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2 PRESI DENTE DA REP ÚBLICA Luiz Inác io Lula da Silva M INISTRO DA EDUCAÇÃO Fernando Haddad GOV ERNA DOR DO ESTADO DO PIA UÍ José Wellington Bar roso de Araújo Dias REITOR DA UNIV ERSI DADE FEDERAL DO PIAUÍ Luiz de Sousa Santos Júnior SEC RETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DO M EC Car los Eduardo Bielschow sky COORDENADOR GERAL DA UNIV ERSI DADE A BERTA DO BRASIL Celso José da Cos ta DIRETOR GERAL DO C ENTRO DE EDUCAÇÃO ABERTA A DISTÂNCIA DA UFPI Gildás io Guedes Fernandes DIRETOR DO C ENT RO DE CI ÊNCIAS DA NATUREZA Helder Nunes da Cunha COORDENADOR DO C URSO DE LICENCIATURA PL ENA EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS NA M ODALIDADE Ea D Mar ia da Conceição Prado de Oliveira COORDENADORA DA P RODUÇÃO DO M ATERIAL DI DÁTICO DO C EAD/ UFPI/ UAPI Cleid inalva Mar ia Barbosa Oliveira DIAGRAM AÇÃO Thamara Lisyane Pires de Oliveira COORDENADOR DE REV ISÃO DE TEXTO Naz iozênio A ntonio Larcerda REV ISÃO Franc isco Wellington Borges Gomes F683m Fontes, Lúcia da Silva Morfologia e Fisiologia de Invertebrados II / Lúcia da Silva Fontes – Teresina: CEAD/UFPI, 2009. 173 p.il. Inclui bibliografia 1. Zoologia. 2. Invertebrados. 3. Fisiologia Animal. I. Título. CDD: 59-1 3 Este texto é destinado aos estudantes que participam do programa de Educação a Distância da Universidade Aberta do Piauí (UAPI), vinculada ao consórcio formado pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e pelo Centro Federal de Ensino Tecnológico do Piauí (CEFET-PI), com apoio do Governo do Estado do Piauí, através da Secretaria de Educação. O texto é formado por quatro unidades, contendo itens e subitens que discorrem sobre a morfologia e a fisiologia dos filos dos invertebrados: Mollusca, Annelida, Arthropoda e Echinodermata. Na Unidade 1, são apresentados a introdução ao estudo dos invertebrados do filo Mollusca, suas características gerais, sua morfologia externa e interna, bem como sua fisiologia. Na Unidade 2, elucidamos sobre os animais invertebrados do filo Annelida, como também o estudo morfofisiológico de alguns representantes deste filo. Na Unidade 3, abordamos as características gerais dos artrópodos e o estudo morfofisiológico de alguns animais representantes do filo. Na Unidade 4, apresentamos as características gerais do filo Echinodermata e o estudo da morfofisiologia dos animais representantes deste grupo de invertebrados. . 4 UNIDADE 1. Filo Mollusca 1.1. Introdução ...........................................................................................12 1.2. Características gerais .......................................................................13 1.3. Forma e função ..................................................................................14 1.3.1. Molusco generalizado ....................................................................14 1.3.1.1. Cabeça-pé ....................................................................................15 1.3.1.2. Rádula...........................................................................................15 1.3.1.3. Pé...................................................................................................16 1.3.2. Massa visceral ................................................................................17 1.3.2.1. Manto e cavidade do manto ......................................................17 1.3.3. Concha .............................................................................................18 1.3.4. Estrutura interna e função.............................................................19 1.3.4.1. Trocas gasosas ...........................................................................19 1.3.4.2. Sistema circulatório ....................................................................19 1.3.4.3. Excreção.......................................................................................20 1.3.4.4. Trato digestivo .............................................................................21 1.3.4.5. Sistema nervoso..........................................................................22 1.4. Reprodução e desenvolvimento ......................................................22 1.5. Molusco gastrópodo ..........................................................................23 1.5.1. Divisão do corpo .............................................................................24 1.5.2. Modificação do corpo do molusco nos gastrópodos ................25 1.5.3. Concha .............................................................................................27 1.5.4. Nutrição e digestão .......................................................................30 1.5.5. Excreção ..........................................................................................30 1.5.6. Troca gasosa...................................................................................31 1.5.7. Sistema nervoso e órgãos dos sentidos.....................................32 1.5.8. Reprodução .....................................................................................32 1.6. Classe Bivalvia ...................................................................................33 1.6.1. Forma e função...............................................................................35 5 1.6.2. Sistema digestivo ........................................................................... 37 1.6.3. Sistema circulatório........................................................................ 38 1.6.4. Sistema respiratório ....................................................................... 38 1.6.5. Sistema nervoso............................................................................. 40 1.6.6. Reprodução..................................................................................... 40 1.7. Morfologia e fisiologia dos cefalópodos ......................................... 41 1.7.1. Conchas dos cefalópodos ............................................................ 42 1.7.2. Locomoção ...................................................................................... 42 1.7.3. Alimentação .................................................................................... 43 1.7.4. Estrutura interna e fisiologia ......................................................... 44 1.7.5. Reprodução e desenvolvimento .................................................. 46 1.8. Saiba mais .......................................................................................... 47 1.9. Referências bibliográficas ................................................................ 48 1.10. Glossário........................................................................................... 48 1.11. Guia de estudo ................................................................................ 51 UNIDADE 2. Filo Annelida 2.1. Introdução ......................................................................................... 55 2.2. Características gerais ...................................................................... 55 2.3. Organização geral ............................................................................ 56 2.4. Classes de anelídeos ...................................................................... 58 2.4.1. Classe Polychaeta ........................................................................ 58 2.4.1.1. Forma e função .......................................................................... 59 2.4.1.2. Nutrição ....................................................................................... 60 2.4.1.3. Trocas gasosas e sistema circulatório ................................... 60 2.4.1.4. Excreção .....................................................................................61 2.4.1.5. Sistema nervoso e órgãos dos sentidos ................................ 61 2.4.1.6. Regeneração .............................................................................. 62 2.4.1.7. Reprodução e desenvolvimento .............................................. 62 2.5. Classe Oligochaeta .......................................................................... 62 2.5.1. Anatomia externa .......................................................................... 63 2.5.2. Parede corporal e celoma ............................................................ 64 2.5.3. Locomoção ..................................................................................... 65 6 2.5.4. Nutrição ...........................................................................................65 2.5.5. Circulação e respiração ................................................................67 2.5.6. Excreção .........................................................................................68 2.5.7. Sistema nervoso e órgãos sensoriais ........................................69 2.5.8. Reprodução ....................................................................................70 2.6. Classe Hirudinea (as sanguessugas) ............................................71 2.6.1. Estrutura .........................................................................................72 2.7. Saiba mais .........................................................................................74 2.8. Referências bibliográficas ...............................................................74 2.9. Glossário ............................................................................................75 2.10. Guia de estudo ................................................................................76 UNIDADE 3. Filo Arthropoda 3.1. Introdução aos artrópodos ..............................................................80 3.2. Características gerais ......................................................................81 3.2.1. Artropodização ................................................................................81 3.2.2. Locomoção .....................................................................................82 3.2.3. Sistema digestivo ...........................................................................85 3.2.4. Transporte interno, troca gasosa e excreção ...........................86 3.2.5. Sistema nervoso e órgãos dos sentidos ....................................88 3.2.6. Reprodução e desenvolvimento .................................................90 3.3. Classificação dos artrópodos ..........................................................91 3.3.1. Subfilo Trilobitomorpha ...............................................................91 3.3.2. Subfilo Chelicerata .......................................................................92 3.3.3. Classe Merostomata .....................................................................93 3.3.4. Classe Arachnida ..........................................................................94 3.3.5. Saiba mais ................................................................................... 107 3.3.6. Subfi lo Crustacea ....................................................................... 107 3.3.6.1. Forma e função ....................................................................... 109 3.3.6.2. Morfologia externa .................................................................. 109 3.3.6.2.1. Apêndices ............................................................................. 110 3.3.6.3. Morfologia interna e função ................................................... 110 3.3.6.4. Sistema muscular .................................................................. 112 7 3.3.6.5. Transporte interno e troca gasosa ........................................113 3.3.6.6. Sistema excretor ......................................................................113 3.3.6.7. Sistema nervoso e órgãos sensoriais ..................................115 3.3.6.8. Reprodução e desenvolvimento ............................................116 3.3.6.9. Hábitos alimentares .................................................................119 3.3.6.10. Saiba mais ..............................................................................120 3.4. Subfilo Hexapoda ...........................................................................121 3.4.1. Morfologia externa ......................................................................123 3.4.2. Regiões corporais .......................................................................123 3.4.3. Morfologia interna e função .......................................................128 3.4.3.1. Nutrição .....................................................................................128 3.4.3.2. Excreção, troca gasosa e transporte interno ......................131 3.4.3.3. Circulação .................................................................................132 3.4.3.4. Troca gasosa ............................................................................132 3.4.3.5. Reprodução e desenvolvimento ............................................133 3.4.3.6. Sistema nervoso ......................................................................134 3.4.3.7. Órgãos sensoriais ....................................................................134 3.4.3.7.1. Mecanorrecepção .................................................................134 3.4.3.7.2. Recepção auditiva ................................................................135 3.4.3.7.3. Recepção visual ...................................................................135 3.4.3.7.4. Quimiorrecepção ..................................................................135 3.4.3.7.5. Outros sentidos .....................................................................135 3.5. Subfilo Myriapoda ...........................................................................136 3.5.1. Características .............................................................................136 3.5.2. Classe Chilopoda ........................................................................136 3.5.2.1. Saiba mais ................................................................................138 3.5.3. Classe Diplopoda ........................................................................138 3.5.3.1. Saiba mais ................................................................................140 3.5.4. Classe Pauropoda ......................................................................140 3.5.5. Classe Symphyla ........................................................................141 3.6. Referências bibliográficas .............................................................141 3.7. Bibliografia complementar ............................................................142 3.8. Glossário ..........................................................................................142 8 3.9. Guia de estudo ............................................................................... 144 UNIDADE 4. Filo Echinodermata 4.1. Introdução ...................................................................................... 148 4.2. Características gerais ................................................................... 148 4.3. Classe Asteroidea ......................................................................... 149 4.3.1. Forma e função ........................................................................... 149 4.3.2. Celoma, excreção e respiração ............................................... 153 4.3.3.Sistema hidrovascular ................................................................ 153 4.3.4. Sistema digestivo .......................................................................154 4.3.5. Sistema peri-hemal .................................................................... 155 4.3.6. Sistema nervoso ......................................................................... 155 4.3.7. Sistema reprodutor e desenvolvimento .................................. 155 4.4. Classe Ophiuroidea ....................................................................... 157 4.4.1. Forma e função ........................................................................... 157 4.4.2. Biologia ........................................................................................ 160 4.5. Classe Echinoidea ......................................................................... 161 4.5.1. Biologia ........................................................................................ 164 4.6. Classe Holoturoidea ...................................................................... 165 4.7. Classe Crinoidea ............................................................................ 167 4.7.1. Forma e função ........................................................................... 169 4.8. Classe Concentricycloidea ........................................................... 170 4.9. Saiba mais ...................................................................................... 171 4.10. Referências bibliográficas .......................................................... 171 4.11. Glossário ....................................................................................... 172 4.12. Guia de estudo ............................................................................. 173 9 10 UNIDADE 1. Filo Mollusca 1.1. Introdução ...........................................................................................12 1.2. Características gerais .......................................................................13 1.3. Forma e função ..................................................................................14 1.3.1. Molusco generalizado ....................................................................14 1.3.1.1. Cabeça-pé ....................................................................................15 1.3.1.2. Rádula...........................................................................................15 1.3.1.3. Pé...................................................................................................16 1.3.2. Massa visceral ................................................................................17 1.3.2.1. Manto e cavidade do manto ......................................................17 1.3.3. Concha .............................................................................................18 1.3.4. Estrutura interna e função.............................................................19 1.3.4.1. Trocas gasosas ...........................................................................19 1.3.4.2. Sistema circulatório ....................................................................19 1.3.4.3. Excreção.......................................................................................20 1.3.4.4. Trato digestivo .............................................................................21 1.3.4.5. Sistema nervoso..........................................................................22 1.4. Reprodução e desenvolvimento ......................................................22 1.5. Molusco gastrópodo ..........................................................................23 1.5.1. Divisão do corpo .............................................................................24 1.5.2. Modificação do corpo do molusco nos gastrópodos ................25 1.5.3. Concha .............................................................................................27 1.5.4. Nutrição e digestão .......................................................................30 1.5.5. Excreção ..........................................................................................30 1.5.6. Troca gasosa...................................................................................31 1.5.7. Sistema nervoso e órgãos dos sentidos.....................................32 1.5.8. Reprodução .....................................................................................33 1.6. Classe Bivalvia ...................................................................................33 1.6.1. Forma e função...............................................................................35 11 1.6.2. Sistema digestivo ........................................................................... 37 1.6.3. Sistema circulatório........................................................................ 38 1.6.4. Sistema respiratório ....................................................................... 38 1.6.5. Sistema nervoso............................................................................. 40 1.6.6. Reprodução..................................................................................... 40 1.7. Morfologia e fisiologia dos cefalópodos ......................................... 41 1.7.1. Conchas dos cefalópodos ............................................................ 42 1.7.2. Locomoção ...................................................................................... 42 1.7.3. Alimentação .................................................................................... 43 1.7.4. Estrutura interna e fisiologia ......................................................... 44 1.7.5. Reprodução e desenvolvimento .................................................. 46 1.8. Saiba mais .......................................................................................... 47 1.9. Referências bibliográficas ................................................................ 48 1.10. Glossário........................................................................................... 48 1.11. Guia de estudo ................................................................................ 51 12 1.1. Introdução Os moluscos constituem um grande filo com diversos animais, tais como caracóis, caramujos, quítons, mexilhões, ostras, lesmas, lulas e polvos. Embora sejam conhecidas aproximadamente 93.000 espécies de moluscos viventes e 70.000 fósseis, muitas carecem de nomes científicos e descrições, em especial aquelas de regiões pouco estudadas; estima-se que somente cerca de metade das espécies viventes foi descrita até o momento. Além das três classes mais familiares, Bivalvia (mexilhões e ostras), Gastropoda (caracóis, caramujos e lesmas) e Cephalopoda (lulas e polvos), existem outras quatro: Polyplacophora (quítons), Scaphopoda (conchas dente-de- elefante ou dentálios), Monoplacophora (Neopilina e seus aparentados) e Aplacophora (moluscos primitivos vermiformes). Quanto ao tamanho, há uma divergência muito grande nas formas que compõem o grupo, pois existem formas microscópicas e também as que chegam a alcançar 6 metros de comprimento. Os moluscos são encontrados em uma grande variedade de habitats, desde os trópicos até os mares polares. Ocorrem em altitudes excedendo 7.000m, em pequenos e grandes lagos, cursos d'água e em planícies lodosas litorâneas. A maioria é marinha e apresenta uma diversidade de hábitos de vida, incluindo comedores de materiais depositados no sedimento, cavadores, perfuradores e formas pelágicas. Os moluscos, além de ocuparem todos os principais habitats, incluem representantes de todos os hábitos alimentares conhecidos. Neste filo estão incluídos tanto os mais ágeis quanto os mais lentos de todos os invertebrados de vida livre. O filo Mollusca se distingue dos demais filos por apresentar um pé muscular,uma concha calcária (o manto) e um cordão de alimentação (a rádula). Rádula – língua raspadora encontrada em muitos moluscos. Manto – dobra da parede corporal que secreta uma concha. 13 1.2. Características gerais 1. Celoma limitado a pequenos espaços ao redor dos nefrídios, docoração e parte do intestino; 2. Protostômios celomados, não segmentados e bilateralmente simétricos (ou secundariamente assimétricos); 3. Cavidade do corpo é uma hemocele (sistema circulatório aberto); 4. Vísceras concentradas dorsalmente como uma “massa visceral”; 5. Corpo revestido por espessa camada epidérmica-cuticular, o manto, que delimita uma cavidade (a cavidade do manto), onde estão abrigados os ctenídios, os osfrádios, os nefridíóporos, os gonóporos e o ânus; 6. Manto com glândulas da concha que secretam estruturas calcárias como espículas epidérmicas, ou concha de uma ou mais placas; 7. Coração abrigado na cavidade pericárdica e composto de átrios separados; 8. Pé grande, muscular e bem definido, frequentemente como uma sola rastejadora achatada; 9. Região bucal provida de uma rádula; 10. Tubo digestivo completo, com regiões especializadas, inc luindo grandes cecos digestivos; 11. Metanefrídios grandes e complexos (“rins”); 12. Com larva trocófora e usualmente larva véliger (direto ou secundariamente direto); 13. Forma do corpo: desde vermiformes em habitantes de tocas. 14. Tamanho que varia desde 2 milímetros de comprimento em espécies planctônicas e intersticiais, à lulas grandes com braços de 20 metros de extensão. Aqui, faremos um estudo da morfologia e fisiologia das três Protostômios – animais nos quais o blastóporo contribui para a formação da boca. Ctenídios – brânquias de cefalópodo em forma de pena Osfrádios – órgãos do sentido da cavidade do manto de muitos moluscos. 14 classes mais familiares dos moluscos: Bivalvia (mexilhões e ostras), Gastropoda (caracóis, caramujos e lesmas) e Cephalopoda (lulas e polvos). Existem, ainda, outras quatro: Polyplacophora (quítons), Scaphopoda (conchas dente-de-elefante ou dentálios), Monoplacophora (Neopilina e seus aparentados) e Aplacophora (moluscos primitivos vermiformes). 1.3. Forma e função A grande variedade, beleza exuberante e fácil disponibilidade de conchas de moluscos tornaram o hábito de colecioná-las um passatempo popular. Entretanto, muitos colecionadores amadores, ainda que capazes de mencionar os nomes de centenas de conchas que adornam nossas praias, conhecem muito pouco acerca dos animais que as produziram e que viveram em seu interior. 1.3.1. Molusco generalizado Os sete principais táxons de moluscos viventes compartilham um plano corpóreo básico comum, mas cada um modificou um ou mais aspectos desse padrão de modo característico. Por esse motivo, nenhum deles, em particular, representa completamente esse plano corpóreo básico, e nenhum pode ser considerado modelo de Mollusca. O molusco generalizado é um animal marinho bentônico, bilateralmente simétrico, achatado dorsoventralmente e de contorno geral ovóide (FIG. 1.1). Reduzido às suas dimensões mais simples, pode-se dizer que o plano corporal dos moluscos é constituído por uma porção cefalopediosa e uma massa visceral (FIG. 1.1). A porção cefalopediosa é a mais ativa, contendo os órgãos de alimentação, órgãos sensoriais, cefálicos e de locomoção. Ela depende primariamente da ação muscular para seu funcionamento. A massa 15 visceral é a região que contém os órgãos dos sistemas digestivo, circulatório, respiratório e reprodutivo. Ela depende, primariamente, de tratos ciliares para seu funcionamento. Duas pregas da epiderme projetam-se a partir da parede do corpo e formam um manto protetor, ou pálio, o qual circunda um espaço, entre o manto e a parede do corpo, denominado de cavidade do manto (cavidade palial). A cavidade do manto abriga as brânquias (ctenídios) ou um pulmão. Em uma parte dos moluscos o manto secreta uma concha protetora sobre a massa visceral. Modificações das estruturas que compõem a região cefalopediosa e a massa visceral são as responsáveis pela grande diversidade de padrões observados nos Mollusca. 1.3.1.1. Cabeça-pé A maioria dos moluscos tem cabeça bem desenvolvida, portadora de boca e de alguns órgãos fotossensoriais especializados. Estes receptores fotossensoriais variam desde os mais simples até os mais complexos, tais como os olhos dos cefalópodos. Tentáculos estão frequentemente presentes. No interior da boca, situa-se uma estrutura exclusiva dos moluscos, a rádula, e, geralmente posterior à boca, situa-se o principal órgão locomotor, ou pé. 1.3.1.2. Rádula A boca se abre anteriormente em uma cavidade bucal com pequenos sacos que contêm a rádula, uma língua áspera coberta por dentes feitos de quitina, uma característica única e diferenciada FIGURA 1.1 – Molusco generalizado. Fonte: HICKMAN JUNIOR, et al., 2004. 16 dos moluscos. A rádula é uma membrana em forma de esteira, sobre a qual estão fixadas fileiras de dentes diminutos, flexionados em direção posterior (FIG. 1.2). Músculos complexos movem a rádula e respectivas cartilagens de suporte (odontóforo) para dentro e para fora, enquanto a membrana radular é parcialmente deslizada sobre as extremidades das cartilagens. Nela, pode haver de uns poucos dentes até 250 mil deles, os quais, quando protraídos, podem raspar, rasgar ou cortar. A função usual da rádula é dupla: a de raspar, arrancando das superfícies duras as finas partículas de material alimentar, e a de servir como uma esteira condutora para o transporte de partículas num fluxo contínuo em direção ao trato digestivo. À medida que a rádula se desgasta na extremidade anterior, novas fileiras de dentes são continuamente repostas por secreção na extremidade posterior. O padrão de dentes numa fileira transversal é típico para cada espécie e usado na classificação dos moluscos. Especializações radulares muito interessantes são encontradas em algumas formas, tais como perfurar através de materiais duros ou para arpoar presas. 1.3.1.3. Pé O pé dos moluscos (FIG.1.1) pode estar diversamente adaptado para locomoção, para afixação a um substrato, ou para uma combinação de funções. É geralmente uma estrutura ventral, em forma de sola, na qual as ondas de contração muscular promovem uma locomoção por rastejamento. Há, entretanto, muitas modificações, dentre elas, o pé discóide das lapas, usado para adesão; o pé lateralmente comprimido (pé em machadinha) dos bivalves; ou o sifão para propulsão a jato em lulas e polvos. O muco secretado é frequentemente usado como auxiliar para a adesão, ou como esteira viscosa por pequenos moluscos que deslizam por ação ciliar. Em caramujos, caracóis e bivalves, o pé é estendido hidraulicamente, a partir do corpo, por ingurgitamento com sangue. Odontóforo – Órgão portador de dentes dos moluscos, incluindo a rádula, o saco radular, músculos e cartilagens. 17 Formas cavadoras podem estender o pé dentro do lodo ou areia, expandi-lo com a pressão sanguínea e, então, usá-lo ingurgitado como uma âncora para puxar o corpo para frente. Em formas pelágicas (livre-natantes), o pé pode estar modificado em parapódios aliformes, ou nadadeiras delgadas e móveis para a natação. 1.3.2. Massa visceral 1.3.2.1. Manto e cavidade do manto Dorsalmente a parede do corpo sobre a massa visceral está modificada para formar o manto (FIG. 1.1), ou pálio, que é característico dos moluscos. A epiderme do manto secreta proteína, saís de cálcio e muco. Ela é, também, sensorial. O manto é uma bainha da epiderme que se estende a partir da massa visceral e pende de cada lado do corpo protegendo as partes moles, criando, entre ela própria e a massa visceral, um espaço denominado decavidade do manto. Parapódios – lobos semelhantes a remos. FIGURA 1.2 – Seção longitudinal diagramática da cabeça de um gastrópode mostrando a rádula e o cada da rádula. A rádula move-se para trás e para a frente sobre o odontóforo cartilaginoso. À medida que o animal pasteja, a boca se abre o odontóforo é impelido para frente; a rádula raspa vigorosamente sendo movida para trás e trazendo alimento para dentro da faringe e a boca se fecha. A sequência é repetida ritmicamente. À medida que a esteira radular desgasta na extremidade anterior, é continuamente reposta na extremidade posterior. Fonte: HICKMAN JUNIOR, et. al., 2004. 18 A cavidade do manto (FIG. 1.1) tem importante papel na vida de um molusco. Ela contém o “ctenídio” (termo morfológico) ou “brânquia” (o nome indica sua função respiratória), que se desenvolve a partir do manto. A própria superfície do manto serve, também, para trocas gasosas. Produtos dos sistemas digestivo, excretor e reprodutor são lançados para dentro da cavidade do manto. Em moluscos aquáticos, uma contínua corrente de água mantida por cílios da superfície do corpo, ou por ação muscular bombeadora, traz oxigênio e, em algumas formas, alimento, para dentro, arrastando dejetos e elementos reprodutivos para o ambiente externo. Em formas aquáticas, o manto está geralmente equipado com receptores sensoriais para testar a água ao redor. Nos cefalópodos (lulas e polvos), o manto muscular e a respectiva cavidade palial geram o jato- propulsão usado na locomoção. Além disso, para se protegerem, muitos moluscos podem recolher a cabeça ou o pé para dentro da cavidade do manto, que é circundada pela concha. 1.3.3. Concha A concha é um capuz cônico, simples e baixo que cobre o dorso do molusco generalizado (FIG. 1.1). Na grande maioria dos moluscos viventes, entretanto, a concha tornou-se um refúgio espaçoso. O epitélio do manto secreta proteína e material calcário, que na maioria dos moluscos assume a forma de uma concha calcária e, ocasionalmente, de espículas ciculiformes. A concha, provavelmente, originou-se no molusco ancestral como uma espessa cutícula de quitina e proteína, à qual foram incorporados sais de cálcio, posteriormente. Com exceção dos aplacophora, todos os moluscos possuem concha calcária sólida, de aragonita ou calcita, produzida pelas glândulas da concha localizadas no manto. Nos moluscos aplacophora, as espículas ou placas de aragonita são depositadas extracelularmente, sendo que uma parte se mantém embutida no 19 manto. Já nos demais grupos de moluscos, as conchas respectivas variam muito em forma e tamanho, mas todas apresentam um plano básico de construção por carbonato de cálcio, eliminado pela célula e precipitado em camadas frequentemente recobertas por um envoltório orgânico e fino denominado de perióstraco (também chamado hipóstraco). A verdadeira concha dos moluscos consiste em três camadas básicas, uma orgânica e duas calcárias. A camada mais externa é o perióstraco, composto da proteína conchiolina. Imediatamente sob essa camada localiza-se o óstraco calcário e, interno a este, o hipóstraco. Essa duas camadas internas são compostas por carbonato de cálcio depositado sobre uma matriz orgânica. Nos gastrópodos, cefalópodos e bivalves, o hipóstraco pode ser nacarado (perolado). Todas as camadas da concha são secretadas pela epiderme do manto. É pela atividade dessa epiderme que a concha aumenta em tamanho à medida que o animal cresce. 1.3.4. Estrutura interna e função 1.3.4.1. Trocas gasosas A troca gasosa ocorre através da superfície corporal, particularmente do manto, e, em órgãos respiratórios especializados, tais como ctenídios, por meio de brânquias secundárias e pulmão. O molusco generalizado tem vários pares de brânquias (ctenídios; cteno = pente), um par dos quais está localizado na cavidade do manto posterior (FIG. 1.1). Muitos moluscos modernos têm somente um par ou, algumas vezes, uma única brânquia. As brânquias originais podem ser perdidas ou substituídas por brânquias secundárias. 1.3.4.2. Sistema circulatório Há um sistema circulatório aberto com um coração propulsor, 20 vasos e seios sanguíneos. O sistema hemal do molusco generalizado consiste em um coração, uma aorta dorsal, vasos sanguíneos, sangue (hemolinfa), e uma hemocele (FIG.1.3). O sangue contém amebócito como pigmento respiratório hemocionina. O coração consiste em um ou mais pares de átrios (aurículas), que recebem sangue oxigenado vindo das brânquias via vaso branquial eferente. Os átrios drenam para um ventrículo muscular mediano, ímpar, que é contínuo com a aorta. Esta, por sua vez, se ramifica em artérias menores que transferem sangue para os vários seios hemocélicos ou, raramente. Rede de capilares. Os seios principais estão na cabeça, pé e massa visceral. O sangue banha os tecidos no interior e ao redor dos seios e, então, retorna para o coração após ter circundado os nefrídios, passado através das brânquias. O sangue é, então, transferido para as brânquias pelos vasos branquiais aferentes. Tal sistema é caracterizado como “aberto”, significando que o escoamento arterial e retorno venoso estão conectados por grandes seios. A maior parte dos cefalópodos, entretanto, tem um sistema circulatório fechado, com coração, vasos e capilares. 1.3.4.3. Excreção A excreção nos moluscos é realizada pelo complexo cardiorrenal, que funciona como o sistema hemal-celômico- metanefrídial de outros animais celomados. No molusco generalizado, há um par de nefrídios (rins ou nefrídios) cujos nefróstomas abrem-se a partir da cavidade pericárdica (celoma) e nefridióporos, para dentro da câmara exalante da cavidade do manto. Em muitos moluscos, o rim é um grande saco com paredes secretoras e absorventes, envolvido por sangue da hemocele 21 visceral, com a qual permuta materiais. A conexão com a cavidade pericárdica é o canal renopericardial (FIG.1.3), cuja abertura na cavidade pericárdica é o nefróstoma. Podócitos nas paredes dos átrios tornam possível a formação de um ultrafiltrado (urina primária) na cavidade pericárdica. Esta urina primária entra pelo nefróstoma e flui através do canal renopericardial para o nefrídio, onde é modificada por secreção para o sangue circundante contido na hemocele visceral, e absorção a partir desse sangue. O epitélio nefridial reabsorve materiais úteis contidos na urina e os retorna para o sangue, enquanto simultaneamente secreta toxinas e resíduos contidos no sangue, passando-os para a urina. A urina final, modificada, deixa o rim via nefridióporo e passa para a corrente exalante da cavidade do manto. 1.3.4.4. Trato digestivo O trato digestivo é completo e altamente especializado de acordo com o hábito alimentar dos vários moluscos. Ele é geralmente provido com extensos tratos ciliares. A maioria dos moluscos tem um FIGURA 1.3 – Padrão de circulação sanguínea no burrié Littorina littorea. As setas delineadas indicam o f luxo urinário, as setas sólidas indicam o f luxo sanguíneo e as setas tracejadas indicam a utrafiltração. Fonte: RUPPERT & BARNES, 1996. 22 par de rins (metanefridios), ou seja, um tipo de nefrídio no qual a extremidade interna abre-se para dentro do celoma por um nefrostômio. Os dutos dos rins dos moluscos também servem como via para liberação de ovos e espermatozóides. 1.3.4.5. Sistema nervoso O plano fundamental do sistema nervoso dos moluscos consiste de um anel nervoso circum-esofágico no lado inferior, do qual se estendem dois pares de cordões nervosos. Como existem quatro cordões nervosos, diz-se que os moluscos exibem uma tetraneuria. O par de cordão ventral, chamado de cordões podais, inerva os músculos do pé; já o par dorsal, chamado de cordões viscerais, inerva o manto e os órgãos viscerais. As conexõestransversais dão a cada par de cordões a aparência de uma escada. O sistema nervoso consiste em vários pares de gânglios com cordões nervosos conectivos. Ele é dotado de células neurossecretoras que, pelo menos em certos caracóis de respiração aérea, produzem um hormônio de crescimento e funcionam na osmorregulação. Há vários tipos de órgãos sensoriais altamente especializados. Os órgãos sensoriais típicos dos moluscos incluem tentáculos cefálicos com receptores químicos e mecânicos, um par de olhos sobre a cabeça, um par de estatocistos no pé, e um par de ósfrádios na câmara inalante da cavidade do manto. Em muitos moluscos ocorrem tentáculos sensoriais nas margens do manto. 1.4. Reprodução e desenvolvimento O molusco generalizado é gonocórico, tendo um par de gônadas dorsolaterais anteriores. Quando maduros, os óvulos e espermatozóides entram na cavidade celômica e são transportados para o lado externo através dos rins. A fertilização ocorre externamente, na água do mar. Após um período de clivagem 23 espiral, a gástrula desenvolve-se em uma larva trocoforal livre- natante (FIG. 1.4B). Na maioria das classes dos moluscos, o trocóforo transforma- se em uma larva velígera mais altamente desenvolvida, na qual o pé, a concha e outras estruturas aparecem (Fig. 1.4A). Caracteristicamente uma larva velígera tem duas saliências ciliadas, chamadas de vela, com as quais nada e se alimenta. No fim da vida larval, a larva afunda e metamorfoseia-se para assumir os hábitos bentônicos do adulto. 1.5. Molusco gastrópodo Vimos no início desta unidade que o filo molusco encontra-se dividido em três classes mais familiares, Bivalvia (mexilhões e ostras), Gastropoda (caracóis, caramujos e lesmas) e Cephalopoda (lulas e polvos), e que existem ainda outras quatro: Polyplacophora (quítons), Scaphopoda (conchas dente-de-elefante ou dentálios), Monoplacophora (Neopilina e seus aparentados) e Aplacophora (moluscos primitivos vermiformes). A seguir, daremos ênfase ao estudo morfofisiológico dos moluscos gastrópodos. Os gastrópodos são o maior e mais diversificado grupo de moluscos (cerca de 70 mil espécies viventes e 15 mil espécies fósseis). Eles ocorrem em todos os níveis do mar, na água doce e FIGURA 1.4. A) Larva velígera do caramujo-chinelo Crepidula (vista frontal). B) Larva trocoforal do gastrópodo Notoacmaea scutum. Fonte: RUPPERT & BARNES, 1996. 24 na terra, com uma variabilidade notável na forma como se alimentam, incluindo até o parasitismo interno. São moluscos assimétricos com concha em uma única peça, geralmente enrolada em espiral, na qual o corpo pode ser protraído. 1.5.1. Divisão do corpo O corpo apresenta-se dividido em duas regiões: a região ventral, onde vamos encontrar a cabeça e o pé; e a região dorsal onde se encontra a massa visceral. Na cabeça encontra-se um par de olhos e dois pares de tentáculos (FIG. 1.5). No pé, encontra-se o opérculo, estrutura morfológica típica que ocorre na parte posterior e que funciona como um escudo protetor fechando a abertura da concha (FIG. 1.5). O corpo coberto pelo manto responsável pela formação da placa calcária. FIGURA 1.5 – Conchas de gastrópodos. A) Corte longitudinal através de uma concha. B) A concha da broca-de-ostra (Urossalpinx cinérea) mostrando comumente as características designadas. C) Gastrópodo com um opérculo. D-F) Recolinhmento no interior da concha e fechamento pelo opérculo. Fonte: RUPPERT & BARNES, 1996. 25 1.5.2. Modificação do corpo do molusco nos gastrópodos A evolução dos gastrópodos envolveu quatro alterações principais a partir da organização de um molusco generalizado: o desenvolvimento de uma cabeça; o alongamento dorsoventral do corpo; a conversão da concha de um escudo a um abrigo protetor profundo; e a torção. A cabeça é geralmente bem desenvolvida, com olhos e tentáculos sensoriais; o pé ventral primitivo, para o rastejamento, é, em geral, conservado; e a “corcova visceral” inclui a glândula digestiva e parte do trato digestivo. A concha, por sua vez, é formada por apenas uma peça, encerrando uma corcova visceral e a cavidade do manto . Ela frequentemente tem o formato de uma espiral, já que o desenvolvimento para um cone expandido tornaria a corcova visceral muito grande e desajeitada, a menos que esta também tivesse um formato espiral. A característica mais marcante nos gastrópodos, no entanto, é a torção, um fenômeno totalmente separado dos formatos em espiral da corcova visceral e da concha. Na larva véliger, a corcova visceral é torcida em 180o, trazendo a cavidade do manto para frente (daí vem o nome dado ao grupo basal dos gastrópodos, “Prosobrânquios”) (FIG. 1.6). O pé, exceto nos pulmonados, carrega um opérculo (FIG. 1.5) que pode fechar a abertura quando o corpo se recolhe no interior da concha. A torção em 90o é conseguida dentro de algumas horas, através da contração de um músculo assimétrico inserido no lado direito da concha e nos lados esquerdos da cabeça e do pé (FIG. 1.6). Antes da torção, a boca do embrião é anterior, enquanto o ânus e a cavidade do manto são posteriores. Após a torção, o ânus e a cavidade do manto tornam-se anteriores e abrem-se dorsalmente Torção – retorcimento de 90º ou 180º em sentido anti-horário da massa visceral dos gastrópodos, com relação a cabeça e ao pé 26 em direção à boca e à cabeça. Estruturas como brânquia, rim e aurícula, originalmente localizadas do lado direito, situam-se à esquerda, e os cordões nervosos acabam torcidos, assumindo a figura de um “8”. A torção é finalizada mais lentamente, através do crescimento assimétrico da larva. Devido ao espaço disponível na cavidade do manto, a extremidade cefálica sensorial, pode agora ser recolhida para dentro daquele espaço e mantida sob a proteção da concha, com o robusto pé formando uma barreira para o exterior. Em relação à situação encontrada no molusco ancestral, com cavidade do manto na parte posterior, a torção trouxe um sério problema de autopoluição. Esta autopoluição ocorre porque a água agora vai diretamente da frente para o interior da cavidade do manto, passando pelos ctenídios e adquirindo os produtos do ânus e dos nefrídios, até sair sobre a cabeça do animal, onde estes produtos podem ser depositados. No molusco ancestral, este material seria depositado na parte posterior, longe da cabeça do animal. Muitas das principais tendências evolutivas nos gastrópodos, assim com a definição de “primitivo”, estão relacionadas com a tentativa de resolver o problema da autopoluição. Nos gastrópodos mais primitivos, o problema é resolvido através de fendas ou buracos na concha, sobre a cavidade do manto, para que a água contendo fezes e urina possa sair mais para trás na concha. Os gastrópodos mais evoluídos resolveram o problema estendendo as aberturas anal e nefridiais até a margem mais afastada da cavidade do manto, assim como desenvolvendo um sifão para canalizar um fluxo oblíquo de água através da cavidade do mantos. Dessa forma, a água entra por um lado e sai pelo outro, longe da região da cabeça. 27 Graus variados de destorção são observados em opistobrânquios e pulmonados, nos quais o ânus abre-se do lado direito, ou mesmo na extremidade posterior. Entretanto, esses dois grupos derivaram de ancestrais com torção completa. 1.5.3. Concha A Concha, quando presente, é sempre uma peça única (univalve) e pode ser ou não enrolada. Iniciando pelo ápice, que contém a volta menor e mais velha, as voltas da concha tornam-se sucessivamente maiores a medida que enrolam-se ao redor do eixo central, ou columela (FIG. 1.7). A concha pode ser dextrógira, quando o enrolamento ocorre para a direita, ou sinistrógira, quando para a esquerda. Conchas dextrógirassão mais comuns e a direção do enrolamento é controlada geneticamente. FIGURA 1.6 – Torção em gastrópodos. A) Condição ancestral, antes da torção. B) Condição intermediária hipotética. C) Gastrópodo primitivo, com torção completa; a direção do rastejamento tende agora a arrastar dejetos para trás, para o interior da cavidade do manto, resultando em autopoluição. Fonte: HICKMAN JÚNIOR, et al, 2004. 28 O enrolamento ou o enrolamento em espiral da concha e da massa visceral não são o mesmo que torção. O enrolamento em espiral pode acontecer no estágio larval simultaneamente com a torção, mas registros fósseis mostram que o enrolamento é um fato evolutivo independente e que se originou nos gastrópodos antes da torção. Entretanto, todos os gastrópodos viventes descenderam de ancestrais com corpo e concha enrolados e torção completa, independentemente das formas atuais exibirem ou não essas características. Os gastrópodos primitivos tinham concha planispiral, bilateralmente simétrica, isto é, todas as voltas situadas num único plano (FIG. 1.8). Conchas com essas características não eram muito compactas, uma vez que cada volta tinha que se situar completamente no perímetro da volta precedente. Curiosamente, umas poucas espécies atuais retornaram secundariamente a essa forma planispiral. O problema da reduzida compactação da concha planispiral foi solucionado pela adoção da forma espiral cônica (conispiral), na qual cada volta sucessiva situa-se unida lateralmente à precedente (FIG. 1.8B). Todavia, esta volta era completamente desproporcional por concentrar muito peso unilateralmente e pender para esse único lado. Uma distribuição FIGURA 1.7 – Concha do búzio Busycon. A e B) Busycon carica, uma espécie com concha dextrógira, ou enrolada para a direita. Uma concha dextrógira tem abertura no lado direito quando mantida com o ápice para cima e abertura voltada para o observador. C. B. contrarium, uma espécie sinistrógira, ou com a concha enrolada para a esquerda. Fonte: HICKMAN JÚNIOR, et al, 2004. 29 mais equitativa foi alcançada pela mudança da posição da concha, colocando a espiral para cima e para trás, com o eixo mantendo-se oblíquo ao eixo longitudinal do pé (FIG. 1.8C). O peso e o grande volume da volta principal do corpo, a maior volta da concha , exerceram pressão sobre o lado direito da cavidade do manto e aparentemente interferiram nos órgãos daquele lado. Como consequência, a brânquia, a aurícula e o rim do lado direito foram perdidos na maioria dos gastrópodos viventes. Embora a perda da brânquia direita seja provavelmente uma adaptação ao transporte de uma concha enrolada, esta condição, presente na maioria dos prosobrânquios (caracóis) atuais possibilitou um meio de se evitar o problema da auto-poluição da cavidade palial, causado pela torção. A água é drenada para a cavidade do manto pelo lado esquerdo e expelida pelo lado direito, arrastando dejetos provenientes do ânus e nefridióporos, que se situam próximos do lado direito. FIGURA 1.8 - Evolução da concha em gastrópodos. A) As conchas enroladas mais primit ivas eram de forma planispiral, estando cada volta apoiada completamente no perímetro da volta precedente. B) Melhor compactação foi alcançada por gastrópodos nos quais cada volta apóia-se parcialmente ao lado da volta precedente. C e D) Melhor distribuição de peso resultou quando a concha foi deslocada para cima e para trás. Fonte: HICKMAN JUNIOR, et.al.,2004. 30 1.5.4. Nutrição e digestão A maioria dos gastrópodos possui uma rádula que, nesta classe, também apresenta a maior diversidade de formas. A rádula é o principal órgão de captura de alimento dos gastrópodos. Ela mantém sua estrutura primitiva e uso nos gastrópodos herbívoros. Entretanto, ela foi modificada em muitos gastrópodos avançados, pelos quais é usada para raspar pequenas partículas do substrato, para capturar ou para perfurar presas. Em alguns, os ctenídios, são empregados na alimentação. Por este motivo, esta classe também apresenta a maior diversidade de tipos alimentares encontrada dentre os grupos de moluscos. O alimento é movimentado ao longo do trato digestivo pelo batimento de cílios, e não pela contração muscular. Geralmente o trato digestivo é o local da digestão extracelular, que ocorre por meio de enzimas das glândulas salivares. O alimento é, então, selecionado no ceco: as partículas finas passam para a glândula digestiva principal onde pode haver uma digestão intracelular e uma absorção. As partículas pesadas rejeitadas passam para o intestino, podendo ser armazenadas neste local quando o animal se recolhe na concha, ou eliminadas pelo ânus. 1.5.5. Excreção Os gastrópodos marinhos são, em sua maioria, amoniotélicos. Isto significa que o produto final do metabolismo de suas proteínas é amônia, e que muito nitrogênio é perdido por difusão de amônia através das superfícies corporal e branquial. Já as espécies de água doce e as espécies anfíbias podem ser amoniotélicas ou ureotélicas. As espécies terrestres geralmente são uricotélicas. Por outro lado, as espécies que vivem em zona entremarés podem alternar, sendo uricotélicas quando imersas pela maré alta. A formação da urina ocorre como nos outros moluscos: 31 glândulas pericárdicas dotadas de podócitos e localizadas nas paredes dos átrios, e algumas vezes do ventrículo, produzem um ultrafiltrado na cavidade pericardial, que flui, então, através do duto renopericardial para dentro do nefrídio (F IG. 3.3). A absorção seletiva e a secreção pelo epitélio nefridial modificam a urina primária e a convertem em urina final, que é liberada a partir do nefridióporo para dentro da cavidade do manto. O amoniaco é o excreta dos gastrópodos aquáticos, mas os pulmonados terrestres excretam ácido úrico. Por cauda da adição de um ureter, formado a partir da parede do manto, nos pulmonados terrestres, a abertura excretora localiza-se fora da cavidade do manto. Como os pulmonados não estão especialmente adaptados para evitar a perda de água através da dessecação, grandes quantidades de água são perdidas no muco secretado quando eles rastejam. Com isso, a maioria dos pulmonados está restrita a ambientes úmidos ou tem hábitos noturnos. Durante o inverno ou períodos muito secos, os animais escondem-se no humo ou debaixo de pedras ou prendem-se à vegetação pelos cordões de muco. A abertura da concha é recoberta por uma película mucosa, que seca para formar um epifragma protetor. O animal fica inativo durante esse tempo e seu metabolismo cai para um nível muito baixo. Tal período de latência (hibernação) é uma adaptação comum de animais tropicais e subtropicais que vivem em regiões com longas estações de seca. As atividades noturnas e de hibernação também permitem a alguns pulmonados habitarem desertos e outras regiões áridas. 1.5.6. Troca gasosa Exceto pela assimetria produzida pela torção e pela perda da brânquia direita, o sistema circulatório dos gastrópodos é igual ao descrito para o molusco ancestral. O sangue da maioria dos gastrópodos contém hemocionina, que é um pigmento respiratório. Hemocionina – pigmento respiratório. 32 1.5.7. Sistema nervoso e órgãos dos sentidos O sistema nervoso dos gastrópodos é bem desenvolvido. Ele reúne três pares de gânglios conectados por nervos. Os órgãos dos sentidos incluem olhos ou fotorreceptores simples, estatocistos, órgãos tácteis e quimiorreceptores. O tipo de olho mais simples dos gastrópodos é constituído de uma depressão em forma de taça no epitélio, revestida com células pigmentares fotorreceptoras. Em muitos gastrópodos a taça ocular contém uma lente e está recoberta por uma córnea. Uma área sensorial denominada osfrádio , localizada na base do sifão inalante da maioria dos gastrópodos,é quimiorreceptora em algumas formas, embora sua função possa ser mecanorreceptora, ou mesmo desconhecida em outras. 1.5.8. Reprodução Há gastrópodos tanto dióicos como monóicos. Muitos realizam cerimônia de corte. Durante a cópula, em espécie monóicas, há uma troca de espermatozóides ou espermatóforos (feixes de espermatozóides). Muitos pulmonados terrestres lançam um dardo a partir de um saco do dardo (FIG.1.9), injetando no corpo do parceiro para aumentar a excitação antes da cópula. Após a cópula, cada parceiro deposita seus ovos em cavidades rasas no solo. Gastrópodos com características mais primitivas expelem ovos e espermatozóides para a água do mar, onde ocorre a fecundação. Os embriões eclodem brevemente como larvas trocóforas livre-natantes. Na maioria dos gastrópodos a fertilização é interna. Os ovos fecundados e envolvidos isoladamente em cápsulas transparentes podem ser eliminados para flutuar entre o plâncton, ou podem ser postos em camadas gelatinosas aderidas ao substrato. Algumas formas marinhas encerram seus ovos em pouco ou em grande número em cápsulas ovígeras (FIG. 1.10). A prole, geralmente, ou pode emergir em fase de véliger, ou pode ficar retida na cápsula ovígera por todo o estádio de véliger e somente emergir 33 como caracóis juvenis. Algumas espécies, incluindo muitos caramujos de água doce, são ovovivíparas, encubando seus ovos e a prole no oviduto palial. 1.6. Classe Bivalvia A classe Bivalvia, também chamada de Pelecypoda ou Lamellibranchia, inclui moluscos tão comuns quanto as ostras, os mariscos, e os mexilhões. Essa classe inclui cerca de 8 mil espécies recentes descritas, das quais aproximadamente 1,8 mil vivem em água doce, enquanto as demais são marinhas. Os bivalves são comprimidos lateralmente e possuem uma concha composta de FIGURA 1.9 - Anatomia de um caracol pulmonado. Fonte: HICKMAN JUNIOR, et al., (2004. FIGURA 1.10 – Desovas de gastrópodos marinhos. Búzio Thaís lamelosa deposita cápsulas ovígeras lembrando grãos de trigo, cada cápsula contém centenas de ovos. Fonte: HICKMAN JUNIOR, et. al., 2004. 34 duas valvas, encaixadas em dobradiça dorsalmente, que envolvem todo o corpo (FIG. 1.11). O pé, como o restante do corpo, é comprimido lateralmente, daí a origem do nome Pelecypoda (que significa “pé machadinha”); a cabeça é mal desenvolvida; a cavidade do manto é mais espaçosa do que qualquer classe de moluscos; e as brânquias são geralmente muito grandes, tendo assumido, na maioria das espécies, uma função de coleta e alimento, além de realizar a troca gasosa. Os bivalves são únicos entre os moluscos por terem perdido a rádula. Quase todos dependem da brânquias para obter alimento. A maioria dessas características representa modificações que permitiram aos bivalves tornarem-se escavadores de fundos macios para os quais a compressão lateral do corpo é bem adequada. Os bivalves reúnem três grupos morfológicos principais, os protobrânquios, os lamelibrânquios e os septibrânquios, distinguidos por diferenças em suas brânquias. Quando distinguidos por seu modo de alimentação, os Protobrânquios são os mais primitivos existentes, comedores de depósitos; os Lamellibrânquios, maioria dos bivalves, são comedores de suspensão; e os Septibrânquios são carnívoros A FIGURA 1.11 - Representação diagramática de cortes transversais das três categorias de moluscos bivalves, enfatizando as brânquias e suas relações com a cavidade do manto. As setas mostram a direção do f luxo de água. A) Protobrânquio. B) Lamelibrânquio. C) Septibrânquio. Fonte: RUPPERT, et. al. 2005. 35 especializados (FIG.1.11). A maioria dos bivalves é lamelibrânquia comedora de suspensão, porém, acredita-se que os protobrânquios comedores sejam os bivalves mais primitivos existentes. Os septibrânquios são carnívoros especializados. 1.6.1. Forma e função A concha. Os bivalves são lateralmente comprimidos e sua concha de duas peças (valvas) são mantidas unidas dorsalmente por um ligamento que faz com que as valvas se afastem ventralmente. As valvas são trazidas uma de encontro à outra por músculos adutores que atuam em oposição ao ligamento da charneira (FIG. 1.12). O umbo é a parte mais velha da concha. o crescimento ocorre em linhas concêntricas ao seu redor (Fig. 12.B). A concha compõe-se de três camadas: o perióstraco externo, uma cobertura fina, colorida, córnea, que protege as partes subjacentes da dissolução pelo ácido carbônico da água; uma camada prismática média, de carbonato de cálcio cristali no; e a Limnícos FIGURA 1.12 - Concha de bivalve. A) Corte transversal mostrando funções antagônicas dos ligamentos da charneira e dos músculos adutores. Quando as valvas são fechadas pelos músculos adutores, o ligamento externo da charneira é esticado e, o interno, comprimido. Fonte: RUPPERT & BARNES, 1996. 36 camada interna nacarada, ou revestimento de madrepérola, formada por muitas camadas finas de carbonato de cálcio, tendo leve iridescência. A produção de pérola é um subproduto de um mecanismo preventivo usado pelos bivalves quando um objeto estranho (grão de areia, parasita ou outro) aloja-se entre a concha e o manto. O manto secreta muitas camadas de nácar ao redor do objeto irritante. Pérolas são cultivadas inserindo-se partículas de nácar, geralmente extraídas de conchas de bivalves limnícos, entre a concha e o manto de uma certa espécie de ostra perlífera. Esse processo é seguido da manutenção das ostras em cercados por vários anos. Meleagrina é uma ostra usada extensivamente pelos japoneses para o cultivo de pérolas. O corpo mole dentro da concha (FIG. 1.13) consiste de uma massa visceral robusta mediana, fixa dorsalmente e contendo vários órgãos; sua parte ântero-ventral forma o pé muscular. Em cada lado deste pendura-se o ctenídio (brânquia em forma de W), no qual está o lobo do manto, externamente. Uma camada fina de tecido adere à superfície interna da valva. As margens livres do manto são musculares e podem ser aproximadas para fechar a cavidade interna do manto. As margens internas do manto formam, atrás, dois tubos curtos: um sifão ventral, ou inalante, e um sifão dorsal, ou exalante. A água entra e sai por essas estruturas pela ação de cílios das superfícies de revestimento da cavidade do manto. Cicatrizes na superfície interna de cada valva indicam inserções de músculos (FIG. 1.14). São eles os grandes adutores anterior e posterior, ambos transversais e que aproximam as valvas, os retratores anterior e posterior, que recolhem o pé dentro da concha e o protrator anterior que auxilia a estender o pé. 37 1.6.2. Sistema digestivo O sistema digestivo dos bivalves consiste em boca, esôfago, estômago, intestino, reto e ânus, a boca é anterior a massa visceral, ficando entre os palpos labiais. Cecos digestivos ramificados estendem-se para dentro da hemocele como divertículos do estômago (Fig. 1.13A). O intestino descreve várias voltas através da massa visceral antes de se estender posteriormente através da cavidade pericárdica e terminar no ânus. Este é posterior e abre-se na câmara exalante. Fora do estômago, há uma bolsa (ceco pilórico) que contém geralmente um bastonete transparente, o estilete cristalino, que produz uma enzima redutora de amido, útil na digestão do plâncton. O reto tem uma dobra longitudinal ou tiflossole, que aumenta a superfície interna. A boca não possui mandíbulas ou rádula. FIGURA 1.13. Bivalvia de água doce, Anodonta. A) Estrutura interna vista na com a concha, manto e brânquias do lado esquerdo removidos. B) Seção transversal ao nível da região do coração. Ambas esquemáticas. Fonte: STORER, et. al., 1984. 38 1.6.3. Sistemacirculatório O sistema circulatório compreende um coração dorsal, com duas aurículas unidas a um ventrículo muscular. Este encontra-se ao redor do reto e dentro de uma cavidade pericárdica. O ventrículo impele o sangue para a frente em uma aorta anterior, suprindo o pé e as vísceras (exceto os rins e brânquias), e para trás em uma aorta posterior, irrigando o reto e o ânus.. O sangue oxigenado no manto retorna diretamente para as aurículas, mas aquele que circula através de outros órgãos é coletado em uma veia que vai para os rins e daí para as brânquias (FIG. 1.14). Uma parte do sangue arterial entra em vasos revestidos por epitélio e outra penetra em seios sanguíneos sem revestimento celular, como no pé; algum sangue também se difunde em espaços intercelulares. O sangue transporta nutrientes dissolvidos para todas as partes do corpo e também elimina dióxido de carbono nas brânquias e no manto. Restos orgânicos são eliminados nos rins. 1.6.4. Sistema respiratório A função de respiração é realizada conjuntamente pelo manto e dois ctenídios duplos. O ctenído é uma estrutura em forma de W, sendo cada metade formada de duas lamelas finas, em forma de placa, completamente unidas na margem ventral, onde há um sulco FIGURA 1.14 – Bivalve de água doce. Esquema do sistema circulatório. Fonte: STORER, et. al., 1984 39 alimentar (FIG. 1.15). Cada lamela é constituída de muitas barras branquiais verticais, reforçadas por bastonetes quitinosos e ligadas entre si por barras horizontais, contendo pequenos poros (óstios) entre elas. Partições transversais (junções interlamelares) entre as duas lamelas dividem o interior de uma brânquia em muitos tubos aquíferos verticais. Dorsalmente, os tubos aquíferos de cada brânquia unem-se a uma câmara suprabranquial comum, que se estende posteriormente até o sifão exalante. Há uma passagem em forma de fenda, da cavidade do manto para a câmara suprabranquial de cada brânquia interna. O sangue das veias dos rins passa através de vasos finos, aferentes das junções interlamelares, para arejamento, antes de voltar ao coração. Logo abaixo do pericárdio, há dois rins que removem restos orgânicos do sangue líquido pericardial. Cada um deles é um tubo em forma de U, com uma cobertura ciliada drenando tanto a cavidade pericárdia como uma região glandular adjacente às veias, além de uma vesícula que descarrega através de uma abertura ciliada, na câmara suprabranquial da brânquia. FIGURA 1.15. Bivalve de água doce. Esquema da estrutura da brânquia. A) Metade da brânquia esquerda parcialmente removida para mostrar a estrutura externa , percurso da água , percurso das partículas de alimento presas em muco e levadas parra a boca ∙− ∙, percurso das partículas rejeitadas. B) Porção da brânquia ampliada ∙∙∙∙, percurso da corrente sanguínea para baixo em vasos aferentes e para cima em eferentes. Fonte: STORER, et. al,, 1989. 40 1.6.5. Sistema nervoso O sistema nervoso inclui três pares de gânglios: o cerebral, ao lado do esôfago; o pedal, no pé; e o visceral, abaixo do músculo adutor posterior. Cada par é ligado por uma comissura e há também comissuras cérebro-pedais e cérebro-viscerais, além de nervos para os vários órgãos. As estruturas sensitivas incluem mecanismos que respondem à luz nas margens dos sifões, órgãos táteis no bordo do manto, um par de estatocistos (para o equilíbrio) no pé e um osfrádio no sifão inalante, sobre cada gânglio visceral, o osfrádio evidentemente testa a quantidade de lodo na água que entra, estimulando a redução da tomada quando o conteúdo de lodo é alto. 1.6.6. Reprodução Os sexos são geralmente separados. Os gametas são enviados para dentro da câmara suprabranquial para serem arrastados para fora da corrente exalante de água. Uma ostra pode produzir 50 milhões de ovos em uma única temporada. Na maioria dos bivalves, a fecundação é externa. O embrião desenvolve-se em trocófora, véliger e estádio de juvenil (FIG. 1.16). Na maioria dos bivalves de água doce, a fecundação é interna. Os ovos precipitam para dentro dos tubos aquíferos das brânquias, onde são fecundados por espermatozóides que entram com a corrente inalante de água, desenvolvendo-se, dentro deles, em larva gloquídio, ou seja, com duas valvas, um véliger especializado (FIG. 1.17). Quando liberadas as larvas gloquídios são carregadas pela corrente de água e entram em contato com um peixe que esteja de passagem, fixam-se às suas brânquias ou epiderme e vivem como parasitas por várias semanas. Após esse período, precipitam para o sedimento do fundo para iniciar uma existência independente. A fase larval “pegadora de carona” contribui para a dispersão de formas cuja locomoção é muito limitada. 41 1.7. Morfologia e fisiologia dos cefalópodos A classe dos cefalópodos abrange os polvos, as sibas, as lulas, etc. Caracteriza-se por possuir uma cabeça grande, olhos com mandíbulas córneas e rádula. Em torno da boca, pode haver 6, 10 FIGURA 1.16 - Ciclo de vida de ostras nadam por aproximadamente duas semanas antes de assentarem para f ixação e transformação numa ostra juvenil. Ostras levam cerca de quatro anos para atingir tamanho comercial. Fonte: HICMAN JUNIOR, et. al., (2004). FIGURA 1.17 – Gloquídio, ou forma larval para alguns bivalves límnicos. Quando as larvas são liberadas da bolsa incubadora materna, podem fixar-se às brânquias de um peixe fechando e mantendo apertadas suas valvas. As larvas permanecem parasitas do peixe por várias semanas. Seu tamanho é de aproximadamente 0,3 mm. Fonte: HICMAN JUNIOR, et. al., (2004). 42 ou mais tentáculos, de onde vem a denominação da classe. São todos marinhos e de desenvolvimento direto. Nadam rapidamente e o que os distinguem dos demais moluscos é a grande cabeça munida de tentáculos com ventosas. Os cefalópodos nadam por propulsão a jato. A força é gerada pela tração do manto, que se fecha próximo à cabeça. A água é expelida da sua cavidade através de um pequeno funil derivado de uma parte do pé. O grande aumento do eixo dorsal e o desenvolvimento da capacidade de nadar acarretaram uma troca na orientação do corpo. Os tentáculos, que representam a superfície ventral original, são direcionados para a frente e a massa visceral, que representa a superfície dorsal original, passou a ser direcionada posteriormente. 1.7.1. Conchas dos cefalópodos Só o Nautilus, entre os cefalópodos atuais, possui uma concha bem desenvolvida (FIG. 1.18). A concha, no entanto, era uma característica de milhares de espécies fósseis. A dos cefalópodos, que é diferente da dos demais moluscos, está dividida em septos transversais em câmaras interiores. Os animais atuais ocupam apenas a primeira câmara, que se abre para o exterior. As posteriores são preenchidas por gás, o que permite que o animal flutue ao nadar. Esse gás é secretado por um cordão do tecido do manto, que se estende para trás através dos septos (F IG. 1.19). Nas lulas e sépias, a concha reduziu-se muito e o manto hipertrofiou-se, envolvendo a concha. Nos octópodos, a concha desapareceu por completo. 1.7.2. Locomoção A maioria dos cefalópodos nada por meio de propulsão a jato, expelindo rapidamente a água da cavidade do manto. O manto contém tanto fibras musculares radiais como circulares. Durante a 43 fase inalante da circulação hídrica, as fibras circulares relaxam e os músculos radiais contraem-se. Essa ação aumenta o volume da cavidade do manto e a água entra rapidamente na parte lateral entre a margem anterior do manto e a extremidade posterior da cabeça. Durante a fase exalante, a contração dos músculos circulares não só aumenta a pressão da água dentro da cavidade do manto, como também fecha as bordasdo manto firmemente ao redor da cabeça. As valvas protuberantes selam ventralmente a cavidade do manto e a água, em conseqüência, é forçada a sair através do funil tubular ventral. A força da água que sai pelo funil propele o animal na direção oposta. O funil é bastante móvel e pode ser direcionado anterior ou posteriormente, resultando tanto em um movimento para a frente como para trás. O movimento mais rápido é obtido na natação de fuga para trás, quando poderosas contrações do manto ejetam a água pelo funil anteriormente direcionado. 1.7.3. Alimentação Os cefalópodos estão altamente adaptados para a caça e são carnívoros. Peixes, camarões, caranguejos e outros moluscos servem de alimento. A presa é segura pelos tentáculos. Lulas e sépias têm oito braços e dois tentáculos longos preênseis (FIG. 1.19); os octópodos possuem apenas os oito braços. À exceção do FIGURA 1.18 - Corte sagital do Nautilus. Fonte: RUPPERT & BARNES, 1996. 44 Nautilus, os braços e tentáculos possuem ventosas. O principal órgão de ingestão é um par de mandíbulas córneas muito móveis, em forma de bico, e que podem cortar e rasgar a presa. A rádula funciona como uma língua para puxar os pedaços rasgados pelas mandíbulas. Como ajuda complementar para matar a vítima, um par de glândulas salivares transformou-se em glândulas de veneno. 1.7.4. Estrutura interna e fisiologia Muitas características de suas estruturas internas e fisiológicas refletem o tipo de vida predadora dos cefalópodos. O estômago é muito diferente daquele dos demais moluscos. A digestão é extracelular e as glândulas digestivas produzem grande quantidade de enzimas proteolíticas. Os cílios não são necessários nas brânquias e o manto, que através da contração muscular fornece propulsão à corrente ventilatória, também proporciona uma corrente locomotora. Um par de corações secundários aumenta a pressão Figura 1.19 – Coleoidea A) Siba agarando um camarão com seus dois tentáculos. B) Vista dorsal da lula Loligo em posição de nado. Os tentáculos e braços estão unidos, atuando como um leme. Fonte: RUPPERT et. al., 2005. 45 sanguínea na entrada das brânquias (FIG. 1.20) e o sangue passa através dos filamentos branquiais em capilares, aumentando, assim, o transporte, o que reflete um metabolismo intenso. No sangue, o oxigênio é carregado pela hemocianina. Um único par de nefrídios provê a excreção. O sistema nervoso e órgãos sensoriais dos cefalópodos estão entre os mais desenvolvidos nos invertebrados. Neles, os gânglios, que em muitos outros moluscos localizam-se em diferentes pontos ao longo dos cordões nervosos, concentram-se no extremo anterior para formar um cérebro complexo, alojado numa cápsula cartilaginosa. Os centros funcionais do cérebro têm sido identificados e o comportamento do polvo e outros cefalópodos vem sendo bastante estudado. Os braços possuem muitas células táteis e quimiorreceptoras que desempenham um importante papel na discriminação estrutural e química das superfícies. Um estatocisto localiza-se em ambos os lados do cérebro. Hemocianina - pigmento respiratório FIGURA 1.20 - Anatomia da lula Loligo (macho). Vista ventral com o manto cortado revelando os órgãos dentro da cavidade do manto. Fonte: RUPPERT & BARNES, 1996. 46 Nos cefalópodos, além do Nautilus e de algumas espécies de águas profundas, um grande saco de tinta abre-se no reto, logo atrás do ânus (FIG. 1.20). A glândula secreta um fluido marrom ou negro que contém alta concentração do pigmento melanina, armazenado no reservatório. Quando o animal se encontra alarmado, a tinta é liberada através do ânus e a nuvem de água com tinta forma uma “simulação” que confunde o predador. Também se acredita que a natureza alcalóide da tinta pode ser desagradável aos predadores (particularmente peixes) podendo anestesiar seus sentidos quimiorreceptores. Os cromatóforos são grandes células cheias de pigmentos, nas quais fixam-se fibras musculares. Cromatóforos amarelos, laranja, vermelhos, azuis e negros podem estar presentes, dependendo da espécie. A contração das células musculares expande os cromatóforos e faz com que a cor mude, o que pode funcionar como simulações do fundo, no comportamento de corte dos machos, em respostas agressivas entre indivíduos e reações de alarme contra intrusos. Os cefalópodos de águas profundas não têm cromatóforos , mas muitos são bioluminescentes. A luz é produzida por órgãos especiais denominados fotóforos, localizados em diferentes partes do corpo, frequentemente compostos de diferentes cores. 1.7.5. Reprodução e desenvolvimento Os sexos são separados nos cefalópodos. A gônada em cada sexo é provida de um complexo gonoduto. A cópula envolve a transferência dos espermatozóides em pacotes denominados espermatóforos. Massas de espermatozóides são cimentadas entre si, ou englobadas por secreções especiais em certas regiões do ducto espermático. Durante a cópula, o macho segura a cabeça da fêmea e trança Fotóforos - órgãos especiais dos cefalópodos que produzem a luz. Espermatóforos – secreção das vias reprodutivas masculinas, incluindo espermatozóides. 47 seus braços com os dela. Um braço especial modificado do macho penetra na sua cavidade do manto e colhe uma massa de espermatóforos do seu gonoduto. Este braço copulador do macho, então, deposita os espermatozóides na cavidade do manto da fêmea. Os espermatóforos liberam os espermatozóides em seguida. Os ovos são normalmente fertilizados ao deixarem o gonoduto da fêmea. Em alguns cefalópodos pelágicos, os ovos são plantônicos. Na maioria, no entanto, eles são depositados em cordões no fundo ou presos a pedras ou outros substratos. Os octópodos permanecem junto a seus ovos, guardando e limpando-os dos sedimentos. O desenvolvimento é direto e o animal tem a forma adulta ao sair do ovo. 1.8 Saiba mais Quer saber mais sobre os moluscos? Visite os sites: http://www.colegiosaofrancisco.com.br/alfa/filo -mollusca/filo- mollusca-1.php http://pt.wikipedia.org/wiki/Moluscos http://www.mundoeducacao.com.br/biologia/fi lo-mollusca.htm http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Reinos2/biomoluscos.php http://estudantedavida.blogspot.com/2007/03/fi lo-mollusca.html http://biologia.ifsc.usp.br/bio2/aulas/Teoria-06.pdf http://www.biomania.com.br/bio/conteudo.asp?cod=1282 http://www.colegiosaofrancisco.com.br/alfa/filo-mollusca/filo-mollusca-1.php http://www.colegiosaofrancisco.com.br/alfa/filo-mollusca/filo-mollusca-1.php http://pt.wikipedia.org/wiki/Moluscos http://www.mundoeducacao.com.br/biologia/filo-mollusca.htm http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Reinos2/biomoluscos.php http://estudantedavida.blogspot.com/2007/03/filo-mollusca.html http://biologia.ifsc.usp.br/bio2/aulas/Teoria-06.pdf http://www.biomania.com.br/bio/conteudo.asp?cod=1282 48 1.9. Referências bibliográficas BRUSCA, R. C.; BRUSCA, G. J. Invertebrados. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2007. 968 p. HICKMAN JÚNIOR, C. P.; ROBERTS, L. R.; LARSON, A. Princípios Integrados de Zoologia. 11. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2004. 846 p. MOORE, J. Uma Introdução aos Invertebrados. [S.l.] Editora Santos, 2003. 356 p. RUPPERT, E. E.; BARNES, R. D. Zoologia dos Invertebrados. 6. ed. São Paulo: Editora ROCA, 1996. 1029 p. RUPPERT, E. E.; FOX, R. S.; BARNES, R. D. Zoologia dos invertebrados: uma abordagem funcional-evolutiva. São Paulo: Editora ROCA, 2005. 11143 p. STORER, T. J. et al. Zoologia Geral. 6. ed. [S.l.] Editora Nacional, 1989. 816 p. VILLEE, C. A.; WARREREN, F. W. J.; BARNES, R. D. Zoologia Geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Interamericana, 1989. 683 p. 1.10. Glossário Bioluminescência: emissão de luz por células vivas ou pelos sistemas
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