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1 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 1. CONHECER A CINEMÁTICA DO TRAUMA; Compreende-se como trauma qualquer força externa que resulte em lesão que cause alteração estrutural ou fisiológica no organismo. É a primeira causa de morte entre os jovens e quando não gera morte, deixa muitas sequelas às suas vítimas. A mortalidade é bastante alta e apresenta uma distribuição trimodal: Morte imediata: aquela que ocorre nos primeiros minutos após o trauma, como consequência de lesões extremamente letais. A forma de evitar esse tipo de morte é prevenindo o trauma, através de políticas de prevenção de acidentes. Mortes precoces: aquelas que ocorrem nas primeiras horas após o trauma. A melhor forma de evitar esse tipo de morte é o atendimento inicial rápido e eficaz. Mortes tardias: aquelas que ocorrem dias após o trauma, como consequência das complicações do acidente ou do tratamento, como cirurgias. Evita-se esse tipo de morte com atendimento inicial e intra-hospitalar eficientes. A cinemática do trauma é o processo de avaliação da cena do acidente para que, por meio dela, seja possível determinar as lesões resultantes das forças e movimentos envolvidos, bem como estimar a gravidade. Para isso, podemos analisar; Danos no veículo - quanto maior o dano, maior a gravidade das lesões; Distância de frenagem - quanto maior, menor foi o impacto da batida e menor a gravidade das lesões; Posição das vítimas - vítima ejetada tem lesão mais grave que aquela que permanece dentro do veículo, por exemplo; Uso de cinto de segurança – vítima que não fazia uso do cinto no momento do acidente tende a ter mais lesões e mais graves; Dessa forma, a cinemática do trauma é importante para sugerir lesões que não são aparentes, fazendo com que a investigação seja feita de forma mais rápida. BASES DA CINEMÁTICA DO TRAUMA • Primeira Lei de Newton: “Todo corpo em movimento ou em repouso tende a permanecer neste estado, a não ser que uma força externa haja sobre o mesmo. ” Ou seja, após uma colisão de um carro no poste, por exemplo, o carro para, mas pela 1ª lei de newton, o corpo que estava em movimento continua até que se colida com algo. Por sua vez, os órgãos também só param quando se chocam com alguma estrutura. Ex: cérebro se choca com a calota craniana e pode sofrer contusão. • Lei da conservação da energia Nenhuma energia se perde, ela é transformada. A energia armazenada pelo carro em velocidade (energia cinética), na situação analisada, se transformou em energia térmica (liberada pela frenagem do carro) e energia mecânica (traduzida pelo dano causado na parte anterior do carro). Dano este que também é transmitido para Marcos, passageiro do carro. • Efeito de cavitação Quando um objeto em movimento colide contra o corpo ou quando este é lançado contra um objeto parado, há transferência de energia e assim, os tecidos são deslocados, criando uma cavidade. Esta pode ser temporária (soco) ou definitiva (projétil de arma de fogo - PAF, arma branca - faca). FATORES QUE INCLUENCIAM O PROGNÓSTICO DA VÍTIMA DE TRAUMA Fatores pré-colisão • Ingestão de álcool ou outras drogas; • Doenças preexistentes; • Condições ambientais (chuva, outros acidentes em volta); • Idade da vítima. Fatores da colisão • Direção da variação de energia (colisão frontal possui energia maior que colisão traseira); • Quantidade de energia transmitida; • Forma como as forças afetaram a vítima. SP3: Carro ou arma? 2 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 Fatores pós-colisão • Consequências da colisão; • Atendimento rápido e eficiente. TRAUMA PENETRANTE X TRAUMA CONTUSO Um trauma penetrante (ou perfurante) é aquele em que é usado um objeto pontiagudo, que concentra toda sua energia em uma ponta e assim causa ruptura da pele. Ex: arma branca (faca); No trauma com arma branca é importante saber se o agressor é homem ou mulher. Já que homens geralmente tem mais força e fazem o movimento de baixo para cima, enquanto mulheres tem menos força e fazem o movimento de cima para baixo. Esse conhecimento prévio ajuda a identificar as estruturas atingidas. Já no trauma contuso, o objeto usado possui grande área e energia se encontra distribuída por toda a sua superfície e assim, a lesão ocorre em consequência da pressão que esse objeto exerce sobre o corpo. Ex: choque do tórax ou abdome contra o volante do carro. ACIDENTES DE AUTOMÓVEL Colisão frontal: geralmente a vítima pode se mover para cima e para frente - lesões na cabeça, pescoço, tórax, abdome, pelve e MMII ou para baixo e para frente - lesões em joelho, coluna vertebral, fraturas de fêmur, tíbia, fíbula e pelve, além de lesões em abdome. Colisão traseira: a vítima é movimentada para frente e para trás, movimento que sobre o pescoço é conhecido como chicote e causa rupturas de partes moles, luxação de vertebras. Colisão lateral: a lesão pode ser pelo impacto da própria batida, pela porta e pelo choque entre os passageiros. Geralmente causa lesão de cervical lateral, fratura de clavículas, ruptura de fígado ou baço, lesão de membro inferior ipsilateral ao choque. Capotamento: as lesões são diversas e geralmente mais graves, uma vez que a energia é dispersada. ACIDENTES DE MOTOCICLETA Os acidentes de moto possuem alto índice de mortalidade e morbidade, uma vez que muitas vítimas ficam com sequelas, principalmente por conta do TCE. Colisão frontal – geralmente o motociclista é ejetado e sofre TCE, principalmente quando se encontra sem capacete. Quando não é ejetado, a vítima fica com os pés presos no pedal e sofre fratura de fêmur bilateralmente. Colisão lateral – a lesão mais comum nesse caso é o esmagamento de partes moles e estruturas ósseas de MMII, que pode evoluir para a necessidade de amputação. ATROPELAMENTOS As lesões resultantes de atropelamentos são diferentes a depender se a vítima é adulta ou criança. O adulto, geralmente, se vira de costas, sofre lesões em MMII e é ejetado para cima do capô do carro. Já as crianças costumam receber o impacto de frente (por não se virarem), sofrem lesões em abdome, tórax e pelve (por conta da sua altura) e geralmente são projetadas para baixo do carro. 2. ENTENDER O ATENDIMENTO INICIAL AO POLITRAUMATIZADO (AVALIAÇÃO PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA - ATLS E PHTLS; O termo trauma é definido como lesão característica por alterações estruturais ou desequilíbrio fisiológico, decorrente da exposição aguda a várias formas de energia. O trauma representa um verdadeiro problema de saúde pública, afetando não só o brasil, mas também o mundo industrializado. Em nosso pais, o número de mortes por acidente está em terceiro lugar, sendo menos frequente do que as mortes por doenças cardiovasculares e ao câncer. Se observamos a mortalidade de acordo com a faixa etária, o trauma é a causa principal em indivíduos de até 44 anos de idade e já responde por 30% das mortes em idosos. O paciente politraumatizado é aquele que apresenta lesões em dois ou mais sistemas de órgãos (tórax, abdome, TCE, fratura de ossos longos), é necessário que pelo menos uma, combinação de lesões represente um risco vital para o doente. AVALIAÇÃO E ATENDIMENTO INICIAL Quando abordamos um indivíduo politraumatizado é necessário tratamento imediato; este requer avaliação rápida das lesões e aplicação de medidas terapêuticas de suporte de vida. Este processo é denominado de avaliação inicial e inclui as seguintes etapas: (1) preparação; (2) triagem; (3) exame primário; (4) reanimação; (5) medidas auxiliares ao exame primário e a reanimação; (6) exame secundário; (7) medidas 3 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 auxiliares ao exame secundário; (8) reavaliação e monitoração contínuas após reanimação;e (9) cuidados definitivos. PREPARAÇÃO A preparação envolve dois cenários clínicos distintos: o ambiente pré-hospitalar e hospitalar. Na fase pré-hospitalar é fundamental que a equipe que esteja atendendo a vítima no local do acidente comunique a transferência desta ao hospital, para que a instituição possa se estruturar de forma adequada. Ainda na fase pré-hospitalar, antes da abordagem da vítima, é de suma importância que a equipe que esteja realizando o atendimento, sinalize a via pública, para que os cuidados ao paciente transcorram em um ambiente seguro. Na abordagem inicial deve ser dada ênfase à manutenção das vias aéreas, à estabilização da coluna cervical, ao controle da hemorragia externa e à imobilização do paciente para o transporte (empregando uma prancha longa). A fase hospitalar consiste no preparo da emergência. Entre os profissionais, é eleito um líder de equipe que supervisionará o preparo da sala de trauma e conduzirá os exames primários e secundários. TRIAGEM A triagem tem por função classificar os pacientes de acordo com o tipo de tratamento necessário e os recursos disponíveis. De forma geral, duas situações de triagem acontecem na pratica: 1. Temos múltiplas vítimas, mas o hospital para a qual elas serão transportadas é capaz de oferecer atendimento adequado a todas elas. Nessa situação, os pacientes com risco de vida iminente e aqueles com lesões multissemicas serão atendidos primeiro. 2. Estamos enfrentando uma situação de desastre, na qual o número de vítimas e a gravidade das lesões apresentadas ultrapassam a capacidade do atendimento hospitalar. Nesse contexto, as vítimas com maior probabilidade de sobreviver serão atendidas primeiro. O método START não leva em consideração o diagnóstico específico, mas sim a necessidade de cuidados e chance de sobrevida de um paciente e, por isso, pode ser realizado por qualquer socorrista. A divisão é feita em cores: vermelho, amarelo, verde e preto. Os parâmetros avaliados são: frequência respiratória, tempo de enchimento capilar e a capacidade de realizar solicitações simples. Para isso, utiliza-se um mnemônico: 30 – 2 – PODE FAZER. ● 30: em relação a frequência respiratória. Basicamente, avaliamos o padrão das incursões e se a frequência é maior ou menor do que 30 IRP. ● 2: tempo de enchimento capilar, maior ou menor do que 2 segundos. Algumas referências citam também a avaliação do pulso radial, se presente ou ausente. ● PODE FAZER: avalia a presença de alterações neurológicas, se o paciente consegue ou não realizar solicitações simples. AVALIAÇÃO PRIMÁRIA O exame primário (avaliação primária) tem como objetivo a identificação e o tratamento prioritário das lesões que implicam em risco de vida. Devemos conduzir esta etapa com base numa sistematização do atendimento, universalmente conhecida pelo mnemônico: • X: Hemorragia exanguinante (controle do sangramento externo grave); • A: Manejo da via aérea e estabilização da coluna cervical. • B: Respiração (ventilação e oxigenação): • C: circulação (perfusão e outras hemorragias); • D: incapacidade (disability); • E: exposição/ambiente; X: HEMORRAGIA EXANGUINANTE (CONTROLE DO SANGRAMENTO EXTERNO GRAVE); Se houver hemorragia exanguinante externa, ela deve ser controlada antes mesmo de avaliar a via aérea ou de outras intervenções. 4 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 A hemorragia arterial em uma extremidade é mais bem manejada colocando-se imediatamente um torniquete o mais proximamente possível na extremidade afetada. O sangramento venoso leva a um fluxo constante de sangue vermelho-escuro. E costuma ser controlável pela compressão direta. Não costuma ameaçar a vida a menos que seja de uma veia de grosso calibre. O sangramento arterial é o mais importante e difícil de controlar. Se caracteriza por sangue jorrando e de cor vermelho-vivo. A hemorragia pode ser controlada das seguintes maneira: 1. Compressão direta: aplicação de uma pressão no local do sangramento. Isso é feito com uma gaze hemostática diretamente sobre o local aplicando uma pressão de pelo menos 3 minutos ou 10 minutos com gaze simples. 2. Torniquete: devem ser usados se a compressão direta e os curativos compressivos não conseguirem controlar uma hemorragia ou se não houver profissionais disponíveis. Nas hemorragias potencialmente fatais é a medida de primeira linha. A: MANEJO DA VIA AÉREA E ESTABILIZAÇÃO DA COLUNA CERVICAL. Coluna cervical Restringir a mobilidade da coluna cervical é uma medida de extrema importância, pois pacientes com fraturas qualquer movimento pode comprometer a medula espinhal. No atendimento pré-hospitalar, a estabilização manual por um dos membros da equipe pode ser requerida durante a intubação endotraqueal. Caso o colar cervical já tenha sido passado e o paciente necessite ser intubado, este dispositivo deve ser aberto e a coluna cervical estabilizada manualmente pela equipe de trauma. Para uma imobilização correta da coluna, além do colar cervical deve-se utilizar uma prancha longa rígida somada ao emprego de coxins laterais para garantir a fixação da cabeça. Uma vez em ambiente hospitalar, o colar cervical pode ser retirado em indivíduos alertas (ECG = 15), sem dor cervical, sem abuso de álcool e/ou drogas e com exame neurológico dentro da normalidade. Uma avaliação radiológica da coluna cervical só será necessária na presença de qualquer um desses achados: idade > 65 anos, parestesias em extremidades, queda ≥ 1 m, colisão em veículo motorizado, e incapacidade de realizar movimento rotacional do pescoço. Cerca de 80% dos óbitos por lesão traumática da coluna deve-se a luxações do atlas-occipital e fraturas de C1-C2. Via aérea A primeira ação que deve ser feita na avaliação da via aérea é a comunicação com o paciente. Se ele consegue responder verbalmente à abordagem inicial, significa que a via aérea está pérvia. Ou seja, doente consciente significa boa oxigenação. Em vítimas com rebaixamento do nível de consciência, a patência da via aérea deve ser estabelecida rapidamente, com o emprego de medidas como elevação do queixo (chin-lift) e tração da mandíbula (jaw-thrust), sempre mantendo a coluna cervical estabilizada. É fundamental a inspeção da via aérea para a presença de corpos estranhos, vômitos, acúmulo de saliva e sangue, os quais devem ser prontamente aspirados (laringoscopia direta seguida de sucção). A necessidade de acesso definitivo (protege contra broncoaspiração - balonete) às vias aéreas por meio da intubação orotraqueal é indicada em indivíduos com: Apneia; Proteção das vias aéreas inferiores contra aspiração de sangue ou conteúdo gástrico; Comprometimento iminente das vias aéreas (por exemplo, lesão térmica por inalação, fraturas faciais ou convulsões reentrantes); TCE grave: Glasgow ≤ 8; Incapacidade de manter oxigenação adequada com ventilação sob máscara. Na impossibilidade de intubação, a via aérea cirúrgica definitiva é mandatória, devendo ser feita de modo rápido e seguro. A escolha na maioria dos traumas é a cricotireoidostomia. A traqueostomia deve ser evitada, via de regra, porem em algumas situações como fraturas de laringe e em crianças pode ser utilizada. 5 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 Se não consegue entubar, optar por Mascara Laríngea (temporária) ou Comitubo (temporária); B: RESPIRAÇÃO (VENTILAÇÃO E OXIGENAÇÃO): Uma vez obtida uma via aérea pérvia, o próximo passo consiste em garantir uma ventilação adequada. Todas as vítimas de trauma devem receber oxigênio suplementar, ou seja, através de máscara facial (pelo menos 11l/min) ou de tubo endotraqueal. Inspeção, palpação, percussão e ausculta da região torácica são elementosfundamentais. Lesões que podem comprometer a ventilação de forma imediata incluem: Pneumotórax hipertensivo: Quando o ar penetra na cavidade pleural de forma continua e não consegue sair, resultando em um acumulo de ar sob pressão na cavidade pleural. Tem como consequência o colapso do pulmão ipsilateral, desvio do mediastino com compressão do pulmão saudável, gerando IR e compressão dos vasos da base dificultando o retorno venoso. É suspeitado na presença de dispneia acompanhada de desvio contralateral da traqueia, enfisema subcutâneo, hipertimpanismo do hemitórax acometido, turgência jugular, hipotensão ou choque. O diagnóstico é clinico e o tratamento imediato é a punção do hemitorax (toracocentese) ao nível do 4º/5º espaço intercostal entre as linhas axilares media e anterior. Hemotórax maciço: É caracterizado por um acumulo de >1500ml de sangue na cavidade torácica. Embora o murmúrio vesicular esteja ausente, teremos uma percussão revelando som maciço, não há desvio de traqueia e as jugulares encontram-se colabadas. A conduta consiste em transfusão com restauração da volemia e descompressão da cavidade torácica com toracostomia. Pneumotórax aberto: É conhecido como ferida torácica aspirativa. Nesse caso teremos uma solução de continuidade em sua parede torácica, o que permite que o ar atmosférico ganhe a cavidade provocando pneumotórax. O tratamento imediato é a oclusão da ferida com curativo quadrangular fixado em apenas 3 de seus lados. C: CIRCULAÇÃO (PERFUSÃO E OUTRAS HEMORRAGIAS); Após a garantia de ventilação adequada, procedemos à avaliação hemodinâmica da vítima. Na presença de instabilidade hemodinâmica, a reposição volêmica deve ser feita preferencialmente através de acessos periféricos. A princípio todo doente politraumatizado em choque é portador, até segunda ordem, de choque hipovolêmico hemorrágico. As fontes habituais de sangramento incluem: (1) lesões intra-abdominais (fonte mais comum), decorrentes de acometimento de vísceras sólidas (fígado e baço); (2) fraturas pélvicas (com grandes hematomas retroperitoneais); (3) lesões intratorácicas (acompanhadas de hemotórax maciço); e (4) fraturas de ossos longos. Devemos assegurar pelo menos dois acessos venosos calibrosos o mais rápido possível, já no atendimento pré-hospitalar, sobretudo em vítimas de trauma moderado a grave. As veias periféricas no dorso das mãos ou na face anterior do antebraço são as preferidas. Na impossibilidade desses acessos (veias colabadas em pacientes chocados, por exemplo), podemos realizar a dissecção da veia safena magna nos membros inferiores (em frente ao maléolo medial) ou tentar um acesso venoso central (veia jugular interna, veia subclávia ou veia femoral). A punção intraóssea também é uma opção e pode ser considerada em qualquer faixa etária! (Crianças menores que 6 anos que não se consegue o acesso periférico, o acesso intraósseo passa a ser a primeira escolha); O sítio 6 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 de punção localiza-se a três dedos da tuberosidade tibial. Hemorragia classe I: o paciente pode precisar de cristaloides, mas em muitos casos os mecanismos compensatórios restauram o volume sanguíneo em 24h. Hemorragia classe II: os sinais incluem taquicardia, taquipneia e redução da pressão de pulso. A maior parte dos pacientes se estabilizam apenas com reposição de cristaloides ou transfusão de concentrado de hemácias. Hemorragia classe III: encontramos sinais clássicos de má perfusão, tais como: queda na PAS, taquicardia, taquipneia e alterações significativas do estado mental. Pacientes nesse grau de hemorragia são candidatos a transfusão de concentrado de hemácias e hemoderivados. Hemorragia classe IV: os sinais de hipoperfusao tecidual são ainda mais acentuados, com queda significativa da pressão arterial sistólica, redução da pressão de pulso, debito urinário desprezível, rebaixamento do nível de consciência e pele fria, cianótica e úmida. Esses pacientes necessitam de rápida transfusão, estando indicado o protocolo de transfusão maciça e intervenção cirúrgica imediata. A solução utilizada para infusão de volume deve ser um cristaloide, de preferência ringer lactato. O soro fisiológico (SF 0,9%) também pode ser utilizado, no entanto, a infusão de grandes volumes de SF 0,9% pode levar à acidose hiperclorêmica, principalmente se houver disfunção renal associada. Em indivíduos chocados, a ressuscitação se faz com um bolus de 1 litro de solução de cristaloide para o adulto ou 20 ml/kg para a criança ou pacientes com < 40 kg. A solução deve ser aquecida a 39oC para evitar a hipotermia. A avaliação da resposta à infusão inicial tem como base o nível de consciência, o débito urinário e os valores de lactato e deficit de base. O paciente que não responde de maneira satisfatória a esta reposição inicial provavelmente irá necessitar da administração de sangue e hemoderivados. Nos indivíduos chocados o objetivo da ressuscitação volêmica é restaurar a perfusão de órgãos e a oxigenação tecidual. Para isso, realizamos a administração de cristaloide + hemoderivados para substituir o intravascular perdido com a hemorragia. Pois bem, então quanto mais volume e quanto maior for a pressão do paciente melhor? NÃO!!! Se a pressão arterial se eleva, antes de resolvermos a causa da hemorragia, o paciente pode voltar a sangrar. Ou seja, o excesso de cristaloide é PREJUDICIAL. O que se busca atualmente é uma reposição com HIPOTENSÃO PERMISSIVA, que nada mais é do que alcançar a perfusão dos órgãos e a oxigenação dos tecidos com níveis pressóricos abaixo do normal, a fim de que o paciente não volte a sangrar. Em pacientes com lesões extensas e graves, o emprego precoce, dentro das primeiras três horas, de ácido tranexâmico (um antifibrinolítico) parece aumentar a sobrevida. A dose inicial deve ser administrada em dez minutos, e de preferência já no local do acidente; a segunda dose, de 1 g, deve ser infundida em oito horas, em ambiente hospitalar D: INCAPACIDADE (DISABILITY); Um exame neurológico rápido deve ser realizado. Esta avaliação inclui a aferição da Escala de Coma de Glasgow (ECG) e observação das pupilas e da movimentação das extremidades. Condições como hipoxemia, hipotensão e uso de álcool e/ou drogas podem levar a rebaixamento do nível de consciência no paciente vítima de lesões multissistêmicas. Excluídas essas causas, alterações do exame neurológico devem ser atribuídas, até segunda ordem, a traumatismo do sistema nervoso central. Aqui o foco será a detecção precoce do aumento da pressão intracraniana e compressão do III par craniano (nervo oculomotor) que resulta em midríase. HIPOTENSÃO PERMISSIVA É quando administramos volume apenas para alcançarmos uma PA sistólica de 70 mmHg. Esta estratégia NÃO deve ser adotada em pacientes com suspeita de lesão cerebral (TCE), pois a redução da PA leva à diminuição da PPC. 7 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 E: EXPOSIÇÃO/AMBIENTE; Todo paciente traumatizado deve ser totalmente despido, cortando-se as roupas para facilitar o acesso visual adequado de lesões e promover exame físico completo. Fluidos intravenosos devem ser aquecidos a 39º, cobertores devem ser utilizados. A hipotermia agrava a acidose e a coagulopatia e constitui a chamada tríade da morte. REANIMAÇÃO A reanimação envolve o acesso as vias aéreas, o compromisso em garantir ao paciente uma ventilação adequada e infusão de fluidos no combate a hipovolemia e ao choque. O exame primário tem que ser interrompido temporariamente para que o processo de reanimação ocorra. MEDIDAS AUXILIARES AO EXAME PRIMÁRIO E A REANIMAÇÃO A monitoração eletrocardiográfica é recomendada emtodas as vítimas de politrauma. A presença de arritmias pode ser um indício de contusão miocárdica. A Atividade Elétrica Sem Pulso (AESP) pode ser consequência de tamponamento cardíaco, pneumotórax hipertensivo ou hipovolemia grave Cateter urinário normalmente é passado para aferição do débito urinário, medida fundamental para avaliação da reposição volêmica. A passagem de cateter gástrico é recomendada, uma vez que descomprime o estômago, medida que tenta evitar a broncoaspiração. Sabemos que vítimas de trauma podem apresentar gastroparesia intensa devido aos níveis elevados de catecolamina; Monitoração de parâmetros como a frequência ventilatória, saturação de oxigênio no sangue, gasometria arterial, pressão arterial e débito urinário. Estas avaliações devem ser repetidas periodicamente; Durante o exame primário, a utilização de radiografias deve ser feita de maneira racional, de modo a não retardar a reanimação do paciente. As principais incidências no atendimento inicial são: perfil de coluna cervical, AP de tórax e panorâmica da bacia (alguns autores indicam AP da bacia). AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA O Exame Secundário (ES) deve ser realizado somente nos pacientes que, após as medidas de reanimação, demonstrem uma tendência à normalização de suas funções vitais. O ES inclui uma história clínica somada a exame físico pormenorizado, também conhecido como exame da “cabeça aos pés”. Uma avaliação neurológica cuidadosa e completa também está incluída; durante o ES poderão ser realizadas, a qualquer momento, as radiografias e exames complementares de imagem que se tornarem necessários. Medidas auxiliares no Exame Secundário Durante a realização do ES, podemos solicitar exames diagnósticos especializados com o objetivo de se identificar lesões específicas. Os principais exames incluem: (1) TC e radiografias da coluna cervical e das extremidades; (2) TC do restante da coluna vertebral, do crânio, do tórax e do abdome; (3) Urografia excretora; (4) Ecocardiograma transesofágico; (5) Broncoscopia; e (6) Esofagoscopia. 8 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 Reavaliação O paciente politraumatizado deve ser reavaliado constantemente. Esta sistematização impede que alterações recentes passem despercebidas ou mesmo que condições preexistentes não se agravem sem o nosso conhecimento. A monitoração continuada dos sinais vitais e da diurese horária é essencial. 3. DEFINIR TRANSFUSÃO MACIÇA. O que vem a ser esta TRANSFUSÃO MACIÇA? Caracterizada pelo emprego de > 10 UI de concentrado de hemácias nas 24 horas iniciais de admissão (ou > 4 UI em uma hora)*. *Essa definição é a utilizada pelo ATLS 10a edição, no entanto, alguns estudos preferem a seguinte definição para a transfusão maciça: administração ≥ 10 unidades em menos de seis horas. A administração precoce também de plaquetas e plasma, para minimizar o emprego excessivo de cristaloides, parece aumentar a sobrevida da vítima. Nesses casos, é fundamental termos em mente que a conduta realmente salvadora será a interrupção, ou por cirurgia ou por métodos angiográficos, da exsanguinação. Quando pensamos no protocolo de transfusão maciça, a reposição deve ser feita na proporção de 1:1:1! 1 CH (Concentrado de Hemácias): 1 P (Plasma): 1 CP (Concentrado de Plaquetas). Esta proporção demonstrou redução considerável na mortalidade. Até a tipagem sanguínea podemos iniciar a transfusão com sangue O negativo. Apesar de não estar presente na 10a edição do ATLS, alguns estudos mais atuais citam o escore ABC (Assessment of Blood Consumption) para a avaliação da decisão de começar ou não o protocolo de transfusão maciça. Vamos entender? O ABC avalia quatro parâmetros: 1- Trauma penetrante; 2- FAST positivo (evidência de hemorragia); 3- PAS ≤ 90 mmHg; 4- FC ≥ 120 bpm. A cada parâmetro positivo, acrescenta-se 1 ponto ao escore e uma pontuação ≥ 2, prediz a necessidade transfusão maciça com uma sensibilidade de 75% e uma especificidade de 86%. Além disso, outra indicação de transfusão maciça é na hemorragia classe IV. 4. COMPREENDER AS INDICAÇÕES E COMPLICAÇÕES DE REPOSIÇÃO VOLÊMICA NO TRAUMA. COAGULOPATIA NO TRAUMA Dentre as situações agudas associadas à coagulopatia, destaca-se o trauma, na medida em que mais de 50% dos óbitos ocorrem nas primeiras 48 horas de admissão hospitalar e estão relacionados à hemorragia descontrolada e à exsanguinação. Existem dois mecanismos bem estabelecidos responsáveis pela coagulopatia no trauma – a Coagulopatia Aguda Traumática (CAT) e a Coagulopatia Iatrogênica (CI). A Coagulopatia aguda traumática (CIVD aguda) é desencadeado imediatamente após a lesão, sendo, pois, considerado um fenômeno endógeno, relacionado à inflamação, à hipoperfusão, ao trauma tissular, à ativação simpática e à fibrinólise. A Coagulopatia Iatrogênica, por sua vez, é exógena e é desencadeada pela reposição volêmica excessiva ou inadequada, que leva à hemodiluição e à depleção de fatores de coagulação. Os efeitos da CI são acentuados pelos outros dois componentes da tríade letal do trauma – a acidose (ph< 7,2) e a hipotermia (temperatura inferior a 35 graus Celsius) –, que desencadeiam um ciclo vicioso e fatal de hemorragia. CONTROLE DE DANOS NA REANIMAÇÃO A Reanimação de Controle de Danos (CDR), conceito recente na abordagem do paciente traumatizado, fundamenta-se em 3 conceitos: uso limitado de cristaloides, reanimação balanceada e hipotensão permissiva. Uso limitado de Cristaloides A infusão de largas quantidades de cristaloides no paciente traumatizado agrava a coagulopatia, resultando em hipóxia, acidose e hipotermia. Nesse contexto, a infusão excessiva de fluidos provoca diluição dos fatores de coagulação, aumento da pressão arterial, redução da viscosidade do sangue ocasionando sangramentos, deslocamento de coágulos, complicações cardíacas e gastrointestinais e a síndrome do compartimento abdominal secundária. Por essas razões e outras, a restrição 9 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 de cristaloides é política imperativa no paciente com trauma. Reanimação (1:1:1) balanceada A administração de uma proporção de 1:1:1 de concentrado de hemácias, plasma fresco e plaquetas, no que tange à CDR, ocasiona uma diminuição de 50% no uso de cristaloides, diminuição de morbidade por síndrome do compartimento abdominal e de mortalidade por infecções, falência orgânica e hemorragia. Hipotensão Permissiva Entende-se por hipotensão permissiva a proposta de manutenção da pressão arterial em nível reduzido, empregada em pacientes com evidência de sangramento ativo, de modo a evitar a exacerbação da hemorragia por ruptura hidrostática do coágulo, mantendo a perfusão adequada dos órgãos terminais. A hipotensão permissiva caracteriza-se por manter a PA sistólica entre 70-90 mmHg e PAM=50 mmHg. Ela é relativamente contraindicada em portadores de HAS, estenose carotídea e contraindicada em pacientes com TCE. USO DE CRISTALÓIDES E DERIVADOS DO SANGUE Os fluidos intravenosos usados para reanimação volêmica são classificados de acordo com a sua pressão osmótica. Existem dois tipos de fluidos disponíveis: os cristalóides e os hemoderivados. As soluções cristalóides são popularmente conhecidas como soros e são compostos de água, eletrólitos e açúcares que, ao serem administrados por via intravenosa, restabelecem o equilíbrio hidroeletrolítico do corpo. Seu papel é o de acesso inicial de forma controlada em pacientes instáveis e críticos. A transfusão de sangue é utilizada para corrigir deficiências no transporte de oxigênio, repor as perdas específicas dos elementos chaves para a coagulação e restabelecer a perfusão tecidual adequada. No cenário do trauma é utilizada, principalmente,em casos de choque hipovolêmico crítico. O ATLS prevê que se faça reposição com hemoderivados no choque grau 3 e que se utilize o protocolo de transfusão maciça no choque grau 4. O objetivo da reposição volêmica é monitorar o quadro do paciente e restabelecer a perfusão e oxigenação tecidual. Desse modo, é importante a observação da resposta do paciente à administração de fluidos, pois a infusão persistente de grandes volumes de cristaloides e de sangue, na tentativa de restabelecer uma pressão sanguínea normal, não substituem o adequado e definitivo controle do sangramento. 5. COMPREENDER A CORRELAÇÃO DOS ACHADOS SEMIOLOGICOS DO TRAUMA E SEUS SIGNIFICADOS. Inspeção: a expansão está simétrica? Palpação: há fraturas palpáveis? Crepitação ou dor à palpação? Ausculta: MV bem distribuídos e simétrico? MV reduzido pode indicar pneumotórax/hemotórax; Percussão: se ao invés do som claro pulmonar (timpânico) estiver Maciço (hemotórax) Hipertimpânico (pneumotórax) PNEUMOTÓRAX ABERTO Timpanismo MV abolidos HEMOTÓRAX MACIÇO Desvio de traqueia; Macicez Abolição de MV TAMPONAMENTO CARDÍACO Tríade de beck – hipotensão, estase de jugular e abafamento das bulhas cardíacas PNEUMOTÓRAX HIPERTENSIVO: Dor no peito; Falta de ar; Taquipneia, sofrimento respiratório; Taquicardia; Hipotensão; Redução ou até mesmo abolição do murmúrio vesicular; Hipertimpanismo; Desvio contralateral da traqueia; Turgência de jugular; Cianose (achado tardio). 6. RECONHECER OS ASPECTOS LEGAIS E BOLTEIM DE OCORRENCIA NO PACIENTE VITIMA DE TRAUMA. A legislação é clara quando diz que a pessoa que prestará o socorro não deverá fazê-lo quando este ato colocar em risco a própria vida. 10 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 Segundo o artigo 135 do Código Penal, a omissão de socorro consiste em “Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, em desamparo ou em grave e iminente perigo; não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública”. Pena – detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa. Parágrafo único: a pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta em morte. Importante: o fato de chamar o socorro especializado, nos casos em que a pessoa não possui um treinamento específico ou não se sente confiante para atuar, já descaracteriza a ocorrência de omissão de socorro. DIREITOS DA PESSOA QUE ESTIVER SENDO ATENDIDA O prestador de socorro deve ter em mente que a vítima possui o direito de recusa do atendimento. No caso de adultos, esse direito existe quando eles estiverem conscientes e com clareza de pensamento. Isso pode ocorrer por diversos motivos, tais como crenças religiosas ou falta de confiança no prestador de socorro que for realizar o atendimento. Nestes casos, a vítima não pode ser forçada a receber os primeiros socorros, devendo assim certificar-se de que o socorro especializado foi solicitado e continuar monitorando a vítima enquanto tenta ganhar a sua confiança através do diálogo. Caso a vítima esteja impedida de falar mas demonstre que não aceita o atendimento, não discuta e proceda como descrito no próximo tópico. NÃO DISCUTA COM A VÍTIMA Caso a vítima esteja impedida de falar em decorrência do acidente, como um trauma na boca, por exemplo, mas demonstre através de sinais que não aceita o atendimento, fazendo uma negativa com a cabeça ou empurrando a mão do prestador de socorro, deve-se proceder da seguinte maneira: Não questione suas razões, principalmente se elas forem baseadas em crenças religiosas. Não toque na vítima, isto poderá ser considerado como violação dos seus direitos. Converse com a vítima, informe a ela que você possui treinamento em primeiros socorros, que irá respeitar o direito dela de recusar o atendimento, mas que está pronto para auxiliá-la no que for necessário. Arrole testemunhas de que o atendimento foi recusado por parte da vítima. No caso de crianças, a recusa do atendimento pode ser feita pelo pai, pela mãe ou pelo responsável legal. Se a criança é retirada do local do acidente antes da chegada do socorro especializado, o prestador de socorro deverá se possível, arrolar testemunhas que comprovem o fato. 11 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022
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