa que uma nova classe de industriais artesãos e comerci-
antes se distinga e se aproxime do poder. 
A luta era, como sempre foi, pela terra. Mas a solução da conten-
da passava pela promulgação de leis que sanassem os antigos conflitos, 
tomando medidas para que não se viessem a repetir. Isso equivalia a 
redistribuir o poder em bases inteiramente novas. Os tiranos, já o vi-
mos, tinham alterado os dados do problema, dando origem a uma 
nova e inédita forma de riqueza. Mas tinham, na melhor das hipóteses, 
apenas contribuído para o adiamento da confrontação de uma classe 
de latifundiários, sempre cada vez mais reduzida, com uma população 
de expoliados, pelo contrário, cada vez mais numerosa, por vezes redu-
zida à servidão nas suas antigas propriedades 12 • 
Atenas não foi estranha a este processo, embora tenha contribu-
ído de forma original para a sua ultrapassagem. No final do séc. VII, a 
cidade encontrava-se à beira da guerra civil. Foi então escolhido um 
homem - Sólon - para arbitrar o conflito. Mas não quis agir como um 
tirano. Criou legislação com vista à sua superação: acabou com a servi-
dão, perdoou as dívidas dos pobres aos latifundiários, tirou algum po-
der às instituições tradicionais, criando outras, e ordenou um censo 
que dividiu a população em quatro classes, segundo o rendimento das 
suas terras, expresso em medidas de cereal e de líquidos (azeite ou 
vinho). Promulgada esta legislação, deixou o poder e a cidade. 
12 A perda da liberdade e da cidadania e a conseqüente redução à escravidão são consequências da 
impossibilidade de pagar as dívidas contraídas. 
48 
Era movido por objetivos+ opostos: impedir a concentração do 
poder na oligarquia das antigas famílias, deixando intocada a estrutura 
política da cidade. O que equivale a deixar os ricos no poder, evitando 
que enriquecessem cada vez mais, à custa do empobrecimento dos ou-
tros. Por isso sempre recusou a redistribuição da terra. Mas a profundi-
dade das mudanças operadas não consentiu que se fizessem sentir ime-
diatamente. 
A situação foi aproveitada pelos Pisitrátidas, que se mantiveram no 
poder ao longo de quase todo o séc. VI. Até que, após o "tiranicídio" de 
Hípias - o terceiro e último da dinastia -, ao entrar na derradeira década do 
século, um novo Sólon apareceu em Atenas. Chamava-se Clístenes e teve a 
oportunidade de lançar as bases do sistema democrático. 
Através de uma completa reordenação do território, conseguiu 
que os laços das antigas solidariedades fossem desfeitos e novas insti-
tuições criadas, que permitissem à segunda classe censitária (a dos ca-
valeiros) abeirar-se do poder. Mas as forças em oposição mantinham o 
conflito latente. 
De forma que ninguém sabe o que teria sucedido, se o rei dos 
Persas não tivesse invadido a Grécia. A disposição das cidades para o 
acolher, e das classes no seu seio, foi diversa 13 • Uma, porém, se lhe 
opôs com determinação e o deteve no campo de batalha: a democracia 
Ateniense, em Maratona. 
A vitória de 490, renovada em Salamina, em 480, trouxe a 
hegemonia sobre toda a Hélade a uma cidade arrasada pelas tropas 
invasoras. Cidade que o ouro dos aliados irá ajudar a reconstruir, urba-
na e politicamente. É essa Atenas que, a partir de 480, primeiro os 
aristocratas, mais tarde Péricles - recorrendo a subsídios e à política 
monumental dos tiranos-, começarão a erguer em bases inteiramente 
novas, convertendo-a no grande centro difusor da cultura grega. 
13 Os aristocratas, bem como as cidades em que dominavam, mostravam-se dispostas a acolher a 
supremacia Persa, que por pouco mais se expressaria do que pelo pagamento de um tributo. Pelo 
contrário, as democracias, construídas sobre a isonomia, a igualdade dos cidadãos perante a lei, 
. recusavam esse domínio, por saberem que era sobre o corpo dos cidadãos que os encargos haviam 
de cair. 
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Política e Cultura 
Foram os aristocratas Aristides e Temístocles que aproveitaram 
o tesouro da Liga de Delos14 para a reconstrução de Atenas. E foram 
também eles que imaginavam a estratégia de fazerem os cidadãos acor-
rer à cidade, assegurando-lhes ocupação e sustento15 • Durante trinta 
anos, a população urbana continuará a aumentar e com ela o peso 
. político das instituições democráticas (aquelas em que todos participa-
vam, independentemente do seu estatuto social). 
No entanto, enquanto as instituições de raiz aristocrática tives-
sem poder, o perigo de ruptura era real. Foi assim que, em 462, o 
choque entre o Conselho (democrático) e o Areópago (aristocrático) se 
verificou. A conseqüência foi a virtual dissolução, ou reconversão, des-
te instrumento tradicional do poder hereditário da aristocracia. 
Pouco depois Péricles assumirá o poder. Não se sabe se é res-
ponsável pela lei que alarga a elegibilidade para o arcontado (o 
mais alto cargo político) à terceira classe censitária (os "compa-
nheiros de jugo)". Mas é conhecido o estratagema que mais tarde 
imaginará para combater o ascendente da aristocracia sobre o povo: 
· continuar a usar o ouro dos aliados, agora para pagar um salário 
aos juízes, tirados à sorte. 
A tradição aristocrática vê nesta medida a degradação da justi-
ça pelas instituições democráticas. Ela não pode, porém, ter deixado 
de ter conseqüências benéficas sobre a cultura da democracia. Até aí 
o poder não podia deixar de voltar aos aristocratas: fortes, equipados 
e livres para o usarem em seu proveito. Mas agora, o funcionamento 
estritamente igualitário das instituições espalhava-o por todos, inde-
pendentemente da sua capacidade e competência. Embora só os bem-
nascidos continuassem a ser os que dispunham dos meios que lhes 
14 Criada em 478, constituia um fundo, destinado a prevenir uma possível nova invasão persa, para 
o qual contribuiam as cidades gregas aliadas. 
15 Criando um exército permanente e uma elite de funcionários administrativos, integrados em insti-
tuições sobre as quais repousará o poder, político, militar e burocrático, de Atenas. O pagamento 
desta burocracia começou por ser feito em gêneros, para só muito mais tarde recorrer à moeda. 
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permitiam ser eleitos para os mais altos cargos, onde seguiam uma 
carreira política. 
Todavia, com as últimas transformações por que passou o regi-
me democrático, são agora concedidas oportunidades aos cidadãos co-
muns. A dificuldade reside na formação que deveriam receber. Quem a 
poderia proporcionar? A educação, na Atenas de meados do séc. V, 
não se estendia acima do nível primário: ler, contar e talvez escrever, 
mesmo assim com fluência difícil de avaliar. Onde se poderão achar os 
mestres aptos a promover este ensino? 
Os sofistas 
É costume invocar a chegada dos sofistas a Atenas expressamen-
te para satisfazer essa súbita necessidade de habilitação para cargos 
públicos. Esse fato, contudo, deve integrar-se num movimento muito 
mais amplo de emergência, e posterior afirmação, de uma "classe mé-
dia" urbana, para a qual as carreiras profissionaisterão ganho, por 
alguns anos, uma importância que depois virão a perder. 
São anos (entre 475 e 450) em que Atenas verdadeiramente se 
converte no centro da Hélade. Marcados, como já vimos, por uma aflu-
ência de gente à cidade, de que res,ultará um aumento gradual do nú-
mero de cidadãos. A cidade "cresce" a olhos vistos. E com ela o peso 
das instituições democráticas, depois do afastamento da aristocracia16 
e da anual reinstalação de Péricles no poder (de 462 até à sua morte em 
429). Todavia, a manutenção da estrutura social tradicional, além do 
custo das recém-formadas instituições, não pode permiti-lo. Em 451, o 
próprio Péricles porá cobro a essa tendência, restringindo a cidadania 
aos descendentes de pai e mãe Atenienses. 
16 Além do aumento de importância das instituições a que todos tinham acesso, fortalecidas por 
passarem a ser pagas, da criação de uma burocracia administrativa e de um exército regular, os 
aristocratas tomam-se alvo do ostracismo: decisão pela qual a Assembleia podia exilá-los de Atenas 
por um número variável de anos. Deste modo, a democracia protege política e economicamente os 
mais pobres, ameaçando ao mesmo tempo o poder dos ricos. 
Começam a tomar-se evidentes os sinais de contração política na 
hostilidade com que são tratados os estrangeiros. Mesmo assim, a in-
fluência dos sofistas continua a fazer-se sentir. Surgem, no entanto, as 
primeiras manifestações do desagrado que a sua presença provoca: de-
cretos censórios e processos, visando o próprio Péricles e a elite intelec-
tual que o rodeava (meados da década de 30). 
Todavia, o início da guerra do Peloponeso ( 431-404), a sub-
seqüente morte de Péricles, bem como o êxito das primeiras tenta-
tivas bem sucedidas de sacudir o jugo Ateniense, pela parte dos 
antigos aliados da Liga de Delos, devem ter contribuído para tor-
nar ainda mais tenso o clima político em Atenas 17 • Esta hipótese 
justifica as críticas a uma mentalidade "aberta", de que a "grande 
geração" dos sofistas, entre os quais incluiremos Sócrates, será o 
expoente. 
De início, o sofista talvez apenas tivesse sido alguém que, à ima-
gem de Prometeu18 , invocasse a capacidade de praticar e de transmitir 
o saber associado a uma profissão. A expansão da classe média nesses 
anos, associada ao esplendor econômico e cultural de Atenas, contri-
bui para o prestígio de que gozarão durante pouco mais de uma déca-
da. É que os tempos não tardarão a mudar. 
Talvez por isso a História só conserve a memória daqueles, pou-
cos, cujo saber- como Protágoras e Hípias (nascidos por volta de 490 e 
famosos já antes da década de 30) -,se estendia a todos os campos. Ou 
dos que- como Pródico, e mais tarde Górgias (chegado a Atenas no 
17 A súbita entrada em Atenas da população rural , fugida à invasão espartana, degrada o modo de 
vida Ateniense. Declara-se a peste, que vitimará o próprio Péricles. Os altos e baixos das campa-
nhas guerreiras agravam a instabilidade da vida. Em 411 a "tirania dos 400" derruba o estado 
democrático. A revolta que põe cobro ao seu domínio não consegue restabelecer o equilíbrio na 
cidade. A execução ilegal dos generais vencedores da batalha das Arginusas ( 406), a derrota final 
de Egospótamos (405) e a entrega do poder à "tirania dos 30" (404) não podem ser alheias ao 
estado de espírito da cidade que condena Sócrates (399). 
18 Antigo semideus, um dos titãs, cuja história é referida por Hesíodo, na Teogonia (5 1 O segs.), e por 
Ésquilo, na tetralogia Prometeu, de que sobreviveu uma única tragédia: Prometeu agrilhoado. 
Originalmente encarna a figura ambigua do deus, ou herói, artificioso e desonesto, presente em 
muitas tradições (Loge, na Edda nórdica; Quetzalcoatl, na mitologia tolteca, etc.). A ambiguidade 
mantém-se na evolução posterior para a figura do defensor do Homem (é ele o responsável pelo 
roubo do fogo aos deuses, pela arte da fundição dos metais e pela guerra). 
52 
ano do nascimento de Platão, 427) -, se tomarão famosos pelos seus 
ensinamentos sobre a linguagem e a oratória (ou retórica). 
É destes, conhecidos sobretudo pela imagem fixada nos diálogos 
platônicos, compostos cerca de meio século mais tarde, que a tradição 
celebra os êxitos e invejas que despertaram: o fazerem-se pagar, serem 
seguidos por discípulos e admiradores, questionarem o saber e as cren-
ças tradicionais, entregando-se a debates e a argumentos, tão inéditos 
que a partir deles se cunhou o termo "sofísticos" 19 • Todavia, embora 
fundada, a concentração exclusiva nesta dimensão da prática dos sofis-
tas peca por excesso. Faz esquecer que devemos encará-los como os 
primeiros intelectuais que o Ocidente conheceu. E que a eles se deve a 
idéia de um ensino acima do nível primário e a introdução das primei-
ras perspectivas críticas sobre a tradição. 
Todo este processo é contemporâneo do nascimento da prosa 
grega. O que equivale a dizer ser esse o momento de extensão da escrita 
à captação da fala do quotidiano, funcionando não mais como memó-
ria atual de um tempo passado, mas como memória futura do tempo 
presente. 
Decerto o desinteresse dos sofistas pelo saber, bem como a sua 
orientação pragmática para o poder, notáveis nos debates através dos 
quais se promoviam, justificam não terem prestado maior atenção à 
escrita. Embora seja possível pensar que o número de peças que nos 
deixaram é diminuto por muitas se terem perdido. Mas, mesmo assim, 
19 Poderemos considerar tipicamente sofística a completa cisão entre o discurso e a realidade a que 
se refere (adiante discutida). Esta atitude resulta e pode ser explicada por duas razões de ordem 
diversa. Por um lado, pela distância crítica com que viam a tradicional exigência de infalibilidade 
do saber; por outro, pela sua concentração no poder único do discurso. 
Os sofistas são os primeiros a dar-se conta, e a explorar até às últimas consequências - em 
polêmica oposição aos filósofos - o fato de a estupidez e a incompreensão humanas poderem e 
deverem ser usadas como argumento nos debates. Não para o saber, naturalmente, mas para o 
poder. 
Tanto sofistas como filósofos constatam a ignorância dos homens. Todavia, enquanto os últi-
mos procuram combatê-la através da defesa de um projeto de saber (de valor incerto e sempre 
discutível), os primeiros percebem as vantagens imediatas, resultantes do seu aproveitamento. A 
oratória, a persuasão, a demagogia, levam a cabo nas assembléias a função que a erística (ver 
adiante) desempenha nos debates públicos. Voltaremos com algum pormenor a estas questões, nas 
quais é sensível a influência exercida pelo Poema de Parmênides. 
53 
nem a enumeração dos seus títulos sugere obras com as dimensões das 
de Platão e de Aristóteles. 
A Filosofia 
1. PLATÃO 
Os sofistas não terão sido, portanto - como o próprio Sócrates20 
não foi-, heróis da escrita. Depois de Homero, esse título cabe antes de 
todos a Platão. Embora nem sequer nos seja possível apercebermo-nos 
da motivação que o leva a escrever uma tão extensa obra, cuja compo-
sição decerto se estenderá ao longo de toda a sua vida. 
A primeira função da escrita é mnemónica. Fixar mensagens que 
a alguém pareceram importantes21 • Talvez a intenção, apontada pelo 
filósofo Ateniense, de ter composto os diálogos para " ... se distrair na 
velhice" (Pedro 276 d), não seja assim tão alheia à utilização que hoje 
lhes conferimos. Mas quem seria capaz de lhe profetizar uma velhice 
tão prodigiosamente longa, durante a qual não cessa de "distrair" gera-
ções de estudiosos? 
Acima de tudo, um ponto lhe importa fixar: os diálogos não 
contêm "a sua Filosofia". Recordações do jovem Sócrates, ecos de anti-
gos debates, críticas aos discursos "dos sábios" - nada disso se contra-
diz-, tudo cabe na escrita. E converge no esboço muitas vezes repetido 
das infinitas vias conducentes ao saber. Os diálogos podem até ser lidos 
como convites à Filosofia,

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