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Indaial – 2021 PsicoPedagogia Prof.ª Karoline Gregol Pereira Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser 1a Edição Psicanálise aPlicada à Elaboração: Prof.ª Karoline Gregol Pereira Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser Copyright © UNIASSELVI 2021 Revisão, Diagramação e Produção: Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI Impresso por: P436p Pereira, Karoline Gregol Psicanálise aplicada à psicopedagogia. / Karoline Gregol Pereira; Kevin Daniel dos Santos Leyser – Indaial: UNIASSELVI, 2021. 273 p.; il. ISBN 978-65-5663-872-0 ISBN Digital 978-65-5663-870-6 1. Psicopedagogia. - Brasil. I. Leyser, Kevin Daniel dos Santos. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 150 Aprender é como ir à academia. Acreditamos que o aprendizado provavelmente seja mais bem concebido como algo muito semelhante ao preparo físico. Certamente, não pensamos que avançamos muito se – como professores – encaramos a aprendizagem simplesmente como a passagem de informações da cabeça de uma pessoa para a cabeça de outra. No fundo, sabemos instintivamente que ensinar é muito mais do que isso. E se algum dia nos esquecermos, não demorará muito para que sejamos intensamente lembrados de que ensinar não é simplesmente dizer à outra pessoa o que gostaríamos que ela aprendesse. Aprender, assim como a aptidão física, não é algo que podemos dizer que “possuímos”. Infelizmente, não podemos “colocar” aptidão em nossos corpos. Em vez disso, a boa forma é a resposta natural de nossos corpos às condições (as condições adversas) às quais nos sujeitamos quando nos exercitamos, vivemos e comemos de maneira saudável. Da mesma forma, aprender é a nossa resposta a tudo o que acontece quando entramos em contato com um professor; não é uma “coisa” discreta que, pode-se dizer, o professor pode nos “dar”. Os melhores professores desempenham um papel semelhante ao de um bom treinador ou personal trainer. Os melhores professores estão principalmente preocupados em facilitar nossa inclinação para aprender, em estimular e manter nosso interesse e entusiasmo, ao invés de “transmitir” seus conhecimentos para nós. Aprender sugere uma analogia com “aptidão” não apenas no sentido fisiológico cotidiano da palavra, mas também em seu sentido darwiniano especializado. A adaptação de criaturas vivas a seus ambientes em constante mudança é a personificação no mundo vivo de um “processo de aprendizagem” constante e natural. A evolução por seleção natural faz com que os organismos vivos se tornem “mais adaptados”, caso contrário, eles deixam de ser organismos vivos. A evolução oferece a possibilidade de que os seres vivos se tornem mais complexos, sofisticados, resilientes. A consciência e a engenhosidade do intelecto humano parecem ser os produtos desse processo de aprendizagem inerente à própria vida, embora deva-se ter em mente que a evolução e a seleção natural operam “cegamente”, sem objetivo pré-determinado, e esse potencial evolutivo é limitado tanto pelo ambiente de uma criatura quanto por sua herança genética. A natureza instintiva, sem objetivo e sem direção deste processo, pelo qual as criaturas vivas, no entanto, podem se tornar mais aptas, deve nos lembrar que, embora “razão” e “inteligência” sejam resultados potenciais da aprendizagem, o próprio processo de aprendizagem (como a evolução) não precisa ser considerado “racional”, ou como tendo um significado logicamente discernível ou objetivo de longo prazo. APRESENTAÇÃO Este é o ponto em que a psicanálise entra no debate sobre a natureza da aprendi- zagem. Ele abre novas perspectivas sobre o que é aprendizagem e sobre o que os profes- sores fazem. A psicanálise é capaz de fazer isso porque, mais do que qualquer outra disci- plina, está bem-posicionada para nos lembrar que a vontade e a capacidade de aprender são moldadas por influências muito distantes dos motivos conscientes e racionais. Este Livro Didático tem como objetivo explorar este caminho aberto pela psicanálise ao olhar para os fenômenos da aprendizagem, foco principal da psicopedagogia. Na Unidade 1 deste livro, você explorará as relações possíveis entre a psicanálise e a educação a partir da visão da psicanálise como psicopedagogia. No Tópico 1 o foco será a história da psicanálise e a introdução do inconsciente como uma forma de conhecimento. No Tópico 2 será o Ego e outras estratégias de resistência que vamos explorar juntos. Por fim, no Tópico 3 da primeira Unidade, você aprenderá a transferência como uma técnica fundamental psicopedagógica da psicanálise. Na Unidade 2, vamos, primeiramente, comparar as abordagens clássicas à aprendizagem (o comportamentalismo, cognitivismo e humanismo) com a abordagem psicanalítica e suas possíveis contribuições neste campo de estudo. Prosseguiremos com a exploração do pensamento de dois autores psicanalíticos: Freud e Bion, para pensarmos a aprendizagem. Na Unidade 3 será a contribuição psicanalítica do pensamento de Jung e Winnicott ao campo da aprendizagem que vamos descrever com mais profundidade. Para finalizar o Livro Didático, o último tópico apresentará um mapeamento histórico das relações entre psicanálise e educação. Desejamos que o conteúdo deste Livro desperte em você o desejo de aprender – de buscar não apenas mais saber, mas de buscar mais ser, enfim, a melhor versão de você mesmo. Prof.ª Karoline Gregol Pereira Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR Codes completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos. GIO QR CODE Olá, eu sou a Gio! No livro didático, você encontrará blocos com informações adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender melhor o que são essas informações adicionais e por que você poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto estudado em questão. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina. A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um novo visual – com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada também digital, em que você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente, apresentamos também este livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Preparamos também um novo layout. Diante disso, você verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os seus estudos com um material atualizado e de qualidade. ENADE LEMBRETE Olá, acadêmico! Iniciamos agora maisuma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conheci- mento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa- res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira, acessando o QR Code a seguir. Boa leitura! SUMÁRIO UNIDADE 1 A PSICANÁLISE COMO PSICOPEDAGOGIA ....................................................... 1 TÓPICO 1 - O INCONSCIENTE: UMA FORMA DE CONHECIMENTO.......................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................3 2 A PSICANÁLISE COMO PSICOPEDAGOGIA, A PSICOPEDAGOGIA COMO PSICANÁLISE ..........................................................................3 3 A REJEIÇÃO DA HIPNOSE EM FAVOR DA PEDAGOGIA ..................................................... 7 4 A DESCOBERTA DA PSICANÁLISE .....................................................................................9 5 O INCONSCIENTE E O REPRIMIDO ....................................................................................11 6 O INCONSCIENTE É UMA LINGUAGEM ............................................................................ 15 RESUMO DO TÓPICO 1 ........................................................................................................ 22 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 24 TÓPICO 2 - O EGO E OUTRAS ESTRATÉGIAS DE RESISTÊNCIA .......................................27 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................27 2 RESISTÊNCIA E ELABORAÇÃO ........................................................................................27 3 O INCONSCIENTE COMO DISCURSO DO OUTRO ............................................................ 29 4 O EGO E AS ESTRATÉGIAS DE RESISTÊNCIA ................................................................ 32 5 O ESTÁDIO DO ESPELHO ................................................................................................. 35 RESUMO DO TÓPICO 2 ......................................................................................................... 41 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 43 TÓPICO 3 - A TRANSFERÊNCIA: POR UMA TEORIA E TÉCNICA PSICOPEDAGÓGICA .......... 45 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 45 2 ELABORAÇÃO DAS RESITÊNCIAS E TEORIA EDUCACIONAL ....................................... 45 3 OS QUATRO DISCURSOS ................................................................................................ 48 4 MANEJO DA TRANSFERÊNCIA COMO HABILIDADE PEDAGÓGICA .............................. 52 5 O DESEJO DO ANALISTA E A SUPERAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA ................................ 58 6 O MESTRE IGNORANTE ................................................................................................... 60 LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................................................ 66 RESUMO DO TÓPICO 3 .........................................................................................................74 AUTOATIVIDADE ..................................................................................................................79 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................81 UNIDADE 2 — FREUD, BION, PESQUISA E APRENDIZAGEM ............................................. 85 TÓPICO 1 — PESQUISA PSICANALÍTICA EM APRENDIZAGEM ..........................................87 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................87 2 UMA VISÃO GERAL HISTÓRICA DAS TEORIAS DE APRENDIZAGEM ............................ 88 3 ABORDAGENS CONTEMPORÂNEAS ............................................................................... 90 4 PSICANÁLISE E APRENDIZAGEM ................................................................................... 92 4.1 O MODO DE ENTREGA E RECEPÇÃO DA APRENDIZAGEM ........................................................92 4.2 O ALUNO ...............................................................................................................................................93 4.3 FOCO NO FUNCIONAMENTO DO GRUPO DA TURMA .................................................................95 5 SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS .....................................................................96 5.1 APRENDIZAGEM SINTONIZADA .......................................................................................................96 5.2 METAPSICOLOGIA .............................................................................................................................102 5.3 A “EXPERIÊNCIA” DE APRENDIZAGEM ........................................................................................103 5.4 O PRAZER INTELECTUAL ...............................................................................................................105 RESUMO DO TÓPICO 1 .......................................................................................................108 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................109 TÓPICO 2 - A PERSPECTIVA FREUDIANA DE APRENDIZAGEM E ENSINO ......................111 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................111 2 TEORIA COGNITIVA DA APRENDIZAGEM EM TERRITÓRIO PSICANALÍTICO .............. 113 3 A PSICANÁLISE, O EGO E A APRENDIZAGEM ............................................................... 115 3.1 A FANTASIA E O PENSAMENTO: UMA TEORIA PSICANALÍTICA DA APRENDIZAGEM ........118 3.2 LIMITAÇÕES DA ABORDAGEM PSICANALÍTICA À APRENDIZAGEM ......................................121 4 AS QUATRO ABORDAGENS À APRENDIZAGEM ............................................................125 RESUMO DO TÓPICO 2 .......................................................................................................130 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................132 TÓPICO 3 - A TEORIA DO PENSAMENTO E DA PRAXIS EDUCACIONAL DE W. R. BION ..........135 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................135 2 UM PARADIGMA PSICANALÍTICO RADICAL?................................................................136 2.1 A BARREIRA DE CONTATO ...............................................................................................................138 2.2 O FATO SELECIONADO E A EP ↔ D ..............................................................................................138 2.3 CONTINENTE/CONTIDO (♀♂) .........................................................................................................140 2.4 VÉRTICES MÚLTIPLOS ......................................................................................................................1412.5 TRANSFORMAÇÕES ..........................................................................................................................141 3 CONTEXTO PSICANALÍTICO E FILOSÓFICO ................................................................. 141 4 O SIGNIFICADO DA APRENDIZAGEM .............................................................................143 4.1 BION NA SALA DE AULA .................................................................................................................. 145 4.2 EXPERIÊNCIAS DE APRENDIZAGEM ............................................................................................148 5 BION E FREIRE – UMA PRÁXIS TRANSFORMADORA ....................................................150 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................154 RESUMO DO TÓPICO 3 .......................................................................................................160 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................162 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................165 UNIDADE 3 — JUNG, WINNICOTT, PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO ..................................... 173 TÓPICO 1 — PERSPECTIVA JUNGUIANA DA APRENDIZAGEM ........................................ 175 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 175 2 PSICOLOGIA ANALÍTICA E A DIALÉTICA ENTRE OPOSTOS ......................................... 175 3 JUNG E O PENSAMENTO DIRIGIDO ...............................................................................178 4 OS PROCESSOS DE ALQUIMIA ....................................................................................... 181 5 APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA E O PENSAMENTO NÃO DIRIGIDO ...........................183 6 A DIALÉTICA ENTRE O PESSOAL E O COLETIVO ..........................................................189 RESUMO DO TÓPICO 1 .......................................................................................................193 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................195 TÓPICO 2 - WINNICOTT E A EDUCAÇÃO ........................................................................... 197 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 197 2 SUSTENTAÇÃO, ESPELHAMENTO E FENÔMENOS TRANSICIONAIS ........................... 197 3 O OBJETO TRANSICIONAL ............................................................................................ 203 4 SELF VERDADEIRO E FALSO SELF ............................................................................... 205 5 FUNÇÕES MATERNA E PATERNA ...................................................................................210 RESUMO DO TÓPICO 2 .......................................................................................................214 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................216 TÓPICO 3 - AS CONTRIBUIÇÕES PSICANALÍTICAS AO ENSINO-APRENDIZAGEM ............219 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................219 2 PSICANÁLISE CLÁSSICA E EDUCAÇÃO ....................................................................... 220 2.1 A TRANSFERÊNCIA E A CONTRATRANSFERÊNCIA ...................................................................222 2.2 AS RAÍZES DA PSICANÁLISE ........................................................................................................ 224 2.3 A PSICANÁLISE NAS ESCOLAS: GRANDES EXPECTATIVAS, RESULTADOS ESCASSOS ........... 225 3 TEMAS PSICANALÍTICOS SOBRE A MELHORIA DO CURRÍCULO E DO ENSINO ............. 228 3.1 COMPREENSÃO ALÉM DA ABORDAGEM MERAMENTE COGNITIVA..................................... 228 3.2 PESQUISAS SOBRE CAUSAS PSÍQUICAS PROFUNDAS DE PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM ESPECÍFICOS .............................................................. 235 3.3 A DINÂMICA TRANSFERENCIAL E CONTRATRANSFERENCIAL NA SALA DE AULA ................ 238 3.3.1 Transferência ........................................................................................................................... 239 3.3.2 Contratransferência .............................................................................................................. 242 3.4 O PROFESSOR COM CONHECIMENTO TERAPÊUTICO............................................................ 243 4 PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO: PROBLEMAS E POTENCIALIDADES ............................. 245 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................. 247 RESUMO DO TÓPICO 3 ...................................................................................................... 252 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................... 254 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 255 1 UNIDADE 1 A PSICANÁLISE COMO PSICOPEDAGOGIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • compreender a ideia pedagógica por meio do qual conceitos psicanalíticos-chave são formulados; • analisar conceitos psicanalíticos, como o inconsciente, a resistência e a transferência em um enfoque psicopedagógico; • entender o inconsciente como uma forma de conhecimento em um processo de reaprendizagem; • identificar o manejo da transferência como habilidade pedagógica na relação analista/ professor e analisando/aluno. A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – O INCONSCIENTE: UMA FORMA DE CONHECIMENTO TÓPICO 2 – O EGO E OUTRAS ESTRATÉGIAS DE RESISTÊNCIA TÓPICO 3 – A TRANSFERÊNCIA: POR UMA TEORIA E TÉCNICA PSICOPEDAGÓGICA Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 1! Acesse o QR Code abaixo: 3 O INCONSCIENTE: UMA FORMA DE CONHECIMENTO 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico! A psicanálise pode ser entendida como um tipo particular de aprendizagem, que está interessada não em qualquer tipo de conhecimento, mas em conhecimento especificamente traumático. No entanto, o conhecimento traumático não vem de forma genérica; em vez disso, é sempre inconsciente. Deste modo, este tópico é dedicado a explicar o conceito psicanalítico de inconsciente: a principal alegação é que o inconsciente freudiano é sempre ideativo em conteúdo, nunca emocional, o que Jacques Lacan deixa claro ao descrevê-lo como um discurso. No entanto, se o conhecimento traumático é inconsciente, Freud e Lacan afirmam que, paradoxalmente, já o sabemos, pois, o inconsciente está sempre presente. Assim, aprender o inconsciente é sempre uma questão de reaprendê-lo. Portanto, nosso caminho de estudos neste tópico será percorrer a ideia de que a psicanálise pode ser vista como psicopedagogia e não apenas um corpo teórico e técnico aplicado à psicopedagogia. Assim, trilharemos brevemente sobre a descoberta da psicanálise, discorrendo sobre o inconsciente como linguagem e o reprimido, para concluir que aprender o inconsciente é uma reaprendizagem. Pronto para iniciar os estudos? Vamos adiante! 2 A PSICANÁLISE COMO PSICOPEDAGOGIA, A PSICOPEDAGOGIA COMO PSICANÁLISE A abordagem de Jacques Lacan à psicanálise é mais do que um modelo clínico; é também uma estrutura interpretativa robusta. Sua infusão emdisciplinas como filosofia, literatura, cinema e estudos culturais, estudos religiosos e ciência política – para citar apenas alguns – gerou não apenas algumas das percepções mais fascinantes, mas também um repensar radical do que está em jogo nessas áreas de estudo. Fê-lo porque a psicanálise vai além da superfície para descobrir os investimentos libidinais feitos nos projetos em andamento nessas áreas. E, por causa do insight que oferece sobre o literário, o textual e o humano, a psicanálise lacaniana tornou-se uma condição sine qua non (sem a qual não pode ser) nas humanidades teóricas. TÓPICO 1 - UNIDADE 1 4 A infusão da psicanálise nas humanidades teóricas não é surpreendente, já que Sigmund Freud, ao longo de sua obra, revelou um interesse permanente por literatura, arte, política, sociedade, religião e assuntos afins. Entretanto, dos campos disciplinares potenciais para os quais a psicanálise pode dar uma contribuição, Freud destaca um: “Nenhuma das aplicações da psicanálise excitou tanto interesse e despertou tantas esperanças, e nenhuma, por conseguinte, atraiu tantos colaboradores capazes, quanto seu emprego na teoria e prática da educação” (FREUD, 1996a, p. 307). No entanto, ele continua a dizer que embora reconheça “o bon mot [observação inteligente] que estabelece existirem três profissões impossíveis – educar, curar e governar” (FREUD, 1996a, p. 307), ele lamenta que a maior parte do trabalho de sua vida foi inteiramente ocupada com a segunda destas, na exclusão da educação. No entanto, Freud interrompe, isso “não significa que desprezo o alto valor social do trabalho realizado por aqueles de meus amigos que se empenham na educação” (FREUD, 1996a, p. 307). Mais tarde, em 1933, Freud revisita muito brevemente o assunto da educação em suas Novas Conferências Introdutórias Sobre Psicanálise, intitulada "Explicações, Aplicações e Orientações", dizendo ao seu público: “Existe um tema, todavia, que não posso deixar passar tão facilmente – assim mesmo, não porque eu entenda muito a respeito dele, e nem tenha contribuído muito para ele”, continua ele, “Devo mencioná-lo porque é da maior importância, é tão pleno de esperanças para o futuro, talvez seja a mais importante de todas as atividades da análise. Estou pensando nas aplicações da psicanálise à educação” (FREUD, 1996b, p. 144-145). Freud tenta marcar os contornos do que uma investigação psicanalítica na educação pode acarretar. Para Freud, a tarefa primária da educação é ensinar a criança a controlar suas pulsões, ou seja, a educação deve inibir, proibir e suprimir, mas uma vez que essa supressão de pulsões envolve o risco de doença neurótica, a única preparação adequada para a profissão de educador é um treinamento psicanalítico completo (FREUD, 1996b). Para Freud, a educação é o processo de aprender a conter as pulsões, e a psicanálise é a teoria que pode auxiliar na compreensão desse processo. Se há algo profundamente insatisfatório na tentativa de Freud de pensar a aplicação da psicanálise à educação, talvez seja porque ele vê a relação da psicanálise com a educação na ordem de sua relação com as disciplinas humanísticas: isto é, a psicanálise e a educação são campos distintos que podem ser reunidos posteriormente. Desse modo, a relevância da psicanálise na educação se reduz à da aplicação: a educação psicanalítica é apenas uma educação à qual a psicanálise se aplica. No entanto, se o "bon mot", que une psicanálise, educação e política como "as profissões impossíveis", tem algum significado, então certamente deve ser que todos os três campos não são completamente distintos, mas estão de alguma forma inextricavelmente ligados para que um não possa ser evocado sem já evocar os outros dois. A educação deve, portanto, ser pensada como possuindo uma relação mais íntima com a psicanálise do que as humanidades teóricas: se as humanidades teóricas convidam à intervenção da psicanálise, a educação não pode prescindir dela. 5 As afirmações de Freud, extraídas das Conferências Introdutórias à Psicanálise, nos introduzem o tema das relações entre Psicanálise e Educação, e da complexidade da “missão” do educador. Para aprofundar esta relação entre os dizeres de Freud e a educação, sugerimos a leitura do livro Freud e a educação: o mestre do impossível, de Maria C. Kupfer (2005). DICA O presente livro didático investiga os lugares onde a associação como “profissões impossíveis” rompe o muro imaginário que separa a psicanálise da educação. Nesses locais, a psicanálise já é pedagogia e a pedagogia já é psicanálise. A aposta é que algo mais interessante do que o “entusiasmo” de Freud seja encontrado. Chamamos isso de “psicopedagogia” para transmitir que o que está em jogo não é a mera aplicação da psicanálise à pedagogia, mas, muito mais, as formas pelas quais psicanálise e pedagogia estão entrelaçadas, contíguas. A psicanálise não pode ser meramente aplicada à pedagogia, porque a pedagogia já se encontra nela, portanto, a psicanálise utiliza e depende da pedagogia para formular sua teoria e seus conceitos. Felman (1982, p. 27) faz uma afirmação semelhante: “A psicanálise é, portanto, uma experiência pedagógica: como um processo que dá acesso a novos conhecimentos até então negados à consciência, oferece o que pode ser chamado de uma lição de cognição (e de de-cognição), um ensino epistemológico”. Essa relação é concebida como um tipo especial de relação pedagógica em que esta aprende o que está armazenado no inconsciente. Mais do que retórica, esses motivos pedagógicos representam uma teoria da educação e da pedagogia em si. No cerne da psicopedagogia está, portanto, uma tentativa para elucidar essa teoria já embutida na psicanálise, enfocando esses motivos pedagógicos. A interpretação específica da psicanálise sob exame aqui, nos tópicos desta primeira unidade do livro didático, é o importante “retorno a Freud” de Jacques Lacan. As contribuições teóricas de Lacan para a história do pensamento psicanalítico estão entre as mais originais e importantes, mas também têm a reputação de estar entre as mais desafiadoras. Parte desse desafio tem a ver com o estilo peculiar de discurso de Lacan (DOR, 1989). A maior parte, entretanto, tem a ver com o fato de que o pensamento de Lacan se desenvolve ao longo do tempo, e ele nunca escreveu uma magnum opus (grande obra) que contivesse o somatório de seus pontos de vista. Em vez disso, ficamos com as transcrições dos famosos seminários de Lacan, que foram realizados entre as décadas de 1950 e 1970, para testemunhar o dinamismo de seu pensamento em primeira mão. Em termos de escrita, Lacan deixou apenas um volume de ensaios, os Escritos (LACAN, 1998). Tudo isso deixa seu pensamento de forma fragmentária, ultimamente intotalizável. Tentar fabricar uma síntese dos fragmentos de Lacan pode ser uma tarefa frustrante, até mesmo impossível. Para obter o mais leve controle sobre o pensamento 6 Caro acadêmico! Para conhecer mais sobre os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, segundo Jacques Lacan, sugerimos a leitura do “O seminário, Livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise” (LACAN, 1988a). De modo mais sintetizado, você poderá ler o artigo “De que se trata ser freudiano pela psicanálise lacaniana? Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise em Freud e Lacan”, de Iagor Leitão e Flávio Mendes (2018), disponível no seguinte link: https://bit.ly/3lSDOZL. DICA de Lacan, é necessário examinar as transcrições de seus seminários (muitos dos quais ainda não foram publicados e menos ainda foram traduzidos para o português, o que representa mais dificuldades) e correlacionar essas ideias com seus vários Escritos – como poderíamos imaginar, este trabalho exige a maior quantidade de paciência. A construção eficaz de uma psicopedagogia neste terreno psicanalítico, exigirá, portanto,alguma explicação do pensamento de Lacan, e esse pensamento será abordado aqui como derivado de uma leitura atenta de Freud. É sempre útil lembrar que, historicamente, Lacan ganhou proeminência a partir de uma crítica aos chamados psicólogos do ego, Heinz Hartmann, Ernst Kris e Rudolph Loewenstein. Contra a tentativa da psicologia do ego de rebaixar a psicanálise ao nível de uma mera psicologia, reduzindo o pensamento de Freud ao complexo ego-superego-id, Lacan, por meio de uma leitura atenta dos textos de Freud, enfatizou a importância que Freud atribuía a conceitos fundamentais como o inconsciente, a pulsão, a repetição e a transferência. Para Lacan (1998), a psicanálise foi oficialmente inaugurada pela descoberta revolucionária de Freud do inconsciente; sua estrutura foi construída sobre os conceitos de pulsão, sexualidade, repetição e transferência, e foi coroada com uma compreensão crítica da função do ego. Portanto, qualquer coisa que não reconheça todo o pensamento de Freud, especialmente o que Lacan chama de "os quatro conceitos fundamentais", o inconsciente, a pulsão, a repetição e a transferência, não pode receber o nome de psicanálise (LACAN, 1988a). FONTE: <https://bit.ly/3DVBlns>. Acesso em: 17 ago. 2021. 7 Por essas razões, Lacan sempre será discutido aqui dentro de seu próprio contexto freudiano, mesmo remontando aos primeiros escritos de Freud, os chamados pré-psicanalíticos, a fim de dar uma visão panorâmica do desenvolvimento do pensamento de Lacan. A imagem da psicopedagogia que surgirá como resultado é a de um pensamento pedagógico que já está presente e em ação em Freud – arquivado, por assim dizer, em seus textos originais – e é redescoberto pela leitura atenta de Lacan. Agora então iniciaremos esta jornada pelos fundamentos da psicanálise na tentativa de apreender sua essência pedagógica. Vamos lá? 3 A REJEIÇÃO DA HIPNOSE EM FAVOR DA PEDAGOGIA Sigmund Freud era um péssimo hipnotizador. E isso não sabemos por ouvir dizer, mas pela própria admissão de Freud. Pensando na época anterior ao surgimento da psicanálise, na época em que ainda estava estudando na clínica de Hippolyte Bernheim (1837-1919), em Nancy, na França, Freud se lembra de ter sentido que uma “arte” da hipnose realmente existia e que ela poderia ser aprendida com Bernheim. Entretanto, ele confessa, “logo que tentei praticá-la com meus próprios pacientes, descobri que pelo menos meus poderes estavam sujeitos a graves limitações e que, quando o sonambulismo não era provocado num paciente nas três primeiras tentativas, eu não tinha nenhum meio de induzi-lo” (BREUER; FREUD, 1996, p. 136). Freud até oferece um relato bastante cômico de seus problemas: Logo comecei a ficar cansado de proferir asseguramentos e ordens tais como “Você vai dormir... durma!” e de ouvir o paciente, como tantas vezes acontecia quando o grau de hipnose era leve, reclamar comigo: “Mas doutor, eu não estou dormindo”, e de ter então que fazer distinções sutis: “Não me refiro a um sono comum, mas sim à hipnose. Como vê, você está hipnotizado, não consegue abrir os olhos” etc., “e de qualquer modo, não há necessidade de que você adormeça”, e assim por diante (BREUER; FREUD, 1996, p. 136). Mesmo assim, Freud, nesse estágio inicial, ainda se considerava um praticante de uma escola específica de psicoterapia que considerava a hipnose uma técnica integral. O que Freud deveria fazer? “Vi-me, por conseguinte, defrontado com a opção”, diz-nos ele, “abandonar o método catártico na maioria dos casos que lhe seriam apropriados ou aventurar-me à experiência de empregar esse método sem o sonambulismo, quando a influência hipnótica fosse leve ou mesmo quando sua existência fosse duvidosa” (BREUER; FREUD, 1996, p. 136). Freud está em uma encruzilhada; ele deve tomar uma decisão importante: ou continuar em uma prática não adequada aos seus talentos ou seguir seu próprio caminho. Ele decide o último, procedendo sem a ferramenta da hipnose. A decisão de Freud é inovadora, pois representa uma ruptura com a escola de terapia em que foi treinado e seu primeiro passo em direção à psicanálise. 8 Enquanto isso, a decisão de abandonar a hipnose tem sérias implicações para a prática de Freud: Ao abrir mão do sonambulismo, talvez me estivesse privando de uma precondição sem a qual o método catártico não parecia utilizável, pois esse método era claramente baseado na possibilidade de os pacientes, em seu estado alterado de consciência, terem acesso às lembranças e serem capazes de identificar ligações que não pareciam estar presentes em seu estado de consciência normal (BREUER; FREUD, 1996, p. 136-137). A doença é causada primeiro por algum tipo de trauma. No entanto, a memória desse evento traumático original está ausente da consciência, estando em algum lugar além de seu alcance. O método catártico (pré-psicanalítico) gira em torno da capacidade de acessar essa memória ausente, acesso proporcionado pela hipnose. Como a hipnose é um método que Freud decide não praticar mais, ele está privado da técnica prática para acessar a chave para curar as neuroses de seu paciente. No entanto, Freud aceita a premissa da escola em que se formou, a saber, que a chave está em acessar a, então chamada, memória supraconsciente. Contudo, sem hipnose, ele é incapaz de seguir adiante na prática. Então, ele se lembra de algo de seus dias com Bernheim: uma demonstração. Uma mulher, em estado de hipnose, é informada por Bernheim que ele é invisível para ela, e quando questionada, ao acordar, se ela se lembrava de ter visto Bernheim, ela jurava que não. Entretanto, Freud relata que Bernheim não desistiu por aí, ele continuou a demonstração, colocando “a mão em sua testa a fim de ajudá-la a lembrar-se. E vejam só! Ela acabou por descrever tudo o que aparentemente não havia percebido durante o sonambulismo e aparentemente não havia recordado no estado de vigília” (BREUER; FREUD, 1996, p. 137). O que nesta demonstração impressiona Freud é a forma específica como Bernheim usa a hipnose. No treinamento de Freud, a hipnose era usada, como regra, para expandir a consciência do paciente para abranger a memória supraconsciente traumática. No entanto, nesta demonstração, Bernheim usa a hipnose para fazer a mulher esquecer algo, ou seja, que ela o viu. Para fazê-la lembrar, ele simplesmente coloca as mãos em sua testa, o que, com certeza, é uma técnica não hipnótica. Freud hipotetiza que os limites da consciência podem ser estendidos sem o auxílio da hipnose. Freud está, portanto, convencido de que as memórias perdidas de seu paciente só são aparentemente esquecidas quando o paciente está acordado, como também podem ser chamadas novamente por uma gentil convocação: um toque da mão na testa. Freud toma a demonstração de Bernheim como um modelo para um procedimento experimental. Em vez de usar a hipnose para facilitar o processo catártico, Freud simplesmente colocava as mãos na testa de seus pacientes e os instruía de que as memórias voltariam à consciência simplesmente sob a pressão de suas mãos. A técnica experimental funcionou muito bem, mesmo além das expectativas de Freud, pois seus pacientes foram capazes de lembrar muito do que antes era considerado 9 esquecido. O que se torna aparente para Freud é que, quando um paciente é incapaz de lembrar os eventos cruciais do trauma original, isso não reflete uma consciência débil ou limitada, mas, ao contrário, uma faculdade crítica hiperativa, portanto, o paciente de fato conhece a informação em questão parcial ou totalmente, mas é impedido de se lembrar dela. Freud escreve: Afinal fiquei tão confiante que, quando os pacientes respondiam “não vejo nada” ou “nada me ocorreu”, podia descartar essa afirmação como uma impossibilidadee assegurar-lhes que por certo haviam ficado conscientes do que se desejava, mas se recusavam a acreditar que fosse aquilo e o rejeitavam [...]. Invariavelmente, eu tinha razão. Os pacientes ainda não tinham aprendido a relaxar sua faculdade crítica. Haviam rejeitado a lembrança que surgira ou a ideia que lhes tinha ocorrido, sob a alegação de que não servia e era uma interrupção irrelevante. E depois que a relatavam a mim, ela sempre revelava ser aquilo que se desejava (BREUER; FREUD, 1996, p. 138). Na opinião de Freud, o principal obstáculo à lembrança não é o limite estreito da consciência, mas isso, o que ele chama de faculdade crítica. Nesse estágio inicial e, com certeza, altamente experimental, Freud sugere que os analistas lidem com a faculdade crítica ensinando seus pacientes a relaxá-la. No entanto, à medida que a psicanálise entra em ação, Freud revisa esta posição: a faculdade crítica – ou as resistências – deve ser confrontada e superada, em vez de simplesmente relaxada. O movimento do relaxamento para a superação na teoria de Freud será retomado em tópicos posteriores deste livro didático. Aqui, é suficiente dizer que mesmo nesta iteração inicial e altamente provisória da teoria psicoterapêutica (ainda não pode ser chamada de "psicanálise"), o ato de lembrar é apresentado como uma habilidade que pode ser aprendida por meio do próprio processo analítico, tornando desnecessário o recurso à hipnose. Outra maneira de dizer isso é que Freud rejeita a hipnose em favor da pedagogia. Na verdade, Freud acredita tão fortemente no potencial pedagógico do trabalho analítico que, à medida que continua trabalhando com neuróticos, até evita sua própria técnica inspirada em Bernheim. 4 A DESCOBERTA DA PSICANÁLISE A mudança que Freud faz na técnica pode parecer pequena, mas as implicações teóricas são inúmeras, como demonstrado pela passagem da hipnose à pedagogia. Na verdade, isso leva a nada menos do que a descoberta da própria psicanálise. Ao supor que o paciente precisa da hipnose para expandir o domínio da consciência, a escola de psicoterapia de Bernheim entende a incapacidade de recordar o passado traumático como resultado de uma memória semelhante a uma peneira. Algumas memórias são retidas pela consciência, outras não. Não é que o sujeito individual queira esquecer, mas é especialmente difícil manter o trauma na consciência. O indivíduo é entendido aqui como tendo um papel passivo. 10 Por ter tanto sucesso com sua técnica quase-bernheimiana, a ponto de torná- la obsoleta, Freud chega a uma conclusão diferente: “Achei ainda mais surpreendente, talvez, que pelo mesmo método fosse possível fazer retornarem números e datas que, a um exame superficial, há muito tinham sido esquecidos, e assim revelar como a memória pode ser inesperadamente precisa” (BREUER; FREUD, 1996, p. 139). Freud desvenda ainda mais as implicações teóricas no artigo A Psicoterapia da Histeria, na conclusão reflexiva do dossiê Estudos sobre a Histeria. Com a ajuda dos casos recolhidos nestes Estudos, Freud averigua o fio condutor de todas as memórias perdidas: “eram todas de natureza aflitiva, capazes de despertar afetos de vergonha, de autocensura e de dor psíquica, além do sentimento de estar sendo prejudicado” (BREUER; FREUD, 1996, p. 271). Os eventos que faltam à consciência não são, segundo Freud, simplesmente difíceis; antes, eles causam danos ao indivíduo. Trauma, para Freud, não descreve nem a natureza do evento em si nem o conteúdo de sua memorialização; descreve o efeito do evento no indivíduo. Angústia, vergonha, autocensura, dor, dano – todas essas palavras descrevem o tipo de impacto que pode transformar um evento comum em um trauma completo. Embora a maioria das pessoas concorde que o holocausto, por exemplo, é horrível e difícil de entender, nem todos o vivenciam como um trauma. O holocausto se torna traumático quando causa dor ao indivíduo, fazendo-o suportar algum tipo de estresse psíquico ou danos, como vergonha ou culpa. Enquanto a dificuldade é, em certo sentido, experimentada objetivamente, o trauma é vivenciado subjetiva ou existencialmente. A diferença entre dificuldade e trauma é porque muitas pessoas podem falar “factualmente” sobre o holocausto, enquanto outras ainda podem regurgitar fatos e números em questionários sobre o tema sem um sentimento de vergonha ou lesão. Ao definir o trauma relacionalmente, Freud revela o incentivo para o esquecimento dos eventos traumáticos: os traumas são supraconscientes não porque são em si mesmos eventos horríveis, embora certamente possam ser, mas sim pelos afetos negativos que provocam no indivíduo. O indivíduo, para Freud, tem uma mão ativa no esquecimento. Na verdade, o indivíduo comete um ato de esquecimento e geralmente por um bom motivo. E sem essa dimensão da lesão ou ferimento, um evento, embora difícil, não levanta problemas para a memória consciente. Como o indivíduo é, para Freud, figurado como agente ativo no processo de esquecimento das memórias, a memória não é como uma peneira. As memórias traumáticas nunca simplesmente escapam da consciência. A consciência as armazena, mas de uma maneira que não interfere em seu funcionamento. Como então elas são armazenadas? A resposta leva à própria inovação teórica sobre a qual Freud constrói a psicanálise, a saber, o inconsciente. O inconsciente é um paradoxo: é a parte da consciência que não é mais consciente. Não supraconsciente, mas literalmente não consciente (em alemão, Unbewusste). Para entender melhor este paradoxo, talvez seja melhor descrever o inconsciente como o reverso ou lado inferior da própria consciência. E é por isso que 11 a hipnose é desnecessária: uma vez que o inconsciente não é externo à consciência, não está fora de seu alcance, mas seu exato outro lado, nenhuma quantidade de consciência em expansão levaria a ele. Entretanto, também não significa que o inconsciente permaneça inacessível. Significa apenas que o acesso ao inconsciente deve ser combatido dentro da própria consciência. A consciência, por assim dizer, deve passar por si mesma ou, dito de outra forma, deve cruzar sua própria divisão interna. Essa localização paradoxal significa que o inconsciente é de fato um tipo particular de conhecimento consciente: é a forma assumida pelo conhecimento traumático. O que Freud ganha com toda a sua experiência clínica inicial é uma premissa teórica totalmente nova para o trabalho prático. “Resolvi”, Freud relata, “partir do pressuposto de que meus pacientes sabiam tudo o que tinha qualquer significado patogênico e que se tratava apenas de uma questão de obrigá-los a comunicá- lo” (BREUER; FREUD, 1996, p. 137). A nova premissa de Freud transforma tudo o que aprendera com Bernheim. A memória não é porosa; em vez disso, é sólida, na verdade muito sólida. O indivíduo não é ignorante ou de mentalidade débil, mas conhecedor e capaz. O indivíduo também não é passivo, mas ativo. O conhecimento em si – isto é, tudo de “significância patogênica” – não é supraconsciente; é inconsciente. O trauma não é esquecido, mas reprimido. A chave para desbloquear a neurose não está em expandir a consciência por meio da hipnose, mas em comunicar o que está no inconsciente por meio do trabalho analítico. A psicanálise é o resultado de todas essas reversões. Para que você possa compreender melhor todo o contexto histórico e as principais contribuições de Freud na construção da Psicanálise, sugerimos que assista ao documentário: “A Invenção da Psicanálise”, que é um documentário francês de 1997. Este vídeo mostra, detalhadamente, a trajetória da psicanálise, desde seu nascimento até as direções tomadas no período após a morte de Freud, associando-a aos fatos históricos de cada época. Todo o filme é comentado por Elisabeth Roudinescoe Peter Gay, biógrafo de Freud. O documentário mostra muito material fotográfico e vídeos raros como o de Jung descrevendo seu primeiro encontro com Freud e relato de Ernest Jones, como também as últimas imagens de Freud em seu apartamento em Viena, pouco antes do exílio em Londres, feitas por Marie-Bonaparte, neta de Napoleão Bonaparte. Traz ainda a única gravação em áudio da voz de Freud em entrevista à BBC de Londres, em 7 de dezembro de 1938. Você pode acessar o documentário pelo link: https://bit.ly/3jedZ4B. DICA 5 O INCONSCIENTE E O REPRIMIDO “O inconsciente abrange”, Freud escreve em seu artigo O Inconsciente, “por um lado, atos que são meramente latentes, temporariamente inconscientes, mas que em nenhum outro aspecto diferem dos atos conscientes, e, por outro lado, abrange processos tais como os reprimidos, que, caso se tornassem conscientes, estariam 12 Recalque ou repressão é um dos conceitos fundamentais da psicanálise, tendo sido desenvolvido por Sigmund Freud. Denota um mecanismo mental de defesa contra ideias que sejam incompatíveis com o eu. A ação da repressão causa tensão e consequentemente desconforto. A partir da repressão, surge o recalque. Que é enviar o conteúdo que está tensionando de volta para o inconsciente, causando assim uma sensação de alívio da tensão causada pela repressão. Assista ao vídeo do psicanalista Christian Dunker, na série Glossário Freud, “O recalque”, no qual ele explica o conceito de recalque. Você pode acessar ao vídeo neste link: https://bit.ly/3jdyVsE. DICA De acordo com a linguagem popular “reprimido” geralmente se refere a uma emoção. Nessa definição popular, quando se diz que alguém está reprimido, o que geralmente se quer dizer é que a pessoa suprimiu todos os sentimentos emocionais. Por exemplo, um indivíduo sexualmente reprimido é considerado destituído de sentimentos de luxúria ou desejo. Nada poderia estar mais longe do entendimento de Freud da repressão do que essa noção popular. Na introdução dos Estudos sobre a Histeria, Josef Breuer e Freud (1996) observam que a diferença entre neurose e doença é que esta é o resultado de uma lesão física, enquanto a primeira é o resultado de um trauma psíquico, que é sinalizado pelo afeto de susto. “Qualquer experiência”, eles escrevem, “que possa evocar afetos aflitivos – tais como os de susto, angústia, vergonha ou dor física – pode atuar como um trauma dessa natureza; e o fato de isso acontecer de verdade depende, naturalmente, da suscetibilidade da pessoa afetada” (BREUER; FREUD, 1996, p. 41-42). Mesmo nesta fase inicial do pensamento de Freud, a vasta distância que separa sua posição e a compreensão popular da repressão é evidente. Os neuróticos, para Freud, não são pessoas que reprimiram seus sentimentos e emoções; em vez disso, são pessoas que são dominadas pelo afeto: o trauma provoca sentimentos intensos de medo, vergonha e ansiedade, culminando em uma neurose. Freud fornece um exemplo claro na história do caso da Miss Lucy R., uma de suas primeiras pacientes. Miss Lucy R., que trabalha como governanta, chega a Freud, atormentada pelo cheiro de pudim queimado. Ao longo da análise, Freud sugere à paciente que ela ama secretamente seu empregador. Miss Lucy R., talvez surpreendentemente, não contesta a sugestão de Freud de forma alguma. Muito pelo contrário, ela o admite prontamente, chegando ao ponto de confessar que uma vez teve a esperança de se casar com ele. De acordo com a compreensão popular da repressão como supressão do afeto, a Miss Lucy R. deveria ter contradito Freud como todos os sentimentos amorosos deveriam ter sido suprimidos. A noção popular de repressão leva a um beco sem saída. propensos a sobressair num contraste mais grosseiro com o restante dos processos conscientes” (FREUD, 1996c, p. 177). A psicanálise está interessada neste último, ou seja, o conteúdo reprimido do inconsciente, o conteúdo recalcado. 13 No entanto, Freud investiga mais. Durante uma sessão, a Miss Lucy R. avisa Freud que o cheiro de pudim queimado se dissipou, mas agora ela é atormentada pelo cheiro de fumaça de charuto. Por meio de uma série de perguntas, a Miss Lucy R. relembra uma lembrança: seu patrão e seu contador, que também é amigo da família, estão compartilhando um charuto; uma vez terminado, o contador se despede dos filhos de seu patrão beijando-os nos lábios; tendo testemunhado isso, seu patrão fica furioso. Ver seu empregador castigar um amigo da família a incomoda, pois se ele trata um amigo dessa maneira, ela só pode imaginar o que ele faria com uma mera empregada como ela. Freud vai mais longe no assunto, ponto em que a Miss Lucy R. se lembra de outra cena. Desta vez, uma amiga se despede das crianças beijando-as. Mais uma vez, seu patrão fica furioso e diz a ela que se isso acontecer novamente, ela será demitida. Esta cena, como Freud coloca, esmagou suas esperanças. “Se ele pode enfurecer-se comigo dessa maneira e fazer tais ameaças por um assunto tão banal”, diz a Miss Lucy R. a Freud, “devo ter cometido um erro. Ele não pode jamais ter tido quaisquer sentimentos ternos por mim” (BREUER; FREUD, 1996, p. 147). Na avaliação de Freud, ser repreendida por seu empregador – um homem por quem ela tinha sentimentos afetuosos – envergonha a Miss Lucy R. a tal ponto que ela reprimiu a memória do evento. O que ela reprime, porém, não é o amor, mas a cena da memória. Voltando a Freud e Breuer (1996, p. 42), eles escrevem: “devemos antes presumir que o trauma psíquico – ou, mais precisamente, a lembrança do trauma – age como um corpo estranho que, muito depois de sua entrada, deve continuar a ser considerado como um agente que ainda está em ação”. O que eles estão sugerindo é que o reprimido não é o evento traumático em si, mas sua memória. Ou, dito de outra forma, reprimido é todo e qualquer conhecimento do evento traumático. No caso da Miss Lucy R., o que é reprimido é a memória, o conhecimento, ou, como Freud diz, a cena, da violenta fúria de seu amado patrão ao ver seus filhos beijados na boca. Ao ver essa raiva, um conflito surge nela entre o conhecimento de que ele descaradamente a despreza e o carinho que ela tem por ele. O conflito é resolvido pela divisão dessas duas partes: o conhecimento de um lado e a emoção do outro. A cena, bem como qualquer conhecimento associado, é reprimida, tornada inconsciente. A emoção, entretanto, permanece e se apega ao cheiro de fumaça de charuto e pudim queimado, dando a esses cheiros uma carga libidinal adicional. Uma vez que Miss Lucy R. se lembra dessa cena, ela é capaz, como Freud e Breuer dizem, de traduzir “o afeto em palavras” (BREUER; FREUD, 1996, p. 42); e sua situação, como resultado, muda dramaticamente, retornando o senso do seu olfato. À medida que o pensamento de Freud continua a se desenvolver – acima de tudo, com os Ensaios de Metapsicologia – o caráter ideativo, em oposição ao emocional, do inconsciente torna-se mais bem definido. No primeiro ensaio, Os Instintos e suas Vicissitudes, Freud (1996d, p. 127) afirma isso de uma pulsão: Se agora nos dedicarmos a considerar a vida mental de um ponto de vista biológico, um ‘instinto’ [pulsão] nos aparecerá como sendo um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático, como o representante psíquico dos estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a mente, como uma medida da exigência feita à mente no sentido de trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo. 14 Esta única frase contém uma multiplicidade de informações importantes, mas o que nos preocupa aqui é a sugestão de Freud de que o que é referido como uma entidade singular, a pulsão, é na realidade um composto da própria pulsão e seu representante psíquico ou ideia representativa. A repressão – isto é, a ação de "afastar determinada coisa do consciente, mantendo-aa distância" – afeta apenas o "representante psíquico (ideacional)” da pulsão (FREUD, 1996e, p. 152-153), e não a própria pulsão. Isso ocorre porque a “pulsão”, como Freud a entende, “nunca pode se tornar objeto da consciência – só a ideia que [a] representa pode” (FREUD, 1996c, p. 182). A afirmação de Freud é, em essência, que os indivíduos reprimem ideias que representam a pulsão para a consciência. O que Freud (BREUER; FREUD, 1996), em sua obra anterior, os Estudos sobre a Histeria, descreveu como uma cena, agora é descrito como um representante psíquico ou ideacional. Nada poderia estar mais longe das emoções do que a linguagem de representação de Freud. Freud acredita tão enfaticamente que a repressão é sempre a repressão do conteúdo ideativo que em O Inconsciente, ele escreve: “Por certo, faz parte da natureza de uma emoção que estejamos cônscios dela, isto é, que ela se torne conhecida pela consciência. Assim, a possibilidade do atributo da inconsciência seria completamente excluída no tocante às emoções, sentimentos e afetos” (FREUD, 1996c, p. 182). Freud não poderia ser mais claro, que a repressão não se refere à supressão da emoção. Para fins de clareza, a noção de Freud do representante ideativo será referida simplesmente como conhecimento: assim, o que permanece reprimido no inconsciente é sempre algum tipo de conhecimento traumático. Dessa forma, a psicanálise pode ser entendida como uma espécie de processo de aprendizagem: o processo de aprendizagem do conhecimento traumático. No entanto, deve-se ter cuidado para não entender Freud como negligenciando o afeto, pois ele de fato tem uma teoria das emoções. Quando ocorre a repressão – isto é, quando algum conhecimento traumático é tornado inconsciente – ele é liberado de uma quota de afeto que o acompanha (FREUD, 1996c). Esse afeto recém-liberado pode então se ligar a outras ideias, dissipar-se, altear-se em ansiedade ou permanecer flutuando livremente. Em seu estado separado, a emoção é geralmente erroneamente reconhecida como algo diferente do concomitante emocional do conhecimento traumático. Uma vez que o conhecimento traumático é aprendido a partir do inconsciente, esse afeto radical livre é lançado em uma luz nova e apropriada. Um exemplo seria o paciente de Freud conhecido como o Homem dos Ratos. Enquanto estava no exército, o Homem dos Ratos conversa com um de seus comandantes – “um capitão de nome tcheco” (FREUD, 1996f, p. 149). Nessa conversa, o capitão relata uma forma de tortura envolvendo o uso de ratos. Ouvir o capitão tcheco descrever essa tortura com ratos deixa o homem doente. Quando a doença se transforma em um caso de compulsão obsessiva, ele vem ver Freud. Por meio da análise, Freud determina que o Homem dos Ratos reprimiu o conhecimento traumático de ter atacado ferozmente seu pai na infância (o trauma aqui é o sentimento de culpa por ter atacado 15 seu pai). Uma vez reprimido, esse conhecimento se separa de seu componente afetivo – a saber, seu ódio pelo pai – e o afeto remanescente é deslocado para a pessoa do capitão tcheco. O ódio do Homem dos Ratos, que, com certeza, nunca foi inconsciente ou reprimido, mas apenas deslocado, é, no entanto, reconhecido erroneamente por ele como qualquer coisa, menos o que realmente é. Ele vê isso como um sinal de que seu capitão é desprezivelmente sádico, que ele próprio é um covarde, até mesmo que as mulheres em geral são repugnantes. O que ele não vê é este ódio como companheiro do conhecimento traumático de que odeia seu pai. 6 O INCONSCIENTE É UMA LINGUAGEM Quando Freud usa a frase “representante ideacional” (ou ideativo) – descrito aqui como conhecimento traumático – para designar o conteúdo do inconsciente, ele está usando uma frase que é original para ele. Esta frase, que é traduzida em português como “representante ideacional”, é, no alemão original, Vorstellungsrepräsentanz, que é a combinação de duas palavras: Vorstellung e Repräsentanz. O fato de Freud inventar uma palavra composta não é incomum para a língua alemã. No entanto, a palavra em si é peculiar: Vorstellung pode ser traduzido aproximadamente como “representação”, “ideia” ou “concepção”; e Repräsentanz traduzido aproximadamente como “representante” no sentido jurídico, como um embaixador ou um advogado. Vorstellungsrepräsentanz, portanto, se traduz aproximadamente como a "representação do representante". Freud, ao usar a linguagem da representação, pretende traçar uma linha nítida de distinção entre afetos e conceitos. Assim, esclarecer que o conteúdo reprimido nunca é emocional, mas sempre ideacional ou ideativo, não é um gesto superficial; é, ao contrário, inerente ao discurso de Freud. Podemos dizer que ninguém entendeu os riscos da linguagem altamente original de Freud melhor do que Jacques Lacan. No sétimo de seus famosos seminários, A Ética da Psicanálise, Lacan chama a atenção para a frase de Freud: Os processos de pensamento, na medida em que regulam por meio do princípio do prazer, o investimento do Vorstellungen e a estrutura em que o inconsciente está organizado, a estrutura na qual os mecanismos inconscientes subjacentes são floculados. E é isso que faz os pequenos coalhos da representação, isto é, algo que tem a mesma estrutura do significante – ponto sobre o qual insisto. Isso não é apenas Vorstellung, mas como Freud escreve mais tarde no mesmo Caro acadêmico! Assista ao filme que foi baseado na história de um jovem tratado por Freud, cujo trabalho foi publicado como “Homem dos Ratos”, no ano de 1909. O filme estreou em 28 de junho de 1973. Você pode assistir ao filme neste link: https://bit.ly/3n2jWTz. DICA 16 artigo sobre o inconsciente, Vorstellungsrepräsentanz; e assim ele transforma Vorstellung em um elemento associativo e combinatório. Dessa forma, o mundo de Vorstellung já está organizado de acordo com as possibilidades do significante como tal (LACAN, 1992, p. 61). Das muitas coisas interessantes que acontecem nesta passagem, a mais pertinente para a presente discussão é a maneira como Lacan destaca a linguagem representacional de Freud usando o termo "significante" da linguística estrutural. O que Lacan está enfatizando a seus seminaristas é que, em Freud, o inconsciente é um modo de representação, portanto, enquanto os objetos existem no real – isto é, fora da linguagem – só podemos conhecê-los na linguagem e pela linguagem, por meio do discurso, razão pela qual Lacan afirma que “o inconsciente é uma linguagem” (LACAN, 1993, p. 11). Lacan continua sua discussão sobre a terminologia de Freud no seminário XI, Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise. Na sessão intitulada “Tiquê e Autômaton”, Lacan aproveita para “sublinhar o que Freud, quando fala do inconsciente, designa como o que o determina essencialmente – o Vorstellungsrepräsentanz” (LACAN, 1988a, p. 61). “O que quer dizer”, continua ele, “não o representante representativo como se traduziu monotonamente, mas o lugar-tenente da representação” (LACAN, 1988a, p. 61), ou seja, o “representante – traduzi, literalmente – da representação” (LACAN, 1988a, p. 206). Vorstellungsrepräsentanz não é representativo no sentido de ser o mais exemplar dos representantes, mas sim algo que representa a representação, algo que toma o lugar da representação. Aquilo que ocupa o lugar da representação, afirma Lacan, ao concluir, “é o Trieb” (LACAN, 1988a, p. 61), a pulsão. Com a ajuda de Lacan, todas as implicações da terminologia especial de Freud estão agora ao nosso alcance. Lembre-se de que, para Freud, apenas o representante da pulsão – que retraduzimos como conhecimento – pode se tornar um objeto de consciência e nunca a própria pulsão. Freud denomina a repressão que afeta o representativo inicial da pulsão de repressão primária, ou seja, "uma primeira fase de repressão, que consiste em negar entrada no consciente ao representantepsíquico (ideacional) do instinto [pulsão]" (FREUD, 1996e, p. 153). O que Freud uma vez descreveu como uma cena Caro acadêmico! O século XXI descobriu a importância da linguagem como condição e meio de produção de sujeitos, relações de poder, formas de ideologia e modalidades de desejo. Pela linguagem nos definimos e nos constituímos. Contudo, será que toda a gramática de uma língua seria suficiente para traduzir a complexa realidade do mundo em que vivemos e o de nossos processos psíquicos? Esta inquietude, essa tensão entre o que é o real e o que a linguagem tenta capturar do real é questão fundamental na obra do psicanalista Jacques Lacan e é isso que o psicanalista Christian Dunker irá discutir nesta palestra no Café Filosófico CPFL. Você poderá acessar o vídeo neste link: https://bit.ly/3FUAaqx DICA 17 agora está sendo mais formalmente denominado como Vorstellungsrepräsentanz. Ao relacionar este termo com a pulsão, Lacan esclarece que ao explorar o inconsciente não se atinge a base última da psique, mas sim o Vorstellungsrepräsentanz, ou seja, um conhecimento que representa outra coisa, a saber, a pulsão. Vorstellungsrepräsentanz é, em outras palavras, um significante, e o que ele significa é a pulsão. Em outras palavras, Vorstellungsrepräsentanz designa o modo pelo qual a pulsão fala. Ao afirmar que o reprimido no inconsciente é o Vorstellungsrepräsentanz, Lacan lê Freud como tendo em mente um modelo linguístico do inconsciente na medida em que ele significa ou fala a pulsão. Portanto, quando o inconsciente emite o Vorstellungsrepräsentanz, ele fala seu conhecimento na linguagem da pulsão. E é por isso que Lacan afirma que “o inconsciente é estruturado como uma linguagem” (LACAN, 1988a, p. 142). Para Lacan, um significante reside sempre no centro do inconsciente, um fragmento de conhecimento que nada mais representa senão a própria pulsão: “O que é essencial é que ele veja, para além dessa significação, a qual significante – não senso [sem significado], irredutível, traumático – ele está, como sujeito, assujeitado” (LACAN, 1988a, p. 237). Lacan dá dois exemplos desse significante reprimido. O primeiro é retirado do trabalho de seu aluno Serge Leclaire. Em um de seus casos, Leclaire descobre o significante sem significado, Poordjeli, no centro do inconsciente de um de seus pacientes. O nome desse paciente é Philippe, e ele é obcecado por unicórnios, que, em francês, é licorne. O comentarista lacaniano, Eric Laurent, discorre sobre o significado da descoberta de Leclaire: Philippe tinha obsessões que podiam ser atribuídas ao fato de que ele foi definido, não como um menino mau, mas sim como “pobre Philippe” (pauvre Philippe). Sua mãe sempre se referiu a ele como “pobre Philippe” e a conexão do som de “au” em “pauvre” e “o” em “licorne” foi enfatizada por Leclaire, que mostrou que “pauvre Philippe” era o som que colocava Philippe na cama [lit] [...] Leclaire apontou que Philippe poderia ser definido em termos de uma cadeia que poderia ser escrita da seguinte forma: Pobre (d) J'e-Li (Poordjeli) incluindo "pobre Philippe", o “Je” (Eu) do sujeito, e “li” de Philippe, licorne e lit (cama) (LAURENT, 1995, p. 27). O segundo exemplo de Lacan é tirado do paciente de Freud conhecido como Homem dos Lobos. O pseudônimo, Homem dos Lobos, é derivado da natureza de seu sintoma: ele é atormentado por sonhos com lobos. O Homem dos Lobos conta seu sonho recorrente para Freud assim: Sonhei que é noite e que estou deitado em minha cama (ela ficava com os pés para a janela, diante da janela havia uma fileira de velhas nogueiras. Sei que era inverno quando sonhei, e era noite). De repente a janela se abre sozinha, e vejo, com grande pavor, que na grande nogueira diante da janela estão sentados alguns lobos brancos. Eram seis ou sete. Os lobos eram inteiramente brancos e pareciam antes raposas ou cães pastores, pois tinham caudas grandes como as raposas e suas orelhas estavam em pé como as dos cães, quando prestam atenção a algo. Com muito medo, evidentemente, de ser comido pelos lobos, gritei e acordei (FREUD, 2003, p. 227). 18 O evento traumático, portanto, nunca é obliterado da mente, mas, ao contrário, é armazenado como conhecimento na forma de significante primário no inconsciente. O conhecimento traumático é o conhecimento traduzido para a linguagem do inconsciente. Qualquer outro material significante que possa ser associado ao significante primário experimentará o mesmo destino daquilo que foi primeiramente reprimido (FREUD, 1996e) – ele chama essa repressão secundária de repressão propriamente dita. Composto pelo significante primário primeiramente reprimido e pelo conteúdo associado reprimido, “o inconsciente”, descreve Lacan, “torna-se uma cadeia de significantes” (LACAN, 2004a, p. 286), uma linguagem em si mesma. Em outro lugar, Lacan elabora: “O inconsciente é fundamentalmente estruturado, tecido, acorrentado, entrelaçado, pela linguagem. E não apenas o significante desempenha ali um papel tão grande quanto o significado, mas desempenha o papel fundamental. Na verdade, o que caracteriza a linguagem é o sistema de significantes como tal” (LACAN, 1993, p. 119). A psicanálise não é uma doutrina do niilismo: a alegação de que o conhecimento traumático é armazenado no inconsciente de forma alguma sugere que ele nunca possa ser acessado. Na verdade, o problema que a psicanálise apresenta é exatamente o oposto. A natureza linguística do inconsciente significa que o conhecimento traumático pode ser falado – na verdade, o inconsciente, como Lacan coloca, é “um conhecimento que fala por si mesmo” (LACAN, 2007, p. 70). Embora não seja impossível, falar o inconsciente também não é simples; fazer isso envolve uma quantidade enorme de trabalho. Freud compara este trabalho ao da tradução – sublinhando assim a natureza linguística do inconsciente: Para compreender melhor o caso do Homem dos Lobos, assista ao vídeo do psicanalista Christian Dunker “Homem dos Lobos – Falando Daquilo 43”, no qual ele explica o ocorrido neste caso. Você poderá assistir ao vídeo neste link: https://bit.ly/3n81IQm. Ao longo do tratamento do Homem dos Lobos, Freud chega a teorizar algo que ele chama de “cena primária” (FREUD, 2003, p. 236). A cena primária é a linguagem através da qual o conhecimento traumático do Homem dos Lobos é registrado e tornado inconsciente. Freud permanece indeciso sobre a exata acurácia da cena primária recordada. “Essas memórias anteriormente inconscientes”, escreve ele, “nem mesmo precisam ser verdadeiras; elas podem ser verdadeiras, mas sua verdade é frequentemente distorcida e intercalada com elementos fantasiados” (FREUD, 2003, p. 250). O importante é que são “formações-fantasia, inspirando-se em anos mais maduros, concebidas como representação simbólica, por assim dizer, de desejos e interesses reais” (FREUD, 2003, p. 248). Observe que Freud chama a cena primária de "representação simbólica" de "desejos e interesses reais". Lacan aproveita o tom linguístico da descrição de Freud, apresentando a cena primária como um caso exemplar do significante primário. DICA 19 Como devemos chegar a um conhecimento do inconsciente? Certamente, só o conhecemos como algo consciente, depois que ele sofreu transformação ou tradução para algo consciente. A cada dia, o trabalho psicanalítico nos mostra que esse tipo de tradução é possível (FREUD, 1996c, p. 171). Na verdade, toda a dinâmica do trabalho analítico gira em torno da luta para divulgar o conhecimento traumático reprimido. Lacan, entretanto, adverte: “A interpretação não está aberta a nenhum significado” (LACAN, 1981, p. 250). O que isso significa é que o objetivo da psicanálise é estritamente permitirque o inconsciente fale seu conhecimento traumático, não para impor ou adicionar significado a ele por meio, digamos, da interpretação. A razão pela qual Lacan adverte contra a interpretação do significante primário é que o significante primário, “na medida em que o significante primário é puro insensato [...] não está aberto a todos os significados, mas abole todos eles” (LACAN, 1981, p. 252). Em vez de desvendar algum significado profundo e misterioso por trás do significante primário – afinal, o significante primário sempre representa a própria pulsão, que nunca pode se tornar consciente como tal – o objetivo da psicanálise é assumir a responsabilidade por ele, em toda a sua plenitude traumática. O filme Memento (Amnésia), dirigido por Christopher Nolan, demonstra perfeitamente esses princípios psicanalíticos. O personagem principal deste filme é Leonard – um homem que sofre perda de memória de curto prazo devido a um ferimento na cabeça que sofre ao tentar impedir o assassinato de sua esposa. A motivação de Leonard é encontrar o assassino de sua esposa e vingar sua perda. Sofrendo de amnésia, Leonard só consegue visualizar cenas fragmentadas do assassinato de sua esposa. Então, para compensar sua falta de memória, Leonard usa uma câmera instantânea para tirar fotos que ele espera que funcionem como uma memória protética. Juntando as fotos, Leonard é levado a um homem chamado Teddy. Leonard está convencido de que Teddy é o homem que procura, mas antes de decretar sua vingança, Teddy revela que a esposa de Leonard foi morta por ninguém menos que o próprio Leonard. Leonard, por acaso, injetou em sua esposa, uma diabética, uma quantidade letal de insulina. O motivo pelo qual Leonard sofre perda de memória de curto prazo não tem nada a ver com a tentativa de impedir um assassino em potencial – na verdade, não há ataque, em primeiro lugar. Em vez disso, é porque ele reprimiu o conhecimento traumático de que ele é o assassino de sua esposa. Quanto às fotos instantâneas, se lidas dentro do contexto adequado, elas também revelariam a verdade de que Teddy não é o homem que Leonard está procurando. Mas Leonard não reconheceu o que as fotos estavam de fato dizendo a ele. Em outras palavras, essas fotos sofreram o que Freud chama de repressão propriamente dita. 20 O conceito psicanalítico óbvio em ação aqui é a repressão, na medida em que Leonard reprime o conhecimento traumático de que ele é o assassino de sua esposa e todas as fotografias associadas. No entanto, o uso de Nolan do meio visual do filme atende a todas as nuances do pensamento psicanalítico. O inconsciente não é representado como algum complexo de ódio por si mesmo. Em vez disso, é visualizado como uma cena de flashback, que aparece na forma de fragmentos que devem ser colocados juntos. Essa cena, que no filme não tem som, é separada dos afetos associados de culpa e vergonha – afetos que são deslocados para Teddy. No entanto, a verdadeira genialidade do filme é o uso das fotos instantâneas. Essas fotografias, se devidamente reconhecidas, formariam uma cadeia significativa que levaria, em última análise, à cena traumática original em que Leonard se vê matando sua esposa. O inconsciente, por assim dizer, expressa seu conhecimento por meio dessas fotos. Como tal, elas também devem ser reprimidas secundariamente, o que Leonard consegue ao não reconhecer a história que estão contando. A cena original do assassinato de sua esposa, que só vem à memória de Leonard em fragmentos, junto com a cadeia de fotos instantâneas, que ele carrega nas mãos, é seu inconsciente. A "cura" de Leonard não seria tirar algo significativo da morte de sua esposa. Em vez disso, seria aprender esse conhecimento traumático em todo o seu horror e assumir a responsabilidade por ele como a verdade de seu ser. Assista ao filme descrito, Memento (Amnésia), é um filme norte-americano de 2001, dos gêneros drama e suspense, dirigido por Christopher Nolan, com roteiro dele e seu irmão Jonathan Nolan. Estrelado por Guy Pearce, Memento conta a história de um homem que sofre de amnésia anterógrada, que o impossibilita de ele adquira novas lembranças. DICA FONTE: <https://bit.ly/2XpistN>. Acesso em: 17 ago. 2021. 21 Caro acadêmico! Para que você possa explorar e aprender mais sobre a psicanálise e seus conceitos, sugerimos a leitura do livro “O prazer de ler Freud”, de J.-D. Nasio (1999). DICA FONTE: <https://bit.ly/2YXaacU>. Acesso em: 17 ago. 2021. A postura psicanalítica pode parecer intransigentemente severa. Com o inconsciente, a psicanálise sugere que realmente sabemos mais do que queremos admitir. Aprender o inconsciente é, na verdade, um ato de reaprendizagem. Zizek (1992) dramatiza a severidade da postura psicanalítica no título de seu livro “Eles não sabem o que fazem”. O título do livro de Zizek é uma referência ao pedido bem conhecido de Cristo para que Deus perdoe os responsáveis por sua crucificação, uma vez que eles "não sabem o que fazem". Para Zizek, o cristianismo é, portanto, muito tolerante, uma vez que aceita a ignorância do pecador em relação à pecaminosidade de sua ação. A psicanálise, explica Zizek (1992), é muito mais severa do que o cristianismo, a ignorância não é razão suficiente para o perdão, pois transmite uma dimensão oculta de gozo, de deleite. O indivíduo investe profundamente em “esquecer” o conhecimento traumático, desde que aquele conhecimento lhe causa dano. Este incentivo permite que o indivíduo desfrute da ignorância. Esse prazer de permanecer ignorante do conhecimento traumático é o que o cristianismo, de acordo com Zizek, tem total falta. De acordo com a psicanálise, o inconsciente significa que a pessoa deve ser responsabilizada pelo conhecimento traumático. A psicanálise acusa onde o cristianismo perdoa. Ao se recusar a perdoar a ignorância, a psicanálise tem um interesse permanente pela pedagogia, mas também está comprometida com um objetivo pedagógico específico: ensinar o analisando a aprender o conhecimento traumático do inconsciente. É um objetivo que só é alcançado permitindo que o inconsciente fale seus significantes. 22 Neste tópico, você aprendeu: • A psicanálise pode ser vista como psicopedagogia e não apenas um corpo teórico e técnico aplicado à psicopedagogia. • Para Freud a educação é o processo de aprender a conter as pulsões, e a psicanálise é a teoria que pode auxiliar na compreensão desse processo. • A educação deve, portanto, ser pensada como possuindo uma relação mais íntima com a psicanálise do que as humanidades teóricas: se as humanidades teóricas convidam à intervenção da psicanálise, a educação não pode prescindir dela. • A psicanálise não pode ser meramente aplicada à pedagogia, porque a pedagogia já se encontra nela, a psicanálise utiliza e depende da pedagogia para formular sua teoria e seus conceitos. • Para Lacan, a psicanálise foi oficialmente inaugurada pela descoberta revolucionária de Freud do inconsciente; sua estrutura foi construída sobre os conceitos de pulsão, sexualidade, repetição e transferência, e foi coroada com uma compreensão crítica da função do ego. Qualquer coisa que não reconheça todo o pensamento de Freud, especialmente o que Lacan chama de "os quatro conceitos fundamentais", o inconsciente, a pulsão, a repetição e a transferência, não pode receber o nome de psicanálise. • No desenvolvimento da psicanálise, na opinião de Freud, o principal obstáculo à lembrança não é o limite estreito da consciência, mas o que ele chama de faculdade crítica, e para ele, a faculdade crítica – ou as resistências – deve ser confrontada e superada, em vez de simplesmente relaxada. O ato de lembrar, ainda no estágio de desenvolvimento da psicanálise, é apresentado como uma habilidade que pode ser aprendida
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