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SieveJ:.ino Elias Ngoeuha, 
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()S TEMPOS D.A I•H .. OSCH•IA 
Lausanne, Suiça - 20.04' · 
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(-'~· . ..:."•~t:.:., 
Severino Elias N go~nha 
. . 
OS TEMPOS DA FILOSOFIA 
FILOSOFIA E D.EMOCRACIA MOÇAMBICANA, 
·-:--,.- . -:~~-. . - . -. . ----.. 
Imprensa Univenntáiria 
Maputo, 1004 · · 
. ;;· 
·-~~:~ i; 
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-:~ili 
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-g 
·--:t1:J 
--~ 
~:~~t 
; · .. 
Titulo: . Os Tempos da Filosc•fia . 
Severino Elia:; Ngoenha Autor: 
\ 
Editor: Imprensa Universitária, UEM, Maputo, Moçambique 
Maq11e!ização e 
impressão: 
Capa: 
. Nº de registo: 
Tiragem: 
Daü1 1/e public11ção: 
Imprensa Universitária 
Sérgio Tique 
41 09/RL!NW/2004 
1000 exemplares 
Julho de 2004 
Capítul9 I 30 
Filosofia ie <lem.ocracia em ?vioçambique 30 
As aporias filo~ófic.i.s 45 
A tentação .do(a) polític~(a) 49 
Qual pode ;er a contribuição esp ··· :-;fica da filosofia 
Únoçambicana) p.o crescimento den1ocrático de 
Moçambique · · 68 
i ,.· filosofia en1. Moç.amhique ·77 
O papel do novo Estado moçambicano 
.na nova sociedade mo~ambitana 98 
A questão da legitimação 108 
A democracia representatíve 120 
A questão da soberania 1.2~ 
V 
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.: ~ -. ~ ··~. .·. 
Capi'.itu l.o IH 137 
A ns vencidos não se p ed e c pinião 137 
Por um t iplo contrato moçambicano 159 
1. Contrato cultur.al 159 
Democracia e cultu.rn(s) m oçambicana(s) i•S5 
Cultura juridical r·71 
Pluralismo jurídico 173 
Transferência jurídica 178 
·· Por um prnjecto político . 
democrático e rnt.lltic ultural 179 
2 . Contrato social 137 . 
.A justiça como equidade I94 
. :;. Contrato polit ico 21 :.z 
Bibliografia 219 
VI 
:·_ . . . . ' -~ . . : 
. . . 
:Prefácio 
(Po»']osié P. Castiano) ' 
Die ~ule der Mine7a be~nnt erst mit d,er eirzbreç.J;enden 
Dãmmerung ihren · Flug . Estas palavras foram escritas por 
G.F.Hegel (1770-1831), o consjderado pai da ·filosofia clássica 
. . . . . , . l 
alemã, · nõ·· penúltimo parágrafog do · prefácio à sua obra 
Grundlinien der Philosophie des Rechtes2 a · 25 '.de Junho de 
1820, data em que o assinava. Na me~a ·data, em Moçambique, 
aproximadamente·· um: século e. meio depois, . Samora Machel 
proclama a Independência total e c:ompleta 'de Moçambique acto 
que formaliZou a Liberdade p()lítica. Se há algum':\ coisa que o 
filósofo Ngoe'nha teria desejado fazer, seria convidar o .velho 
Hegel a assistir> a .\1Iil dos momentos mais importantes da 
caminhada do povo moçambicano para.a sua Liberdade. Mas ao 
invés disso, Ngoenha ·obsequeía-nos coi'.n a visita ·da coruja da 
Minex:va pór via" deste livro no vigésimo ano da' Independência 
de Moçambique, ano das terceiras eleições multipartidárias pâra 
· o Parlamento e Presidência da República. · 
A coruja é .a ave que a Minerva envia para anunciar as 
· boaS novas: Quando ela levanta o seu voo e o povo a vê 
· chegando, sabe 'que é :Prenúncio da lllZ d~ esperança. Algo vai 
. . . 
"A cQruja da Minerva só levanta o seu voo quando ~hega o crepúscu/Q" 
(tradução n:iiDha). H.á pelo menos uµia boa dezena de traduções düercntes 
desta frase de'Hegel,:.alterando. na~lmente, ligeiramente o seu sentido. 
Em .~gumas traduções·portugÚesas se emprega o termo mocho e não. 
cot:ZJja e ·ainda o :tenii.o entaráecer ao .fnves de crepúsculo. Atenas ou 
Minerva era :a deusa. da cidade de Atenas, da coruja, e da· oliveira e ·da 
. civilizaÇão; era a eneamação da sabedoria, da razão e da pureza . .. 
2 Fundamentos ·da Filosofia -do pireito. · · 
·~~ _ .. ... :·· 
·~ 
..., . 
·~ 
mudar? No mesmo parágrafo, antes desta frase, .Hegel escreve: · 
"Enquanto pensamento do mundo, [a filosofia} aparece no tempo 
só depois da realidade ter consumado o seu processo de 
formação e esteja realizada3". A ideia é que a Filosofia, como 
amor pela sabedoria,. é um Gedanke (pensamento) sob~e os 
fünàamentos dos fenómenos da natureza, da sociedade e do 
pensamento. Entre os quais estão os fenómenos ·políticos. A 
Filosofia para este pensadc;>r, é o resumo · do tempo no 
pensamento; por isso só pode chegar ao "entardecer" depoi~ de 
tudo acontecer durante uma jornada.-Pan(Hç:gel, neste sentido, a 
. Filqsofia é contemplativa e é o ponto de chegada reflectiva. 
Ngoenha se propõe com este ljvro fornecer os 
fundamentos para o pensar filosófico sobre a Democracia . 
moçambicana. Chegou tarde demais como a coruja da Minerva? 
Ou chegou ainda a tempo de, coin o livro, espalhar ~a luz do 
olhar filosófico sobre o processo político em Moçambique? Ele 
próprio diz que as questões que trata neste livro foram suscitadas 
há quase quatro anos atrás. De lá para cá lhe perseguiram nas 
suas reflexões e conversas. O convite da Academia Filosofica na 
Matola em 1999 foi o ponto de partida e pretexto para pensar e 
. escrever sobre o papel dà Filosofia, particularmente da Filosofia 
Política, em Moçambique. O convite foi nas vésperas . das 
eleições legislativas e presidenciais de 1999. Ngoenha vem 
responder quase cinco anos depois ... por sinal [?] nas vésperas de 
outras eleições gerais: Tarde como a coruja da Minerva? Sim 
porque as eleições que eram a ocasião do questionamento já se 
realizarám. Mas Ngoenha precisava de tempo para reflectir sobre 
os fundamentos. E pensar sobre os fundamentos precisa de 
prudência porque pomos em evidência e pensamos sobre os 
erros, conflitos, lutas e disputa5 do passado com os olhos postos 
"Ais der Gedanke der Welt erscheint sie [ die Philosophie] erst in der 
Zeit, nachdem die Wirldichkeit ihren Bildungsprozeft vollendet und sich 
fertig gemacht. hat". (Hegel,F., . Philosophie . des Rechtes . . Vorrede, 
. Bd.7,9p.) . 
........ -··-·~-·-=-<-·-·"'·"'"~""'''·Yí •~' ' ;'; !:::"":'~:.i;:.:::> :~füi:{;~:aí~i1:i!füti~i'.fSt;::!i~i:~<:!g[~ (' 
l' 
' . 
n~ futurô. 1\1.Ias Ngoenha tem uma vi :'< • • 
contemplativa da Filosofia Tal . sa.o rnterventiva e não 
que a Filosofia não só dev~ int como o Jovem Mane, ele defende C 
até aí fizera - mas ela deve :~1;::ª~ o Mundo - o que Hegel ( 
procurando oferecer aos homen u olltransformar o Mundo 
. t s me iores altem t . m erpretar e agir sobre a "Ua Hi t , . p . a ivas de 
a1 , d ·' s ona. or isso acho em e ter pensado na Filos fi que, para 
personalizou a questão. Entendeu o e a bem Geral, Ngoenha 
moç~bicana, através dos membros da A~m que a so_ciedade 
quest~o:rwr ~<q~al é º ·teu papel como fil , f4 AFIL~ lhe esti_vesse a 
·Naturalmente que ass1'm olso od ~m Moçambique?». 
. , . co oca a a q e 
propone~tes queriam manifestàr atr , d ues ao, os 
d~ ver nos inteleétuais moçambican~:es e N~oenha~. ~ desejo 
teórico-crítico e mais interven - ' um maior engaJamento 
n~cionais, se é que estes têm a ça~et:ss_ processo~ políticos 
mç;ç~mbicanos. E Ngoenha responfe a est:ºa d~ ser mtelect~ais 
aITOJO que testemunham 
0 
, pe 0 com ousadia e 
· . · seu impeto de querer s · 
mterventivo no processo moçambicano p . er mais 
· · or exemplo numa das passagens, escreve o seguinte: "digo m .t , 
ter nascidCi tarde e não poder ter adu1 -~ vezes que lamento 
libertação] que contmua nos meus olhos J~nustºa" nMaquela luta [de 
a ' t b N · · · · · as ao escrever 
pr~sen e o ra r. ~oenha socializa a questão isto é t d . . 
~on;te . d de reflexão . . para outros intelectuais co~~n :1eº 
es an o-os desta feita a trai:erem as suas r fl _ ' 
segt?rites. qu~tões . fundamentais para Moçar:bi~~~~s q~a~re, as 
sen~.do , _actual de · lutar pela · Liberdade no ~osso . · eaí~ 
deinocratico? Corno devemos militar e lutar . P 
Lib · d d ? Q · · por este sonho da 
. . e~ a e . ~ais são as nossas armas e quem são ho. e 
mmugos da Liberdade dos moç.ambicanos? Num 1. · ~ os ·1· · · a mguagem 
menos m1 Itante podemos formular a questão desta .e: Q . ., · . · . · . ionna: uais 
sao os c?nstrangimento~ de hoje à. Liberdade dos moçambic~os 
e qual e ~o papel da Filosofia na maximização das libe d d 
. de~o~rát1cas d?~ indivíduos e povos assim . como n: a es 
p.artic1pação pohtica? · sua 
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Vista neste ângulo, a coruja· não chegou tarclv porque 
nunca o: sentimento de falta de Liberdades esteve tão presente 
como hoje nos países africanos; e· a Filosofia Africana nunca 
como hoje se sentiu tão chamada a mostrar luzes que ilumilnem o 
caminho dos povos africanos para a sua Liberdade. Aliás, se há 
Uma filosofia que desde o seu surgimf,lnto tem como sua essência 
a busca da Liberdade, esta Filosofia é a africana; é tanto assim 
que Ngoenha declara que ela sempre foi marcada pelo 
Paradigma Libertário: "Se .existe· um substracto filosófico que 
está na origem axiológica de Moçambique é sem dúvida a busca 
da Liberdade", escreve Ngoenha em relação ao processo · 
moçambicano. Esta Liberdade que. ~e busca tem duas facetas: a 
positiva, segundo o autor, quer dizer Liberdade (ou din~ito) de 
sermos nós mesmos" e a negativa,· enfatiza a. necessidade de 
vivermos sem contrições de carácter político ou económico, 
Este livro de Ngoenha. é em si uma das luzes que a 
Minerva traz para iluminar a caminhá.da dos moçambicanos para 
uma maior maximização das Liberdades individuais e colectivas . 
Caminhemos, pois, com o livro. 
No capítulo I , cujo título é Filosofia e Democracia em 
Moçambique - pela sua função na obra trata-se de um capítulo 
introdutório - o autor pergUnta-se sobre "qual pode ser o papel 
da Filosofia no processo democrático de Moçambique~~", Antes 
de responder à questão que coloca, Ngoeilha deixa cl~o que, 
qualquer pessoa que lhe desejar responder, tem o dever de ser 
"coerente", isto é, deve começar por clarificar a sua posição . 
pessoal e os valores pelos quais .milita. Pata Ngoenha, que se crê 
ser militante da tradição filosófica africana na sua vertente 
libertária, o valor máximo e ao mesmo tempo o fim da S\1ª 
Filosofia é a Liberdade. Como ele mesmo escreve: "o valor de 
fundo do meu engajamento intelectual é a militância a favor 
d~ste valor humano supremo para os moçambicanos e para os 
africanos" que é a Liberdade. Mas o que significa militar pelá · 
Liberdade no contexto actual e em Moçambique? Entre . outras 
10 
coisas N goe:nh · · . . : a, para dar resposta a 
. filósofo ou o intelectual que ·mil. esta questão, exige que 
preocupar-sé . constaritemente ita ~~la causa da Liberdade de 
razqes que militam a fav. em ~ relevar . e fundamentar· 
. participativa, de uma democra~~a e uma ~emocracia , rm 
esco~has políticas e societais ( ) que sub~rdma a economia 
nos imaginários colectivos d ... , e qu.:i baseia as suas instituiçõ 
populações moçambicanas .. p:!.~! aç~s ... ", neste caso, d 
a procurar e oferecer Iuies à veui ' a Filosofia deve continu 
governo e dás melhores ~onn . a ~ue~tão grega do "melhi 
· arti ·· · · J.( as mstituc1on · ,, 
p c1pação de pessoas· e' grupos d h . ais para alargar 
além disso, 9 intelectual . que milita e o~ens e múllieres. Pai 
entlm;der, resistir às. tenta ões do pela: ~iberdade ~~vc, no se 
cortejo pelo poder; seja e~ por p~e ~~htico(a). Deve· resistir a 
(que no caso de Moçambique N . Oovemo ou da oposiçã 
Renamo e nem os outros partid~~ . . goenha, a oposição não é 
N<:;ste ponto recónhecemos ore ' . . ~eflexões sobre o papel do intelectuaFesso de Ngoenba às sua 
mtelectual seria 
0 
de cont 'b . ·. Se~do ele, o papel di 
m Ih n urr com 1de1as e fl -
. e oramento da sociedade C 1 . . re exoes para 4 
este li · · · · 0 ocando-sc nesta se'Q vro pretende ser· · · · . · . perspectiva . . o . seu modesto co tri'b 
crescunento político e social d M . . . . . n . . uto para < 
Enfim · e oçamb1que. 
' ' '9 mtelectual deve res'istir às co~pção: Não terá. sido . esta a atitude d . tentações d~ 
sair da pnsão esperando tr ·1 e Sócrates ao recusai 
· ' · · · anqw amente (e · 
Justiça? Não s_erão modelos disso tanto E , mgenuamente) pel~ 
Samora Machel 
0 
p· rime· 1 . duardo Mondlane como N õe U . '. . rro pe o abandono do nfi, . 
aç s. n~~s e pela c~eira universit . . .co orto das 
o segundo pela sua abne a ão ária n~s Estados U:i;tidos e 
ind~endência · de Moçám~q~e ~~~~m~dida em defender a 
. Julius Nyerere e Thomas Sanl . · . d9 e todos? Não serão 
africanos que "tentar. am· . _car:a eJ(emplos de. governantes 
·· . . . . ser Justos" d · assumiram a responsabili'dad d . . .ur:ante o tempo que 
L'b · · e e cond · 1 erdade nas suas nações? _. . l1Z1r ª construção da 
· . . ... '. pergunta-se_Ngoenha. E acrescenta 
' 11 
. · . ..... ., 
~~ 
-@!~ 
que Azikiwé, Nlcrumah, Senghor, C.A.Diop, A. Cabral, A. Neto 
são, entre outros, os modelos de intelectuais no poder político ou · · 
detentores de poderes políticos mas que fizeram tudo ao alcance 
para serem militantes pelaJustiça e Liberdade. NgoeD.ha·reflecte, 
neste ponto, a profunda angústia que sente quando, de cada vez 
que vem a Moçambique para leccionar Filosofia na.Universidade 
Pedagógica (UP), na Universidade Eduardo Mondlane (UEM) 
ou no Instittito Supe1ior de Rel~ções Internacionais (ISRI), ou 
ainda para proferir palestras em que o seu tema predilecto acaba 
sendo a missão do intelectual moç~bicano ·hoje, constata a 
ausência das elites políticas, económicas e intelectuais no debate 
político. Penso que no fundo, neste capítulo ele exterioriza · 
. também uma angústia pessoal de não poder êstar presente neste 
; debate de forma presencial· em Moçambique .. Quem convive com 
Ngoenha, sabe que o papel dos intelectuais. moçambicanos na 
Iilaximização das Liberdades é o seu ~ema predilectó ... · 
Como pensar filosoficamente o facto político ·hoje em 
Moçambique? É a questão central do capítulo b: A Filosofiaem 
Moçambique. É aqui onde Ngoenhà propõe que a filosofia deve 
ser capaz de elaborar um discurso para mobilizar o ·"espírito ·da 
tradição" - conceito . que retoma do filósofo africano Eboussi·· 
Boulaga para os desafios da Justiça Social no quadro .do Estado 
moderno em Moçambique. O espírito é a chan:iada solidariedade 
africana que presumivelmente existe de forma espiritual 
raramente pouco praticada pelos membros das comunidades e 
sociedades na África hodierna, ·pois, se fosse este e8pírito qÚ:e 
respeitamos; teríamos a "coragem" de passar por uma criança 
faminta e doente na rua nos nossos carros four. by fours ou de 
assistir ao aumento do luxo ao lado de tanta pobreza? Não, para 
um contrato de natureza social a dita solidariedade africana deve 
ser tomada discursivamente · no seu espírito tradicional m.as · 
materializada sob forma (moderna) de redistnouição equitativa 
da riqueza material ou dos impostos e sob uma nova forma de 
conceber justiça como equidade (e eu acrescento~ restaurativa). 
12 
. .. . :- ; ·· . . .. ·: ····: :-::,-:-.· . ·; ··-
(" 
(' 
o espí1ito.da tradiç- r 
o ao em Ngoenb s aspectos do passad a deve ser a ueI r 
defendidos por este e ~' _s<!..,'!!_.!!...'!!..e __ na medida~ e que mobiliza 
altematj.vas aos des spmto tem C<;lpacidade de : que os valores ,.. 
despir-se o mito da~~~ colocados pelo de~en f~r~cer respostas e 
se é que .ela exist Cua.1uada solidariedade fri~o v1mento. Deve r 
.fi e e mesmo a cana ou Ih \ 
onna espiritual, o des . que essa existência ? me Oi!", 
e.m debate Po1"s , . afio e torná-lo u'ti"l p . Seja apenas na e 
· · e1sso araoc 
:~~~::i:·~ ::alo /::i::1I)~;J:s1;;;~~~~r~f1ect~~~=d~O~~~ l 
com uma .agulh er com espada e balança n ex_to africano não (' 
t .d ... a numa das - mas sun um Ih ec1 o na - outra - maos para cozer a mu er 
mãorepresentam niao; _os pedaços do t º-~ pedaços-,de um C-
indiVÍducis e gr~ º~esta. ~agem de Ngoe:1 o na ·_segunda 
IU:Stiça deve unir~ n_soc1a1s que compõem Moa, º~·diferentes 
social num context ao separar. Mas como e.ti t~arn ique que .a (' 
est - o em que na " . ec tvar esta ju f 
ev: fan-presente decidind' primeira República" E s iça C 
a politlca e mesmo o sobre a educa ão . o stado (' 
"s~gunda República"sobre . as biografias d~ bi~~u~e, a moral, 
Pnn1ando pela "ausA .. . 9,, mesmo Estado "d 1 iv: _uos, e. na 
governarem o aís ,enc1a . d~íxando os '\renc o arcrat1co" ]peca e 
nesta aporia Pue _passando o próprio Estado edores da guerra" 
Estado . . q se deve perguntar b Para a oposição? É (' 
no contelcto afri.çano. so re a legitimidade · ,.. 
Como Ngoenha d fc • . do .. 1.. 
representatividade.por vi: ~nde, s~na preciso perguntar- r 
é prescrita pela dem _os parti.dos políticos tal . se se a 
co~tucional de ocrac1a ocidental e reto ' e qual como 
.constitui a· fonÚa l ~~O e pelos Acordos de :ada pelo texto C 
dos imaginários ma~s. apropriada de mobiliz - oma em 1992, 
modelo políticos e sociais d açao e ·legitimação 
europeu, falsam os moçamb · 
agora) inadequad ~nte apelidado universal icanos, . Este 
são as .culturas ( fio.para os países da África. p , mostra-se (até (' 
a lcanas) que d ara Ngoenh _ 
modelos (europeus) . s.e evem adaptar a t d a, nao r 
partir dos imaginári~s~':i:r~~e~ é que OS modelo~ S~ ~~SI]~~ aos e 
os povos· Ist . . zn a 
. o s1gn1.fica que nós ,.... 
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temos de (re )inventar um modelo de sociedade qu<i nos seja 
próprio, conclui Ngoenha. É um modelo que terá forçossmente 
de tomar em conta a dimensão sóci!H'll\tural e qu• exija, de 
partida, uma acção "concebida a partir das realidades .utênticas 
das nossas comunidades autóctones; apreendidas a partir do 
interior". ]\!].as, entretanto, o que impede o nascÍ!llento dO!lte modelo · 
do interior que talvez fosse mais libertário? 1;1goenha alerta sobre 
a existência de dois problemas que constragêm o tal nascimento: 
um. é que nãO existem mecanismos juridicos legais pre'listos 
constituciona\IDente que peunitam ab eleitôi, no perlod<> entre as 
eleições, fazer-se ouvir ou participar no debate p\1blico. O 
segundo problema, é que a nação teve que riasc"' sob O comando 
das \eis e da \ógica produtivista Unpondo-se em detrimento de 
qualquer projecto po\it\co que tivesse baVido ou estivesse prestes 
a emergir; são leis, sob o . ponto de vista interior 
antidemocráticas. · porque impostas -por instituições coroo o FMl 
e o Banco ]\l].undial sem legitimidade popular para goveroar o 
nossó pals mesmo que seja etn nome do desenvolvimento; são 
\eis que não assentam nos imaginários cultuiais . dos 
moçambicanos e; o que é pior, ganham conivência de uma p>.rte 
da elite moçambicana. Por isso, a este ponto, em rylação ao primeiro problema, se 
deve qLJestionar a aplicabilidade da Democracia Represeiitativa 
em ]\l].oçarnbique; e, em relação ao segundo problema, temeis que 
equacionar sob que pressupostos assenta a Soberania de 
Moçambique. Ao dissertar sobre a democracia representativa, 
Ngoenha revisita o principio básico da Democracia. o da 
separação de poderes: Na aplicação deste principio, Ngoenha 
identificá conflitos entre os poderes executivo e JegislatiVO, por 
uro )ado, e entre os poderes ex<;CUlivo e judiciário, por outni 
Pois, .o "paradigma AJ1ibalzinho-NyitnPini" é pilta ])lgoenha o 
sintoma ·destes conflitos institucionais, ou Seja, rellecte o 
problema de como fazer com que entre o poder. executivo e 
14 ..... -·· 
··, ( .. 
judicial_ (?u entre o 1 . . . . . . . . ·. 
mterferenc1a. .Est , egislat\ vo e ex ~ . . . . . e e um probl . ecutivo)· nã · h. . 
no mundo (Chirac . . ema de muitas de . . . o ' •Ja 
outras) . ' na França ou Be l .mocrac1as actuais . . . r uscom na Itâl. 
Ao d" · · ' ta, entre 
1ssertar em se . d Ngoenha começ; gu1 a, sobre o problem d 
Respons.abilidad AIP?_I lembrar-nos. que est a a Soberania, 1 e. ias não · · a estâ li d , 
a questão da Liberd. d. ' . e pnmeira vez que N ga a a 
1998 · . ª e, soberania . goenha debate 
Ngo.:a se~. arbgo Identidade Moça~b responsa~ilidade. Já em 
. apr.esen,ta algumas linh _zcana: Jª e ainda nã ,4 
perguntar-se.com B 1 . . as deste seu ... ··~ o e 
comporta ·. . oo cer Washington "O é pensamerito ao 
· . · em termos de que que a L"b 
percorrer as pá . as . responsabilidade?" Serâ ·' ,~;úade 
filosófica como '::"N·. =e capítulo· ·para intcirar neeessáno 
objectivo do au(or .!ºm . a tra_ta esta aporia. Mas ;.:h. da forma 
de desvendar 1una ~oduzir a problemátiea da banto que o 
t al aponi:t na p , f so erania , 
ac u . que é a predo .. . raica da Política lnt . e o 
portanto que se re :=eia de Governos O.cionai emac1onal 
sua acção ;nierna g m por pnncípios dçd!O~ s soberanos, 
são totahn . '. mas, em contrapartid cos váhdos na 
ente antJ.demo át. a, na sua acçã · 
Fen-ajoli . cham d. cr· icos,' o que, segunr d N . o externa 
b 
ou e .. co .d . o goenha,· L . . 
so eranos". Sãô oi . m_um ade selvagem mgi 
Soberania ue p s duas histórias paralelas de ·Estados 
d· · . q teremos que regfst · do Peccuil!O d imto . mtemo e ar, sendo uma de u É a 
perrnanenteinente na soutra N de Estado . que . sem abstado _de 
M ua acçao no pi · · · solutiza 
oçambique seria vft" ano mtemacional. . ' . 
externa da Sobe . . . . ima deste processo de b . 
"falar . de. "ºb .~ª a tal ponto que . no ·· diz· ªd solutJ.zação .., erama mo b. ·. , er e N . . 
abuso de lin · ,, çam •cana (seria] ho ·.. ·. · ~· 
filosófico daguag"111 ?.~rque, sendo a sobel: l. um !Ultentico 
. .constilu!çao moçambicana ama.º J>fl'l'SUposto . ' a p~tica política e 
~.-=-~-..,.~~...,.-~-.Publicado pela Livraria . . . ~ , . . . . . 
. Moçambicanidade Mi . ?m~cmtaáa na col (Map:uto 1998) . ' ~çambicamzaç.ão sob di" . ei:,tãnea Identidade; ·. · · · · ª. · recçao de Carl . · ,· . os Serra 
15 
• • J,' :.'; ,•:. 1 •I. ,. , ,:.,, .,.·· ··~~ 
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lli\! _, 
·~. 
jurídica porém tem demonstrado o contr:ário. As .instituiç<:>es da 
Brettori. Wodds encabeçam uma interferência "abusiva e anti-
.soberana" da chamada comunidade ·internacional nos planos 
político, económico, . cultural, social e mesmo juridi,;o em 
Moçambique. Mas, se a soberania está sob o comando da 
chamada comwridade internacional, assumirã esta comunidade 
da · mesma forma o que a Soberania comporta como 
responsabilidade? Eu perguntaria de uma· outra forma, haverá 
mecanismos .. legais nacionais e internacionais ao alcance do 
Governo moçambicano para que possa exigir responsabilidades 
da comwúdade intemaCional.pela sua acção no nosso território? . 
Que mecanismos legais se podem accionat quando, por exemplo 
como recentemente sucedeu, uma organização eGtrangeira, t,eve 
que re<;luzir . drasticamente o seu apoio financeiro ao sector de 
educação (porque o seu · apoio externo tinha a-ssumido, 
entretanto, encargos maiores na reconstrução do Afeganistão) e 
já não pôde dar corpo aos váriQs projectos de ·apoio institucional 
que teria assumido com os planos do . Governo moçambicàno? 
Quem assumiria a responsabilidade perante as crianças que 
porventilra deixarão de poder entrar na escola ou não terão uma 
educação de qualidade por encurtamento de meios ou por falta 
de apoio prometido durante as negociações de parceria? No 
actual panorama institucional as possibilidades são quase nulas, 
só restando ~pelar ao plano da · moral e prineípios · não · 
vinculativos na pratica da cooperação em forma de "parcerias 
inteligentes". Eu diria, intervir na soberania sem assumir . a 
responsabilidade dos actos que isso comporta, é batota que a · . 
comunidade in~emacional faz connosco: 
·Em jeito de conclusão, o fio cond~tor que o leva a temas 
apresentados no capítulo II (o papel do Estado, a questão da 
legitimidade, a · democrac.ia ·representativa e a quest~o ·da 
•soberania) é? debate em tomo do papel da(s) ttadlção(õe.s) .no· 
contexto da Africa moderna e a questão dos constrangime11tos à 
justiça ·entendida como. · equidade, não · somente confinada à· 
16 . 
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garantia das Liberdades (' 
político . mas sobr tud políticas no quadro do fb ("' 
recurso~ mate· . . e o n~ . sua vertente de di . 1 • e:_alismc 
(individua1ment!1eaips~r ~uoc1ai)s e culturais ~~1çbaum1çba.o do~(' 
. N- , b4 pos . - icani0 
ao e por acaso . 
· Ngoenh · ' pois, que o títuJ d 
a se1a Aos vencidos não se ed ? ·- o capítulo IH de(' 
como eu. me enganei ao ler este títufo e i°Pm_iao. Pois engana-se C 
:nanuscnto me chegou às - . pe a pnmeira vez u ' 
'vencido" , R . maos, o leitor que at .b . q ando o 
a enamo e a o tr n tur o estatuto d 
''vencedor" à Frelimo. ~ os Partidos da oposi·ç- e ~ 
N · . que 1onna G ao e de 
. goenha o que acabou fi . . o ovemo sozinha p 
Transferiu-se a luta pelas o1 a guerra, mas não a viol ~ ~ra 
do d · :E . armas por llnl.a · 1 ~ . encia. r po er. v101ência não .é , v10 enc1a pelw contr 1 <..... 
de. violência que preocupa so ~ morte de Carlos Cardoso O t? e(' 
crianç d mais a Ngoenha , . ipo 
a e ter comida ou de ir à e o que priva uma r 
de Paz com Violência. M , escola. Estamos numa situ -
.poder económico Po .. as e uma violência que é ditad açalo ( 
· r Isso, pergunta s a pe o 
9uem? v~nceu e quem perdeu? Se a vi~l ~· ~e a guerra acabou C-
caus~ . A prime~a pergunta a~resenta trêenc1a ~~ntinua, qual é ~ 
o pais perdeu, [u] o país ganhou e· [iü] h, s cenanos possíveis ([i] 
escolh~, naturalmente o últim. . a vencedores externos) 
qu d" 0 por que "nós · • e - ero izer, nós moçambicanos e , e quando digo nós, C-
nao gculhou mas· també R P rdemos a guerra A F. 1 · 
fc · ' ffi a enamo não ganh ,, . Ie lffiO l 
. o1 '. o capitalismo internacional ou . Quem ganhou 
Instituições da comunidad . . . representado . "pelas . s e 
d" e mtemacwnal fc • . uas 
Áfri
sua unensão económica (dm . &-. , o1 o liberalismo na (' 
ca d Sul . o 1acto de Ngo nl . 
o . entre os vencedores) A d e ia mcluir a r 
estavam nas mãos da R . . o epor-se as armas q ' 
. enamo e do Gov ue r 
gµerra, voltou a ressusc1'tar Ih. emo acabando com a ' 
d · ~ · ª ve a luta · · en~c1ados por Marx: o capital e o tra entre i:i1migos já r 
qu~ tem poder económico .. e os ue bailio, ou _seJa, entre os 
deixar-se explorar vendendo a .q para sobreviver precisam e 
Governo aderindo abertam t sua forç~ de trabalho. Com o r 
A • • en e ao neo-hberar 
em consequenc1a fragiliclid 1 ismo, mostrando (' 
. ' e em sa vaguardar a sobe . , 
. rama e em e 
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ambicanos, unida à 
. vida -social cos moç . to oUtico neo-
regulamentar a contrapor-se ao proJeC p ? N-o 
dificuldade da Renamo em à d'reita quem está à esqu1~da. a 
. rtanto com ambos 1 ' • O que há é. uma 
liberal, t.:º debate político em Moçamb1~ude.de da coniu.uidlade 
l ' por isso, d la capac1 a :ia, . 1 der entremea a pe - de governar violênc1~ pe o po or razões óbvias "n~o po d l rcrático 
intemac1onal, que p longar um proJecto o a mha 
d. ectamente"' em pro ualquer capitulo Ngoe 
n~ocoloniafü.ta. Ma~ ~~ ~u~:~i:iensões do .seu pensan:~:~!~~ . 
I:x ... ostra neste a sua a _esa i·o,,,ali'sta africamsta e soei ,, d' soes nac " , . ári 
ou seja às m1e~ ser fiel ao paradigxp.a libert o. s no capitulo 
procurando sem.pr . ua obra apresentando-:nº. ' . alidade 
N goenha tern:nna a s ,.. o da constltl\ClOT1 
pologética para a renovaça b. ano é o titulo deste 
IV' ulmaP:r um Triplo Contrato Moçamesiscidade ~ de um triplo 
actua . dvoga a nec tr to 
ca ítulo onde o autor a contrato social e con a 
p tratualisrno: contrato cultural, ultural Ngoenl1a começa por 
co~'f co Em relação ao con~ato e orta duas pa1tes: uma 
~~s~~lt~ que a dem~cr~c1a_ c~~~Ngoenha não negoda a 
. lol6rrica e outra mst1tuc1oln plano dos valores comporta 
ax10 o· , . Segundo e e, o . . humanos 
dimensão axiolog1ca. d respeito pelos drre1tos . . . 
. , ios de igualdade e o abstracta para comgtr _as 
~e~1pvalores constituem urna form:ns para garantir o respeito 
d:sigualdades naturais ed~tr~t o: ~:ená~eis do homem. Portanto 
ela dignidade e pelos . lICl o . ca de Ngoenha, são de natur~ 
~s valores da democracia, na ópti negociáveis. Em contra~artída, 
·versal e por isso mesmo nao rtam as democracias, na 
um . · · que compo · · d em 
delos inst1tuc1ona1s ltu doe" ou seja, ' ev os ino er "acu ra "' ' . 
. ·-ao de Ngoenha, devem s 1 ·t;..,...;dade deve denyar opm1 f:'. que a sua egi .llJ....... • ,, d 
ser adaptadas de tal iorma "imaginários colecttvos os 
d 
.10 que 0 autor chama por fim do processo de aqui 0 ultado oµ o -povos e culturas. res objectivo a aculturaçao ou 
negociação que~ tenha . co~: ões chama ele ~e . con~ato 
moçambicanizaçao de msti ça:utor nue fiz referencia acuna, 
arf do mesmo -i. cultural. No igo 
··; ... ··- . 
escrito em: 1998, ele · esboçava já os primeiros contonios deste 
contrato ·culturaL Ele escrevia naquele artigo5. que "o pacto 
cultural deveria reeonciliar. a polí~ica com as culturas nacionais ... 
[o) que permitiria libertar as instituições estatais da política 
cultural sobre a qual vegetam e mete-las numa dinânlica de 
cultura política mais produtiva'.6. Ó que no fundo quer dizer que 
para escrever este contrato seria necessário mobilizar u:ma 
capacidade integradora nacional que (i::e)ronciliem o projecto 
polític() coin as características étnico cultunüs das populações de 
Moçambiqµe . . Ele chama atenção para o facto ·de não se tratar de 
renovar ou reabilitar as inStituições tradicionais ancestrais, mas 
sim conferir à democracia uma dimensão · moçambica~~- Mas 
para isso temos que conhecer as . nossas tradi9ões e culturas para 
a partir deste conhecimento pensar o direito e a democracia 
moçambicanas, recuperando assim aquilo que Montesquieau 
chamava · por "espírito da lei", ou se · quisermos falar com 
Eboussi-Boulaga, por "espírito datradição". 'Para efectivar esta 
reflexão~ recuperar-a .tradição em função do futuro, Ngoenha vê 
a universidade como o local de reflexão e, consequentemente, 
ele vê as · elites intelectuais como sendo a: força social que 
deveria estar na vanguarda deste empreendimento. É em volta 1 
deste pensamento que o aµtor desenvolve os s~btítQlos de 
"cultura . jurídica"'; ''pluralismo jurídico" •e "transferência 
jurídica'' a partir dos quais coQ.ceptualiza, no fü;1al do livro, o seú 
projecto ·político deinocratico · e m:ulticultur.tl. No projecto . 
. político de Ngoenha há um contrato entre ·. o Estado e os 
subgrupos em que cada UID3: das partes tem obrigações morais 
perante as suas acções. · Por meio . deste 'contrato é preciso 
assegurar que ·os indiVíduos admitam a existência dlima nação 
·unificada e indepen~ente, que ·contenha regras e. princípios· a ser 
s 
. . 
Refiro-me ao texto: Ngoenha,S., Identidade Moçambicana; já e ainda 
não. ln: serra;c.; Identidade, Moçambicanidade, Moçambicanização. 
· Üvraria Universitáriil; UEM, Mapri.to, 1998 (pp.17-34)- . . . · 
6 · Ngoenha;s., l4entidade Moçambicana ... (p.30) · 
19 
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respei~dos, pias.(lo mesmo tempo, em que a igUaldade de cada 
pessoa não seja minada . pelas desigualdaden dos domínios ·da 
vida social. Neste ponto emerge Rawls no contrato ngoerihiano. 
Ngoenha desellha, pois, · o seu contrato social inspirado de 
forma significativa pelo debate iniciado pela obra dt~ John Rawls 
Uma Teoria de Justiça. Nesta obra Rawls defende no .fimdo dois 
princípios de justiça como equidade. São princípios que 
defendem a distribuição dos. bens primários entre os membros de 
uma sociedade de forma equitativa; considera por "bens 
primários" os · bens pásicos que todas as. pessoas, 
independentemente dos seus projectôs pessoáis d·~ vida· ou das · 
suas concepções do . bem, . devem . usufruir. São ele-.s ô auto-
respeito, a auto-estima, as liberdad~'políticas básicas, as rendas . 
assim como direitos a recursos sociais como a educacão e a 
saúde. A referência aos prlncipios de John Rawls 7 e a~ debate 
em tomo deles, servem d~ chamada de atenção para Ngoenha 
sobre dois aspectos: o primeiro alerta-nos para o facto de que a 
garantia das liberdades fundamentais (pela . con~tituição 
democrática liberal) não é suficiente ,para o fortalecimento da 
democracia moçainbicana, se não houver uma p:reocupaçâí.o em 
diminuir o fosso entre ricos e pobres; o segundo aspecto que 
Ngoenha pretende mostrar é o redimensionamento do paradigma 
libertárj,o: é qu~ uma filosofia qµe se pretende moçambicana, . 
não só deve buscar fundamentar a Liberdade; 1nas -também 
fundamentar a buscª' da justiça. Com isto Ngoenha redimensiona 
o que declarou ser um paradigma libertário da filosofia africana 
para integrar wn. ~utro patamar paradigmático; aà que podemo's 
chamar de <<Paradigma · da Justiça . Social». Considero que 
7 Trata-se do princípio da equal liberty principie (igual liberdade) coi:;io o 
primeiro · e, ·como. seguiidó, o princípio ·das desigualdades sociais e 
económicas; · este segundo priIÍcípio , por sua vez, subdiVidido ·em dois: o 
primeiro o princípio da iguaidade equitativa das oportunida.de5 e· o 
segundo o polêmico principio da diferença (Cfr. John Rawls, V,,;.a Tecria 
da Justz:ça,' Editorial Presença, Lisboa, 1993 (p.67-107)·. · 
20 
·.~ . ". 
' . 
r 
. . (' 
fundamentar as ti .. . . . 
S.ocial é um . as onn~s de unplementar os . . , . r" 
para alnadure~;;to llllport3:11te que m~.rec;:.~nc1p1os de Ju.stj (' 
. moçambicanos. o sentido . democrático u~ debate ace 
M . a luta d 
~s es-te novo pat r 
contrato pout· amar não pod e· . \ 
&'. u ico que te~i.- e füectivar 
.torças políticas . .uua como interl -se sem u e 
m que articulam ocutores as d . 
oçambicana. Para . . os seus ínteress i_vers, (" 
al~ga.r o espa o , ls~o sena necessário re. es na socreda( 
sociedad ç pubfzco onde as d:.r mventar, criar cC' 
e entrem · .u.erentes fo - . 
ar~e~tatjva (e não p:~ vi coA~ontação soment;as v:véls e (' 
moral). a ~ annas ou da . ·~ . pe a v1 
Ngoenba - v10Jenc1a física o 
li · propoe-nos no (' 
po ti,cas moçambicanas ~eu contrato político 
que e essencial . d. ~evenam fazer um d' que as fo.rça e 
fundamento no~· tscutivel, não negociáv:tor o s~bre aquH 
nação estiver z~o d~ Estad9. E este ac , º,u seJa sobre ' 
zonas na- em pnmerro lugar"ª N nhordo e possível "se (" 
o negoc , · . · goe a · 
const·tu laVeIS: . "a nível d escreve sobre r 
I em o pa+.-;- , . e bens , a 
minas t •u.tuOn10 nacional (p rt economicos qu 
, erras etc ) d . . . o os caminh '(" 
. nacion<lis q~ Ilã~, s_e Junsdir~-política, 'es a os ~e ferro 
lugares de d ~ . ao acess1ve1s a estran :P_ ços estritarnent< \ 
e.tesa, de s gerros (min · t, . 
pre1Togativas ciuruen egur~ç~ de planjfi ·- IS ·enos e 
cooperações, doadores tainte~.te nacionais não cedívc~çao, etc},..... 
0 . , e c. eis a ONG \ . engél.]amento intelectu ' 
. deste livro tem paralelis al. que Ngoe,nha nos tr~ . C' 
um dos mos com o en a· z por me1or 
t grandes pensadores da F'l g uamento intelectual d ' 
empos e a que ele faz . I osofia Politic d , . e [ 
.filósofo moçambic mUI_ta referência: John Ra ª os ult1mos 
actividade intelectuanio ,º leztmotiv do seu engaiamwls. Se para o (' 
fc a e a militãn · :i ento e da es orços intelectua. d . c1a a favor da L. sua(' 
is e Rawis foram para fund zberdade, os 
- • • • 1 amentar a Justiça r 
Parafraseo aqli. . . ·. . : . . 
ec · · 1, e citando 9e memó · · , · ·. · · · · 
ononusta Pi:akash Ra*11al rium co~ntáriº, ~tulo de um artigo do . 
· · ...... o analir · 
. . . . . . . . rco. a Agenda 2025. 
21' . 
· ··~ .... .. :. . -·.· .. :· :-r -··· ··-.· .. ;-~· --:~ ~;·-~··i ·~ :<.~~~~.:.-:/!;~ .~.>:,J. ~ .. : ... ... ::~ ~-.. · .. : :! ·~-· .... :-::-. ;:·7·2-TS0~::-;:?'"7~=,:,.:::..,:._: 
.. ... .. · ·.· ... ~.:·.i:·.:_:_ s _ ... \ .; ... :~-.:. · .. .!· .. ·.· •• . ·.·. · ~ · · · • 
. - . -: ····~: ./;: :~ ·:!:~:~/-'.'.: t:\~_:·;_:~ :i~~ ·.:·?;:7"7~7-~·. '"";· ~~::.-:'~~,--,~~\ 
... ' r .. ; •: :C .,,, . . •·,: C, 
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·- ~~ ...... ~ 
··-l:·~J 
· - <~~; 
... ~'.3 
7: 
- i::~~; 
'..: -~:·.; 
como Equidade · a partir do senso de j,ustiça e a faculdad~ de 
concepção do bem que, segundo o próprio Rawls~ são 'inerentes 
às pessoas morais, livres e iguais e que vivem· numa sociedade 
democrática9• Na sua obra Justice as Fairness: A Restatem~mt 
Ralws afinna que o facto . de a sociedade . democrática ser 
frequentemente vista como um sistema. de cooperação social 
"( ... ) é sugerido pelo facto de que, de um ponto de vista político ' 
e i.10 contexto da discussão pública de questões fundamentais de 
direito polítiço, seus cidadãos não consider~w. a sua ordem social 
como uma ordem natural fürn ou como uma estnitura 
institucional justificada por doutrinas religiosas ou princípios 
. , • . . • ... , , . . . .. .. .. . ,,10 . ·. 
luerarqmcos expnnundo valores anstocráttcos · . Lendo esta 
citação conclui-se que há concordãnéia tácita ma.s ao mesmo · 
tempo um afastamento entre Ngoenha e Rawls. A concordã.ncia 
nota-se em relação ao facto de considerarem que a caractetistica 
de uma democracia moderna é - emprestando o tenno a Beck, 
Giddens e outros - a reflexividade; . ou seja, por um lado a . . 
interconexão entre a racionalidade científica e a racionalidade . . 
social no debate público sobre a(s) política(s) e, por outro, o 
debate sobre os próprios fundamentos da democracia liberal. 
Entre os fundamentos da democracia liberal que ambos propõem 
colocar ao debate é o que Rawls no trecho acima chama de 
"estrutura institucional" e Ngoenha denomina por necessidade 
de "aculturar as instituições". Mas o ponto em que discordam é 
nas implicações dos seus discursos. Rawls escreve tendlo em 
vista formular uma teoria universalda justiça e N goenba nos 
chama atenção para a necessidade da sua particularlZação. 
O filósofo queniano Odera Oruka escreve, a propósito .das 
ideias de John Rawls, que seria dificil ima~ar alguém que 
formule uma teoria universal de justiça social que não tome em 
conta os factores de ordem económica; tradicional ou ideológica 
Rawls,J., Uma Teoria da Justiça. Editorial Presença, Lisboa.. 1993, p.68. 
1° Cfi. Oliveira,N., Rawls. Jorge Zahr Editor, Rio d.e Janeiro; 2003, p.49. 
22 . 
. ~ .. 
na8 diferentes . ·sociedades11 Po.t. . . - . . '. : . . . . ! . ·. 
. ~aractelisticas que poderiam.' . ~e . sao . ~acta:mente estas 
~e·deveria· fazei- parte do cabno . . ~~~e O~a, d~~nar o 
fun
amda o. que poderia ser consi:r~~~ ne~ess1f1ades báSicas';· ou . 
damentais" de uma detenru· . d como. 'sendo os "direitos 
que ·b · na a sociedade Ra · I · · 0 em-estar ( wealth) e 0 1;endim .. . · w s imagina 
necessidades .básicas. Mas, se. undo ento (zncome) c?nstituem as 
estar e das liberdades ~-~ ~· ~a, o conteudo do bem-
. · . · .1.uuuamentais d 
contingências locais é. difere · ' por epender das' 
. ?hde 'os ºPricIJ;iôs d~ ~xÍstê n~e . . Elle . d~ exemplo de sociedades 
ldeo1 · ncia co ectiva ou ·sã d · · 
. . ogias ID~istas OJ;ld~ 0 incfiv·d • . 0 envado.s de . mteresses ·para""· ... ' 'ltim. · ·" . 1 uo tende a relegar · , . a u a mstân · ( . . . os»seus 
derivadas. d~ relação religiosa ~:ms~~~e:a:es s?cia~) ou são . 
coerção social põe a autonorn; l a es· metafisicas onde a 
,:a · ... .ua e va ores d · di 
se~,..o lugar .(spciedades tradicional-e os ?1 . víduos .em. . 
sociedades, prossegue Oruka as ess omunalistas). Nessas 
algum bem-estar ou · ' · p oas que .tenham acumulado 
· di · . · . . com grandes rendim -
In VldUalniente· O poder de usar . · . . ~ntos, nao têm 
prazer e de foi:ma .. legal. os seus rendimentos a seu belo . 
O Estado, nas condições d · d · 
Oruka,. deveria sei coercivo p:. .. aet _soc1e ª?es exemplificadas por 
· - d .... . zrar as nqu · di . . 
. maos . as pessoas . e , iegitinlar' . ez~ m Vtduais das 
necessidade de iedistrib . . . . esta coerçao a Partir da 
entã~ · historicamente ·de:.:O:~~;za f~vorecendo aos grupos até 
. depois . da Indepe~dên . d os . . E o. que ~o, fundo foi feito 
. nacionalizações· cuja justific1a - . e Moçambique . com . as 
que lhe pertencia e acabar c:~ao era a de 'devolver ao povo o 
. homem' e~ de certo modo, a m:n: ~:~a;:ç~ do h?mem pelo . 
·pelo . Governo do Zimbabw ·. J . h aç~ que e dada hoje 
d . . u1 e para . arre atar as te d . 
os agn<:; . tores brancos em noine d . . . • nas as mãos 
. . . . . . . . º .povo (negi'.o) daquele país. 
li 
. Oruka, H.O., John R~ls' ldeoÚgy .li /, • · · . · 
.Oruka, H.O., Practic.tl Philoso h . . usice, as Ega/itanan Fainzess. Itr 
East African Educational Publis~ y. ~· ~e~ch of an EtbicaI Minimum. 
. . . . . . . . ers. arrobr-Karnpala, 1997 (115-125) .. 
23 ., 
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'""\. 
~ -f ;~i 
·-t{l 
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: .. :·· 
•O que quero (de )monstrar aqui é que há nos Estados afiicanos de 
hoje uma aporia política cuja origem é a existência do Estado 
ne~o-liberal . inspirado e edificado . na base do contratualismo 
clássico no qual os indivíduos têm direitos a ser defendidos pelo 
Estado, mas simultaneamente notamos que l)á uma grande 
injustiça social no que diz respeito à distribuição do bem-estar e 
da renda. Assim, para uma melhor distribuiçãb~ ·.o Estado não 
pode 'forçar' os poucos ricos a darem mais que os outros sem 
correr o risco de invadir a esfera dos direitos individuais, 
particularmente sem ·correr o risco de passar poi· cim:i do direito 
à. propriedade. Este é o dilema da Africa do Sul boje: como 
'obrigar' a minoria branca que acumuloü- riquezas por meio de 
vantagens . históricas do apartheid a darem umà parte da sua 
riqueza evitando violar os direitQs indiViduais, sobretudo os de 
propriedade e mantendo o Estado do Dír:eito intacto? Aquí 
parece ser necessário haver uma espécie .de contratualismo q~e 
se baseie não s6 na defesa e garantia dos direitos dos indivíduos 
mas também que consiga submeter os interesses económicos de 
grupos aos i.Ilteresses . políticos . e a defesa de idiossincrasias 
particulares de grupos culturais. 
Encaixa assiln o facto de Ngoenha ter introduzídQ a ideia 
dos contratos sociais e culturais junto ao contrato político. Se é 
que o contrato político, baseado na Çonstituição, garante a 
observação em primeira linha d.os direitos dos moçambicanos 
como individuais, · os · dois contratos adicionais· que Ngoenha 
propõe (o social e o cultural) terão que ter . como assinantes 
grupos de moçambicanos. Desta feita, o corr!rato social deverâ 
comprometer os grupos com interesses ·económicos, ou mais 
precisamente, grupos com. maior reJ;Idimento, ·com os . desafios 
políticos do desenvolvimento~ e com redistribuição equitativa do . 
rendimento nacional; e o contrato. cultural deverá criar espaços · 
abertos para a .articu.tação de diversos valores e práticas .culturais· 
no contexto da · política nacional. Estes dois contratos . só ·serão . . 
possíveis alargando a teoria contratual da esfera iildivi4ual para 
24 
· .. 
r 
a colectiva de aiticulação d . t . . (" 
~ · e m eresses e , · · · 
promoçao de valores culturais A . conomicos e de defesa e <' 
. y roblema axiológico ou da falta d~ ur:s1!;1 resolve Ngoenha o 
Cada geração ou · · . ª suitura política" . . t 1 . - . . acusa ou a . r-. 
. lD e ectual e fis iCo da ant . . prec1a o engaiame t. l , d · enor A oeraç- :.i n o 
.so po e agradecer à geraç~ ~ue d .d~o moçambicana de hoje \ 
encetar uma Iutajusta e dura cu. ec1 rn pegar em anrias para (" 
colonia~ Aquela luta foi uma hi~i~I:: eird a eliminar a dominação r 
a geraçao que m,.v; ..... lZO· . a e de toda a geraça-o F . 1.. 
--.u.u u o gozo d I"b . . 0 1 
pr~)~émla! .. a _pict~ped~ncia Naciona7 . ~ erdades naCionais ao 
pu ICando ultimamente sobre a hist;. ' pelo que .. se vem 
~ode . n9.~-:se QUe foi. um . roe ona ~~ Juta de libertação, 
mdec1sões, determinações,. cisXes esso che10 de con_tradições, e 
tomo do objectivó comum. o , mas sopretudo de unidade em r 
papel. da nossa geração agora? i::: quero perguntar é: qual é o 
de deixar um Moçambique com as~ .~eremos a responsabilidade 
que as que gozamos? Pode da erdades mais alargadas do (' 
explorar todas as riquezas .do mal s . r-nos ao ·.luxo de deixar 
de · · t · · so o e .!!Ubsolo sus entab1hdade das · ·d sem a preocupação 
res bT VI as futuras? N- é 
da pedonsa I idade de não só preparar as ge . - fuao temos a 
· ucação; mas também · raçoes turas através 
tenham cnar todas as co d. - . 
emprego e.seguiança? Que v 1 , . n içoes para que \ ~ossos filhos e netos se orgulheni d a ores deucamos para que os ~ 
Mo b" · os anos 80 e 90? 1.. , ram ique pertence tanto aos m . . . , 
aos espmtos dos dos .nossos ant . oçfllllb1canos presentes r 
heróis ou não, assun como aos .fuetpassados proclamados com~ r 
· - uros m · b · · · \ 
rrao n~cer, crescer, . viver . amar . . oçam icanos que aqui 
Moçambicanos. são tamb , ' . e morrer nesta pátria (' 
em os nossos h , · · 
somos nós hoje mas tamb ' . . ero1s que morreram r 
v· h · · ' em o futuro. D ' , ·. . ' 
ivemios OJe com a responsabilidade do a1 ~uç e pre:c1so \ 
na sua obra . O Prind · io· da am~~· H ans Jonas, 
refonnulando o prinCípio : ética k ~esponsa.bzlzdade . (1 979), r 
r~sponsabilidade polarizada n ~?a_na, PTOJ~cta uma ética de r 
. Vmdouras. Segimdo esta éticaas cohn lÇOes ~e Vlda das· gerações r 
. . . , o ornem nao d \ . .· . . eve esperar que 
. (' 
. 25 
. -: .. -: . . · ;-·· ·~ · .... --;--":'~~ .. --. -. . .. . . .. . ,:" :' .~: ~- . : \ . ( ... , ·; .. '· .. .. ·· .. · ... e 
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. isa ém troca da sua acção responsáv~l. 
venha a receber algun:a co eria urna ética que: visa cnar 
Aplicada a Moçambique,es_ta ~icanos do amanhã tenham a 
condições para que os moç~ 't s-agentes mais livres e 
Possibilidade de serem sujei o deveu· a haver também um ' • m . 50 penso que "' . responsavern. r or is • , d ""es Neste que uao tena 
t to e geraço . / • 
quarto contrato - o con ra t"tu i'onal caberiam todos os . t a forca cons i e • · 
necessanamen e um . / tecnologia e inovação, meto 
temas "futuristas"' tais como, . como compromissos 
- · d mpregos asslID J 
ambiente, geraçao e e u'hl1"cas Portanto, o contrato 
·i· - das poupanças .p · . - · 
sociais na utl iz~çao . · d lanificação estratégica para 
de gerações ~ana parte mte~::e de~t~ ~ontrato, as crian9~s : ~ a 
0 desenvolvrmento. -Em n . ·' .. am· da não tem 1dire1tos 
d. oçamb1cana '-que juventude ho 1e:na m di ões de exigir aos adlul~os o 
políticos) devena estar em c:- çe de serem uma espécie de 
direito de vi verem bem ama a . 
superviso~es da acção daque~es~ ao contratUalismo há ainda um 
Derivado deste acrésc1m 1. introduz nc> . debate N enha com este. ivi:o, . .d. d outr~ ponto que g? e. ~ o onto da cultura. ou da divers1 ~ e 
. político em Moça!11biqu . div~rsidade cultural pode .se:r genda 
cultural. Como e que. a . . rum Estado multicultural? 
politicamente? ? que sigriifica :.~:e que, na impossibilidade de 
Já Fredenc J ~eson no . . . a condição pós-moderna, o 
haver qualquer pro) ecto colectivo n . da heterogeneidade 
· · l labora o Jogo ' ' · . 
capital multu~ac1ona e. . do que nas é:pocas antenore.s a 
permitindo assim que mu;,io mais. problema político. Segundo 
questão cultural s_e trans onne ~um dado o seu conteud~ de 
J ameson, o ambiente pós-mo e~o, encerra rK>ssibilidades . de 
expansão multinaci2onal do cap1t~bl?11· d.., ·d· e d~ ser "outro" nos é 
. ;.. . ltur 11 Pois a poss1 l .. 
res1stencia cu a . ' . a culturalidade se toma o 
dada pela cultura e e por isso que 
centro da política. · 
. M G . A Condição Política na Pós-Modernidade. A Questão 
i2 Cfr. Peixoto, . . E .. DUC São Paulo, 1998, pp.56-58. . . 
da Democracia.. • 
26 
.· 
:· · . 
É isso que Ngoenha faz nesta ob~a: ·te.matiza a divmidade 
cultural sob o " prisma da sua gestão política pois, constata ele, 
não ·há · ainda o. diálogo . necessário en~e as cul~ · e. as 
instituições políti~as. A constituição política deve· re.flectir . . i . . . ·' 
respeitar mas sobretudo ter os seus furidamentos na diver5ldade 
cultural do nosso país. E esta diversidade ºcultural· é. iilC9rp9ra9~ 
não no.abstracto mas.em gnipos. etno:-cult~~ especff1cos. ·N~te 
aspecto é .uma grande cor;igem de Ngoe~a ~er: ~e ~pecto .à. 
!Um.e do debate, . embora não seja a p,.-imeµ-a vez.' iâ na obra 'por 
uma . .J?.i.rr~~~ã(> .Ngoenha . termina iaieµdo uma· ap~logià a urria 
constitucíonalização da ge$tão das cul~ particulares. 
. .~$,O_epha _ ~ança coni este livro . um .o~tro· c"desa.fio · a~s 
polític9s .que querem ou quere~o governar o nosso país. ~st~s 
não se devem limitar a dizer.:.nos qual será a sua.política c1lltural 
mas, sobretudo·,. d~verão equacionar que tipq . de eulturq po~i#ca 
frão desenvolver. Com esta ideia lança-se uµi de~afio ~ eticidade. 
A etici~de é tomada pQr mim como màni.festaÇões :nà "luta pelo 
reconhecimento" no sentido que O filósofo alemão e SUCC$SÇ)r de 
Habermas na dir.ecção do Instituto · de ·Pe8quisa . Social · em 
Frarud\J,rt, Axel Honnet13, usa. Portanto, a eticid~de ~ãQ é, aqui 
entendida nó seu . sentido . da morii.lidad~ kantiana, o~ . seja,, de 
uma .atitude uDiversalista em. que o respei~o. pelo ou1*o ~e torna 
um fim em si niesmo na acção de irtdivíduos autô.nomos; este 
13 Axel Honnet foi assiStente de Jürgen Hab.cri:mas e segue 11 tradição· 'da. 
Teoria Crítica apresentado a s'ua teoria.que se Qasea na ideia daºluta pelo 
reconheci.mento" .. Honnet parte da·doutrina de reconhecime$ ~m H~g~l 
e recorre a G.H.· Mead para estabelecer a ideia de uma critica sociai na 
qual os processos de mudança social devem ser explicados a pactir de 
acções que têm como· objectivo restabelecer o reconh~imento mútuo ou 
desenvolvê-lo para um nível superior. As lutas-pelo reconhecimento são, 
nesta perspeetiya, uma força moral .que impulsiona o desenvolvimento. 
· Aproveitando esta ideia, podei;nos inferir que os diferentes grupos 
· culturais lutam pelo seu reçonhecímento num ambiente ·democrático. · 
(Honnet, .A,., I,uta pelo Reconhecfmento . . A Gramática Moral dos 
Conflitos Sociai., Editora 34, São Paulo, 2003,269pp;): · · 
27. 
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. - . . . . . . em troca da sua acção re5ponsáv~l. 
venha a :r.ec1;:ber algun:a c01sa . a uma ética que: vfaa cnar 
Aplicada a Mo9amb1que, ·esta sb~n anos do amanhã tenham a 
· - a que os moçam ic · 1· e cond1çoes par . . "t s-agentes mais ivres 
possibilidade de : serem SUJel o deveria haver também um 
, · Por isso · penso que ~ t · 
responsave1s. . ' d era ões. Neste, que nao ena 
quarto contrato - o contrato e gti·tu· cç1·onal caberiam todos os 
. t ma forca cons -' . · neces~anamen e u . " . tecnoloa;a e inovação, me10 ·•rutu . tas" tais como, I!>' • ~ os 
temas ns • · como· comproIDI:s1$ · . ~ d empregos assim · 
ambiente, ge~açao e . . . 'blicas. Portanto, o c_~ntrato 
sociais na utilu:ação d~·poupanç~ pulanificação estratégica para 
de gerações ~ana parte mte1::tede~~ . contratf>., as criahy~ ~ a 
. o desenvolvnnento. Em n . . ( ai'nda não tem drre1tos 
. moçambicana que . . J. uventude. hodierna d"çõ de exigir aos adultos o 
. tar em con I es . . . d políticos) de:rena es anbã e de serem uma espécie e 
direito de viverem bem am . 
supervisores dc:i. acção. da~ue~es. ao contratualismo há ainda um 
Derivado deste acrescimo 
1
. 
0 
introduz no debate 
N nha com este ivr ' · . "dad outro ponto que g?e ~ onto da cultura.ou da divers1 e 
político em Moç~btque. ~ .º p . d.ade cultural pode ser gerida 
cultural. Como e que. a. tvers1 uer um Estado multicultural? 
politicamente? O que sigrufica :g que na impossibilidade de 
Já Frederic J~eson no. :va c~ndição pós-moderna, o 
haver qualquer proJecto colectivo ~ go da heterogeneidade 
capital multinacional e~abora. ~o J:e nas é:poca5 anterioresª. 
permitindo assim que m~to mai~ p~oblema político. Segundo 
questão cultural se trans orme :C dado 
0 
seu conteúdo de 
Jameson, o. ambiei:ite pós.-mo ~talo, encerra possibilidad.es de 
ui · onal do cap1 • ,, · expansão m tmac1 "b'lidade de ser "outro nos e . 112 · p ·s a posSI 1 
resistência cultura · . 
01 
. culturalidade s.e to~a o 
dada pela cultura e e por isso que a 
centro da política. 
--------.,..... '--· --. -:-_o P~lítica na Pós-Modernidade. A . Questão . 
12 Cfr. Peixoto,!'.'.1.G.: AUCCo~~cç~aulo 1998, pp.56-58. . .. 
da Demo;;racza. ED ' ao ' . . 
26 
·. 
É isso que Ngoenha fai nesta obra: tematiza a diversidade 
c~ituraJ sob ó prisma da sua' gestão política pois, conitata ele, 
não há ainda o diálogo necessário entre as culturas e. as 
instituições políticas. ·A constituição política dev~ - reflectir . . . . . . . ' 
respeitar mas sobretudo ter os seus .fundamentos na diversidade 
cultural do nosso país. E esta diversidade cultural é incorp9rada 
não no_ abstracto mas em grupos etno-culturais especí.&cos. Neste 
aspecto é uma grande coragem de N~oertlia · tr'!Jier este à.spectó .à 
lume do debate," embora não seja a _primeira vez.· Já na obra Por 
u"fq _Di1r1~4'R,Ng9enba :tennina faie11do uma apologia a un~a 
constitucíonalização da gestão <4s c~ltur~ particu1li!es. 
. . Ng'?enh~.)~ça co11l este livro• . um outro desa.tio :ifos 
. políticos que querem ou quererão governar o nosso país. ~st~s · 
não se devem limitar a dizer-nos qual será a sua.política cultural 
mas,. sobretudo, deverão equacionar que tip<? de· àJlturq pol.í~ica 
irão desenvolver. Com esta idci~ lança-se um desafio à eticidade. 
Aeticidade é fornada por mim como mani.festaÇÕes n~ !'Juta pelo 
reconhecimento" ~o sentido que o filósofo alemão é sucessor de 
Habermas na . cfuecção do . fustituto -. de ·Pesquisa . Soda}· em 
· Frankfurt, Axel Honnet
13
, usa. Portanto,a etfoichi.cie ~ã<? ~ aqui 
entendi~ no seu sentido da monilidad~ kantiana, ou seja, d~ 
uma atitude univ~rsalista em. que o respei_to pelo outro se teima 
um fim em si mesmo· na ac.ção de indivíduos autônomos; este . . . 
13
· Axel Honnet foi assistente de Jiirgen Habçnnas e segue ii · tradição· ·da 
Teoria Crítica apresentado a sua teoria que se basea na ideia da "luta pelo 
r~conhecimento". Honnet parte da doutrina de reconhecimento em Hegel 
e recorre a G.H. · Mead Para estabelecer:: a ideia de uma crítica sociai na 
qual os processos de mudan~ sôcial devem . ser. explicados a partir de 
. acções que têm como objectivo restabelecer o reconhecimento mútuo ou 
desenvol:vê-lo para um nível superior. As lutas. pelo reconhecimento são, 
nesta perspectiva, llD1a força moral que impulsiona o desenvolvimento. 
Aproveitando. esta ideia, podemos inferir que os diferentes grupos 
culturais lutam pelo seu reconhecini.ento num ambiente ·democrático. · 
(Honnet, A., Luta pelo Reconhecfmento .. A · Gri;zmtÍ.tica Moral dos 
Conflitos Sociai., Editora 34, São Paulo, 20~3,269pp.). 
27 
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entendimento · de eticidade seria incapaz, segundo Honnet, "de 
identificar o fim da moral em seu todo nos objectivori .concretos 
dos sujeitos humanos". A Eticidade é sim entendida aqui por 
mim como o ethos ''de um mundo de vida particular que se 
tornou hábito, do qual só se .podem fazer juízos normativos na 
medida em que ele é capaz de se aproximar das exigências" dos 
princípios universais14. Desta forma, as etícidades particulares 
(culturais) são vistas não só do ponto de vista do seu espírito (da 
tradição), mas também encerram elementos norrnativos e 
padrões de comportamentos concretos que devem se ajustar a 
um certo número · de pnncípios normativos nacionais. A nossa 
cultura política: moçambicana seria orientada pela necessidade de 
estabelecer um patamar de diálogo entre os diferentes grupos 
cultura.is que lutam pelo . seu i:econhecimento. A Unidade por 
exemplo, é uin princípio de · ordem nacional do qual se podem 
fazer juízos ·normativos sobre a . eticidade dos grupos 
particulares. Aos grupos que, na luta pelo seu reconhecimento, 
. procurem ferir a constituciortiilidade unida de Moçambique, 
serão sancionados. 
·' 
Penso que Ngoenha, com este livro, abre e oferece 
horizontes filosóficos para o· debate de duas questões básicas do 
futurc da política eni Moçambique: a da Justiça social 
redistributiva (questão económica) e a da Unidade Nacional na .t 
· Diversidade Cultural (questão da cultura política). São. estas 
; 
questões que, a meu ver, irão constituir os eixos do debate para a . . . 
afirmação da rnoçambicanidade na busca pela Liberdade. . i. 
No fim . da . sua leitura o leitor dirá se esta cornja da 
Minerva (Ngoenha) chegou '.'tarde" demais ou se o velho Hegel , 
se terá esquecido de completar o seu aforismo: Que a coruja da 
Minerva levanta o seu voo a~ crepúsculo sim, mas se vai deitar ; 
cêdo para o amanhecer, quer dizer, só se vai deitar no início de ·. !,, · · 
uma outra jornada, depois de ter espalhado a sua boa ·nova que 
14 Hoimet, Idem, 270. 
' 28 
serão os :eixos da . . . :· . . . 
inteiro . Est · · , C<mJínhada Para a · L 'b · 
oferec~ . . =o~vro e uma referência obrig~ó::ade de um po 
fi1 . . . . moçambicanos ·. . no qt1al. Ngoen I osoficamente e de . . alternativas d 
agrr racionalmente nesta . e pen.s 
. '. .. carnÍllhada. · 
Maputo, Julho de 2904. 
.. 
.· 
i " 
2.9 
. \?;;\ 
·~~ .l:·u 
·· ... ~ 
·-p: 
--(~;~ 
-~ 
t: •.:- : 
. • ...... u. li! orarinbique 
f. j cracta eu .. !VlL ~ Filoso ia e a.em.o 
,... que . a. Acad.en:iia d uestoe!l · ,. 
Este trabalho nasceu as q ª mim e ª outros tres .. 
-. (ACAFIL) nos submeteu, ; .. l ISPU . Cat"los 
Filosóhca R , ·0 Reitor uo . ' . d. 
. oradores (Loux:_enç~ ·t_ t ~ar~ Patrlc~o.José, Vice:.Re:1~~r· ,...: 
1'embe, Munk1pe a . ª.o 'bsio ~onsagtado às .e eiçoe 
ISRI) aquando do ~:itro de 1999 subordinado ao tema 
· dendais em 9 de · 
prest . Eleicão? ». "tn e aos 
« Moçan1b1que, que d ACAF-IL puseram-nos, a.nu. de 
Os coor<lenadoes a ,... s : t. (hlal é P upo 
1 quatro questoe · · . · 0 seu bom. outros orauot'es, b. ue recisa . hoJe l?ara . , l 
. - de que M.oçatn 1q P ,.. ? 3· '"'°ual e o p.ape 
ve'i:nacao l para que • · "oU 
go ' . to ? 2; O que e eger e ("\,. leitura pode·mos 
funcionam~n · · , ocrático ? 4·· '-l.Ye . • • e 
da filosofia num· pais de~ Eleições Geuis, lJegislat1vu . 
com vl.sta às segun as . 
fazer . . . . ? • te denso e 
Presidenc1a1s. e pareceu e:iccess1yamen E . . d 
Já então, o programa tn mamente complexos. 'atn a 
os roblemas que invocava _ex~:inuo a pensar que mais do que. . 
h ? volvidos quatro anos, COI • 0' SÍO como era O ca!lO c\e o)e, . d' d num sunp ' . d 
rograma a ser respon. 1 o omo é hoje o caso, trata-se . e u~a . 
~9991 ou mesmo ~um ~:TOÍn~ole filosófico-políticot. ;~~ct~;i: 
série ele . questoes anbar continuan'len e ;• . 
ssadamente .ter que acompC efeito em .toaas as e~pocas 
nece , . mbicana. oin ' ·, os estar 
ela vida pohuca moça \· as culturais, nos vaxn - .. d. 
históricas e em todos os c 1~ eita - e pe·rpét-ua - questao a 
..np<ce confrontados com a prtmha. ou a questão do « rnel\lor 
se... . Platão e tn . . 
filosofia política a que . 
·3Q. 
· ' '. 1 
. regime», ou seja, o r~gi~e que melhor pode garantir a justiça 
na cidade. . . 
O.ra, ·ª avaliação axiológica d9 «melhor regime» não . 
teni nada de :rµetafísico .. Não se trata de um governo, ou um 
grupo de . homens . ou · de normas que emanam da sua 
governação que têm, intrinsecamente e por essência, o ID:elhor 
. gene d.e _poder. Trata-se, de um lado, de avaliar os ideais, a 
moral-política e a competência dos homens j e, do outro, a 
· capacidade das instítuiçõe~ sócio-política~ em serem . uma · 
. plataf()rm~ .~dêquada na bti,sca de respostas aos p.roblem'ifs com 
os quais somos co~ontados.. · 
Eis p;qrque n.ão. pude ontem e nem po$so hoje reJionder 
'. à,°::; quatro questões. ~or uma questão de afinid.ade disciplinar -
· que afinal de contas constitui um esforço de :maior penetração, 
mas ao mesmo . tempo. Úm limite - decidi concentrar a minha 
.atenção sobre a questão numero três: é a ·unic;a em que se apela 
·· directam~rite l filosofia . e, também talvez · por defeit.o 
profissional, me. parece ser a questãío mais ., abrangiente e, ao 
mesmo tempo; a mais urgente. · , 
Tomei, por conseguinte, a liberdade , de me debrµçar . 
sobre a terceira questão que é relativa « ao. papel da filosofia 
num país democrático ». E mesmo, aqui, p~rmiti·me alterar 
. ligeíramente a ·sua formdaçii\o a fl.m de libertá-la da sua grande 
.. generalização e dar-lhe um cunho . teórico mais aculturado a 
Moçambique. Com efeito, é inegável que a filosofia esteve 
sempre presente nos - d~bates políticos. · Aliãs, em parte está na 
sua origem. São exemplo . disso os Tratli.dos de Platão 
··• (Republica) e de Aristóteles (Politeia) sobre a política, assim 
como o conceito de. cid;i.da~ia desenvolvido pelos. sofisttas 
· (G6ruias, . Protágoras, Hippia:s). A filosofia não é só pioneira o . . 
no domínio da política, mas é um ponto de passagem 
. obrigatório p,ara o i:onjunto d.as .. disciplinas que se interessam 
. por que,stões' afins: a. Ciência política,· a sociologia política, o 
dizeito, a antropologia políti~a, etc. 
31 
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· desempenhou '.um ?~pel 
lVI.as se . a filosofia sempre ilemo.craucos 
instauração dos regime!> -
ímportante na oslçao c.le instituiçoes 
(Rousseau, Loclce, Kant), na 'proJemocracia (J. Locke, 
, . d dar corpo a . s 
susceptiveis e ). luta contra regline. J -J Rousseau , na 1 , • d.o Montesquieu, · '. . ·J s·) na cienunc1a 
(V l . Hans ona ' totalitários o ta1-re, M Hannah A~endt), ela nunca 
· (Ad arcuse, · b . 
totalitarismo orno, d . . - o Ela foi setn,pre o ra 
. . t madas e posiça . 
foi unívoca nas suas o . . e no tcn1Lpo e, por 
d . dos no espaço . f' -de indiví uos situa . . am.. a filosofia! em :unçao 
. d s que· enga1ar . d: 
conseguinte, pensa ore . ' . das suas percepções ·o 
das suas sensibilidades . propnas, . 
. d bl mas circunstantes. . d r 
mundo e os pro e . se ocle dizer qt:~e o d,enotntnª. o 
P.or isso, nem sequer P l d mocrada ·porque muitos 
f t · f" 1· a a luta pe a e · ) cornurn da i oso ia se - '(d f nsor ela. :i.dstocrac1a ' 
or Platao e e ) - · filósofos, a começar p . do. Estado moderno nao " .. 
l H bb (entre os pais - -Maqu_iave' ~ 'es . . Eis orque a -nossaL ques~a~ nao 
eram favoráveis a demodcraf:l1a. f" ~um· estado detnocrat1co: a 
l ' pel a t oso ta . l b s 
Pode ser qua e o pa . " . . d fl6sofos que. e a oratn . o . 
d d d e:ic.1stenc1a e 
1 -
espaço, e tomou posição. (o que constip1i o seu pensamento 
filos6fico) em função dos seus valores. Em resumo, cada 
fil6sofo foi sempre militante de uma causa - e muitas ~ezes 
não como resultante de uma .análise crít~ca imparcial que 
deveria caractedz~r todo o juízo filosófico, más por razões que 
Francis Bacon não ·teria hesitado em chamar de iclolas e a 
hermenêutica moderna ·de .pré-compreens·ões. Por conseguinte, 
toda e qualquer aplicação de uma filosofiil política ao objecto 
Moçambique deveria set precedida da dar~ficação .da causa que 
se ·pretende deforider;. da raz~o que ju;tifü:a . o engajamento 
intelectual daquele que apela ao método filosófico~ ,;"' ~ . 
. T~lvez seja útil re·cordar que, ap~ar da sua longa história 
destituída de uniformidades, a filosofia, no seu procedimento 
metodolÓgico, coittinua a fa:zer apelo àquilo a que o velho 
, Arist6telês chamou de « causas. últimas >>, _. Por isso, quando 
digo que quem faz apelo'. à filosofia deveria, de modo prévio, 
clarificar a c'ausa óu as causas que quer defender,. trata-se de 
.saher quais são as razões últimas do . seu engajamento 
· intelectual :. ambições individuais' c:;>u sociais ? servir ou servir-
se da comunidade ? · filosofia epen e a . . . . pensam1entos estao ' . 
tos e estes ,. . 
próprios pensa1:°en . . ' _ alimentados pelas circunstancias : .. : · Para ser coerente, devo começar por clarificar a minha 
inelutaveh:nente hgados e sao G t) mas também pela .. ··· ·posição, os valores.que 'são os rneus. ·Como direi mais tarde ·e 
. l . (Ortega e asse ' , . - . fi 
histórico-cu turais · P eguinte é ·necessarto : com mais detalhes, a história do espaço geogr~ · co chamado 
. sensibilidade dos filósofos .. · or cons a filosofia como ::-- Moçamb_ ique e do conJ·unto dos homens ~ue se d~nom_ ina~ 
. l . circunscrever • d .. -,. 
aculturar,_ part1cu anzar,. ,· 'to (cdtic<'J1) " e atttu e.' moçambicanos encontra a sua homogeneízàção naquilo que de 
. b d como esp1n . d. . . . 
método so retu o • . I • de qualquer tipo ' e .. : mais negativo pode existir. na _história de um homem' :ou de, . . e s1stematico d · j · 
( dbtari.ciamento rlgorqso d" . a nossa liberd.a e ue '.: uma com:unidade .: foi uma hist6ria comum de sofrimento, e ele 
. possa con ic1onar , . d - : . . . . 
comprormsso que . histórico-poht1co a . naçao -, um sofri~en:to muito partkular (já tinham essas mesmas 
. . , ) ao processo · . l cl .: · · · · · · 
anáhse e )uizo _ ,. transforma-se em« qua Pº e! : · populações · conhecido a escravatura). F~i o colonialismo 
moçambicana. Entao. ª qu;.stao ~ rocesso democrático de ;. europeu do fim do século . XIX .que . determinou, com a · .sua 
ser o papel da filoso_ 1ª P:m pposta sugere imediatamente;. divisã~ arbitrária: dos.· espaços geogJ,"áficos (e culturais) 
b . -;i A questao ass1 . • "' . . - d h h b" . . Moçam 1que · »· · •· . . .:.._ . . africanos e a opressao coi;i:um os omens que· a 1tavam esse · 
·três reflexões : . . h . s suas preocupações e os se).is ~ . · ·: esp~ço, a .~riação de ·MoÇambique. A hist6ri~ da união dos três 
I O filósofo .s~mrrej au~~ut~dcas do' seu tempo, . do seu'.: ·grupos que deram ·origem à Frelimo (Udenamo, Unamo e 
problemas nas v1c1ss1tuues is . . 
. 33 
32 
· ... ' ... :: . ' 
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~- f;fh .. ;;', .._ . .. 
·-gm 
... ... :~ ·!~ ! 
Manu) é exem.piar de como os homens de5sas terras e culturas 
diferentes a certa altura criarão Moçambique,_ unindo·-se numa 
luta comum em prol da liberdade. 
. Se existe um substra_cto . filos6fico que está na orígem 
aJCiológica. de Moçambique é, sem clúvida, a busca da l!berdade. 
Aliás, a busca da liberdade cara~teriza a história de Afrdca no 
último século. Se quisermos ser. mais eJcaustivos, diremc>s ·que 
desde a sua criação-invenção (para parafrasear Ivludimbé), 
através de um processo de apropriação identi1tária 
geneticamente. exógena, · .a África, . ,µasdda nas . diásppras, 
caracteriza a sua existência como busca da liberdade. 
Assim, para mim, o valor de fo.ndo do meu engajamento 
intelectual é ·a militância a favor deste ~'alor humano supremo, 
para os moçambicanos e para os africanos. Liberdade - para 
utilizar a linguagem de I. Berlin - positiva, cjuer <fizer 
liberdade de sermos nós ·mesmos, e negativa, de viver sem 
contrição nem de carácter político, nem de carácter económico. 
A história da luta pela liberdade negro-africana conheceu 
muitas etapas. A primeira foi no cham~do novo mundo onde a 
escravatura concentrou muitos homens e mulhe1·es de origem 
africana privados da sua liberdade. A primeira luta com.eçou 
aqui, e a liberdade para esses hom~ns, como para O. Kunta 
Kinte de Alex Haley1~, num primeiro momento era volt.ar ao 
que Delany chamou · de « alma mater » . . Mas, para a geiração 
seguinte, a liberdade passou a significar a emai1cipação da 
escravatura, não tanto para reganhar a «terra mater »1 mas 
para viver como homens livres nos países e nas ·terras qu~: lhes 
viram nascer. 
'· • .. . 
,. 
~. ' . 
Depois deste período nos EU A, que é onde a · hi:;tória 
negra está melhor documentada, os antigos escravos, quer se 
chamem B. Washington, Du Bois, Marcus Garvey, C. Cullan, 
Langston Hughes ou C. Mckay, de maneiras diferentes lutam" .. 
•~Raízes. São Paulo: Cruze!io, 1997_ . 
34 
r 
pelo tn,es.mo oh1'ect1~vo. i·nte .. 
l · • grar ·d 
numa_nos iguais, como reza a co .ª .s~c1e_ ade como seres 
P. 0 · . nstttuiçao a · . uco tempo depois do fí d . . mencana. Porém . d . m a escravatu · . , 
anos epots (a escravatura te~ . ra, e.:x:actamente vinte ( 
de Berlim foi em 1885) os fr, minou. em 1~65 e a Conferência 
u . ·. ' a icanos tiveram .e r-
ma nova ameaça : o colo . l; . . . que 4azer frente a \ 
_ . . . . n1a ismo. Foi . r ( 
novo perigo que nasceu l . pai;a x:azer frente a este 
· • · 0 ema ·entr · · 
« unir-se para resisÚr » . I. , e . os él1Ut1gos escra 'iros r 
f · . · 6 • que, a tas est' ·· "-a ncan1smo1 • · ·. . ' ª na origem do pan-
De,s~~ vez a luta s_ erá pela . d , 
longo In ependência p I ' : ·' . ·processo e desdt~íd de . o 1t1ca. Este 
c:onsistêi:.isia é!- pa~ir d~ fim ~a S unaformidade~. . ganha 
Contudo, as indepe~d" . f . egunda Guerra 1\flundial 
d., . enc1as a ricanas . . . . · tasporas por Du Bo·· (S d 'primeiro invocadas na . . is . eoun o Co . ., p . s. 
r9r9, em Paris) e. Marcus G . ( J!gresso an-africano de 
I ) , arvey Conventio d UN 
9-4_0' so começam a mate . 1· .. n a IA em 
t . na tzar-se em 1 . · a mgem o seu apogeu na d , d d 957 no . Gana, e E . eca a e sessenta . 
ste processo teve imedia:r . . . 
d 1 . . • amente que faz o · esenvo v1mento so · 1 ' . er contas coni. 
. c1a para garanti t·b , vivemos · d .- · · r essas l erdad-> N, 
.a1n a nessa busca d 1·b "'s· os 
desenvolvimento soci~l J, - . . a 1 erdade como 
· · - · a nao se t t d . 
. escravatura, da integ . - . 'ra a a emancipação da 
. M . . raçao nos pa1ses do h 
undo, da autodet . . - c amado Novod. erminaçao pol 't · . esenvolvimento económico l' . . i.1ca, mas do 
1 ~ ~ d. r . po it1co e social 1. retaçoes e rorça. com: o O .d ( . , num e ima de 
. . c1 . ente esclavao-· t . l . 
que ainda não se -libertou d . · 1, ois a e co on1alista) 
. . o seu e an colou. l h . 
apresenta sob a veste &e credor. . ia' que OJe se 
' 
( 
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( 
. A questão, apesar de te~· uma co . 
imp~~tandte, é, sobretudo, política . . Sem mpr~onq_ ente e~onómica · . l 
. questao o desenvolviment.o. co. 1 ue se invoca a, 
· • · . . I OCa-se em • • 1 f primeiro ugar os 
~ . . . ~ r 
Oruno D. Lara. La naissance du anafi '· . . . 
américaines et a.fricainés du mouvemtnt .· 1.;.izs~. Les . 1:acines cararbes, 
et Larose, 2000. . . . . . au .. e Slecle. Pans·: Maisonneuve 
·. 35 . 
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factores económicos. Mas a economia (~s chamadas Je:is _do 
tnercado) deve, pelo menos _no nosso caso, ser suboi·dinada às 
escolhas societárias. Caso contrário, condenam-se os ·mais 
fracos ao ponto de partida, quer dizer ao trabalho forçado, ao 
colonialisrno e mesmo à escravatura. 
2. A segunda reflexão é de carácter filosófico-histórico. 
Nos ú l timos anos falo u-se muito d.o fim da filosofia ela 
h istória. 0.!1er dizer que a ideia ela história elos homens como 
esforço para r eproduzir o paraíso edénico (de Adão) perdeu · 
todo o sentido. A modernidade'7 foi concebida por Hegel, Kant 
e ret ornada por ~iabermas - e n isto· e:i'ciste u m consenso entre 
os assertares da modernidacle . (H abermas) e os · pós-
modernistas (R. Rorty; G . Vattimo) - como emançipação do 
homem d.e todo o tipo de garantias meta-sedais. O homem 
moderno não quer ter nenhuma figura-guia, não quer 
subordinar os seus valor es e as suas escolhas a nenhuma: 
t r anscendência ou revelação. 
tv1as, paradoxalmente, ao mesmo· momento em que o 
Ocidente mata Deus, para parafrasear Nietzsch e, ou como diz 
Dostoievsky declara que Deus já não tem.mais nada a dizer no 
que Vico teria chamado de mundo civil , o Ocidente s-e· al!to-
pr.oclam.a « Theos » para a África e píira os países que hoje se 
chamam de « Sul do mundo »· A história seculari:z:ada pela . . 
filosofia da história, primeir o de Voltaire e 'depois" de Hegel, 
não se limita a substituir os paradigmas que d.e Agostinho até 
V ico tinha~ impregnado a compreensão da . história -
« criação, pecado, · incarnação revelação · ~ aparttsía >> - pefo 
conceito de cultura que fará a felicidade da antropologia de~de · 
o século XIX. No mesmo século da. antropologia (que, não por 
acaso, . coincide com o colonialismo) invent:a-se : o 
evolucionismo'8 (Berbert Spencer , J. S. Mill, Danirin) no qual 
17 Ngoenha, 2000 :31. 
16 Ngoenha, 1993 :15 e seguintes. 
36 
. .. 
.. ; 
.. 
o Ocidente se coloca como o d l mo e o a norm . . ' 
com o seu conceito político d ·E· d ' . ·ª' o novo Eder · · e ·sta o coni. 
e com a sua.- escrita. A p 
1
. 1 _ ' · · 
0 
seu monoteísm• 
. . .ar ir ae entao o Ocid 
a Sl mesmo como send . . . ente apresenta-S• 
h ) 
. o o novo jardim. d Éd " ( 
omem a imitar n - b e en super 
h
. ' . ' ao o stante as suàs co d' -1storia,s de opressão . . . ntra 1çoes, as sua: 
. . ' que .permitiram a acum 1 - d 
. que, para alguns histori d. (E u açao o capita: 
D •d) . a o.res temad B d Th 
avt 'e-!!t á n a origem do . ou a, . om.a~ ' . f . seu arranque econó . . 
nos, s1gni icou . escravatura: - ~1co e que, para 
retrcjc~sso: "· · · · · ' opressao, perda: ele liberdade e 
. O Ocidente o~upa ho'e e · l _ .. . · 
t: '" . .. -d . J ' . m r.e aç-a.o a n6s '' 1 o~ rora era e Deus em i 1 _..:. , . h. ... ,- ,. o ug;1.r que 
f
'l f• e açao a umanid d P . 
a oso ia da· história (co d . . a e. or tsso, se a 
uma teologia da histór:oo er;~nstrou Karl Lõwith) ·.é filha de 
tem nada a dizer lVÍ « eos » para o Ocidepte já não 
: . · as, nesse mesmo 
maneira idolátrica o O ~.d momento e de uma 
d
. . d . ' ~t ente se arroga 
1vin _ade em 'i"elação a nós. . . ·ª prerrogativa de 
Que. haja uma .crise aeral da d : 
. eleição de Berliisconi n~ lt~l. H dl emocÁrac1a no- mundo (a 
S 
, . a ia, o er na . ustr . Bl h 
u1ça,. Bush nos EUA) · .. · d . ia, oc er na . · · ' que os· oss1ers eco 6 · · mais c:omplexos im . , . n mtcos sempre 
d" · · peçam os c1dadãos ' d · · · 
. irectas de . eJtercerem os seus d. . d. nas emocradas 
nas d . . . - 1re1tos e- everes cívico • . 
emocrac1as representat. s , que, r d . . . ivas, as populaç- . . 
rorça as a votar com l . . . . : oes se ye1am 
· · · um enço a cobrir as ~ · 
sentirem o cheiro pod . d .d . . . . narlilas para não . · . re . a esonest1dade d _, · · 
caracteriza cada vez· ma' . :la e a corrupçao que 
d 
. . . . . is a e sse política' • q . 1 . 
evam votar por uma el1't 1í . . . ' ue . os e eitores e- po t1ca que - · 
nos países da' velha dem : . . - nao, merece confiança 
. ocrac1a o qu · · 1· 
.. legitimação pol1't1·ca n- . . " .' . e. imp, 1ca uma crise de 
' ao importa 1 Al'' · · 
. Ocidente de . contin~ar .. a d. . · 1.' - ias,. i~so não impede o 
d 
· · · · ar içoes do q , 
. emocracia, omitindo a" sua P. ' . . h; , . . ; ue e uma boa . f . . . . ropna istoria. d" 
.que o azem . sistematicame .t . b l . ' e as contra ~ções 
. h . n e a ançar :entr ·os 1. 
. . utnamst'as e. o economici;mo~ . . e va ores 
.37 
.· .# '. ...:.i -:-~~- ~~. -::--~ - . 
' . • • • • • : •. • . : - ; 
1 
... • ·,. •. 1 '.: ·.". ~ ·.~· : : ; : · : ~·· ~·: • :::: ~ ·:·•· . • : i :'· ~·;~-·~7. -;"..?".'· ':"'. ;:". :T~ ;:,.,-;::-•. ;:._ -e:;.,'":. ':-.,~ . ..,,;,..,,,.:..,,:-_,,..,.:....:..._~ 
.~.·~ · 
~r0 
~t:.;; 
~~ 
l; -~· 
·~. _...,.. 
--rn~ 
. fill 
- · 1 .. . •• ·1:.:: 
1 
·1 
. , . . ? Q!ie is::; o dependa · da E.,,.1.st~ uma crise econçmuc:a . 
-- ~ . ( · 1 ) porque 
. desonest ida e os d val1açao d d. . actores económicos Parma at ' ou . - · 
· ·. rosseiiros e · ª · · os econoinistas cometem err~s gd . FMI e do ·. BM se 
( . . ) porque as receitas o . . 
Sw1ssair , ou · . uência.s nefastas para d ram·se falaciosas e com conseq . . 
emonst . . ) · N- . rta . aquilo que o nosso 
as populaçq.es (Argentma:. ao im~:s :eus próprios países· 
« Theos » ignora para S• mesmo . 
'ses dos outros. . parece saber para os pat . _ . . l pai:-a nós é de nos 
N f d a questao pnnc1pa 
o un o,. - d . ntinuar a · tomar o d O . d te Nao po emos co . 
laicizarmos. o . c1 en . - d . prodU2:ir o seu níiiel 
d l . nao po emos re 
Ocidente como mo. e o'. l t ··mporta:r as suas taras, 
' • 1 p d mos s1mp esmen e t . . 
econom1c.o .' o e l .,_ 1. · (Ul . h Beck19), Por oultro , . ele g ooa iza nc 
dado que .e isso. que . e a colonizar para . 
opulações a escra v1zar 
lado,. não ~emos p l . pern:n.ita o arranoiue . . 1 apita ·que nos . 
podermos acumu a~ ~ e t l pronulação subalterna 
' · E e t1vessemos uma ª Ir' 1 
econom1co. s · . lh d ponto de vista mora , . de ser seme antes o . 
correnamos O risco . d" e, . faz batota com OS St:!US 
ao . Ocidente que, como LZ esa1r~, . . : 
próprios princípios. a el da filosofia no debate político 
3
• Um eventual P P . d . t" eia de uma 
. . . d de ·necessariamente a eJcis en . 
moçambicano . epen d onstrou a corrente . 
. b. . Mas como em . 
filosofia moçam ica~a. ~º (P ·Hountondji Eboussi Boulaga, 
crítica da filosofia afnca-~a . d' t ciame~to da negritude 
. ) A bito uo seu is an . 1 f· 
IVI. T owa no aro, . . ) . b tudo da etnofi oso ia . h D . e Ct-sa1re e so re . . 
(Seng or, amas - . . . tência de uma suposta 
(Placide Tempels, . Kagame)b' .. a ex~epende da existência. de . 
f . t caso moçam icana, d ' l 
filoso ia, nes e . , i "timados não só pelos tp omas 
filósofos moçambicanos,. .eg1 d verem o que Hountondji 
. ' . pelo racto e escre . , 
univers1tanos, m.as , d le instaurarem no pai~ .uma 
chamou de. arqu1vo e, atraves e ' . 
tradição crítica. 
· · L'Harmattan 2001. 19 La société du risque. Paris :' 
2o Ngoenha, 1993 : 89. 
38 
··.· . . 
; 
A este n ível, o . país esta paulatinamente a crescer. · Nos 
últimos anos através da . Universidade · Pedagógica; mas 
também atq1vés de outras instituíÇões estrangeiras, 
0 
·número 
de moçambicanos eom· graus . académicos e~ Filosofia 
aumeritou. T rata-se d~ uma condição n~cessária, mas não 
suficíente 'para o . surgimento de uma ;tradição filosófica 
moçambicana. Es~ premissa fundamental tem de ser seguida . 
pela coragem. e ousadia para instaurar um debate de ideias . que, 
iri.spi.!'ando-se na ·secular tradição filosófica, incida os seus 
interesses de uma maneira participativ~ e construtiva sobre a 
realidade política ·moçambicana. Istci é, na reflexão ·· (a té 
. . i:nesmo 'irivenção) de 1.,lm regime político que permita · a 
:. ·participação de todos no debate.democrático, !1ª reflexão sobre 
a árdua ' questão da representatividade, nu~a constituição 
adequada à . realidade cultural e social moçambicana, num . 
processo de redistribuição, etc. . . · 
Isto . quer dizer . que, contra a veleidade de uma aparusia 
· · histórica já real izada, como defende Fukuyama, ou contra um 
·, ' ·modelo realizado na Europa e que nós teríamos simplesmente 
' que . imitar, como defendem . os no:vos missionários oriundos 
. das ciências política·s • que · de uma maneir a. acrítica e 
. aparentemente sem dúvidas quanço ao qu~ se deve fazer em 
· · . lVIoçambique, sobre o m~lhor regiipe político, o tipo de 
;· : de.mocracia, de representação social. - continuam a dar receitas 
f .... de, polític~, de democracia, de desenvolvimento sustentável. A 
,, '.filosofia não se contenta: co1n o que é, com o que aparece, nem 
. .. ·pode admitir a ideia de uma história acabad~ ou determinada 
.de uma vez por todas. 
Sob o ponto de vista filosófico, a história é o terreno de 
um.a co.nstante invenção de sentido da parte do homem ; é o 
terreno onde ., o h~niem exerce ª . sua liberdade de poeta, no 
sent ido da poesis ·gregal é o ·lugar da criação do sentido no 
tempo. 
39 
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(h1e as decisões políticas produzam efeitos que tocam o 
nosso · ní.vel de vida e os nossos . d ireitos ; .que · o assento das: 
instituirões fundamentais da sociedade determina e mocleia as . . ' 
nossas oportunidades; q ue as .escolhas se coadunem mais ou 
menos com os nossos , gostos, com os nossos valores 
individuais e colectivos ; que a distribuiÇão elos custos e 
benefícios da cooperação social seja coerente i:om um critério 
ou com um conjunto de critérios; que a:~ , instituições 
consintam ou não, para cada um de nós, a defiti.ição no tempo1 
de um · plano de vida e de um projecto de 
autodesenvolvimento j que cada um c\e 11.ÓS conte pelo menos 
como qualquer outra pessoa, eis. alguma.s questões ,sumárias . • 
que definem o que deveria ser o ponto do ataque da filos~fia 
quando esta se interessa po1· questões políticas. . 
Trata-se de questões normativas. O que qu~r dizer queª· 
sua solução impliCa·-a referência a um princípio o,u ·a um certo 
número de prip.cípios capazes de nos guiar nas avaLliações que' · 
fizermos sobre as decisões políticas; sobre o· assento das 
instituições fundamentais, sobre as escolhas colectivas, so.bre a 
distribuição dos recursos, etc. Em suma, a 'fiiosoffa política é 
chamada a refl.ectir sobre. como. devemos viver no âmbito de ; , ·· 
uma perspectiva interpessoal que podemos adoptar para as ·,· 
nossas vidas. 
O carácter normativo da filosofia política distancia-a :: 
relativamente da ciência política, sobretudo no, âmbito do< . 
objectivos anunciados por cada um dos domín ios, mesmo se··~ 
uma tal distinção na prática resulte pouc•o evidente. ';_ 
Comummente se diz que a ciência política é uma ciência social ·:; : .-
entre outras, cujo objectivo seria estudar com hnparcialidade .:' 
os mo.vimentos sociais .e as ·ideolOgias que os acompanham, ;:-,· 
enquanto a função da filosofia política seria 1reflecti1: pão' ':. 
somente sobre o que é, mas também sobr~ o que' d1~veria ser. :'_ 
Na prática, estas .fronteiras - rnetod9logica!D.ente úteis_.:. 
roas difí~eis de balizar - são constantemente t1ransgredidas . . 
40 
. ... . "\ 
~ºr:1 efeito, , nenhum especiali~ta sério da ci~ncia política pode 
111r1.1tar-se a. uma simples d · · - , · l . . escnçao, mas recorre 
constantemente a noções filosóficas mais ou b d · d · · · menos em 
omest1ca as. O contrário é também verdadeiro . a fºi;., r.· l' • · • 1 vSOl!:la 
po 1t1ca empresta ,também muitas vezes sem 0 saber 
d 
. . . . . . . , eu sem o 
a · mit1r1 conceitos da ciência política e mesmo das "d 1. ·. O d"fi , · . 1 eo og1as. 
· utra 1 culdade e a seguinte: podemos d1" tº · · , fl f' 1 s. 1nguar urna 
1 oso ta · po ít~ca de uma filosofia que não seria p l'tº ?: p d d' · · o R 1ca. 
· o emos istinguir a filosofia . política da filosofia moral ? 
~rata-se, _de duas questões difíceis. Se ~esde Platã'-< ' t' S 
T 
, _
1 
' '1' o a e . 
omas ce Aquino, existiu um cç>nsenso que foz da f"l f· , lí · . l · t oso 1a 
. Pi;>,_ tica ,:?,J;D.ª s1mp es aplicaçãó da fi~osofia · mõ?d aos 
p~oblemas ~a Cidade, esta ideia foi definitivamente rompida 
com ~aqu1ave.l e cedeu lugar à ideia inve~sa, segundo ·a qual 
u_ma difer,ença importante separa estes ddis domínios de saber. 
· Para alguns, por exemplo, a filosofia tra-ta ·d -· d' "d · . · e acçoes 
tn lVl UatS OU privadas; a política de acço-es 'bli 
1 
. . . . pu cas ou 
co ecttvas. Para. ()µt ros, o juízo moral é a m-iori e tem um 1 , b 1 · e:- . va or 
-a so,~to, enquanto os j~ízos r::olíticos são d~ ordem.puram.ente 
emptr1ca e, por conseguinte, tem um valor relativo. 
_ ·Mais recentemente, com , a reabilÍt~ção que Habermas 
~perou a~ ~ensament:o de .Kant, emergiu utna nova tendência 
que relat1v1z~ ·a oposiÇão cmtre moral e pol~tiâa, que se funda 
sobre ~ facto de que bom número dos nossos jufai;)s 'políticos 
resultam -~e urna deliberação ·ao mesmo tempo radonal •e 
moral. ,, 
. , " . · Uma _única certeza · .. emerge destas ·controversias : · -se a 
política é uma coisa: diferente_ 'da . moral, e mesmo ·se tende a 
. · libertar-se da tutela desta última · não · lhe p. ode fu. • 1 . . ~ . . grr 
comp etamente e para sempr.e. ·Podemos · dizer a mesma. coisa 
em 'termos cínicos~ sem ~ecorr~r ao . tiansc~ndental kantian o. 
N enhun;t príncipe, nenhum Estado se pode ~ubtrair de uma 
maneir~ , defini ti vá à reprovação' suscitada -pelos .seus crimes ; é 
_41 .· 
·;: . · ..... :~· ·': . ··.:. ~ \· .. • .. .. ~-· .. :. , ··:: .. ... -: - .-~. 
-rrrr 
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no interesse do prfo.cipe ou do · Estado não se comportar 
sistematicamente de uma maneira imoral. . 
Para além desta ~onstatação que mes1no Maquiavel fez 
sua, cada fil6sofo tem tendência à conceber as relações entre 
moral e política de uma maneira que-lhe é própda. . 
Poder-se-ia, enfim, definir a filosofia política em função 
do seu ·« corpus » temático, da particularidade dos problemas 
que trata ou da sua especificidade metodológica. Infelizmente 
também aí não podemos ser-afirmativos. Temas e pro}>lemas 
variam segundo as idades. No s~c:.':11º XVIII, ª· noçifo da 
liberdade . foi a que suscitou os principais debates ; no século 
XIX, .. foi a noção · de igualdade ; n,o,_ início do século XX, o 
conceito de revolução ; na segunda metade do século XX, a 
noção da justiça retox:nou o passo. Amanhã é provável que a 
noção de supra-nacionalidade_ (ONU, União ·Africana, 
SADC) seja a mais importante. . , . . · . 
Uma vez mais,· a sucessão destes debates, que marcaram 
a filosofiapó lítica, não tem nada· de providencial. . Ela reflecte 
simplesmente as metamorfoses his~óricas, as mudanças nas 
preocupações e nas prioridades. Mutações. que, a men<>_s que . 
sejamos completamente hegelianos, não podemo~ considerar 
que exprimam outra . coisa senio a contingência mesma_ da 
histórià que as produziu. 
~anta a sa,ber se a filosofia política dispõe ele um 
método privilegiado para produzir .enunciados verdadeiros, a 
:resposta é categoricamente não ! 
Significa isto que a filosofia política não. é defü~ível? 
Qye não tem· u~ terreno próprio ? Q!ie o seu discurso ·e sen; 
aposta e as suas .conclusões sem interesse ? A resposta e 
categoricamente não ! ·· · . _ , . . . . , . 
Por uma questão de contrapos1çao, o donumo c1~ntifi~o. 
que melhor participa na caracterização da valida~e d?- fi~osofia 
política é a economia. Sempre que se fala de mudar a sociedade 
embate-se imediatamente na economia; que . ~parece nos 
dis·cursos dos seus militantes como a única realidade, como o 
real ~ue resiste às ut.opias dqs filósofos. Não é só . 
0 
BM e 
0 
FMI,. mas. a maio_~ia dos actores ·políticos. q~em coloca sempre 
na .. dianteira as cifras . do crescimento económico do PNB 
Aliás, esta tendê~cia econ~micista salta também à ~ísta num~ 
· leitura atenta do recente documento chamado « Agenda 
io/25 ». · 
Este discurso é. de tal maneira extraordinário que ele é 
ptonun_ciado pelos neo-liberais, pelo antigos marxistas 
ortodoxos,,9~ por aquele~ que querem a todo .o custo conservar 
, . ··ou conquistar o poder. Para estes. apóstolos da d6larc·r~~ia 
0 
i caj;>~talism~;<-ªI'ªrece como ci único siste~a concebível e .. a· :ua 
' · vitória sobre a . economia .planifkada o-anha um ~~-~atuto 
.. o 
. . · soteriológico. · ~e . o capitalismo não assegure a felicidade 
. uni_yersal, · que ele ·aumente· a pa~peirização das nossas 
· populações.mais fracas, que deixe muita gente no desemprego, 
· qtte O. seu .ritmo de crescim.ento diminua constantemente . não 
importa. Paréj. os economistas neo-liberais a. eco~omia to:nou-
se um fim em si mesmo. . ' 
· Tornando-se mundial, a seguir ao desapa.recimet).tp do 
·bloco socialista, imposta na Europa pelas institufções 
comunitárias, rio resto do mundo pelos acordos do GATT 
(_!ioje OMC), em África e em Moçambique pelos proj.ectos do 
-:'. Biv1 e do FMI, o chamado mercado livre constitui, doravante, 
. o . ponto de· referência de tod~ a acção. À esquerda como à 
. , .. · direita, to.dos se sentem na obrigação.de recitar o mesmo credo 
; . segundo o qual os .. governos deveriam deixar de interferir nos 
: . . · fluxos económkos. ~ando penso que cre~ci num país . que 
_ repe_ti~ constantemente:« a política no posto do comando» ... 
·E· nei;:essário insur~ir-_se contra este economicismo que 
condena Moçambique a uma maior . dependência e mesmo ao 
neocolol).'ialismo, e deita por terra todos os e~forços realizados 
em _termos de luta pela independência e. pela liberdade. 
Contrai:i~me~te à ideologia dominante, nãd é nas pretensas 
.· . 43 
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· 1 ·s da história da economta ou do mercado qui~ podemos 
et ' - l . do · salvação A história não tem eis, o merca esperar a nossa · · · ·i • 
b., nãO O capitalismo é actualmente a cioutnna e mesmo ta.m em · . · - d va "d l a·a dominate mas nada prova que esta s1t111aça.o e . 
a i eo 0 0 1 . ' . · • · h 
dura..- eternamente i mesmo .se, é preciso recon ec~er, que na 
l l ada P
rova que 0 ca.pitalisxno 11.eva desaparecer, :iora actua n ' · · - d 
nem que possa sei: substituída por uma organ1z~ça~ e 
produção que elimine a exploração, a dominação e a cnaçao de 
pobres e de ricos. El · ' 
E m .. futuro diferente não cairá do céu. e sera m suma, u . d d · 
·' f" rmos colectivarpente ;.ele será resulta o e actos 
0 que nos 1ze ·, h · to 
P
olíticos. Neste ponto de reflexão, qualquer omem sefunsa 
· · l' · t correcta que o turo diria de uma maneira ·· po 1ttcamen e 1 . . 
·-
~·· 
- e lá estaríamos num quadro de um.a. .decisão de polfric 
cult~ral justificad~. Mas J:l.O quadro demo~rátíco, . ·se , 
. substr~cto . das nossas leis .e as modalid.ades de participaçã. 
. dependem de uma cultura de Estado que vive em português 
não s6 como língua, i:nas ta~béin e sobretudo coino Direito 
então exdui'.tri.os pura . e simplesmente a maioria do: 
·moçambicanos ela cidadania e, ,por .consequência, fal~ificamo : 
a democracia: · · - · 
.Não são as. pessoas que devem-se ad~p-~ar · a orga~igramai 
.,., jurídicos e· 'constitucionais de origein e)cc~usivam.ent~ ~xógena 
nos seus r~mdainentos . filosófico-histÓ,.r.icos . e nas . suaJ 
.. .... modalidades de aplicação }urídico-admini~f~~tivas. É o Direita 
. que . d~ve ser construído e alimentado a parti~ dos 
inco;scientes colectivos das populações . 
depe~de dos cidadíi_os. Eu penso ·ter. ~ue dhei.: q~e o nosso 
. f d d da nossa capacidade de msta·urar le1s e espaços 
utu•o epen e b · 
Particip~tivos , qu. e permitam que a maioria d.os mC>çam tcanos f l As aporias i osóficas 
se tornem, de facto, cidadãos; 
Um amigo · italiano, por sinal casad~ com . uma Como se vê, não estou a trazer respostas às questões que 
b - dizia-me ter ficado escand.altzado quando a ACAFIL me pôs, mas a levantar ·problemas. Com efeito, a moçam 1cana, lf b ' · 
con~atou que a sua mulher considerava ana ª E~ta ª propi:ia · filosofia não. está à altura de oferecer soluções aos problemas 
mãe, e este juízo estava ligado unicamente ªº fa•cto ~e que ª relativamente aporéticos. em volt~ dos quai~ se ufana. Um dos 
senhora não falava português. Toda a gama. c1: conhectme~tos seus contributos é tent~r elucidar, esclarec.er a natureza de tais 
l.a ti-nha sobre · os lnais variados SUJettos era anulado ·P·.r.oblemas e pôr ein evidênda a variedade de razões que que e · · T =" 
diante do factor «língua portuguesa»· Este am~igo ita 1ª:1'~; ·militam em favor de escolha~ e altematitvas •. Isto pode também 
que nunca aceitou c~nsiderar. o .chan~ana um dtalecto, d.1271ª.. . . sugerir soluções; linhas e cursos de acção, escolhas e decisões. 
que, n~ fundo, os moçambicanos ttnham de ta~ . lll:ª~e1~ª . . · . .. . Màs a: responsabilidade, creio, toca a cada um de nó.s. Se a 
interiorizado ·a luso-dependência que tudo 0 que nao se · azta · · filosofia terá sido capaz de dar uma plataforma melhor e mais 
em port~guês era ignorância. . · rica para s'-'stent~r o .prindpio .de cooperação e favorecer uma 
o · problema poderia situar-~e nab'l" n~ture~a . ... . comunic~ção sincera ou um diálogo entr~ os seres humanos 
assimilacionista do colonialismo portugues ~ rea 1• tta ª, pe a . ... . . . fínitos e· limitados . - como n6s . somos -•. o.,s. f"tló~of~s deveriam 
lusofonia, pelos PALOPS, ou pela pretensa ctda~a~ua 11;º!º~ª ·. considerar-se satisfeitos num nível muito elevado. 
_ e . lá estaríamos em conjecturas de tipo histoirtc~. ~ t~1ª · L O desafio da· fil~ofia política em Moçambique é rel~var 
situar-se na escolha do português com.o língua nacto~a 
1
. etta . e fundamentar as razões cp.ie milita~ a. favor . de uma 
l
. . . . R pu'bl1'ca - no quadro da luta contra o tnba ismo d . d. d pe a primeira e . . · · emocracia mais participativa, e uma · emocracia: que 
44 45 
···.: ... · .. . ··. ·· ~ ·~ ~. 
. . · ·' · 
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:.·::.: ... , _ .... ;..;.: 
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subordina a economfa. às escolhas políticas e SOCietáriaS (a prontidão de l'eacçãc) de Outros domínios de s~be~ A f•l ;~· . l 
d d ) d d l
. . u. •. ,._ uosoua 
política no posto o . coman o , . e num.a ernocracía que enta nas suas reflexões 0 seu sabe· r - ·' · l . ,...-.. _ . ' nao e cumu ativo e, com· , 
baseia as suas instittiiçÕes nos imaginários colectivos das se ISSO nao chegasse, as suas respostas· são ·mUt.tas V . 
b b d h 1 t - 1 · . · ezes nova populações, sei:n a . clicar dos contei lltos as istórias po íticas gues oes . 
e institt:icionais do~ outros países e povos (contrato cultural), . Hegel comparava a filosofía à coruja de M. . ( 
ou n~ma atitude ético-.política que levaria as forç<ts políticas a · · · chega s~~pre tani_e ! Contudo, apesar da sua lentid~:e:::r:1s: 
resolverem os seu.s problemas e diferendos num diálogo . como. d1~1a Voltaire, .ela contribui - ou pelo nienos deverí< 
prioritar.íamente entre moçambicanos (contràto político) ou c~ntn~u1,r - .para levar os homens, mes~o se lentamente err 
ainda numa · organização s<$cio-econ6mica distributiva e · d.1recçao a sabedoria ! · · ' 
solidária (contratç .s~c:ial). . . . . . .~~º ~a~is~~ito _co.m as. r.espostas qu~dei há quatro anos 2 r 
. O facto de não pod~r contar para esta reflexão com uma · .· .ud. ma que~bt~~ ~ss1m 1mpfor
1
tante, pus-me a reflectir sobre 
0 
tipc r 
tra.diçio. filos6fiç,a morà.mbicana estabelecida, aumenta . as e contn u1çao .que a i osofia poJi·a .d·~r ·a' ·d . . \. · .,. . .. . .. . .,. .. . . . .. . . . ~ .. , emocrac1a qu<e 
minhas dificulci~ae~ e constrange-me a 'limitar os meus ' afmal .de contas não é nada . mais e nada m ' r 
. .. 'b . - . ' . . ' . enos que a 
prop6sitos. a ideias e posições muito pessoais que de maneira contn u1çao que nos, filosofos moçambicanos, podemos dar ao 
nenhuma podem ter a pretensão de ser exa~stivas. Pelo · debate político d:a nossa terra. Todavia, apesar do tempo, ou r 
contrário, serão certamente fr~gmentárias e parci2Lis. Todavia, melhor, da d.uração do tempo da reflexão não venho h . 1.. 
. . l 'd • ( . ' OJe, 
faiendo · isso, participando na. construção de .um. arquivo da vo ~1 os qnco . anos que é o tempo da duração . de uma \ 
filosofia em Moçambique~ apesar de não . ser e$Sa a minha .~eg1slatt1ra~, com re.spostas, mas . com novas questões 'e novas r 
inten~ão de partida, contribuo indutavelmente paLra inscrever · mteri·ogaçoes. . 
a filosofia no âmbito dos problemas que emprenham.a política Co.m efeito·~ os tempos de resposta da política não são os \ 
moçambicana e, mutatis mutandis, para inscrever os debates que . mesmos que os tempos de re.sposta da filosofia.· A política e (' 
alimentam a vida da nossa jovem:. democrada n •o âmbito da .. mesmo a economia têm de resE>0nder , imediatamente aos (" 
filosofia~ · · · .probleo_ias com as quais são confrontadas. · Esta é uma das 
Percebe-se, assim1 que à questão que escolhi para este . especifici~ades da política, mas também uma das suas 
trabalho - papel da filosofia na de~ocracia mo•çambicana ~ . · dificulc;lades. 
mesmo se tirada de um bloco de .quatro questões ·da ACAFIL . . . A filo~ofia ziecessita d~ mais t~i:npo. ,Com isso não quero 
e, ~inda por c;:ima~ reajustada .como uma çamisa por um alfàiate :". : diz~r que ela . seja, uma arte mais fádl. Os candidatos 
para que me possa servir, dei há quatro anos· e dou ainda hoje · · (~hissan:o e Dla1chaina) não se podiam pe~mitir um tempo de 
respostas fragmentárias e parciais. Isto está ligado aos meus :,' cinco anos de reflexão, · nem os economistas, ou empresários se (" 
limites próprios,. aos limites da disciplina q~e tento· praticar e a :· P~.d~ permitiru.m tal luxo.~~ i·espostas q~e eles têm que dar C 
dificuldade geral de dar respostas .exaustivas a· questões assim i' , sao .hzc et nunc, aqui e agora. · E por i~so que os objectivos dos r 
·imbricadas como as da democracia. Mas o limite maior das :: fil6sofos e .dos .Políticos divergem. ·O político pensa nos 
minhas respo~tas está Ügado à temporalldade da filosofia que '.. : mecanismos pata aced~r ao .poder, ele mesmo, o seu partido, a 
não é profecia, não é fut~rolOgfa; não tem ª t.~mpestividade e a , · sua família polít~ca. o filós9fo pensa nos mecanismos L' 
46 47 
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suscepdveis de permitir um melhor .aces.so de um número 
sempre maior de indivíduos à viela pública. A isto vão estai: 
ligados os s~us respectivos modos de 'acção e intervenção .. A 
política utiliza à « propagand.~ >>, os slogans, as in1tervenções 
espectaculares ; a filosofia é mais discreta, mais reservada. 
Mais ~ubstancialmente~ a' política ocupa-se do possível, a 
filosofia do desejável. Ora, nem tudo o qt'e é possível é 
desejável. O contrário é também verdadeiro : nem tudo o que 
desejável é possível. To&avia, entre os possí.veis e:xistem os 
que são mais desejáveis do q~e os outros. O diálogo entre a 
filosofia . e. a polítiCa deveria permitir uma influência ·-
recíproca : a · filosofia deveria lev~r a· política a não cair na ' 
facilidade da realiiação de um possível acessível mas simples; :,·,. 
em detrimento de um possível c1esejável, mesmo se exige mais 
e.sforço e mesmo mais tempo ; por sua vez, a política pode 
ensinai\" a filosofia a ser mais comprometida com al realidade, 
sem que isso signifique que 'ela abdique de uma dose de 
idealismo e de utopia, no sentido de v•::rdade ~lo amanhã 
(Victor Hugo). . 
A filosofia e a política são, por conseguinte, duas artes 
- -lº""'Tl. oertnanecer como tais, n:ão para se 
Toda vfa, as suas 
as . pc~rmanecem 
8ó~vi..., 
b v....,v"'<110.,<ll•, tra a. ::i <11 0 "' ~cr -a o o ~-o o i:: o~ ~ 
n1esmo "M A. .... v "' "T:I i.:; 
"ti E '"' ;:i o ca ·~· ., • d . ~ V •r~ .O" > "l Í: . .., 
e, a\n a pL .., ;e r'.! .:.. . i:: ni S:: 
1-1 !::' ._, V Q. N 
para que me R. <v kJ i:.. ;:i • ~ 
r~spostas frag'1 ~ :g' 8 2í E · 
limi.tes próprios, 'l.. ~ :t2 o 6 
difi~uldade geral de' "[ t r: 
imbricadas como as a,~ ~ 
. h '1::: r:: rn1n as respostas esta 1s. v 
não é profecia, não é futur~ 
4ó 
filósofo não estará 
:ia ·a c·ompet~ncia 
.rabalho de reflexão 
o-metodológicos e 
)ntrario é . também 
. 1.e o filiósofo . pode 
lexão, não o habilita 
idônea, um cargo 
... 
.. ;, 
. .. .. ·. t· ... . 
. fücist~ uma .grande tentação de j\istap:or o conhecim~nt 
teórico à política e ' ao exercício efecti~o de cargos político 
· Qµando o politólogo, o sociólogo, o jornalista, o jurista ou 
filósofo conf-undem as suas . respectiva~ competências crítíc< 
no sentido epistémico - o que quer: di•er antes . de ma· 
perspectivas de abordagem específicas em termos de rigc 
metodológico e uma deontologia de intervenção sub~rdina.da 
uma hierarquia axiológica bem definida- com uma eventu: 
competência de eJcerdcio . da função política, ~ometem U1! 
erro. Não 4;igo que um bom filósofo,' diga~os. p~ra ser 1na: 
abrangente, um bom inteleçtual, não possa 'ser também ·ux 
bom político, .ou que um bom poffü~& não possa ~u não dev 
ser um grande intelectual ou mesmo fil6s.ofo. Aliás, question 
mesmo se o ideal não seria termos políticos com grande vei 
qe conhecimento teórico, o que, aliás, era já o sonho de Platão 
· Não · se tratava tahto _de trazer :filósofos à.o govern< 
quanto de. soprar nos políticos o espírito de desinteresse qu 
. deveria càracterfa:ar aquela casta de pensadores privilegiadc 
que se · dedica à contemplação do be~,. do belo e do justc 
Platão queria .dizer que os políticos deveriam ser sábios, m~ 
de um sal;ier desinteressado, o único que . pode · levá-lo 
verdadeiramente à prátiea da 'justiça; sem a ·qual a violência d 
·política corre o' risco de se fazer substituir ,por outras forma 
mais cruéis de· confrontação. : 
A tent.ação do(a) político(a) · 
Parece que a tentação .do poder é pr6pria do homem.' O 
filósofos e os intd~ctuaís não fogem a esta regra geral Muito 
de entre nós são tentados pela pÇ>lítica, pelo poci.er e,.sobretudc 
. pelo que a política e o poder petmitem: um certo hem-estar 
u~a · relativ~ reputa~ão . . É lliuito human-0 deixar-se seduzi 
pelo poder. Nãó há ninguém que, num momento ou noutro d 
. . . ' . 
. 49 
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sua vida, n~o se tenha deixado seduzir pelo poder e, como 
conseq.uên~ia, pela política activa. 
. Na nossa sociedade, onde a pobreza, aliás a mnsena, é a 
. tónic~ dominante, mas ao mesmo tempo, onde _uma ínfima 
parte da sociedade tem meios exorbitantes, boa parte da qual é 
u~a burguesia de origem política, a tentação · do politico é 
ainda maior. Lá também estamos diante -ele UJn fenómeno 
profundamente hum_ano. "Qµem de entr:e n6s não quer 
melhorar a sua condição de vida e ela sua família ? ·como 
certos fins justifíc~!l1 ~ertos meios, resulta quase 6bvio que um 
certo número de entre nós decida engajar-se na política não 
como meio p~~a -~:~-~vir ou para defender uina ~ausa, mas para" ' . 
se servir. 
Todavia, st,tbordinar o engajamento político à solução de 
questões simplesmente individuais empobrece a política na 
sua dimensão axiológica - o famoso desinteressl? platónico - e a 
componente crítica do debate públko. Ma~, por ó~t:ro lado, 
esvazia-s~ a função política do seu significado profundo e 
primeiro (a questão do melhor regime que significa busca da 
justiça), e redu-la a meio instrumental para obter meios 
económicos. 
A . outra vertente deste probkma ~ a tentação do poder · , . 
político ~m instrumentali:z:ar os intelectuais. Um intelectual · , , 
perfonnante e conhecido é imediatamente cortejado pelo poder 
ou pela oposição ao · poder · • que nesta dimensão não é a 
Renamo, mas a comunidade internacional ·que, .através de uma 
espécie d.e ingerência escandalosa, hipoteca não só a sober:ania, . 
_mas a própria democracia_. Parece haver o. receio de ver 
intelectuais como membros d~ formações políticas adversárias 
até mesmo de vê-los simplesmente como membros a~tivos da 
sociedade civil, sem nenhuma ligação COD'l este OU aquele~· 
partido. . 
· É óbvio que os partid.os políticos t.hn nece5sidade do que 
Grams~i chamava de intelectuais. oi:gânicos. Qy.~nto mais bons 
. . . 
50 
:-: .. 
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. filósofos, soeiólogos, juristas· um partido tem - em matéria d~ 
cornpetência teórica e de b,u~ca constrnte 'ela justiça social -
melhor pode conceber o poht1co, em termos de rriecanisnios de 
crítica inte~na. Aliás; se os partidos políticos pude~sem contar 
nas suas fileiras com intelectuais de craveÍll."a, se as nossas 
·elites políticas -associassem, nas suas pessoas, a dimensão da 
'militância com . a dimensão de competência e de 
posicionamento ético, o nível da política nacional seria de toda 
uma outra índole. ! 
_- Se ~s . intelectu~is orgânicos, engajados como uma 
família polítka, têm .o deV.er d~ .tr~balhar para a vitória política 
da família a que pertencem, -e isso é coxnpletatnente legítimo, 
uma sociedade tem também necessidade de intelectuais que, 
mesmo · que tenham: as suas preferências poHticas, 
caracterizem a . sua acção pública como , pensado'i"es 
vocacionados para a .- busca das condições de uma. sempre 
melhor democracia como . participaçio . de todos, para . a 
invenção. de m.ecai;:iismos de . sempre maior legitimação de 
P?der, de maior ·participação, mais . transparência, mais 
serviços, eventualmente com · alternância _na gove1:nação do 
país, sobretudo . de mais . consolidaçio \ da nberdade e 
incremento da justiça sQcial. _ . 
O politólogo . americano Francis f ukuyama, numa clara 
demonstração de mau uso · dos conceito's de ·filosofia da 
história21, c~nfunde .o · fim da guerra fria : com a . obtenção, 
enfim, do melhor regime possível. -.. Apoiando-se nas 
inte1-pre.tações ele Alexandre Kojeve22 n~s seminários que 
orientou em París nos anos 'trinta sobre a fenomenologia do 
. espírito de · Hegel (1807 ), Fukuyama vê na vitória do 
liberalismo a prova da entrada ~a h~:maniJ.ade na sua última 
. ·
21 L~fin de l'histoire et l~ dernier ho~nme. Parii. : Fl~mmarion, 1992. 
-_ 
22 Intróduction à la lecture .de Hegel. Leçons de 1933,à 1939 à i'E.P.H.E., 
réunies etpubliées pàrRaymondQuenea:u, Paris: Gallimard, 1947. 
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etapa de evolução. Ele defende que a partir do momento em 
que a superioridade da .democracia esteja em vias de ser. 
reconheci.da pela humanidade inteira, pode-se . COiGlsidE~rar . a 
história do Homem como próxima do seu objectivo final. Em' 
outras palavras, como virtualmente tenninacla. 
Esta posição foi contestada não só por fiMsofos, mas 
também por polítólogos. Jean-l'v1arie Guéhenno~3, re:levou a 
fragilização dos laços que ligam o cidadão à sua comunidade 
nas democracias ditas tradlicionais: As decisões políticas estão 
sempre mais nas mãos de lobbies ~t1e agem na som.bra. Para . 
Samuel HU:ntingt~n . (199]), a proliferaÇão . d~ zon.as .de 
instabilidade no mu1:1d~'.·, põe em .· perigo ·a estabilidade 
democrática .. ·. 
Este é um argumento cora o qual não posso" esitar de 
acordo, porque sugere que mllitas reivindicações de justiça de 
povos oprimidos e explorados ,contra os . países · que se 
reclamam padrões dos direitos do homem e a democrac:ia são 
focos de instabilidade,·. 'Na esteira do direito moderno, ·da .. . 
escola de Salamanca (Francisco Vitoria, F. Soares, Alberigo 
Ge11til~) até Kelsen, a estabilidade mundial é vista como algo 
que pode fazer conviver no mesmo espaço-mundo e na mesma 
tempoll'alid3de histórica (os tràbalhos da antropologia 
demonstraram que, doravante, os 'homens vivem n:~ tinesma 
tempc;;ralidade, o que levou Lévy-Strauss a falar da cri.se da 
antropologia) o genocídio, a escravatura, o colonialismo com · 
uma filosofia humanista, liberal, os direitos do homem e a 
democracia. 
Corno demonstra Luigi lFerrajoli2'\ o Estado moderno; . 
desde a sua génese, lança as prP-missas para uma democracia no 
interior do Ocidente, mas é selvagem no exterior. Xsto supõe 
que a «aldeia planetária» . pode ser estável com um pequeno · 
23 Lafin de la démocratie. Paris: Flammarion, 1993. 
24 ' ' " ' ' " La sovramta 11el mondo modenio. Roma-Ban: Late1'Za, 1997. · 
52 
" ' ' 
grupo d~ ricos 'que. ' 1i.ão medem esforços ' para : aumentar a sua 
riqueza· à' custa mesmo de genocídios, massacres, ·assassínios, 
. exploração. ·supõe que a maioria massacradà, assassinada e 
explorad~ aceite a sua .coridiçã~ de Condenados da Terra (Frantz 
Fanon). ou então que os eleitos tenham meios para matar todas 
as reivindicações, mesmo as mais legítimas d~s que ·estão à 
esquerda de Deus. · · · · 
. O progresso humano pode, neste perspectiva, pre~cínJir 
da maior parte da huma.nidade, ou mesmo realizar-se c~ntra 
~l;i.. ,.O!iaJ~ctQ ' os po'vos periféricos~ como o no~so, com.e~am a 
reivindicar direito à vida, . i.sso · é visto como .ameaç.a . de 
. 4es.<?l'.4e~ .à <;r~dem .· leviatânica que ·.se · i?;iStaü'r~u · como reg~'a. 
Aliás, o ·próprio discurso sobre os direitos hurna.nos (que, no 
entanto, c:;onstitui. uma da~ maiores 'contribuições ao avanço 
ético da. humanidade) ·é muitas vezes usado como arma de 
pres~ão contra aqueles· que têni reivindicações a favor dos 
pr6pri.os povos. " 
Apesar ·das veleidades fukuyamianas do .fim da· hist6ri~, 
nada prova que o triunfo à escala mundial do « .melhor regime 
possível »,' supondp que um tal triunfo se prC?duia realmente, 
constitt.1a. o último evento importante .da humanidade. De 
~ac~o, volvidos dez , anos do trab~lho de Fulcuy~ma; nada 
· confirma as suas predições. A democracia com:o se apresenta, l 
sem respeito pelas hist6rias e pelas culturas particulares. dos 
povos, tem ainda dificuldades de vingar em c~rtos países : é 
imposta a uns, manipulada/instrumentalizada· pelas chamadas 
velhas democraciasem certos países do sul, sofre ingerências 
inaceitáveis e anti-democráticas por parte d.a~ d~ocracias 
(cofoniais) ' êonsolidadas contra as ' democracias · emergentes, 
su.bordiiia-lie a interesses. econ6micos, etc. Existem razões 
· sérias para 'pensar. qu~ a extensão ~olonial da de~ocracia (pel~ 
sua ii:npô~iç~o histórica e institucional) à quase to.t,alidade dos 
. países ~o planeta equivale a Úma sempre maior. dim:inuição da 
· de~oc:racia enquanto regime· de participação. popular. 
53 
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Aliás, podemos mesmo interrogar-nos sobre a existência 
de um re~ime que seria, em ~b;oluto, melho1: que todos os 
outros. E mais razo?.vel consentir que à democracia 
representativa é o menos mau dos . sisten-ias ou, se quis~rmos 
dizer positivamente, é o .melhor sistema até aqui eriado. 
Por conseguinte, a filoso.ffa (moçambicana) tem o dever 
de continuar a , interrogar-~e quanto ao melhor r~gime e às 
formas institucionais que deve tomar para adequar-se à nossa 
situação histórica específica. -< . 
Eis porque, no contexto moçambicano, a e:;cistência .de 
uma elite. pensante, ·não partidocraticamente orgânica, não se 
pode constituir em oposição aos actores políticos, ainda menos 
em oposição a,os. eleitos, os únicos cuja legitimidade política. se 
encontra (ou pelo menos deveria encontrar-se) na vontade do 
povo. Ao mesmo tempo, as elites políticas não podem (não 
devem) ver, na vontade de. uma certa independência de 
pensamento e de juí.zo por parte da elite intelectual, uma 
ameaça, mas uma contribuição· necessária (~la deve ser isso) à 
evolução positiva <la nossa democracia e ao progresso social do 
nosso povo. 
A função/missão dos intelectuais é co.ntribuir com as 
suas ideias, sugestões, reflexõe~, perplexidades, cepticism.o, 
críticas e reticências para o melhoramento da s9ciedade. Isto 
estende~se mesmo àqueles que, por fidelidade à disciplina 
científica a que se referem, limitam a pr6pria inte1-v.enção a 
um nível ~pistémko e não axiológico (Max Weber). Se os 
intelectuais, ind.ependentemente das disciplinas de refer~ncia, 
não c~ntribuem para melhorar a sociedade,· podemos estender 
a questão, que Durkheim punha aos cientistG1s sociais, a todos 
os intelectuais e perguntar : para que é ·que servem ? 
A particularidade da filosofia em relação às outras 
ciências humanas e sociais reside no facto de ela não limitar a 
sua acção a· u~a radiografia · soci~l (por mais importante que 
. ;. · 
i:.~ . 
: ; 
~.f 
'essa radiografia . possa. ser), mas aspirar ' normauvamente ;n 
dizer o que deveria ser a boa sociedade. 
Eis po'.rque, no .que me d.iz respeito, 01.\SO, muito 
modestamente, sugerir para o crescimento político e social de 
l\foçambiqu~, a necessidade de incrementar o contrato social, 
ele estabelece~ um contrato político entre os partidos, 
principais fautores da política nacional, e de redesenhar o 
quadro instituciónal, inspirando:-se, em primeiro lugar, nos 
· imaginário~ sociais dos diferentes grupos nacionais, nos 
espíritos das tradições dos · difere~tes .grupos, sem, no entanto, 
deixar de te~ em conta a cc:;mtribuição dos out ros países ·e. povos 
n~ evolução da democr.acia. · ... .. · . 
. . . ·····'' r 
Contudo, a relação .ambígua entre o saber r.t. o poder é tão 
v~lha quanto a filosofia ela mesma . . Apesar de se· ter Sócrates 
como fundador mítico da filosofia, a fama deste se deve, 
essencialmente, aos escritos ·sobre. e le que nos foram legados 
por Platão . .A,ssim, a figura de Sócrates e a fundação desta 
. · forma ~specifi.ca de conhecimento que a partir de . então . se 
cham~u filosofia, está geneticamente ligad:!l . à figura e mesmo 
ao pensamento de Platão. 
Se, . em Sócrates, o · conflito entr.e a filosofia e a política 
eram patentes· (foi. o poder que o condenou ao suicídio - o que ·· 
historicamente tem servido para demonstrar a dimensão moral 
e da filosofia), o primeiro ·a sentir a necessidade de teorizar as 
relações que deve.riam transcorrer entre estf novo saber e o 
poder foi Platão. Assim o. primeiro ·escriba .;<< philosophicus » 
pergunta~se qual · sE7ria o melhor regime político possível. Ou, 
· se quisermos . ser mais ka~tiànos, ele pergunta-se quais as 
co~dições de possibilidade. para um homem .exercer de uma 
maneira justa o poder que ele, eventualmente, tenha sobre os 
outros homens. Em <;>utras palavras, quais são as condições de 
possibilidade: . de exercício . por parte 40 homem de · uma 
. governação justa. A resposta que Plàtão dá , a esta questão é 
.55 
. _. ,~ · ·: · .~· :·~: · - :-·1 ... · .. .-L~ · : ~--- .. ~-~ .· .. ~·.:.·~: · .. :-.· ~~<?·~.sr~:: :T~~~-~ ··~ . ~ · .·: ~~ ... ·:~ · ~ · ·.:- ~ · .~ .. . : . ,·. - . ··• . -~~ ~ . 
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sobejament~ conhecida : que os reis S•!: tomem filósofos ou que 
os filósofos ~e tornem reis. . · · . 
O que quer dizer Platão com isso ? A preocupação 
principal de Platão é uma governação justa. Ora, o homem, d.e 
uma mane'lt."a geral, aparece a :Platão como tendente à injustiça, 
à concup"iscência, a privilegiar a sua pessoa, o seu grupo, os 
·seus interesses, em detrimentq dos. interesses dos de:mais. 
Num~ «polis » ateniens~ dividida entre escravos (a · 
maioria da . população que trabalhava), militares. - •=> grupo 
daqueles quk deveriam defender a cida"de -, e os fil6sofos que 
se consagra.vam à contemplação do mundo ideal, 2l Platão 
resultava 6b{rioqué· 65 últirtios, pela sua voçação eJcistencial de 
busca da verdade, fossem os mais aptos a aplicar n o mundo da 
governação p oÍítica' úm. dos correlativo~ essenciais da ·verdade, 
que é a justiça .. 
Dizer q"tj~ os govern.antes ·têm que ser filósofos ou os 
filósofos gov~rnantes, é uma . maneira ele denunciar a 
dificuldade de uma governação j,usta~ mas, ao mesmo tempo, 
significa dizer de uma maneira prospectiva que a justiça tem 
que ser o objectivo primeiro de tod~ o hómem do governo .. ' 
Mas se para o h.omem do governo ·a justiça é uma 
miragem, associada à verdade, a justiça constitui o ideal de 
base da investigação filosófica,, ~ por isso que o hom~m de 
poder deveria ser filósofo ou participar das preocupações dos 
filósofos~ 
Contemplar a verdade significa par~ Platão pô"la em 
prática, ser justo .. Eis porque Sócrates, apesar de ter tido a 
possibilidade de fog1r, decidiu "ficar . e morrer em nome da· 
justiça e do respeito pelas leis do E~.tado. 
·Mas num filósofo que .se torne rei, ou nuin rei que se . 
converta ?i: filosofia, qual das duas dimensões vai prevalecer: a 
contemplação do. mundo das ideias ou o pragmatismo polÍtico 
(as diferentes razões de· Estado) ? ·. . · 
56 ' 
· ·:. 
'l 
.,~ .';" - : . 
. · .. •. 
·, . 
Alexandl"~ Magno, discÍpulo de Aristóteles, ~apesar elo 
seus ideias ecuménícQs - .unir o .Oriente e o Ocidknte - par: 
atingir os. objectívos que se propunha, 1 teve como· meios , 
guerra e a . constrição d.os seus . ge~erais . a ''tontrafretx 
matrimónio com mulheres o~íentais. ~stes procedimentoi 
eram conforu1es a just;ça da Etica a Nk8maco predicada pot 
Aristóteles ? Não estamos perto do pragmatismo maquiavélicc 
. par.a quem os fins justificam os meios ? ; 
. _Num··registo inverso, o ··« F'ii';~ó » da quinta dinastia 
egíp~ia estava de. tal maneira ligado ~-contemplação d.a verdade 
. do Deus · Amoon que' negligeíl'Cía va'."~ pragmatismo que a ~ua 
. função política exigia. O perigo de um tal governante era o 
enfraquecimento da autoridade pública, o que poderia pôr o 
.país em perigo, face aos seus_ iriimigos, e ·mesmo a ordem 
interna de que -um país ' necessita para que a conviv~~cia civil 
seja possível. De facto! contra a lassitude ~o Fara61 o aparelho 
do Estado acabou decretando, em nome do que se pode chama;:-
. hoje de Razão de Estado, a supressão do ditoFar~ó. Pode a 
'.filosofia (apesar de comp~eender) caucionar este tipo de 
procedimenltos ? . · 
Q!tal é e . dev~ ser o _modelo de filósofo? .Sócr:;i.tes, .o 
. · c~~peão da introspecção, o. horilem que em nome d~ justiça 
jttsta ousa pôr em. causa· as leis do Estad~, da tradição e da 
religião· para apelar-se· a uma .verdade supeHor? Ou-o realista 
Aristóteles que não se limita . a afa~tar-se das concepções 
idealistas do seu mestre Platão, mas ·tenta influenciar o curso 
da historia através do ~~u .educando, Al~aridre, O Grande? O · 
filósofo ~bmo um Baptista, deve prep~r~r o caminho da 
. ch~gada do Leviatã de .Hobbes, ou estar ao ~erviço do Príncipe · 
como Maquiavel ? E que fazer quando o príncipe se chama 
Nerão para fugir ao destmotrágico,do pobre:Séneca? 
Ser .um: apologeta 4a modernidade e da\ mudança a todo o 
· .custo comoVoltaire.(Towa, Elurigu) ou defensor das tradições 
como Rousseau ? · Ser filqsofo · d~ve significar ~ metodisn'l.o 
·57 
1. 
i~ 
i 
·-
excessivo dle Kant, a autarcia de vida de Espin~sa~ a am21.rgurn. 
de Nietzsche .ot..1 o mundanismo anti-mundano de Sartl'e? 
Pan'\ a história de Moçambique todos conhecemos al 
importância que teve o f~ndadot mítico da Frelimo, Eduardo 
Mondlane. O debate recente . tentou relativizar o seu papel na 
fundação &a Frelimo, mas sobretudo pretendeu que teria 
havido cumplicid~de da direcção. da Frelimo no seu 
assassinato. A mesma coisa tein sido dita acerca <la ircorte 
t:rágica de Samora Machel. 
Ora um d.os argumentos t:razidos pa:ra explicar a morte 
de Mon.dlane era que ela. era a condição necessária para o 
prosseguimento da luta de libertaÇão nacional. ~1an<lo se 
conhece a importância da indepen~êti.c.ia naci~nal para . todo 
um povo, e· quando ·se conhece o anacronismo histórico do 
colonialismo português que fazia com que o único meio para 
obter a independência fosse a luta armada, uma hipotética 
cumplicidade no assassinato de · Mondlaner ·de um po·nto de 
vista pragmático~político pod·eria resultar lógica. 
A mesma coisa se pode pensar da morte de Samora 
Machel. Depois de muita morte e muito ~ofrimento, a única 
via de saída para o conflito armado era a abertura do diálogo 
com a Rena mo. Ora, Machel . teria resultado no maior 
impedimento para que .. esse diálogo se realizasse, o empecilho 
maior para a paz de todo um povo. Aqui também. a conclusão 
poderia parecer óbvia. · . . 
Nestes dois casos, existe · um conflito claro entre os 
princípios filosóficos e as acções da práxis polític~. No 
primeiro caso, teríamos um homem cioso em utilizar meios 
pacíficos para atingir o grande valor para todo um povo que é a 
liberdade. Mas estes meios eram obstruídos pelo anacronismo 
histórico do colonialismo portugu~s que, face ao declínio dos 
impérios coloniais europeus em Africa, continuava a impor 
como único recurso a guerra. No segundo caso, ·teríamo~ um 
· Machel que não aceitaria · dialogar .com a Re.namo porque 
' _. 
58 
· .. . . 
. ' .': 
. .. · .. · .: ' 
julgava que se. tratasse de um instrumento .neocoloníal de 
poderes capitalistas ocidentais, 'o .q:ue .aliás era pariti.lha<lo pela 
díl'ecção da Frelimo. . 
O!ial deve · seir a posição do filósofo ? Eu poderia 
responder a isto com Kant' que, contra a posjção de Platão, 
pensa . que não ·se deve esperar que os reis . .filosofem ou se 
tornem filósofo·s, .nem m,ésmo desejar isso. Até aqui estpu de 
acordo' com. o pensamento de Kant, mas com todo o respeito 
por este grande filósofo, devo emitjr reserva~. quanto às razões. 
Kant pensa que não se deve sonhar com a transformação. de 
l'eis em filósofos .ºu que os - ~eis filosofem porque a partir do 
momento que . ·os reis · detêo;i um poder-força, estão 
inexora"'.elmente condenados à corrupção do livre juízo da 
razão; · 
Eu não me interesso neste trabalho pelas ilações teóricas 
do que Kant chama a corrupção do livre juízo da irazão; mas 
pelas interpretações históricas que este! axioma . acabou tendo 
n~s debates políticos, cujo ápice foi atingido na . famosa 
máxima de·. Churchil : « o J?.~der corrompe, o poder absoluto 
corrompe absolutamente ». ! ·"- · 
Apesar dos eJccessivos · exemplos de uma relação . quase 
intrínseca entre poder e corrupção, temos também casos 
suficientes de governos e governantes que tentaram· ser justos 
sem~ no entanto, • ~em . terem abdicado do pragmatismo que . 
deve necesszriamente acompanhar a arte da governação, para . 
· refutar a relação qu~ Kant estabelece entre poder. e corrupção. 
Poderíamos citar um.a série de exemplos históridos que vão clte 
Marco Aurélio até Julius ·Nyerere passando. por Sankara. Mas 
talvez seja oportuno voltar ao contexto nioça~bicano. 
Tenho e2~presso muita~ vezes a minha admiraç'iío pelos 
jovens que abandonaram tudo ! casa, pais e carreiras pai.ra se 
lançarem numa aventura de b.ta de libertação •que ~abiam 
muito per_igosa. Djgo muitas_ vezes que eu lamento ter nascido 
59 .. 
e 
e 
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·-:~z.-.... -.. -~.-:--·--:;-::--:-:·7.:~~·~-:-:.-.... -. . -· .·_-:-:~: :--"'.'~---..... -. --:-: -~-;:;:::-~.o:-;'.- -·.- --:-:---:-.-. ~-:-:--;-:-.:""T""'""".';-:-·_, · 
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tarde e rião poder ter aderido àquela luta que: continua ,, a meus 
olhos, sendo justa. . 
Tenho também muito respeito pelos governantes da 
primeira República (apesar dos erros cometidos) por não 
terem, contrariamente a muitos governos africanos d:e então, 
feito da política a arte de encher· a bolsa com aquilo que Jorge 
Rebelo, nas suas vestes de poeta, chamou « coisas suja~ e 
inconfessáveis ». 
Tenho respeito por Machel pela tenacidade com que 
separava _os bens públicos dos priva.dos. . '' 
~e· ·eu continuasse a referir-me a Kant, par.a ser justo, 
deveria di:zer que por . corrupção .. _Kant _não e:ntendiia só a 
cor~~pÇ'ió material, mas também a justiça em tennos dE~ de!bate 
de ideias. A este propósito, devo .r.ender homenagem ao 
governo da segunda República por ter abet·to •espaçc> a um 
debate de ideias. 
· A ten:tação d.a corrupção é grande, mas o ideal platpnico · · · 
permanece válido. A sociedade moçambicana tem necessidade 
de uma elit.e política preocupada em exercer com rigor e 
competência as suas funções pràgm~ticas políticas, II'ias que 
tenha ein conta, ao mesrno tetripo, a tiecessidade da _hillsca da · ··. 
justi.ça, sab~ndo que esta não· se ·define (nem se ating•e)' uma 
vez por todas, mas transforma-se; com o d~senvolvhnE~nto da. · · · · 
sociedade e co~ a mudança rias .necessidades dos indivíduos e ; .. , 
dos grupos. É por isso que a sua acção deve ser completada por 
um corpo de filósofos que tenham na verdade a razão última . ;, •· 
da sua actividade. Mas os fil6sofos, por sua vez, têm •que ter :· :. · 
presente que essa verdade não se pode encontrar fora das 
conjunturas histórico-sociais condicionadas pelos seus 
imperativos políticos, económicos e sociais. 
No fundo, a realização da justiç~ ou a busca de uma 
justiça seri1pre mais justa para um núniero sempr.e maior de .. 
indivíduos passa necessariam:ente pela colaborél!ção não só dos .... 
políticos e filósof~s, mas de todos . . Col~bo~ação· que1r dizer 
60 
influência redproca, ·mas também respeito' (não filiação, não 
subordinação, 'não ínst:rumentalização) das prérrogativas e ~as 
liberdades epistémkas de c:ada corpo. 1 ' 
A histó:ria das relações entre os filósofos (j• dissemos 
·que a filoso'fia só pode ~xistir se e~istirem filósofo~) e. o poder 
não obedece a nenhulll critério un1voco. Tanto mais que .como 
. a filosofia, o poder tambérn não obedec~ a nenhum.a: constante 
histórica, clado que est~ · intrínsecamente lig3:do aos regime~ 
políticós: cl~mocracia, oligarquia, aristocrac.~~' ditad~ra (e aqui 
. depende qo dit;idor qu.~,, pode ser tanto um tirano . sem 
escrúpulos com.o um ditador iluminado): . ., . . . 
O.~- pode: _ ~epende ,;.~m.bém das ep.oc.a~ . h1stor~~1 ·· das · 
·vicissitudes dostempos e do lugar. Ass1m, na Ant1gu1dade, 
'sócrates, ·por causa das suas posições filosóficas, é :ondenado.à 
·morte pelo poder ; mas, Aristóteles, algu~as decadas :mais 
tarde, · ·~ · · << pedagogos » do « e,cu~énu:o ». Ale:ml?"dre. 
Maquiavel põe-se ao serví.ço do prmc1pe, Hobbes teoriza a 
necessidade de i:im ·Levia.tã, enquanto . Thomas More e 
C~mpanella ·sonham uma « Utopos » e unia cidade do ~~l, 
respectiv·amente. Sepúlveda defen~e os interesses espanh~1s, 
to. a · banda dos iluministas franceses, Voltaire, . enquan . . . .. . 
Rousseau, ·Montesquieu sonha com um humarusmo e · uma 
de~~crada que a afasta sistematicamente d~~ gr_aças elo pOder 
p~lítico. Mais perto de nós; . o grande i:ie1pegger tem uma . 
rela·ção" ambígua ·com · o nazismo, Gent1le ' eA Croce co~ o 
fascismo na foHia ; os judeus Jonas e Arendt tem que fugir da 
Alem~nha n~zi, Ma~cuse, Ad<;>rno, . àpõem;se a~ .nazismo, 
Sartre e Caai.us. apoiam . o n~scente movimer:ito da negritude 
que luta pelo reconhecimento do homem negro. . 
. . A filOsofia não é unívoca, 47xactaIQ.ente como o poder. A 
África independente. não esc~po~ a· esta rel!lção ambígua entre 
os intelect~ais e o poder. E, pqrtanto, os primeiros intelectuais 
afr. os (d~ origem africana) · não se tinham limitado a ican . . . , . .. _ 
inventar conceptualmente a, Africa. Essa mv.ençao coincidia, . . . ' 
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na maior . parte dos casos, com \.a.ma militância política gue 
significava oposição" aos regimes (escla1.ragistas ou 
colonialistas) que mantinham a África e o homem negro sob 
dominação. Então, geneticamente, o .nascimento dos primeiros 
intelectuais africanos - muit.os . ~os .quais ~ão pastores das 
igrejas protestantes ·do Novo Mundo - tem uni.a relação 'ele 
oposição com o poder instituído. · · 
As primeiras ambiguidades com o poder manifestam-se 
na época pós-escravatura. Dubois inicia 'uma 'forma mais 
intelectual de militância política. A sua luta na América ·é .. 
. p~rmitir. que os . ·negros, até então . escr~vos, pudessem. 
beneficiar de todas as prer;rogativas previstas ·pela const:ituiçãq_:. 
para todos. os cid<!:9.ãos. Para ele a questão negra. não era social, 
mas política. Eles eram a 'linica parte da população americana 
que tinha ido para os EUA contra vontade, ·que, em nzão da 
sua história, não podia considerar os EUA como terra de 
liberdade. Por consequência, a soiução da questão negra 
(contra o graduaHsmo de B. Washington e o Back to Africa de 
Marcus Garvey) · era necessariamente política. É' o início da 
famosa doutrina da discriminação positiva. 
Dubois tenta estender a sua doutrina de intelectual 
engajado pela causa do seu povo aci conjunto· dos intei.ectuais 
da sua geração através da doutrina ·« talented tenth » e ao 
grupo de Niagara; através do jornal Crisis porta voz do 
NAACP, do seu empenho junto dos jovens intelectuais da 
Black Renaissance (W eldon J onhson1 Lansgton . H ughes, Alain 
Locke, Claude . Mdcay) e organizando· os congressos pan-
africanos, o último dos quais co-presidido com N. Nkrumah 
que, aliás, vão reivindicar as independências políticas do 
continente. · 
Mas a história da relações de Dubois com o poder não é 
linear. Em 1920, .ele aceita represent~ o .governo aqiericano na 
. investidura do presidente Roberts, da Libéria. Se ele aceita esta 
missão é para convencer o futuro presidente liberiano ' a rever a 
62 
sua po,sição de a~eitar receber os negros que, no seguimento ·de 
M. Garvey, querem· voltar a ·África. Dubois associa-se ao 
poder polítk~ americano pa;ra opor-se · a uin adversário 
político. Enfim, Dubois, depoâs da independência do Gana, é · 
eleito vice~presidente, acabando os seus dias a trabalhar como 
intelectual o:rgâriiCo pela causa das independências . e dos 
Estados Unidos da África. 
Weldon Jon~hson vai mais· longe e aceita fazer 
campanha para .a . .presidência democrática que, dep~is das · 
eleições, gratifica-o com a no~eação para Cônsul dos EUA ein . 
Haiti. Como representante do govifrno americaho, Jonhson ' 
aplica-se, contudo, a denunciar todas as · barbaridades . 
cometidas . pelos militares · americanos durante. a ocupação ele 
1915. Ele utiliza a s:ua posição pará defender a causa :negra. 
O haitia~o Anténor Firmin'"5 começa por contra-atacar o 
racismo :científico emergente, escrevendo, contra .Gobineau a . 
Igualdade das raças · humanas, depois convocando com Robert 
Williams o primeiro congresso pan-africano. · Com efeito, 
depois do fim recente eia escravatura, uma nova· ameaça pesa 
. sobre o homem negro repr~sentada pelo colonialismo, 
caucionado, por ·s~a vez, pela ~ntropologia nascente e _ pela 
ideologia . i::acista emergente. o lema dos intelectuais reu~idos 
em Londres em 1900 é unir-se para resistir. · . 
. Edward Blyden não participa · nesse, encont~os porque 
· não pode· aceitar a presença do que ele cham.a de « negros· não 
. puros ». Blyden ~ uin .intelectual problemático. De um lado, 
: ele trabalha como intelectual orgânico pela causa da emigração 
· . elos negros . para . a . Libéria, . participando em encontros de 
. sensibilização nos EUA, <lefend.endo a causa da Libéria como 
: embaixador ju:i.to . das ch~ncelarias ocidentais. Mas, do outro . 
,. . • iado, ele manifestá um racismo anti-mulato preocupante e, 
·· sobretudo, participa na submissão. e colonização dos indígenas 
25In Oruno Lara, 2000 : 1~183 . 
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da . Libéria por parte dos yankees negros {11lacb, mas ·an.glo-
saxões e protes-tantes). . 
·A nível de Á&ica, não se foge muito a. ·~sta1 l"egra. Os 
primeiros intelectuais africanos são militantes pela causa da 
liberdade dos próprios povos e, por conseguinte, contrários aos 
poderes estabelecidos (Azildwé, Nkru~ah, Mondlane, 
Senghor, C. A. Diop, Cabral, Neto, Nyerere). 
Os da tradição pan-a:fricanista, não ~ssimilados pelo 
colonialismo, reivindicam imediatamente. liberdades políticas; 
os da tradição francesa · têm muj~9 mais difict.tldades em se 
dista~darem do colon~lismo. · Com efeito, apesar . das 
infh~ências que o próprio · Seng:h;o~ reconhece da ,parte do 
escritores do. Harlem Renaissance, ou das daras posições 
políticas tomadas por . Etienne Lero e pelo ~eu m.ovhnento 
Légitíme Défense de 1932, a negritude, desde o seu primeiro 
aparecimenro· sob forma ·de Etudiants I\foire em 1934, dá 
primazia absoluta ao cultural em detrimento elo político. 
Contudo, o esfor.ço de reabilitação cultural ·que está no centro 
da · actividade de Senghor, Damas e Césa.ire, vai 
necessariamente de.sembocar na reivind:icação das 
independências políticas e, J:>ºr consequência, na opc::>sição ao 
colonialismo. . 
Até à década de sessenta, existe uma ligação •entre ser 
intelectual e uma ºl't" · 1 -1 t·b J d . mt 1 anc1a pe a causa e1as 1 eirua . es e 
indépendências . e, em consequência, . a oposição 3~0 poder 
colonial. Aliás, uma · das partic~laridades desse período erâ. a 
conjugação numa única pessoa das dim,ensões intelectual e 
política. O exemplo' mais representativo é Senghor : escritor e 
poe~a, e. ~e~mo . com uma certa aversão pela política; por 
razoes lustoncas independentes da sua. vontade, veio a ser um 
dos pais das independências africanas. 
Mas Senghor é também o melhor eJCemplo para 
demonstrar que um bom intelectual não é, necessari:t.l.nente 
u.m bom político. De facto, enqúanto Presidente do $en~gal: 
64 
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ele contí~1uou a ser sobretudo poeta, :li escrever e rnesmp 
utilizar . ô pouco dinheiro público disp0nível para . organi.7.a 
. encontros para a glória do movimento da negrit~de; deixand· 
que a economia do país continuasse a d~wender e a .ser pensad 
a partir de Paris. . · · , 
· Todavia,apesar da fusão da dimensão. intelectu~l . 
política nas mesmas pessoas, as relações entreº os i~telectuais , 
o poder . complicaram-se : no período pós-~olonial, · devido 
fondamentalmente, à combinação de tr~s : factores: · 
.• 1. O . dima . da política · in~ernadonal no qual a: 
independências afrié::anas foram pro~lamadas, domiiladc 
essenc.ialment~ pela ·guerra fria . . Na . .África dispU.~ada · entn 
dois blocos - o não alinhamento não funcionou - .uma da~ 
armas usadas para de5estabili2;ar os governos africanos foi a 
uttlização ·.de intelectuais como ameaç·a . contra o .poder dos 
respecti1ros países, o que não era de natureza a facilitar uma 
colaboração entre os i~telectuais e o poder. Alias, isso acabou 
metendo ~s governos africanos na defensiva e· a, considerar 
certos: esforços' legítimos 'de participação na .vida. pú~lica como 
sendo tentativas de subversão. ' 
2. No momeJ;ltO da p~oclamação d1i· inqependências, o 
número de afrkanos formados é quase nulo. Nkrumah, como 
·primeiro-ininistro, · viu-~e a. governar o · Gana com ·uma 
ad~inistração britânica que não executava: as . suas ordens. Esta 
falta de· pessoas .formadas levou a qu.e todos os ·primeiros 
intelectuais fossem solicitados a ocupar lugares de poder ou de 
primeiro plano a . nível administrativo. Isto acabo~ levando 
uma geração de form3;dos .a cbnsiderárem-se intelectuais e a · 
confundir o ser- i~telectual com o eJcercício. d~ cargos ' políticos 
ou ·administrativo~. · Quem não éi:a · contempiado na 
distribuição de lugares de poder sentia'."'Se discriminado ·e, em 
consequên~Ía, autorí.2;ado· a COnstÍtuÍr'."Se em oposição ao poder. 
3. De uma xri~neira geral, os coloni:z~dores não estavam 
. pronto~ a · ~Çeitar a autoc:leterminação: dos pÓvos africanos . -
65 
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ainda hoje dã~ suficientes prqvas de não estarem libertos. dos 
seus preconceitos de hegemonia coloni~l. Assim. ao ín;és de 
favorecere_m um debate democrático lá . onde .as condições o 
permitiam, preferiram confiar as índependênC:ías a. ii:rdivícluos 
c1ue par:ciam ~star mais a~ serviç~ das . metrópoles que das 
populaçoes afncan_as ( Senghor e Boigny), ajudando-os a 
reprimir, através das bases . militares que inunda~ a África e 
dos serviços secretos, toda a reivindicação c!e debate 
democ.rático. Lá onde os dirigentes negavam essa fantochada · 
{o caso da Guiné) fabrica-:se uma oposição iritelectual, 
partidária ou mesmo militar, cÔmo foi o caso de. l\/loçarnbíque. 
Então, quando se julgam os regimes .das primefras 
repúblicas africanas, tem que se peri.sà:r nas ingerências 
externas . que, .em vez de favorecerem um debate e uma 
abertura interna, . levaram a que .os. regimes políticos, para se 
defenderem, perseguissem os que pareciam defender ideias 
neocoloniais ou os que pareci~m ser inst~mentos de poderes 
externos. 
O corolário disto é que os regimes de partido ·único, de 
esquerda ou de direita, acabaram criando uma tradição .de 
. conflito entre poder e intelectuais não orgânicos. Esta situaçã~ 
fez com que as elites de um mesmo país não se mobilizassem 
em direcção a um objectivo. comum, mas se f~agmentassem 
numa espécie de oposição entre poder e sabei;. . · 
No Moçambique de hoje, este síndroma in~trumentalista 
volta à tona . . Nós ri.ão trabalhamos todos para objectivos 
comuns bem definidos. Pelo contrário, ·dividimo-nos em 
. intelectuais Frelimo-govemo e opo-sicão-comunidade 
internacion.al. Se ainda a divisão fosse Frelimo-Renamo, e 
outras forças nacionais, seria· aceitável Mas como a divisão é 
entre os que podem pagar, a Frelimo tem os seus 1neios e, por 
isso, o seu pessoal e a comunidade internacional, através de 
uma ingerência ilegítima e escandalosa, nem sequer dá meios a 
Renamo e aos partidos mais pequenos para . crescer.em e 
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fortificarem a · demo.çracia nacional. A comunidade 
internacional s~b~titui-se ª.eles e constit~i-se numa verdadeira 
oposição, rivalizando "co~ à Frelimo na posse das capacidades 
loé:àis. · , 
'. · Parece-me q:ue, ~pesar de tudo, é tempo de reconciliar os 
intelectu~is . e o poder. ~ tempo de este dar ma.is espaç~ a 
aqueles . e de aq\.teles . se engajarem numa participação 
construtiva. Ouso mesmo pensar que, pai.:a melhorar a 
democr~cia moçambicana, o elo fraco não é ,o povo, nem a 
classe politíca, nias um_a elite intelectual 9ue não está. à ô!;.~~"ª· 
dos desaJios;ã'·qu~- Moçamqíque'tem que fazer- face. Não em 
te~1os de cdtiç~s do que n~o vai bem, mas ettj termos do que 
é nec~ssário : fizer para ;ínelhorar as condiçõ~s de vida ''das 
populações. Uma elite .que não se confunde com os detentores 
de diplomas (Deus sabe como são 'procurados!), mas com a 
produÇão de ideias e com a ousadia de _participar, sabendo 
antecipadamente que ser intelectual foi e sempre será um 
risco. 
Os intelect:uái~ podem ser coisas . diferentes. Jean-
François Lyot~rd26 , o pai do chamado pós-modernismo, diz 
que o saber é uma merc.adoria que se compra e se vende. · o 
intelectual, o dete_ntor do .saber pode transfo1rmarc-s_e num 
mercante · e, no nosso caso; · mesmo. num mercenário que, em 
nome d~ dinheiro, venae ou vende-se setn ter um.a visão clara 
das suas atitudes e do seu posidonamento. o µitelectual pode 
também ser Ulll homem ei;igajado, não necessariamente com 
_· um particlo, mas c~m a ca~sa de Moçambique e do seu povo. 
Césaireª7 ·fala pretensiosamente em carregar so.bre os ombros 
os · problemas do povo'. l\llais modesta,mente, Senghor fala da 
necessidade de não sermos exploradores do nosso povo. 
26 A condição pós-moderna: Lisboa: Gradiva, .1989. . 
27 Cahier d 'un retour au pays natàl. Paris : Présence Africaine, 1952. 
67 
:·:· .. .. . ~· . · ~ - ~~--~-7~ ~·.··~ ~ :·f ... ; . .. ~~.:~'"".-.=·· ~~~ ·"". ~=-:~"'::~ .. ~ .. -,"'~:"'": ·""~-~~""":."'~:"":~""~.~"",;:-. ""',: . .,...,~._-:;,."': -, "', .,J.;:-~ .~~~.:,;..·:· :·:-.-.•· . . ....,.· .,..,., ..,.--.,.,.:-.. --:-~ ::-~. ;-c:_: :-... -:c. :-::.-;c~4"-~ ,}f 
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A ideia. de não sermos exploradores do nosso povo é 
importante porque parece-me que, cada vez mais, ser 
íntelectual significa fazer . pa~te da elite. mocsambiC~ua. Os 
acordos que alguns de nós assinam, as coisas ,que admitixnos . 
ou cau.cíonamos com artigos que nos são ditados, fazeu:1 co1n 
que a maioria d.o nosso povo ·volte a situações quase colonia.is. 
Se não somos exploradores do riosso povo, sotnos muitas 
vezes, ou. pelo menos o perigo existe de sermos, veículos, 
instrumentos para o restabelecimento dessa exploração. 
Num pequeno romance extraordinário · intitulado A 
Aventura Amblgua28 , C. H. Kane prop~e uma figura de 
.intelectual que seria unia espécie de envià.do .. do povo à escola a . 
fim de aprender o que ele chama «a arte de ganhai: sem ter 
.razão». Nesse sentido, ·· os intelectuais ·são vistos có~10 
enviados pelos grupos, pelas comunidade a fim de 
contx-ibuírem para melhorar a situação d.e todos. Este maneir~ 
de pensar o intelectual parece-me judiciosa e equilibrad~ na 
medida em que, sem tirar nada a~ indivíduo e às suas 
capacidades, confia-lhe uma responsabilidade social. 
~al pode ser a contribuição especifica da filosofia 
(moçambicana) no crescimento democrático de 
Moç~rnbique ? 
Como a coruja de Minervà, a fil~sofia chega sempre 
tarde ... 
A filosofi<r. parece destinada a seguir . ·a corrida dos 
tempos sem poder influenciá-los. · A filosofia parece. destinada 
a um trabalho de interpretação do passado, a um trabalho de 
históri~ ou, como diria Nietzsche; de filologia. Aliás, l:ioa part,~ 
da filosofia · contemporânea limita-se, .de facto, a um 'trabalho · 
de interpretaçã:o; a uma re-leitura · crític~ do passado, a uma 
28 p . p . Afri . 63 ans : resence . carne,19 . 
68 
. ·~ . r .l • ·.;~~ ~ •• : • , ·.:· ... -; -. ... . . : . ~ . . .. ,' " . -::: :: ·: .. . . 1:' . ···:: 
. i· . . 
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her.men~utica. A filosofia africana, depois '1e uma pariidá 
promissora, estagnóu-se e limita-se. hoje a debates em volta da 
pr6pria existência. sem. se · ocupar de acompanhar · o 
desenvolvimento· socio·~político do con~inerite . .. i 
Se estil posição ~e Hegel fosse · justa, então a filosofia 
seria ·uma espéde de moralismo destituícj.o de toda . à 
capacidade de influ.enciar os. tempos h~stóricos. No entanto, 
pode-se interpretar o •pensamento de Heg~l : de uma outra 
maneira. Pode-se . ·pensar que, no fundo, relevar os -aspectos 
· positivos .do. ~9,s.so pa.ssadQ .. ~ist~rico, as~i~ ;como · p&r ·, e,in 
evid~ncia os erros, as incongruenç1as, os confbtps, as lutas· e as 
ciisp'utas serv~;~~para . fazer. ·,:4.os . homen~ ser-: muit~ . m~s 
prudentes, tnl,lito mais precavidos. Neste se~t1do; ~ ~losofia 
serviria .também. a moral, mas . não num sentido retonco, mas 
· 1 A • 
num sentido de antecipação, de prevenção e, enlo corsequenc1a, 
a filosofia serviria. para fazer dos homens .seres mais prudentes 
~ mesmo melhores. 
É neste sehtido que · é preciso ler os' trabalhos .d.e 
Manguelle"9, A .. Kabou~º, M. Towa311 P: ~·.A: Ilungu~, q':e 
tentam .desvendar â razão .da fraqueza h1stonc3; do .contmente 
africàno em relação ~os outr9s . povos, que · ten~am elucidar a 
razão ·pela qu,al. a An:.ica não . foi capaz de um relacionamento 
igual, de utl:).a confrontação mais equilibrada com as outras 
partes · do . mundo. Esta é razão . pela qua~ · estes autor:s 
interiogam as culturas africanas, para ver ate ~ue ponto sao 
responsáveis ou. não pela situação · de fraqueza; .. de pobre7.a a 
que o continente está :sujeito em relação a outros ipovos. . 
29 L'Afriqúe a-t:.ell~ besoin.d';mprogramme d'ajus~e,,ientcJlturel? Paris: 
· Ed. Nouvclles du Sud, 1990. . . ~ , . . · · 
30 Et si l'Afrique réfusaitle développerr;enJ.? Pans: ~ ~~ttan, 1991. . 
.Jt Négritude ou servitude ? Yaounde : · Presse Umv~1taire d~ Cameroun, 
1979. . ·. .· . .. . . arn!i " 
32 Traditi~n africaineet rationnalité modeme. Paris: L'H. • attan, 1~98. 
69 
· · .. , ' •, 
·~:: ~.;;;_; ~_. 
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Este trabalho de análise histórica tem também. que selt" 
re1to a nívd de .MoçalJlbique, a fim de clarjficarmos o que 
tornou . possível º~~ pelo menos, facilitou as práticas da 
escravatura, do . colonialismo, da. guerra dita . civil, da 
intolerância política, exactamente para que essas práticas nã.o 
voltem a repetir-se entre nós. Podemos mesmo pensar que o 
facto de este trabalho crítico não ter siilo feito ou que não s:e 
faça, contribui para o r .etorno hodie~no da situaÇão de 
opressão, análoga à dos tempos -passados. 
Mas de maneira positiva, o~ar .. para o passad~ sigtúfica 
destacar entre os múltiplos factos. hist6ricos, aqueles: que são 
convocáv~is para uiµ de~ate de~~º~· . . . . . ·. .:;, . 
· A ;egund~ maneira de péns~r a . 1 filosofia, também. 
t~orizada pc;>r Hegel, . é . c~ncebê-la como . um esforço de 
apreender o próprio tempo através de conceitos. Ao qu(~ 
convém. juntar a sentença de Ortega· e Gasset: .« Eu sou ~u e as 
minhas circunstâncias ». Neste. sentido, fazer filosofia seria 
interrogar-·se sobre a própria t~mporalidade histórica, . mas 
sempre em funÇão de. uma particularidade que nos é própria .. 
Isto justifica a existência de uma . filosofia que olha . e . se 
interroga sobre a condição humana e sobre a .particularidade do 
·nosso tempo histórico a partir . de Moçalll;bique. Por 
conseguinte, não existe nenhuma contradição entre a filosofia, 
que se quer universal; e o fa~to de q~erermos, parafraseando 
Voltaire, cultivar o nosso jardim ! 
Na esteira .de Hegel e contra Hegel, que na sua filosofia 
da hist6ria colocava .a África fora de toda a dimensão histórica, 
temos que ousar conceber a nossa vida poHtiGa, a nossa 
democracia e as nossas instituições não como siinples · 
« imítatio » do Ocidente. · Tei:nos · que ousar inventar unia 
democrada que ·seja um governo elo. povo . no respeito pelo. 
povo, das suas representações culturais e dos seus imaginários 
colectivos. Cultivar ·O nosso jardim é tomar a . sério · a 
democracia, mas também e . sobret~do os sujeitos (na sua 
70 
. . ' • \ . 'ii : • ·;-:. :; '"'. .· ~··: · i"'." 
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complexidade e heterogeneidade) de tal :regime pai:;ii que ele 
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cssa justificar o seu nome. . 
· · Cultivam.os o ~osso jardim quando tomarnos a sério · e 
re.Hectimos ·em termos filosóficos sobre as preocupações que 
nos habit~m - a pobreza; a fome, ~ · busca: de. uma de1nocracÍ<1 -
p'rocurand~ dar-lhes re~postas científicas. Mesmo num. mundo 
que se · quer global ou mundial, nós · pensa1nos o 
global/mundial a partir e . em função das nossas 
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. pa.iticu13:x-idacles que, em ·definitivo, são o nosso ponto d.e. 
obse1vação. e 
. o · porito de partida d.e qualquer filosofia 'é o contexto, o 
que faz a sua universalidade são as suas respostas '.lue podem 
·. atingir ·clbiiensõe:S' que ·'nltrapcrssam o_ ·amb~to de úm cop.texto 
particular. A univenalidade da filosofia não pode ser a 
postulaç~o pura e simples de axiomas ger~ís,_ mas de','.'e se~ o 
i·econhecimento post-moderno da existenc1a de s1tuaçoes 
diferentes (as micro-narrativas), a sua .interpretação e, em 
seguida; um cliálogo .entre as diferentes m,aneiras através das 
quais à humanida.de dá .razão à vida. · • · · 
. O próprio pós-modernismo teorizado como foi pm: J_ean-
François Lyotard rião se liinita a pôr fim às meta-nao:auvas, 
aos discursos universali'stas, ao que Gianni V attimo chama de 
« pensamex:i:to forte ». Abre . espaço à; emergênc~a d~s 
contextos. A hist6ria da .filosofia testemunha como a filosof 1a 
se cle~envolveu . e se desenvolve como uma série de . saberes 
· conteJr.tuais que escrevem muitas" históda's e'. em cada ~m~ 
delas, . ~om um rosto diferente. O racionalismo fra~c.es e 
. diferent~ do idealismo alemão, e e.ste é diferente do emp1nsmo 
• · 1A do pragmZ:tismo axn~ricano ou da filosofia de libertação tng es, . . 
latino americana' .. 
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A filosofia - é o próprio HegeP3 a fazê-lo n.otar - não 
deve tentar construir-se 1.1.m muit.do ·à parte, um mundo de 
li.vros e ele conceitos, existent~ só no âmbito ideal abstracto. 
Ao contrário, a sua tarefa é pensar o ·mundo .histórico real, o 
mundo em curso nà histói:ia que o~ seres humanos padecem e 
fazem, para tentar ser pensan-iento desse mt.mdo, isto é, 
esforço para apreender o seu tempo . reflexivamente. Se a 
filosofia se caracteriza por esse esforço, se esse esforço é 
constitutivo de qualquer filósofo, .deve-se então admitir que a 
história filosófica não se limita à maneira como ela tem sido 
feita nas o~tras histórias que, aliás, cor respondem às fomas 
filos6fico-históricas que a disciplina tem tomado. A 
pluralidade. de formas . é a . expressão multifacetada que 
concretizá ~ manifesta a filosofia enquanto saber cuja história 
de constituição e de articulação tem lugar em conexão · 
essencial com os pi;ocessos histódco-cohtextuais daL vida da 
humanidade. 
Daqui resulta evidente que o tempo e o contexto não são 
ingredientes q.ue dependem da conveniência ou do arbítrio-de 
cada filósofo, mas conditio sine qua non de todo o .filosofar que 
determinam o gosto e o sabor d~ todo · o .saber f ilosófico. 
Tempo e contexto decidem, portanto, do vulto d~ filosofia. E 
fazem~no imprimindo-lhe o selo da pluralidade, porq\~e pensar 
o seu tempo não pode simp~esmentesignificar pensar o 
espírito dominante da sua época, mas também. significa o 
· compromisso de pensar os muitos tempos e historicid~des· que 
a humanidade nas suas múltiplas formas . quotidianamente 
gera e v:ive. Isto implica, obv:iamente, a necessidade de pens.ar 
não só o contexto global como também a diversidade 
contextual em que se geram os te~pos. 
·
33 
G. W. F. Hegel. Filosofia do direito. Lisboa: Ed. Presença, 1977: 16 e 
seguintes. · · 
72 
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Daqui ·se depreenÀe que a própria filosofia é também: ui 
saber contextual, . isto. é,: a filosofia . reflecte . sempr.e urr 
determinada contextualidade . . A conttxtt.,~lid.ade é fonte ( 
pluralidade. Ainda · mais i~portan~e- é releva~ . que esl 
luralidac:le nic:i depende de simples razoes geográficas nem e 
;xotismo, mas de razões hermenêuticas, antropológicas 
éticas. 
. O que está em jogo é a riqueza das ra:ocõe.s com que 
humanidade dá razão à vida. Como e:x;pressão c.oncreta des~ 
riqueza, . çada filoso~ia .co:µtextua~ tem," em si . m~m~, a ra~'. 
da s~a pr6pria . necessidade, pois cad~ ... fi~osof1a co~textu. 
justamen.~e porque nasc.e ,:f?".11 as expen~nc~as e, ~s e~peranç. 
· :..eretas de uma comurudade humana específu:;a, tem qi 
COu f' . d d• 
.. dize~ coisas que nenhuma ou~ra filos<? ~a p~ e uer no s~ 
lugar. Se quisermos, é a questão da loc~hz~.çao do logos: ou e 
·d· d · de n-a0 delegar palavra; É por isso que a 6losof necesst a e · . · · 1 · 
1 · d uma das suas. formas · cu tµra1s, conteJçtua " em ca a ! , . . . d 
' · poder partilhar a 1rredutivel pohfonia necessaria para · ' ·. . · d 
culturas da . humanidade .e,. por coq.s~gui;nte~ para po 
. ·:: .. " rt• da pluralidade a viagem ideal de un organuar, a pa ir , , . . . 
verdadeira « ecumene » entre . os Pº.v,os. : . . . . . . 
. E . é. . • de ra"'o-es te6ricas e suficiente para JUstif1c sta· s rie . ... " · l .d 
. f, . d isar filosoficamente. ~ rea i a~ um es orço e pen i · ~ 
b. no seu processo hist6nco singular : . centro e . moçam icana. . . li d arxisn 
. ol~ncfa da escravatura, do . colorua smo, e um m 
v1 . . d . de interesses · neocoloniais mascarados . e extremo, e guerras . .· . .. . d 
. . i1 lug·ar de expeiimentação.de)deo1og1as e esquerc guerra civ , · · , · d 
e· de direita; mas também de ac~rdos de ez que parecem ~dr 
·d ·. democracia que . vai fazendo, apesar . no tempo ; . e. UJD.a . . . d 
dificuldades, o seu .. caminho ; d.e . um povo .~ue . ap~er~ e 
. . ·1~ . ·mas que deve aprender a dura lei da {es1stenc reconc1 iar-se, . · .. · · . ( d ' 
d . . . ·o· s d~ ind.~pendênda de origem interna o omm os m1m1g . . . · 1 · · ) 
.. d ) à (dá invasão dos interesses neoco oma1s . o .eu e extern . . . . .. · . '. . . 
; ~ ~ · .., -:·!--':~·r~~"'. ' ::'""'"':,,:.;"":"--:-.y;..,;-;·~·:· . 
.. ·. ·• . ·_. .e·. : ~ - ': .'· 
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73 
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Todavia, a filosofia moçambicana imcreve~se 
necessariamente> num quadro geral da. filoso.fia africana, 
sobretudo pela ·natureza comu_m do"s problemas que nos 
ocupam. Não quero . dizer que as problemáticas d:a 
etnofilosofia, da filosofia crítica ou da her~enêutic.a, tenham 
alguma coisa a v:er com as preocupaçõe; que 'impregnam a 
filosofia moçambicana. Aliás, . penso mesmo que o deb_ate 
actual . da filosofia africana representa um momento de 
involucão na história do pensamento africano. Penso niesmo 
que a filosofia: africana não ·está à altura do debate do 
pensamento africano que é muito mais antigo e muito mais 
profundo. O facto de não nos identificarmos com a esclero~e 
do debate que gravita à volta da sua própria éxistência nio 
implica não identificarmos a nossa busca, a nossa 
contextualidade com a problemática geral que está na génese 
do pensamento africanei, do . qual, finalmente, a filosofia 
africana é um derivado. 
O substracto filosófico do pensamento africano é, ·sem· · 
dúvida, a . busca da liberdade, devido . à· situação categorial 
oprimido/escravo/i:olonizado/s~bdesenvolvi~o na qual os 
povos africànos se encontraram a seguir ·ao encontro/ choqu~ 
com o ocidente. Estas buscas tomam· formas diferentes 
.segundo as ·épocas, _ os . per.íodos históricos e os ·lugares 
geográficos. · · 
A primeira manifestação da busca da .liberdade tomou a 
forma de luta pela emancipação da escravatura. Bas~ pensar 
nas lutas dos escravos nos Estados Unidos, na Jamaica, .rio 
Brasil e no Haiti. A segunda forma da busca da liberdade foi a 
luta pela integração social nos país~s onde os antigos escravos 
passaram a ser cidadãos (B. Washington, Dubois) de segunda 
linha. o terceiro movimento identifica a . liberdade com a . 
autodeterminação política. A figura mais preponderante é 
Kwame Nkrumah que, ultrapassando a Renascent África de 
Azikiwé, reivindica, primeiro no . V Congresso Pan-africano 
74 
.. :· . . -~ ... ~; : .. ;·~ : . ·~ ·\ . . . •o ' . . !. . • . 
de Manchester de 1945 e depois no livro. África M ust Unit, a 
libe.rdade-independênda de todo o cont in ente; e se faz o 
paladinr de um a ·unidade ·Continental em termos polític~s e 
económiCos. O quarto nível d.e liberdade é o desenvolvim ento 
económico ·e social. Este nível, . iniciado logo depois clas 
independências, ocupa a1nda hoje o essencial das elucubrações 
dos africanos, e é aqu i que .. se situa ta.m.bé~ o nascimento de 
uma filosofia africana-crítica (Towa, Ebou ssi, Houtondji). 
·As diatrib~ da história africana, as vicissitudes 
existenciais primeiro e dC:, pensa~ento em seguida, deram à 
política africana, mas também à sua filosofia um cunho muito 
particular a .que eu chamo de libertário. A natureza dos estados 
, africanos (se quisermos ir mais longe d iremos negros) qt.;er 
sej;lm os da Serra Leoa e da Libéria,· primeiro, e, depois, os do 
Ga11.a e Congo são, na ess.ência, libertários : contra a 
escr~vatura primeiro e o colonialismo em seguida, aos quais 
durante séculos os negros estiveram submetidos. A filosofia 
africana emerge tam bém ·deste fundo comum de busca de 
liberdade ... 
· Se ~::dste um paradigma - no senti~ de Kühn- do 
pensamento e da filosofia att~canos como eles .se desdobraram 
historicamente, esse paradigma chama-se a busca da liberdade. 
· Não de umà liberdade metafísica ou moral;· mas de uma 
liberdade política. . . , .; 
Não podemos pensar · a Africa nem sob ponto de vista 
político, nem filosófico perden~o .de vista; o paradigma 
libertário que deve ser a referência e o critério de julgamento 
das nossas lucubrações intelectu3:is e das nossas opções 
políticas. 
As nossas refleJcÕes e opções: em torno do. liberalismo e 
da democracia devem ser subordinadas a esta busca secular da 
liberd,de. Devem s~r · analisadas . ~ão · em .função da di~âmica 
mundial ·. (m~smo . se . não . ~ podemos ignorar), -.. mas 
subordinada~ à nossa buscá secular e histórica. ~ó na meãida 
75 
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em que um regime político, uni sistema económico colabo.ram 
para incrementar a esfei:a . paradígm~tica ela nossa busca 
histórica é que eles podem ser avaliados positivamente. 
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Çapítulo Il 
·A filosofia em Moçambique 
. Um ~sforço filo~ófico a. partir .de Moçambique não pode 
cleixar . de se inscrever no quadro de um esforço africano mais 
glohal liga~o ao nascimento d~ filosofia ~fricana que, ·;por seu 
. turno, esti intrinsecamente. lígaqo à busca da liberdade que 1 
caracteriza a visão cc;mtinental da África. Contudo, se as 
nossas:· -inquietações· não são · genetícatn.ente diferentes das 
preocupações dos outros países africanos, também não sã<;>completamente idênticas. Estamos . a nível daquilo que os 
16gicos chamam ana1~gia. 
Os problemas e as .preocupações que norteian;:i. a filosofia . 
africana são . também nossos. Mas co·m ~lgumas 4iferençás 
. significativ;ls de . ângulos de ataque ~ · mesmo . reservas 
sobret-Udo relativ~s ao solipsismo .que terri. caracterizado alguns 
fil6sofos que centram as s~as refle';x:ões . em torno da eiistência 
da filosofia africana, esquecendo-se de acompanhar 
criticamente a evolução (ou talvez a involução) dos diferentes 
· países do. · continente~ . Isto fá~los .cair 1 no ~esmo ~rro da 
negritude e da etnofilosofia qu~ era, como di:z~a F anón, de 
continuar a· remoer em sarcófagos . e pão mobilizar as 
inteligências para a dÍJ:l.âmica hist6riê::a da África. · · 
Nos meus primeiros. · trabalhos · (Por uma Dimensão 
Moçambicana da consciência hist6rica ; Da,s', indf!pencl211cias as 
. ·liberdades; O Retorno dii bo~ . S~lvagem ; ··Mukadjan4àas) tentei 
· pensar em Moçambique, haui:indo.'_a base. JJ meu pensamento 
na . história da filosofia e· na . maneira .como ela tem siclo · 
77 
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~. 
1 • 
pensa d~ e discutida no continente africano. Tentei contribuir 
para uma reflexão · em volta ·das . metamorfoses históricas 
próprias de Moçambique : por um lado, solicitando a filosofia 
com a sua história .e método a seguir dialogicamente 0 
percurso histórico de Moçambique; por outro, solÍcitando 
Moçambique · e a sua história a se deixarem ..interpelar pelo 
saber filosófico. . · · .· 
Este esforço de trazer a filosofia ao debate moçambicano · 
atingiu inesperadamente prol'orções inauditas quando em,199'.) 
me foi dada uma daqueles ocasiões únicas na vida de um 
filósofo, isto. é, .conceber um c~rriculum de Filos~fia para a1 
U níversidade Pedagógica e acompanhar a formação de 
professores que se encà.rregariam, num segundo mom~nto, de 
introduzir a filosofia em todas as escolas sec:Undárias do país. 
A primeira preocupação que tive foi tentar saber a razão 
pela qual o Ministério da Educaç~o tinha, decidido introduzir a 
filosofia no ensino secundário. Isto é, a filosofia· devia 
contribuir a trazer solu,ções. para que problemas? Tratava~se, 
para mim, de . criar um curriculum que, · mesmo respeitando a 
secular história da filosofia nas suas disciplinas nucleares 
(história da filosofia, teoria de conhecimento, antropologia 
filosófica, ética e metafísica), fosse construído em função das 
necessidades do país. Tratava-se de aculturar a filosofia ao 
contexto moçambíc~no sem a desapropriar da sua dimensão de 
busca do universal centrado sobte. a realidade da condição · 
humana. 
A vontade política de introdu;ir a filosofia no ensino 
era, em si mesma, o reconhecimento ela capaçidade . desta 
dísciplina a contribuir · na fas~ crucial e na · encru:zilhada 
histórica a que Moçambique s~ encontrava a nível pe>lí~ic~­
sOcial, mas também a nível moral. AssimAecidi ptopor um 
curso de filosofia aculturado às · preoct,lpações reais de 
Moçambique, para levar a filosofia a .ser um parceiro ·sério na 
elucidação dos problem3:s e .das suas ~usas, mas também na 
78 
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busca de s~lU:ções . . Após u~ período de investigação e de 
r.efJ.exio identifiquei .três : camp~s fundamentais ·da possível 
contrib~ição da filosofia em Moçambique : epistemologia, 
política e etica. . 
i. Epistemole>gia 
A escolha da epist~mologia como campo de investigação 
da filosofia em. Moçambique resultou, em primeiro lugar, das 
diB.c1.aldad~s que os estudantes têm face a questões abstractas. 
Este . défice ·. epistemológico está ligad~ não · só: à falta de 
filosofia (lôgic~); mas .também à fraca preparaÇão no co.njunto 
das disciplinas humanf.sticas como a história, · a literatura, as 
língüas clissic,as,' a gramática,-etc. . · . 
Para além de contribuir, dando aos .estudantes utensí~ios 
de análi~e mais ~efin~dos, a epistemologia pede trazer 1..una 
outra· contdbuição, µienos evidente, mas não menos 
importante. Historicamen~e,. ela t~ve out.ras denominações que 
nos podem ajudar a compreender os seus desafios e, em 
consequênda, a alargar :o seu campo de aplicação na educação 
dos j9veil.s. Ela é t .. mbém conhecida por Gnoséologia, Teoria 
de Conhecimento. e Crítica. • · 
0
bi:i;e~ . « crítica ·» significa referir:-se a uma atitude do 
espírito · que . consiste .em analisar rigorosamente e . sem 
· condescendência os nossos mecanismos de .conhecimento, o 
conteúdo mesmo. do qu~ · nós dizemos saber, assim como o 
valor intrínseco dos nossos conhecimentos. 
!~o~ í1ltimos an~s, uma ·parte da filosofia a_fricana (P. E. 
Eltmgu, M. Towa, .Ka Mãna, Ali A. Mazrui, Georges B. N. 
. Ayittey, J. A. Sofola, Kwasi Wiredu, E. Nj.oh ~ouelle) tem 
·centrado os seus ·ele.bates à. volta do valor, dos nossos 
conhedmentos ditos tradicionais . e da sua . re~ação com a 
racionalidade. m~dema. . A .· premissa d.este . debate é a 
· , par~digmática busca da liberda.d.e .africana, centrad~ hojesobre 
. 0 desetwolvimen,to económico .e social Até à .década · de 
79 
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setenta, o discurso africano acusava de ui;na maneira unilateral 
.a esçravatura e .o colonialis~o de serem os únicos 1:espo,nsáveis 
pelo estado actual do continente. Esta atitude impedia um 
trabalho de introspecção crítica ,sobre as nossas 
responsabilidades, sobre a responsabilidades da,s · nossas 
instituições ancestrais na instauração desses sistemas odiosos. 
Por outro lado, a grande ~xaltação d'as tradições 
africanas, por obra sobretudo · dos adeptos da negritude, 
encobriu uma análise fundamental quanto ao valor intrínseco 
dos conhec.imentos tradicionais;· do seu eventual 
enquadramento na modernidade, que constitui o substracto 
mental e filosófico do desenvolv.imento a que aspiramos. 
Marcien Towa .(1971), membro, com Houtondii e 
Boulaga, daquilo que Ehingu chamou de escola critica3'4, nlio só 
se distancia do . caminho traçado pela etnofilosofia aberta por 
Tempels e Kagame
35
, como nem seqµer ·se li1nita a atacar a 
« negritude-servitude » de Senghor que ele a.ssocia a 
etnofilosofia. Ele vai mais longe. e afirma que o tempo das 
reivindicações acabou.: trata-se agora de nos concentrarmos 
s~ bre a questão do desenvolvimento e elo prngresso. Para . 
Towa a questão é tentar saber o que permite ao Ocidente o seu 
desenvolvimento, a sua superioridade e o seu poder s1Jbre nós. 
Trata-se de descobrir e de se apoderar do segredo do Ocidente. 
Para o filósofo camaronês, o segredo e a superioridade do 
ocidente reside nos seus conhecimentos técnico-cientíEic~s. Eis 
porque a Áf:x:ica deveria, segundo Towa, concentrar tod?-s as 
suas energias a desenvolv.eI'. a dência e a técnica. P. E. A. 
Elungu (1987) prolonga esta tese ajuntando que o segredo 
ocidental não é meramente · técnico, 1nas trata-se da 
racionalidade técnico-científica. A superioridade do Ocidente 
. é, assim, remetida para uma dimensão filosófica. 
34 
Ngoenba 1993 : 91. 
35 
Ngoenha 1993 : 55. 
80 
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·-: ' . . ~'.::· ·. ·~ ..... -- ·- . i.. 
A .África tem ~s seus conhecimentos, ditos tradidona 
os . seus . saberes q~e n~ . passadÓ certamente ajudaram 
f - bl m ·que era africanos a fazerem . rente aos pro emas co 
confrontados· . alguns pensadores . defendem que ess 
conhecimentos e~am fracos e foi essa fra~ueza que f~z d. 
africanos vítimás pre~ilectas d~ todo o tipo d~ esclav~g1stas 
l . . . d . Ma·s admitindo. que . : esses conhec1n1ea.t1 co on1za ores.. . _ . 
tenham ajudad<:> OS africanos do passado, que relaçao· eXlS' 
entre esses conheCimentos e o mundo moderno ? 
. . Es~a questão divide hoje. os filósofos .africanos em d~< 
posiçõe~ conti~st.antes: os que-como Towa, E~un~u, .~:1~J~ Mouelle- defendem a . ideia d.e 'uma . irre ~tt t ~ a 
funda~ent~l · entre. a:s tradições africa~as e a . ra~~':ah~ad 
moderna, . e, em consequência; a necessidade d.e ª. ~ nca .• er 
. de sacrificar a sua história e as suas trad1çoes sobre coragem . . . 
altar do desenvolvimento. · d , 
. . Esta . posição põe enormes problemas . e" c~r~ct~ 
. l' . co dado q· "ue a cultura aparece com.o uma es.pec1e ' 
antropo og1 ' · l . . ·_t P. ·r e nã~ 
6 . vestimental que podemos evxa:namente ues t · acess no · . . · . . . . · . . h 1 
uma estrutura constituinte da ex1stênc1a umana. , . . 
. . É ·verdade· que a cultura J;lão tem nada de. genet1co, que • 
. . . te 'lig"ada a uma determinada sociedade (Edwarc 
1ntnnsecamen · . (R •37'\ d ·monstrot T lo~) Mas a . antropologia emotti I e 
. y. . . se a cultura é unia estrutura 
sufic.1entemente .que mesmo . . . d : . fr ilida.de e 
. . . t . por ca\1Sa a sua ag Precária e exactamen e " • , d· 
• d d. - ·ligada ao facto que ela só ganha vida ~traves' e precarte a e . . . . f: 
indivíduos que são diferentes uns d~s outros, e ao act~ que a 
. . bologfa da cultura exige a p:don um consenso s~~1al, que 
sim . · · · d d eiftcam as . . bté ompletamente - as soc::te a es r nunca se o m e . . ' . . d . de um 
çulturas. a . fim de se -prot~gerem.. Por i:,sso, . a 1 eia 
36 Culture prÚn~tive. Paris : Seiiil, 1974 : 79. . . ....J . • ~ · • • ghl .. 
37. Noí,.pr.iinitivi. Lo specchio dell 'anttopologza .. 1 onno : Bollati Bonn en, 
199.S.. . . . . . i . 
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.lh~n~o~o puro e . simples da cultura levanta problemas 
ep1stem1cos enormes. · . 
Esta posiçã.o põe também px:oblemas ele carácter 
fl 'f• 8 i. oso ico se, como Herder1 , concebermos a cuitura como 
sendo a segunda natureza do homem, sem a qu.al a · vida 
humana não é simplesmente possível. . 
Outros pensadores africanos (W. E. Abraham, M. V. 
Tsangu Makumba, O. A. Onwubiko, P. Apostle, J. B.· 
N'tandou, P. Apostle, Y. Assogba, E. R. Mbaya, Tshipanga 
Matala, A. M. M'Bow, C. P. M. Kamala) defendem a 
compatibilidade entre as tradições afric~nas · e .o 
dese,nv~lvimento moderno. Eles sustenta~ que 0 que permitiu 
a Afnca sobreviver, não obstante a esC:ravatura e 
0 
colonialismo a que foi sujeita, foi exactame~te a vitalidade das 
culturas africanas. Se essa vitalidade nio se manifestou ~o 
período pós ·colonial e, por conseguinte, não ~ontribuiu pax·a 
desenvolver o continente, foi devido. essencialmente às 'elites 
pol.ít~c~s, que manipularam·· as tradições e as . cultt:lras para 
sohd1f1carem as suas posições de poder. · · 
O interesse deste debate ~esid~ na sua dimensão crítica, . 
na sua introspecção cultural e esta não ·é completamente 
desprovida de interesse para n6s. A primeira República, ~m 
nome da lutâ contra o tribalismo, tinha pura e simplesmente: 
banido as tradiçõe·S e as culturas do campo do político. A 
segunda República, sobretudo por obra dos doadores, parece 
reabilitar as chamadas autoridades tradicionais, sem um 
debate prévio quanto à sua capacidade de contribuir positiva . 
ou ne~atiVamente pata o adual curso histórico. . 
···f-De uma maneira: mais incisiva. e concreta, o debate 
africano interroga-se quant~ à capacidade democrática· das 
tradições africa_nas onde o peso do . chefe . ou do ancião 
38 
Ainda por uma filosofia da história para a ediicação da humanidade. São 
Paulo: Ed. Universitárias, 1974: lll. · · · · - · 
82 
impediriam .·toda a cl~mensão de debate d~ ideias e, em 
consequência, do desenvolvimento demoTrático. 
A . filosofia africana .ínt.erroga-se quanto ao valor 
·~statutário . dos mecanismos tradicionais da transmissão do 
. :iaber que, coi1trariamente ao mod~lo democrático do sistema 
.de éducação inoderno, reserva os seus conhecimentos a uma 
.casta de eleitos, cujo desaparecimento eq.uivale muitas vezes à 
:perda defü~itiva do saber. acumulado. 'jJ" . · 
.· Interroga-se sobre a compatibilidade kio sistema familiar . 
africano C.Qµt as .necessidades econ6micas modex:nas, dado que 
sob a. ap~rê~da . de solidariedade, se esconderia, de um lado, 
um sistema ele esbanjamento que impede a acumul~ção e os 
investim;nt~;; .e do · 'outro, alimentar-se-ia um sistema de 
par~sitisnio no qual boa parte dos 1nembros · da família vive 
~obre os ombros dos poucos que trabalham. . 
Todavia; na esteira . de . Eboussi Boulaga39, podemos 
pensar a ·tradição como uma utopia crítica. Isto é, os aspectos 
acima mencionados relativos. às fraquezas da tradição t~m que 
ser."tomados a: sério.· Mas, por ~utro lado, temos que pensar que 
alguns aspectos aporét~cos da vida . política e social 
moçambicana de hoje deixam-se interpelar por aquilo que pa1a 
o sentido comum (que recordo dev.e· consdtuir o ponto de 
partida de toda e qualquer reflexão científica) constituem o 
espírito da tradição. . . . 
. , O primeiro elemento é a chamada solidariedade africana. 
Os factos de hoje desmentem a famosa solidariedade africana 
e f~zem dela um mito. o nosso país ·tem uma elite económica 
cada. vez · mais important:e,. no· momento mesmo onde o 
número de miseráveis progride. Mesmo nos momentos 
dramáticos, como foi o caso das cheias, não vimos da. parte dos 
que têm mais meíos n.;nhumsinal de solidariedade. Os nossos .. 
rico.s não só nã() são solidáriós, mas nós não vimos emergir 
39 La ~rise dit muntu~ Paris; fré~ence Africaine; 1977 : 45'e 123. 
83 . 
...... -·--·----- . 
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culturalmen. te homoO'éneos (C A D 1"0 p· ~·) ·· - · •. . e;, •. • ou econoi;rucamente 
· complementares (Mamadou Touré42). · 
. '1?- filosofia .deve tainbéni intenogar-se sobre a natureza 
f1losof1ca do liberalismo como foi pensado ·po·.. J 
B h ( · ) · · - .. eremy 
ent am 1748-1832 , John Stuart Mill (1806-1873) John L l ( 6 ) , ' .. oc ce 
I ~2~1704 ;. as metamorfoses históricM que esta doutrina 
. poht1co-soc1al sofreu no curso .da história, as diferentes faces 
que e~e. tem no mundo de .. hoje, a maneira como tenta 
reconc:har o imperativo incondicional da liberdad.e com. a 
n~cess1d~de de urn pacto social para que a vida .em sociedade 
se1a poss1veL Temos que nos interrogar quan· to à···r 1 - · i · . . e açao entre 
o _ ibe.rahsmo 'e a existência do · ~stado .(0 nosso é obrigado a 
esva:ziar-:se · das suas funções essenciais) record·an· do ·, · d · . 1 . . que os 
pa1s a economia polítka como Adam Smith como os teóricos 
que fazem mais referência à fÜosofia Üoh~ · L } ) 
"d · · E ()C ce , 
cons1 ~ram º. stado uma instituição indispensável para a 
gara~t1a .das liberdades dos indivfduos; hto tem que nos levar 
ª , ur:ia interrogação quanto à relação entre o libe~alism~ 
class1co e o neo-liberálismo. · · 
- ~Por out.ro lado, é neces~árío interroga·r â democucia ria 
relaçao do seu ~spí~ito e das instituições que dão o.u podem dar 
corpo ~~s se~s 1dea1s. A filosofia deve poder demonstrar ·que se 
o. esp1:nto · e, uno, as formas que a -democracia 'toina · nos . 
d1ferent~ pa1ses ~o ~undo são múltiplos e dependem dle uma 
aculturaçao .das 1de1as democráticas às diferentes maneiras· 
co°:1 as quais os povos entendem e interpretam . a sua · vida 
s~c1al. Por consequência, no respeito mes~o da democracia 
n:s te~os o dever de · tomar a sério â especificidade culturaÍ 
q e nos somos e representamos e . inventar um modelo 
institudonal · · 
que se inspire nos substractos culturais das 
poptilações_l' .. 
41 • ' .. ·· 
42 Natzon rzegre et culture. Paris: Présence Africaine 1979 . · 
«: Les étudiants africains parlcnt ». Revue Présenc~ Afric~ine.-Paris, .1953. 
86 
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=.,.· ··-:m~:·,"Sa•1?ii '.WCfi~bfi~ t..'ü1jJ.':Wti1-j{.~l~~~&~-~l~1~~~J.~f.!fili 
ii) . política e ética . 
A segunda questão ·do nosso programa, é . de · nature:z 
política : com que pertinência a filos~.fiase pode ocupar d 
político? Terá l\ma co.ntribuiÇão específica, diferente daquel 
q.tle podem trazer a · sociologia ·política; a ciência política e 
direito ? Est~ questão tem hoje, no contexto · culttm 
moÇamb·i~anq, toda · uma pertinência particular. Nos último 
. anos, a f'.acuidade d~ Direito retomou · as suas actividades 
rec~me-çou a formar juristas e, sóbret~do, encaminha, esto1 
ce1·to, úma reflexão do . direito a partir . da experiênci 
moçambicana e em ~onformidade com a nossa espedficiclad· 
hist6rica e .. culturaL Por. outr~ lado, uma :séria' refleJCio poHtic• 
~ social te.m vindo a ser_ feita pela jovem unidade de Ciência: 
· So.ciais d~ Universidade Eduardo MoQ.dlane. · · 
. Não se trata para nós de re.flectir ~c:>bre a polític~ e sobn 
o . polítko; mas de pensar filosoficam'.ente o . político e é 
democracia em M~çambique. Duas i"a~ões podem justificai 
.esta escolha. A primei~a tem a ver com 'o .facto d~ que desde 
·Platão . e A rist6teles· se quis c.ircun.screve~ a . reflexão· filosófica 
sobre a política ·às s11as ·. características fundamentais , 
distinguindo Q as.pecto normativo do aspecto positivo43• 
A reflexão platónica, na República, . sobre a cidade ideal 
incorruptível conduziu müitos pensadbres a fazerem · da 
filosofia . política uma ciência: arquitect6pita : para qµe uma 
soci~dade seja justa, é neces'sário que elaº seja governada por 
. filósofos ou por um.rei que seria iniciado ~m filosofia. 
Contra .esta concepção · do fil6sófo~rei · instalado na sua 
sabedoria teorética e versado na contemplação . das essências 
eternas do mu~do inteligív.:;1, }\.ristóteles acloptou uma vfa 
inte~ediária. À sabedori.~ teórica rese~vada· a uma 'quantidade 
ínfima de pesso.,.a~ consideradas com~ . sábias e que vivem 
. . 
43 J. Freund. Essence d_u poliiiqu~. Paris .·: Sirewy, ' J 965. 
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retiradas. do mundo dá acção, ele opõe uma sabedoria prátic:a, 
. característica de indivíduos qu<(vivem e agem com· prudência 
na cidade. Com efeito, para Aristóteles o homem é um animal 
·político, feito para viver em sociedade. É nisto que a política 
como género de saber racional se encontra ligadà as 
contingências históricas próprias de cada sociedade. 
Vista desta maneira, a filo~~fia ·política ·deve ter em 
conta os objectivos práticos do político para pensá-lo na sua 
complexidade, de um lado como . espaço de possíveis e do 
outro como espaço de experimen.tação das condutas humanas 
sobre os aspectos individuais e colectivos. Contudo, a filosofia 
consiste na aprendizagem do exercício do pensamento, o qu1~ 
requer do sujeito uma libertação de pr~conceitos - a que 
·Francis Bacon chamava de « idolas » e a hermenêutica 
moderna de pré-compreensões - e das ideias falsas. Esta pratica 
reflexiva deveria conduzir à sabedoria, objectivo etimológico· 
da filosofia. Esta sabedoria e esta catarsis às quais a filosofia é 
suposto . dar acesso, são o · resultado de um .process~ de 
compreensão do mundo. Isto explica - como .bem ilustram as 
três questões de Kant : o que posso saber ? o que me é 
permitido esperar ? O que devo fazer ? - que a filosofia tenha 
sidq primeiro uma gnoseologia, depois. metafísica e, por fim, 
ética/ polítiea. 
. É fácil compreender que a filosofia política foi durante 
muito tempo resultado de uma filosofia de conhecimento e 
colocava-se sob a dependência da filosofia moral A questão 
clássica sobi;e a melhor ordem política possível compreençle-se 
em . referência a uma filosofia de conhecimento . . Este 
.conhecimento do justo, do bem e do verdadeiro compor~va 
uma obrigação moral irrecusável. A fí.1.osofia 'política et'a, 
assim, determinada · por uma reflexão exterior. A questão 
actual é : como pensar filosoficamen.te o facto político, quando 
ele já não se confunde com nenhuma teoria de conhedmento 
. ' 
88 
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nenhuma moral e, . sobretud<~>, quando deve ter em conta a 
pluralidade de opiiüões como um facto humano fundamental ? 
Podemos perguntar se ·a actividad~ reflexiva aplicada ao 
domínio da política se reveste de algum sentido e, sobteu.,do; 
se tem alguma eficácia. A filosofia política pode parecer aos 
políticos de profissão demasiado idealista e sem nenhuma 
incidên~ia sobre a realidade, ou então a sua eficácia se limitaria 
aos casos em que ela empresta o nome a certas ideologias. 
Entre a impotência e o integralismo - tudo o que é contrário ao 
espírito filos6fico - não existiria uma· via iintermedi~ria para a 
Hlosofia política. Para além das acusações que . se lhe_ são 
movidas pelo seu carácter · pretensamente não científiêo, a 
filosofia política estaria sus.pensa no vazio. Seria útil para 
reflectír sobre o devir ide~l da humanidade (no nosso caso de 
l'vioçambique). Contudo, ela não seria viável. Seria necessário 
primeiro trabalhar. para conhecer · o mund~ de uma maneir:i 
positiva, e só depois; se restasse tempo, recorrer à filosofia. E 
obvio que D.ão r.estaria nenhum tempo. 
Isto eXplica o nascimeri.to de dois d.isCÍP,ulos. que têm um 
cal'ácter heurístico : a ciência política e a sociologia política. 
l:'viais do qu~ c~ncorrentes, ~stas duas discip~inas são, de facto, 
um complemento necessário · à · filosofia.. A ciência e a 
·sociologia · políticas tiveram historicamente a ambição de 
analisar os fenómenos políticos nos caracteres específicos com 
c;iue se r~;westiam numa dada ép<?ca·e, a parti~ daí, identificax as 
constantes, até mesmo as leis. Assim, elas observaram os 
fenómenos coino a fo~mação e O ·· funcionamento dos pútídos 
.políticos, o recrutamento d.a . cl3:sse po~ítica, as determinantes 
das preferências eleitorais, as relações entre as formas de poder 
e ·0 dese~volvimento económico, considerações longínquas da 
tomada de posiÇões . gerais ~()bre o~ direitos do homem, a 
liberdade de pensamento ou a natureza da democracia. 
Os ~feiti;;~ secundátiOs ·. puseram sérios problemas à 
fil95,ofia políti~a . . Da· mesma maneira que . ;_ et~ologia, 
89 . . • ' 
. -:--:-:--:-· .. · -~ ..,· -·· : "';.' ' '· ... -~• .. ll~ '"' '"t'••· :-· ... · ·.-· .. ~ ·· .. ···-· ..... -- -· ··- · 
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observando os t?stumes de povos diferentes, anunciou o 
rela.tivismo . cultU:~al, a c1encia e a socio,logia políticas 
.inv,alidaram implicitamente a filosofia política, na sua vontade 
de descobrir, como fa~ia Aristóteles, as condições através das 
quais um governo poderia tornar-se um bom governo. 
Enquanto, tradicionalmen.te, . a filosofia tinha como 
missão corrigir ou, pelo menos, contr,olar as paixões .humanas, 
os estudos err~píricos não cessam de denunciar uma tal ilusão. 
A experi&ncía é erigida à dimensão de prova e a: hist•Óría 
conquista a dimensão de uma religião revelada: Ao mei;mo 
tempo, essas ciências .tornam-' se ~egas ao passado e · o futuro 
resume-se a uma simples extrapolação das tendências 
constantes. 
Todavia, não se pode analisit o fundonament~ das 
sqciedades unicamente à luz das ciência~ políticas e da 
sociologia das organizações, a não ser qu~ se esteja disposto a 
ign9rar o reconhecimento do bem e do mal que foi sempre 
possível subverter, mas não esquecer. ·Por outro · lado, a 
sociedade e o espaço político não são semp're ' idênticos e 
demonstrar isso era uma das íncumbências da filosofia. 
A maior dificuldade d~ filosofia pblítica re~ide no facto 
de ela exprimir não só uma acção de conhecimento puro, mas 
também uma vontade de tornar inteligível o real ao serviço do '. 
seu objectivo próprio, que -é o desenvolvimento do 
pensamento. A prática filos6fica não é neutra, mas tende paLra 
uma certa sabedoria. Certo que o· soció~ogo ou o politólogo têm 
as suas ideias sobre o estado do mundq, não podemos negar 
que os livros de Carlos Serra ou os artigos de Elísio Macamo 
tenham uma visão deMoçambique sobre o que é aceitável e 
sobre o que . não é, mas as s.uas análises, descritivas ou 
explicativas, se querem neutras. Uma. tal neutralidade é 
imp~nsável para a filosofia que deve tornar explícito o que é 
implícito nos outros discursos. O critério <;!e juízo, no nosso 
caso, é o caminho em direcção à liberdade da qual emerge,. e1n 
90 
. ~. 
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prirni!irn lugar, a africanidade «moderna» e, em seg~ndo 
lugar, o pensamento político .africano e 'depois a filosofia 
africana~ . . . 
Oin lugar comum reza que o lugar da po,lítica é a polis, a 
cidade. Mas quando se · diz cidade não se deve entender a 
dimensio ge~gráfica; os prédios, os escritórios, as embaixadas, 
pois eÜmínar-se-iai:n imediatamente muitas partes ·e., muitas. 
pessoas cuja . vida não se. desenrola · · naquilo · que 
tradidonalmente se. chama cidade. Os habitantes das zonas 
suburbanas e do . campp. não sedam .contemptados numa t~l 
defi~ição~ A p~Ütica terii a yer com. .o espaço (?nde as pe.ssoas 
vivem, com o ·domínio . público, o lugar onde i. os cidadãos se . 
encontram para · deÜb~rar. Isto pode ser nos . prédios do 
Màputo, na: . chique avenida . Keneth Kauncla, no parlamento · 
~tposto ao barulho da parte babca da avenida 24 de Julh.o, mas 
também pocle ser numa· palhota, de:baixo de um~ árvore, etc. O 
essencial não é o .lugar geográfico, mas o espaço: simbólico e de 
significação. Is~o .qu~r dizer que ()conteúdo da deliberação é ~e . 
longe . màis importante que .o lugar onde essa · deliberação se 
realiza. Mas se essencial ·é o' conteúdo, sobre o que é .que os 
cidadãos deliberarão ·? 
O debate .público . é· caracteri:<;ado por; duas coisas 
essenciais : prim~iro, a· organização desse debate e a maneira · . 
de concluí:lo com um acto de poder, segundo, a gestão da 
cidade e oi; objectivos' que lhe foram confiados. A organização 
e a maneira cpmo os cidadãos podem: . participar no · debate 
p{tblico é já, em si, .U:m ·acto .político. Por isso, a capacidade das 
normas. ele traduzirem a:. compreensão . elas· pessoas, de 
responderem à maneira como as pessoas pe~c::ebem os próprios 
problemas, a criação de mecanismos jurídicos sF'ceptíve~s de 
traduúrem a sensibilidade das ·. pessoas e a sua futura 
pá.rti~ipa~ão nos de.bates poÜticos con~titui o primeiro acto 
pc•Htico elo· qual vã!) depender os restantes. 
_: ~ .·.·:· .. ~.· ~:~ -~ .~.:- e .. . : ·. :' .~':". ~·:-.:··: . i :-:" ..... ':.~-::- ~~. :-: ·"· "";~ ·-. ·~ ~~:;.t :·: ... ~ ~ - -~.-~--· .. ,. .... , : .. ::"·r ·~ ::· i ".';:· ··-r-:·:) ·.· =-~ .. : ·::~· ·~ :~ :~:-.; ~:--:---:: ... :1~~~'~.~:--:··.-:.-"; "·'.r: 
·. ; ~ l . . .. , ' ... : . . .. • . . 
e 
~~~~~~~~~~~--~~~~~----;-:-~- r 
Por outro lado, . uma · « cidade » fixa objectivos, que 
correspondem à sua manei~a específica de · se perceb.er como 
comunidade, o que corresponde (ou deveria corresponder) aos 
valores que se fixam previamente e . aos objectivos que 
pretendem atingir, que · não são iguais em. todas as 
comunidades. Na estrutura mesma do político, têm uma 
importância primordial a organização 'do debate, os vafores e 
. os idéi,as sociais de uma determinada comtinidade política. 
As questões tradicionais da democracia - como fazer para 
que o poder da maioria .seja acompanhado pelo respeito pelas 
minorias; como fazer com que a iglialdade geral de opiniões no . 
.debate público não .se transforme em desprez.o pelo 
conhecimento - tem que se acrescentar uma outra : ç:omo fazer 
com· que as sociedades modernas nã·o se transformem num 
espécie de «Jerusalém celeste » sol?re as quais as sociedades 
« pré-modernas » têm que se modelar ? 
A modernidade introduziu a autonomia . do campo 
· político, o que .quer dizer que ele não pode ser governado do 
exterior. É necessário e.vitar que· essa . conquista · se torne 
monopólio de certos estratos da humanidade em ·detrin1ento 
da outra parte · que não teria possibilidades de ·propor 
objectivos e modelos de sociedade que lhes são próprios. 
~ ·· A filosofia política tem a . função de explicitar as regras 
da democracia e a definição da organização do políti~o, quando 
o regime é ameaçado do .interior ou do exterior, e.·de salvá.-la 
contra ·quem a coloca em perigo. 
, A explidtação da democracia . não se faz a partir da 
fabricação de conceitos absttactos, da dedução lógica e racional 
das ideias. Ela tem que ver: com a constituição de t\m espaço 
político, que só po~e se;r fei.to ·a partir das diferentes 
compreens.õ~s _culturais dos grupos e dos povos. As sociedades 
com mais experiência democrática poden,:i partilhar confoosco 
as suas experiências, Irias ~ão ·podem servir de modelo porque 
· as modalidades da racionéllidade ocidental são historicàmente 
92 
.. .. .. : .. · · · ·· ~ " , ' .... · .. · :· .... · ~ . . ·. ·_ ·:;:, ·: ~- ~.: :~ ~ ·..: .. ,,:~ ~ ...... ~ ·.:- · ~-; : :~::,:·~··~ ·- .· 
. . · ... ,· 
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situadas e não susceptíveis de· ser levianamente transferid~: 
para . <;mtr~s · latitude5. Aliás/ isso levaria a um genocídi<C' 
cultural de toda a ~imens~o política de_ que todas as cultura! (' 
· são portadoras. Ocorre cnar as modahdade,s de participaçãc 
política a partir do substraCtO político e cultural dos po~OS E 
dos grupos. Í 
Depoi_s da .escravatura em que ' todos os princípios ( 
humanistas. e de bom senso foram vi9lados, passou-se ao 
colonialismo e, · logo a seguir, às guerras ditas civis, mas de 0 
fact() pilota~as do exterior. Hoje estamos num quadro cómico : (" 
cooperáções, embaixadas, · organizações económicas 
inter~acionais . sem n~nhuma legitimidade . política. 
apresentam-s.e, em nome da· d~mocracia, como defensores e ( 
garante.s dessa democracia. Assim, a legitimidade política dos 
actores políticos não tem nada a ver com os povos, nem com l 
os seus valores~ ~as com o beneplácito . da comunidade 
internacional. ... A filosofia : deve relevar' . a ameaça à nossa 
soberania que prqvém dessas instituições: : e 
A filosofia déve opor-se àsi ameaças interm1s r 
representadas pela . tentação . de certas pessoas . e grupos em e 
reduzir a política a um campo de defesa de interesses 
. individuais e pal'.tidários, em detrimento , do .interesse geral. (' 
Por fiui, contra o economicismo dominante, a filosofia política 
·deve r~afirmar o primado do político sobre o económico, da 
delibei:ação pop~lar sobre os índices das 'bolsas de valor. (' 
. O Si~pósio da ACAFIL· de 1999 p~~tendia antecipar a (' 
natui:eza dos problemas que .iriam supost;i.mente norte·ar as 
eleições que se estavam para realizal'., e subordinava . a . su.a 
previsão aos principais resultados e ao desempenho dos eleitos (' 
na . legislatura · :que estava ·. p~~a ·terminar. Julgar-se-iam os 
c.andida~os, o. governo que chega~a ao termo do seu mandato e 
a~ suas promessa~ eleitorais em função elo seu desempenho na · (" 
primeira .le.gislatura da segunda República. Em consequência, 
ocorria analisar o (}ue tinha siclo, ~ssa legislatura em função das ( 
93 
........... ~ ,. . ·! : , ·;·.··· : · - ~ :.~ .. ! "' : ,- ~ '· .. ·"'.'··::-..- ~ ·. : :..r~ ··'";'. ·:" ~ -r ~· ~· ::~:~~: · 
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promessas precedentes, . das expectativas dos eleitores no 
momento das el~ições, do grau da sua reali:zação pelo poder, 
m as ainda rrnais importante, da capacidade dos eleitos de 
acompanhar as metamorfoses sociais, _de interpretar. e cl.e(ender 
adequadamente os interesses dos eleitores. 
O que é que a.s populações esperavam elo governo 
durante o período de 1995 a 1999? Foram essas expectativas 
satisfeitas ? Uma análise filosófica sobre o .;< objecfo» 
Moçambique tem, necessaria~ente, que partir das análises 
situacionais e locais e estas são . feitas pelos cie11ti~1tas da 
política. O olhar filosófico não se pode limitar a elas, pois, 
e.orno vimos antes, .a filosofia não se pode contentai." exn dizer 
as coisas como estão, mas tem a pretensão de dizer coJ:n<O é que 
as coisas deveriam ser ou estar. "·: :{ :·. · 
· As análises dos soci6logos : ~noçambicanos e estrangeiros 
sobre as votações moçambica.nas ae 1995 foratn unllnin'leS em . 
afirmar qu.e nós fomos votar pelo .fim da guerra. A . adesão 
massiva das populações às eleições da primeira legíslat:t.tra da _ 
segunda República foram interpretadas· em uníssono como 
sendo uma acÇão popular orientad~ para sancionar e legitimar 
o fim do conflito bélico. Se aceitarmos este facto como 
p~stulado de base da nossa análise, temos que admitir, a priori, 
que a primeira legislatura cumpriu com O· mandato q~e lhe foi 
confiado. Durante os cinco anos que se seguiram à.s eleições; 
os deputados da Frelimo e da Renamo respeitaram o mandato 
que lhes tinha sido confiado pelos eleitores. O governo 
g<;>vernou e a oposição . tentQtl fazer oposição no respeito pelos 
papéis . democráticos que lh es tinham sido confiados, sem 
nunca exceder nas suas prerrogativas, mas, sobretudo, 
respeitando a necessidade de prosseguir o conflito ~1ue os 
opunha em termos políticos e no respeito. de um certo.n,úmero 
de regras ditadas pelos acordos de paz e pela nova constit'uiÇão. 
Este facto é tanto mais importante quanto'·à nossa volta. 
· os outros países africanos sossobravam em velhos e. novos 
94 
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conflitos . . No Ruà~da . ou. no Burundi, no Z.imbabwe ou ria 
Guiné-Bissau, ri.a Co$ta de Marfim ou em· Angola, existe a 
dificuldade em enterra:r o que Hobbes chamava de '.« estado de 
guerra» e passar para uma situação, que eu não. chamarei de _ 
guerra por· outros meios como pretende Iyiaquiavel, mas o 
esforço de re-tecer do tecido da irmandade sei.eia! - para utilizar 
a l.ingttagem que prodeligam . nas suas relaÇões recíprocas os 
presidentes Chissano ·e o chefe da Renamo A. Dlhakama. Esta 
ho~enagem é. extensiva aos antigos militares, às comunidades 
que se flagelam di1rante os anos d~ conflitos xP.ilitares . . ·. 
Nes;e mesmo .Período, o . processo de.mocrático e de 
' reconciliação foi . acrescido . e aliment.ado l pelas ' primeiras 
. tentativas de criaç:ão do que commumente se tem chamado de 
sodedade . d vil : . nasceram novas .. formaçõ~s políticas, mas 
sobretudo organizações .cívicas e sociais ; as igrejas começaracn 
~ participar em actividad.e:S de. carácter cívico, educiitivo, 
sat~itário ; nasceram . organizações · 'de jo"(ens e de . mulheres ; 
surgir.a~ u,niversidades privadas, imprensa .' indepei;:ldente e· 
liberdade de opinião. · · 
. A isto .se deve juntar o crescimento econ6mico (PNB); o 
restabelecimento da· rede económica e come~cial, · lançou-se o 
processo de desminagem, a · ·reconstrução da x.ede. de 
· comunicações, a . _luta · co.ntra o que se . chan:i.~u ·a pobreza 
absoluta. 
De uma nianeira geral, ·. ·no Moçambique de i:999 
respirava-se paz, . uma .certa t~anqullidade, ~ma yontade de 
participar, U:n:i . certo cres~irnento económico~ 'uma melhoria 
nas·· condições ele vida das populaçSes, etc. 
· Urna yez mais, se fizermos · fé naquilo ·que segundo os 
.analista_s . políticos · era . o .mandato do povo, a ·primeira 
legislatur,a da segu~.da República cumpriu quase integralmente 
com o ma.ndafo qu~ lhe foi ·confiado. Contud<>, dois problemas 
cruciais surgiram dur~nte a legisla~ura e merecem uma atenção 
95 
.. .. ·~ .... : :·~ t · :.- .'~ ~ ~~:: ··.; .• !.'. · ~ : ~ ....... ·:: :. ;"! ':' .'"!'-·.". : ··~.·~ · ~-!O':· ~ · ... . : : -.. - · · ~-: .. ·· · : ·.:-:~ · ;o- ~·4\'•'• ~:i:::- :.·.~>·.~: :: :-~~ :"' '" . ..- ·-.7:--7.".-.· !':'·7~~--: ~:·_ · .. ·-.· ... 
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especial dá nossa parte: tim económico e outro políüco (:a 
· organização dos podere~ públicos). 
. No decorrer da . legislatura nasceram nas c(iferentes 
c~munidades m~çambicanas novas exigências e problemas, 
ligados ao processo da transformação em curso. Isto não anuléi 
em nada o 01 priori positivo da prixneira legislatura, .mas oi; 
actores políticos e a qualidade de uma legislatura não se podem 
limitar ao cumprimento linear e lato do man&ato popular, pox· 
mais importante e substancial ·que a pa:z · possa ser. A 
legislatura e os actores políticos devem também ser julgados 
pela s.ua capacidade de interpretarem as necessidades 
« movediÇas » das populações que, por· sua vez, dependem de 
mutações sócio-ec~nómicas e mesmo epocais e históricas que 
bruscamente invadiram a vida das populaç.9es. 
As épocas históricas deix~ram de se . poder contar em 
décadas: o que levava anos a ser feito no passado, hoje faz-se 
num curto espaço de tempo. ,A.s mudanças rápidas a que somos 
submetidos pelo avanço tecnológico (internet, televisão) que 
nós não dominamos, a aceleração do processo global que nos é 
imposto pela economia-mundo (privatizações, progJ:amas ·de 
FMI e do BM), as transformações políticas regionais e 
internacionais (SADC, CPLP) que respondem a imperativos 
financeiros, fazem com que as situações reais das populaçqes 
sofram metamorfoses demasiado rápidas. 
. Neste contextQ de aceleração histórico,-temporal, aquilo 
que no meio dos anos noventa era o único objec1:ivo das 
populações - a paz ou pelo menos em nome da qual se 
'mobilizaram para votar - sofreu \.\IIl.a metamorfose. enorme, . 
ligada à dramática mudança da estrutura económica do país;. 
Os actores políticos devem ser julgados pelo cumprimento do . 
próprio ~andato, mas também pela capacidade de defenderem 
' os interesses dos seus eleitores. Tanto mais que a constituição 
moçambicana não prevê quase nenhum espaço de· intervenção 
das populações (como, por exemplo, referendos) · mesmo ·nos 
96 
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3i:ap.des. dossiers nacionais ligados; . por exemplo, às 
privatizações ele bens públicos de importância esi:ratégjca, 
1~àqt.iilo que te111 se chamado a venda do país ou a mudança 
radical da es.trutura económica do país . . 
A conjuntu~a mundial, dominacla por imperativos 
econó~icós, exige das elites políticas e económicas nacionais r 
uma din~ml.cídade de espírito e uma clarividência capazes ele (' 
lhes capacitar para , agirem em · funç.ão dos interesses das 
p'opt:ilações, dos eleitor.es. · 
· No decorrer . da primeira. legislatura, o elemento paz, 
sem nunc~ pen~ei: a .sua importância e primordialidade, foi (' 
. rapidamente igualado e mesmo ultrapassado pelos imperativos l 
económiços ligados às mudanças radicais q~e se operaram na 
. gestão do país e na sua orgari.i:zação _social~ O pei:íod~ ç~a (' 
primeira legislatura foi marcado pela mv:i:~ao da tendenc1a 1 r 
económica de natui:e:za distributiva e plamficada e d-e toda a l 
1Hmensão social . que a acompanhava, para unia orientação (' 
individualista, concorrencial e toda a dimensão de violência 
~cicial e .de competitividade que a caracteriza. Isso .trouxe r 
c.onsigo . uma . mudança rà..dical, não . ~{> na' · o~gani:zação ( 
económica, mas .também. na estrutura socu~l e relacional. entre · 
o~ cidadãos. , 
O período da primeira legislatura.' coincide . com · o 
incremento. dos investimentos estr.angeiros, sob a forma de 
·empréstimos com as con~qu,.ente.s '.imposições de polfri~as poi: 
p~rte dos organismos internac~onais : paí~es estrangeiros. ~ 
· ' acumulou dívidas colossais e foi ·obrigado a proceder a 
~u . ·. . h 
privatização de · infra-:estruturas qu~, 1 até então, tm am 
. simbolizado .· parte da identidade nacional • (basta pensar na 
indústria do caju). · Não· faço . um juízo . de valor. Constato 
. • · 1. ·. nte que o povo não · só não era consultaclo na. simp esme · . . . . . . . - d 
transformação radical da so<;ied.ade e . ·na . pnvat1zaçao os 
~spaÇos de importâllcia vital, e s~~b~lic~· O que sob o ~ont~ ele 
. vista ·político .me parece problemat1co e q1:1r o povo nao tmha 
97 
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nenhum mecanismo de . participação, nem sob _ a forma de 
referendo, nem pressionando os seus· eleitos a defenclere1:n os 
seus interesses e a sua visão da sociedade. 
A esta défice jurídico e constitucional deve-se 
acrescentar as dificuldades nacionais em tet1µ.os de 
comun'icação (televisão, . rádio, jornais), o nível de 
analfabetismo elevado e, ainda . mais importante, a 
discrepância entre as concepções político-culturais das 
populações e o tipo de democracia est,abelecido. 
A questão filosófica que se põe é a seguinte : como fazer 
com que a democracia · não se transforme num jogo ele elites·, 
que a maioria da população possa, de .facto, participar çom 
conhecimento de causa, não só através de um boletim de ,,;ato , 
de cinco · em cinco anos, como uma assi~atura de. cheque· em 
branco para as elites políticas que Se sentem legititnadaLS a 
fazer privatizações que vão em detrimento do povo que nelas 
depositou confiança ? · 
Se quisermos ser mais explicativos podemos. dizer que 
três níveis ele problemas manifes~aram-se no desenrolar-se 
mesmo . da primeira legislatura : o papel . do novo est:lldo 
moçambicano na nova sociedade moçambicana, . a questão da 
represent~tividade e a . soberania n~cional face à comunidade 
internacional. 
O papel do novo Estado m0Çan1bicano na nova · 
sociedade moçambicana . . 
É de uma evid&ncia «a la palisse ». ql.\e a .natureza . do 
Estado moçambicano da segunda República é radicalmente 
diferente da nat~reza do Estado da· primeira Repúblic~. Na 
primeira República; os fautores e os executores da política 
estatal conheciam exactarriente o lugar de cada um e o que 
tinham que fazer. Podemos dizer que o Estado moÇambicano, 
pela sua natureza libertária e sócialista era, ·não direi . 
98 
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pr~videncialista: mas distributiva. O papel de cada funcionário 
rlo apa•elho do.Estado, deste o ministro até ao servente de uma 
escola primária, e"ra estar .ao serviço do · que ,se ·acreditava ser o 
interesse dos . moçambicanos. · O Estado 1 ~oçambicano era 
í.mplacáv.el contra tudo que, d.e longe ou de perto, se. parecia 
com. a corrupção, desvio de bens públicos, tentativa de 
emiquecimento pessoal, acumulação individual, ~te. 
·Os valor.es moçaml;>i~anos eram contar com as pr6prias 
forças, o amor· pelo trabalho, o direito à esco~a, à educação, à 
saúde ; era 9 . facto de que é~am.os socialm~nte responsávei's uns 
pelos outr~s ; era . . a luta · contra todas · as formas de 
~iscriminaÇão, qtier ela ,fosse de raça, de etnia", de tribo, d.e 
região', 'etc. "Estar ao serviço do 'nosso po'vo era um valor, 
participar na construção de Moçambique atra,vés do tr'abalho e 
dedicação era um valor. Estes valores constituíam o essencial 
. daquilo que era ou devia ~er o ·Estado. Esta era a maneira 
através da qual o Estado. estava (ou pretendia estar) ao serviço 
das pop~lações. . . . 
.Ma~ apesar das intenções excelentes, · e'sse Estado era 
habitad·o por c~ntradiçÕes 'intrínsecas que acabaram anulando 
a · grande%a dos objectívos precedentemente anunci~dos. A 
dinâmica participativa estava ,subordinada a uma ideologia 
. tuiilater~l de uµia · única família poHÚca, que ~e anogava deter 
a única visão justa .para· a construção do país. Essa ideologia 
políti~a é compreensível 'no, .quadro da divisão d.o mundo que 
então $e ·viyia, ape5ar de. a Frelimo se ter.visto .forçada a a4erir 
a .um dc;>s lados sem e~tar n~aessarÍamente C:ortvençida· do .bem 
fundado da sua·« opção » Ídeolqgica. Ali~s, .esta tese encontra 
uma confirmação na adesão sem reservas da maioria d~ class.e 
política de esquerda: às teses. e às · posiç~es ultra;liberais que 
repentinàmente· irromperam ri.a. vida social moçambicana 
durante o início da segunP.a República. . . . . 
. De·um dia para o ou:tr'o .as ~~isas mud'aram. Era como se, 
de repente e sem aviso :E>tévio, nos encontráss~mos diante de 
.99 
. . ,• .... • 
' " 
.. , . · ' ·, '·-: -··· :·. :.,,..~_. -: <:~-;-·J ~.:-;_ ~· :~:._::- '.· · .... ::.~""::>;;-'"7:-'• • 'T ~"'·:· ·~· · ~ ·-~:'"".~-.· :,::- : ··:7.·~· ---: M' r.--~·:~:·; ~-·-= ~'. · :~ · ·:\· ·:·: 7' ~ .. .:-:-·rr: ~~ ':""'~~· ... :"'~~~· .. 7·:-;-:·~ - -.: ··:· · ... ~ · · ... · · · -
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uma passagem de ·nível sem ·guarda. Nesta muclança. que 
corresponde à mudança das relações de força n.a p~lítica 
mundial, a sociedade moçambicana viu-se, de um. dia. para 0 
outro, radicalmente mudada: de uma economia 'planificada 
para uma economia selvagem .. Não digo lihera.1, ·digo selvagem, 
porque o liberalismo tem ·regras. Por exemplo, ·se o pressttposto 
é a livre iniciativa dos indivíduos e a possibilidad~~ de 
concorrerem uns com os outros .(Bentham.), a situ:ação 
moçambicana não se prestava a isso, c1uer po~que: as 
populações_ não tinham formação. e informação, quer porque 
não tinham os meios financeiros necessários para entrarem 
neste tipo .. de economia. Abanc!onar as populações de um 
momento para o outro ao volante de um· Porsche que vai a 
duzentos quilómetros à hora sem lh~s . terem previamente 
ensinado a conduzir, significava condená~los inevitavelm1ente 
ao desastre. 
Todavia, esta nova política, co~o ~líás a precedente, tem 
que ser julgada sem apriorismos nem romantismos de todo e 
qualquer tipo, . mas à luz do p~radigma lib~rtário. Se elá é càipaz 
de incrementar o espaço de bem-estar para a maioria dos 
moçambicanos - os objectivos morais do liberalismo como1 foi 
pensado pelos seus paill ·era .trazer a maior felicidade para o 
maior número de _indivíd':'-os" o que corresponde ao conceito 
grego de eudemonia-:- então temos razão de 'defen&ê-la. Se não, 
ela tem quer ser severamente criticada e combatida. · 
Ora, a · mudança política e ec.onómica comportou uma 
mudança nos métodos de· . governação e nas prestações dos 
poderes públicos. O" Estado-da primeira República pecava pela 
sua . pan-presença. Ele decidia pela educação, pela saúde, pela 
moral pública e individual, pela justiça, pelos v~lores 
individuais e colectivos. E para isso combatfa os alicerces • 
individu.ais e culturais dos i:Í\divíduos e d.os grupos. 
A s~gunda República· tomou uma postura i.nversà. Ela 
peca pela sua ausência. As populações não sentem no Estado ·-
. . . . 
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desde as instâncias mais elevadas até ·ao servente -1e. . u um.a 
·: escola ot.t "dum hospü:aJ. . - «uma pessoa jurídica ~~ que está 
p:cesente e , ao seu serviço. O Estado ficou « dól.;,r-crático ». \ 
Tudo s~ faz em função . do rendimento, do ganho, das 
. mordomias . . O funcionário <:lo Estado transformou-se de (" 
servidor público em servidor de si próprio, ínst :rumentalizanclo (' 
· o privilégio que o seu lugar lhe concede. O funci~nário não 1 
serve : serve..;se. Esta situação .está em discrepância com a ideia 
que as l'~pulações .fazem de um funcionário. A ~deia q,_,e as (' 
pessoas tem .de um professor ·é de um · homem que é um~ 
i·ef~rência. . p.é!ra . as . populações, não · só pelo ~éu sabet, · ' ~mas (" 
t~mbém pela sua cond~ta moral. Ver um professor a vender 
notas e proy\is de exame é'., simplesmente escandaloso. · Ver 0 
hospital transformado ·num comércio ia contra a ideia que .as 
populações tinham da . deontologia médica, mesmo sem 
•.:onhecerem o juranlento de Hipócrates. , 
Apesar do famoso cresciment~ económico e dos índices 
do PNB, a situaÇão qas populações piora, a qualidade do 
ensino piora. Aos jovensdá-s'e a conS"Llm:ir uma cultui.-~ feita de 
telenov.elas e · de slogans tipo « 2M nossa: tradição r,,os;sa 
cultura»>~ ou e1-itão <~ a ,nossa cerveja, a nossa maneira de ser e (' 
de estar ». o tratamento nos :hospitais depende de dólares, a r 
boa escola ·custa caro, todas as coisas a que as populações &e .· 
babco 11ão se podem permitir. Isto põe um problemà enorme de ( 
justiça, a nível distributivo e a. nível de sai-ição jurídica. ( 
Um dos primeiros ·sinais da ausência do Estado foi dado 1 
•:iuando as' populaÇõe~ começaram a fazer justiça com as 
próprias mãos. Muitas vezes queimava-s~ um miúdo que 
roubara para comer, quando funcionários do Estado e outros 
desviavam coisas muito mais consistentes - esvaziaram. 
l.iteraimente os cofres . do Ban~o A ustrai, venderam bens 
essenciais do Estado a estra~geiros ou que têm 500 mil dólares· 
para comprar apartamentos . :- e eraan indemnes . a qualquer 
sanção. Esta.violência soi_::ial, ·porque é disso que se tira.ta, tem 
101 
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que se.r analisada em todos os seus parâmetros. As populações 
começaram a ser violentas. Podemos dizer aue os rtliúclos clà 
rua são v~olentos, há assassinatos na cidad~, assaltos à mão 
armada que culminaram em violênc~a;.~spectáculo, com ·a 
rriorte de Carlos Cardoso e de Siba-Siba Macuácua. Todavia, 
toda esta violência pode ser conduzida à « dólar-cracia » : a 
instauraÇão do dólar em valor supremo da nossa sociedade. O 
fi.m, « dólar » 1 justifica todos os meios. 
Então, ao mesmo tempo que o número e a qualidade de 
carros e casas de luxo aumenta na cidade, as viagens para 
compras · . na RSA, . na Suazilândia e mesmo Portugal 
aumentam, que se multiplic:am as viagens para Dubai, para 
bronzear-se no Estoril ou para o C~rna·val no Rio, o número c.l~ 
pobres, de miserávei~ não cessa de aumentar. O nún'lero de 
doentes que morrem de malária devido à falta de sanea1nento 
de meio aumenta. 
Assim, . a , segunda República muito depressa oscilou ela 
democracia à « dólar-cracia ». Com a passagem da primeira à 
segunda República, deitou-se fora a água suja e o bebé. V àlores 
verdadeiros para qualquer sociedade foram negligenciad:os, 
deliberadamente omitidos ou mesmo invertidos. . 
Durante o período da primeira República nós cantámos 
que a linha de ordem do nosso povo era a unidade, o trabalho e 
a vigilância. Podemos perguntar se est~s valores não têm ~odo 
o seu lugar no Moçambique de hoje. Em que é que a unidade 
· pode ser identificada com um regime político? A unidade do. 
nosso povo, contra o tribalismo que está em voga, o 
regionalismo e o .racismo não constitui um: valor essenc~al p:ara 
o Moçambique de hoje ? O trabalho, o facto de contar com as 
própr~as forças, num mundo de a.>sistÍdÓs e objecto das. ajudas 
e caridade internacional não· é um valor a · cultivar ? A 
vigilância contra as · divisõ~s, ·com 'o perigo de recair no 
colonialismo, na dominação não é um valor a cultivar e a 
defender? 
102 . 
• .. : . 
" De fac~o, a fale~ desta vigilância condena a maior part~ 
da população, os mais fracos, a processos que recorda;m muito 
o que era a,. época colonial, mas sobretudo distancia o Estado da 
sociedade. Vale a pena r~cordar o debate por.tuguês44 em vok.a 
· da Sociedade de Geografia no fim do século XIX, depois do · 
ultimato cjue a Inglaterra impôs a Portugal. .Homens como Eça 
de Q.!ieirós pen.savam que Portugal de.J.e:i:ía desinteressar-se 
dos « selvagens» que viviam na colónias. Aliás, Portugal . 
tinha-se mostrado mau colonizador e isso só. lhe tinha valido 
· · . frustrações e humilhações, desde a perda do. Congo a favor do~ 
.· 
belgas até ao ultimato britânico. · 
Contra estas teses, jhvens como António Ennes 
defendiam que . era necessário ter colóni!as rentáv-eis como 
moeda· de. troca para melho.r integrar a Europa. Para isso, 
Portugal teria primeiro que pacificar as suas terras, controlá-
las com militares e com ~ administração, e assim poderia dizer 
aos parceiros. ~ . tenho . . terra para cultivar., militares para 
defendê-la e, sobretudo, pretos para trabalhá'~ª· F;ra o início do 
trabalho forçado .que · .acabou substituindo a recém . extinta . 
~scravatura pelo chibalo que. faz da colonização portuguesa 
uma das mais . cruéis e os ·povos de Moçambiqu~ dos mai.s 
sofredores.· · . 
Qyando vejo certas práticas a q~e se pr~tarn certas elites. 
:. moçambicanas, como acordos de par.ceria ~om eni.presa.s ou 
indivíduos sem escrúpulos,. acordos q.ue não; t&n em conta os 
interesses · das populações, pergunto-me · se o discurso ·é: 
·. diferente. ·do discl.irso de Ant6nio lEnnes. Mas, sobretudo,· o 
. 
1 
·risco . maior é c.ondenar as populações mais fracas do nosso 
povo ào· novo chibalo, evidentemente ' com a nossa 
cumplicidade. 
44 Andrea Bignasca, La sing~larità terriqik dei colonialismo portoglr~e : -il . 
dibattito dellaSocietà dí (Jeogrâjia. Roma : Arma:.ndo; 1971: 71-82. · · . · 
. ~. 
103 
•·. 
1 • • • 
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§i ·. _ __. : . 
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Aliás, não é a primeira vez : todo o .sistema de 
dominação do nosso povo contou sempre com· a cumpli~idade 
de, ~rup~s entre nós. · A escravatura . foi facilitada. por certas 
vrat1cas internas pela cobiça e sobretudo pela falta. do sentido 
históriço, pois quando o momento chegou vendedores e 
vendidos tornaram~se todos escravos e colonizados. 
A falta de ·sentido histórico seria pensa.r qt.te nós, 
pequenos grupos, constituiríamos as excepções ele um pi·oct:sso 
neocolonial no qual somo~ .ºu podemos ser cúmplices. Se a 
questão é dinheiro, então s·omos mai~ baratos que os nosso 
p;edecessores. Temos que lembrar que' um espiI~garda no 
seculo passada era mais difícil de construir que um IVlercedes 
hoje. se-,~em~s que . r:a_s ve~d~r para obt~r Um carro, iemo~ 1que 
pensar nao so. na tra1çao htstorica para com os nossos e a causa 
negra de ·uma maneira geral, mas também no preço dessa 
mesma traição. 
Podemos considerar que . a Frelímo traiu a sua causa ? 
Aque~a mesma Frelimo qu.e era co~tituída por rapazes . e 
raparigas que estavam di~postos a morrer todos· os &ias 
~urante dez anos em nome da liberdade do nosso povo .? O qu~ 
e que aconteceu? 
Aos ve~cidos não se pede opinião._ Não foi, ~m primeiro 
lu&ar, a Frelimo que ·mudou. Há um facto que ninguém quer 
reconhecer, ·mas· que é fundamental para entender 0 
Moçambique ~e hoje e as circunstâncias das ·nossas . vida:5 e 
ac~ões. Se raciocinarmo~ em te~os libertários podemos . 
afu:mar de uma maneira apodíctica que face à intransigência e 
ao anacronismo ·histórico do fascismo português · n6s 
1 . d b . ' ' co omza os e em usca da liber.dade.:.independência, fizemos 
u~~ guerra justa e ganhámos. A guerra não .foi ganha 
militarmente, mas o terreno de batalha não era esse. O terreno 
de batalha · era político e foi ·um acidente histórico de • 
responsabilidade portuguesa que obrigou Moçambique e as . 
outras. colónias portuguesas - · fossem a excepção no contexto 
104 
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africano · - a . pegar ·em armas. Ma~ com . o 25 ·de Abril ess; <' 
anomali~ histÓrÍCé! foi corrigida e abd~am-se as portas para a 
independênçias polítiCas das então colóJ;lías portuguesas. 
Na .Dimer1são moçambicana da consciê11cia ltistóri.ca defend 
que a Frelimo não escolheu o comunismo: foi-lhe imposto po ( 
um processo histórico-político: Agor.a, :tristeme~te, tenho qu r 
defender .que o liberalismo selvagem em curso não é tambér 
resultado de um escolha, mas da. derrot3: na segunda guerra. D 
~ac~o1 os objectivos .·libertários da primeira guerra .forax: (' 
derrotados na segunda guerra. · (' 
O período ~ue :t-~i de 1945 até 198_9, ~omo _já_ se escreve \ 
enormen.:iente, fo1 clo~mado ~elo confhto ideologtco que opô ,_ 
o bloco: chamado . ele esquerda ao bloco de direita. N á 
entramos neste conflito pela janela da nossa vontade de no r 
libertarmos 'do colonialismo.A prova da nossa · participaçã 
1 
periférica está no facto de termos pàrado com a guerra ri 
momento me~.mo em que· os · generais R.. Reagan e lV (' 
. Gorbatchov assinaram o armistído do fim das_ hostilidades . . 1 r 
·g~erra ~erminou com a vitória do bloco da diréita . . Dado qu ( 
nos es.tava1nos no bloco da esquerda, pe['demos. Temos que te ' 
a coragem de dizer que se ganhamos a gue:n·a de libertaçã . 
(nessa luta nós · estávamos no· sentido da história, contra ( 
~riacronistno hi~tórico do ~olonialismo português), perdemos 
· segunda guerra. · . .. 
Ô fim de todas as ·. guerras é concluído co.m « actc 
cívicos» · nas q~ais as p~~te~ s~ encontram, com. aparent r 
cortesia e mesmo cordialidade, bem v~stidas e engravatad~ \ ' 
para o processo d.e 'diálogo. Na realidade, trata-se de ur 
encontro humanam~nt:e duro e humilhante para os vencido. 
. durante o qual os vencedores. dit;am as suas condições. 
No panorama· geral do conflito da 'guerra fria, a princip• 
discussão do armistíCio foz-se em Helsínquia e te,~e com 
protagonistas principais Reagan e Gorbatchov. Assinado 
documento principal, . deixou-se que a resolução 'de detalhe e 
105 
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ficasse a cargo dos burocratas ou dos oficiais subalten1os, mas 
sempre no espírito da carta fundamental. Isto explica que os 
acordos de paz moçambicanos tenham sido assinados numa 
insignificante comunidade d~ Roma sem t~adição nem prévia 
experiência política. · 
Se a Renamo tinh~ sido um .bom pequeno batalhfüo no 
interior da guerra fria, ·nós sabemos pela história que 
muitosgenerais e exércitos, indispensáveis durante . os 
conflitos, tornam-se problemáticos no fim destes mesmos 
conflitos. Basta pensar na sorte ambivalente que conheceram 
os soldados da armada invencível de Carlos ·V e de Isabel a 
' . . ' 
Católica : heróis duran~e a guerra contra os « mouros » e peso 
e perigo para a m~narquia logo depois da guerra. Aliás, alguns 
historiadores
45 
sugerem mesmo que Isabel, a Católica, teria 
dado uma frota Marítima a Cristovão Colombo, não obstante 
a opinião contrária dos sábios de Salamanca, como forma de se 
libertar de militares incómodos cuja chegada a Índia ou 
regressa · a Espanha estavam fora de quaisquer previsões 
científicas sérias. 
Os vencedores da guerra deci~ira1n que em 
Moçambique, a Frelimo -renovada -· nom~ que nunca tomou, 
mas devia ter emprestado da U nita renovada ~ fosse a melhor 
força polfrica para governar Moç,ambique. Co·m efeit:ó, a 
natureza do capitalismo é J:lão t-er tempo·. Dado que a estrutura 
administrativa de Moçambique tinha sido escangalhada e 
recomposta por esta força política; para o funcionamen:to 
eficaz e imediato de um liberalismo que em termos de 
eficiência e comprimento de prazO'S e datas é mais rigoroso 
que os sistemas de esquerda, o melhor governo seria 'º · ela 
Frelirrio. Dava-se a Frelimo o mamh.to de governar com 
orden s precisas : utilizar as p róprias estrutura.s para . 
45 
Pirlo Damaso e Stefarua Graziosi Cario V e Isabella, controversia corz i 
saggi di Salamanca. Torin:o : Einau<lÍ, 1975. 
106 
e~scang~lhar o munus socialis~a e colecti.vista que ela mesmo 
. tinha criado, introduzir o . cap:italismo cOµtra o qual tinl1-a 
lutado -' sistema ·que. tinha sido historicamente respo_nsável 
pela submissão dos·inoçambjcanos. . . 
Aceitaria a · F relimo destruir o · que ·ela mesma tinha 
construído -? Aceitaria dizer às pessoas que tinha· educado que 
· o horri.~m novo agora era o capitalista, que a palavra de ordem 
era acumulação individual, era a exploração d~ mais fraco ? 
Aceitaria a Vrelimo dizer que, : afinal de contas, ~ roubo e a 
desonestidade. eram ·valores?· Aceitaria a Freli1no transformar 
as funções .estata:is de serviços para o ~aior núme1·0 ei:n , . · 
lugares de ~pro_pr_iação e de acum~lação? Aceitaria a Frelimo · 
destruir . . a sua ·. lealdade coi:n os camponeses, . com os 
combatentes da independência ?. 
·A ·. bola ·parecia esta,r no campo' da Frelimo: ou ·ela queria 
J)erman ecer coerente consigo própria e, então, reconhecia a sua 
derrota e reÜrava-se; ou então ela se metamorfoseava .e 
tornava-se um·a « Frelimo r.enovada », atac!ando o poder a todo 
. o. cu.sto. Existe; teo~icamente, ·a possibilidade de. a Frelimo "ter 
· aceite a sua nova condição como forma de r~sistir, na medida 
do possível, aos .. ditames 4os vencedores a f im de con,tintiar a 
defender os seus valores oríginais. . 
·Então a ·Renamo estava condenada a :ser oposiçã9:? A 
nová mi~são do pequeno bataihão era ser U1T4~ pistola apontada 
à têmpera da . nova Frelimo, . governante. ~e a Frelimo se 
com.portasse bem, a Renamo ·continuari_a na oposição _ quer ela 
. quisesse ou n ão. Se a Frelimo se com portasse mal, a oposição 
premiria_ o. gatilho e a Frelimo saltaria. Só que a Frelimo 
mostrou-se mais liberal do . que era previsív~L. Isto leva-me a 
pensar que muitos socialistas da primeira ~epública n~o o 
eram por convicção, mas_ por "imposição ou por -oport_umsmo 
político. · 
. A putir do momento· em que a F relimo jogava bem o 
jog9 liberal, a Renamo transformava-se num ~spantalho que só 
. . . . ' . ·. . . 
107 
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serve para afugentàr pássarçs. Mas as duas questões de fundo 
·são : primeiro, a . Frelimo ultraliheralfaou~se estrategicamente 
como forma de _manter o poder (~ servir _os interesses dos 
moçambicanos) ou· como est~atégia de enriquecimento de um 
certo ·número de indivíduos ? Se foi uma . estratégia para 
conserva~ o poder, que fim tem o novo poder e gov~rn.o da 
F relimo ? Segundo : a comunidade internacional, virando as 
costas à Renamo e seguindo a estratégia da Frelimo; levanta o 
problema elo futuro da democráda e da sua legitimação em 
Moçambique. 
A questão da legitimação 
A participação nas eleições de · 199.4, mais do · que 
legitimar as novas forças políticas . em presença e ª. nova 
governacão nacional, era um assentimento que ia mais · em 
direcção da necessidade ·de terminar com a guerra e todas as 
consequências que ele comportou em termos de acentuação da 
pobreza, da fome, da imigração das populações do campo para 
a cidade, · etc. Mas, de nenhuma mancira, uma legitimação 
política. Com efeito, ninguém pode legitimar o que não 
conh ece, e nenhuma legitimidade é possível (legítima) se ela 
não parte e rião se alimenta do substracto m-ental, cult~ral e 
filosófico ·do povo que deve supostai:;iente governa.r e 
representar. 
Ora, as estatísticas mostram que mais ele noventa por 
cento dos cidadãos moçambicano·s não possuem os· apetrechos. 
intelectuais necessário.s para participarem, e por con~eguinte, 
legitimarem uma democracia, cujos paradigmas respo11de~ a 
pressupostos culturais f! históricos ocidentais; . 
Por outro .lado, todos os trabalhos de :história . e de 
antropologia levados a cabo sobre · as diferentes .c.ulturas 
moçambicanas (cfr. Documentos de ~ntropologia moçambicana, ;. 
Lisboa, . r996) mostram que. a participa'ião popular. na coisa 
108 
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pública e os diferentes sistemas de goverp.ação das culturas (' 
nacionais, diferem e~ toda a medi.ela do sistema c~nstitutivo e 
. da organiz~ção dos poderes públicos actuais. . . 
Todavia, e não obstante . as afirmaçõe·s precedentes
1 
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eleições _políticas de 1994 marcaram o início ·de uma nova 
legitimidade políti~a, não fundada sobre ~ tradição ou sobre a r: 
for.ça da~ a:rmas, mas pelo princípio da s~beranía popular.A (" 
noss;i qu~stão será justamente de nqs interrogarmos quantoao í" 
estatuto político desta nova legitimação. . ' 
Em.Mo.çambique, o nascimento do projecto nacional est,á 
indissociilvelmente.liga:do aos nomes de Eduardo Mondlane46 r 
'e. da Frelimo'. As 'luta_s dos po~os africanos pelas próprias ( 
liberdades, na qual se situa o pro1e:cto de Eduardo Mondhne e 
da . lFrelimo, inscrever.àm-se em dois 1novimentos históricos 
opo_stos. · O primeiro inscrevia-se e :fundamentava-se n o 
substra:cto cultural dos diferentes povos autóctones, bastando r · 
pensar nas luta$ ·dos I\.1acondes, dos Chopes ou dos Senas. 
. htluitas vezes povos di.ferentes, . mas . c~lturalmente afins e 
· geograficamente condguos juntaram . as forças pua 
combaterem juntos o colonialism.o, visto. como um inimigo 
comum. Toda via, por falt~ de uma estrutura orgânica milita:. e 
tecnicamente capaz .de fazer frente aos poder~s europeus; este 
movimento não deu grandes resultados em termos de: e 
liberdaçle, configurada como independência. 
. O segundo tem o seu fundamento na · históúa do 
mo;imento PaO:-africano . . que nasceu com •os · negros da 
diáspora i República das ·Palmeiras no sécµlo XVII no Brasil, (' 
Haiti de Toussant Louverture no século XVI II, os marrões da 
~6Citado .. por Ngoenha, Para uma reconciliação entre. a Politica e a(s) 
. Cultura(s). Programa de reforma dos órgãos locais . (PROL), Texto de 
Discussão Nº j, Ministério da Administração estatal (MAE), Editaào por J. E. C-
M. Guambe e B. Weuner,.Maputo, Agosto de i997 : 14. · 
109 
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Jamaica no século )GX, mas, - sobn~tudo, . as metamorfoses 
históricas e culturai~ dos negros nos EU A : 
São as din~micas pan-africanas e pan-negrista em tomo de 
Dubois e de Marcus Garvey que constituem a ligação ideolâgica de 
. . . 
integração do movimento "afro-português". A participação nessas 
correntes lil1ertad01·as (operadas, aliás, separa.damente, pela.<; duas 
organizações) acompanl1a-se do fascínio exercido pelo universo dos 
negros americanos . - as etapas de uma história, desde os horrores da 
escravatura à línha de cumes alcançada nós domínios do saber, 
ciência e. tecnologia, letras e artes, desportos. Um referente 
privilegiado do renascimento áf-riccr.nci47• 
Os primeiros movimentos eran1 · culturalmente 
homogéneos, tinham as suas delimitações geográficas e 
políticas bem definidas. As fronteiras traç~das ou reconhecidas 
_ por Berlim eram · para os diferentes povos, entidades g~o­
políticas demasiado extensivas, · mas sobretudo não 
correspondiam às d.inâmicas políticas próprias dos difernntes 
grupos nacionais. As entidades políticas forjadas pelos povos 
africanos (Estados, . Impérios) não paravam sempre nas 
fronteiras étnico-tribais, bastando pensar no império de (~a:za . 
ou no Império do Monomotapa. Contudo, a extensão de un:ia 
identidade política a grupos culturalmente heterogéneos ~i:a 
acompanhada por uma série de med.idas de inserção jurídicà, 
47c· d ... . 
Lta o por NgoeLma, Para uma reconciliação entre a Política e a(s) 
C~t!tura(s). Programa de reforma dos órgãos locais (PROL), Texto de 
Discussão Nº 3, Ministério da Administração estatal (MAE), Editado por J. E. 
M. Guambe e B. Weimer, Maputo, Agosto de 1997: 15. · 
110 
<. 
. econ6~íca, · políti~a e ~ultural que se inscreviam nas ainat:nicas 
.. culturais autóctOJl,es48, Todavia, .nenhuma . destas dinâmicas 
corr.espondfa nem geográfica, nem politicarr+ente àquilo que os . 
po~:tugtteses cham~ram Moçambique. 
1 
. . 
Se a entidade "Moçambique~' era (como, aliás, todas as 
. colónias afric;~nas pós-Be~lim) demasiado grande sob o ponto 
de vista geográfico e culturalmente heterogénea em rela.ção às 
dinâmicas políticas aut6etones . ·a Moçambique e a .África, ela . 
era, . ao " contrário, demasiado reduzida .em relação aos 
.obj~ct~vos pri~eiros do pan-af:r;,icanismo que prospectava uma 
11nidade ·política de todos os negros do mundp no solo '!ottkano 
(Delany, Marcus Garvey ) . . Os . ?bjectivos do' movimento Pan-
. africano . foram~se reformulando sem nunca,. contudo, 
ren~mc;:ia~em ao obje~tivo. d.e unir politicame~te a. África, como 
testemunha a obra política e Hte.rária de K. Nkrumah l}frica 
Must Uttit, ·ou ·mesmo os esforços ~a criação de uma Africa 
federal de Duboi~ ou, ainda, de P~trice Lumuinba; 
Eduardo Mondla~e, com.o K. Nkru14ah ou Azikiwe, 
pert~nce por · f".rmação e convicção ao movimento Pax.i-
a&icanó cujils ideias ·tiveram. um impact9' :considerável nos . 
anos em que ele viveu: e estudou .nos EUA.:·A prop6sito das 
origens da· noção d~ unidade africana, Mpndlan,e põe em 
evidência o papel precursor da liga africana, ·4.riada.em Lisboa, 
eIJl 1920, num Portugal ainda RepubH.cano e .democrático e que 
·acolheu, em. 1923, a segunda .sessão do IH ;.Congresso Pan~ 
africano. Segundo 'Mondlane, a Liga tomava posição não·.só 
pela unidade i:iacionai, mas també'm pelJ unidade entre'· as 
c:ol6n,iâ.s em lut.a . contra a mesma p<;>tência colonial, pela 
unidade africana contra todas as · potências ·colonizadoras e; 
48Citado por Ngoenb2., Para uma reconciliação entre a Política e a(s) 
Cultura(s). Programa de reforma dos . órgãos Jocai;'t ·(PR09, · Texto de 
Discussão Nº 3 Ministério da Administração estatal (M.l\E), Editado por 1. E. 
M. Guambe e B. Weimer; Maputo, Agosto de 1997': 16. · 
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finalmente, pela unidade de todos os povos negros oprüniclos 
do mundo49• 
Contudo, a acção política de Ed~ard,o Mondlane e da 
Frelimo foi precedida e condicionada por dois factos políticos e 
históricos importantes : a partir do congresso P~n-africano de 
l\!Ianchester de 1945 fala-se abertamente. e, pela primeira vez, 
da questão de autodetermin~ção dos povos africanos. Mas ao 
mesmo tempo, ó congresso observou que « as divisÕ·es 
arbitrádas e as fronteiras territoriais delimitadas peb.s 
potências coloniais constituem outras tantas medidas 
deliberadamente tomadas para impedir a unidade polítiça ela 
África». 
Se a questão . da independência esta~a po.sta:. sem 
equívocos, J:.~stava delimitar o quadro geopolítico no qual estas 
. independências ~e deviam inscrever : etnias, antigos Estados 
africanos, zonas economicamente viáveis, ou espaços coloniais 
delimitados em Berlim ? . 
O co-presidente do congresso de r945, Dubois (com 
Carter G. Woodson, :fundador da Associ~tion for the Study 
of Negro Life an History em 1915) foi tam,bém um dos 
promotores da redescoberta da história, das . tradições e da. 
cultura da Áfríca pré-colonial. Contudo, ele pensava - como, 
aliás, todos os ' líderes políticos da época - que a África 
fragmentada não podi:a., por. si . só, na sua própria terra, · tomar 
cla~amente consciência da sua unidade a rião ser sob a formal 
de uma muito vaga comunidade !Íe origens e de tradições, 
consideradas num sentido ~uito geral. . De facto, a noção de: · 
Pan-africanismo era .afectada por um alto grau de abstracçãó 
em relação à realidade. Tratava-se· mais de um~ doutrina 
49Citado por Ngoenba, Para · uma reconciliação tf!lltre a Pplítica e a(s) 
Cultura(s). Programa de refoni:ia dos 6rgãos locais · (PROL), Texto d~ · 
Discussão Nº 3, Ministério· da Adnúnistração estatal (MAE), ,Editado por J. E. 
M. Guàmbe e B. Weimer, Maputo, Agosto de 1997: 17. 
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cultural (ou do reconhecimento de uma unidade espiritual 
. 1 
entre negros, co1;n o d issera Langston Hughes) do que de uma 
verdadeÍI'a ideologia política; Foi o que fez Azikiwe com o seu 
Ren+!scent Africa .de l93i-, Cé~aí~e no C~hier d'.un :etour o.:u p~ys ( 
.natal, a revista Presence Africarne, ou ainda Che1k Anta D1op 
com as Nações negras e cultura~ 
. Por ·falta de uma ideia clara de unidade emesmo de (' 
condições práticas para que essa unidade fosse possível, r 
começou-se a falar de ul}idades regionais . Mas uma vez mais ' 
tinha~que ' ;e defoi:ir os ~ontornos políticos e jurídico~ de tal e 
unidade. E, sobretudo, dcl"inir-se se tal unída_de devia preceder 
"ou vi~ depol s das índep~";idências d~~ · delimitações individuais (' 
daquilo que era_m os Estados colon1a1s. Este assunto esteve no 
centro do debate político entre os anos 1957 e x959. ' r 
Em 1961, um ano antes da fundação da Frelimo, a A frica r 
independente divide~se clarament e em dois gr upos: o grupo de 
Ivlonróvia e o grupo de . Casa Blanca. Contudo, a · ideia que 
· prevalece· é que a unidade que é preciso reallzar n~ste 
m.omento não é a integração política dos Estados Africanos · 
soberanos; mas a· u1;üdade das aspirações e: da acção, <lo ponto 
de . vista da solid~riedade social africana e da idení:iqade 
política. e 
O Pan-afrícanista e funcionário das Nações Unidas, í 
E.duardo Mondlane,· ao fundar a Frelimo, sabe que o quadro (" 
geopolítico . das lib~rda:des {independêncías) ~ af~icanas por 
vontade da . ONU, g4 iada . pelas mesmas potencias que em 
Berlim tinham~ cinquenta . anos antes, div~dido o continente 
. s~m se preocuparem nem cqm as .culturas nem com. os homens 
. n~grqs ·q\:\e nós somos, com a · conivência dds novo~ dirigentes . 
africa1.~os, deve. ser ó espaço ela colonização europeia, portanto ( 
port~guesa, para Moçambique. Isto quer ~i.zer : do Rovuma ao 
fyiaputo. . . 
· or·a, neste espaço geopolítico tinham, precedentemente 
surgidc;;· f~rmas de -~acionalisino que, sem serem o resultado . de 
113 
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uma evolução política interna . às culturas locais, inscrevia a 
sua dinâmica nos ;ubstractos culturnis locais. Não há dúvida 
que sob ponto de vista da evolução da política mundial, 
Mondlane teve razão em criàr a Frelimo, .como meio de dar 
força e legitimidade internacionai's - no sentido .da ONU e, a 
partir . de 1963, da OUA - . às reivindicações dos povos que 
v iviam no espaço geográfico .que se estendia do Rovuma ao 
Maputo. Contudo, havia · aqui uma transfei:ência de 
legitimidade. A Udena~o, UNAMO ~ Manu, .reiv:indicavam 
a sua legitimidade nos povos respectivos. A Frelim o ·que, 
justamente, não queria nem podia ser um ;irriples somat6rio 
dos três movimentos nacionalistas que o ·precederam, tu~~n 
sequer era o somatório dos grupos etnO-tdba1is de 
Moçambique, não podia imedi-:i-tamente receber a sua · 
legitimação do interi9r e, .portantp, das dinâmicas político-
cultur ais interiores aos povos de l\lloçambique. 
O!lanto ao exterior, a Frelimo podia receber uma c:au-;~o, 
mas não legitimação do Pan-africanism~ que, entret~nto" tinha 
sido redimensionado e mes.mo isolado com a elevação do 
espa-;o colonial a quadro geopolítico para a proclamação das 
independências. A divisão de 1961 e a criação da OUA eram, 
de facto, uma vitória das antig'as potências c~loniais; E, 
paradoxalmente, eram a ONU e a ·OUA a· legitimarem a 
Frelimo como movimento de libertação de Moçambique, e 
mais tarde, como representante do povo moçambicano. . 
Se as independências se .devem inscrever. no · q1.lad1·0 
geopolítico colonial, elas não se podem inspirar culturalmente 
nem nas lutas autóctones' d~s diferentes povos de Moçambique 
e das suas evoluções e debates políticos, nem sequei· se podem 
inspirar na dinâmica histórica do Pau-africanismo. A . acção de 
Eduardo Mondlane e da Frelimo dev~ geopolítica e 
juridicamente inspirar-se e, · . de qualquer modo, : dar 
continuidade ao trabalho de centralização levado a cabo pelas 
autoridades coloniais portugue:sas e, por outro làdo, ;J, partir do : 
114 
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Partido ' tr~nsformado ~m ·Estado depois .da independência, 
_criar. uma NaÇão à· imagem e semelhanç~ da Európa. AquR 
surgem dua~ difi~ldades : · 
·a) .OS. portuguese~ para centralizare.m a governação · dos 
povos ele IvioÇambique, não só não legiti~avam o. seu poder a 
partir· dos povos de Moçambique, mas .. violavam 
. 1 . 
sistematkamente os seus direitos mais elementares. Se a 
· Frelimo-E.stado de Moçambique seguia esta governabilidade 
tinha· ou que dialogàr e · fazer clialogar os difer~ntes povos e 
culturas nacionais, o .que era tecnicamente impossível, te~do 
em çonta sobrett.tdo o faci:or tempo e os •imperativos region_ais ; 
~u então, com uma legitimação ::provenien~e do exterior, ir.ripo:< . 
áos povos de Moçambique culturas políticas estrangeiras. Mas; 
se assim fosse, · em que medida a imposição da Fx:elinio seria na 
·prática . diferente da .imposição dos ·portugueses ? Em que 
medida ~ governação da Frelimo seria menos colonialista e m 
rdaçlfo às prátic~s c~lturais dos diferentes povos e culturas 
loc;ais? 
b) A história social e política da Eur~pa, que do1·avante 
s-ervia dê m:od.elo, tinha . visto nascer o ' estado a part~r da:s 
Nações. Ora, em que medida o Estado de Moçambique estaria 
à altµra · de . cria.r a N açãe>; tarefa prím~rc!ial que . lhe· foi 
confiada 'pelo Partido? 
A missão histórica que foi da · F relimo - criar uma nação 
moçambicana- . partiu . d~ movimentos políticos, cult~almente ' 
~ircunscrítos (Udenamo, . Unamo e Manu), mas teve que se 
forjar logo depois umà . ideologia unit~sta. Depois· da 
independêO:cia, .o post~lado de unid;i.de nacional, que em si 
mesmo não. é nem pode ser di:ScutÍvel, implicou também rima' 
governação a partir de cim:a.- O primeiro p~adoxo era que o 
gov~rno legitimava o 'seu poder no povo, mas governava 
contra os . ·pressupostos jurídicos . das culturas nacionais. O 
segundo paradoxo era que. a legitimação. teórica e hi.st6l'ica· dos 
.pre~supostos políticos de goyer'nação. respondia a pressuposto's . 
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e·~ropeus : recorde~o-nos que o marxismo é filho de um 
debate histórico próprio da cultura ocidental 
Estes paradoxos . e mesmo a desconsideração das culturas 
nacionais no p~ocesso político e · de governação foram, 
historicamente, o preço que tiveram de pagar as cl.!lturas . 
nacionais pela edificação do Proto-Estado. moçambicano. . 
A Nação democrática que se auto-proclamou em 1994 
novo act~r h istórico da vida política e social moçambicana 
quer, como afirma a constituição de 1990 e os acordos de 1992, 
que : Todos $.~.reconhecem actores e sujeitos da história, ott seja1 um 
partido único não pode ser o dirigente da sociedade e' do Estado5". 
Por · democracia. se entende, portanto, um sistema de 
partidos. Or~, este sistema tipicamente ocidental desd-e há dois 
séculos tem vindo a provar a sua funcionalidade. C9ntudo, no · 
contexto histórico actual, i;aracterizado . pelo fim ·do 
bipolarismo, m~itos sociólogos e politólogos se interrogam 
quanto à pertinência da divisão dássica da política em partidos 
e a capacidade deste .sistema . d.e representar verdadeiras 
alternativas p~líticas e, sobretudo, de representar os diferentes 
estratos da sociedade. · · · 
J'.vlas a questão mais interessante para nós é qu-e em 
nenhum paí~ africano o sistema . de partidos cotho o proposto 
pela constituição e. pelos. acordos de Roma parece estar à altura 
de mobilizar o imaginário colectivo das populações. Das duas 
· uma : ou o africano (e, portanto, também- o· moçambicano) é 
geneticamente . anti-de~ocrático çomo sust~ntam algun~ 
eugenistas (Medeved Aris<:>n), ou e_ntão o ,sistema de partidos 
é, talvez neste momento, um mal necessano; mas não 
corresponde ao substracto cultural dos riossos povos.: 
soCitado por Ngoenha, Para uma reconciliação . entre ~ Polftica e a(s} 
Cultura(s). Programa . de·reforma dos órgãos locais (PROL); Texto de 
Discussão Nº 3, Ministério qa Administração estatàl (MAE), Editado por.J. E. 
. M. Guambe e B. Wei.Iner, Maputo, Agosto de 1997 : 21. · .· . . . 
116 
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Não se. trata. de ~ma inadequação dos africanos à 
d<~trlOc!acia, mas do modelo Europe~ falsamente universal, 
que não se coaduna com as nossas cukuras. Não são as 
culturas que se têm de adaptar a t~do o custo a modelos, gue 
responderam ao génio próprio de cÚtbs pov.os rnnn . 
determinado momento da sua história, mas os modelo_s qu.e se 
têm de forjar a partir das cukurás. Isto significa que nós temos 
de inventar um modelo de sociedade que nos seja própi.-io, um · 
ir..odelo · que corresponda às no~sas culturas, às . nossas 
sensibilidad~s, um ~odd.o cap'~z d~ mobiliza; o conjunto de 
moçambicanos a participarem fl:ão só nas eleiçõ~s, mas ~a vida 
fo.tegral da sociedade môçambicanà. . . 
Depois de uma entrevista que dei ao jornal Savana em 
"Setembro de 1996, um deputado disse-me que ele tent.ava levar . 
os seus eleitores a interessairem-se e mesmo a controlarem a 
sua actividade de deputado, mas · em vão : os ·« eleitores não 
conhecem as suas prerrogativas jurídicas e , poÚticas como 
eleitores ». 
Os deputados são, teoricamente, representantes dos 
interesses dos ·eleitores. · Qy.e tipo de · mandato, eleitores. que 
ignoram as_ suas prerrogativa~ políticas e jurídicas, podem 
confiar a um deputado ? ·E se os ·deputados ~ão têm um 
··mandato claro &os seus eleitores o que é que eles representam? 
() que é que os autoriza a falarem eni nome dos seu;; eleitores ?. 
Mas supo~do . que os eleitores decidam cont;olar, · 
acompanhar, -influenciar a . execução ·. do mandato de um 
deputado ou_, mais profundame~te, que eles queiram . fazer 
presente a um deputado que representa no parla~ento as suas 
preocupações, que não são sempre ·iguais, mas variam com o 
tempo e com as circunstâncias : de que mecaµismos j.urídicos e 
constitucionais dis"põem ? Q_ue mecanismos estio previstos . 
,'.: • • . pela lei que permitam que o~ eleitores interpelem os seus 
representantes ? · 
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· Se os patlaII"J.entares : representam simplesn:1ent-ê as 
posições dos próprios partidos, em di.screpância tótal com .os 
interesses e a compreensão Clas pesi;oas, estamos nun1 sistema 
de partidocracia. 
Será que · o sistema de representação parlamentar é 
conforme o génio político e cultural moçambicano ? Será que 
os mecanismos de representação tipicamente •moçambicanos 
são os . partidos ? Os indivíduo~, os grupos, as culturas e a 
sociedade exprimem a.s próprias op1n1oes, pt·~ocupações, 
posições através . dos partidos, ou· existem outros . mec:anismos1 
outras vias, outrns veículos· :!e opinião e de tomad~, de posiç?:o 
que são mais congénit<:)S ao.s pov~s de 1\foçambique ? 
A democracia moçambidna e o seu sistema de · 
representação vão ter que colocar o problema dos p1:'•essupostos. 
Temos que centrar os nossos esforços sobre a condiÇão mesma 
da democracia ; a dimens~o sócfo-cukural. A democ1:acia vai 
exigir, . como condição •preliminar, uma acção concebida · a 
partir das realidades autênticas das nos~as comunidade~ 
a~tóctones, apreendidas a partfr do intet:ior. 
Contudo, as eleições políticas de .1994 e a nova 
constituição, fundando dora,~ante a legitimidade política sobre 
. a soberania e a vontade dos· moçambicanos, · c:onsag.ra 
simbolicamente uma ruptura fundamental. 
Para além do princípi~ de legitimidade política, é o 
fundamento mesmo da relação social que é posto em causa. Na 
era da . nação democrática, a política substitui o . princípio 
religioso ou dinâmico para unir os homens ; éla reivindica o 
direito de instaurar o social Doravante, todos os homens no 
interior do espaço nacional são iguais em dignidade. Esta 
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cidadania não é simplesmente um atributo jurídico e políticÓ, 
no sentido estrito do termo. É também um meio para adq~irir . ' .. 
Exist~µ-i~ ~o entanto,. dois problemas fundament~is. Pr~eiro ~ · 
o nascimeri.t~ .da nação democrática foi' precedida,· ~. talve:~ 
me~mo cond1c1onad.a,,. por uma outra nação . que vive rio seu 
seio : a naç~o produtívista. Não. é por acaso que a· democ ~ . · . . · . . . rac1a 
~oi pre~edida por . uma adesão às · instÍtuÍções : econômicas 
mt~rnacionais como o FMI e BM1 composta por indivíduos 
ma:s . pr~ocupados em satisfa~er os própdo~ interesses que a · 
sat1sfaçao · dos seus deveres cívicos - que segundo . Rousseau 
· constjtui ·.o principal 'problema moral . pa~a aq~ilo a que ele · 
chama· o·. homem. social. A · lógica pro.dutivista intimamente 
ligada. à. efic;á~ia · da produç.ão, tende . a preceder os val~res 
.rropriamef1te políticos. A partidpação ~a vida econômica é. a 
fonte ·: ess.endal . do estatuto social . Assim, a d~ensão 
económica e social da vida colectiva i~põe-se em detrimento 
· ~o 'prQjecto polítjco; ·Este . facto enfraque~e · ulteriormen~e 0 
nosso « Proto-Estado' Democrático» que sé. vê obrigado a 
renunciar .às suas prerrogativas estatais (que · lhe. foram 
· confiadas pelos eleitores) para satisfazer a~ ,imposjções anti-
democráticas do FMI e do Banco Mundial$} que se arroga!I). a 
},'terr~gativa delegitimar o poder. · · 
Como s~ isto . J:!.ão bastasse, . os eleitores ~ão têm 
mecanismos jurídicos legais ·previstos pela'· constituição oue 
lhes permitam fa:.zer·se ouvir ou simplesmente panicipar 'lno 
debate · público. · Existe, por conseguinte; um 9uti-o problema 
jt.ttídicp, desta feita· ligado à. demócr.acia reprdsentativa. 
úm · estatuto social: a condição necessária - mesmo. se · ·· s1Ci . · · " . · tado por Ngoenha, Para uma reconcilit;zçãq entre a Política . e a(s) 
concretamente. não sufic~ente ·~ 'Pª'ª que u.m individu.6 ·possa ·' C~iltura(s). Programa de . r~fo:m:ia dos ·órgãos loca.is (PROL), Texto de 
se-r t>\en.ament~ t:econb.eciao c~mo act.o\'. ue· vi.la ~o\ecti~a. · . /\; .. . _Di.scussão Nº 3, Micistério d~AdzninistraÇão estatal{MAE), Editado por J. E. 
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A democracia representativa 
A democracia representativa, em prfr1cip10, é uma 
democracia parlamentar - sendo os parlamentares, como os 
senadores . romanos, donde ele deriva, uma a.ssembleia de 
homens . escolhidos pela sua · sabedoria (saga~id .. de), cujas 
deliberações devem supostamente desembuchar na melhor 
decisão possível para a comunidade no seu conjunto. Mas para 
que o parlamento seja· democrático - existem parlamentos não 
democrádcos - deve respeitar . três ·princípios fundamentais, 
que aliás não ·encontraram a sua teorização na antihruidade 
grega, · mas nos filósofos pertencentes .·à pdm.eira idade do 
individualismo liberal, isto é, John Locke para o primeiro 
prindpioO Loclce e Montesquieu para o ·s.egundo, E: Jean~ 
Jacques Rousseau para o terceiro. 
O primeiro .destes princípios é o principio da tolerância. 
Ela obriga o Estado a assegurar sobre o seu solo a expressão 
livre de crenças políticas, .filosofic~s, religiosas, na condição de 
que estas não· ~tentem ·contra a ·ordem pública. 
. O .segundo é o principio da. separação dos poderes. Ela 
estipula que o poder .de fazer . leis (poder legisiativo), o poder 
de fazê-las aplicar (poder eJcecutivo) e o poder de ptmir as 
infracções . cometidas contra as leis (poder judiciáric') não 
possam ser exercidas pelos mesmos membros (ou pelos 
mesmos órgãos) ·da comunidade. Este princípio tem por 
objectivo instaurar o Estado do direito, isto é, protegero 
cidadão contra os abusos. E, em parti~úlar, conti:a .o uso 
arbitrário que os detentores da autoridade pública poderiam 
ser tent:ados a fazer dela~ 
O t.erceiro é o princípio da justiça. Isto significai. d,izer 
que uma dei:;nocracia digna desse nome não se pode cohtentai 
em ser uma democracia f~rmal, cega às . desigualdades 
materi~is entre os membros da soc~edad.e, mas ela deve •visar ~ 
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um obiectivo· · . concreto : a . justiça social. Podemo~ 
perguntar: em que condições reina a justiça social? Isto é~ { 
questão difícil. Em contrapartida, o q'-'1e é claro é. que a 
. realização. supõe, . pelo . menos, a criação de mecanisr r 
susceptíveis de . impedir o desenvolvimento de d.asigualda 
demasiado grandes no seio da comunidade. . l 
. Estes três princípios têm, na história, suscitado mu: (', 
debat~s. Poder-nos-:-íamos limitar aos debates dos úhir 
'anos, r~lati"'.'OS . 2.0 fim da guerra fria e a extensão GO mocJ 
. de~o~àtico . ao co~junto do planeta, com a conseque \ 
necessi~ade de ·aculturar ps aparatos admitiist;;rativos r 
institucionais às diferentes realidades culturais, sem adultE Í 
a dimensão axiológica da democracia. 
o primeiro princípio invoca 1=lara.mente a dimensão e 
. tolerância. Nos últin1os a~;s tem-se discutíd.o se .este pirincí (' 
se deve .também aplicar .aos intolerantes, a aqueles que quer (' 
chegar · ao poder para mudar as regras democrática::; < 
per~:d.jti~am a ·sua ascensão ao pode.-. Para ilustrar isto invo 
se muitas . vezes o FIS d:a Argélia. As duas ameaças a e ( 
prindpio são . representados pelo fundamentalism() ireligi< ( 
.que se faz político e pelo nadonalismd etnico . . 
Em Moçambique, estas espécie'.s de fundamentalís1 ( 
felizme~te nio existem~ Todavia, eu disse no início de 
livro a filosofia deveria ensinar os homens a serem m ' . . .. ( 
. prude.ntes,. mais precavidos, a a.nteciparem eventuais perigo 
a,meaças. O INDE tinha preparado a introdução experimeri 
do sistema bilingue no .. ensfo.o primário utilizando t r 
campeão de . t·rês zo1l.as correspondente'.s a línguas diferent /""' 
. Uma. língua do sul; uma do. centro e uma do norte. Porqu• \. 
que, :n.o úkimo momento; o INDE teve que mudar? Porque f 
se3unda cidad.e do país siirgfrain conflitos dentro da Igr• 
Católica· entre. os falantes de_ Sena~ de Nd:u. . . _ l 
. . Juntamente a ~ste perigo latent~, existem. as assoc1açc 
dos : ·çmigos· de Iviap.utci; .:. Ga.2;a, Manica Sofala, .Nii>ls: 
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Zambézia, ·etc . . que representavam um · tribalismo . apenas 
velado e o perigo da politizaçã~ das· etnias ou se quisermos . da 
etnici:zação da política. O que, aliás, começa a ganhar fon:ria na 
nossa d~mocr.aci~ onde, desde o início d.a segunda Rep1íbliica, a 
Frelimo parece ter assegurada a maioria ·no suÍ e a Ret."..ar,-io no 
centro. 
A · nossa constituição} inspirando-se na hist6rfo das 
democracias representativas, separa claramente os pocleres 
executivo do legislativo e este do judicial. Que m.ecan:ismos 
temos para garantir a separação de pod~:r·es e gerir eventuais 
conflitos entr.-e eles ? · . . .. 
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· . psicologici! no acl':o ~esmo de instaurar u1n processo . e de 
judticar Nyirp.pini . 
Mas a verdadeira questão não é ne~ a actitude . do 
presidente, nem Aniba)zjnho; n~m Nyimp'ini. A questão é 
C()n\0 .fazer COffi. que entre O poder executivo e O judicial não 
haja . interferência,· numa democrada que qu.,;r estes poderes . 
iguais, mas subordina. ~ · nomeação do judicial à ·decisão do 
executivo·. ? · Q!le o presidente · faça pressão ou não, que . diga 
algo ôU não, que o ·seu .pessoal governativo· interyenha OU não, 
· o s~u es~atuto vai.l,l!eçessariamente cóndicic:in2t o .desenrolar do 
. p1·ocesso. Est~ nlici é um problema .só moçambicano e, talvez 
ainda . maiS por isso~ · deve . mobilizar as . nossas inteligências 
com· visÚ a encontrarmos uma saída .•. 
Dois tipos de conflitos têm perturbado de maneira 
recorrente a vida das democracias contemporâneas : pdm1::iro, · 
o conflito entre o executivo e o legislativo, quer .quando a 
constituiçã~ dá mais importância a u.m ou ao outro, ·quer 
quando os representantes do e~ecutivo · usam .todos os 
subterfúgios para fugirem ao controlo dos representantes do 
povo. O membro da . Renamo ou do Pimo quando se 
pronunciam no parlamento, Jazem-no como representantes do 
povo. O · executivo não deve ·ridiculi:zá-los ou fugir às questões, 
·muitas vezes judiciosàs e pertine::ites que levantam. 
: . ~· .... 
A estes ponto~ teµ:i. · que ··se acrescentar um que é a 
maneira particular .como um certo Oddente se arroga sempre 
mais, e de maneira a:i:itidemocrática, ·prerrogativas de 
·· leg~timação . anti-coloniais das emergentes democ~acias 
africanas, e mete ·sob . tutela . ªli nossas economias e, em 
consequênda, a no~sa _soh~rania'. 
Segundo, o conflito entre o executivo e o ju<liciá.rio . . 
Nomeados pelos primeiros, os agentes do segundo, isto é, os . 
magistrados, têµi muita. dificuldade em faze~ compreender aos 
responsáveis do executivo, que ninguém pode estar acima da .. 
lei. · Este · é um problema . que os pais d~ democracia 
repi:esentativa não resolveram, Tr~ta-se de uma questão 1'l_ue 
i:em minado a vida . política, mesmo. nas · democracias mais 
experimentadas. É o caso de Chirac na França e, a.inda m~ais . 
grave, de Berlusconi na Itália. Em M-0çambique podemos falar 
do paradigma Anibalzinho-Nyimpini. · . . 
~e o presidente Chissano tenha feito pressão ao p·é d~s · 
auto.idades juduciarias ou não tenha · feito, os juízes · não 
podem ser . completamente livres de tima certa pressão 
. 122 . 
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·A questão da sobera~ia . 
A consti~uição de i915 prescreve e~ vinte. e ~inco a~igos .. 
os pri~cípios gerais ou, se quisermos, as proposições. de base 
. . que odt;ntam. o conjunto de· normas jurídicas e. a promulgação 
das. leis. Trata~s~ de ideias ou de pi:oposições que inspiram e . 
. oderitàm .todos os enunciados e todos os a~os do direito. . 
. . O Moça.mbjqu~ de 1915. apare~e, assim, no artigo 1 cómo 
«Um Estado soberano,.· independente e c:iemocriitico sob ·a . 
. direcção da Frelimo ». O artigo II define a ideologia 
moça~bicana como Democracia Populai:. O artigo III indica a 
F relimo como a ~~tidade que « ·shpervisa a acção dos órgãos 
estatais ª· fim . ele . asseg\irar a . conformidade da política. do . 
Estado com os ititer~sses do. p.ovO». ·O partido e o .Estado 
· 1.23 :. 
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identificam-se. O artigo IY indiça os objectivos fundamentais · 
da .República: «a elimmaç~o ·.das: estruturas de opressão e 
explo~ação coloniais e tra,dicionais e da . mentalidade que lhes 
está subjacenteO · a ~ctensão e . reforço cfo poder popular 
democrático ; a edificação· de u:i;na economia independente e a 
proXO:oção. . do · progresso cultural e social ; a defesa e 
consolidação da independência e da unii:i:u:l.a nacional i o 
estabelecimento e desenvolvimento. de rela1;ões de amizade e 
co.Operação com outros povos e Estados ; o p1·osseguim .. mto da 
luta contra o colonialismo e o im,perialismo ». 
· Estes artigos mostram . a vocaçãc:> libe1:tária da 
constituição' e a filosofia prática subjacente ao direito 
moçambicano na sua primeira constituição. 
A constituição da II República niío renuncia ao 
substracto filosófico d.e base e aos seus cor·olários de lógica 
jurídica. Só que o. exercício deste projecto libertário não · se . 
exercerá doravante através do partido Frelimo (apesar de se 
reconhe~er . o ~e~ l papel fundamental na c:onst1ru~ão . de 
Moçambique), mas através de um. sistemade competição entre 
partidos autónomos, com ·obrigação d: respeitarem e 
defenderem a soberanià . nacional, ·entendida como . espaço 
geopolítico (do Rovu±na ao Map~to), e a unidade nacional 
através da luta contra o tribalismo. · 
O~ pressupostos filosóficos estipula.dos na . Primeira . 
. República e confirma.dos pela segund~ aparecem. em 
.contradição . com os seus corolárie>s . · ·políticos. Para . 
compreender o que está por detrás deste fenómeno, tem que se 
recorrer à história das lutas id.eologícas que a subentendem. 
Lutar contra o colonialismo, libertar Moçambi'lue e ser · 
soberano são conceitos fundam~ntais e constituintes da nação 
moçambi~ana. · A comunidade . l.nternaci~nal só pode ;er 
positiva e a favor de ·Moçambique na me~ida, em que:.~espeite 
este substract0 filosófico de base. .Isto e, respeito pela 
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soberania/: ·· configurada num espaço geopolítico r 
. deter~inado e pela uriidade nacional. 1 
. Oia, o centro nevrálgico da constituição de i975 
liberdade/indepe~dência'. . o centro da cori.stituiçã r 
1990/1992/~994 é liber~de/d~n:,ocr~cia. En: 1_975, a libe ( 
era entendida como contrapos1çao ao . coloniahsmo. Em 1 
liberd~de como anti-colonialismo se junta a democ 
T~oriCamente, trata-se de um avanço consideráv:el. Toda 
opinião públic;a moçambicana parece. acreditar . que a ní'í 
liberdade · fundamentàl ·(independência ~ s.;ber; 
Moçambique tenha pura e simplesmente i:egredido (regC 
de · portugues·es, · economia sob tutela, ONG, coope1 \ 
doadores, etc.). Pode-se progredir em democracia, recu (' 
em soberania ? · · 
A II República nasceu dos escombros da antiga L ( 
Soviética e do fim da guerra fria. Os valores que a id.e~ (' 
vencedora apregoa são contrários ao espírito da Prin 
R1::públi~a .defendidos pela: Frelímo . . Mas serão compat 
co~ . o espírito ciue é, ou . qu~ devia. ser, . da Renamo eriqu é 
partido nacional : a defesa e a promoção da unidac( 
. integridade nacionais ? . . . , . ( 
:No debate que estrutura a. filosofia poht1ca a< 
apàrece da:i;a~ente . qu~ a polític:a. · ~ltr~passa enormementC 
sua:s ligações. com: . a concepção global da histórià, ao me e 
tempo que se · mostra· .incapaz d.e pensar a história de 1 
maneira dífer~nte. A questão d.e fundo é então saber ! 
admissível que o campo ·ao possív·el . aberto pela política ( 
.reduzido teo~iéamente ao modelo ocidental e praticameni 
simple~ m.od.ificaçio esatisfaçãq da .distência individual? ( 
Se na'da de novo e de oc;identalmente diferente pode 
inventado; e se a história e a ambl.çãci negra e moçambicam(' 
emancipação, nos escapam, . qual é a . efettividade da no 
política? 
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Muitos consideram oue: em matéria de· accão hist6-ri~a ~ .... , . > 
política,. tudo foi já feito. A democ:racia como ela se apresenta 
hoje parece-lhes o último regime possível, restando s6 
perpetuar, na . melhor das maneiras, os interesses de tada 
homem e o desenvolvimento de novos terreno;; de 
materialização, ou a observar a sua globalização pós-moderna. 
No que diz ~espeito ao primeiro aspecto . da questão, 
convém fazer referência à tese de filosofia política 
argumentada ·por Francis Fukuyama cuja carreira pública se 
abre com um :i.rtigo publicado na rev~sta National lnte1·est 
intitulado «Fim: da história?.» (1989), seglllido pouco t~mpo 
depois de um livro com .o título Ofzm 'da história e o ~íltimo 
homem (1991). Com a expressão« fim da.história», tomada da 
filosofia de Hegel, entendia que o prego final (fim aqui rião é. 
nem finalidade (Zwek), nem objectivo (Zi.el), mas exactamente. 
o termo Ende) foi plantado no caixão do marxismo-leninismo. 
Na medida em que nem as religiões (islão, em particular) nem 
os nacionalismos parecem em altura ae constitU:ir desafios . . 
sérios, a vitóri.a da .modernidade liberal e democrática parece 
certa ad vita~ .aete~am; A situação actual de Moçambique, 
dem;cratismo (que ·é diferente da .democracia), super 
liberalismo que ·se traduz em privatizações sumárias, tutela 
. governativa, são a prova da nossa entrada no fim da· história, 
no ponto final da evolução .ideológica da humanidade. . · 
. É neste contexto que tem que ser vista a segunda 
República moçambicana. Mas resta uma que·stão d~ funclo : . 
qual é a relação que existe. entre d objectivo de fundo que · · 
persegue º · negro; o moçambicano, is~o é, a liberdade de disp~r 
de si mesmo e esta forma de hegelenismo político-social ? . 
Qual é a relação que existe entre· . . este . sist~ma . mundiiai 
dominante e a pq~sibilidade real de ser soberanos; sem term.os 
que obrigar os moçambicanos a terem que pegar ·em armas 
para . uma segunda colonização, ·como escreve Heliodc1to 
Baptista no artigo do Savana (nº 1ó7, 1"11arço 1997) ? 
.126 
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Dt.,as aporias parecem remar· contra a nossa li~er<Jade e . 
libertaçã~ : uma está int:ri~secamente ligada à mesma ideia d~. 
. soberania e outra à nossa incapaciclade coi:no po·.ro de assumi- . 
la com tudo· o que . ela comporta . em terÍnos. de 
responsabilidade. . 
A soberania é um. conceito ;urídico e polític;, em volta ~o 
qual gn:vitam todos os problemas e as aporias da teori3: jus-
positivista do direito e do Esta.do. Falar da soberania e dâs suas 
vicissitudes históricas e teóricas significa falar .ela particular 
formação polítko-jurídi~â que é o Estado .nacional mode~o, · 
nascido t'la Europa h~ úm pouco inais de quatro séculos e hoje 
em crise. · As apo:rias da soberanfa · estão 'ligadas . a diferentes 
perspectiv:as entre· · elas . (ju:i..:naturalistas, jus-positivistas, . 
confratualistas e idealistas) que as alimentaram durante quatro 
. . . . 
séculos. 
A pdineira aporia baseia-se no significado filosófi~o d~ 
ideia . de soberania. Como categoria filosófico-Jurídica, a 
sober~nia é uma construção d.e matriz jus-naturalista que 
;; · . serviu de· base .. paKa a cqnc~p~ã~ jus-positivista do Estado e o: 
paradigma do direito . internacional D;loclemb~ Ao · mesmo 
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tempo, <!la foi sempre . uma . metáfora antropomórfica .de .· 
i; ': carácter absolutista, mesmo na mudança da imagem ·do Estado 
. à qual fqi ·alternativamente associa4a. _ · 
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A segunda • aporia baseia-se na história, · te6rica e 
sobret11do prática, da ideia de so})erania como:. potestade 
~b~olut:a. ·Esta. histód~ corresponde a dois eventos· paralelos e 
.,. divergentes : . a sob~rani!i · interna~ . que é . a ·. histó.ria 'da sua 
· ·;. :.: . piogressiva limitaÇão ·e dissoluçãq, paralelamente· à forinação 
. ~ .. : . dos estados "constitucionais e democráticos de direito ;· e a 
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soberania extern~, ·que é . a hístóri~ eia sua 'ptogressiv.a ~ ·:. . ~ ' . 
. ' : absolutii;aÇão. . . . 
· .. , ... ~ · A t 'erceirà. ano~ia, enfim, · baseia-se na consistência que é 
~; a legitimiclad.e co~ceptual d'a ideia d.e sob~rania ~ob o po~tó de 
! • vista · d.a t•eoria elo .direito. Existe · uma antinomia irredutível 
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entre soberania e· direito : ·um.a an;tl.noinia não só no plano 
in~erno dos ordenamentos avançados, onde a .~ob~i:ania esta 
em contiaste com o . Estado dé dir~ito e da sujeição i J.ei d~ 
. qualquer poder, .· mas também · sobre o pkno do direito 
internacioi;ial, onde ela é. . considerada na:; cartas 
constitucionais internacionais ~' de maneira particular, na 
Carta da ONU de .1945 e na Declaração dos .Direitos do 
Homem de 1948. · . · . 
Os historiadores do direito intemacional ren1.etem a sua 
primeira formulação aos te6logo.s espanhói~ do século XVI e, 
antes de mai~, em Francisco ele Vitoria·(1964). Tratava-se de 
dar um fundamento jurídico à conquiSta espanhola da assiin 
chamada descoberta. Francisco :de VitÓria contesta todos os 
títulos. de legitimação avançados pelos espanhóis para 
· sustentarem a conquista (o facto de . os índios terem sido 
descobertos, a soberania univer~al do Império e da Igreja, o 
facto de os índios serem infiéis e pecadores, a sua submissão 
voluntária, etc.), e reelabor~ uma nova doutrina, que s.~~rá o 
fundamento do direito internacional moderno e da conce:pção 
moderna do Estado como sujeito soberano. As ideias de base 
dessa construção são essencialmente duas : . . 
à) A configu,ração da ordem. mundial como sociedade 
natural do . Estado soberano. Estados soberanos, com . igual 
liberdade e independência, sujeitos externamente aos mesmos 
direitos das gentes e internamente às leis constitucionais de 
que eles . mesmos se dotara~ Trata-se d~ · uma ideia 
revolucionária que será. retomada por Francisco Suare;z: e, mais 
tarde, por Alberico Gentill e Ugo G~otius que teorizaram a 
submissão do inteiro género huma.no a ius gentium. Em 
Vitória, esta ideia é acompanhada por ~a concepção jurídica 
.de poderes públicos que antecipa a futura doutrina do E~tado, 
do dfreito internacional, e enuncia o fundamento democrático 
da autoridade do . soberano, antecipando, assim, o princípio 
moderno da soberania popular. · . 
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b): Em ~egundo lugar, o di~eito da~ gentes entrelaça 
· Estados nas sua·s refações · externõ!.S, . nã~ · só com · ~ força do 
próprios paC:tos, mas · ta~bém com ~força da lei. E, enfim: 
Vitória a~~b~ concebendo' a . huma~idade como . suj~ito do 
direito, . o que consti_tui . a . maior . concepção deste pensador( 
eljpanho.l. · ( 
. Mas é justamente sobre esta co~munitas orhis . comoC 
sociedade natural. de . estados livres e . independentes ·.:iue 
Vitória fonda . a segunda .ideia base . . da_ ,sua construção, 
antinóllii.~~. à p~imeira: a ideia de 'l,lma soberania .. estata 
externa, iqentificada com. um conjunto de direitos naturais d~ 
povo~, que servem pal,"a dar uma nova iegitim~ção à ~~~quista 
e, por outro lado, para oferecer um . substi:a.cto · eurc5cêntrico ao 
direito interna~ional1 a sua valência col~nialista e até a su 
vqcação belicista. Existiria, segundo Vitória, unl:a comunhão 
· :natural entre os .. povos, que daria :a cada um o dú:eito de entraI 
em relação com os outros. A, partir daqui faz derivali." uma série('" 
de outI:os direitos ·cuja aparet).te universalidade é desmentida , 
pel~ se'u carácter assimétrico : o direito de trânsito, a liberdade 
dos mares; o .direito do comércio, o direito de ocupação sobre 
as terras .e coisas que os índios não recolhem, a começar pel.aC 
ouro e pelo .. argento, o direito a emigrar e a estabelecer-se n 
n~vo mundo e adquirir a cidadania (é óbvio que, nesta falsa 
configu:ração universal do . direito, . só · os espanhóis são parte 
activa, enquanto . os . índios .são vítimas). A isto se 
quatro prerrogativas que relevam do direito divino : 
1) . Direito à pregação cio,Evangelho; \ 
Direito-devei: de correcção fraterna ; 
Direito-dever de pro~egei: os convertidos; 
. ' 4) Direito dqs espanhóis, caso · os índios não se 
pe:rsuadisse~ destas b(las razões, a defender os seus direitos e aC 
s~a segurança mesmo <.:om' a: guerra. . . . e 
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Vitória ~caba quase, como corolá.ri,o, legitimandc> a 
guerra justa (e através dela a conquista) redefinida como 
reparação das injúrias e, portanto, como instrumento de 
actúação do direito; o resultado é uma configuração jurídica 
da guerra como sanção para assegurar a efectividade do di:rnito 
nacional, que durará até ao nosso século (até Kelsen). 
A ideia. de soberania vai ser aperfeiÇoada com as 
doutrinas de Grotius, Hobbes e Locke, que defendem a id~i;o 
de u.ma sociedade de estados igualmente soberanos, n'la~ 
sujeitos ao · « Direito» .. A teoria internl!-cionalista mod·er.na 
baseia-se, exactamente, na afirmação de uma 'série de direitos 
naturais que seriam prerrogativas intrínsecas dos Estados 
soberanos e da t·eoria da guerra justa como .punição . . A ideia 
abstracta da igualdade · entre os Estados como sujeitos 
soberanos é concretamente desmentida pela desigualdade enti:e 
· os Estados e pelo papel dominante das grandes potências_. 
Assim, o direito · natural dos Estados, mesmo sé teoricamente 
iguais, revelam-se, . ao fim de . ·contas, concretamente 
assimétricos e desiguais, ao pontQ de convei:ter~se E~m 
colonização, conquista, neocolonização ou governo sob tutela. 
Estas aporia; e ambivalências estão na base da falência 
histór.ica dàs ideias de Vitória, mas, ·ªº mesmo tempo, elas· 
explicam a sua persistênçia no tempo, pelo menos . até ao 
nascimento da ONU,' como centro da cultura jurídica mundial 
e dos assentos da comunidade intern,acionaL O ·desígnio ·de 
Vitória de uma so-:iedade de Estad.os sujeitos ao· direito das · 
gentes entra em crise por causa. da antinomia, que. se revelou 
insolúvel, entre as formas absolutas assumidas· historicamente 
pelas soberanias e a ideia da sua subordinação . ao direito . . 
Todavia, o paradigma vitoriano, exactamente pela.força da sua 
ambivalência, continuou a· informar ~té aos nossos çlias a . 
ciência internacionalista e a alimentar as i magens opostas mas 
conviv~ntes. De um fado com a utopia jurídica e a doutl'irxa 
normativa de convivência mundial baseada no d.ireito ; . por 
130 
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OUtl.'01 Com a d t • • . • • ,! .. . ~u r:na1 pnme~r~ cnstocentrica e depois . 
Lücamente ~urocentnca, a leo1t1mar a · co·1
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· .. :.,. ;. J _ . . , ·. . o . . ......... açao. e a 
. exp .oraçao do. r·~sto do mundo por parte dos países europeus, 
em ·D.ome de · ~alore:, sempre diferenteS, . mas · sempre 
· proclamados . universais : . missão de evanPelÜ;acão de 
coloni.'tação e a hodierna mundialização dos ' valo;~ ocide:itais. 
A oposição entre O · estado civil e .o estado de ~atureza, dá 
'lugar, a partir da revolução francesa, a duas histcSrias paralelas 
. {. e opostas de soberania: progressiva limitaçio intern:!iL. e 
.~ ... ·· progressiva ~hsolutizaÇão . externa, á que Luigi F~rraj~li (1997) 
· · ~.:. · chamou a .comunidade :selvagem dos estados soberanos. A 
soberania interna e a soberania externa seguem <loís' percur~~s 
.'\. . . inversos ·: um· limita-se tanto . quanto O OUtrO· .se alarga, em 
·:. ~orre~pondência .. á ·duas faces do estado, fautor de pu ·no 
·' mtenor e de guerra, no e~cterior. A para:ir de metade do século 
" XIX, em plena expansão . d.e'm.ocrática a nível interno, a 
.. ~!· soberania externa at inge as formas desenfreadas ~e ilÍ~tadas 
. ~'. .. de expansão, que : atingem o seu auge . çom as ~erras e ~ · · 
· ~.; · conquistas coloniais~ Porquanto· possa parecer paradoxal, .estes 
. ,_. dois processos são .simultâneos e conexos um com o outro •. 
'.j'.·. . Estad~ de direifo no . intezrio e estadb absoluto
1 
s~lv.agem, 
h;: · · depredador ~o externo, cresceJ:n juntos como duas caras de 
.· r~:·· uma mesma ·medalha. 'Quanto mais se limita . a .soberania 
·.V intem11 e através mes,:rio desses Hin.ites, mais. se ab;olutiza ~ se · 
· t.' . legitimá a sobe~~ia e..--Cterna, o que .tqrna inconcebível o· direito 
· ·. : ·~i'". intema<:lonal como direit() ao de lá dos . Estados. . · 
. ·ir' · O que é ': ~xtraordiná~io . é que depois ele se· ter 
· ~l: ·, secularizado no· século. ){:VIII, com il filb.sofia contP:atualista e 
:.~.:~.~.~.~·· .. ~.·.·.·. ª:1:mlmix~tiax" º . P.aradign1.~dda legith:naçã? vollta a ~acrd.izar-s~ no 
:·. sec\.t o , mesmo se e uma maneira aica, com a . filosofia::% ·~ • idealista alemã : o .. ~stado q~e . Hobbes tinha , chamado 
•. f;: ... m~taforicamente «o Deus· mortal». torna-se em . Hegel «ô 
l;' .. Deus real». Os corolários disto são a .negaçãq do direit~. 
i!: · · internacional, identificado por Hêgel como. « o direitb estadual 
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externo», isto é, o conj,unto de normas _que regram as rdações 
entre os . Estados. A segunda consequêric.ia é o . espírito de 
potência e a ~ocação expan:sionista e destrutiva que anima um 
tal paradigma de soberania Estatal. Os coroláúos terríveis são: · 
exaltação da guerra concebida por Hegel como momen_to ético, .. · · · 
desprezo pelos países na~~rais ou bárbaros - como somos ·n6s - ·' · 
que a!.nda não chegaram à maturidade do Estado e d.estinados a .• ;·· 
desaparecer no contacfo com os povos europeus. }· 
Primeiro com a colonízaçã01 depois com a exportação ·elo ' . . ·'> . 
mod~lo. através da criação d.e Estados e nações inde:pendentes, ,: ·!':' 
o princípfo da soberania .estata:l ilimitada. eJcpande-se ao nível ; r>· . 
mundial, submetendo e homolog4ndo povos e culturas. . .. ); :· ' .. 
. A Carta, da ONU, apro~ada em São Francisco' em 1945, e-_ · · .f~.· .. ·. 
a Declaração dos . . Direitos _do HolJ.lem, aprovada pela . (:: . 
. , • • 1 • • ~ ; 
Assembleia da ONU em 1948,. transformam, pelo menos sob o \',. 
ponto de vista normativo, a ordem _jurídica do mundo. A_ .. f · 
soberania externa do Estado cessa de ser absoluta e selvagem e · 
subordina-se " juridicameiitl? a duas noriµas fundamentai.s : o: . . ~: . . 
imperativo d.à paz e a tutela dos direitos do homem. Todavia, ·-.{;' 
a parábola da soberania .não está ainda no seu descambar. A ·, J:· ' ·: 
própria ·ONU, apesar da sua inspiração universalista, .. · . ·: · 
continua, não só sob o plano factual, mas também sob o plano'. t··, .:. '. 
juddic~, . a ser condicionada pelo princípio .da sol;>erania dos .. '.\; · . 
Estados. Propõem-se de novo, · assim, as co,~tradições · · ~·· ; . . · 
originárias já pres.entes na doutrina de Vitória entr1~ comunitas . ;.\ -' 
orbis e soberania iguai dos Estados. · ~: -. .. 
O domíO:io da paz fica ainda · cpnfinado ao domínio " 
soberano ·das grandes pot~ncias (acordos · de pa:z . em .i. : 
Moçambique) e, dep(!ÍS da queda do muro de B·erlim, aos : ./~ 
·vencedores filosofic~mente . profetizados por Hegel e .· r. 
celebrados por Fukuyama~ .Coni efeito, apesar· dos · proclames . 
igualitários··· da ONU, nÓs viv~mos vitorianame:nt;e numa ._.'·. 
desigualdade de fact.o1 fruto_ inevitável da prevalência da lei do .• ;;. 
132 
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mais · forte · e, · portanto, . da existência de . uma sobera 
limitada, ·desmembrada, dependente, ~ssistida e tutelada. · · ( 
. Eis porque .é ridículo e contraditório ter uma constituí• 
cujo pressuposto- filosófico. - soberania - tem qu~ ser garant. 
por uma coi:nup.idade irit"ernacional; democrata certo (" 
interiçn dos países de . origem, m~s selvagem. nos s
1
\ 
. rrincípios políticos, juríd.icos e nas s,uas práticas económicas \ 
. . Falar de soberania · moçàmbicana é hoje um autênt 
abuso de linguagem. De facto; toda a ~strutura con:Stitucio1 
moçan;ibicaria~ 4es4e os seus fun.d;;i..mentos filosóficos, juddic 
para termin~r na prática política, enc::onti:-am-se esvaziados r 
conteúi:io. Eis porque a . política moçambicana, apesar 
ap~rente democracia, · tpi:nou-se ._ n~ma coisa ligeira, levía (' 
onde . cada um procura . os seus fins individuais : ( . 
« cabritismo » que é, de f;tcto, o « laissez faire, . laissez passei 
moçambicano . . 
Todavia, esfa situação é possível ou pelo m~nos _ 
facilit.ada por um outro facto : « a nossa incapacidade . , 
· assui:nir o que a liberdade. comporta como respo~sabilidade (' 
O camaronês M veng fala da pauperização antropológica < 
negro. . . . (" 
. Eis po:rque o maior comunista d!e ontem pode tornar- (' 
no .~ior apóstolo do liberalismo selvagem; . o revolucionár 
de ontem no reacci_onário de hoje, os Hbertadores de ontem I 
instrumento de colonização de hoje. . · · Í -1 
A Frelimo ·viu-se obrigad.a, por razões militares e pe 
pressão exte:dor, a . insta_urar um. sistema democrático, sei 
estar realmente · convencida ·de. dever compartilhar o pode 
cuja legitimidade hauria da luta armad~ contra a colonízaç~ 
portuguesa'. H~je a ' Freliino vê-se obrigada a harmonizar <.(° 
. e::i:,igêndas de d.J,.as ·autoriclades: a Renamo e a Comuni<lacl J 
Internacional. Ora, se -~ força da Renamo no contexto nacion; 
é muito ·fraca, o me~mo ri.ão se pode dizer da Comunidad l 
133 
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Internacional, que impõe literalmente de uma maneÍl'a abusiva 
e anti-soberana a política, a economia .e o tip~ de governação. ' 
No contexto económico.dominante, o govemo·precisa do 
dinheiro dos doadores e da comµnidade internacional para 
melh~rar a vida dos moçambicanos, o que, aliás, é a sua f-unção 
política como partido no poder, mas está conscienLte da 
divergência de interesses entr·e os moçambicanos e de uma 
certa Comunidade Internacional (cf. entrevista com !vfa.riano 
Matsinha, Savana i.5.04.1997). 
A Renamo é vista como instrumento da: Comunidade 
Internacional, · c~jos ohjecti~os são o enfraqueç:imento do 
Estado, a divisão do_ país. Contudo, a· . Comunidade 
Internacional, apesar da sua fo~ça, . só pode · go,;.emar de 
maneira indirei:ta, pois dificilmente pode_ pegar em armas e 
ocupar militarmente Moça:.nb!que, ou mesmo . nomear 
governadores e administradores em Moçambique. A Fr-elimo 
submete-se aos dictats da Comunidade Internacional fazendo 
tudo o que esta exige, a . fim· de obter dinheiro e 
financiam.eritos, ªº. mesmo. tempo que a: nível político, t~nta 
isolar a Rena.mo ( « Carta aberta aos moçambicanos » . de 
Afonso M. M, Dhlakama, Savana, 04,q4.:i997) e os outtos 
partidos da oposição. Todavia, apesar d~ aparências, o 
· verdadeiro adversário da Frelimo, não é a Renamo, . como 
ontem não era a Renamo :- Samora Mãchel quis discutir 
directamente com os sul africanos ~ não com a, Renamo. Hoje 
a táctica é a seguinte : ·fazer a vontade dos doadores a fim de 
ter investimentos, · mas isolar politi~amente a Renámo e os· 
outros partÍdos da oposição. . 
·· Às estratégias de apropriação do poder e do seu abuso 
por parte de uma certa Comunidade Internacional a F relimo 
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responde com · \,lma dupla táctica : docilidade · e submissão 
apa~ente face .à . comunidade internacional, e isolamentQ das 
oposições políticas nacionais. 
134 
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Como se trata de uma estt:atégfa de l~ta .contra o (neo) 
colonialismo, . não é surpreendente ver reem~gir ~irigentes 
his_t6ricos da. Frelimo que se. tinham evidenciado, .sobretudo, 
pelo ·seu nadonalismo e na luta contra o colonialismo; · Este 
processo faz-se ·em detrimen.to de uma ~en:i.ocracia re~l q~e, 
· p~rtanto, se tinha com_eÇado a engodar. Isto fa:z-se, por outro 
lado, em 'detrimento de um debtte democrático cultUral, que 
. ..tenderia a desloca:r realment~ o centro de gravitação .do poder 
. -~,_::_./., :. · e~ dire~çã~ à.s _pessoas· reais, aos ·. grupos e às culturas. ·As 
. · consequenc1as sao : : . 
· { ·,: ' . . . · - o is~Iameri.t~ d.os partidos da opdsi~ão, ·a diminuição da 
...;~ .. : · possibili'4ade aa democracia ; · : '. . · .. 
- o centraHsmo político, que imped~. a possibilidade de 
uma cultura política rno~ambicana. Isto ;é, a criação de um 
'substracto político nacional a: partirdos v~l.ores do homem de 
· Moçambique ; ·. · · 
- o reforÇo das te11.d~ndas ª\ltoritá~~s e centralizadoras 
_do partido no poder, que'. se v~ obrigado '· a· recorrer .a armas 
nacionalistas' p~ra defender o 'país. : 
A responsabilidade da Comunidade Internacional no que 
se passa em · fy1oçambique ·. é .enorme.· . Existem '.diferentes L; · Comunidades . . Internacionais, · · aquelas . . pretensamente 
·).>_ . .. · neocoloniais ·e · tuteladora.S, e outr:i:s cujo~ objectivos são de 
. }.i · ajudar a construir · uma comunid~de '. polític.a .soberana, 
. ~y, democrática, solidáda e fundada sobre valores moçambicanos. 
}f_. . Penso que seria tempo de u.ma análise crítica das. atitudes da 
{ :: · .. ·comunidade Internaé:iop.al ~- da sua ~espo~abilidade no clima· 
:; · que existe no Moçambiq~e de hoje. Exist~ hoje u~. rÚco de 
{}" confusão e~tre ~ democi:a..cia e o neocolonialismo ; risco de· ver 
na demo~racia . e .no · liberalismo, simples avatare~ do ,i: .. ·. "."···· 
• '~: "'·. . neocoloniàlismo. ' 
T: · . O maior erro, · .que :· poderia~: cometer as « velhas 
:;: . democraci~s », .·seria api:~eri.tareD;l-Se conio ' modelos,· ÇOinO OS 
f; · . q~e sabem c:Ómo ~s ·coisas devêin.$~~ feit~s, c~mo os problema~ 
. ~~:· ,. , . . ·. . . .. ·. . . . . 
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Capfruio I'II 
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devem ser resolvid~s, o que elas 'não são e ne'm podem se:r; e 
impor, mesmo em ~ermos eco~ómico$, o modelo e o estilo de 
sociedade que elas consideram boa para Moçambique. Neste 
sentido, é extremai:nente lamentável a atitude de -certas 
organizações. Exigir que o Estado, o Governo, adopte e 
implemente práticas políticas e . económicas decididas por 
investigadores e por centros de po.der ocidentais, como 
condição da ajuda económica, é uma política que se baseía no 
desprezo pelos governantes nac;:íonais. O perigo evidente, 
neste caso, é desacreditar gràv.emente o: Governo ao.s olhos do ·" 
povo, mas sobretudo des.acreditar a própria dem.oeracia- aos _ ::_ 
.. :. ·· . Historicamente, a dire_ita identificou-se com a crença da 
prin:iazia absoluta das libeidad~s individuais. -Primazia essa 
qt.1~ permite ---~ certos jndivíd.uos possuírem aquilo que · Marx 
. chamou de meios ele produção. A esquerda identificou-se coi;U 
;:;- . . -a . redistribuiÇão o mais eq\l.itativa possível dos divide~dos 
olhos .do povo e. dos seus líderes. 
A Comunidade InternaÇio'nal, pelo m~nos a não 
colonialista, deve rever a sua posição, deve compreender . que 
ela não pode ser coloniza'dora, neocolonizadora, tuteladora, 
sem ser contra Moçambique e contra os moçam~icanos. 
136 
:-.: : · ec~nómicos; Entre 1945 até x989,' esta divisão materiali~ou-se 
. >-~ ri.-=. · co~t~aposição entre os ~locos do Ocidente e do Este. O 
· ·-~:. pri~eiro compreendia paí~e~ . que· eram, ~o mesmo tempo, 
_ :·: · capitalistas e colonialistas. Os segundos eram marxistas, mas 
.. _ . -. -também teodcamente ~nti:-colonialistas ; em consequência, 
).::. · ' apoiahtes · dos movimentos mundi;lis da luta - - pela 
. -r;·:: -. autodeterminação. 
··:-_ · '.. - _Nesta óptica, o alinhatnento da Frelimo no bloco de 
-.:t;·: ·:. ~querda era -lógico. Assim, a Frelimo da luta armada e a 
-· Ç::: - Frelinio da primeira · Repú~lica- f~ram um. moviment9 e, 
,, . -:'. ·- depois, um: partido obviamente de esquerda. Mas a Frelimo da 
/'. .. :. ·s_eguncla República,_ que adere ao _FMI e ao BM, a Fn~llmo 
, .. ;r:· -;.' - :acti.muladora, a -Frelimo dos pr?p,rietários ou co-proprietários . 
: X J._ - ~ ~- das casas, fábricas, terias; chapas, bancos, restaurantes dei.."COU 
• ,· .. . de ser UJ]:l p~rtido _ <la -esqU:~rda -e pass~U ~ Ser claramente um 
\_:./ · partido de direita. - · -
-; · A Renamo criou o essencial da sua história como 
··· moVimento e depois c~mo .. ~if~íd~· políi:icc) anti-ma·rx~sta. 
_. Com a Freliµio e _a Renamo -à -direita, de que é feito o 
" - debate político inoÇanibícano ? Em termos de filosofia política, 
:_ - .. - o que é . que difere11cia a Jrelímo da . Renamo _? Quem é o 
137 
' . ' .. ·· .~. ::··· · .... : :·' .-... .. r. ''?"" ,, ';"' ~·.--;--':"',;-• ' .... -:·.-··- !:"' '''"• - '.'' 1 ·.- ·=:.:·': - ~~. ·-· ·· '' '"::"º · .. :· -' · :· ·- · • •,"' '--::~·-- :;---. ___ ,;·- -·- - --·-----· - ·· · · 
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defensor da igualdade social? O debate polítiéo é va.zio de 
todo e qualque~ conteúdo em termos de id.eias e transformou-
se numa corrida . desenfreada em dire~ção à ocupa.;:io de 
lugares de poder, dado que o poder dá a.cesso a bens materiais. 
O liberalismo clássico nasce mesmo d~ posições éticas. É 
preciso recordar que Adam Smith pertencia à escola moralista 
escocesa, .cuja preocupaÇão e~a a procura da maior felicidade 
para o maior número de · indivíduos. As respostas que o 
moralista escocês não encontra n~s posições tradicionais da 
filosofia e da teologia, que tentava~ combater ou pelo m.enqs 
atenuar o egoísmo do homem, Adai:n S~ith parece encontrar 
ti.a emergente economia política. 
Através desta nova ciência, Ada.r~ Smith prospecta um 
saber moral que se baseia não no atrofiamen:to do egoísn10 - a 
longa .história da filosofia . e da teologia provam a sua 
impraticabilidade - mas na sua utili:zação para fins morais. « A 
maior felicidade do maior número.' de indivíduos », a que os 
gregos chamavam eudemonia. 
Se o liberalismo, quer .na sua dimensão económica -
Adam · Smith a~ qual se pode ajuntar os nomes dos anti~ 
utilitaristas G. de Stael (17.66-1817), B. Constant (1767-1830) e 
Alexis. de . Tocqueville (1805-1859) ..,, quer na sua ·dimensão . 
filosófica Q. Locke) tem uma grande·dimensãc;; moral, como se 
explica a situa·ção do economicismo s,élvagem que pulula entre 
nós, em nome do liberalismo ?· . 
O que se passa tem "que· ser visto no prisma. do _que 
· F ukuyaina chamou o << fim da história », · que ~ o fim das 
alternativas ao capítalis~o. Est~ sistema signifieou, ri"~ mundo 
inteiro, a destruiç.ão dos sistemas !iOcialistas, ·mas tarp.biém o 
recuo nos próprios países ocidentais de toda a dimensã~ .de . 
conquistas sociais dos t_rabalhado;:es. Mas ainda mais 
fundamentalmente, a elevação do mercado no mundo · intei~o à 
dimensão de regulador das r~lações soci~is. 
138 
._;;·: · O · resultad~ . .p:rin~ipal da chamada guerra civil · de 
~ ·,. Moçambique fqi o .. fim de um ideal distributivo que estava 
; ·. · intdnsecam~nte · ligado a . t.tm p~ojecto de ~mancipação do 
·,_ hom·~m moçambicano, a favor da dólar.:.cratiz~ção das relações ·. 
. ;' .• hl~manas e sociais. 
i~ .· Com o fim da gu~rra não acabou a violência. Transferiu-
.::· ... se á violêrtci~ das arma~ para uma viol~ncia caracterizada pela 
.~r._,:. luta· par~ a ·obtenção de riquezas. Isto engendrou um.a nova 
,j :" foi:m.a. de violência mais velada, . mas não menos feroz~· A.s 
-~} .. ~~tigas "aüan.ças e relações sociais basea~s nos valores 
;;< .. · · socialistas foram. ip.uito rapidamente postas eni caus!l ·e, np seu 
. ~:}'.: ·_ lugar, nascer~~ novas aliança:_s b~seadas .no interesse. Valorei; · 
f', .;-'." . como a luta contra: o racismo; o tribalismo, o . regionalismo . 
E'."·: _.:desapareceram e e:eàer~m espaço ª novas· alianças baseadas nos , s~ :.:·: interesses . que, sem escrúpulos, não hesitam . : em 
;;·:.: instt~me.ntalizaras pertenças ~tnicas, ~egionais . e raciais. 
·;·· Violência não é só a morte de Cardoso ou o massacr.e de 
· if' ; · M~n~epue.z ; é também. a mãe que vê o seu filho morrer :por 
• J'.·'.; ·f'alta ele pão ; .é o hoi:nem de Gaza ou Inhamban~, Zam.béz.ia ou . 
'..<~: :Nampula que passa dias sem comer e na tel~visão vê ~estiris, 
w:: .recepções ae .empre"sários OU W.O!'kshops de ub.iversi~ários OU_ 
.:.:>'.· poüfü:os. ".Violênc"ia é quando se vêem pessoas a s<;>frerem rio 
·.::'.::·:)hospital e a não . serem · atendidas porque não. têm: .dinheii:o 
-: (?: ·:para entrar na clínica· espedal. Violência . é quan~o o 
. :>: : camponeses produzem muito e .. os produtos apodrecem porque 
._.<.': · -: Oã~ ~ esc~amento de produtos agrícolas. ··~~lJo~~ncia é quando 
, '·. á.s.· terras do.s ·camponeses são anexadas pbr estrangeiros para_ 
· ;: .: bclsmo -em detrimento dos valores e · lugares simb6licos dos 
( > ·grtipos e das populaçõe;. Viplência· é quando o~ pai~ vêem as 
. :_:. : filhas utilizadas pe>r indivíduos quf! transforma~ ·.as mo_ças em 
.. ~-:'. · . mercadoria que se , vende ·e se compra. V~olência _é qua_ndo os 
• ( '.""·pais não têm mei~s para maµdarem os seus filhos. à e5cola ; ê 
'> ·. qltando os moços, depois da formação, .. não têm acesso ao 
:: i:nerc~d.o ele trabail_i.o; é quando tod;t uma so~iedade per_de o · 
'·i: 
.•. ·•. 139 
. ' . . · ·. 
. ~ : 
·. ' • , . . ' 
.. .. ( . . · .. . ~:·t ' ... ·. : :!" •.• ;-: . ~:· ·. · .. ;- · r··~: •• .. ~·.·. ·· ·.·.~· 1 · r· -r.:t ·~.r--:-~· ·~ ... - · · ···-···· ''"'' ·· ··:·· ·· · 
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·sentido de ·· dignidade e torna-se lugar de reali~~ação da 
mis~ricórdia e caridade de todos os países e ONGs do mundo. 
Es:ta situação de violêricia é até contrária aos valores 
teóricos do p~óprio liberalismo. Então, a situação que viv:mos 
não é. ~cplicável a partir da doutrina .liberal, mas a partir do 
lugar q~e (ele) ocupa na com~inação entre o fuk~Y,ª1:11-iano . 
« fim· da história » e o nosso lugar extremamente penfenco no 
sistema. internacional de-globali:z;ação. 
·, = .. • 
. . Apesar das tentativas . de alargar a globalização a uma . 
dimensão cultural por Pª1:~ de f~iósofos .como 
53
ó fra~cês 
Gerard Leclercs4, os canadianos Paul Dumouchel e f'1erre .:,: .· · 
LevyH º!-1 o italiano Maramao55, a globalização é, antes de · i:·· .. 
mais, um fenómeno da ocidentalização . do· mundo, como 
defende Serge Lato1,1ches6• Mas esta ocidentalização de:> mundo · · ·:: ·. · · 
vis~ essencialmente as economias, guiadas pelo mercado que, ·· · 
por sua vez, ~ubordinam as tecnologias, sobretudo as 
·: I .' 
tecnolog.ias . de informação. · . · · 
·. ·Por isso, não é surpreendente que, apesar de sermos um ;:- ; . 
país periférico, tenhamos em muito pouco tempo entrad_o n~. · ";: 
. sistema informático : emails ciber-cafés, . celulares. Nao . e . ,;_': 
surpre~ndente .que na Mafalala não ~e . bombei~~-. as ~guas : ;·::: ·:- · 
estagnada,s ·que contaminam as ~esso~s . com ~lána . e ~o lera, .. : . ·~ : ,: 
não se limpem as .ruas~ mas_ se -criem s1tios cc:im .. nt~et . , ~ue ~ · · · , 
pr~ocupação das uµ.iversidades seja estabelecer um ensmo a ·_;_- ~ · 
52 La mondialisa#on culturelle. · Les ctvilisations à l'ép~euve. Paris: PUF, 
2000. . . . . . · la dir D. '. p · y 
53 Mondialisation : perspectives philosophiques. Sous . e ierre- ves 
Bonin. Québec : La Presse de L 'UJ:!Íversité Lavai & Paris : VHannattan, 
2001. ' 
54 World philosoph~. Paris : Odile Jacob, 2000. · . . 
ss P~saggio a . Occident€. Filosofia e globalw:azwne. Torinó: Bol!ati 
Boringhieri, 2003. . . . . . . . · • · z .. 56 L 'oá:id'ental.isation du monde. Essm sur la srg11ifi.catíon, la portee et es 
limites de l'uniformfsation planétaire. Paris : La ~écouverte, 1989., · · 
140 
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·, . .. ~ ·. 
· i . . 
·i~ . . 
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distância, não obstante Os custos, a· falta de eiect ricidade 
. falta de uma . tradição de . leitura. N~ô é surpreendente 
. sejamqs l it.eralmente invadidos por canais de rádio e televi (' 
RTP África, canais brasíleir9s1 . GNN, a Rádio Fra ( 
Internaci~nal, a BBC, a Voz da: Alemanha, etc. 
. De facto, nunca. o .mµndo produziu tanta riqueza, ma: 
mesmo tei:npc), segundo · o sociólogo alemão Ul~ich . E. 
nurica se produziu 1:anto risco, que chega até a.quilo que (' 
.Retorno do Bom Selvagem eu chamei de natureza morta57• Or r 
que,se .. globaliza. não . são as . riquezas, mas os risco~. Sã 
Mozal, indústria extrem.am.ente poluente que funciona a tri 
quil9m,~tros .de ,M.iiputo, é a vin<!a de pessoas que n,ão t 
.lugar nas próprias sociedades. O que se globaliza não sãc (' 
henesses J mas os riscos. ' ('' 
Desde o . início da trans1_çao das liberdades co 
independê'1c~a às liberdades como desenvobrimei 
económico e social, começado em 1957 com a independência e 
Gan~ e ac~lerado dui;ante o década de sessenta, que 1 
~ncontr.amos (nós africanos) diante da nossa maior apo 
histórica - desde o fim da escravatura em 1865. Essa aporia (' 
.jdentifk_ada·em primeiro .lugar por J. Ny.erere5ª na conferên 
de Arusha de 1965 e gel).er_alizada depois da queda do muro r 
Berlim ·e da aceleração dos. intervencionismos económico: ~ 
polítkos do Banco Mundial nos noss~s países. Nyerere di ( 
claramente 'q\lle o grande problema c6IIl que estávamos em e 
confrontados ·não era a. escolha de u ma: área ideológica entr· 
· ~querda e a direita. · Qµer ali~ásse~os pela direita, .q1 
alinhássemos pela e~querda estavama~ ' condenados a cair 
- clependênda e a ser neqcol()nizados pelos países capitalistas (' 
sociaÚ.St~. ' r· 
. . 57 Ngoenha, O retorno do b,om.selvagem. Porto; Salesianas, 1994. 
58 Socialismo Ujaama: Lis~óa: ;Ed. Setenta; 1977. · · · · (' 
141 
. . · . 
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-.:·· ."· ··~.: ... 
. :.' _··· 
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Nyerere antecipa-se em· vinte aneis- aos . soc:i6lo_gos do indústtia alimentar faze111-- · tom que a própria sobrevivência 
pós.-:guerra fria, diagnosticando qµe o â.mago do problema para · · deperida·hoje do factor te-:nológico;~. 
· a África nã;o residia na adesão a um dos . blOcos que se ,. Para fugk a este n~ocolonialismo, ci eco.ilomista Samir. · 
opuseram desde o início · da . política bipolar em 19i7 até ao >· . Amin propôs o · que . ele.· chamou de «. ~esconexão ». Não. 
«fim da hist6ria », mas nas relaÇões aporéticas entre ricos e :~. . significava . um qiu:ro napoleónico com ;pirâmides egípçias 
pobres, o Sul e o Norte. O Sul pr~cisa dos investi[mentos do ~; . .<?htre a África e o resto .dé.1 mundo, mas u~ econpmia auto-. 
Norte para se desenvolver, mas na realidade a ajuda do Norte ;;: · e.entrada:, tendente a sair de Ul)ll sistema económico colOnial ao 
independentemente das suas modalidades, longe de ajudar o · }. . : ·qual t:oc:la a África fc:>i- submetida desd"? 0 itiício da ccikmúação. 
desenvolvimento do Sul, remete-nos para uma d1P:pendêncía y. · . e que as independências ·políticas não n9s · permitiram . sair .. 
neocolonial, muitas vezes mais perversa c:1ue o próprio r ':Tratava~se ··de ·· pensar a nossa produção· econ6mka não 
colonialismo. l. · prioritariamente ein t~mos de e...'tpçrtação1 extroversão ligada 
Há nisto tudo . algo de filosoficamente estranho. O , .':'. .·· ·. às necessidades de consumo dos países do Norte, ufas de 
Ocidente moderno deve a: s~a · modernidade ao facto de se ter ' .. i:· · ... pensarmos em. termos .de . nós, das nossas' necessidades e de 
emancipado de Deus e de todas. as garantias meta-sociais qu~ 'Ç : ·ti:ocas .entre n6s, atjtt:s de p·ensarmos no !'.esto do mundo, o 
se .realizaram no domínio da ciên~ia desde Francis Bacon; no . /- q1.1e, aliás, ia no sentido da teoria de unidade e federalismo de 
·domínio da política, com a proclamação do Estado moderno e <· .N. Nkmmah59, · · 
do Estado Laico, depois da revoltt<;ão fra~c:esa. Esta t Hoje não é possível, nem nos fecharmos em nós como 
emancipação trouxe como cortsequência o fimda filosofia da r:· -rezava a . teoria · de ·Nyerere, nem nos desconectarmos ela . 
história. Doravante, o homem. não tem nenhum modelo, não '::·· chamáda s·ociedade global M .as ao mesmo tempo, não 
visa nenhum milenarismo. Mas, ao mesmo tempo, o homem ~- podemos. ignorar os . factores . culturais, nem omiti-los nos 
~cidental se autoproclama, p~r~dqxalm.ente, modelo para o f: nossos 'difereutés 'projectos de desenvolvimento. . 
resto m~ndo. Assim, o Sul e a África têm um mc>delo1 uma ~::. · A questão ·que s~ nos . apresenta é tentarmos ver co.mo 
· filo~ofia teológica · da história, uma garantia meta-social e · f. ,podemos inverter a nossa de sitt~ação d~ importadores de 
mesmo meta-histórica. Em suma, a história ocidental >t,: · riscos em importadores de benesses.? Mas, p~r detrás desta 
proclama~se quase essencialmente diferente das histórias- ... . .questão unediata, a verdadeira questio: filos6fica não _é saber 
antropológicas dos povos. caracterizados pela« perinanênda >~, .. F'.: .·.·<=o.mo· :podemos modificar ª npssa· · situação n<> xadrez 
pela imutabilidade~ T . · ecot:i6mico mundi~l, mas como mudar as regras do jogo, pua 
Contudo, depois do seu brilhante dfognósticc1, a tierapia . "t· .: enveredar .· · p~r .. uma- .. eco~omia · que j não . com.porte 
social que Nyerere prospecta é o socialismo Uja.ama. . J/: . : intrinsecamente a produção de minorias ritas em. detrimerito 
Socialismo africano pré-marx~sta, intrinsecamente ligado à !: ·. ·: de uma ~ioria pobre~ 1 . . 
. terra, ao campo, à agricultur~ capaz d~ nos levar . não ao. r >· . O. Ocidente não . produz só riquezas e benesses, · mas 
desenvolvimento ligado ao modelo ocidental, mas a uma ;: : . .. ·também p!'.oduz a atgu~entaÇão científica sobre o risco. Assim 
sobrevivência' colectivà. ivias as bi~tecnologias, os OGM; a (< 
. manipulação genética dos ani~ais e das plantas, ª emergente · . L. 
142 ~: ,. 
... :; .... ,• ' ·• 
143 . .. 
. · .... . ,.- ... ·., .. ~:-.- .. ........ .... .. . . 
·~ f" ::! !l ~! : u~ , ; 
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a impo~tâneia . do. saber, · dos saberes, da argumentação 
científi~a, ~~sta' luta de David contra Golias e fundamental. O 
papel do ens'ino, das universidades é fundamental. l'-lão se 
trata de UIXl. sab.er que é cópia, repetiçã~,: com pressupostos 
externos e extrínsecos às necessidades das .pessoas .. Trata-se de 
uma universidade que esteja.engaja'4 com o próprio povo. 
No Ocidente existe um controlo social das universidades 
por parte da sociedade. No nosso seio tem . qu~ .haver um 
contrato social claro entre os intelect~ais, cuja v_ocação é estar 
ao serviço do maior' número,. com . as preocup~ções reais das 
pessoas. O inte!ectual tem . que ser um · hermeneuta que 
i~terpre_ta não a Africa para o "Ocidente mas o Ócidente para a 
Africa; que não dê espaços. de intervenção para qu~. o 
Ocidente nos possa inundar com os seus riscós, mas para que 
nós possamos importar benesses de que nec~ssitamos. Mas 
isto depende de um projecto de sociedade, 'de um .projecto 
poHtico, ~ este tem a ver con1 o Estado. . 
. Ora, o Estado Moçambicano é um artefacto em crise. 
Mas ~ crise do Estado é geral a t~d~s os Estados d.o mundo. O 
Estado já não é o símbolo d.o avanço do espírito em· d~ecção à 
liberdade, .como tinha teOrizado Hegel. ·Hoje vivemos o fim d~ 
história, que não é simplesmente ? fim ~e uma alternativa ao 
liberalismo triunfante, mas é também a crise do contrato social 
nas socieda,des e noi; ·países onde o Esta~o era pr~;.nadonal e 
emancipador. Vive~os a crise d~s liberdades e o .perigo de um: 
colonialismo de retorno. 
A crise ou o fim do Estado não .pode ser confundido com 
• o fim da história em termos soterioló.gicos, dado que toda · a . 
organização social é histórico-temporal ; como nasceu, um dia 
vai chegar ao seu fim. O fim de uma instituição como o Estado 
significa a ~ua substituição por outras formas de . organi%aÇão 
social mais aptas a responder os · desafios .do tempo presente . . 
Neste sentido, se a instituição Estado ·não é· a mais aptà pan 
regulamentar a vida social, é ill~smo nec~sário que· ele seja 
144 
.;·, · ........ .... . ·.· ............ 1 - -·~ ·.• , . ' 
:.·: . 
. ·~:: · . . 
'.;:' .· 
·;:/ . 
substii:u{do por outras ·instituiÇões·, ·ma.is aptas a responder aos 
desafios temporais. Todavia, a regulamep.taç~~ d~ vida· social é 
uma prio~idade absol~ta para qualquer sociedade. A 
regukmentação tem a ver com o direito -enquanto pressupõe a 
. exi.!ltência de leis susceptíveis de mobilizar homens e mulheres 
. d.e raças; i:ulturas, reg1oes, et;nias diferentes 'twna dinâmic<!. 
.. ~ i; '.~·.: . comum; que não dependa de nenhU:m. elemento de separação, 
·.;;:;: mas ela força unificadora da lei. . . 
":v :: '· Ela tem .a ver com o ec~nómico na· medida em que os 
. .
. :_. :.·_:·:.·~.:·.·.:~.:.·.:: ... ·: · · · indiv:tduos, sob .a mesma tute~a .da l1~i (o que que)r. ddizer que . · -decid:iram viver juntos, que ·tem va ores comuns , evem-se 
':°)/,, '· . . sentir co.:.respons~veis uns pelos out:i;?s, devem s~r solidários . . 
. ;.Y < . . · ·. As:>irn, ~esmó ·. s~ existenÍ e se reconhecem diferenças de 
.. \? · : · capacidade, de inteligência, de possibilidades, os co-cidadãos . 
·:. '.: .. _i,;_:::. devem, não obstante tudo, sentir-se ligados por um elo que os 
leve a ser solidários. Neste sentido, a .justiça · não pode :f •. significar simplesmente qa~ a cada • Ulll . O , q~~ lhe é 
'· · · supostament~ · de.vido _ou mesmo as mesmas poss1b1hdades de 
· :::'!.L ·~ pai-ticipaçãp. A justiça significa co-responsabilização colectiva. 
. . :~,: '.,. .Q que permite a UU'l empresário avan~ar nos neg6cios é a 
· :r:~i/'· -, ··. sua p~rten~a ·ª .Mo'iambique. Por isso, ele pode: e deve exigir 
.
. :, .. •.· ... ·-.r:;-.·~: .. _.·,; .. ·.::_. '· .· . · · tiiails · possibilidad~s~ ma
1
_ ioreds. e t:elhore_s _oportuni1d~d0est·uqteulee .. qua quer estrangeir.o, e e . po e . e g,e_ve extgll' que a ei 
·:.:%".:-. .... · na concorrê~~ia com os estrangeiros, ele deve exigir que o 
.· _:_'.;,·~.'.fc;,'.,.-.:_<:_•·.. ... . E~udo facilite a ·expansão e o aumf ento das ·sduai; afcti~i1da~~s , · indu~triais. Tod.avia, se-o Est.ado o izer, como 7ve aze- o, ra-
. ·~. ~ iV.::. 1 : · .-: lo em nOme de u~ pac~o . . da m~ça,mbic~nidade que faz com 
· . ':f.:> que bom~n~ e mulheres de ra:ças, línguas, religiã~s, regiões 
. _:_ ~:,,;.·:: ·. diferentes, estejam ligados num pacto . de reciproca co-
·: ./, :_. responsahilização. Assim, ele tem dever~s pa:a com os ·seus 
· t> .. ~- . conddadãós, · através d.o · lE"stado, . enquan~o instrumento de 
.'. tY ·~ .reguiamentaÇão ela vida.· social. 
· ... '·· . 'Neste sentido · paaar im.postos, seguir . a . 
·>Jf; ' respeitar os . traballi.ado:es .. nos : .. seus dh-eitos , 
145:. 
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legalidade, 
tempo de 
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trab alho, salário que pell."mita v iver dignamente, respeito pela 
pessoa que está. ao nosso s~rviço ~. é um .acto de cidadania. 
[ _ac~ores do l~st_;ido estavam. interessados ~~s próprias· coisas, 
( .. . ~:-1~adas e_ Il1Ulit,ci pouco inte.res.sados nas coisas d~ ."todo~, Os 
,. : umgentes_ po _íticos · são vistos pelas · 'po.pula"ções :como 
r.. ·p~edadores de bens públicos para interesses privado~.' 
t' . . . Em . conseq~~ncia, nós fomos vot~r ~ segunda ~ezcom . 
;;; . ·· tde1~ clara d~_q_ue ·~ arbitràriedade eta mais Ím.porta1:1te d~ que . 
.. t ,··. · .a le1 ; que a .in1usttça, o roubo, as assimetriasj eram as coisas 
· Nas cidades, muitos moçambicanos têm empregados 
domésticos, . ins~ituição colonial , que muitas lázaros s"ubidos à 
cadeira do senhor herdaram sem condescemlênda e muitas 
ve&es · com tirania. l~to · signifiea que muitos de n6s somos 
patrÕes ou temos pessoas a~ . ti.osso serv iço. A n1esma questão 
que se põe aos proprietários . de empresas, põe-se aos . que têm 
domésticos ao. seu serviço : onde e como v_ive1n ? Qyanto 
ganham? Qual é a situação da -educação deles . e dos filhos? 
Qyal é a situação da saúde? Q!tantos emprega~os d~~ésticos 
ganham . por mês o que . nos gastamos num ju~tàr no 
restaurante? Aquela . . justiça· que ·reclamamos dos · nossos 
patrões nas empresas; ou com o pais._dos países elo Norte, n6s a 
.: :J> . mais. importantes. F omÓs VQtar com uma d6lar~cracia, com o . 
L; :. dinheiro. se·nda ~ - único valor e não ~m Ín.efo para a~ingii: f ins 
·; ·\·.:;: sociais ·· · pré-~tabelecidos. Resultado:·· · a'.ceder ao poder 
'( ' significava acedei ao dinheiro. . 
aplicamos qu~rido somos revest idos de poder ? . . . 
. o tema de justiça é tão velho quanto a Hlosofia ela 
· mesma. Se o direito e a moral se aplicam desde s:empre para 
des...;.~ndar o seu mistério, é porque a justiça, como bem v iu 
Kant , está intrinsecamente ligada à. questão da paz, questã() 
central da segunda República mdçambicana. , 
Começamos este trabalho dizendo .que, - ~ara os cientistas 
soci~is, o povo moçambican o foi .votar nas primeiras eleições _ 
para sancionar o fim da guerra, isto é, para a ii:istauração da 
paz. Então . dizer que os actores políticos devem ser julgados 
pelo mandato claro que tiveram dos ele_ítores, significa que 
eles devem se~ julgados pela sua capaddade de busc~_r a justiça. 
Assim postas · as coisas, · é difícil pensar que os eleitos 
cumuriram com o mandato qµe· lhes foi . c:Q1'.Jiado pelos 
~leit~res,. pelos menos. aos. olhos dos eleitores eles _mesmos. . · 
Com efeito, o sentimento popular em relação ao Estado 
n a · primeira legislat_ura d~ segun da Repí1blic:a era . que, 
con trariamente à situação da primeira Rep{tblica em ·que o 
Estado estava ·demasiado ·presente, · de noventa e cinco a doi~. 
mil o Est~clo estava demasia.do · ausente, ou então :· que os 
146 
: ~~:."· . . · .Qy.er diZer q~e o subs-~racto da- vida política não obedece 
:·'.:: :-: ·~ n~nhum prindpio "étíco"; as 'leisº não secundam a p~ocura da 
;f. )USl:l.ça. 0 resultado disto é . Ulll . sentimento de . injustiça 
: { ·. generalizado e uma constante .àmeaça à paz . . 
. ·~:·, A guerr_a d.o Zaire foi seguida por tima "afirmação da 
· : , e~tão Secretária_ do · · Estad? norte americano lv.l;argaret 
. J\llbright s47gundo ·a .qual a Africa estava conhecendo a sua 
· ;· · . . P,l'Í~eira ·_ guerta ·mundial. O que ela queria dh:ei- ~ra que ~ 
'; · Afric:a tiriha frontei~as não realistas nem yiáveis e que era 
_; ·. tempo _de repensar . as novas fronteiras. · De um kdc:1, · os 
;.·:: . principais actores ~a poütica internacional pensam· em refa:zer 
r'.: . as .frontei'ras c_olc:>riiais ; do outro, os actores africanos, . apesa( 
_ de reconhecerem a inl;ficácia sócio-eqmó~ca da geopolítica 
. herdada do colonialismo, continuam . a defendê-la como o 
' :. principal actor político . continental, pela única coisa que ela 
. sempre.defendeu: o respeito pelas fronteiras coloniais. . 
O debate em volta d~s fronteir~s ~ameça com o _fim da 
.· ·= · Segun~a Guerra -Mundial. "A questãb era: saber em que.espaço 
geopolítico dev~rfamos . proclamar as Íri.deperidências para q~e 
.:: elas não fossem simplesmente cosméticu. As ideias .· de 
'. Nk~triah, não encontraram um terreno • fértil -entre as 
·-.·: ·. ambições pessoais dos . líderes emergentes d~ época · e . a clara · 
,. vontade neocolonial e de contr:ole das antigas potêndas 
147 
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·, . ·· · . . · , i; .. •· r· ., ' -: ~ . ::::;·_;f'r· : ; -·~~-,..-: ·:-.: ~~:· ~--;-.'. ~-~: .. . ···.· .. '.~-· ·;::.~ : -~;.'..~;- ··~:F:r·r: ·;·f.:·_::; ·.~.:~·_,·· :~·::~ :··7::-.. 
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co1oma1s. A conjugação destes dois factor.es · acabou 
favorecendo um grande conservatismo .e uma grande falta de , . 
ousadia para questicmar os substractos e as principais ,. Patrice :Lumumba, para 0 substituir por um Mobu'tu: 
instituições coloniais. . ' · . InfeH~m~nte, as práticas políticas do continente nio cessarão 
Às .teoria,s do~ Estados Unidos de África e da ' ele . se inscrever· · nos · par.adigmas neocoloniais . claramente 
manuter1ça-o d~s . · frontel'ras . colon.ia1's vieranl ªJ'unta.r-se as ;1"' :· · bl · .. d d d . · · d' z · &· 6 E' · r 
L · e.sta .e ec1 os es e os .eventos . o a1re e 19 o. 1s porq\.1e se ~ 
ideias de espaços de . cqmplementarida~e económica de . !• . deve ~·audar ~ d.eterniinaÇão com . a qual . a união africana 
Mamouciou Touré e de Mamadou Dia, e as ideias de · l .. , interveio e . pôs cobro . ao golpe de est.ado ern S. Tomé e 
homogeneidade cultural' de C. Anta Diop. No funclo, a questão . i, ' . · · . Príncipe, esperando que seja o início dum~ nova era. 
não era só traçar fri:mteiras ou r~speitá-las i era a p~eocupação : V O conflito do Zaire p.ós-Mobutu não se limitav.a a 
de . ter independêndas que não fossem cosméticas, mas "ti' evidenciar os l imites .objectivo~ da geopolítica herdada da e 
susc~ptfveis de tra~er verdadeiros .~esultados também em l· · coloni~aÇã~. : C hamava .a . atenção do continente sobre a 
termos socio-económicos. :.f' : necessidade impelente . .'de retom.ar o_ caminho da reflexão de 
No debate do fim da década d.e cinquent~, Nkrumah :T . . · ·uma geopolítica susceptível de trazer resp?stas aos problemas 
t inha chamado a atenção para o perigo de porm?s ~África na : F,'' . com os quais as populações ' estavam . cr?nfrontados. Torna, . 
situação de. ser económica e socialmente re-colonhada - o que : ',;',:.· ..... . . assi~, actual a necessidade de um.a unidade, a necessidade de 
se está a verifi~ar h~je -; do perigo de vermos os antigos . . pensar nos imperativos económicos e nas complement~ridades 
impérios voltarem incentivando o t;ibalism:o. Vimos isso no ~ · .' .· económicas (Mamadou ';('ouré e Mama1ou D1à), n a 
Zaire de Patrice Lumum~a onde a Africa se .mostrou incapaz ·: .. ~· necessidade de pensar na dimen~ão cultur~l (Cezaire, A.zikiwé 
de unidade, de solid~riedade, de determinação para se bater ·,:: e e. A~ D iop), de um desenvolvimento ª1;1to-centrado (Samir 
pela sua liberdade. .:. A.mim e Nyerere). A estas «utopias anteriores» vieram 
No fundo, em 1960, três an~s depois da primeira ';:: · · .. ajuntar-se novas tentativas: O « Renascent Africa » de T abo 
independência, ª. Áfríc~ tinha demonstrado· não estar em· '".< · ·. Mbeki6º ·e 0 NEPAD6'. · . · · ( 
altura· de assumir «o· que a respons~bilidade com~orta como .:::: . . . Se ·qe . um lado. isto . é pos1t1yo porque represent a a 
responsabilidade ». D!!pois desta data, o que aconteceu, '. :.~: . retomada . de um . debate .de ideias . no continente, podemos 
- incluindo a história política moçambicana,. é mais folclore, . ~ -i . . lamentar que este resl!urgime~to de debate de ideias se 
cosmético que a~go de substancial e de real. No Zaire, o .'}:; . subordine .a imperativos económicos (NEPAD) e a uma visão 
neocolonialismo tinha se implantado criando as '. premi:ssa.s da ,!,\ : · neo-liberal (RenasceI;l.t Afiica). . 
trib~lizaÇão política (a ·que Nkrumah tinha chamado de :U':· Pode 0 Renastimento africano liberal, sob a égide da 
balcanização) que infestou a hist6ria política do continente i . t~ RSJ.1.., ser um µiotor liberthio para a África, o u o governo 
cria'ndo as premissas de uma alternânciade poder feita ·de t' ·' . 
golpes de estado, de uma prática política feita de violênda: e de • V: .. 
assassina,tos. Mas, sobr.etudo, usurpou e privou os povos ?/ 
africanos de .4emocracia, fazendo assassinar o eleito do povo, ;,: .: 
148 ·.· . 
~ Africa : 'fhe Time Hçs Come. Cape To~ : Tafelberg & Johannesbmg : 
Magube, 1998. · · . . · . 
· 61 Lorenzo Craxi, . Nepad · o il nuovo· futuro anteriOre afi'icano: Torino : 
Einaudi, 2004. 
149 
. :. ~ ' . ." ' . .•. . ._ ,. . ·- . . .. ,." .. , .. . ... - " "':~ ... · t .. 'f.-r, :- : .••. --: ... -.- .. ,'?;" ... '"'"õ : ... ~.-,: · ·:_~~.·-•• ~. ,,...~_ ... • ... . - :. . :. ·:--.: :~·.· . . . ...... ~ ... ... . . .. . . ·. . . •r, ·',-:·" _ _ .,. ---7--------~--. - -:·-· ·~ ··· - • · • -· .:. ·- ··· ·.· . .,,- :- ... · ·:~.~ · · ·· ··1;: •' 
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negro da RSA vai simplesme'Q.te caucÍónar e legitimar as 
veleidades hegemónicas de certos interesses sul- africanos ? 
O período da transição do Apartlieid ao. governo da ANC 
enco.ntrou Moçambique também num período de transição 
política e de incerteza muito importante, e isso foi-nos fatal, A 
SADCC para a · qu~l n6s tínhamos contribuído 
substancialmente para criar e pela qual pagamos \11'.~ preço 
elevado, nasceu contra a teoria da constelação de Voster e 
como insttumento político de resistência regional contra o 
imperialismo .e a dominação racista da RSA. Mas, no · 
momento · da transiç~o ·democrática para a qual tínham,os 
contribuído, nós grifamos.pela nossa ausência. 
A então SADCC pea;nitiu que . a RSA mudasse .e · 
reencontrasse o . seu novo equilíbrio . sem . nós. Em vez . de 
termos a nova RSA como membro da dinâmica política 
regional, tiransformámo-t10S em Satélites da nova África do 
Sul. É como se a passagem de SADCC . a SADC fosse, . na 
realidade, a vitória da teoria da -.co,nstelação. . 
A desequilibrada geopolítica de Móçambique, com a st,;1a 
capital na ponta sul, foi o resultàdo da ·necessidade de proteger 
o porto contra as investidas ocupacionais e anexionistas da 
África do Sul. A RSA sexnpre quis a~exar MapU:to, po~ ra~ões 
militares (conflito Anglo,.Boe:r) e económicás. O colonialismo . 
. português sempre se opôs quer a ceder o porto· de Maputo, 
. quer à divisão do país pelo Zambeze. A ·primeira República 
também se opôs veementemente às veleidades aneJdonistas 
sul'.'africanas . . 
Ora, a primeira República termina com os aco1::dos de 
paz .e com as eleições após um longo período d~ . perra~ Esta 
guerra não foi civil, nem· sequer foi unicamente fratricida. Há 
uma série de questões que merecem ser postas. Qli~is ~ão as 
verdadeiras razões da guerra ? A queo:i é que a guerra serviu ? 
O que é que o · país ganhou ? O que .é que o pas percleu ? Há ' 
outros vencedores ? · · 
150 
i. 
' i .· 
E .... :.,t t A ,. • t ' . .u .. em .res cenainos poss1ve1s.: 
1°· Cenário : O país pe~deu. 
A guerra civil .significo~ . para o país um retrocesso· d~ 
ponto de v.ista ·· humano; do ponto de . vista econcSmico ·e do 
i · ponto de vista ~·ociaL . · · . · · . . . . 
, . . . · . Do P,onto de vista. humano; foram . destruídos todos os 
: '; · tecidos sociais que _na primeira República, e mesmo antes se 
. ·tinham· dificilmente cozido. Hoje ' 11ós ~omos tribalis~as; 
. : ... ·. · radstas, mas_ Sc:)bretud6 adoptamos esta nqva doença .Ocidental 
que se chama o individuallsmo. . . .· . . 
. ; ··'.·. .. . : . ?~ ·p()~t? de .vista e~o~~mic;o, . as p()~c~ i~aestrutu~a~ 
· :· .. : '': que tmhamos. foram .. meticulosamente destruídas ·e a nossa 
. · '"· .. · díVida f!xtema i:9r~o~.:.se '-"ma das mais ~levad~s do mundo. 
i . , • Do .ponto de vista:· social, t~das ·as ~edes de solidariedade 
: foram destruídas e, no seu lugar, nasceram à desconfiança 
' .. ... entre vizinhos, famílias e mesmo ·no interior de uma mes~a· 
, . família. . 
\, 2º Cenário :.Ó pafs ganhou. . . 
l;·:... Pode-se avançar o argumento da paz: ~ p~ís conquistou 
;: .): a.paz! . · · · · 
i: "< . : ·. Mas O· que · .é a paz? É simplesmente. a au~ência da 
i .· "guerrà? Qual é a relação entre a pa; e a justiça ·? Um sist~ma 
· ;· ~ : injusto ou .percebido · como . · tal. pelas populações é 
";--._ :· ·. necessariamente fonte de conflito.. Com efeitq, existe ·uma 
~· i >·relação: intrínseca entre injustiç_a - ou. a . percepção de uma . 
t '
1 
real~dade· como .injjista - .e a viol~ncia. A segunda República· ~ 
. .i/·'.,··.percebidapela pppulação como individualista e 1.nJusta.-
>.··: :· ', . No·. mesmo momento em que aumentam no . país o. 
.J_; · :._P:um~ro · de Bancos, d~ v,ilás luxuosas, de viagens 'para shoppihg 
. i· 
1 
:.e1n Nelspruit,_.' Lisboa, Dubai ou para o·. carnavciil do Rio de 
. ·~ Janeiro, Moçambique foi aceite no. programa IPIC do · Banco ·. 
~ - , .. Mu11dia~ destinado aos mais pobres do mundo. : . . 
~· •' . · . • : 
. ' 
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·.:· .. ·. 
151 . \. 
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''"'i ffií! 
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-r ~ 
:·;:~·. 
-r } ~ :~ 
i; 
'i J.: . •. 
. o segundo argumento que se pode avançar para d,efender 
a vitória do povo é a in~tauração da democracia. A favor desta 
tese . podem-se · O:i..ostrar muitos inclicaqores a :começai: pela 
actual constítuição, a eJCÍstência de um Parlamento que se quer 
representativo, a existência legal de pa1·tidos políticos, a 
existên~ia de · meios de comunicação de massas privados : 
rádios televisões 1' ornais ··, a existêO:cia de ensino secund~rio e · 
1 . 1 ' 
superior privados, a existência de associações, etc. 
Apesar . dos eleme~tos positivos apenas mencfonados, 
podemo-rios questionar quanto ·à natureza da âemocracia 
:· ··· 
... , 
• .. 
.:.· .. ' 
, .t.' 
. moçambicana e quanto à capacidade de os partidos polític.os 
serem represen:tadvos na sua forma actual. Podemo~nos 
interrogar quarito à. capacidade de . ·as populações 
moçambicanás .. . compreenderem e, . por conseguinte, 
participarem de urna maneira consciente numa democracia 
que não fala a língua e a linguagem d.as pessoas, que não haure . ,; 
a sua legitimidade in~titucional nos imaginários colectivos das : "· 
nada, nem sequer . de si m~smo, vai.i à.prender a arte do 
. empre$ariado ? Este dogma liberal - que eyacua até o postulado (' 
snlithíano da necessidàde de r.espeit_ar as regras . es~ataís e 
. mesmo divinas . 7 niio· contém nele . mesmo os germes da 
corrupÇão e, por consequêni::ia, da violência que . se assiste em 
Moçambique ? Ele não acarretou consigo a con fusão entre o (' 
. . público e o priv~do ? Entre o home.m político e o empresário ? C 
. Óu ainda ·pior, não transformou ~ política · num meio para 
atingir objectivos. individuais de carácter económico ? Desta 
. forma, não falsifica ~ democr~cia e :O debate polít ico ? e 
. Ç~nio têm defendido alguns especialistas (Sabelli, Suzan 
J<?rge}, e~dste • o risc.o de se hipotecare~ as liberda,des das 
popukçõe5 às alianças . entre as elites (politico,econ ómicas, { 
sem e:x:d uir uma part;icipação 4as elites intelectuais) e os 
interesses de certas .facções ultra-liberais do Norte do mun do. 
populações. Ou sej~, de ~ma qemocrada que se apresenta mais .·. , 3º Cenário : Exist~m outros vencedores. · 
como uma ·cópia das instituiçõ.es políticas, . jurídicas e :· . · . Talvez eJdstam ven~edores dai segunda guerra de 
constitucionais do Ocidente, que, em definitivo, são respostas :. '<.. . . ·MoçaJ:!lbiq~~. Mas . será -que se tenham que . p1·ocu.ra;r em (' 
políticas e jurí.dicas aos proble~s . com os .quais os europeus • 't_ . . . Moçambiq~e e entre os moçambicanos ? Não será que se tenha 
estiveram confrontados nu.m determinado momento . da sua ., ·:.. .. que procurar os vencedores entre os q ue até há poucos anos 
história. · · •:onttQlavam as alfâ.ndegas na~ionais ? Entre os que conti:olam 
Se a nossa democracia não encontra ª· sua iegitimidade.. .:'.: . . . as nossas· fro~teiras marítimas:? Entre c;;s que controlam o C--
no interior do paí~ e do povo, .onde é que vai buscar ·a sua· .,:>_.· :t~áfico financeiro e mone~ário? Entre ·os 'lue querem .constrtJir (' 
legitimidade? Na comunid~de . internacional.? . Nas ··'.:';.: .: . bases milital'es no país? Ou tem que se procurar os vencedores 
Organi.ações Internacionais? Nas . Embaixadas? · Na ·/'.'.·,..: . :·entre ~s que inundam lit eralmente MoÇan;tbique com os seus 
funciação.F.ord?Ondeéq.ueestasi?stituiçõesforamhuscara .,'.j. , ·: produtcis;· ao mestno tempo que maltratam e. humilham os (' 
. sua l~gitimid~de política e moral para poderem legitimar e · ... ' . moçambicanos, n ão obstante os sacrifícios feitos pelos 
servir de garantes à democracia Moçambicana ? . . . · ~oçambicanos pela sua libertação ? . . . . . 
O terceiro argumento que se pode a_vanç~r - é o r:nercado . Em definitivo, parece.,-me poder diz~r que nós, e quando (' 
livre. Teoricamente, ·todo moçambicano pode ser empresárior · •. digo nós, quer_() di.er, nós· moçambicanos perdemos a guerra. 
Mas onde é que os moçambicanos vão b~car o dinhefro para ·A Frelimc) _não ganhou, mas também a _Renamo não ganhou: O 
investir ? Onde é q~e esse. povo qu~ ~unéa foi prop'r.ietátio de . país teve . u:~ número inconf~sável de mortos, aleijados, as 
Ínfra.:estruturas económicas, escolares e .educativas destruídas, 
' . . . . 
i52 
· 153 
. . . ' 
· :.~ ::.:~.:~.:-·,~ :-:""7 .. ~"7--'77·i":"' ... . ...... --~~ ·-~7~-:-:~~.....,..- - ,...,....,.,.., ~. ~: .. -.-.. . ,. · . .... _., . -~·~ ....:. :.-·· "'.!'~~:;--· : -:- ~.-.~.· ~~_.·-:_. -. ·_ .. ;_; · :-.~! :~.~ T-:-:;: .. 7"'-.-.-.-.. - .-: · -. -·· ··~ ... -
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O país teve os seus diferentes tecidos soda is gravemente !' ·. · · . partidarismo em :MoÇambiqi.'..e, i~ia também conduzir 
:afectados. Mas se · a Fr~limo não ganhou, . a Renamo não · •· da de~oci:acia mono-racial da RSA, leva:ndo os dois p< 
ganhou e o povo também não ganhou, ·quein foi ~ vencedor da . r .. . " . alinhatem ,na úti1ca política e organização social possível. 
guerra ? ~ .' . • · Isso · ievaria · a tiµ:>.a inudança política na .RSA 
Aquilo . que a . RSA nutica conseguiu nem no período · :. , .. também ii, mudança d.as relaç~s sociais e a~ pr• 
colonial, nem na primeira R~pública f~-lo depois da guerra. Se - ··- '. ctist;rib~~ivo dos recurS()S econ.ómicos. O primeiro procei 
~ porto . de Maputo não foi anexado nem Moçambique foi político ~ caminhàva sem problemas, mas era previsível. 
separado do Zambeze, é 'evidente que sob . o p~nto d~ vista .. ' · · segtirido fosse muito mais complic~do. A RSA teria h< 
. puramente econ6mico o sul d.o país ficou mais vulnerável aos .. . .· de. . cores e raças diferentes a trapalhare~ pax:a cria:r 
interesses económicos d.a RSA através d,a auto~estrada. i\.1as · : ·; · . dirt~mica unívoca e comum, a· qu~ mais tarde se char 
. mais . profundamente, riunca como hoje a economia do sul de · , : visão de.New Sotfih Africa: . . · . . 
Moça~bique esteve tão· <lepende da econoni.ia sul-~fricana .. O~ -:. · Ora, enquanto as conversações entre M ·andela 
talvez se) a melhor dfaer que. nunca houve ta~to conformismo : '" . ·Clerc decorriam : :~om: altos ' e baÜos, . nós .ficámos a as 
à h egemonia ~conómica ela África do Sul como hoje. . Perml.timos · até que países e co~unidad.es mais longfr 
Internamente, dada a vizinhança entre as províncias .do ' ·· · 'que muitas ~ezes tinham sido cúmplices do X"egim 
sul de Moçambique c:om a maic?r potência económica · .. Apartli:eid; t omassem· parte c;lo processo de reconci.l 
continental, o sul, como · Lázaro; recolhe das migalhas que · 1.. . . Deixámo~ · que : os . co~promissos ·; entre antigos ma 
caem da mesa do Senhor. Aliás~ a África do Sul, investfodo . · ·i. ·• " ·ii:lterO:os se X"es.olvessem e acabamos ;endo nós a int.egran 
quase unicamente no sul, contribui parn aum~ntar as . :· t.· . RSA n~ que p~ssou a ser a SA[)C. qra~ p peso economio 
assimetrias n o país o que aumenta os problemas no · tecido . . . a SADC.C queria combater passava a ditar as suas própria 
político nacional. . ~': .. e obj.ectivos ao organismo que nasceu 'para combatê-las. 
A nível regional; a SAPCC tinha nas1cidb como uma :. · :.. . · .Se tivéssemos que comparar com ·o processo eur1 
instituição económica vocacion ada para. combater a hegemonia .l :. · d'ida~os que a . RSA é a Alemanha re~ional, quer' pela nat1 
regional do ~í~tema · de . Apartheid. Tràtan-se de uma i . , . ·d~ ~ua política qu~ levc;>u à Segunda Guerra Mun,dial, que1 
cooperação económica pela negativa, mas historicamente . . '.::: "· . importAri.cia económica que tem no <7enero mesmo da Eu 
necessária . . Todavia, . e.sta instituição con:ieteu . dois erros .· / ::·: :: : .A FranÇa teve. a inteligência política: de começa1· .·a integ1 
h istóricos fundamentais. O primeiro:· não ter sido capaz de se ;::L:. ' .europeia com . uma Alemanha airida .: fragili 
transforma~ num : organismo priorítariiimente político. ' o ... economicamente; mas, sob~etudo,, moralm~~te, r: 
segundo: ter aceite ser 'f~gocitado ·nas lógicas da . expans~o . ··' dinâmica, q~e começou com o econ:ó~ico, mas sediment< 
economicista da RSA. · . : .. '. no político. É exactamente a valênci~ política da Europa 
Q u ando se estava em conversações entre De Clerk e · ·(· faz com que possa existir uma ce~a. igualdade ent : 
Mandela para a libertação deS.te último, era claro que se estava ·· ;; :· .' . Alemal".lha e Por tugal, entre a França e a Bélgica,, ep.tre a I 
num tit:Ocesso in.e\ut.ável,â.e mud.anÇa. füa óbvio q_ue o mestnO ,): :._::" ·. e'o Luxemburgo, etc. o qu~ a relação de· trocas não po.de f:a 
hc.\.<:i-t .- t.\:m. O.a '&u.~uah\.a • C\_-U.t't\'):\.b..~ \~'\la~() ~li:) n.m Ü.o mon.o~ .".-.~·~~: ~·:> ~ t~·lo. u~ dinâmiCa política lúcida. 
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Qyando a África do ~ul estava ·num processo de 
transição, nós pod~ríamos ter. transformado a SADCC num. 
estrutura política, com. uma_ espécie. de. organismo parllamentar .. . 
consultivo, uma espécie <{e · instítuiçio ·penal para arbitrar . ·'· 
conflito~. A posição mora~ d.a Áfrjca .do Sul p6s-Aparltheid não ·:.: 
teria permitido que não integrasse estes organismos nas suas .. 
dinâmicas políticas. 
. .A maneira como o processo regional foi . co1nduzido 
:: . 
permitiu que os interesses econ6micos e hegemónicos da 
África do Sul, . desta vez mediatizados p~los novos .actores · :-: · · 
políticos; se tornassem, ele facto, o grande vencedor da guerra - · ':'.· · .. 
não ·só: em Moçambique - e · expandissem a sua hegemonia ~ - . 
económica· pelos: p#s_es .. da região e mesmo mais longe no . ~ .· 
continente. Se a aproximação · regi~nal (SADC) foi guiada .·:-(:'. · 
(como · parece ser) por es.ta 16gica·. ecouomícÍst;:& e de !,:·,;;; . 
Renascii;nento Liberal, como foi teorizada por Thabo Mbeki, . · . ( 
. então as teorias constelacionais de Voster'teriam ganh1::1. \) · · 
Nelson Mandela teve a intuição de conceber o direito ·' · 
não como ·nos _é apresentado nopnalmente pela iconografia, • +: 
uma mulher com uma espada na mão pronta a corltar, mas '_( : 
como uma costt1refra que, com riluita paciência e tenacidade, 
coze as diferentes partes, liga linhas diferentes a· fim de criar . ~· · 
um tecido único. A intuição de Mandela foi boa . . O que a ·. ;, · 
África de Sul tinha necessidade não era de uma mulher c9m · · 
espada pronta a cortar, m.as. do trabalho ·paciente e meticuloso 
de uma costureir~ capaz · de recozer ·as .relações sodais·. Podem-
se disc;utir ·os métodose os resultados da co~issão de 
reconciliação chefiada por Desmond Tutu, mas não a fil~sofia 
que a subentende. Aliás este é o coração mesmo da filosofia 
· Ub1.t~tu62• 
62 Joaqui.no Mbana, La 11ouvelle courante de philosopliie africaine. Torino : · 
L 'Harmattan, 2003 .. · · · 
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!':. · . . 
: · ·: 
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NãO se. pode se.parar a filosofia ;Ubuntu da política d· 
Renas.cent . Africa. Ora, . ela apre~enta duas . apoúa (" 
fondamenta is. Primeira : o: Renascent Africa tem uma vocaç~ (' 
continental. Mas: e_sta vocação não tem em conta; para forn .d 
RSA, a. necessidac!e de se f~zer preceder ou, pelo men.o: 
acompanhar por um p~ocesso de J;econciliação da RS_A com 
continente ou pelo menos com a ri;:gião. A recoriciliaçã (' 
limita-se ao interio~ do país e não tem em conta a dest ru.iiçã 
eco~ónlica .e dos tecidos sociais · dos p àíses vizinh os ' 
nomead~rii.ente, de M~çambique. (' 
. A New South Africa supõe um sistema de discirimínaçã (' 
positiva orientada para ·dirn~nuir as divergências entre classe: 
raç;i.s no ·'interior do país. ·Qy.ando olhamos para as .relaçoE 
· entre a RSA e ou seus vizinhos, apercebemo-nos que, pai 
. além da dimensão elo discurso, só a dimensão econ ómi1 
conta. :Em termos de balanço_ de t~ocas ec<;>nómicas, _ªs r elaçÕ• e 
entre Moçambique e RS~ sao piores . que as relaçoe.s entre_ 
Moçambique colonial e a Africa do Sul do tempo ~o Apartlm, e 
·. Segunda .: se a dimensão do Ubuntu se faz s1m~lesmen 
em-termos Cle qiscurso a nível .i.riterno e a nível regional, m ; 
não se consegue inverter a pirâmide e entrar num sistema . ~ 
di~tribuição . e _de solid_ariedade - ·. como a União ~urope1 
ap~sar· do. seu liberalismo,_ fa;z; para os país~s. ma1s fr~c · 
·economicamente, e lá se · está, a nív:l ~o poht1co - e~t~o (' 
costureira ·ubuntu vai fazer trapos . hge1ros e pouco solide 
s~sceptíveis d~ ser rasgados ao pequeno;movimento. (' 
. . . Contudo; apesar da necessidade d~ termos presente est (' 
elemêntos . de «fronteira», talvez tsobretudo por es:arm (1 
j~stamente _consCiem:es desses problemas que nos. vem 1. 
exterior temos que nos defender _reforçando o tecido soe_; 
interne;,' a UJ:}idade nacional, a . moçambicanid~de ; CU) (' 
in.Ímigos principais são hoje, do exterior, os novos s1ste~as . 
clomiii.açã~ representados pela globalização das econ~m1as, d 
prograill.as de ajustamen.t.o estrutura~ :do BM, o · sistema ' ( 
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dívidas, os s.istemas de ajuda. De forma nsu.ia:lida : os 
mecanismos do ultra-liberalismo. Os inimigos do inter.for são 
a falta do sentido histórico das elites combinada· com a sedução 
acrÍtica e doenda d.a pecúnia. 
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C~pítulo IV 
Por u~ triplo contrato m~çambitano 
]'. \ ~· .... · AC:::::~ul:::~ce" · ;,~, fa~, hiStMcamento 
· F.'. ' . importantes : · a democracia grega e a· 'i.{emocracia liberal 
k herdada . da Revolução·. Franc.esa. Na Grécia '.Antiga, os 
· 1· . . cidadãos . eram .chamados a participar .directamente na .vida da 
'f · . cidade; F~i este.estado de coisas gue permitiu· a definição ~a 
. r:. de~ocrac1a c~mo o gov.erno do: povo pelo povo e para o povo . 
. i'.'. ::. · .. : ·Ma~, :muit.o rapidamente, o facto de cctncecler .o direito de 
. ):' . voto.sc,S a· algumas categorias de pessoas e de recusar.a outras 
~:" ~at~gorias c~ja ' culpa era .simplesmente ter J:?,ascido e pertencer 
a· uma. determinad.a categoria sod.al (escravos ou militares), r" . cri.ou 'Uma ·certa ins,;itisfação. .b...Jalência d.a· cl~~ocracia grega 
i- resi4e: ~o ~eti'ex~lU.Sivismo, na sua incapadd.ade d.e p6r. todos . 
. j:: .· · os ~< c~d.adãos » .em pé .de igualdade: Foi para respo:i;ider. a esta 
. "! ins.~d~fá.Ção · d.o· modelp . g~ego .que os . pais . da Revolução 
··· . Francesa de ·· 1789 puseram : em .... causa os princ1p1os 
:. \ .~ ·: '. fundamentais - ·d~ .· gov~rn<?. das ·sociedade~ ' enc~madas pelas 
.• ·. ;, . ·:·. in~tia:i;'quia.s e.:· ~s sociedàdes feudais estabele~id.as há mais d.e 
.:. ·dez. séculos ·n.a Fra:nç~: e ·na Europa. Pàra .os revoluciónários, 
\;. . : estas fçrm~s d~ governo eraxi'l profundamen~e· h:ligualitárias, 
. ·~ · ·· ·injtístas e· libe~Üéid~~' E.is a ra:zã.o pela qual eles propuseram 
i· . uma nova ' orclém f-unda:da n~s id~iais didiberdad~, igualdade e 
. t . i ·. d·~ fraternidade a que ~lt?; .eh.amaram de orderil. democrátiC:a. 
; ',; · ·: ·.i t:f ~f .. i)là'4~;~i;1~'.J~:I .. ~-~:-~:: : · .. ·. . 
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Assim .vistas as · d b · ·,·d · l · l · t:" h . . . , . _ coisas, a emocracia comporta duas ;' con.ce em a sua v1 a so9a e co ect1va. 1~1~ o que eu e amo 
~art~s · _uma ax~olog1ca e outra institucional. Sobr,e 0 limo ;: contrato cukural. m~ttt~ciona~,_p~ndo em causa .as monarquias que ex.traiam a :._ Um dos paradoxos da democracia Uloçàmbicana é que 
propna legittm1dade da transcendência d h' ., .· d .". ' ela. põe 1'ustarnen_ te em causa uma série de instituicões como º· 
t d· - · 
1
- _ . · . . ' a istoua e a ; . .-ra içao, ª revo uçao democrática cortou 
0 
cordão b'l' 
1
· ~ : · até então m6no·partjdarismo da Frelimo, ~estatuto político d~ 
ent . · d d . - . um 1 1ca . . . Ie a soc1e a e e a . tran dA . . (.' . ri . "/f . . . t .. . b'l' . . . - . -. . ·,. . _ scei;i enc1a, . inscrevendo· na· i· 1"enamo, etc. lVJ._as, ao mesmo en1po, rea i ita 1nstitu1çoes nao 
Imanencia ·ª fonte de toda ·a -legitimidad 1) · d ·· · clem.;crà.ticas, como são · os . << hossanados » p. o deres 
· d d e. este mo o a ;: socie ª e adquire uma real autonomia colectiva · · ' ;;· .... tradiciona_is. A _demoi:racia deveria radicalmente questionar 
s b .· 1 . . 
0 
re 
0 
· P ano dos valores, o conceito de igualdad , ;;, essas instituições ; ao invés, pa~ece reabilitá-las. Ainda mais · 
expresso nos c:onceitos líbe1:ais do século xix . ede L pre~cupante, é que essa .rea\)_ilitação faz-~e sob o impulso de 
P
el . ' . d o' ' 1 e concretiza o r .. 
• 
0 
~~i-_i;.cipi~ '··'' ª ec aração dos Direitos do Hom.em e d~ \: .. uma série de organizaçõ~s int~;-nacionais; contta a vontade e a 
ci~ad~o.' A dn~'lensãci axiológica repousa essencialmente no ;:.· . compreensão ·dos acto~es polÍtÍce>s n'.;.cionais: . Sob a égide de 
r;:nopw da •gualdad~ em dfreito concebido como • .;,. [ ' . ·u,na sociologia polítiá bast"l,\\e em .Yoga que p<etende que a 
a stracção para corrigir as desigualdades naturais. . ::· diferença de . ' representatividacl.e está no binário cidade 
-:-- dimde'."'ão axiol6gica da demoe<aciá impõe, do unu ~· . (F <elimo )-campo (Renamo), identifica o campo com º' chefo 
maneira apo 1ct1ca e não negociável · · l d' ·. · · tradicionais que teria~ sido os ptincipais suportes da guerra da. 
d h . ' ' ' o respeito. pe os ire1tos r ' ~ _omem, a tgualdacle entre os cidadãos e " respeito pela . ·,.( • Renamo. lvlas, ·de uma ma.neíra mais ptofunda, existe uma 
dignidade das pessoas. Ap~ar de terem visto dia n~ Oddente espécie de . antropologização das culturas africanas e . sua 
estes valores conquistam gradualmente 
0 
inundo frit~iro ; ~'. . consequent~ - _condenação hegeliana a · um perpétuo 
tornam:se parte do patrimónjo da humanidac!e. Elas são ~ma ~·: · tt'adicionalismo a-histórico. 
das.maiores contribuições do Ocidente para ah' t, . h { ' . Parece~me óbvio que não se ttati de ressuscitar as 
S 1 . . 1s ona . umana. : ~: ,:_. . 
. . , • os va º"' não são negociáveis, as in,.ituições ·•
0 
, uadições dita' a&iean.,, P,liá•, tradição que dfae< tradm' o 
mves, ~u~ca. conheceram, na história das_ democraci~s, ~ma ~> que se trans1nite. de um . grupo e de _uma geração a outra. 
forma . ~m~a. Se ~' valore• têm. uma . vocação ·univeml, . a· :· . Todavia, . nenhu~a &«ação · aceita o pamdo que lhe é 
dtmensao mstttUClonal da democrac1ºa releva da h' t' .. d . :; .. · transmitido de uma maneira actÍtica.Cada geração olha paira 
· d · is ona, as .... . . 
_socie ades e das culturas. Isto explica a diferença enorme· de :;·: . trás para ap:reeii.der o que o· -pass~do tem de bom e recusar o 
modelos democr.áticos entre sociedad~s com UIDjl. t d' - 'J~·: que nãC? lhe convém. Ora, esta escolha faz-se em função da 
democrática provada, com.o podem ser 
05
· EU. A F :ra tçao ;:.... vida . . presente, da realid_ade soci~l p_resente. A nossa realidade é 
I 1 
· , a rança, a t .. ,._ ng aterra, a Suíça, etc. . ,; . . d.emocrática, de participaÇão colectiva.· Se há no passado, nas 
As instituições melh · d 1 . · '· · instituições algo · que · nos . possa aju~a:r neste elã . de 
d 
. .d . ' · or, os mo e os institucionais da ~.;:·: · .. . . ·1 Eb · emocrac1a . po em ·· e devem. - mudar pod. en~ . d democratiza,ção, que possa senr1r para .aqui o .a que · ouss1 
l 
· . ' ·~ e evem ser .:." . . acu turados, haurir · ·a sua legt'tt'mi'dade d . . .- ,- . • .-. · ~ha ...... oU: u_ top.ia critica, isso é beu_:i· vind_ci. Mas aquilo que nãp 
l 
·d . os 1mag·1nanos · :e --. .-~ 
co ectiv:os', as lmguagens das pessoas, da xnaneíra como eles ·.:t serve. e é mesmo contrário ao :espírito do tempo que vivemos, r·' ' não tem sentido qu~ seja ~eábilitado: 
"t~.": . 
' •, 161 
160 
r . 
' ' ' ~ . . " k; ·-- .-·' , .. , , .. . ,.-- .. :--~·". , .. :-..-. . .. 
. ·:·;- '·'" ..... ... ~·-:--.... ·.-.~ · -:-:··:·· ~ -::~ ·~ ·-~~~~~·:;~ ·"7~~;~:I ... -·· -_,.. 7 .. : .... ~ .. : ;}~ ·~ .. · .. ·,·: : :·~~: ... f;:.'T_:.'.-~ ·:"'·:~·.·7.''..'. ·:·_:1·. ". · .. .. ·· ··~-~-~~~~·~.> . •.';' ·:.:~ -~ ~·:- .. :. ·-: "·: ·. '· . . . . . . .. . . . ::: .. :.: . ' ~ , ~ . . : ... . ; ·. .' . 
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Aliás, nos debates que: emprenham fortemente a filosofia J 11ensar . ~s condições de: · possibilidade da realização da 
africana, muitos .pensad.ores t~m acusado. a tradição "~fricana dt~ 't d~mocrâ:cia a partir -das próprias particularid~d~s históricas . . É ' 
ser responsável . pela situação de . pobre~a e de r: üecessário; ousar . enfrentar a· própria cultura e a .. própria 
subdesenvolvimento. Acu~a-s~ a tradição africana de não ter •·; história. · E preciso ousar esi:.udá-1~. a sér.io, frequentá-la do 
dado ao continente força para competir com O\.\tx-as culturas e: f interior, para poder · interrogá~la . r1a sua· fol'1na · e nos seus 
tradições, por causa da sua não democratização. O chefe, o ~· mhstnctos. · · · 
ancião teria nestas tradições sempre razão, Em co:11s•<:quência, o f ·· · . A ·componente -que falta às nossas lei~, ao nosso avanço 
debate político e social não seria possível. Acusa-se: a tradição ·: [: · chmocrático_, ao nossq' debate institucional J mesmo político é· 
de não ter de~ocratizado o ensino e a transmissão do saber. . ~: a dim~nsão moçambicana . da política e ela de~ocracia. É 
As nossas tão « hossanadas·» autoridades tradicionais e J·::: .. n~cessário conhe.cel'., a.fundo 4uas tradições i a tradição fo~al 
mesmo os régulos . n\fo escap_a,m . il. esta 'ti-adição não. ; .~~ .. 't;: .. : _.das. demõa;a,çias -ocidentais e, sobretudo, o. que ela subentende 
democráti<:a da qual~ fllosofia africana· qt.ter distanciar-se, mas ·· ·~:; :: :: sob~ pont~ de vista da diferença:formal em ,termos de história , 
parece que há tentativas dos n~v?.~ Hegels de nos atracar a elas· C, · · cultu~al :dos djf~rentes . povol!, . Mas mais . importante ainda, 
ad vita eternam. r . tE:xn.o; que conhecer as nossas tradições e cuJturas para, a partir 
O contrato cultural_ não é para mim a . r.eabilítação das ~> d!~las, pensar · O· di1·eito e a democracia~ para que as nossas . 
instituições ancestrais. Já disse :qlie os valores da demo<::racia +" : · instituições · possam haurir a sua legitimidade elos imaginários 
liberal não são negociáveis. 'Então de que . é quE~ se trata? J· c,-,lectivos das nossas populações. 
Primeiro: é preciso ver que se a dimensão axiológica da v·:: Insisto: não se trata de corihecer a tradição. para seguHa 
democr~cia . se manteve a mesma em todos os países ditos f-.. -· .. iril literam, mas para se in.spirar nela. e pa~a .sublimá-l_a. e, ' ' 
ocidentais, ª forma institu!=iºnªt variou de tugar para 1ugar, de · y-;: .... at~vés deste· pr~)cesso ele'. metástase, criar um direito que .sejaª 
Nação para Naçã~. Cada pafo pensou 'na dernocracia axiológica . .f,::'' · imagem e semelhança da . maneira como as . diferentes 
inventando, digo bem criando, parturindo insdtuiç~es sociais f ~: populações entendem a vida p~Htica e sociàl.- Não teríamos, 
adequadas a esta no~a maneira de socialização, a partir da f!: ... , ~.ssim, ua:>:a .d~mocracià incompreen~ível par~ as populações 
compreensão dos imaginá'dos c~lectivos das suas populações; a . {:~:;_; ~ ou; : então, . que se cala . par11-doxalmente · nas autptidades 
~· ·. .. . . . 
partir da própria história. . . :!/:' . t~adicionais, ao mesmo tempo que imita de uma maneira 
É "Preciso entender q·\.\e as . <lifexen.t.es . fotmas ·: ;~i::·. ::>~idíçula e a.:..hist6r.ica as tradições ocidentais • . ! . . 
i..n.sütudon.a\.s q,ue. a à.emQc:tad .. a \ibe.i::a\ t.eve são a . b.i.st.ótia à.as: '.Jt .:_: ,; : ·'. .. ;Más · c~fuo a : democracia· ~ ~m. conteúdo axio16gíco e 
i::e.s~ostas \b..\.st.óü.c.is e. socia1.s) 'q,U:e. os à.i..te.i:en.t.u :: ~aises /~· }~~ti :~~!~~fo~~a, .a: tradiç~o. é também, em: si mesm,a, ·um conteúdo .e 
\c.ú.\t.ui::al?.) Üe.'tàm. ao 'r'to°b\e.m.a <\a à.e.moc.nci..~ ~'.l\U~~~~~'.~ ~ ... '<#d~J~.~ll,i~·'. .~Ç'~ parte da crítica da filosofia africana à cra:díçã? 
con.tton..t.a<l.os .com e\e. n..um. m.om.e.n.t.o . à.a . ;sua b.is\ót\à. '.J,\!{ :fit:ri~e-:::a '.sua .. °forma; · mas-. também ·ao seu . conteúd~. E 
tem.aram. a sério du~s .. coisas: pritného, ,\:·(l~~~i~~d~~ .. J~~r. -~::,:~~~ê·;~~.<?·c,.~n~efro. 4e ci{tíc~ c~mpreeri'de' a avaliação de . 
valor ; segundo, a propna cultura e a pr6piia lust6:na.J:{a,Q
7
P._a(" ~~:~;'las:·.-, co_n:1ponentes : a,s · negativas, . mas , sobrett,tdo as 
aculturá-la de uma maneira acrítica na den;iÓ.C1rada::(~'.-~u~,~~' . ~füi~J~:~·;p,~f_~·:''s'~t ' futelectualmente honesta. e e;x:austiva, a 
levaria aos paradoxos da clemocrada de !\tEmas); .):i1ii·s :;.p~~;~ ~ü~i:.c{ey.e · t~rtt.ar identificar os aspectos positivos pré~entes 
. ·~ . . 162 > ·?;:~5~1:mi)_. ___ : __ ~-.-- 1~3 ___ :_ . . 
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nas tradições : nas · suas . formas e . no seu conteúdo. ~. 
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Montesquieu falaya do espírito da lei~ Per1so que é importa.~te1 f .. 
da mesma maneira, pensar no espírito que se esconde por , ... ,. 
detrás da tradição. · F · 
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Fa:zer passar .º nosso àjustamen.to cultural pelo egoísmo ( . 
urna. s.ociedad,e ela pa:rtil.ha. ·No fundo·, o cont rato c:ultural 
· significa ·apreender o essencial do espírito da tradição e .ao 
mesmo · teni.po, acolher : a modei;nid.;,de de uma man.'eira 
tam:bénúrítiCa e selectiva (Ka Mana). é inspirar-se nos ele.mentos mais problemáticos do Ocidente.. !>: · 
Toda via, não podemos tomar de ligeiro esta crítica. De facto1 _{ ·. . 
nós temos que analisar de forma crítica o problema qu~ as f.:. ·· · Democracia e qiltura(~) moçambica1n;a(s) 
nossas estruturas sociais compqrtam em ter~os de incremento -+;: Segun~o· o Acordo de Paz .de x992, A democracíaa~ordada 
da pobreza, de .. incapacida_de de invest Í·m· ento .económico. Mas/fi . n.< ,_ · 
b d d f ! ·em.. iv~oçamaique .ex. ige restJeito à diferença de. ideias, de opiniões e de so re~~ o, na, · man~t~nçao ~ um" s1~tema . .. que alvorece~ o l\:· . . . . . . . 
. p:u;as1t1smo e o espmto de dep~ndencta que ce1·ta1nente sao · t;· ·:· · · . cuituras; à 't~nsequente ' "igualdade na diferença ·e. respeit~ , .. [Jelas 
compon~ntes importantes il a · configuração . cultural geral da .t): instituições, .~~~ poder lf!gi.timad~ 63• 
·~conomia e do espírito · miserabilista qt1e . nos te~ f'::, ·; 
car~cterizado. · r::· Para tod~s as c;onsciências µiinimam:ente lúddas, hoje se : 
Ao mesmo tempo, quando olhamos para o Ocidente f.. : . impõe uma ·. participação maior das . culturas no deba.te: 
·temos que nos recordar que nem tudo o que l\!Z é ouro, que o t ·: ·· 4emocrático. Por outras palavras: urna legitimação do podéir e 
egoísmo é a maior sínclroma eª. maior fonte de desumanização ~:·;:. · -mesmo da .política nacional a pàrtir das culturas. A questão é 
do homem e dos conflitos entre sociedades que a história d:! t'. : saber qúaldeve . ser o nível de participação a ser deixado às 
.· humanidade conheceu; qtie. o ultra-liberalismo é um sistem:i L .. · . cultÜras, a fim de que se possa f~rja~ 1,1ID direito e uma política 
· econÓmÍC~ que não pode deixar de ·produzir pOUCOS tÍCOS .e ~\ . que . tenhal,ll numa moçambicanidade cultural . ôS seus 
muitos pobres. ~a~do o dinheiro e o egoísmo são as inarcas E':·. f.10dameritos teóricos e práticos. . 
distintivas de ~ma civilização, não se pode criticar nem a· Ç: .·· No discurso de abe~tura ·da xi! Conferência Nadonal 
escravatura, nem~ colonialismo, netn ~trabalho forçado, ne~ f\ · sobre a Cultura, o pr~sidente Joaquim Chissano afirmou: «a 
as guerras de ~et~óleo ou ·· ~útras, ne.m mesmo a proliferação ela l< ; .cultura é a plataforma a partir da qual ··se materializam os 
droga, do comercio de 6rgaos humanos, etc. . · . · . t_: .; · plan.os, programas e activ.idades tanto de c;;r~em material como 
Por outro lado, apesar dos seus limites, . as nossas · ~·:r d~ ordem . espiritual da . humanidade, . . das nações; das 
tradições e a nossa hist6ria. não são de deitar fo ra como. f/ ·: organizaçõe~ e indivíduos ». A importân!=ia da ·cultux-a. foi 
defendem Towa e Elung-u. Eboussi Boulaga dizia que ,a k~'{' reafirmada pelo Primeiro · Iviinistro . no seu. discurso de 
tradição_ re~~esenta o tempo em que éramos l~vres e .fat1tores da ·P:';. . ap1·esentação do programa do governo para 1995/1999 · à 
noss.a h1stona. l'vlas eu quer.o acrescentl!r que, apesar dos seus (' · 
limites (perigo de parasitismo, de conf~rmismo), a tradição r: 
representa, no seu espírito; a dimensão da solidariedaae. ~\: 6J Çitado por Ngoenha, Para· uma reconciliaçlio ~ntre a Política e a(s) 
Contra o reino do dinheiro1 as tradições africanas propõe~ t··:·· C1.tltura(s). Programa de reforma dos órgãos lof-ais; (PROL), Texto de 
. r~·-: , : .Disctlssão Nº 3, Mirust~rio da Adlninistração estatal (MAE), Editado por J. E. 
;.., . · M. Guainbe e B. Weimer, Maputo; Agosto de 1997: 22. • · · · · . . 
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Assembl ... ia da Repúblic.a64; .S~gundo Pascoa.l Mocum.bi, «o · · f d d · · ,_ . .. inspiram-se . nas especi ici a e:s culturais do povo. Os 
Governo inspirar-se-á no princ1p10 s·egundo o . qual o dirigentes políticos; o~ programas económicos e sociais partem 
desenvolvimento deve ter a cultura como po:1;1to de partida e de · . . não s6 das riecessidad.es das pes~oas, mas elo~ seu$ pressupostos 
referência obrigató~ia e permanente ». ·. , . culturais, da sua inarieira. de conceber, dia,~ suas possibilidades 
Os homens do Estado (a estes dois discursos podia se de entender, da sua . maneira de agir e ·da sua vontade de 
juntar o do . Ministro da · Cultura na Conferência sobre a · . participar~ É neste . sentido que se fala !de cultura política 
Cultura, que vai no mesmo sentido dos precedentes) e muitos · · francesa, que é muito diferente da cultud política americana 
intelectuais mo'iambicanos65 . retêm à cultura como um . . ou inglesa. Mas se o governo deve fazer u~a política cultural, 
ingrediente indispensável para o incremento da demo.cracia e ,. . temos ainda de saber onde vai buscar os pressupostos para t al 
mesmo no processo de governação. ,. política que, por sua vez,. t.em de velar pela' cultura. Quem va'i 
De uma maneir~ mais sistemática, a 11 . Ccmferência . legitimar a. p~lítica qu~ se arroga o direi~o de legiti~ar as 
sobre a Cultura propunha-se adopt~r ~tm pr.ojecto de política •· :i·":. culturas? " · . ·. · · · · :: 
cultural que ·deveria, face . às mu4anças íntrod.u:zidas pela , :. _ Uma ·'cultura não é· um todó monolítico, compacto . ou 
· Constituição da República de 19901 indicar o papel do Estado, '. ( . bloqueado, mas. i.urt ·conjunto aberto de v:alores em c~iação 
da sociedade e do indivíduo na preservação, fomento e . ~:.:. :· . contínua, em dialéctica constante. de afirmação de ' si ' e de 
promoção da cultura moçamhicana
66
• ( . negação, de convei::gência e de cÜvergê1i"cia. A criação e · a 
A ideia geral da Conferência foi, portanto, propor uma · · r· ·conservação de uma cultura não é simplesmente a · interacção 
política cultural, isto é, uma goven~ação que tenha em conta as · · ~.' 'de indivíduos cri~dores e de . política·s c:ultura.is, ·mas de 
. especificidades culturais m.qçambicanas. Em relação às :. -i:'. . interferências que , s~ ·exercem· entre d{ferentes ordens . de 
governações precedentes ~ . dos .portugueses e da. <<primeira :-,.·r:.· .valores • religi~sas, morais, políticas, j~ídicas, socuus, 
República» - há aqui uma évolução considerávet Contudo, ::(". económicas. Estas interferências sâ'.o essenciais e revelam as 
uma coisa é a política cultural de um 'governo, outra .é uma • f:: · relações específicas que assoe.iam .estas diferentes ordens de 
c:ultura política de u,m povo. Nesta, a política e a governação '.A\ v.alores, mas são modifiqdas ao sabor das! contingências .da 
· ;. :\':·:::: '. história. · · · . 
()~ C,\\a~o "QOl~~oe'tl..\\.a, Pnra. uma. reconct\iaçã.o entre o. Política e n(sL~.ffi\~·>;; . '.; Cada caso de interferência é ~m ~aso histérico particular. 
Cv1tul'U(s). "\'"i.()~~"ro'.a. O.e '!.~fo'tll.\'À Cl.1:i~ {:,"i.~~~"' \1:i~:~\i ~~-Cl~, · 11:.~~l,):~·M:!~· · ·:./Gon q~do,' . por caU$a · ela sua riattireza pr6pria, 'os ~!ores 
\)\~c\lss?.1:i 1'1" ~.),l\,'ffi\s\efo ~a hUmm\'1.\k'à.1t?.1:i es\'3.~\ ~·:~\~~~~~~t)f ;. i -.~· ;f(ti(!~s:i'Qs .. processos q~e i!les sio susc~ptíveis ele engendrar 
M. G\\am"bee'B . '#eunet,MaI>\l.to,~gostodel9~1 . ~ 23 1 ; -'.;: . ... ' .'.\'.~.~;:,;, ;,~'. · · ''.'. 0.\ . :' :>.,·. :· .' 1' · ·r ·d · l' · · , r., _ 
65 Citado por Ngoenha, :Para ttmci reco!tci:iação. e.1~t.~1Uz':· ~P,J.i~~ª1,~~ . .., .: J~t(;:,~~?!Pe a parte. De ra~to, ªvi ª Pº it1ca mani:e~ta . 
Cultura(s) . Programa de refonna dos · orgaos locais : (P}.~.QI,,~.:!;r~.~~; ~~~:fr.~~~ç~.e.s. de força que c:>poem aderentes e adversanos, 
Discussão Nº 3, Ministério da Adnúnistração e~tatal (MAE) ~· ~~t~~p)i~i'.~ ~·~~#In~· :'. Ú :elações entre privado e público~ e chega ao 
~- ~uambe e B. Weimer, Maputo, Agosto de_ 199?: 23'.: . ; · :.·; :;;);·?:: ~}/ik~b~i~~im~nto d.o pod.ier que cria relações de comando ·e de 
Citado por Ngoenha, Para uma reco'.1c1!iaçao e~tr,e a P?'{1~cª:·~ :,. ~~íêtú:fa. Esi:às relações podem fazer-se sentir na vida das 
g~:~:~f~·N;;o~iX:té~~º :_r:m::~ç~~:~~~~(~~J;;~k:~dJ;rt1 .,~~1~~~Ç~:~:~;,\ d.os . grupo~ ·e da~ .culturas. · Pek sua pr6pria 
M. Guambe e B. Weimer~ Maputo, Agosto de i997: 23:. . :~;: >:'.·~·-~V\ )}~ureh, '.a,;p~lítica. p~·adca unia 'ingerência efectiva na .vicla·dos 
166 . . 'j·(t.~i,!J ~~~t '\ ( . . J61 . . . . . ' •• 
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indivídu~s porque _ ela eierce uma: força latente reputada :;:_ , 
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leg· íÚma e necessária par.a manter a vida públic.a. ·Ora, a '. então elos-indivíduos mais &:otàdosdessas me l 
. :... . . . smas cu. turas, e 
fronteira entre :público e privado é fluida . e movente: ela ·: nao das ONG, das cooperações, dos doadores ·do FMI ·
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d 1 l.b d d . · 'P. . M dº 1 O .. ~, . ou ao \ constitui uma zona 9n e o respeito pe as 1 er a es · : .uanco. un ta . . s pro;ectos de socieda.de têm d . . 
· · · . · · l . · . · . e se 1nsp1rar individ.~~js, 'dos grupos· e das culturas em todos os regimes !: · . nos va ores, nos sonhos das pessoas e têm de b · 
. · . . . ' su screver as 
·políticos põe constantemente problemas à forç~ pública. A ·.:.· .suas . capac1dades para realizar esses mesmos pro·J.ect· I 
. . . . . . . os. sso 
prática de uma 'ordem pú~lica c;onstitui um equilíbrio incerto e .:: :. tmphca que os ' governani:es tenham de se basear nas r 
instável entre a força pública e as fbrças privadas'. ínteijgênC:ias moçambicanas. . e 
Enquanto tal, a vida política, ordenada em volta ·de .; ." . . . O 'único elemento certo, constante, que não passará com 
. valores morais e políticos indissociáveis, é part~ itltegrai;i.te:da'_;:. ; '. as mudanças ideológicas .como foram p ..... rimeiro os portuau 
· d . . . , · 0 e:ses cultura. Sob · ª· sua fonna mais . ru .. dimentar, ela su~ge·.· 
1
i ... ·: . e: epo1s os russos, bullaros, romenos,· alemães do este t (' 
... e"-ª·º os : m~. Çam.bt"canos. · . sobre .eles que tem de ser const,ruefdco., concomitante COtn O apare~imento de uma C<;'eJdstência Sqc~al; ' r; -
de uma comunidade-cUltural ou de um trabalho em COll,l.Um; A J: · . todo o. proj,ecto sério e duradoiro da sodedade moçambic~na . 
. . vida política organiza-se qu~ndo uma couú.tnidade culturaq.. · · Isto implica que . o Estado se deve reconciliar "'com 
05 
( 
àdquire uma certa consist~nda num deters;nínadc> território; i·:., . intelectuais moçambicanos; e que estes devem também 
quando começa a tomar consciência dela mesn"?..::. 'c: ;se considera /.. ... reconcília:i:--se com a. política. 
um· bem com~m digno de . ser afirmado e deferidido, tanto :~ ·· ' · Vatµ.os · ter . de reconciliar os jovens portadores de um 
contra os . seus inimigos interiores como exteriores. Então, as f, . saber moderno. e os nossos ·"velhos portadores do saber 
relações entre indivíduo . e it:,ldiv~duo pod.e1in tambémJ ,' ·.tradicional "Vamos ter de. reconciliar a 'cidõ!lde ~ 
0 
campo. 
t".'ansformai'-se em relações· entre cidadão e cidadão1• • , . • • • Sobretudo, vamos ter de retomar o contacto de trabalho com.o (' 
. Assim, é quase natural que os homens do p~der tenham Í: campo, varnos ter. de começar. a pe~sar que o futuro de 
a convicÇão . de que o Se~ poder se deve estender a todos O! i " : Moçambique está no campo. 
domínios culturais. De facto, os valores culturais emanam do i, ::. .• • . ·. O ana.cro1:i"sm~ hist6rico . que . 11os' habita quer que 
conjunto da cultura ambien~e ~a autoridad~ <lo p<>der político(, tenhamos consc1enc1a de .. que o nosso futuro, como . país 
.dep.ende, em grande part~, da su.a adequação a e:>ses valoi::e&.L: agrícola, está no campo, i:nas que deixemos 0 campo. para os 
Mas o exercício do . poder tende a inverter as relações -e O! : .•• estrangeiros; Isto quer . dizer . que deixamos o . futuro de 
governantes, muitas vezes, consí<leram que o clomíni~ da ( ; .', Moçambique e dos riôssos filhos .em mãos alheias. 
cult~ra depende do seu poder. Na re~lida.de, o poder polítii::o t ~- . . Pousar todp~· os nÓsso.s projeci:o~ políticos (construção d<n 
0 governo devem estar ao serviço da cultura que os su·scita e:oi é. · democracia · e instauração. duradoira da. paz) e · económicos 
investe. · · . .·· .~ ·~; sobre as nossas cultur.as, sobre a nossa terr~ e sobre os 
O · p~der polític~ ·e os governos devem fornecer àsf > ~oçatµ.bic~.no's não 'quer diz~r r~nunciar a entrar no que se 
· culturas niei~s necessá~ios para o seu desenvolvimento:Se.o}i': " c~ma q mundo moderno, m~s tomar ~on.sdência de que nós 
governo tem de criar ·condiÇões de desenv,olvimento, · .ele tem).";· , somos moçambicanos, não japonesei;, franceses ou suecos. Nós 
. de criar projectos. de sociedade que partaIJ;l. das culturas, ou;.~,· :, .nunca poderemos repradu.z.it as suas instituições políticas nem 
~· . r·,.. ter o mesmo percurso económico, t.ima vez que as nossas bases 
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.·• ··~'.-- " ic: :~:- "'''.7'1 ;: 1mwrnr:}J(riF:TI•.llr·J!·~IT~iá~~~l~!i~~illi:t~~í~~.,...;,n-errn.c 
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· Cultufa juddicà c11lturais são. diferentes. (sto nã'o que~ dfa~r q·M . .não possamos 
viver . detnocraticam,ent~. e d..esenvolv~r-nos . económica e. 
tecnicamente. Se . um desenvolvimento vai ser possível, ele • . ~~- · Desde há quase ~m século, e.xiste em Moçamb~ 
d "l f i· f, JI 1 . 1 ~... . gove - . . d . . l . ' ique ui tem e assentar naqu1 o que os ·i _óso os Íqea istas a emães : maça~ a ~art1r . e. c1ma. A guns vê'.em-na começar a par 
chamavam« o génio de um povo».· da centrahza.çao dos ·poderes em ·Moçilmbi"que c " d . · · - · · " . , onsequen< 
. O . Estado moçambieano, como todos os países do ,.· · ª ·Cnaçao do Estado Novo em Portugal; outr~s com 
mundo, é, felizmente, composto por uma certa elite. O_uem di:z redacção da Carta Orgâni~a do Império ;Colonial61. • 
Estado, diz administradores, funcionários, professores, etc. O ·. _A codificaÇão do · direito colonial, que em certas maitéri. 
génio das elites consiste exactamente na sua capacidade, por · ' ·· respeitava · ou deixa ya mesmo que ,: fossei:n · os direit< 
um lado, . d~ se apoiar na cultura e, por outro, de suscitar o aut6ctones a solucionarem .. ·certos · problema~ · na-0 · • ·f· . . . . . ' stgn1 ica> 
interesse das culturas 'pelas actividades .que, à primeira vista; '.· " um respeito . maior . . pelas cult.!uras moçambican~ 
não têm nada a ver nem com o espírito; nem com os interesse~ . :" (c_ultural~en~e influentes . p~x:a o di~cuuo de legiti~ação). JEr; 
dos grupos. Caso 2ontrár~o, as . pessoas desinteressar-se-ão da~ . . '.: '. · pelo con:tráriq, 'uma espécie . de colonização doce, que tinha 
actividades públicas (como é o caso dos eleitores do deputado · ! . '. vantagem de evitar revoltas por· parte das culturas nacionaü 
acima citado), o que é perigoso ·para a democracia e para ~ · Po~. ~ste ·feito, as diferentes culturas moçambicanas vivem 
desenvolvimento econ6mico. · l_. . d,e:de há quase um séc~lo, ~ fenómeno d.~ duplicidade jurídiêa 
Em · termos filosqficos, os gregos chamaram cépticos aos ! ... : . Nao obstante 0 seu estatuto sµbalterno, ·os direitos aut6ctone1 
que constatavam, mas não afirmavam nada. Os primeiros de · 1 • · · foram · s~mpre capazes de metam01:fosear-se e adap~•-:-se às 
entre eles resolveram o problema ~uspende.:i.d.o ;;, : 'Seu jufao e as ·. ~-' . . novas situações, aos novos .desafios. Esta é- talve:i; a maio[ 
suas acções, e refugiando-se na ataraxi~, uma espécie de noite . · f- :: . · prova, da ·sua dinamicid.ader adaptação e mesmo evoluçio. 
de sentímentos. Quem conhece a história social moçambicana . · ~::: . ··Existe'.. po,:tanto, em todas as culturas moçambicanas uma 
sabe que os chopes nos anos vinte suspenderam. nã~ ó juízo; . . · ~ ' tradicional<< duplicidade jurídica,», velha de sessenta anos. 
mas a acção, . e decidiram parar de trabalhar como (orma de · ;. :-. , · Ma~ es~es . mesmos sessent_a. anos viram o nascimento e o 
luta contra a acção coloni~l portuguesa. Pode-se mesmo pensar _: , i; :. ··:. mc~emento de uma ~strutura jurídica em . Moçambique 
que muitos projectos da Frelimo, mesmo. os mais justos . ~ .:.;-.·;'" ·. ~ab:~da, · não obstante a~ suas refer~nc~s europeias .- ·a 
·ousados, faliram por causa · de uma . espécie de ·sabotagem . ·~; ·: . . _: :I•relliri<;> não mudou .fundamentalmente 'este paradigma -, a ter 
\?assiva tiortiarte. à.as t>º\?ulações e <las cu.ltui:as moi;sat'Íl.bkanas; .{·~~ :'.::> -~~~ fl!-,Zer cont~ com a «teimosia>> e mesmo: a « ·renit~ncia » 
();:"-, a ô.e:c.t\.oc:taúa e. a \?ª'Z a c::.o~'-"N.\."t W.,o o.~em.. s\in.\.f1.c~X~:f}~{:.:~~;:~st~tur..a jurídica e política. local. Isto quer di;er.que, desde 
sl.m.ti\e.sm.e.n.'{.e um.a. au.s~n.c\.a O.e i-u.e.t.ta n.e.m, a s~~\e:~ .~.h~~;y~~{jJUr.1~1:.S<·;de ~nquenta. anos; se criou uma ·biv~lência. e11-tre duas 
mas a t:e.lação do -po<le.t q,ue tunsforma as_ telaç5es· ·- d~'.1fo ~- · ·~ -j\\'. ~~tt!r.~~: difei"ent'es, q~e tiveram que aprend~ muitas vezes 
. • • . ' • • 1 • •• :' •.: • . • • "! •• ('"' \ \ . • :. ~ • • . . . • • • • • 
entre as comunidades, grupos, culturas em rela_çõe~ .. ~?,-~,i~e-ifç;f: ;t.f;: ;;~::·;'.:.'.~ :"<:::: ::_ : :-. . . · . · ' 
' ' · .. ::~: :,:.·/>~:_::;q.f M<:~~ójp,o~ ~~o~ilha, Para .uma l'ecan~iliação entlfe ª· Polflica e a(s) 
· · ' :· , :.L ·r.<( .::· mç~~a({~!:::~~ de reforma dos órgãos locais (PROL) Texto de 
.. ~, '. ' ' ~·: .:';: ~f ~~:~ió:'3/!-~i~stério da Adxnfuistiação cstatal°(MAE), Edi~do por .L E. 
· · 1 ,.-~~~1!~Qi:e.~;Weuner, Maputo, Agosto de 1997: 27. 
~~~~:1t'f _ ~ 171 . . . . .·. ' 170 
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contra a própr.ia vo~~a~e·, a 'coe.x-istir e a transfor.maI"~m-se. ~o 
encontro de uma com a: outra. · " · 
. Se olharmos para o direito colonial português formulàdo 
pelos íurisconsultos de Lisboa para Jl1oçambique e as 
vicissitudes da sua interpretação e aplicação pelos act<)res 
políticos e jurídicos66, damo-nos conta da distância c1ue separa 
as inten~ões legislativas e as possibilidade~ práticas da sua 
aplicação. . 
. Se um diálogo tendente a . incrementar a pre_sença das 
culturas na leg_itimaÇão política se deve realfaar, es~e deve 
partir desta tradição ·moçambicana já existente: ~ão se trata, 
portanto, -11-em. sequer para o direito~ para a poht1ca_ est,at.al, de 
... 
i 
! · 
. J :. 
_ · pelo respeito dos diferentes pontos de referên~ia cultural de (' 
· todos os indivíduos) e também as garantias de cresdmento dos 
·indivíduos e das culturas no interior das fronteiras nacionais. 
. . ,S~ a ~deia de ig~aldade ~e direitos{ c~mo anunciação de(' 
prmc1p10, e . quase evidente, e menos obvia a concepção dE 
igualdade que podem ter as diferentes culturas moçambicanas 
•Isto quer .dizer que para que .a política e ·o Estado; Cl.tja: 
xeferências teóricas e históricas se encontram em ' outra~ 
culturas históricas e socieda.des, possam, não obstante 
enconti:ar uma legitimação cultural moçambicana, os no~so (' 
, legisladores têm . que ir hau~ir os seus paradigtna (' 
· constitucionais da dúplice história jurídica moçambicana (' 
" temperá:..los a partir da realídade. histórica actual. · . deitar fora a água suja com o bebe; mas, pelo contrar~o, de +-. 
transformar este diálogo ele força e de ·submissão dos direitos \; . . 
moçambicanos num diálogo de reconciliação. , . ·Pluralismojuirídico 
A priori, a tac'!;l.a mai~ importante ~ncu_mbe a pohttca ' A s~ciedade moçambicana é· de factp pl~r~l :, ()~ macuaC 
nacional e ao seu orgailigrama de organizaçao dos poderes . ;· não são. os macondes,- os changanas são ·diferentes d~-~ chope.r 
públi~os. Mais ·do que nunca, co~vém ·-para .evitar equ~v<:>cos_ - . ·,·. etc. Se um certo .poder or~anizad.or· do Estado é indispensáv~ -
reafirmar de chofre, a neéessidade de manter ª · conftguraçao para que uma certa moçambicanidaCle jurídica · seja, ,p.qssível, 
das front~iras i:iacionais. Mas a existência de uma Nação e de . . · unificàçãci do direito como condição da existência. d.~ Estad( 
um Estado responde à. .dados, pelo menos , na sua ou mesmo Um excessivo centralí~mo do ~stado poderia pô1r e1 
compreensibilid:ade e configuração actual, desconhecidos pelo-s ;.: : causa a pluralidade sociológica da sociedit.de69• · ·. 
diferentes direitos autóctones, portanto, não susceptivel de ser {.·.. . Hoje é importante reconhecer iªs diferentes · visõ,C-
legitimado por eles. Este é um a priuri que os diferentes . · L jw·ídicas nacionais e fazê-las dialogar com 0 direito dp. Est;;id 
3.\:te\tos têm q_ue inte.gt:aT uos seus tiercursos e 0 .governo elo. j :;:_.; ... . . C1,lja lógica e natureza é t~nta:r apropriar-se do mon~pólio o 
~"''-ª~º ... ~ O..eve . co~'-\'t~\:t · 'bat.a't\'te. h co'O.S~'Na~o ~~ . '~-t~~ · . : • : direito. Do discurso do Primeiro-ministro à Assembleia acim 
t,:9 '0.teU:a"' \.m.~\\.c.a . 1.\.eC.e"'"'ªJ:\am.~1.\.'te 0 "C.eccmhe.6.m.e~\~ :~~e -. ~t~k:{). ·; .:'.~éCl~;- . depr~e11de-;é uma vontade govern~tlva. , de .. ;~co~hece 
ó.~e.ito:s iiua\.s a to3.os .ºs -~\\e vwe.~ O.e.n~i:o . . ~~sas. ·~~-~n~~~ª.~l~;i,j~;u :~ ~~~>P,r.er~~~atív~s ju:ídíca~ próprias das . diférente;~ . cul~uras 
(essa igualdade passa mev1tavelment.e ,pelo rec()~h~~~.n,}~Jl,~~·:~ ~-~.~?f:i\; ::: !ffd_~ª-~ htcaz?.as .. e de mtegra-la,s: num . processo de /f!.t;alzzaçao e 
. . . . . :: .. ': ... ~\~"::::-f.:;~,! ;j;t'}· \t~?'" (~ ·: <:_ . ' ··. ' ' . . ' ' 
.' 6s e· d N _ _.i.n o . ·· uma reco"cz"lz"açao:. · :..-~e ·a ·p· 0·:1·1·1·;1:c;;a;·:e,;(r:,i;_fi · :;"tfKf:i'.:t~;:ótado '. p. br ' Ngoenha,. Para ~1.na reco1icilial'ãQ entre a Política e a(.s) Jta 0 por · go..,,.._, cara " """" : . .,_,, 't;,, ''" "'.•. ',. ·. ' · < " ' .. · . • . T 
Cult;,,a(s). ·Programa de reformá .dos órgãos locais .- (PROL),A~~9,·;·!1fü~ ·;;;i.}S ·~C.~u'.·à{i;J:. · ;rogra_m.a .d~ reforma. ~os ~rgãos locais (PR01::-). Texto d,e 
Discussão Nº 3, Minist~o da Administração estatal CMA:J3), E4i~~ r,>r{~~~ f ,~Wl ~-:.:; . ;~~·cussao. N 3, ~teno da Administr;içao estata~ (MAE),, Editado por J. E. 
M. Guambe e B. Weimer,-Maputo, Agosto de 1997: 28. '. '. .. ; .. ; <._~t:: {!.;>;<:: ~l~.-9~~.mbe ~ B. We1mer, Maputo, Agosto de 1997 . 33. . , 
·172 :. ·:· ;':::·'..' :1_}:,'. {J5~ktt-.;·:· ' .. . 173 
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de governação. E~te tipo dé vontade e de determinação do f, Isto quer dizer que o poder de legífero do Estado deveria · 
Estado tem commumente o nome de pluralismo juirfdico. ~· parar nas fronteiras dos ditos subgrupos, a fim, de -permitir que 
Existem, porém, diferentes t•eoi.-ias de pluralismo juríclico•. · f as diferentes jurísdições locais continuem a exercer. o poder· 
Se as principais teorias do .pluralismo ju:rídko foram t · que lhes .é pr6prio. () r~sultado seria a existência de um poder 
elaboradas no . decurso do nosso século, algumas vêm de ~. ju:dd.iCo nadonal qtie se consagraria a regulam,entar-as relações 
tempos mais longínquos. '..· globais entre os diferentes grupos moçambicanos, mas que 
O ensinamento tradicional do · direito consiste em } deixaria livre autqnomia de gestão da vida · soda! e política aos 
apresentá-Lo como um atrib'\lto de uma sociedade tomada na f- - . diferentes grupos·m~çambicanos. 
sua to'talidade. E neste sentido . que se fala do direito r o Estado moçambicano é portador de .uma -certa 
moçambica~o. · E'sta apresentação repousa no postulado · L :· mod~midacle que é necessári~ à vida de -ho;e, pois é ela que 
segundo o qual a sóciedade moçambicana pos·sui um umco L - detém a educação, a técnica, os meios da saúde, da .economfa e 
sistema jurídico, que rege o comportamento d·?. to.d.os . os f das finanças. Assim, se o Estado aban~onasse · a gestão da ·-~oisa 
dezasseis milhões de moçambicanos, . . e um corolírio : os h . pnblica aos gr~pos, sem' ter réforçado as suas capacidades de 
suqgrupos da sociedade (etnias, tribos, comunidades rur~ís, ( : responder às 'expectativas econ6micas .e socÍ.l;!is dos •''"~eus 
etc.) não dispõem de uma autonop:i.ia jurídica. Contudo; nós h membros, condená-los-ia a uma ulterior incapacidade de 
sabemos que isto não corresponde ~ verdade : se é verdade que · .. _•~t:.-_:.:_.-.~~:_._:· ::.·_ ··.:·:: ·· ·:• seguir a _corrida dos tempos. Mas uma interferência directa e 
todos os diferentesgrupos étn icos nacionais obed~~cem a . . _ sistemática do . Esi:aclo impediria uma certa autonomia, 
determinadas leis de ~omportamento, não é menos verdade - .. ~~\.;:· .. pol'tap.to, necessária aos. difer.entes grupos. 
que as leis de comportamento que se podem observar nos ; "i>;-· ·: ' _ O Direito, cujas fontes · se encontram nas organ!zações 
moçambicanos d.o norte Sã.o à.evei:as à.\.te:ren.tes Ô.a(\'U.e\as <\ue se · O,:.:_ :• "'.; );• ~odaÍs; não - se deve confundir com o Estado. Todas .as 
~e:r.c.e't>em., o\b:a.n.<i..o mesm.o em.~'\.nc.ame.'l.\.t.e ~au os _,:?~\i' · .. _, · \í*dades são formadas por subgrupos e cada subgrupo dispõe 
-ro.oc:,,?.."ro.'t>\.c.a:n.os ô.o c.en.t.i:.o o'J.. ~o '!.'\l..\, \.sto c;\l.ei:.' C..he.t C\:ie; -~ã~ .. :~- '-'iii_'.:s~~~ema.jurídico pr6prio mais ou menos aut:ónomo, em 
obst.ante a -pr.esença üas \eis áo 1!.st.aà.o, o ó.irei.to •não::ê::;· ;· :'.·~'.i·d'.~dJreÍ#' do Sstado. O direito, do Estado joga mais .ou 
simplesmente d:o nível político supeTior. Estas constà~~~~~ ·:~p~p~fde thefe de orquestra nesta sinfonia: de sistemas 
medida em que põem em evidência fenó~~~g~ ~'}p'~l~: fac.to _ de que ele regra as relações entre as 
heterogeneidade, deveriam abrir _ a estrada ao · pl~~l1 ~'~: \,rdérls jurídicas. Ora, .. o· direito estatal tende a 
sociológico e jurídico. _ . \ - _~°W· ·:·'ik~r ~ Direito, e nesse seu esforço de -monopolização 
Podemos pensai que, no sistema moçambicano/eif~_ ~::ho 'fo.dividualisino um grande aliado; . 
diferentes sistemas em int~racção. O direito oficial gl~~~tii~ ,., ~fü~ uina · correl~ção necessária · entre ;o -pluralismo 
simplesmente solucionar problemas e situações -de· :. ~oh'._ .Sk{~o~ ·~ ó plurali!!mo _jurídico. O pluralismo jurídico é o 
existentes entre grupos distintos, enqiianto que os Afr~í 3~,~btí.iial, -quase _ l,lniversal, de todas _as sociedades. .O 
internos aos subgrupos da sociedade têm a função de _asse · ~q\~<él.o direito é uma tonsequ~ncia do -.pluralismo 
a coerência e a reprodução desses subgrupos. 1ii~~1 ; .. e -nenhuma sociedade . é absolutamente -
~tfíea: .. ' Ei:n cada campo s~cial 'op~ram- sixq.ultaneamente 
~,?1;.:, .l'1:- ~: - · ... · _ I ' 
';~><" 175 -; 174 
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:~.· ;! 
1 f!J 
..._ ~ . . , ' . 
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diferentes direitos : o d.ireito do ca~po social considerado, o (" 
direito de: outro ou outro~ campos sociais e o direito do Estado. Í reconhecia as autonomias e seaundo crit.ér1'os que 11. 
,. . , . • . . . .o . ie eram 
Se pensarmos. que a sociedade é fom1ada por diferentes: . f propnos. Por outro lado, esta divisão de competências · r . 
d .. · · d 1 · · . . era r:e1ta campos sociais, ·estaremos em presença e uma autentica i e ta maneira que os direitos ·não estatais er . 1 
f.~.:- . . b d' d . ' am s1mp esmente galáxia 1·urídica onde. 0 direito estatal não joga necessariamente . su or ma os . ou residuais. Tratava-se de e t d l l. . , . . . . . , . Lac o, e um um papel dominante a. Griffths). . I pura ismo -JUnd1co .fmg1do. Mais do que pluralism . 'd' 
Em Moçambique o pluralismo sodológic:<;> e, portanto, r· deve-se falar de divers~dade jurídica uma vez que a eo..,.~utr: 1~0 
· d h ' i .. · ·d d'r · · ' . -... 1s enc1a ·J'urídico semp.re existit.1. As .vicissitu es .istoricas por que i-: e regras uererites; aplicáveis segundo Ps orupo .. 
\« • ·• • d d' ·. o s soc1a1s ou passámos neste século não:> coinddem com o aparecimento r territoriais, epen la da tolerância ou da vontad d , - r 
h · · l ~ ·· d · · 'd· d E , e e uma un1ca daquilo que hoje se c ama espaço nac1ona' n:o f or eu: J~ ica, a o stado. Neste sentido, ·º direito elo Est;do (' 
uniformizaram a sociedade e, portanto, o direito. Durante .todo r . ~e~e:1a se.r º. ponto de chegada de todo um processo de vida 
0 período colonial, os portugueses tiveram que negociar com í·:: JUnd1ca engendrado pelos diferentes subgrupo . . 
~.. . . s nac1ona1s. e os difere~tes reinos ou grupos sociais, sem poderem interferir l> EMesdmo se: se . acaba por reconhecer o . pkpel orquestral do 
sempre nas dinâmicas i~ternas dos gnipos. Mesmo as relações r~. . sta . o nas" configurações jurídicas nacion~is el - I . 
C: d · . . . -r • e nao .e -. ponto dos grupos internos entre eles passaram pelo mesmo processo. f! : e. partida para o !eg1ferar nacional, mas 
0 
ponto de chegada. (' 
Gungunhana teve que negociar com os que ·tinham caído na ~.. ". O nosso pais, mesmo depois da colonização, continuou a 
sua vassalagem deixando-lhes, assim: continuar a viver T· v~1cular modelos culturais e jurídicos ocidentais. Todavia os (' 
s~gundo as prerrogativa~ axiolo.'gicas e jurídica. s que .lhes eram ~· . diferentes direitos . tradicionais ·resistix-am bem. ' r· , - ( 
t . · · . . a a ienaçao. l 
pr6prias. . . ; So111-ente. que . se esta situação se prolongasse e o Estado 
António Enes é 0 primeiro a querer impor um d1re1to k contit.l~sse a ter um direito que não se inspirasse nos 
uniforme com resultados nefastos. Depois. da independência, a b · .costumes e nos direitos tradicionais e continuasse em' certos 
Frelimo tentou impor um dir~ito a todos ... Mas o fracasso das ·t.:' . casos a legiferar contra o dir~ito tradicio~al, ter-se-ia, de um (' 
aldeias comunais que fav9receram em grande parte a IT:·'. . lado, um Estado com leis incapazes .de mobilizar o ·Ímaoinário ( • 
implantação da Renaino no ~po, são elucidativas quanto à f._·: c~lectiv:o das .Poptilaç~e.s e, de outro lado, grupos étnic:s que (' 
incapaCidade de uniformizar.o direito. · . . . ~, · ve~m nele um adversano. Como .a unidade de Moçambique é 
Segundo J. Griffiths, existem. dois tipos de pluralismo: f' · ve1:ulada pelo Estado. e pelas suas . leis, a própria unidade, (' 
um autorizado pelo Estado e out.ro qµe escapa ao seµ controle. t : .· razao fundamental do centr:alismo do Estado Nacional, seria 
Só 0 segundo é autêntico. Os - portugtieses e .mais tarde a ti:· posta em causa. 
Frelim.o · reconheceram .certas manifestações e concederam K> · A . transferência do direito . português, que 
mesmo certos estatutos específicos a grupos como as igrejas, as.·i:~ · .. _ pimtdoxahnente é o · que . se · continua a estudar nas 
min.oi::ias étn.\c.as1 etc.. Con.tu.d.01 a '\?ºlítica 'l?ºr eles c.ond.w:i~~ :~;)f.·. ·' universidades moçambicanas, e mais tarde a criaçã~ de um (' 
eu \l.n.\.\.aÚa. e. c~\.i::a\\:za.Õ..oT.a. 'De. :\l.'m: \a.a.o, o · ~'~,~ii'.' '~~{5~{ pir~ito colonial, · que obedecia a critérios de · supremacia 
~~~man.e.ce\l. sem~~e () . '1.1.\u~~e Ó.e \o~o ·• ei::a ~\e l:\'ll.e h~~~!i ·~~~lf :~~a .e. econ~míca do. foitulf':ês sobre as culturas nacionais, 
<l\.v1.são c\as c.om.t?etêudas en.t'te e.\~ e as ent\daà.e. a ~~:~ W:if-f,i.~<J.nseguiram abolir os_. diferen.tes sistemas nacionais, e 
. . . . ·... 9,#i:z~dores acabararµ mesmo tendo ; gue aceitar uma ê 
176 :t:t'·' ·: i77. . . . . . 
·~;;:..-;H:: .... ~· 
·,ºl"' (j{( .. ' 
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1 :::: 
· ~ . 
espécie de coexistência ju:dd.ka com as diferentes formulações 
nacionais. 
Transferência jurídica 
A práÚca jurídica colonia.1 e a prática jurídica da primeira 
República obedeciam à técnica da transferência jurídica. O 
resultado deste processo foi a coexistência de dois si~'temas. 
Muitas vezes, as ccimunidades continuaram a viver seglind.o o 
seu direito ; o direito recebido era só aplicado pelas instituições 
.estatais. Poucos são os casos nos quais ... se · pod.e ·falar de 
aculturação juridic~ porque, mesmo nas cidades, a m~ioria da 
população continuou a viver segundo. as no.rmas de 
comportamento que relevavam da prática jurídica. e moral 
autóctones. Podemo-nos perguntar se a prática da segunda 
República, apesar de algumas concessões, não obedece ela 
também a um processo ele transferência jurídica. 
Se olharmos par11 o direito moçambicano e · . para a 
. estrutura social moçambicana, fundamentalmente rural, com 
as. suas diferentesconcepções de lei, damo-nos conta d~ que o 
chamado direi.to moçambica~o é um simples resultado de uma 
transf~rência jurídica ocidental.. Devemos somente recordar 
que os portugueses falhanm neste intento, como falhou 
também a Frelimo que nunca conseguiu impor um: dirêito 
·marxista uniforrne-- em todo o Moçambique. O ciue acontec.eu 
foi o estabelecini.ento, de facto, de um dualismo entre o dir~ito 
tradicional que se continuava a impor em matérias familiares e · 
la.tifundiárias, . sobretudo. nas zonas rurais (basta pensar na 
poligamia ou no lobolo) e o direito estatal ·que regulava as 
. instituições estatais, administrativas ou ainda a vida 
económica. Ivlas, ·. na prática, os direitos locai:s continuaram 
sempre a resistir ao direito estatal. 
· Uma das ·• formas de resistência à transferência f9i a 
à.esu.at.ui:açã.o d.o· Õ.il:eit.o ü:ansfel'.id.<>. UtiH:z.av'am-se . técnicas 
\T& 
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jurídic~s: europeias para proteger 
fundamentalmente comunitária. 
ti ma 
. Existe tambént u~ ~enómeno de incorporação, que é ' 
uma da~. formas ·de su1e1çao. do· direito autóctone ao direito 
estatal. o direi;º. autóctone ~ · incorporado n~ dfreito estatal em 
todos os dommi:os onde nao há contradição flagrante. Este 
process~ pode chegar a uma desnaturação dó direito·autóctone 
na med1d~ em qu~, em certos cas'?s, as .autoridades estatais 
~a~em aphcar o direito autóctone pelas jurisdições q~e eles 
mesmo estabeleceram .. O · exemplo do régtilo é emblemático 
.como é emblemática a reacção ·dos chopes à escolha de. certo~ 
régu~os que não '~e>rrespon~iam à hierarquia'tr~dicional · . 
?s . portugueses _garantiram ' o respeito . dos usos e 
costumes . da's diferentes comunidades moçamb1'can . .. . . . . . as, ao 
.m;s~o tempo ·que impunham os direitos europe~ ll\.1.m certo 
numero de casos. Esta atitude procedia ela técnica · de 
cooperação ... Mas, . na prática, .esta cooper~ção exercía~se · em 
de~~mento ·. ~os direitos · autóctones, uma vez que · foram 
. utihzad~s dtferent~s procedimentos . com a finalÍ<lade de 
transfenr . a . fronteira entre direitos autóctones e direitos 
modernos e111 benefício destes últimos. Os. direitos autóctones 
são considerados contrários à civilização o~ como obstáculos à 
dominação colonial. · : . · . t:;· 
~t· Por um project~ político democráti.c~ e multicultural 
k • O princípio unitário : do direito ~.~º está inscrito na 
~\ naturezaddod· direito. O direito começa onde se inaugura a v.ida 
. .. , em socie a e. Moçax:p.bique no seu sistenb cultural plu:ralist:i 
. f :· ·· possui não um sistema jurídico uniforme.e wi:ico, mas muitos 
rr '. tan~os. qua~tos s~o ~s seus grupos culturais. Isto quer dizer quE 
F· .. o. çlue1~0 nao. e~t~ .. hgado, por natureza, .à ~xistência do Estado 
'.'.:·': , · nem a defm1çao de regras explícitas, nem mesmo ac 
·:~ . · reconhecimento da sua racionalidade . ~ · 
I.:, · • . . . . • 
~.:·· . !· 
179 
r 1'.71 
.; fi}! 
Neste . momento fala-se e discute-se muito sobre f 
reformas j~rídicas e constitucionais. o grande ausente neste r' 
debate de reforma é a tradição. Eu refiro-me · à tradição como i. 
parceiro de diálogo a título inteiro . . Refiro-mr:: às culturas J .. 
moçambicana,s nas quais se deve inspirar toda a constituição 1 ' 
que queira ter na moçambicanidade cultural os seus pontos de r ' 
apoio. Refiro-me à cultura poütica e jurídica moçambicana e f .· 
não à política cultural e . jurídica ~e um Estado com paradigmas f' 
de base· e referências . ~tra-rnoçainbicanas. L. 
É um facto que os nossos costumes são menos r; · 
espectaculares que ,as refol"maS legislativas ; ' P.orém não s~o r' . 
menos profundas. Não é falso que sobre certos pontos o direito f ; 
1: ·~ ·~. tradidonal pode ser inapto à vida e às exigências da ·, 
modernidade, como a constituição de um sistema económico . f c. 
liberal, baseado no indivi~ualismó e na concorrência: ou no r '' 
r;-· 
afastamento puro e simples . de sistemas jurídico-culturais r: . 
autóctones, eni favo~ de uma a_ssimilação incondicional e cega ~\ 
'.:;·. 
de um sistema jurídico moderno baseado mais sobre • •' 
considerações de ordem económica que nas observações dos . l 
dados sociológicos. Mas é errado pensar que estE; seja incapaz ~:;; . 
de produzir novas forma~ jurídicas. Este é um erro que . . .,' : ... 
consl.ste em confun.c:lit o conteúdo d.o direito tradicional e a sua. :, 
\ó~\.c.a. · . . .; .. , 
()s 'te~'tos coru.'t\'t"ll.t.\o't\a\s, a~a~u~os "tia "rulva 'tefot~' 
1?ª-ra a oi:ganU.a~ão à.os \)Oà.exes t?úb\~os, totam. ç\~ca\,ca.~9~y 
modelos europeus que repousam sobre· a 'refe.rhit~.a :_:f 
en.tidade abstracta, o Estado, e de um regúrie · de :~~p 
ocidental sobre a separação dos poderes. Estes_ pri~~Íp 
correspondem nem às nossas culturas jurfd.l.ca~, · , 
organiz~ção da nossa s<;>ciedade. O que está em causa ::n, . 
os modelos em· si, mas a sua l!-plicabilidade na nossa ~6. ::= ·: 
organizada de modo diferente. . >!~ 
Se .o idealiiador da separação de .poderes, Monte~' 
tem razã9, nenhum sistema jurídico é transferi~~-
180 
•• 
·-- -----
importável. Isto não . significa que não devamos conhecer e (' 
aproveitar as experiências . que nos são . alheias isto é 
0 
.. 
me~anis~os técnicos, polítiCos, sociais e jurídi~os co~ 
0
: (' 
qua~s os outros povos deram respostas aos problemas com que 
se tiveram que confrontar. ·Mais important:e ainda é que temos (' 
qu~ nos conhecer profundaQlente a nós; .mesmos : a nossa 
soc1e~acle culturalmente heterogénea, a no$sa geografia vasta e 
·conflitual, os nossos . recursos (humanos) insuficient 
demográfica e intelectualmente, a nossa posi·ça-
0 
-c , . es 
'f' · · "- onom1ca 
catastro 1ca, ·o . nosso lugar no · mundo (entre 
05 
pa' · b ) , , ises mais 
po ~es . e mes~() na Afriea Austral E i~so só se consegue a 
partir de uma reflexão muito séria e colectiva sobre o que, a~ 
facto, somos e d? que é Moçam~ique, a sua sociedad~, as sua~ (' 
culturas e, sobretudo, os seus desejos e ·aspirações. · · 
, Eu nã~ f~l~ do desejo e aspirações . de um pequen~ 
numero de .. i.nd1v1duos, por melhor cuhura ·e form - \ nha · · açao . qu• 
te m, 11~m seque: falo do que um Ptrddo pensa que 0 pov. \ 
. quer. Eu d1g~ que e preciso que se faça um inquérito séri· l 
~obre o que sao as estruturas das nossas culturas e, sobretudc 
sobre o qu~ nós queremos _: os objectivos que nós traçamos, ~· 
.nossos sonhos, as riossas utopias, os nossos ideais para, a part: r 
daí, pensar o direito. · A nossa democracia ou sei 
_: moçambicana oµ não ser~. . . · · . · ( 
':'.'-: . '. . No momento da independência o ~overno deu prio;idad 
':do__:~< pr.obfelllaS: O desenvolvimento económico e a cmidad
4 
r 
· ~~-;{;:!tf.u/~ vezes recorreu,se à codífica.ção na esperança. ("" 
i+;J~f~ : ~stes problemas. Para os . adeptos' do direito ele 
t.8h'=~1'.Ilento, . o direito tradicional parecia mal 
;~_~á,d~ , . e mal a~aptado para assegurar um 
, ypJY,imento de tipo ocidental (l>eter Abrams, Uma Côroa 
J!~.~o( i acusava-se-lhe. de estar imb'uído de magia e de 
)M/'qe 1g~()rar os conceitos . funda~entais, necessários 
.. ,:5~;{~ .. ; ~conom1a do mercado, dado que ele ignora as formas 
~~~~~~~;i.isnecessárfas à economia do mercado. Nas · relações 
.... ~··~. . . .. ' 
181 
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familia;res; a família alargada, · ,o lobolo, a poligamia ·são ~ . « rn.od._er.nos » nacionais. A maioria da população, sobretudo 
concebidos como instituições que: entravam a acumulação r coristitt.1ída por camponeses, ignorava ~ste modo 'de pensar .e. o 
económica e a mobilidade social (K. Nkrumah) . . O direi.to •' conteúdo do direito: estatal, muito influenciado por mod~los · 
latifundiário é particularmente v~sado por estas críticas, que 0 J, europe~s. Era,• portanto, .normal que . ela o evitasse e 
acusam de conduzir à sub-exploração do solo. Os nossos te . cóutinuasse a referir-se ao dir~iio tradicionaL 
legisladores fizeram reformas agro-latifu1i.diárias a fim de t' Isto explica que as legislações não tenham servido em 
transferirem as maiores· superfícies possíveis de terra para 0 · _f ~-~'.! _:··' .• · nada os interesses da unidade nacional, na medida em elas não 
controlo do Estado. Muitas vezes, estas reformas chocam com ~ desembocaram nuµia unificação do direito. Como observou o 
a hostilidade dos camponeses, muito agarrados aos seus f::: jurista da Costa do Marflm; R. D.eg~i-Ségui, as ~onstituições e 
sistemas tradicionais.. -. r os textos de organização judiciária da maior oarte elos no..;,,.os 
. Como afirma E. Le Roy, este procedimento revelou-se ~> - estados africanos refer.~m-se .simultaneament: .à codificação e 
um instrumento de st.tbdésenvolvimento jurídico porque · f .. - à uniformização do direitO · nacional.' Mas ou fa:zem 
f or um lado as desigualdades económicas e, por F . codifit~ções pelo direit~ estrangeiro, · é acentu~m assim a re orçou, p ' . · · ·-f 
outro, e~cluiu, de facto, da vida jurídica indivíduos não f;~·'. . ruptura entre o direito tradicional e o direito rii.~derno ou 
lusófonos, nem escolarizados (que constituem mais de oitenta 6' ac~baram por cqnsagd-lo oficialmente volta~do à opção1 da 
por cento da populaçio moçambicana) metendo, assim, em . 0-· legislação e aos modos coloniais da solução de ,conflitos de l~is 
· b' àivos de desenvolvimento ,. de integração f .. ;. internas. Contudo, muitas vezes o direito t~adicional · tinha 
:::~:n:l~ E~s J;orque é estritamente necessá_ri~ ter em con~a ª~ . f." antes passado por uma série de medidas d.e des~onfiança. 
opiniões das populações, nomeadamente no que concerne a sua -~ · . ·Moçambique, apesar das ·proclamações ·pc:>líti~as, aplica 
relação com o direito tradicional. . .f . desde . a independênci3. . o princípio. de . sucessão ao direito 
. - Insisto que não se deve confundir o conteúdo do direito ~.. colonial português, por medo de. se encontrar diante de um 
tradicional e a sua lógica. Se muitas reformas, justas· e ~ :· .-oacatio jurídicó, resultante do não conhe;cimento ou da 
oportunas, não produziram os resultados desejados; é .porque /·f< inadaptação do. direito .tradicional Trata~se de mec4das 
fora::n sentidas pelas populações c~mo_ imposições de ex:~rior; ,~: : ._ cons.e~vadora~. N~ _futuro, ~ó~ teremos que ~te~ar o d~re~to · 
Uma transformação. gradual a partir de um processo de d1~lo~~ . · ~ '.: - · t~_ad~c~onal e as~oc1a~ lo ~o· d1re1to moderno. P,nme1ro, o ~ire1to .. 
teria dado melhores resultados. Se não se fez desta -maneira, e ti=·:.:· _trad1c1onal fo1 eJi.:clu1do porque se pensava· que ele 
só porque as codificações não eram simpl~s reformas jurídicas, : ~ ;: .. corrispondi3. a ~m estado a~caico da organizãção de pr~duÇão! 
mas sex-viam também certos interesses sócio-económicos. As ·fiY ·.e. que perpetuaria estruturaS arcaicas de desigualdades soé:iais. 
mudanças corresp.ondiam, em ger~l, a um aumento do poder . l ,·: Hoje pen.sa~se que é inadequado à economia do mercado'. 
do Estado e . a certas mudan~as sociais. Ora, com as .~/... As legislações estatais foram muita~ vezes utilizadas 
independências, o direito . estatal, na sua concepção e ~a ~ua t{ , _contra o direito tradicional. Mas xp.uitas matérias ficaram sem 
.\ aplicação, passou a ser controlado pelas povas . elites e .i:: codific~çãó, dei?tando campo aberto a que o ;direito tradicional 
fortemente influenciado .pelos grupos de interesse que j_ogavam . f.;" . . continuasse a .exercer a sua inflµência. Mes~o nos momentos 
um papel _ . activo no · desenvolvimento dos s_ectores .: i;~ ·de grand~ ortodoxia · marxista, em certas matérias, não 
m . .f ~;i_:_·_, ___ ... -_-_ .. ,· .. -:. i sJ 
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obstante os grupos dir:1amizadores e as células do part ido, o ~ · 
direito tradicional continuou a imperar, sobretudo no domínio i' · 
fa~iliar e na resolução dé conflitos. ~ 
I· 
Os textos constitucionais moçaxnbicanos ·· foram t 
~· 
decalcados de modelos europeus, que repo·usam sobre a ~ . 
referência ao Estado, ao· regime de separação elos poderes e a ~· 
regra da maioria. Ora, estes princípios não correspondem às & ' 
j experiências das sociedades moçambicanas, onde o poder está ,. 
i · 
ligado à autoridade pessoal da pessoa: que o e::cerce, e onde o ['. 
consenso aparece mai:s como expressão da unanimidade das t: 
vontades do que simples lei da .maioria. O pluralismo F 
ocidental herdado da democrada ·de Atenas permite a cada f~.· 
opinião exprimir-se e conta.biliza através de uma adição de ·} 
sufrágios, o que comporta o sério risco de exasperar os f.;. 
antagonismos, tornando-0:1 crinda · mais manifestos. A ~· ·. 
unani~idade pode, no ocidente como em outros lu.gares do. !· 
mundo, ~ervir muitas manipulações e cobrir muitas inju~tiças, F 
que . é,. aliás, a outra parte da_ moeda •. Mas a vontade ~e coesão r. ·. 
que · ele exprime encontra nas tradições . africanas un\ \' : 
~:: .... 
substracto muito sólido. ·L· · 
. Um novo direito mais democrático e mais integrador sob }; 
o ponto de vista do desenvolvimento é. possível Porém, ·ele S 
tem de ter muito mais em conta ª~ diferentes me~talidadf!$ tt· 
moçambi~anas e será nestas condições mais. eficaz que os fr: .: • 
planos de desenvolvimento até aqui muito decalcados dos- f.·· 
modelos ocidentais. Não· ·se trata de recuar · ao passado pré· •f ,,. · 
coionial, mas de adaptar as antiga.s solltçÕes às . novas p 
184 . 
. . . ·. .~ . 
. acções. O Estado · deve ter que responder pelas .suas 
actividades, mas também" os diferentes grupos devem ter q~e 
responder .pelas suas acçõ.es. O banco de p~ova de uma 
democracia, que funciona 110 respeito : pel~s •diferenças. 
C1;11turais . nacionais, deve passar pela c~pacidade de cada 
entidade ocupar profundamente o seu lugar, . no respeito pelas 
prerrogativas e pelo can1po 'de · outras forças e instituições 
políticas e sociais. 
Um.a certa moçambicanidade já exis.te, e para criá-la a C 
Frelimo )ogot.' Uo;l papel de prim~iro plano. A questão é saber 
~e a sua:·· consolidação passa pelo . reforço de estruturas 
centralizadas . (a descentralização quer dizer que existe um 
centro à ' ·V:Olta élo qual gr~vitam tpdas as outras di~ensões \ 
políticas e . sociais) ou por uma . valorização das ·"i:ulturas (' 
nacionais ~o âmbito do Estado moçambicano. Valori:á-las \ 
significa não reduzi-las a folclore nacional, nem sequer 
reabilitá-las maquiavelicamente para depois subordiná-las à~ 
estrutura.S centrais do Estado · paradigmaticamente ocidenral: 
mas reto~á-las como entidades em movimento e, portanto 
como parcei~os sérios para um . diálogo social, lurídico ~ é 
. ' económico. 
Alguns p~nsadores insistem na dimensão subjeétiva 0 1 
espiiitU:al da nação; outros nas ~aracterísticas objectivas e na \ 
condições económicas ou técnicas que 'estão na origem de 
·nacionalismos. Ora, é necessário ultrapassar estas oposiçõ~ 
simplistas e .dar espaç.o · às ideias, ªlls valores e, ao mesn 
tempo, às condições concretas da existência da nação. <' 
R~nan demonstl"ou a insuficiência da raça, da língua, ' 
z;eligião, dos interesses e dos dados objectivos da geografia pa 
definir ª · nação. M. Weber e Marcel Mauss foram ainda m; 
longe na ~rítica à definição objectiva da nação . 
. · A subordinação das· identidadef culturais ao elem•er 
político supõe que os indiv·íduos tenham o sentimento de qu 
sua d.ignidad.e colectiva · - ·.portanto também índ.ividual 
185 
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reconhecida e respeitad~. Moçambique só pode atingir uma 
estabilid~de política se forjar um projecto polític0 capaz de 
unir às etnias ·que o compõem, reconhecendo-lhes 'um.a 
dignidade igual. 
Hoje Moçambiqlte per~ence àorclerrt · poJ.ítica nacional · 
Na medida ei;n que a sua exist&ncia é legitimad.a pela vontade 
dos. cidadãos, depende do facto · de qu.e e!;tes interiorizem . 
valol'es comuns. A moçambicanidade se fund.a, portanto, mais 
na moral que na . ob.rigação, para utilizar a linguagem de 
Durkheim. Ela se constitui ultrapassando os · radicalisID;OS 
pax'ticulares, e mant.fm;.se ' sustentando e desenvolveii.do 
sentimentos, imediatamente dados pela etnia através da 
socializaÇão familiar, . mas que devem se:f ccm.struídos pela 
nação, para criar um sentimento d~ pertença e ?e partidpação 
. graças ao qual o colectivo 'se pode perpetuar. E a isto q~e se 
devem d.edicar as instituições públicas. O trabalho re;Lhzado 
pelo Estado pa:ra dar uma certa homogeneidade à C\.tltura das 
populações é justificado, não pela preocupação de fazer 
participar todos os indivíduos na .vida pública, mas para dar 
· corpo à comunidade abstracta que é a na~ão e certificar-se da 
mobili:zação colectiva. 
A diversidade cult1.tral enquanto tal não impede a criação 
. da nação. Ultrapas~ar as particularidades através de uma 
sociedade política não implicá a supres.são de~ses radkalismos . . 
Aliás, não é nem possív1:?l nem desejável. . A · cidadania, 
contrariamente à etnicidade, por exemplo, não é fundada sobre · 
a identidade cult1,1ral. · Nã~ há · nenhuma contradição . em ser 
Macua, Chope QU· Ndau e ser · cidadão moçambicano . . A 
diversidade objectiva, a das línguas, . das religiões e 'das 
culturas, não é no seu princípio incompatível com a criação de 
um espaço. político co~m.\m. · A existência ·dt: uma -~ação· 
depende da capacidade · de o proje,cto político res?lver as 
r.ivalidacles e os conflitos entre os ·grupos sociais, religiosos, 
186 
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n;gionais ou étnicos se·gundo regras recónhe~idas por todo~ 
· . como legítimas. . 
Para assegurar a existên~ia de uma 1 nac-ã~ de ci"cl d- . .( . , . . f . .,. a . aos, o:: 
necessario sat1s azer duas exigências: que os · d' 'd · d • . · . · · ln lVl UOS 
~ mttam ' a existên,cia de um domínio 'público u~ificado e 
mdep.~ndente - pelos menos .·nos seus princípios-, e que ele~ 
respettem as r~gras ·do seu funcionamento ;, que a igualdade d E 
cada pessoa, que funda a lógica da nação democrática não se·. 
contradita por desigualdades d.e estatuto :em o~tros d'· ' • J: 
d d · om1n10. .ª ':Í a social, de.modo particular nos direitos pessoais. 
A"'pri~eira condição da democracia não é p,gp~r vota 
por um. partido ou por outro, nem s.equer poder escolher , 
presidente c1ue 'queremos . q. ue nos 
8
· ov-e. A d " 
l · . . . - ... u emocrac1 
consiste tia inserÇão de cada' indivíduo n9 sei~ da c~~unidad 
- e na pàrticipação integral na vida claquel~. Por i~so, temos qu 
~ncontrar um · espaço institucional : adequado para 
imple~~nt_:ção democrática e para um . diálpgo .d 
reconc1haçao~ · 
Eni termo~. sociolôgkos, o esp~ço ·da .teconcilÍaçã 
democrática · deve. sei: uma· unida.de ·que tenha em cónta 1 
pequeno ' número dos membros e uma dii;nensão elo territ6ri 
redU%ido, dos · quais ·vão · necessari~mente depender 
p~rtidpação polític:a dos cidadãos. · · 
. Em termos políticos, ·o espaço detn'ocrático· cleve1 p~rmit 
·~diálogo contíriu() e sisteJJ:lático ~ntre ;o Estado e as.cultura it 
l~ · ." 2. Contrato Social 
···' A segunai. R~p~blic• é percebid.i pelos moçambioan 
· f'º'. · como profundamente inj,usta. Ora, da mesma maneira que 
. "~~~: pq.oulí~stt1·cãao dªoJ·umste1·çlhoe; regime .elm' a mais "V,el~a ques~ão da filosoJ 
.1-·t:;. ., , . · .. a ; provave e.n~e, o seu conceito mais anti~ 
. ~.~.·~,i.:.~ ·.·.· .. Alias, eles estão intrinsecamente ligados. Para .Platão, p 
• exemplo, o ip.elhor regime é ª<;luele que :está em· altura .. de fa2 ·f' 187 u. 
·~ -~ ···. · : -}i '; : ····•. :~;;;;1::::-;'t;;f10~~1~3'.if~i~g,;J,ii\i.f~'i:Zi~~ll:H'~Ji 
·_ft 
-r.· 
i~ 
t . 
reinar a justiça na cidade; assim como o objectivo da:· sabedoria J:· • .. 
é fazer reinar a justiça na ~lma. t· · 
O con~eito d.e justiça não é e nunca. foi exclusi~amente · f 
político. Ainda menos jurídico. Ele pode ser apl'eend.ido em f :: 
diferentes sentidos: ético, metafísico-histórico (justíça f' 
imanente), religioso (transcende~tal), . até mesmo estético. f. 
Entre estas múltiplas acepções, não separáveis por nenhuma · I" 
front~fra bem definida, toda uma série ele ligações mais ou "f~ . 
menos subterrâneas se· teceram dur.ante séculos. Esta é a ra:tão · ~· 
· pelá. qual a dimensão política e a dimeruã-o ética estão ligadas, . ~ . · .. 
como · bem prova John Rawls (1987 ) . na sua Teoria da Justiça t· 
que, há trinta anos, teve o grande . mérito de dar um nov.o ·1~~ · 
ale[lto à questão ·da filosofia · política, que tinha sido ·~,. · 
transcurado depois de Rousseau e de Kant; ~-· ·. 
. Desde. o aparecimento daquele livro, a justiça voltou a . [; . 
ocupar um espaço importa:nte no debate filosófico actuaL l 
Pensar a justiça supõe pensar simultaneamente o conceito de 1· · 
igualdade e do contrato. Com efeito, uma comunidade que :: 
aspira a fazer reinar no .seu seio igualdade e justiça. dev.eria ser . ~· . . 
fundada sobre um .contrato. Esta ideia não é evidente, dado · · · 
que . ela pressupõe. UIIla · hipótese preliminar: o ' carácter .1 .. ,:.-.L_."··· · . 
artificial da sociedade política. Hipótese que, desde os gregos .,. 
até hoje, não cessou de ser .combatida a partir dos pontos de ~~,·,, 
vista mais diferentes. Mas o que é que o nosso Moçambique Jj. 
~~----r--_c 
. . Em: toda a su~ obra polít" · · ·· • 
0 ºd if· ica, a começar d P ]' . \. 
l : ent ica a arte . real a do 1 . ·l d a o ztzca, Platão 
. . ' egis a or ou do h d .· 
. com a arte do pastor M . . omem o Estado 
. . ·. esmo se nas ob . . 
esquivar-se desta dificuld d . . ras seguintes tenta (' 
'ºf . a e, a verdade , PI 
cu erenc1a - como bem obs A. . . , . e que atão não r 
b . ervou nstoteles - d \. 
so re as suas ovelhas ·ou o poder do . . o po er do pastor 
poder político propriamente dito. pai sobre a sua família do 
Na Política, logo no início d 1. ; · C ºd .d o ivro Ari t' l que a c·t a e ~ resultante da . ·- d . . ' . s ote es recorda 
. . . un1ao e . muita -
mesmas resultantes da ·un1·a-·o .d ·. . . s povoa.çoes, das ,. 
· . . . · e muitas fa T , 1,. 
. .. Qatural po.r excelênda, resultado. do. instinm1 ias - e a realidade 
' l~umanos . a reagruparem to ql.te leva os sere< (" 
d -se para asse · ' repro ução7º. Num segundo . . gurar . a própri~ 
· h momento ela p . . 
e e~ar através do logos ~tra , d d b' . erm1te ao homer,r r 
' ' . ves . o e ate fil , f· . l 
. a consciência. plena do J'usto . d . . . n oso ico e político 
f, . e o InJusto p 1' r 
orma suprema de comun. d d (r.( . A • • • ara a em dest~ \ 
'd d . 1 a e .i.• o1non1a) q 
c1 a e e se confunde com o E d - , ue constitui : l ' 
. . - . . sta o, nao ha nada. 
. A dommaçao do platonismo e do . . . ,---
conjunto da cultura mêdieval . d. aristotelismo sobre e r, 
d. . · . impe 1u os filó E , l me 1eva1s de conceberem a . .t . . , so os e teoloi>o. 
. . czvz as, isto e a N - . º ,,.... 
como . criação artificial co~ . 1 · d ' açao ou o Estad, e 
. · ' o resu ta 0 da v d d 
. 1untos que se teria manifestado . . . . . onta e e vive ( 
S , uma comunidade h o no século XVI e' · · umana. ,. 
. que a concepç- l 1 
· cidade . foi globalmente . ao natura ista d 
. d . . . J;>Osta em causa. Es~ - f'> 
ev1da a dois factores ind . d "~ . mut.açao fc l 
. epen entes mas 1 · . d D 
parte, ·º desenvolvimento das "A 1 • ' iga os. e um r 
1 . . c1enc1as expe · . . · tecno og1a, do racionalismo . d . h . . . nmen.ta1s, d 
e · e 0 uman1smo cont ºb 
razer recuar a . concepção reli ; d rx uem par 
1, . . giosa o mundo l po 1t1ca. Testemunham ess f . e, portanto, d 
·d, . . . e .<!.Cto a inclusão h' l . 
. . tem d;~:tu::l ?sofistas (Protágoras, Hippias, Antiphon), a

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