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Geovana Sanches, TXXIV COMPLICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS GERAIS INTRODUÇÃO As complicações no período pós- operatório podem ser divididas em complicações gerais, que aparecem após vários tipos de cirurgias, e complicações específicas, que ocorrem no período pós-operatório específico de algumas operações. Além disso, elas podem decorrer da técnica e habilidade do cirurgião ou da morbidade própria do paciente (complicações decorrentes do organismo do hospedeiro). FEBRE PÓS-OPERATÓRIA Para a avaliação da febre pós-operatória, não são consideradas pequenas variações na temperatura basal. Para cirurgias de médio e grande porte, as variações de 0,5 a 1ºC são comuns como resposta metabólica ao estresse cirúrgico. Diversos fatores influenciam o aumento da temperatura, tais como: infecções, pirogênicos, desidratação, estímulo endócrino, aumento de atividade muscular e lesões do hipotálamo (centro termorregulador). É importante lembrar que nem sempre a febre é um bom parâmetro em crianças, nas quais simples lesões podem produzir altas temperaturas, ou em idosos, nos quais pode não ocorrer aumento da temperatura mesmo na presença de infecções graves. Causas de febre no pós-operatório imediato (6h) • Alterações metabólicas ou endócrinas • Hipotensão prolongada com má perfusão tecidual • Reação pirogênica transfusional • Manuseio de focos infectados do paciente. Causas de febre no pós-operatório tardio • Complicações respiratórias: tornam-se mais comuns após as 6 primeiras horas, podendo se estender até o 4º ou 5º dia após a cirurgia. • Trombloflebites: surgem no 2º ou 3º dia e se caracterizam por trajeto venoso endurecido, hiperemiado e doloroso. o Necessário realizar a remoção do cateter, fazer compressas mornas e úmidas no local o Utilizar analgésicos, antibiótico e anti-inflamatórios. • Infecção urinária: febre que surge no 3º dia • Infecção da ferida operatória: costumam ocorrer entre o 3º e 5º dia. • Presença de coleções intracavitárias ou fístulas: ocorre após uma semana da cirurgia. Hipertermia maligna A hipertermia maligna é uma condição rara que pode ocorrer pelo uso de anestésicos voláteis (halotano, enflurano, isoflurano, sevoflurano e desflurano) e succinilcolina. Ocorre acidose respiratória e metabólica, hipercalemia e elevação de creatinofosfoquinase (CPK). Os sinais incluem taquicardia, taquipneia, rigidez muscular e febre elevada. O tratamento é feito com suspensão do anestésico e/ou relaxante muscular, hiperventilação com oxigênio a 100% e dantroleno sódico EV 2,5 mg/kg injetado imediatamente e repetido até a estabilização do quadro. Mesmo com o tratamento adequado, em alguns casos a hipertermia maligna persiste e leva o paciente a óbito. COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS As complicações respiratórias são mais comuns em pacientes tabagistas com alta carga tabágica (mais de 20 cigarros/dia), com DPOC, após imobilização prolongada e nas cirúrgicas torácicas e do abdome superior. São as complicações mais comuns e representam a segunda causa de mortalidade em pacientes idosos (mais de 60 anos) no período pós- operatório. Atelectasia A atelectasia é a complicação pulmonar mais frequente no pós-operatório, com início nas primeiras 48h após a cirurgia. É caracterizada pela expansão incompleta do pulmão ou parte dele, podendo ser classificada como maciça, segmentar ou focal (lamilar ou lobular). É autolimitada, tem bom prognóstico e evolução favorável na maioria dos casos, com recuperação sem sequelas. Constitui a causa de aproximadamente 90% dos episódios febris nos dois primeiros dias. Fatores de risco • Tabagismo crônico • Envelhecimento (devido a perda da elasticidade pulmonar) • Diminuição da capacidade pulmonar residual Geovana Sanches, TXXIV • Redução do surfactante pulmonar • Enrijecimento das articulações costais Atelectasia maciça • Quadro clínico o Febre: pode chegar a 39ºC o Taquicardia o Taquipneia • Exame físico o Desvio de ictus cordis para o pulmão afetado o MV+ diminuídos o Estertoração nas bases e segmentos posteriores • Radiografia de tórax o Elevação do diafragma o Desvio do mediastino para o lado afetado o Diminuição dos espaços intercostais ipsilateral o Imagem hipotransparente § Representa a condensação parenquimatosa do pulmão comprometido. Atelectasia segmentar • Radiografia de tórax: demonstra áreas hipotransparentes entre áreas de parênquima normal. Atelectasia focal • Atelectasia laminar ou lobular, geralmente em bases • Aspecto de linhas horizontais ou laminares delgadas • Mais associada às cirurgias de abdome superior e às distensões abdominais Tratamento O tratamento se baseia no estímulo da tosse durante a inspiração profunda ou na troca de decúbito no leito, estimulando o paciente a deambulação precoce, a levantar-se e a sentar-se. Indica-se também a nebulização contínua com água destilada, repetida de 3 a 4 horas. Em pacientes que não podem realizar o tratamento, podem ser utilizadas aspirações endotraqueais repetidas por sonda via oral ou nasal. A fisioterapia respiratória com tapotagens e vibrações sobre o tórax também é benéfica. Em pacientes com patologias pulmonares prévias, o fisioterapeuta deve começar o preparo no pré- operatório de pacientes com cirurgias programadas. Aspiração pós-operatória A aspiração pós-operatória pode ocorrer em pacientes que se alimentaram nas situações descritas abaixo, quando o paciente está com os reflexos de tosse e deglutição diminuídos. • Menos de 6 horas • Período pós-anestésico imediato • Início da anestesia • Após a extubação A forma mais grave é após vômitos, devido a aspiração do conteúdo gástrico. Ocorre normalmente em crianças, pacientes com rebaixamento do nível de consciência, poli- traumatizados e parturientes (devido ao aumento da pressão intra-abdominal durante o parto e diminuição da motilidade gástrica). Podem ocorrer em cirurgias torácicas e abdominais, sendo toleradas em pequena quantidade nos pacientes traqueostomizados. Quando o pH aspirado for < 2,5, pode ocorrer pneumonite química, uma complicação gravíssima que pode levar o paciente ao óbito. O tratamento é realizado com antibioticoterapia, aspiração endotraqueal imediata e/ou broncoscopia aspirativa. Em casos mais graves, pode ser necessário o uso de ventilação por pressão positiva (VPP). Pneumonia Causada principalmente por agente Gram- positivo, podendo ocorrer em pacientes após atelectasia, aspiração, secreções aumentadas das vias aéreas, nas peritonites bacterianas no pós- operatório e em pacientes que permaneceram longos períodos em suporte respiratório. É uma condição muito comum, contribuindo para mais da metade das infecções pós-operatórias. O quadro clínico inclui febre, dispneia, taquicardia, taquipneia e aumento das secreções, com presença de escarros hemoptoicos ou coloridos. Ao exame físico, encontram-se sinais de consolidação pulmonar, como macicez, broncofonia e pectoriloquia. Na radiografia de tórax há hipotransparência difusa ou consolidação lobar. O tratamento é feito com antibióticos que englobem Gram-positivos (Pneumococus) e Gram- negativos (Escherichia coli). Podem ser realizados exercícios respiratórios, respiração profunda e estímulo da tosse para prevenir atelectasia (precursor da pneumonia). Geovana Sanches, TXXIV Tromboembolismo pulmonar Ocorre do 7º ao 10º dia pós-operatório, manifestando-se com taquipneia e taquicardia. A tríade clássica de dor torácica, dispneia e hemoptise ocorre em 10% dos pacientes, nos quais os êmbolos causam infarto pulmonar. Pode ser assintomático em 10% dos pacientes. A radiografia de tórax pode apresentar uma condensação em forma de triângulo, com a base voltada para a parede torácica (corcova de Hampton), mas esse sinal é raro. Em geral, encontra-se uma ou mais áreas esbranquiçadas irregulares, asquais se confundem com broncopneumonia. O diagnóstico padrão-ouro costumava ser a angiografia, mas este é um método invasivo. Atualmente, é a angiotomografia, o qual além de não ser um método invasivo, apresenta alta qualidade das imagens. A prevenção é feita com deambulação precoce, movimentação ativa e passiva dos membros no leito, imobilização e tratamento das fraturas e heparinização subcutânea preventiva, além de fisioterapia respiratória e motora. Pulmão de choque O pulmão de choque também é denominado pulmão bomba, pulmão de Moore, síndrome da angústia respiratória pós-traumática ou síndrome do desconforto respiratório agudo. Ocorre com maior prevalência em pacientes politraumatizados, vítimas de queimaduras de grande extensão e no choque hipovolêmico, cardiogênico e séptico. Relaciona-se a hipo-oxigenação resultante de uma resposta inflamatória patológica inespecífica, gerando acúmulo de líquido alveolar e espessamento das paredes alveolares; o edema surge nas primeiras 24h e a cicatrização dos alvéolos rompidos se inicia após uma semana. O paciente apresenta dispneia, taquipneia progressiva, com diminuição da pO2 e aumento da pCO2. Se o tratamento for precoce, há possibilidade de regressão total das alterações teciduais. Caso contrário, se o processo não for contido, ocorre hepatização pulmonar e o pulmão se torna maciço e ingurgitado, instalando-se uma fibrose pulmonar após 2 semanas. A radiografia de tórax e a tomografia computadorizada mostram infiltrado pulmonar bilateral difuso com formações esbranquiçadas, em forma de “algodão” e condensações difusas mínimas. Esses achados se assemelham aos da embolia pulmonar pós-operatória e podem ser diferenciados com uma cintilografia pulmonar e angiotomografia. Caso haja dúvidas, trata-se o paciente em unidade de terapia intensiva (UTI), como pulmão de choque ou pelo estado clínico do paciente, utilizando-se sedação, intubação orotraqueal, ventilação com pressão expiratória final positiva, antibioticoterapia, hidratação parenteral e nutrição parenteral prolongada. Caso o pCO2 esteja abaixo de 60mmHg, deve-se realizar intubação orotraqueal (IOT) seguida de suporte ventilatório com pressão positiva expiratória final. Se pO2 for mantida entre 70 e 100 mmHg, o quadro pode ser revertido e recuperado entre 3 a 7 dias. Derrame pleural pós-operatório Derrame pleural é mais comum em pacientes com atelectasias pós-traumáticas e ascite decorrente da cirurgia. Quando não há insuficiência cardíaca ou lesão pulmonar associada, o derrame pode indicar inflamação subdiafragmática com abscesso subfrênico, abscessos intraperitoneais ou pancreatite aguda. O raio-X de tórax pode visualizar, além do derrame, elevação da hemicúpula diafragmática afetada, coleções subdiafragmáticas e atelectasia de base pulmonar. Pneumotórax pós-operatório Pode ocorrer por lesão da pleura, ventilação com pressão positiva (VPP) em crianças e cateterismo da veia subclávia. COMPLICAÇÕES DAS FERIDAS OPERATÓRIAS As complicações das feridas operatórias podem ser imediatas à cirurgia, recentes (primeiros 15 dias pós-cirurgia) ou tardias (após semanas e meses da cirurgia). Hematoma Hematoma é uma coleção de sangue ou coágulo entre os tecidos da ferida operatórias; está relacionado a hemostasia imperfeita. Aparece nas primeiras 24 horas e é uma complicação comum da ferida operatória. Caso ele seja proveniente de planos profundos, pode passar despercebido até que ocorra infecção ou drenagem espontânea. Grandes hematomas cursam com dor persistente ou abaulamento, devendo ser explorados e retirados com condições assépticas através da ligadura dos vasos sangrantes com Geovana Sanches, TXXIV fechamento primário da ferida. Se não houver vasos com sangramento, o hematoma deve ser retirado e os tecidos lavados com soro fisiológico. Pode-se optar por novo fechamento dos planos anatômicos da ferida ou somente pelos planos profundos, deixando-se a pele e o tecido subcutâneo abertos para fechamento após 72 a 96h ou aguardando-se o fechamento por segunda intenção. Nos casos de hematomas parcialmente organizados, pode-se instituir como tratamento a lavagem da loja repetidamente com soro fisiológico. Seroma Seroma é uma coleção de soro, linfa liquefeita e gordura na ferida operatória que se acumula onde existe um espaço morto. Cirurgias com grande descolamento do tecido celular subcutâneo, transecções de inúmeros canais linfáticos ou necrose gordura aumentam o risco do aparecimento dessa complicação. Em geral, ocorre na região inguinal, mamas e cirurgias oncológicas nas quais é realizada linfadenectomia regional. A presença do seroma aumenta o risco de infecção da ferida operatória. A prevenção consiste no fechamento dos planos da ferida, assim como ligadura dos vasos identificáveis durante o ato cirúrgico e cauterização de pequenos pontos sangrantes. Os seromas localizados abaixo da pele podem ser esvaziados por punções assépticas seriadas. Em cirurgias com grande deslocamento de subcutâneo, deve-se utilizar um sistema de dreno a vácuo e evitar a ligadura em grande quantidade de tecido gorduroso. Infecção Classificada como precoce, quando manifesta nas primeiras 48h pós-operatório, e tardia, entre o 4º e 7º dia pós-operatório. Pode-se classificá-las, ainda, em superficial, profunda e de cavidade, a depender da profundidade de acometimento. As infecções precoces em geral são causadas por estreptococos beta-hemolíticos, anaeróbios, clostrídios anaeróbios e Escherichia coli. Nas tardias, o principal agente é o Staphylococcus aureus. Cirurgias do sistema digestório ou genitais apresentam infecções polimicrobianas pela exposição da microbiota local. Em infecções por Gram-negativo, a dor acentuada na ferida operatório pode não estar presente. Nos casos de dor forte, persistente e localizada, realiza-se exploração local com drenagem do pus do tecido subcutâneo e das regiões próximas. Caso não seja efetivo, procede- se à revisão da ferida operatória. Em paciente com piora progressiva local e sintomas sistêmicos, a ferida é aberta amplamente e é necessária antibioticoterapia sistêmica. Deiscência e evisceração Deiscência é a abertura parcial ou total das camadas anatômicas da parede corporal, como peritônio, planos aponeuróticos e pele da ferida operatória. Evisceração se refere à extrusão (saída) de vísceras com a rotura de todas as camadas. Ambas podem estar presentes em qualquer momento do pós-operatório, mas costumam ocorrem nos primeiros dias (5º ao 10º). Tem como apresentação inicial a saída de secreção serossanguinolenta da ferida, assim como a sua abertura espontânea, o que pode gerar rápida evolução de rotura parcial para total dos planos de incisão. Os fatores de risco incluem obesidade, desnutrição severa, DM, imunodepressão, corticoterapia, quimioterapia e/ou radioterapia, sepse, tabagismo, DPOC e hiboalbuminemia. Relacionam-se com técnica cirúrgica inadequada, como fechamento inadequado da parede, pontos cirúrgicos afastados, nós muito apertados ou frouxos ou erro no tipo de fio utilizado. Pode ocorrer também em situações de aumento da pressão intra-abdominal, como em tosse excessiva, distensão das alças do íleo paralítico prolongado, síndrome compartimental abdominal, cirrose com formação de ascite, ou também nas paredes com planos aponeuróticos pouco resistentes. Pacientes com dor na incisão e drenagem espontânea de secreção serossanguinolenta (tipo água de carne), em geral, apresentam deiscência pós-operatória. Pode estar associada à infecção da ferida, a depender do número de bactérias patogênicas e ambiente propício à sua propagação, associado a resposta inadequada do hospedeiro. Nos casos em que a ferida expõe o peritônio e as alças intestinais (deiscência total da parede abdominal), deve-se realizar cobertura da ferida com compressasmornas esterilizadas, Geovana Sanches, TXXIV antibioticoterapia adequada e reabordagem cirúrgica imediata. Hérnia incisional A hérnia incisional pode ser decorrente de uma deiscência aponeurótica não reconhecida, do uso de fios inadequados, de má técnica cirúrgica e de enfraquecimento dos tecidos do paciente. Pode-se realizar tratamento cirúrgico eletivo. COMPLICAÇÕES INTRACAVITÁRIAS Hemoperitônio Hemoperitônio é a principal causa de choque circulatório das cirurgias abdominais nas primeiras 24 horas, com rápida evolução. O quadro clínico inclui taquicardia, hipotensão, diminuição do débito urinário, vasoconstrição periférica, febre e dor abdominal intensa. Trata-se de uma urgência médica, sendo que a conduta consiste na expansão volêmica e investigação diagnóstica com ultrassonografia ou TC. A reabordagem cirúrgica (controle de sangramento, remoção de coágulos e lavagem da cavidade peritoneal) é realizada em pacientes hipotensos e com sinais persistentes de hipovolemia. A reposição de sangue e cristaloides (ringer lactato, soro fisiológico) pode ser necessária. Síndrome compartimental abdominal Define-se por elevação intermitente ou persistente da pressão intra-abdominal, acima de 12 mmHg. Pode ocorrer após grandes sangramentos intra-abdominais, paciente em choque hemorrágico com infusão maciça de cristaloide, após laparotomia em pacientes poli- traumatizados, quadros de sangramento retroperitoneal, ascites volumosas, rotura de aneurisma de aorta, rotura de aneurisma da artéria esplênica em grávidas, entre outras. COMPLICAÇÕES GASTROINTESTINAIS Dilatação gástrica Ocorre por acúmulo de ar no estômago. O tratamento consiste em esvaziamento do estômago por aspirações, realizadas a cada 3 a 4 horas, por meio de uma sonda nasogástrica. A presença de hemorragia secundária pode gerar uma distensão gástrica volumosa, com mudança da coloração do suco gástrico, o qual se torna vermelho, marrom ou preto. Íleo pós-operatório Caracteriza-se pela perda da peristalse efetiva e coordenada do íleo. Pode resultar de sepse intraperitoneal, TCE ou baixo débito cardíaco. Os fatores envolvidos são manipulação do intestino, irritação do peritônio, distúrbios hidroeletrolíticos e metabólicos, drogas pré- anestésicas, agendes anestésicos, analgésicos e drogas antiperistálticas (como hioscina – Buscopam®). No pós-operatório abdominal, o intestino delgado normalmente inicia seus movimentos peristálticos 12h após a cirurgia, mas só é capaz de conduzir uma refeição após 24h, sendo este o período o qual pode durar também a estase gástrica. A contratilidade do cólon está diminuída nas primeiras 48h do ato cirúrgico; o direito é o primeiro a se recuperar, enquanto o esquerdo pode demorar até 72h. Clinicamente, há distensão abdominal, parada da eliminação de gases e fezes, náuseas, vômitos e anorexia. Ao exame físico, taquicardia com abdome distendido, timpânico e com ruídos hidroaéreos ausentes. Em uma radiografia de abdome na posição ortostática, encontra-se nível hidroaéreo e contraste irregular das alças intestinais por conta da presença de gás difusamente contido em seu interior. Isso pode ser tratado com a passagem de sonda nasogástrica e aspiração a cada 2 a 4h, deixando aberta em sifonagem pelo menos 24h. Obstrução intestinal mecânica Ocorre com maior prevalência após peritonite localizada ou generalizada e grandes desperitonizações. As bridas ou aderências costumam ser frouxas e são formadas após alguns dias do ato cirúrgico. As suboclusões podem ser tratadas inicialmente com reposição volêmica e descompressão nasogástrica. A reabordagem cirúrgica é necessária quando a descompressão não for efetiva por 48 a 72h. Enterocolite pseusomembranosa Apresenta-se com diarreia sanguinolenta de grande quantidade, decorrente de ulcerações difusas do intestino e formação de pseudo- membranas. Pode-se encontrar Clostridium difficile na cultura das fezes, assim como outras bactérias não habituais à microbiota intestinal. Com o uso rotineiro de antibióticos de amplo espectro, essa complicação raramente acontece. Todavia, o uso indiscriminado de antibióticos pode causar a doença. Fecaloma Pode ser diagnosticado por fezes endurecidas no toque retal. Decorre da Geovana Sanches, TXXIV diminuição da ingestão de líquidos, em pacientes idosos ou restritos ao leito, ou após enemas baritados. O paciente pode apresentar distensão abdominal moderada e episódios de diarreia em pequenas quantidades (pseudo ou falsa diarreia, ou diarreia paradoxal). O tratamento pode ser realizado com enema glicerinado associado a deimpactação digital. Pancreatite Não é comum, mas, quando presente, ocorre nas primeiras 48h, podendo-se apresentar de forma leve edematosa até grave necrotizante. Está mais relacionada a pacientes submetidos a cirurgias de vias biliares e/ou manipulação peripancreática (descolamento duodenal – manobra de Kosher – e/ou pancreático). Pode ocorrer dor abdominal em faixa, epigastralgia, hiperamilasemia e hiperlipasemia. Faz-se um hemograma, dosagem de eletrólitos, exames laboratoriais de amilase e lipase. O tratamento inicialmente é conservador, com passagem de sonda nasogástrica, analgesia e reposição volêmica, permanecendo o paciente em observação. COMPLICAÇÕES CARDÍACAS As complicações cardíacas podem ocorrer durante ou após uma cirurgia. Nas cirurgias eletivas, costumam ser minimizadas devido a avaliação cardiológica prévia. Como nas cirurgias de urgência o preparo cardíaco não pode ser feito, resta o tratamento caso haja alguma complicação. Arritmias Podem aparecer durante a cirurgia ou nos primeiros 3 dias do pós-operatório, sendo comuns em procedimentos intratorácicos. Podem ser causadas por hipocalemia, hipoxemia, toxicidade digitálica, alcalose ou estresse durante as cirurgias de emergência. As arritmias por indução anestésica podem ser causadas por gases anestésicos, como ciclopropano ou halotano, e drogas simpaticomiméticas. Em geral, as arritmias do pós-operatório não estão relacionadas a isquemia miocárdica e normalmente são assintomáticas, podendo haver em alguns casos dor torácica, dispneia e palpitações. A investigação é feita através de um ECG, raio-X de tórax, gasometria, ionograma, enzimas (CPK e CKMB, por exemplo) e dosagem de mioglobina e troponina. Infarto agudo do miocárdio pós-operatório O paciente pode apresentar dor torácica ou no abdome superior, associado a respiração truncada. Pode haver hipotensão e arritmia cardíaca. Em um terço dos casos, o paciente pode ser assintomático, geralmente por efeito residual de anestésicos e analgesia ou diabetes. São considerados pacientes de risco aumentado aqueles submetidos a cirurgias vasculares, com insuficiência cardíaca, isquemia identificada em teste ergométrico e cintilografia cardíaca e idosos com mais de 70 anos. O diagnóstico é feito com base no eletrocardiograma (alteração das ondas de despolarização), enzimas cardíacas e/ou dor típica com sudorese e fácies de sofrimento. O tratamento inclui medidas de suporte, como monitorização em unidade intensiva, hidratação com fluidos e eletrólitos, oxigenioterapia e analgesia. A anticoagulação plena em geral não é possível em decorrência da cirurgia realizada, podendo-se aplicar heparina subcutânea 5.000 unidades a cada 12h ou de 8/8h. Em casos de falência miocárdica aguda, pode-se indicar cateterismo cardíaco de urgência e colocação de stents nas artérias coronárias ou em seus ramos ocluídos. O procedimento não deve ser postergado (caso haja serviço de hemodinâmica), pois restabelece a função cardíaca (mesmo com a área infartada). Falência ventricular esquerda e edema agudo de pulmão Ocorre em pacientes com baixas reservas miocárdicas (idosos ou cardiopatas), após administração excessiva de fluidos intravenosos. Pode haver dispneia progressiva, hipoxemia, taquicardia,sudorese e congestão pulmonar na radiografia de tórax. Em caso de choque cardiogênico, deve-se realizar monitorização em UTI, passagem de cateter na artéria pulmonar e redução da pós- carga (com diurético) e da pré-carga (com nitroprussato de sódio). Em caso de insuficiência respiratória associada, pode ser necessária intubação orotraqueal associada a ventilação mecânica assistida controlada com pressão positiva expiratória final. Para pacientes que não estão em choque cardiogênico, pode-se utilizar digitálicos. Geovana Sanches, TXXIV COMPLICAÇÕES GENITURINÁRIAS Ocorrem, geralmente, após cirurgias proctológicas, geniturinárias, obstétricas, ginecológicas e aquelas nas quais a analgesia é feita por bloqueios (raquianestesia, epidural sacra ou peridural baixa). Retenção urinária Retenção urinária transitória pode ocorrer por bloqueios regionais, com regressão após o término da anestesia. É mais comum em pacientes submetidos a cirurgia proctológica, idosos, pessoas restritas ao leito, melhores após correção de colpocistocele ou cesariana e homens com hiperplasia prostática benigna. O tratamento é realizado com medidas que estimulam a diurese, como deambulação e sentar- se precocemente. Caso o paciente apresente bexigoma palpável com desconforto associado, realiza-se a sondagem vesical de alívio ou de demora (sonda de Foley). Infecção pós-operatória do trato urinário Ocorre após 48h de pós-operatório e tem como fatores contribuintes contaminação preexistente do trato urinário, instrumentação pré, peri e pós-operatória e retenção urinária. É comum a infecção por bactérias entéricas Gram-negativas (Escherichia coli), podendo ser baixa (cistite) ou ascendente pelo trato urinário (pielonefrite). O quadro clínico inclui disúria, calafrios, aumento da frequência de micção, retenção urinária ou piúria. O exame de urina I pode evidenciar bacteriúria e leucocitúria. O tratamento inclui hidratação, analgesia, antibioticoterapia e, em alguns casos, uso de sonda vesical de demora. COMPLICAÇÕES DO SNC E SNP Acidente vascular encefálico É a maior complicação neurológica, ocorrendo principalmente em pacientes idosos. Está relacionado a pacientes que estiveram hipotensos durante ou após a cirurgia, arteriosclerose com obstrução parcial carotídea, hipertensos, diabéticos ou pacientes com DPOC. O tratamento é feito em UTI, com controle da pressão arterial, manutenção da oxigenação pulmonar e tecidual (pO2 arterial), reposição volêmica, fisioterapia motora e respiratória e mudança periódica de decúbito (para evitar úlceras de pressão). Pcicose pós-operatórias Ocorre em pacientes que faziam uso prévio de drogas ilícitas, como Cannabis sativa, ácido lisérgico (LSD), cocaína, crack, haxixe, entre outros, e também em pacientes alcoólatras em crises de abstinência. O paciente pode apresentar delírios e/ou alucinação e o tratamento é feito inicialmente com boa oxigenação, contenção no leito e sedação. Delirium Estado confusional agudo, de nível flutuante, que gera distúrbios de consciência (memória, atenção, orientação, pensamento e percepção) e comportamento. Pode ter como fatores precipitantes os distúrbios hidroeletrolíticos (hipomagnesemia, por exemplo) e infecções. Costuma ocorrer em idosos no 2º dia pós-operatório, sendo mais frequente em cirurgias ortopédicas por fraturas do quadril. Lombociatalgia Lombociatalgia é uma dor que inicia na região lombar e acompanha o trajeto do nervo ciático. Pode ocorrer em cirurgias prolongadas. O tratamento consiste em vitamina B12 IM e analgesia (cetoprofeno ou tramadol).
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