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TEXTOS DIDÁTICOS Dirceu Grasel ADAM SMITH A RIQUEZA DAS NAÇÕES INVESTIGAÇÃO SOBRE SUA NATUREZA E SUAS CAUSAS Cuiabá-MT EdUFMT 2014 Versão 15 05 14 = versão final da obra de Smith para enviar a editora para editoração e posterior publicação. 2 3 TEXTOS DIDÁTICOS Dirceu Grasel ADAM SMITH A RIQUEZA DAS NAÇÕES INVESTIGAÇÃO SOBRE SUA NATUREZA E SUAS CAUSAS Cuiabá-MT EdUFMT 2014 4 “Aprendi a não tentar convencer ninguém. O trabalho de convencer é uma falta de respeito, é uma tentativa de colonização do outro”. (JOSÉ SARAMAGO) 5 6 SUMÁRIO Introdução ................................................................................................. Breve Biografia ................................................................................................. Cap. 1 - A origem da riqueza, as causas do aprimoramento das forças produtivas do trabalho e a distribuição da riqueza produzida........................................................................................ 1. O princípio que dá origem à divisão do trabalho.............................. 2. A essência/origem da riqueza: o trabalho humano e sua divisão em tarefas menores e menos complexas........................................ 3. A divisão do trabalho limitada pela extensão do mercado............... Cap. 2 - A Troca de Mercadorias, Valor e Valor de Troca dos Bens................................................................................................. 1. A Origem e o Uso do Dinheiro......................................................... 2. Definição dos Preços das Mercadorias: o Preço Natural (Valor) e o Preço de Mercado das Mercadorias............................................. 3. Fatores que Compõem o Preço das Mercadorias............................ 4. O Preço Natural (o valor) e o Preço de Mercado das Mercadorias. Cap. 3 - Os Determinantes das Três Formas Básicas de Renda: o Salário, o Lucro e a Renda da Terra................................................................................................ 1. O Salário do trabalho....................................................................... 2. O Lucro do Capital........................................................................... 3. Os Salários e o Lucro nos Diversos Empregos de Mão de Obra e de Capital......................................................................................... 4. A Renda da Terra............................................................................. Cap. 4 - A Natureza, o Acumulo e o Emprego do Capital............................................................................................. 1. O Impacto da Divisão do Trabalho sobre a Acumulação e Emprego do Capital.......................................................................... 2. A Divisão do Capital......................................................................... 3. O Dinheiro e sua Função de Meio de Troca de Mercadorias.......... 4. O Dinheiro Emprestado a Juros....................................................... 5. A Acumulação do Capital: o Trabalho Produtivo e Improdutivo...... 6. Os Diversos Empregos do Capital................................................... Cap. 5 - O Progresso da Riqueza nas Diferentes Nações........................ 1. O Progresso Natural da Riqueza..................................................... 2. O Desestímulo à Agricultura na Europa, após a Queda do Império Romano............................................................................................ 3. A Ascensão e o Progresso das Metrópoles e Cidades após a 7 Queda do Império Romano.............................................................. 4. A contribuição do Comércio das Cidades para o Progresso do Campo.............................................................................................. Cap. 6 - O Sistema Mercantil ou Comercial; o Sistema Agrícola ou Feudal e o Livre Comércio............................................................ 1. O Princípio do Sistema Mercantil ou Comercial............................... 2. Restrições à Importação de Mercadorias Estrangeiras que Podem Ser Produzidas no Próprio País....................................................... 3. As Restrições à Importação de Mercadorias com os Países de Balança Comercial Supostamente Desfavorável............................. 4. Os Drawbacks.................................................................................. 5. Os Subsídios.................................................................................... 6. Os Tratados Comerciais.................................................................. 7. O Comércio com as Colônias.......................................................... Cap. 7 - A Natureza e as Causas da Riqueza das Nações: uma Crítica aos Fisiocratas............................................................................... 1. O Pensamento Dominante dos Fisiocratas...................................... 2. O Pensamento de Adam Smith........................................................ Cap. 8 - A Receita do Estado e Suas Funções.......................................... 1. Os Gastos do Estado....................................................................... 2. Os Gastos com Defesa.................................................................... 3. Os Gastos com Justiça.................................................................... 4. Os Gastos com Obras e Instituições Públicas................................. 5. As Fontes da Receita Geral ou Públicas da Sociedade................... 6. As Dívidas Públicas.......................................................................... Cap. 9 - O Esquema Básico das Contribuições de Adam Smith............. 1. A Natureza das Pessoas e a Mão Invisível...................................... 2. Os Fatores Responsáveis pela Riqueza das Nações...................... 3. Distribuição da Renda, Poupança e a Acumulação do Capital.............................................................................................. 4. A Riqueza é Gerada nos Três Setores da Economia...................... Bibliografia ......................................................................................................... 8 Prefacio 9 Introdução Este texto apresenta as principais contribuições dos principais economistas em formato de textos didáticos, com a finalidade de facilitar a compreensão do conteúdo para os alunos de graduação de economia, sem ser excessivamente sucinto de forma a perder contribuições importantes, ao mesmo tempo em que procura apontar questões que foram objeto de discussões posteriores. Portanto, não se trata de texto original, muito menos um texto com objetivos comerciais. A única pretensão é transcrever as contribuições do autor de forma mais didática, para facilitar aos alunos de graduação o primeiro contato com os principais economistas das principais escolas do pensamento econômico, sem contudo, substituir a leitura dos originais. Portanto, este texto não apresenta nenhuma contribuição teórica do autor, trata-se apenas de um texto didático com uma finalidade específica. Este também é o motivo do elevado uso de transcrições literais, sempre que o autor entendeu que esta é fundamental para dar a segurança necessária ao leitor de que o texto retrata de forma fiel as ideias dos autores originais. Contudo, como se trata de um texto didático, as próprias transcrições literais geralmentevêm acompanhadas de notas explicativas. Considerando que a maioria dos trabalhos semelhantes aborda o conjunto da obra dos autores e outras obras que interpretam os originais, com exceção da breve biografia sobre o autor, os texto sempre se baseia exclusivamente na leitura da obra original e diretamente relacionada com as ciências econômicas, tornando-se uma interpretação baseada exclusivamente no original. Merece destaque que este texto não dispensa a leitura do texto original, pois se trata apenas de um texto didático que tem a finalidade de introduzir os alunos que tem dificuldades para ler o original, sem nenhuma pretensão de ser referencia a estudos avançados ou de proporcionar contribuições ao debate. 10 ADAM SMITH (1723-1790) i) Breve revisão biográfica baseada em Heilbroner (1996); Stewart (2002); Schumpeter (1964) e Fritsch (1996). O economista e filósofo escocês Adam Smith, nasceu em junho de 17231, na cidade de Kirkcaldy, Condado de Fife, na Escócia. Sem pai, que faleceu poucos meses antes do seu nascimento, aos três anos de idade foi sequestrado por ciganos, mas graças aos esforços do seu tio, o bando foi localizado na floresta de Leslie e Smith retornou à sua família. Desde pequeno mostrou-se bom aluno e talentoso para ensinar. Num ambiente em que instrução era exceção, Smith passou anos sem instrução formal, lendo tudo que teve acesso. Da escola primária em Kirkaldy, foi enviado para Universidade de Glasgow, em 1737, onde se tornou discípulo do professor de filosofia moral, Francis Hutcheson, e permaneceu até 1740, quando aos dezessete anos de idade recebeu uma bolsa de estudos e foi para Baliol College2, em Oxford. Em 1751, com 28 anos incompletos, passou a ensinar Lógica na Universidade de Glasgow e no ano seguinte recebeu a cátedra de Filosofia Moral na mesma Universidade, onde permaneceu por treze anos. Smith se distinguia pelo zelo e habilidade como orador. A sua reputação como professor se espalhou e pessoas da vários lugares se deslocavam de grandes distâncias apenas para vê-lo. Entre os alunos era popular e seu trabalho era reconhecido. Em 1958 tornou-se decano3. Em 1759 publicou o livro “Teoria dos Sentimentos Morais” onde apresentou a base da sua filosofia moral e a ordem natural da sociedade, que despertou amplo interesse e consolidou sua fama e importância como autor, acadêmico e filósofo4. O referido livro também despertou interesse em Charles Townshend, ministro das finanças Inglês que o convidou para ser tutor do filho de sua 1 Data provável, pois foi registrado no dia 05 de junho de 1723. 2 O Baliol College, fundado em 1263, é uma das instituições de ensino superior constituintes da Universidade de Oxford no Reino Unido. 3 Geralmente é o mais antigo dos membros da congregação de professores, representa os interesses da faculdade, contrata professores e atua na regulamentação de cursos e exames. 4 Foi professor na Universidade de Glasgow entre 1751 e 1764, onde ocupou também a função de Reitor da Universidade. http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:AdamSmith.jpg 11 mulher, viúva do duque de Buccleuch, com que se casara. A tutoria dos filhos da nobreza consistia principalmente em viagens pela Europa com o propósito de complementar sua formação. Esta tarefa lhe rendeu trezentas libras anuais vitalícias e ressarcimento das despesas. Esta proposta era irrecusável, muito mais atraente e remuneração bem maior do que as cento e setenta libras anuais que conseguia como professor. A viagem iniciou em 1764 com destino para Toulouse/França onde permaneceram por cerca de um ano. Com duração de mais de dois anos incluiu também o sul da França, Genebra e Paris, onde conheceu e interagiu com pessoas de reconhecida importância e conhecimento, como Ferney Voltaire, David Hume, Turgot e com François Quesnay, o mais destacado e influente membro do pensamento fisiocrata e maior economista Francês da época. Seus debates com David Hume e Quesnay foram muito produtivos e levaram ao início de um novo projeto, hoje conhecido como “A Riqueza das Nações: investigação sobre sua natureza e suas causas”, publicada em 1776, quando já havia retornado para sua terra natal e lá permanecido por aproximadamente 10 anos desde sua viagem como tutor. Quesnay e os fisiocratas se opunham ao pensamento mercantilista que considerava que a riqueza consistia na acumulação de metais preciosos, especialmente o ouro e a prata e defendiam que uma forte intervenção do Estado na economia favorecia este propósito. Smith entendia que o pensamento fisiocrata era o que havia de mais próximo da realidade. Enaltecia principalmente a política do laissez-faire, contudo, não aceitava as ideias sobre a essência da origem da riqueza. Para os fisiocratas apenas os trabalhadores agrícolas geravam a riqueza, os trabalhadores alocados nas indústrias e no comércio apenas alteravam a sua forma, eram estéreis, contudo, necessários. Para Adam Smith o trabalho humano poderia criar riquezas em todos os setores da economia, agricultura, indústria e comércio. Perceber que no trabalho humano e não na natureza (agricultura) são encontradas as explicações para a essência da riqueza representou um ponto de partida que distanciou suas contribuições da dos fisiocratas na sua principal obra, a “A Riqueza das Nações”. Dois anos depois da publicação do livro “A Riqueza das Nações”, Smith foi nomeado Diretor da Alfândega de sua Majestade em Edimburgo, na Escócia. Sempre em companhia de sua mãe, que faleceu aos noventa e dois anos de idade em 1784, Smith viveu uma vida sossegada de solteiro, conheceu reconhecimento acadêmico e intelectual, querido por sua mãe e amigos, que o consideravam extraordinariamente amigável e generoso. Faleceu aos 67 anos, em 17 de julho de 1790, deixando grande legado para a filosofia e a ciência econômica. Sua obra é considerada como a origem da economia como ciência, uma das obras mais influentes no mundo ocidental, que o tornou conhecido como pai da economia moderna e o mais importante teórico do liberalismo econômico. "A Riqueza das Nações" lançou as bases do liberalismo econômico, como a teoria da livre concorrência e o conceito de livre mercado. 12 ii) Introdução à Riqueza das Nações: Sobre a principal preocupação que envolveu os esforços de Adam Smith, podemos afirmar que, embora seja difícil limitar suas contribuições a uma ideia central, existe um relativo consenso de que a principal preocupação é com o crescimento econômico em longo prazo e a forma como esta riqueza é distribuída entre as classes sociais na forma de salários, lucros e aluguéis ou rendas afetava este crescimento. No primeiro livro, Smith apresenta os elementos que levam ao aprimoramento das forças produtivas do trabalho e a forma pelo qual a produção é naturalmente distribuída entre as diferentes classes sociais e membros da sociedade. O segundo livro trata da natureza do capital, de sua acumulação e do emprego de mão de obra decorrente. O terceiro livro apresenta as diferentes políticas ou estratégias do emprego de capital e trabalho, suas teorias decorrentes e as circunstâncias que estabeleceram essas políticas ou estratégias. O quarto livro Adam Smith detalha as diferentes teorias, as circunstâncias em que foram implementadas e os principais efeitos produzidos nas diversas épocas e nações. O quito livro trata das receitas e despesas dos Estados, quais são as despesas necessárias e quem deve cobrir ou arcar com estas despesas. 13 CAPÍTULO I A origem da riqueza, as causas do aprimoramento das forças produtivas do trabalho e a distribuição da riqueza produzida. 1 – O princípio que dá origem à divisão do trabalho A divisão do trabalho, a qual Smith atribui tanta importância, não é fruto da sabedoria humana qualquer, mas de tendência ou propensão existente na natureza humana. Esta propensãose encontra em todos os homens, e somente neles. A permuta é da natureza humana. O homem é um ser social, necessita de ajuda ou cooperação do semelhante e é inútil esperar esta ajuda da benevolência alheia. Ele terá mais sucesso mostrando que tem a possibilidade de ajudá-lo também (ajuda mútua), mostrando que o outro terá vantagem ao realizar uma troca. Dê-me aquilo que eu quero, e você terá isto aqui, que você quer - esse é o significado de qualquer oferta deste tipo; e é dessa forma que obtemos uns dos outros a grande maioria dos serviços de que necessitamos. (...) Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse. Dirigimo-nos a não a sua humanidade, mas sua autoestima, e nunca lhes falamos das nossas próprias necessidades, mas das vantagens que advirão para ele (SMITH, 1996, v. 1, p. 74). Segundo Smith, é desta propensão ou tendência a permutar que resulta a divisão do trabalho. A certeza de que pode permutar o trabalho que excede seu consumo estimula cada um a dedicar-se a uma única atividade e “a cultivar e aperfeiçoar todo e qualquer talento ou inclinação que possa ter por aquele tipo de ocupação ou negócio” (SMITH, 1996, v. 1, p. 75). Este processo, isto é, a divisão do trabalho leva, a um patrimônio comum, ao aprimoramento ou aperfeiçoamento na ocupação escolhida, que parece resultar muito mais de hábitos, costumes, educação ou formação do que de talentos naturais. 2 – A essência/origem da riqueza: o trabalho humano e sua divisão em tarefas menores e menos complexas Para Adam Smith, discordando dos Mercantilistas e Fisiocratas, a essência/origem da riqueza está no trabalho humano. É o trabalho anualmente empregado que constitui o fundo de suprimento de todas as necessidades humanas. Contudo, a riqueza gerada pelo trabalho humano pode ser maior ou menor de acordo com a eficiência em que este é empregado, ou seja, pelos fatores que levam a ampliação da produtividade ou quantidade produzida. 1.1) Portanto, o produto gerado pelo trabalho humano pode ser maior ou menor de acordo com os seguintes aspectos: 14 i) A divisão do trabalho: decisivo para entender o aprimoramento das forças produtivas, por ampliar a produtividade do trabalho. “O maior aprimoramento das forças produtivas do trabalho, e a maior parte da habilidade, destreza e bom senso com os quais o trabalho é em toda parte dirigido ou executado parece ter sido resultado da divisão do trabalho” (SMITH, 1996, v 1, p. 65). A divisão do trabalho resulta da tendência natural do homem para a troca, proporciona aumento de produtividade, que resulta do: a) aumento da destreza pessoal, ocasionada pela execução de apenas uma tarefa ou subtarefa em um processo de aprimoramento constante. A divisão do trabalho, reduzindo a atividade de cada pessoa a algumas operações simples e fazendo dela o único emprego de sua vida, necessariamente aumenta muito a destreza do operário (SMITH, 1996, v. 1, p. 68). b) economia de tempo, a execução de apenas uma tarefa ou subtarefa elimina movimentos e desperdícios de tempo, pois não há troca de ferramentas e deslocamentos, especialmente com a introdução das linhas da produção. É impossível passar com muita rapidez de um tipo de trabalho para outro, porque este é executado em lugar diferente e com ferramentas muito diversas. (SMITH, 1996, v. 1, p. 68). c) Favorece invenções e/ou aperfeiçoamento, de máquinas e equipamentos pelos trabalhadores ou não5, com o propósito de simplificar tarefas e/ou poupar esforços. Em função da divisão do trabalho, toda atenção do trabalhador é voltada para um único objeto muito simples. A invenção de todas essas máquinas que tanto facilitam e abreviam o trabalho parece ter sua origem na divisão do trabalho. As pessoas têm muito maior probabilidade de descobrir com maior facilidade e rapidez métodos para atingir um objetivo quando toda a sua atenção está dirigida para esse objeto único, do que quando a mente se ocupa com uma grande variedade de coisas. (SMITH, 1996, v. 1, p. 69). Para mostrar a importância da divisão do trabalho no aprimoramento das forças produtivas (produtividade) e na geração de riquezas, Smith ilustra o caso de uma pequena fábrica de alfinetes, que é integralmente transcrito por se tornar um exemplo clássico na literatura econômica. Tomemos, pois, um exemplo, tirado de uma manufatura muito pequena, mas na qual a divisão do trabalho muitas vezes tem sido notada: a fabricação de alfinetes. Um operário não treinado para essa 5 As inovações podem ser resultantes de ideias dos próprios trabalhadores, com a finalidade de facilitar seu trabalho. O seu desenvolvimento pode também advir de um ofício ou profissão específica, aos quais Smith denomina de filósofos ou pesquisadores, que destinam seu tempo para esta tarefa. 15 atividade (que a divisão do trabalho transformou em uma indústria específica) nem familiarizado com a utilização das máquinas ali empregadas (cuja invenção provavelmente também se deveu à mesma divisão do trabalho), dificilmente poderia talvez fabricar um único alfinete em um dia, empenhando o máximo de trabalho; de qualquer forma, certamente não conseguirá fabricar vinte. Entretanto, da forma como essa atividade é hoje executada, não somente o trabalho todo constitui uma indústria específica, mas ele está dividido em uma série de setores, dos quais, por sua vez, a maior parte também constitui provavelmente um ofício especial. Um operário desenrola o arame, outro o endireita, um terceiro o corta, um quarto faz as pontas, um quinto o afia nas pontas para a colocação da cabeça do alfinete; para fazer uma cabeça de alfinete requerem-se 3 ou 4 operações diferentes; montar a cabeça já é uma atividade diferente, e alvejar os alfinetes é outra; a própria embalagem dos alfinetes também constitui uma atividade independente. Assim, a importante atividade de fabricar um alfinete está dividida em aproximadamente 18 operações distintas, as quais, em algumas manufaturas são executadas por pessoas diferentes, ao passo que, em outras, o mesmo operário às vezes executa 2 ou 3 delas. Vi uma pequena manufatura desse tipo, com apenas 10 empregados, e na qual alguns desses executavam 2 ou 3 operações diferentes. Mas, embora não fossem muito hábeis, e, portanto, não estivessem particularmente treinados para o uso das máquinas, conseguiam, quando se esforçavam, fabricar em torno de 12 libras de alfinetes por dia. Ora, 1 libra contém mais do que 4 mil alfinetes de tamanho médio. Por conseguinte, essas 10 pessoas conseguiam produzir entre elas mais do que 48 mil alfinetes por dia. Assim, já que cada pessoa conseguia fazer 1/10 de 48 mil alfinetes por dia, pode-se considerar que cada uma produzia 4.800 alfinetes diariamente. Se, porém, tivessem trabalhado independentemente um do outro, e sem que nenhum deles tivesse sido treinado para esse ramo de atividade, certamente cada um deles não teria conseguido fabricar 20 alfinetes por dia, e talvez nem mesmo 1, ou seja: com certeza não conseguiria produzir a 240ª parte, e talvez nem mesmo a 4 800ª parte daquilo que hoje são capazes de produzir, em virtude de uma adequada divisão do trabalho e combinação de suas diferentes operações (SMITH, 1996, v. 1, p. 65-66). Fayol6 e Taylor7, pioneiros da administração, aprimoram e aplicam estes conceitos desenvolvidos por Adam Smith e o modelo Fordista8 aperfeiçoa na prática estas técnicas de gestão e produção no início do século XX. 6 Jules Henri Fayol (1841/1925), engenheiro de minas Francês, teórico fundador da Teoria Clássica de Administração, com uma visão gerencial direcionou seus esforços para a empresa como um todo. 7 Frederick Winslow Taylor (1856/1915) engenheiro mecânico Americano é conhecido como ofundador da Administração Científica. 8 O engenheiro americano Henry Ford, fundou a Ford Motor Co; em 1903 e adotou três princípios básicos de gestão que ficaram conhecidos como modelo Fordista: 1) Principio da intensificação: diminuir o tempo da produção, comercialização e emprego imediato dos equipamentos e da matéria-prima. 2) Principio da economicidade: aumento da velocidade de produção, como objetivo de reduzir ao mínimo o volume do estoque da matéria-prima, criando um ciclo produção/comercialização menor que o prazo de pagamento da matéria-prima e dos salários, o que permite financiar as atividades da empresa (capital de giro) com recursos de terceiros a custo zero ou reduzido. 3) Principio da produtividade, aumento da produtividade do trabalho, por meio da especialização e da linha de montagem. 16 Desta forma, cada trabalhador produz certa quantidade de um tipo de bem com o seu trabalho. O que permite que cada um possa trocar o seu excedente por outras mercadorias produzidas por outros trabalhadores e que ele necessita, mas não produz. Através das trocas, todos podem satisfazer suas necessidades, o que leva a difusão de uma abundância geral de bens para todas as camadas da sociedade, resultante do aumento da produtividade decorrente. Isto não aconteceria sem a propensão à troca, pois cada pessoa teria que se dedicar a produzir tudo que lhe seria necessário ou conveniente. ii) O produto gerado pelo trabalho humano também é influenciado pela proporção do emprego de trabalhadores produtivos em relação aos trabalhadores improdutivos: Para Adam Smith, trabalho produtivo é todo esforço ou trabalho humano que resulta na criação de bens materiais, exemplo, cadeira, mesa, etc. Todos os demais trabalhadores que não produzem bens materiais são considerados improdutivos. Neste sentido, todos os serviços dos médicos, advogados, economistas, sacerdotes, professores, pesquisadores, intelectuais, etc são classificados como trabalho improdutivo. Contudo, trabalho improdutivo não tem a conotação de trabalho inútil, desnecessário ou negativo, este é essencial no processo de criação da riqueza. Representa apenas um instrumental analítico que permite entender a realidade e para mostrar como a riqueza é gerada. Embora represente uma evolução em relação ao conceito do pensamento Fisiocrata, este conceito continua insuficiente para entender o processo no contexto atual, tendo em vista que, por exemplo, médicos, nutricionistas com ações preventivas podem ampliar a produtividade e, portanto, inclusive ampliar a geração de riquezas materiais. De outro lado, pesquisas que aprimorem o processo produtivo através de novos procedimentos ou novas tecnologias, por exemplo, novas máquinas, podem ter o mesmo efeito sobre a criação de riquezas, sejam materiais ou não. Segundo Smith, existe um limite de divisão de tarefas nas pequenas indústrias e, portanto, na ampliação da produtividade do trabalho. O mesmo não se verifica nas grandes indústrias que são viabilizadas pela existência de grandes mercados, em que o trabalho pode ser dividido em um grande número de tarefas menores, o que resulta em maiores ganhos de produtividade. O fato de Smith visualizá-la numa pequena indústria se justifica pelo que segue: Embora, portanto, nessas manufaturas maiores, o trabalho possa ser dividido em um número de partes muito maior do que nas manufaturas menores, a divisão do trabalho não é tão óbvia, de imediato, e por isso tem sido menos observada. (SMITH, 1996, v. 1, p. 65). 3 – A divisão do trabalho limitada pela extensão do mercado Quanto maior o mercado, maior a divisão do trabalho. Para um mercado muito restrito, a divisão do trabalho tende a ser pouco desenvolvida, isto é, o produtor 17 tende a dedicar-se a mais de uma tarefa, caso contrário não conseguiria permutar toda a produção. Como é o poder de troca que leva à divisão do trabalho, assim a extensão dessa divisão deve sempre ser limitada pela extensão (...) do mercado. (...) Nas casas isoladas e nas minúsculas aldeias espalhadas pelas regiões montanhosas da Escócia, cada camponês deve ao mesmo tempo ser açougueiro, padeiro e fabricante de cerveja de sua própria família (SMITH, 1996, v. 1, p. 77). Fazendo uma comparação ao transporte terrestre, Smith mostra que o desenvolvimento do transporte fluvial amplia as possibilidades da divisão do trabalho, pois ampliam significativamente o mercado no qual os produtos podem ser vendidos. Este tipo de transporte, mais seguro, rápido e barato, explica porque o desenvolvimento da divisão do trabalho se deu primeiro na costa marítima e ao longo dos rios navegáveis e somente depois se entendem ao interior dos países. Smith afirma que sem o transporte fluvial o comércio entre regiões distantes da terra seria pequena ou quase nula e recorre ao seguinte exemplo para ilustrar esta ideia. Uma carroça de rodas largas, servida por dois homens e puxada por oito cavalos, leva aproximadamente seis semanas para transportar de Londres a Edimburgo — ida e volta — mais ou menos 4 toneladas de mercadoria. Mais ou menos no mesmo tempo um barco ou navio tripulado por seis ou oito homens, e navegando entre os portos de Londres e Leith, muitas vezes transporta — ida e volta — 200 toneladas de mercadoria. Portanto, seis ou oito homens, por transporte aquático, podem levar e trazer, no mesmo tempo, a mesma quantidade de mercadoria entre Londres e Edimburgo que cinquenta carroças de rodas largas, servidas por 100 homens e puxadas por 400 cavalos. Para 200 toneladas de mercadorias, portanto, transportadas por terra de Londres para Edimburgo, é necessário pagar a manutenção de 100 homens durante três semanas, e o desgaste e a mobilização de 400 cavalos, mais o de 50 carroças de rodas largas. Ao contrário, essa mesma quantidade de mercadorias, se transportada por hidrovia, será onerada apenas pela manutenção de 6 ou 8 homens, e pelo desgaste e movimentação de um navio ou barco com carga de 200 toneladas, além do valor do risco maior, ou seja, a diferença de seguro entre esses dois sistemas de transporte (SMITH, 1996, v. 1, p. 78). Portanto, a extensão dos mercados, isto é as vantagens decorrentes do transporte fluvial, que permitem a ampliação da divisão do trabalho, explicam os primeiros desenvolvimentos das artes, da manufatura e a densidade demográfica das regiões próximas da costa marítima e ao longo dos rios navegáveis e o pouco desenvolvimento em outras regiões ou no interior dos países. Para ilustrar esta ideia recorre às primeiras civilizações e as colônias norte americanas. Em nossas colônias norte-americanas, as plantações sempre acompanharam a costa marítima ou as margens dos rios navegáveis, e dificilmente se distanciaram muito dessas vias de transporte. Segundo a História bem documentada, as primeiras nações a serem 18 civilizadas foram obviamente as localizadas ao redor da costa do Mediterrâneo (SMITH, 1996, v. 1, p. 79). Em síntese, segundo Smith, a divisão do trabalho resulta da tendência nata do ser humano para a troca e seu limite está na extensão dos mercados. Portanto, a tendência natural às trocas do ser humano induz a divisão do trabalho, pois ela permite a ampliação da produtividade, que encontra seus limites na extensão dos mercados. Sendo assim, é preciso ampliar os mercados para alavancar o aprimoramento das forças produtivas do trabalho e a riqueza produzida decorrente. A divisão de trabalho geralmente atinge níveis maiores nos países desenvolvidos do que em países subdesenvolvidos, que geralmente limitam suas atividades econômicas a indústrias pouco desenvolvidas e a agricultura. “A natureza da agricultura não comporta tantas subdivisões do trabalho, nem uma diferenciação tão grande de uma atividade para outra, quanto ocorre nas manufaturas” (SMITH, 1996, v. 1, p. 67). Razão pela qual o aprimoramento das forças produtivas na agricultura não acompanhao da manufatura. Na agricultura, o trabalho de um país rico nem sempre é muito mais produtivo do que o dos países pobres, ou, pelo menos, nunca é mais produtivo na mesma proporção em que o é, geralmente, nas manufaturas. (...) Todavia, embora um país pobre, não obstante a inferioridade no cultivo das terras, possa, até certo ponto, rivalizar com os países ricos quanto aos baixos preços e à qualidade do trigo, jamais poderá enfrentar a competição no tocante às suas manufaturas (SMITH, 1996, v. 1, p. 67). 19 CAPÍTULO II A Troca de Mercadorias, Valor e Valor de Troca dos Bens 1 – A Origem e o Uso do Dinheiro Com a implementação plena da divisão do trabalho, apenas uma parte reduzida das necessidades de cada um passa a ser atendida pelo seu próprio trabalho. A grande maioria das necessidades das pessoas passa a ser atendida pelo trabalho de outras pessoas, que é adquirida pela troca dos bens e serviços por ele produzidos que excede as suas necessidades (excedente de produção) pelos produzidos em excesso por outras pessoas. Assim se estabelece a “sociedade comercial” em que todo homem subsiste por meio da troca. Contudo, no início, estas trocas devem ter encontrado alguns empecilhos. Mesmo que ambas tivessem algum excedente, a troca não seria possível caso uma das duas não possuísse o que a outra necessitava. Smith cita o exemplo do açougueiro, do cervejeiro e padeiro que tem produtos excedentes, onde o cervejeiro e o padeiro necessitam da carne, mas o açougueiro já possui pão e cerveja. Neste caso não poderia haver troca entre eles, pois não faria sentido ao açougueiro trocar algo por outra que já possui. Esta é uma limitação do comércio praticado pela troca de mercadoria por mercadoria, denominada de escambo. Para evitar tais inconvenientes, todo pessoa prudente deveria ter certa quantidade de alguma mercadoria que dificilmente seria recusada em troca do seu excedente. Muitas mercadorias passaram a exercer este papel, isto é, a função de equivalente geral ou primeiras moedas de troca. Na época das sociedades primitivas o gado assumiu este papel. O sal, bambu, batalhão seco, fumo, o açúcar, peles e couros preparados e pregos também foram utilizados como equivalente geral em alguma época e local. Contudo, embora os equivalentes gerais ou moedas mencionadas acima tenham resolvido alguns problemas, estas ainda não apresentavam as características necessárias de uma moeda como a conhecemos hoje em dia. Estas características são a divisibilidade a durabilidade e fácil transporte. Nenhuma delas apresenta todas estas características: O gado, de fácil transporte, tem dificuldade para ser dividido, sendo assim a troca de sal por gado exigiria a aquisição de uma quantidade de sal muito acima da necessária. O próprio sal também apresenta suas limitações, tendo em vista que, apesar de ser facilmente divisível, apresenta dificuldade no transporte e na durabilidade. Considerando as condições de armazenagem da época, não seria exagero supor que seria muito provável que se chegasse sem moeda no destino, especialmente se chovesse no caminho. Embora não de forma plena, estas moedas cumpriram com o seu papel enquanto as trocas eram realizadas a curtas distâncias, denominadas de comércio local ou regional. Contudo, com o surgimento do comércio de longas 20 distancias não seria possível caso não se encontrasse uma moeda aceitas em todas as regiões. Por exemplo, o comércio com a China não seria possível propondo-se o bambu como moeda de troca. Sendo assim: (...) ao que parece, em todos os países as pessoas acabaram sendo levadas por motivos irresistíveis a atribuir essa função de instrumento de troca preferivelmente aos metais, acima de qualquer outra mercadoria. Os metais apresentam a vantagem de poderem ser conservados, sem perder valor, com a mesma facilidade que qualquer outra mercadoria, por ser difícil encontrar outra que seja menos perecível; não somente isso, mas podem ser divididos, sem perda alguma, em qualquer número de partes, já que eventuais fragmentos perdidos podem ser novamente recuperados pela fusão — uma característica que nenhuma outra mercadoria de durabilidade igual possui, e que, mais do que qualquer outra, torna os metais aptos como instrumentos para o comércio e a circulação (SMITH, 1996, v. 1, p. 82). Os metais preciosos, especialmente o ouro e prata, inicialmente eram utilizadas em barras brutas, sem gravação e sem cunhagem. Smith afirma que o uso dos metais neste estado apresentava dois inconvenientes: o da pesagem e o da verificação da autenticidade ou qualidade. Uma pequena diferença na quantidade do metal precioso representava uma grande diferença em termos de valor, o que gerava insegurança nas trocas e exigia peso e balança muito exata para evitar fraudes. Diante da impossibilidade de garantir que a barra de metal contivesse a quantidade de metal precioso que deveria conter e do aumento das fraudes praticadas, especialmente com a raspagem de metal e com a substituição por metais menos nobres considerou-se necessário que cada país fizesse uma gravação oficial, momento em que surgem as cunhagens e as casas da moeda, que passaram a garantir a quantidade e qualidade uniforme dos meios de troca, evitavam tais abusos, facilitando as trocas e estimulando todo tipo de indústria e comércio. As primeiras cunhagens não resolveram o problema na sua totalidade, pois a cunhagem era parcial, geralmente em um dos lados, o que garantia apenas sua qualidade ou o quilate da moeda, mas não peso do metal. Os fraudadores logo perceberam que a raspagem da moeda no lado não cunhado seria de difícil percepção. Como a cunhagem de apenas um dos lados não cobria toda a superfície do metal, não se tinha nenhuma garantia de que a moeda continha a quantidade de metal precioso que deveria conter. Este fato logo levou as instituições responsáveis pela sua emissão a cunhar os dois lados da moeda e suas extremidades, visando garantir não somente o quilate, mas também o peso do metal contido nela. Contudo, com o tempo a ganância e a injustiça dos príncipes e Estados soberanos foram diminuindo gradualmente a quantidade real de metal precioso que a moeda continha originalmente. Aparentemente, mediante essas operações, os príncipes e os Estados soberanos foram capazes de pagar suas dívidas e cumprir seus compromissos, com uma quantidade de prata menor do que teria sido necessária em caso de não se alterarem os valores das 21 moedas; digo apenas aparentemente, pois seus credores foram realmente fraudados de uma parte do que lhes era realmente devido. (SMITH, 1996, v. 1, p. 85). Ao encerra seu capitulo sobre a origem e o uso do dinheiro, Smith introduz outra questão central do seu trabalho. Quais são as normas que as pessoas observam ao trocar suas mercadorias por dinheiro ou por outra mercadoria? Esta regra denominou de valor relativo ou valor de troca de bens. 2 – Definição dos Preços das Mercadorias: o Preço Natural (Valor) e o Preço de Mercado das Mercadorias A questão central que Smith procura esclarecer neste item é quais são as normas que as pessoas observam ao trocar suas mercadorias por dinheiro ou por outras mercadorias, que ele denomina de valor relativo ou valor de troca dos bens. Qual é a regra que determina o quanto de um produto se deve trocar por outro? O autor deixa um alerta de que o assunto é abstrato e complexo: Portanto pretende: 1) Esclarecer qual é o critério ou medida real do valor de troca, ou seja, em que consiste o preço real de todas as mercadorias; 2) Detalhar as diferentes partes ou componentes que constituem o preço real (valor de troca); 3) Identificar as causas que ás vezes impedem o preço de mercado, isto é o preço efetivo das mercadorias, de coincidir exatamente com o que denomina de preço natural? Para Smith, a palavra valor tem dois significados: o primeiro designa a utilidade do objeto ou seuvalor de uso e o segundo define o poder que este objeto tem para comprar outras mercadorias ou o seu valor de troca. A riqueza do homem está associada com sua capacidade em desfrutar das coisas necessárias ou convenientes que lhe proporcionam os prazeres da vida. Contudo, com a divisão do trabalho, a maior parte das necessidades das pessoas passa a ser atendida pelo resultado do trabalho dos outros. Sendo assim: O homem será então rico ou pobre, conforme a quantidade de serviço alheio que está em condições de encomendar ou comprar. Portanto, o valor de qualquer mercadoria, para a pessoa que a possui, mas não tenciona usá-la ou consumi-la ela própria, senão trocá-la por outros bens, é igual à quantidade de trabalho que essa mercadoria lhe dá condições de comprar ou comandar (SMITH, 1996, v. 1, p. 87). Portanto, o custo (preço real) das mercadorias para quem as adquire é o trabalho e o incômodo que a pessoa pode poupar a si mesmo e impor a outros. O que é comprado com dinheiro ou com bens é adquirido pelo trabalho, tanto quanto aquilo que adquirimos (produzimos) 9 com o nosso próprio trabalho. Aquele dinheiro ou aqueles bens (que 9 Os textos entre parêntese foram incluídos pelo autor. 22 podemos comprar) na realidade nos poupam este trabalho. Eles contêm o valor de certa quantidade de trabalho que permutamos por aquilo que, na ocasião, supomos conter o valor de uma quantidade igual (de trabalho). O trabalho foi o primeiro preço, o dinheiro de compra original que foi pago por todas as coisas (SMITH, 1996, v. 1, p. 87). Portanto, o trabalho é a essência do valor e da riqueza. Não foi por ouro ou por prata, mas pelo trabalho, que foi originalmente comprada toda a riqueza do mundo; e o valor dessa riqueza, para aqueles que a possuem, e desejam trocá-la por novos produtos, é exatamente igual à quantidade de trabalho que essa riqueza lhes dá condições de comprar ou comandar (poder de compra) 10 . (...) Consequentemente, o trabalho é a medida real do valor de troca de todas as mercadorias 11 . (SMITH, 1996, v. 1, p. 87-88). “O trabalho é o preço real das mercadorias; o dinheiro é apenas o preço nominal delas” (SMITH, 1996, v. 1, p. 90), pois este (o trabalho) é a única medida invariável de valor. Contudo, embora o trabalho seja a melhor forma ou medida do valor de troca, isto é, a melhor norma que as pessoas podem usar para efetuar a troca de suas mercadorias por dinheiro ou por outras mercadorias (denomina de valor relativo ou valor de troca dos bens): 1) “Deve-se levar em conta também os graus diferentes de dificuldade e de engenho empregados nos respectivos trabalhos” (SMITH, 1996, v. 1, p. 88). Muitas vezes é difícil determinar com certeza a proporção entre duas quantidades diferentes de trabalho. Não será sempre só o tempo gasto em dois tipos diferentes de trabalho que determinará essa proporção. (...) Pode haver mais trabalho em uma tarefa dura de uma hora do que em duas horas de trabalho fácil; como pode haver mais trabalho em uma hora de aplicação a uma ocupação que custa dez anos de trabalho para aprender, do que em um trabalho de um mês em uma ocupação comum e de fácil aprendizado. (...) Não é fácil encontrar um critério exato para medir a dificuldade ou o engenho exigidos por determinado trabalho (SMITH, 1996, v. 1, p. 88). 2) Na prática não é o trabalho a medida de valor de troca de todas as mercadorias. Na vida real é difícil fazer a distinção das especificidades do trabalho necessário para produzir as mercadorias, sendo assim costuma-se considerar uma margem para os dois fatores (dificuldade do trabalho e engenho exigido), que é ajustada pela pechincha (processo de negociação), que embora não seja exata, é suficiente para proporcionar as trocas de forma satisfatória. No dia a dia é mais comum estimar o valor de troca de uma mercadoria pela quantidade de outra mercadoria ou por dinheiro - quando este se torna comum -, do que por trabalho. Entretanto, o ouro e a prata (o dinheiro da época), como qualquer outra mercadoria, também variam de valor e dependem da escassez ou abundância das minas. Por exemplo, quando é necessário menos trabalho para extrair 10 O texto entre parêntese foi incluído pelo autor. 11 Grifo do autor. 23 estes metais das minas e coloca-los no mercado, seu valor diminui e, em função disso, menor é a quantidade de trabalho que será possível comprar ou comandar com a moeda corrente (ouro e prata). Portanto, as mercadorias, todas elas, inclusive o ouro e a prata, mudam constantemente de valor e não podem ser consideradas como medida exata ou invariável de valor e, consequentemente, não se pode atribuir a elas a função de medida real de valor de troca. Sempre e em toda parte valeu este princípio: é caro o que é difícil de se conseguir, ou aquilo que custa muito trabalho para adquirir, e é barato aquilo que pode ser conseguido facilmente ou com muito pouco trabalho. Por conseguinte, somente o trabalho, pelo fato de nunca variar em seu valor, constitui o padrão último e real com base no qual se pode sempre e em toda parte estimar e comparar o valor de todas as mercadorias. O trabalho é o preço real das mercadorias; o dinheiro é apenas o preço nominal delas 12 (SMITH, 1996, v. 1, p. 89-90). Pelo senso comum, na prática o valor do trabalho parece variar da mesma forma que mudam os preços das demais mercadorias e este pode ser caro ou barato. Na verdade não é o valor do trabalho que oscila, mas o dos demais bens. Em tal acepção popular, portanto, pode-se dizer que o trabalho, da mesma forma que as mercadorias, têm um preço real e um preço nominal. Pode-se dizer que seu preço real consiste na quantidade de bens necessários e convenientes que se permuta em troca dele; e que seu preço nominal consiste na quantidade de dinheiro. O trabalhador é rico ou pobre, é bem ou mal remunerado, em proporção ao preço real 13 do seu trabalho, e não em proporção ao respectivo preço nominal (SMITH, 1996, v. 1, p. 90). O preço real e o preço nominal são importantes quando consideramos o tempo. O mesmo preço real representa sempre o mesmo valor e se refere ao poder de compra. O valor nominal (preço em dinheiro) por sua vez oscila de valor em função das variações no valor do ouro e da prata (ou da moeda corrente), isto é em função da escassez e da abundancia das minas e do trabalho necessário para obtê-lo. As rendas estipuladas em ouro e prata (ou moeda corrente) tendem a diminuir de valor com o tempo. A utilização do trigo com referencia para definição destas rendas tem se desvalorizado muito menos que as rendas definidas em dinheiro. Isto é, Smith observa que o valor do ouro e da prata (ou da moeda) apresenta pequenas oscilações no curto prazo e oscila muito no longo prazo, enquanto que, em função das safras e entre safras, valor do trigo oscila bastante no curto prazo e pouco no longo prazo. Desta forma, a definição de rendas em períodos longos como base no valor do trigo tende a ser mais recomendável do que pelo ouro e prata (ou moeda corrente). 12 Grifo do autor. 13 Poder de compra ou a quantidade de bens que se pode comprar. 24 Quantidades iguais de trabalho são compradas com maior precisão, em um futuro distante, com quantidades iguais de trigo — a subsistência do trabalhador — do que com quantidades iguais de ouro ou de prata, ou talvez com quantidades iguais de qualquer outra mercadoria. (...) Fica, pois, evidente que o trabalho é a única medida universal e a única medida precisa de valor, ou seja, o único padrão através do qual podemos comparar os valores de mercadorias diferentes, em todos os tempos e em todos os lugares 14 (SMITH, 1996, v. 1, p. 91-93). Portanto, para Smith, o trabalho é a única medida real ou medida universale invariável de valor de troca das mercadorias. Contudo, como é difícil estabelecer as especificidades dos diferentes tipos de trabalho, especialmente os diferentes graus de dificuldade e de engenho empregados nos respectivos trabalhos, na prática ou no dia a dia se troca trabalho por dinheiro e a lei da oferta e demanda ajusta os preços relativos com precisão suficiente para permitir as trocas entre as pessoas. 3 – Fatores que Compõem o Preço das Mercadorias Neste capítulo Adam Smith procura responder quais são os componentes do valor de troca, isto é, detalhar as diferentes partes ou componentes que constituem o preço real, ou do valor de troca. Na sociedade primitiva, que precede a propriedade privada dos meios de produção, única regra geral para a troca de bens parece ter sido o trabalho necessário para adquirir/produzir estes bens. Por exemplo, se em uma nação de caçadores abater um castor custa duas vezes mais trabalho do que abater um cervo, um castor deve ser trocado por — ou então, vale — dois cervos. É natural que aquilo que normalmente é o produto do trabalho de dois dias ou de duas horas valha o dobro daquilo que é produto do trabalho de um dia ou uma hora (SMITH, 1996, v. 1, p. 101). Contudo, existem diferentes tipos de trabalho e trabalhos mais duros, os que exigem maior grau de destreza e engenho devem valer mais, o que dará a estes bens um valor maior do que a soma do tempo necessário para produzi-lo. Em sociedades desenvolvidas, essa compensação pela maior dureza de trabalho ou pela maior habilidade costuma ser feita através dos salários pagos pelo trabalho: algo semelhante deve ter havido provavelmente nos estágios mais primitivos da civilização (SMITH, 1996, v. 1, p. 101). Neste contexto (na sociedade primitiva), o produto integral do trabalho pertencia ao trabalhador e a quantidade de trabalho necessária ou empregada para produzir um determinado bem equivale à quantidade de trabalho que ela deve comandar, comprar ou adquirir. Com a propriedade privada dos meios de produção, estas passaram a empregar seu capital contratando mão de obra (antecipando salários), 14 Grifo do autor. 25 fornecendo matérias primas, a fim de auferir lucro com o trabalho adicionado a referida matéria prima ao trocá-las no mercado. Este lucro representa a remuneração pelos riscos que o proprietário dos meios de produção corre ao empreender este negócio. Nesse caso, o valor que os trabalhadores acrescentam aos materiais desdobra-se, pois, em duas partes ou componentes, sendo que a primeira paga os salários dos trabalhadores, e a outra, os lucros do empresário, por todo o capital e os salários que ele adianta no negócio. Com efeito, o empresário não poderia ter interesse algum em empenhar esses bens, se não esperasse da venda do trabalho de seus operários algo mais do que seria o suficiente para restituir-lhe o estoque, patrimônio ou capital investido (SMITH, 1996, v. 1, p. 102). É preciso destacar que não se deve confundir lucros e salários ou supor que ambos são salários. O lucro é regulado por princípios totalmente distintos dos do salário. Diferentemente do salário, que é definido em função da dureza e do engenho necessário, o lucro é regulado pelo montante de capital empregado, sendo este maior ou menor – em termos absolutos - em proporção ao montante de capital empregado. Para ilustrar Smith cita um exemplo de alguém que emprega 1.000 libras e outro que emprega 7.300 libras. A uma taxa de 10% os lucros seriam respectivamente 100 e 730 libras. Nesta estrutura de produção o produto do trabalhador já não pertence mais exclusivamente ao trabalhador, pois uma parte do trabalho adicionado se destina para cobrir o risco que o dono do capital corre por antecipar seu capital, que Smith denomina de lucro do capital. Da mesma forma já não é mais possível dizer que a quantidade de trabalho necessária ou empregada seja a única norma geral que determina a quantidade de trabalho que ela pode comprar, comandar ou pela qual pode ser trocada. Pois, com o surgimento do lucro, esta regra já não se aplica mais ao trabalhador, que, como vimos, já não recebe por todo trabalho que ele adiciona ao produto. Da mesma forma, quando todas as terras se tornaram propriedade privada, seus proprietários passaram a exigir uma renda por tudo que nela continha e era capaz de produzir. O que podia ser simplesmente coletado e dependia apenas de dispêndio em trabalho, agora incorpora um pagamento pela permissão de apanhar estes bens, que Smith define como Renda da Terra, constituindo assim, junto com o salário que remunera do trabalho, o lucro que remunera o capital antecipado, outro componente do preço, a Renda da Terra. Em última análise o preço das mercadorias é composto por estes três fatores: a Renda da Terra, o Salário e o lucro. No preço do trigo, por exemplo, uma parte paga a renda devida ao dono da terra, outra paga os salários ou manutenção dos trabalhadores e do gado empregado na produção do trigo, e a terceira paga o lucro do responsável pela exploração da terra. Essas três partes perfazem, diretamente ou em última análise, o preço total do trigo. (SMITH, 1996, v. 1, p. 102-3). O preço de qualquer mercadoria incorpora a Renda da Terra, os salários e os lucros, isto é, o trabalho necessário para produção de todos os bens anteriores (matérias primais) para produção do produto final. Além disso, com o aumento 26 do grau de industrialização, a parte representada pelos lucros e salários tende a se tonar maior em comparação com a Renda da Terra. Da mesma forma que o lucro incorporado tende a ser maior - em termos absolutos - a cada estágio de industrialização, tendo em vista que o lucro final é constituído pela soma do lucro de todas as etapas de produção. É necessário destacar também que na composição do preço das mercadorias, o que resta depois de descontado a Renda da Terra e o preço pago a todo trabalho empregado para produzir a matéria prima e de fabricar a mercadoria em questão (bem final) é o lucro que remunera o capital. Portanto, o lucro é resíduo, ou seja, o que sobra é lucro. Da mesma forma toda a riqueza gerada por um país também é constituída por estes três componentes e é distribuída entre seus habitantes na forma de salário como remuneração do trabalho, lucro que remunera o capital investido e renda da terra. Qualquer outra renda em última análise provém de uma destas três formas de renda. Assim, toda renda auferida por alguém, em última análise provém do seu trabalho ou do seu patrimônio: 1) a renda auferida pelo trabalho Smith denomina de salário; 2) a renda auferida pelo seu patrimônio ou capital se define lucro quando o próprio dono do capital a investe e juros quando o dono o empresta para outro administrá-lo. Portanto, o juro é a renda que provém do capital que o tomador paga em função do lucro que pode obter ao administrar o capital (dinheiro) de outra pessoa. A renda auferida pelo aluguel da terra (patrimônio) é denominada de renda da terra, que pertence ao dono da terra. Todas as taxas, impostos; e toda a renda ou receita fundada neles, todos os salários, pensões e anuidades de qualquer espécie, em última análise provêm de uma ou outra dessas três fontes originais de renda, sendo pagos, direta ou indiretamente, pelos salários do trabalho, pelos lucros do capital ou pela renda da terra (SMITH, 1996, v. 1, p. 106). Na prática, estas três formas de renda nem sempre são claramente percebidas. Por exemplo, numa pequena propriedade de terra em que o próprio dono explora suas terras sem contratação de outros trabalhadores, é comum que haja a confusão de que a riqueza gerada seja classificada como lucro somente. Contudo, a riqueza gerada neste empreendimento contém as mesmas três formas básicas de renda: o salário resultante do trabalho empregado, a renda da terra destinada à remuneraçãoda terra (patrimônio) e o lucro destinado à remuneração do capital investido. Neste caso, o que ocorre na verdade é que todas estas formas da renda são destinadas a uma única pessoa que cumpre as três funções. 4 – O Preço Natural (o valor) e o Preço de Mercado das Mercadorias Em seguida Smith se propõe a identificar as causas que ás vezes impedem o preço de mercado, isto é o preço efetivo das mercadorias, de coincidir exatamente com o que denomina de preço natural ou valor. 27 Em cada sociedade existe uma taxa comum ou média para os salários, renda da terra e para o lucro do emprego do capital, que é regulada naturalmente por mecanismos de mercado e diferem em função das circunstâncias gerais da sociedade, seu nível de riqueza, seu progresso, estagnação ou declínio. Estas são as taxas naturais dos salários, da renda da terra e do lucro. Quando o preço de uma mercadoria não é menor nem maior do que o suficiente para pagar ao mesmo tempo a renda da terra, os salários do trabalho e os lucros do patrimônio ou capital empregado em obter, preparar e levar a mercadoria ao mercado, de acordo com suas taxas naturais, a mercadoria é nesse caso vendida pelo que se pode chamar seu preço natural 15 (SMITH, 1996, v. 1, p. 109). Quando uma mercadoria é vendida pelo seu preço natural (soma das taxas naturais de salários, renda da terra e lucro), ela é vendida exatamente pelo que ela vale ou que ela realmente custa ao produtor para produzi-la e colocá-la no mercado. Contudo, quando a referida mercadoria não for vendida por aquele que a produz, por exemplo, um comerciante ou outro tipo de intermediário é necessário incluir os custos de transporte ou outras formas de trabalho empregadas para coloca-la no mercado, isto é, incluir a taxa de lucro mínima que remunere os adiantamentos de capital feitos pelo comerciante e o incentive a colocá-la no mercado. O preço efetivo ao qual uma mercadoria é vendida denomina-se seu preço de mercado 16 . Esse pode estar acima ou abaixo do preço natural, podendo também coincidir exatamente com ele. (SMITH, 1996, v. 1, p. 110). O preço de mercado é determinado pela quantidade da mercadoria que é efetivamente colocado no mercado (oferta) e pela demanda por aqueles que estão dispostos (pretendentes efetivos e não potenciais) a pagar o preço natural da mercadoria (demanda efetiva)17. O preço de mercado pode estar acima ou abaixo do preço natural. Quando a oferta for menor que a demanda efetiva, em função da escassez os interessados em adquirir a mercadorias estarão dispostos a pagar um preço superior ao preço natural. Neste caso, o preço de mercado subirá acima do preço natural na proporção em que a escassez determinar a concorrência entre os compradores efetivos. Por outro lado, quando a oferta é maior do que a demanda efetiva, nem todas as mercadorias poderão ser vendidas e o seu preço tende a cair abaixo do preço natural. Neste caso, o nível de queda do preço de mercado abaixo do preço natural será na proporção em que o excedente determinar a concorrência entre os vendedores. 15 Grifo do autor. 16 Grifo do autor. 17 Aqui Smith apresenta de forma clara os elementos necessários para a futura distinção entre demanda absoluta e demanda efetiva, que posteriormente se torna um conceito importante na obra de Keynes. 28 Por sua vez, quando a oferta coincidir exatamente com a demanda efetiva, o preço de mercado tende a ser igual ao preço natural, toda mercadoria poderá ser vendida pelo preço natural e nada além deste. A concorrência entre os vendedores obrigará todos a aceitar o preço natural ou menos. (...) o preço natural (o valor) 18 é como que o preço central ao redor do qual continuamente estão gravitando os preços de todas as mercadorias. Contingências diversas podem, às vezes, mantê-los bastante acima dele, e noutras vezes, forçá-los para baixo desse nível. Mas, quaisquer que possam ser os obstáculos que os impeçam de fixar-se nesse centro de repouso e continuidade, constantemente tenderão para ele (SMITH, 1996, v. 1, p. 111-112). Portanto, o preço natural é a referencia em torno do qual oscila e tende o preço de mercado. Quando a oferta excede a demanda efetiva, o preço de mercado cairá baixo do preço natural e algum (ou todos) dos componentes do preço natural (salário, renda da terra e lucro) estará sendo remunerado abaixo da sua taxa natural. Se, por exemplo, for a renda da terra, os proprietários da terra deixarão de investir (esforços e/ou capital) na produção desta mercadoria, o mesmo ocorre caso seja o salário ou o lucro. Esta decisão ocasionará uma diminuição da oferta desta mercadoria e o preço de mercado tenderá a aumentar e retonar ao patamar do preço natural. Portanto, quando o retorno na forma de salário, renda da terra e/ou lucro está abaixo do necessário para estimular a produção de uma determinada mercadoria, a produção desta mercadoria se torna menos atrativa, os esforços destinados para sua produção são reduzidos e, consequentemente, também a sua oferta, retomando o equilíbrio entre o preço de mercado e preço natural. Por outro lado, quando a oferta é inferior a demanda efetiva, o preço de mercado aumentará acima do preço natural e algum (ou todos) dos componentes do preço natural estará sendo remunerado acima da sua taxa natural. Se, por exemplo, for a renda da terra, os proprietários da terra estarão estimulados a investir mais (esforços e/ou capital) na produção desta mercadoria. O mesmo ocorre caso seja o salário ou o lucro. Esta decisão ocasionará um aumento da oferta desta mercadoria, o preço de mercado tenderá a cair e retornar ao patamar do preço natural. Portanto, quando o retorno na forma de salário, renda da terra e lucro está acima do mínimo necessário para estimular a produção de uma determinada mercadoria, a produção desta mercadoria se torna mais atrativa, os esforços (trabalho e/ou capital) destinados para sua produção aumentam e, consequentemente, também a sua oferta, retomando o equilíbrio entre o preço de mercado e preço natural. Este mecanismo se sustenta em três argumentos: as taxas naturais de remuneração dos esforços de produção (taxa natural de salário, renda da terra e lucro) são a referencia para a tomada de decisão dos agentes econômicos ao empreender seus esforços (trabalho e/ou capital), a livre concorrência e a livre mobilidade dos fatores de produção. 18 O texto entre parêntese foi incluído pelo autor. 29 Desta maneira todos os recursos empregados para colocar uma mercadoria no mercado se ajustam a demanda efetiva. A quantidade de cada mercadoria colocada no mercado ajusta-se naturalmente à demanda efetiva. 19 É interesse de todos os que empregam sua terra, seu trabalho ou seu capital para colocar uma mercadoria no mercado, que essa quantidade não supere jamais a demanda efetiva; e todas as outras pessoas têm interesse em que jamais a quantidade seja inferior a essa demanda (SMITH, 1996, v. 1, p. 111). Contudo, mesmo que a demanda efetiva permanecesse a mesma por longos períodos, o que não ocorre, o peço de mercado estará sujeito as grandes oscilações, ficando às vezes muito abaixo ou muito acima do preço natural. Existem mercadorias em que seu preço oscila basicamente em função da demanda, enquanto que outras oscilam em função da demanda e da oferta. Os produtos agrícolas são um exemplo de mercadorias que estão sujeitas a variações tanto da oferta quanto da demanda, em função da dificuldade de prever com exatidão a quantidade produzida. As oscilações nos preços das mercadorias afetam mais os salários e os lucros do que a renda da terra. Os arrendamentos das terras tendem a ser realizadas com valores prefixados e não se alteram em função de flutuações ocasionais e temporais nos preços das mercadorias. O mesmo não ocorrecom os lucros, que em função de uma saturação ou escassez de algum produto, podem aumentar ou diminuir, por se tratar de renda residual. Por outro lado, a saturação ou escassez de algum produto não influencia os salários, que são afetados somente quando há escassez ou abundancia de mão de obra. O preço de mercado de qualquer mercadoria específica pode, por muito tempo, continuar acima do preço natural da referida mercadoria, mas raramente pode manter-se muito tempo abaixo dele (SMITH, 1996, v. 1, p. 115). Embora não seja comum que o preço de mercado permaneça abaixo do preço natural por longos períodos, pois ou perceber que algum (ou todos) dos componentes do preço natural (salário, renda da terra e lucro) estão sendo remunerados abaixo da sua taxa natural, os esforços e/ou capital destinados para a produção desta mercadoria seriam reduzidos. Por outro lado, é possível que o preço de mercado permaneça acima do preço natural por longos períodos, em função de segredos comerciais, industriais e/ou garantias de monopólio. Esta realidade proporcionará lucros maiores do que as taxas naturais de lucro, portanto, proporcionará lucros extraordinários ao produtor detentor desta vantagem. 19 Grifo do autor. Um leitor atendo, poderia facilmente supor que Smith dá indícios claros de que aceita o princípio da demanda efetiva posteriormente desenvolvida de forma detalhada e consistente por Keynes e que, contrariamente ao que os manuais afirmam, não aceita a Lei de Say, e, portanto, não teria fornecido os argumentos para o desenvolvimento da lei de Say. 30 31 CAPÍTULO III Os Determinantes das Três Formas Básicas de Renda: o Salário, o Lucro e a Renda da Terra 1 – O Salário do trabalho Nesta e nas próximas três seções Smith mostra como as três rendas básicas (salário, lucro e renda da terra) são definidas e variam: A produção anual total da terra e do trabalho de cada país — ou, o que é a mesma coisa, o preço total dessa produção anual — naturalmente se divide, como já foi observado, em três partes: a renda da terra, os salários da mão-de-obra e o lucro do capital, constituindo uma renda para três categorias de pessoas: para aquelas que vivem da renda da terra, para aquelas que vivem de salário, e para aquelas que vivem do lucro. Essas são as três grandes categorias originais e constituintes de toda sociedade evoluída, de cuja receita deriva, em última análise, a renda de todas as demais categorias (SMITH, 1996, v. 1, p. 271 e 272). Antes da propriedade privada dos meios de produção o trabalhador não tinha nem a propriedade dos meios de produção e nem patrão para repartir o produto do seu trabalho. Neste contexto, o produto integral do trabalho pertencia ao trabalhador e a manutenção deste processo produtivo teria aumentado o salário do trabalho na mesma proporção do aprimoramento das forças produtivas, proporcionadas pela divisão do trabalho. Além disso, na estrutura produtiva sem propriedade privada dos meios de produção, em função dos ganhos de produtividade da divisão do trabalho, as mercadorias seriam produzidas por uma quantidade menor de trabalho, se tornariam gradualmente mais baratas e seriam trocadas umas pelas outras também por uma quantidade menor de trabalho. Contudo, com a propriedade privada dos meios de produção o trabalhador perde parte do seu produto. Os donos das terras exigem uma parte de tudo o que era produzido pelo trabalhador, denominada de renda da terra. Esta renda é a primeira dedução do produto do trabalho empregado na terra. Na maioria das vezes os donos das terras geralmente não têm todos os recursos para fazer todos os investimentos necessários e se manter até a colheita. Este capital geralmente é adiantado pelo arrendatário, que o faz mediante a garantia de usufruir de uma parte superior ao capital empregado, denominado de lucro. O lucro que remunera o capital adiantado na produção agrícola representa a segunda dedução do trabalho empregado na terra. Esta dedução do lucro também ocorre nos demais ofícios e manufaturas, pois a maior parte do trabalho tem a necessidade de adiantamento de capital para aquisição dos insumos e salários do trabalho, até que o produto final esteja disponível para ser trocado no mercado. 32 Apesar de não ser muito frequente, quando um trabalhador independente tem capital suficiente para adquirir os insumos e antecipar os salários do trabalho, ele cumpre ao mesmo tempo a função de capitalista e trabalhador, desfrutando sozinho do produto integral do seu trabalho. Na pratica os salários comuns ou normais do trabalho são definidos por contrato entre o dono do capital e o trabalhador, que tem interesses diferentes. O trabalhador deseja ganhar o máximo possível pelo seu trabalho e o dono do capital pagar o mínimo possível, levando-os inclusive a se associarem entre si (como classe) para atingir seus objetivos. Esta disputa é desigual, os donos do capital por serem em menor número têm mais facilidades para se associar e levam vantagem, pois podem forçar os trabalhadores a concordar com as suas condições. Diferentemente da proibição legal imposta aos trabalhadores, aos donos do capital na pratica, pois não há lei proibindo, foi concedido amparo legal para se associarem. O capital acumulado também representa uma vantagem aos donos do capital, tendo em vista que podem subsistir por longos períodos, enquanto o trabalhador geralmente não pode fazê-lo por um período maior que uma semana sem emprego. (...) existe uma determinada taxa abaixo da qual parece impossível reduzir por longo tempo os salários normais, mesmo em se tratando do tipo de trabalho menos qualificado. O homem sempre precisa viver do seu trabalho, e seu salário deve ser suficiente, no mínimo, para a sua manutenção (SMITH, 1996, v. 1, p. 120). O mínimo para a subsistência do trabalhador deve incluir também as condições para sustentar uma família, tendo em vista que a oferta de mão de obra precisa ser reposta. “O trabalho de uma pessoa deve não somente dar-lhe o necessário para viver, mas o necessário para viver de acordo com as qualificações que a profissão dela exige” (SMITH, 1996, p. 158). Contudo, existem circunstâncias que proporcionam ao trabalhador salários maiores do que a taxa normal ou natural, que é o mais baixo aceitável. Isto ocorre, quando os fundos destinados para a manutenção do trabalho eleva a demanda por trabalhadores ao ponto de resultar em escassez de mão de obra que provoca concorrência entre os patrões pelos trabalhadores disponíveis. Não é a extensão efetiva da riqueza nacional, mas seu incremento contínuo, que provoca uma elevação dos salários do trabalho. Não é, portanto, nos países mais ricos, mas nos países mais progressistas, ou seja, naqueles que estão se tornando ricos com maior rapidez, que os salários do trabalho são os mais altos (SMITH, 1996, v. 1, p. 121). Por outro lado, existem circunstâncias que fazem com que o trabalhador receba salários próximos ou menores a taxa normal ou natural. Mesmo que o país seja muito rico, mas estagnado por um logo período, isto é, um país onde os fundos destinados para a manutenção do trabalho são baixos, a mão de obra tende a se tronar abundante e o salário baixo. “Haveria uma escassez 33 constante na oferta20 de empregos e os trabalhadores seriam obrigados a lutar entre si para consegui-los” (SMITH, 1996, v. 1, p. 123). Eis por que a remuneração generosa do trabalho é não somente o efeito necessário da riqueza nacional em expansão, mas também seu sintoma natural. Por outro lado, a manutenção deficiente dos trabalhadores pobres constitui o sintoma natural de que a situação encontra-se estacionária, ao passo que a condição de fome dos trabalhadores é sintoma de que o país está regredindo rapidamente (SMITH, 1996, v. 1, p. 124). Segundo Smith, o salário real do trabalho(poder de compra) tem aumentado no decorrer do século XVIII em função dos melhoramentos das técnicas de produção que exige menos trabalho para produzir os bens que os trabalhadores consomem - aumento da produtividade. Assim Smith sinaliza que o mínimo para subsistência (salário de subsistência) depende do grau de desenvolvimento das forças produtivas ou da civilização, o que explica as diferenças salariais no decorrer do tempo e entre nações com estágios diferentes de desenvolvimento. Sendo assim, Smith se questiona se o aumento do salário real deve ser visto como uma vantagem ou um inconveniente para a sociedade e conclui. O que faz melhorar a situação da maioria nunca pode ser considerado como um inconveniente para o todo. Nenhuma sociedade pode ser florescente e feliz, se a grande maioria de seus membros forem pobres e miseráveis (SMITH, 1996, v. 1, p. 129). Outro aspecto que Smith destaca é que a disponibilidade dos meios de subsistência é que determinam o nível de multiplicação da espécie humana21. Observa que a procriação entre as classes mais pobres é muito maior do que nas classes mais ricas, mas a mortalidade é elevada, pois não dispõem de recursos para cuidar delas como as pessoas de melhor condição social. Salários reais maiores diminui a mortalidade dos filhos dos trabalhadores, assim como salários reais menores aumenta a mortalidade. O salário real22 é o mecanismo natural que leva ao equilíbrio entre oferta e demanda por mão de obra. Uma demanda maior do que a oferta de mão de obra tende a elevar os salários reais dos trabalhadores e criar melhores condições de vida aos trabalhadores, que assim poderão cuidar melhor dos seus filhos, diminuir a mortalidade, o que resultará no aumento da oferta de mão de obra e o retorno ao equilíbrio da oferta e demanda por mão de obra no mercado de trabalho. Por outro lado, uma oferta maior do que a demanda por mão de obra tende a reduzir os salários reais dos trabalhadores e piorar as condições de vida dos trabalhadores, aumentando a mortalidade, resultando na redução da oferta de 20 Inclusão do autor, para evitar possíveis dúvidas ou equívocos de interpretação. 21 Neste capítulo (8) apresenta a essência do teor do famoso e polêmico Livro de Thomas Malthus “Ensaio sobre o princípio da população”. 22 Poder de compra. 34 mão de obra, o retorno ao equilíbrio da oferta e demanda por mão de obra no mercado de trabalho. Este mecanismo tende sempre para a quantidade de mão de obra necessária. Os salários pagos a diaristas e empregados de todo tipo devem ser tais que lhes possibilitem continuar a procriar diaristas e empregados, conforme a demanda da sociedade — crescente, decrescente ou estacionária — exigir eventualmente. (...) É dessa forma que a necessidade de mão-de-obra, como a de qualquer outra mercadoria (...) regula a produção, apressa-a quando é muito lenta, e a faz parar quando avança com excessiva rapidez. (SMITH, 1996, v. 1, p. 130). Em síntese, duas variáveis são importantes na determinação do salário real do trabalho: i) o preço dos mantimentos ou bens que os trabalhadores consomem, que aumenta ou diminui o seu salário real ou poder de compra e ii) a oferta e demanda por mão de obra, que depende dos fundos destinados a manutenção do trabalho, o que lhe permite explicar que os salários são elevados onde há incrementos contínuos nos fundos destinados à manutenção do trabalho23 ou lugares que o autor define como progressistas e vice versa. Quanto maior os fundos destinados à manutenção do trabalho, maior a demanda por mão de obre, maior será o salário real. 2 – O Lucro do Capital As causas que afetam os salários também afetam os lucros do capital, porem de forma inversa. Portanto, o aumento do capital (ou fundos destinados para a manutenção do trabalho) que eleva os salários age de forma inversa, diminuindo os lucros. Quando o capital de muitos comerciantes ricos é aplicado no mesmo negócio, naturalmente sua concorrência mútua tende a reduzir seus lucros; e quando há semelhante aumento de capital em todos os diversos ramos de negócio de uma mesma sociedade, a mesma concorrência produz necessariamente o mesmo efeito em todos eles. (SMITH, 1996, v. 1, p. 137). Da mesma forma que é difícil dizer com certeza quais são os salários médios do trabalho, é também difícil, senão impossível, afirmar com certeza quais são os lucros médios do capital, que depende de inúmeras variáveis, eventos ou circunstâncias. Contudo, os juros do dinheiro - que são conhecidos - fornecem indícios sobre os lucros. Pode-se adotar como máxima que, onde se pode ganhar muito com o uso do dinheiro, muito se pagará por esse uso; e onde pouco se pode ganhar com o uso dele, menos ainda é o que se pagará comumente por esse uso (SMITH, 1996, v. 1, p. 138). 23 Elevada demanda por mão de obra, o que ele define como países progressistas. 35 Em outras palavras, os lucros devem ser superiores aos juros do dinheiro e variar na mesma direção, tendo em vista que não se tomaria dinheiro emprestado se não fosse possível obter algum retorno deste empréstimo, isto é se os lucros não fossem maiores do que os juros. “Portanto, a evolução dos juros do dinheiro pode levar-nos a formar alguma idéia sobre a evolução do lucro do capital” (SMITH, 1996, v. 1, p. 138). Sobre os lucros sabe-se também que num país em progresso contínuo (rico ou não) existe uma inversão elevada de capital que pressiona a demanda por mão de obra, elevando os salários e reduzindo os lucros, que são residuais. Isto é, descontados todos os custos em trabalho, o que sobra é o lucro. Neste caso, o baixo lucro resulta dos salários elevados em função da competição por mão de obra e da competição elevada entre as empresas que tende a manter os preços baixos. Portanto, para Smith a redução do lucro é um efeito natural da prosperidade ou do fato de que se está aplicando um volume de capital maior do que o necessário. Por outro lado, em um país estagnado tanto os salários quanto os lucros tendem a ser baixos. Em um país que tivesse adquirido toda a riqueza compatível com a natureza de seu solo e clima e com a sua localização em relação a outros países, e que, portanto, não tivesse mais possibilidade de progredir, mas ao mesmo tempo não estivesse regredindo, aconteceria o seguinte: tanto os salários do trabalho como os lucros do capital seriam provavelmente muito baixos (SMITH, 1996, v. 1, p. 142). A exceção ocorre nas colônias, a exemplo da América do Norte, onde tanto o salário quanto o lucro e consequentemente os juros, são elevados. Isto ocorre em função da escassez tanto de mão de obra, quanto de capital. Contudo, quando há livre mobilidade dos fatores de produção, uma redução de lucro em uma atividade econômica acaba deslocando parte do capital antes investido para outras atividades que apresentam maior lucratividade. 3 – Os Salários e o Lucro nos Diversos Empregos de Mão de Obra e de Capital Desde que haja plena liberdade, a livre mobilidade dos fatores de produção tende a fazer com que as vantagens e desvantagens do emprego de capital e mão de obra se igualem entre regiões vizinhas. Para Smith o interesse de cada um levaria a procura do emprego, tanto do capital quanto da mão de obra, mais vantajoso. Em seu conjunto, as vantagens e desvantagens dos diversos empregos de mão-de-obra e de capital, em regiões vizinhas entre si, devem ser perfeitamente iguais ou continuamente devem tender à igualdade (SMITH, 1996, v. 1, p. 147). 36 Por outro lado, os diferentes empregos de mão de obra e capital apresentam salários e lucros bastante diferentes em toda a Europa. Estas desigualdades são decorrentes da natureza dos empregos de mão de obra e de capital. A diferença dos salários é explicada pelos seguintes fatores: o
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