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Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS SABERES, HERANÇA E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS BRASILEIRAS Autora: Rosana Soares 306 S676s Soares, Rosana Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras / Rosana Soares. Indaial : Uniasselvi, 2011. 135 p. : il. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-506-2 1. Cultura; 2. Manifestações culturais. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Dr. Malcon Tafner Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Profa. Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Profa. Tatiana dos Santos Silveira Revisão Gramatical: Profa. Camila Thaisa Alves Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci Copyright © Editora Grupo UNIASSELVI 2011 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Mestre em Artes Visuais pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais - UDESC. Possui graduação em Artes Visuais pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (2003). Atuou como bolsista promop da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC. Tem experiência na área do ensino de Artes, voltado para Arte-Educação em escolas. Participou de exposições de artes plásticas. Participa e desenvolve pesquisas junto ao Grupo Educógintans (cadastrado no CNPQ), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado em Educação) da Universidade Regional de Blumenau, FURB - Blumenau, SC- Brasil. Rosana Soares Sumário APRESENTAÇÃO ........................................................................... 7 CAPÍTULO 1 A Arte: Conceitos Teóricos Fundantes ................................... 9 CAPÍTULO 2 Uma Questão de Cultura e Identidade .................................... 33 CAPÍTULO 3 Os Entrelaçamentos entre Arte e Cultura .......................... 57 CAPÍTULO 4 Manifestações Artísticas Brasileiras .................................... 75 CAPÍTULO 5 Os Padrões da Cultura .............................................................. 99 CAPÍTULO 6 Cultura Brasileira e Educação .............................................. 117 APRESENTAÇÃO Caro(a) pós-graduando(a): O cadernos de estudos intitulado “Saberes, Herança e Manifestações Culturais Brasileiras” se propõe a dialogar acerca da arte e da cultura como parte das ações dos sujeitos, problematizando questões inerentes a esses fenômenos. Sendo assim, os conceitos históricos, as influências sociais, questões políticas que interferem na construção de conceitos relativos à cultura e arte são discutidos, buscando aproximação com a necessidade de expressão e comunicação do ser humano e o lugar que essa produção ocupa em cada sociedade. Esse entendimento da arte como produto do trabalho de um sujeito histórico socialmente construído nos permite refletir sobre a arte brasileira desde seus primórdios, reconhecendo seus espaços, suas conquistas e influências culturais no que se refere especialmente à arte popular e à cultura popular. Neste sentido, o capítulo I aponta os “Conceitos Teóricos” da arte como produção humana, uma visão geral da arte e do homem desde os registros da arte rupestre, passando pelos principais momentos de mudança na forma de criação artística, em várias linguagens. O capítulo II discute a identidade cultural, os entrelaçamentos de questões culturais que influenciam a constituição dos grupos que se identificam em práticas, crenças e ritos. O terceiro capítulo vai tratar da cultura e da arte erudita no diálogo com a cultura popular e com a arte popular brasileira, envolvendo também as questões específicas do folclore. No rastro da discussão da arte brasileira, o capítulo IV se debruça sobre os suportes utilizados na criação da arte brasileira, as diferentes linguagens, elegendo algumas para o estudo da variedade no uso da matéria prima e as influencias auferidas. A discussão em torno da arte brasileira e suas múltiplas heranças culturais está atreladas às delimitações de identidade que no início da colonização se configuram, mas que sucumbem ao refletirem a fragilidade da definição do termo, que segrega sujeitos baseados em questões de raça e gênero. Por ser tão miscigenada, a cultura brasileira é referenciada no plural, pois só assim é possível falar de todas as formas que constituem o povo brasileiro. Esse assunto é discutido com mais profundidade nos capítulos V, VI e VII, nos tópicos que discutem questões referentes à memória, identidade, interculturalidade e padrões de cultura. A autora. CAPÍTULO 1 A Arte: Conceitos Teóricos Fundantes A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 9 Refletir sobre os conceitos de arte presentes em seus fundamentos teóricos. 9 Identificar as especificações das artes como manifestações humanas. 9 Entender a estética como parte dos fundamentos da obra de arte. 9 Refletir sobre as informações das obras de arte como discurso da memória e da prática humana. 9 Contextualizar a obra dentro de seu espaço social e político. 10 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras 11 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 Contextualização Quando pensamos a respeito da definição do que seria a arte, rapidamente pensamos a respeito do sujeito que tem ações que resultam em arte. É quase automático pensarmos nas primeiras manifestações artísticas buscando um embasamento histórico e social da arte de cada tempo. Neste capítulo sobre a arte e seu conceitos fundantes, o objetivo é reconhecer a arte como manifestação e necessidade humana, que não são estanques, passam por mudanças conforme caminha o tempo. A Arte Na busca de uma definição do que é Arte, conseguimos uma aproximação dos elementos que compõe a arte e sua relação com o homem. É através da criação humana que a arte surge como ação que traz consigo conceitos estéticos como a beleza, por exemplo. No entanto, a arte oferece outros fatores que a autenticam, entre eles os sentimentos humanos, as emoções permeadas pela cultura. Na ação que comporta a arte, os saberes de cada sujeito direcionam a criação da obra de arte, podendo assumir formas variadas como a pintura, a música, a escultura, o cinema, o teatro, a dança, a arquitetura entre outras. A arte é também comunicação entre sujeitos, criador e fruidor. Fruir: a palavra fruição deriva do verbo latino “fruere” (da forma fruitione – fruir) cujo sentido é o de estar na posse de, possuir. No processo de fruição está implícita a atividade de leitura, entendendo- se que ler é uma atividade humana produzida em situações sócio- históricas específicas e que mobiliza mecanismos linguísticos, psicológicos, sociais, culturais e históricos que resultam na produção de sentidos. (PCSC-Arte, 1998, p.188) A arte envolve os sentidos humanos, podendo variar os estímulos de cada sentido dependendo do suporte da obra, como por exemplo, a música e a pintura. Neste viés, a arte é também necessidade humana, de início com caráter pratico, assumindo no decorrer do tempo um espaço importante na vida dos sujeitos, tornando-se elemento constitutivo da história e da cultura dos homens. A arte é também necessidade quando reflete a história e torna-se elemento de investigação É através da criação humana que a arte surge como ação que traz consigo conceitos estéticos como a beleza 12 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras e descoberta do mundo que está no nosso horizonte, e além dele. Nosso encontro coma arte e a revelação dos elementos que a constitui está atrelada à nossa experiência, do que pra nos já é familiar, permite avançar na descoberta de novos elementos. Tanto artista como fruidor se encontram na arte imbuídos de saberes oriundos do meio no qual se desenvolveram. A imaginação é o elemento que confere um tempero especial à experiência de viver a arte. Nesse ínterim, se concentra também a arte como possibilidade: ela nos permite criar, imaginar, desconfiar, perguntar. Poderíamos dizer de modo bem simples que a arte é um produto da criatividade humana, que, utilizando conhecimentos e técnicas e um estilo ou jeito pessoal, transmite uma experiência de vida ou uma visão de mundo, despertando emoção em quem a usufrui. (FEIST,1996, p. 9). Essa visão de mundo que traz a arte com sua marca histórica é também fonte de informações das mudanças que o mundo passa. Podemos entender as culturas com suas especificidades, as sociedades que compõem o mundo também através da arte construída pelos sujeitos que em cada tempo viveram e testemunharam, com suas ações práticas envolvidas pelo sentir e pensar. São também as mudanças que ocorrem no mundo que vão permitir a propagação das ideias que compõem a arte entre os povos. A arqueologia tem papel importante nesse processo de redescoberta de elementos da arte, apoiada pela tecnologia que divulga essas descobertas, revelando técnicas e fundamentos da arte de todos os tempos. Assim, ao pensarmos em arte, é interessante assumir um olhar flexível e curioso, necessário para usufruir com todo o ganho possível deste universo histórico, cultural, particular e social em que a arte está situada. Arte é também reflexo e resultado do fazer, pensar e sentir. No ser humano, porém, as reações expressivas de nosso estado de espírito transformaram-se em linguagem -, um conjunto de signos que, articulados, expressam ideias -, permitindo que possamos compartilhar como os outros as emoções vividas. (COSTA, 2004. p.9). A arte em seus múltiplos meios traz em cada obra a marca do seu criador, e sua intencionalidade é apresentada ao fruidor para que ocorra a comunicação necessária. E esse encontro oferece emoções variadas, em que a satisfação está presente em boa parte. Nesse sentido, podemos apontar o prazer como elemento que compõe a arte e através dela é compartilhado. O prazer desse compartilhamento acabou por ser mais importante do que a utilidade expressiva do gesto. Passamos A arte envolve os sentidos humanos, podendo variar os estímulos de cada sentido dependendo do suporte da obra, como por exemplo, a música e a pintura. No ser humano, porém, as reações expressivas de nosso estado de espírito transformaram-se em linguagem -, um conjunto de signos que, articulados, expressam ideias -, permitindo que possamos compartilhar como os outros as emoções vividas. (COSTA, 2004. p.9) 13 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 a sentir prazer nas emoções propostas pelos outros por meio da linguagem. Assim inventamos a arte. (COSTA, 2004. p.9). Nesse caminho do prazer, a arte se concentra em propiciar o despertar das emoções. Uma música, dependendo de sua melodia, nos remete às mais variadas emoções, assim também uma peça de teatro, uma pintura entre outras formas de arte. Percebe-se, assim, que a praticidade da arte tem seu movimento alterado pelos sentimentos e visão de mundo que o artista insere na sua obra no momento da criação. Os saberes necessários acerca de cada obra e seu contexto tornam- se fundamentais para que o fruidor tenha pleno acesso à obra. “Desse modo, a arte não está no objeto artístico, mas no encontro que esse objeto promove entre duas subjetividades e no compartilhamento da emoção poética” (Costa, 2004 p.18). Esse encontro pode não ser natural, pois depende da bagagem de saberes que cada um traz consigo, mas é importante a aproximação máxima com as obras, ampliando assim o universo cultural de cada um. Pois, como nos lembra Gombrich (1999), olhar um quadro aventurando-se em uma viagem de descoberta pode ser tarefa difícil, mas compensadora, pois a viagem de volta traz enorme recompensa. A arte é caminho que vale a pena ser trilhado. O Tempo e a Arte A arte não surge de forma natural, como o homem. As primeiras expressões, hoje consideradas artísticas, do homem das cavernas estavam ligadas a crenças que despertavam nesse humano o desejo de entender, dominar e representar seu cotidiano. Foi somente com o passar do tempo que o registro do cotidiano rupestre recebeu o caráter de arte. Porque a arte surge em um determinado período do tempo, apontado pela filosofia como de desenvolvimento humano. Não é a arte ação inerente ao ser humano, mas surge em um estágio consciente de desenvolvimento deste, no decorrer do tempo. “A arte está relacionada à história da humanidade e às suas conquistas, a natureza humana e seu simbolismo, à herança cultural dos grupos e ao desenvolvimento individual das pessoas” (COSTA, 2004 p.11). As mudanças pelas quais a arte passa estão relacionadas ao meio social e cultural de cada grupo, por isso as artes são entendidas como datadas e identitárias de culturas dos povos. [...] nessa perspectiva, a sociologia da arte se propõe a entender o papel da arte na sociedade, a função social do artista, o sentido de um som ou de uma imagem num de terminado contexto social, o processo de consagração artística, a dinâmica do processo artístico e a relação existente entre arte consagrada e vanguarda. (COSTA, 2004. p.17). As primeiras expressões, hoje consideradas artísticas, do homem das cavernas estavam ligadas a crenças que despertavam nesse humano o desejo de entender, dominar e representar seu cotidiano. 14 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras O estudo sociológico da arte aponta esse caráter humano coletivo e ao mesmo tempo individual que na arte se manifesta. É a sociologia da arte que lança esse olhar com critérios definidos de sociedade temporal, entendida como meio fértil e influenciador da arte. Os aspectos da sociedade se caracterizam no meio político, econômico, religioso, influenciadores como um todo da sociedade na qual a arte é produzida, pois o sujeito criador é formado nesse contexto. Entender as mudanças que a arte também apresenta é parte do estudo sociológico da arte. Por isso, um olhar para as arestas da produção artística torna-se necessário, para que se possa ter maior entendimento da relação arte e sociedade. A universalidade da linguagem que a arte apresenta não deixa passar despercebidas as particularidades das criações e, nesse sentido, situa-se cada arte em seu tempo e seu meio social. O artista, sujeito criador e expressivo, tem suas produções situadas em determinados estilos e escolas, apontados por instituições autorizadas a classificar a arte produzida. Por isso, ao se discutir o gosto, ou a beleza de determinada obra, é importante lembrar que os conceitos de beleza também são variados: “Existem razões erradas para não se gostar de uma obra de arte” (GOMBRICH,1999, p.01). Na contemporaneidade, é interessante discutir que o gosto em relação às obras de arte parece ganhar importância em meio à multiplicidade de suportes e formas de arte. No entanto, no início da história da humanidade, a função exercida pelas esculturas e formas de arquitetura estava em evidência, além do gosto. É nesse sentido que apontamos que a arte surge com o desenvolvimento da humanidade, com a criação de critérios que envolvem conceitos em torno da beleza, permeados pela mudança de paradigmas. Essas mudanças nas formas de sentir, expressar, refletir sobre determinadas ações cotidianas, estão fundamentadas no desenvolvimento do homem, e são as artes produzidas em cada tempo que permitem um olhar ao passado, tornando possívelconhecer a cultura de cada povo. Dos povos primitivos, que utilizavam esculturas, desenho, dança, sons como parte de seu cotidiano, fica registrada a forma de viver em um tempo de adaptação. No entanto, avançando um pouco no tempo, encontramos o povo egípcio, que nos deixa, como herança, muito mais. Na contemporaneidade, é interessante discutir que o gosto em relação às obras de arte parece ganhar importância em meio à multiplicidade de suportes e formas de arte. 15 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 Figura 1 - Arte Rupestre Fonte: Disponível em: <www.ab-arterupestre.org.br/ arterupestre.asp>. Acesso em: 10 out. 2011. Não há tradição direta que ligue estes estranhos primórdios aos nossos dias, mas existe uma tradição direta, transmitida de mestre a discípulo, de discípulo a admirador ou copista, a qual vincula a arte de nosso tempo, cada construção ou cada cartaz, à arte do vale do rio Nilo de uns cinco mil anos atrás. (GOMBRICH, 1999. P. 55) Não é objetivo deste texto registrar a história da arte, e sim lembrar as inúmeras mudanças ocorridas sob influência do passado, apontando a herança egípcia, que vai atuar de forma marcante, e a cultura grega e romana, das quais somos herdeiros. E hoje, ao nos depararmos com as diversas formas de arte, conhecer a memória da arte se faz necessário. A presença da arte nos mais diversos ambientes, de forma inusitada, invadindo nosso dia-a-dia, abre para os artistas um campo imenso de atuação profissional. Há arte nos espaços pelos quais transitamos nos locais onde estudamos ou trabalhamos e até nas embalagens dos produtos que consumimos. (COSTA, 2004, p.12) Não é objetivo deste texto registrar a história da arte, e sim lembrar as inúmeras mudanças ocorridas sob influência do passado, apontando a herança egípcia, que vai atuar de forma marcante, e a cultura grega e romana, das quais somos herdeiros. http://www.ab-arterupestre.org.br/arterupestre.asp http://www.ab-arterupestre.org.br/arterupestre.asp 16 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras A amplitude que a arte atinge no mundo contemporâneo nos provoca a sentir nosso cotidiano de maneira diferenciada. A arte já não se limita a exposições e museus, concertos e peças de teatro, apesar de ainda ser encontrada nesses espaços. Ela nos surpreende em espaços inusitados, nos convidando a vivenciar a experiência estética. Nesse sentido, é pontual discutirmos a arte e os entrelaçamentos teóricos que a envolvem. Entre eles, a estética. Atividade de Estudos: 1) As imagens são relatos históricos de tempos marcados pelo testemunho revelados nas obras. Diego Rivera é um importante crítico social e sua obra um legado pra humanidade. Assim sendo, “a arte não está no objeto artístico, mas no encontro que esse objeto promove entre duas subjetividades e no compartilhamento da emoção poética”. (Costa, 2004, p.18). Este encontro pode não ser natural, pois depende da bagagem de saberes que cada um traz consigo, mas é importante a aproximação máxima com as obras, ampliando assim o universo cultural de cada um. Pois, como nos lembra Gombrich (1999), olhar um quadro aventurando- se em uma viagem de descoberta pode ser tarefa difícil, mais compensadora, pois a viagem de volta traz enorme recompensa. “A arte é caminho que vale a pena ser trilhado” A partir destas reflexões vamos investigar uma das obras de Rivera (Retrato de Amedeo Modigliani 1914): faça uma ficha catalográfica da obra (ano, tema, contexto sócio político, movimento artístico) e uma pequena biografia do artista, assim você conhece um pouco mais da arte latino americana. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 17 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 A Estética na Arte Na concepção materialista de arte como criação do trabalho humano, fruto da percepção-expressão de seres humanos que vivem e produzem em um universo histórico, social e cultural, o produto do seu trabalho, a obra de arte, é constituído por posições não apenas estéticas, mas intelectuais, éticas e políticas. No entanto, é a estética que vamos assumir como ponto de interesse neste texto. O que seria “essa tal” estética? Qual o papel dela no contexto da obra de arte? É comum associar a arte à beleza e ao sentimento. O motivo parece óbvio, já que a obra de arte vem muitas vezes imbuída de sentimento ou beleza, e muitas vezes traz ambos, pois “dentre as características mais importantes da arte, destacamos a emoção e o prazer que ela desperta e que alguns filósofos identificam como prazer do belo ou prazer estético” (COSTA, 2004, p. 21). No entanto, vale lembrar que a arte, em suas diversas formas de se apresentar, ultrapassa esses quesitos, mesmo estando em sintonia com eles em diversos momentos. A questão central no que se refere à estética passa a ser o conceito do que é belo, pois se entende que beleza tem suas variações envolvidas pelo gosto, pois “a beleza não é um valor universal, o que é belo pra você pode não ser para o outro, de outra idade, outra cultura, outro sexo ou outro temperamento” (COSTA, 2004, p. 24). Nessa perspectiva, problematizar questões estéticas parece adentrar um universo permeado por inúmeras questões que fazem confluência também com a obra de arte. A definição do que seria estética está ligada diretamente aos termos do gosto e da beleza. Beleza e obra de arte ganham importância na Grécia Filme sobre a arte grega: Arte grega - http://br.youtube.com/watch?v=O5dY4FlLiTc Arte grega - desenho - http://br.youtube.com/watch?v=lC-A07_sE74 “Navegantes: Gregos - Grécia” http://objetoseducacionais2. mec.gov.br/handle/mec/2035 ou no http://br.youtube.com/watch? v=cfSiFBvxtdw Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=966 A questão central no que se refere à estética passa a ser o conceito do que é belo, pois se entende que beleza tem suas variações envolvidas pelo gosto, pois “a beleza não é um valor universal, o que é belo pra você pode não ser para o outro, de outra idade, outra cultura, outro sexo ou outro temperamento” (COSTA, 2004, p. 24). http://br.youtube.com/watch?v=O5dY4FlLiTc http://br.youtube.com/watch?v=lC-A07_sE74 http:// http//objetoseducacionais2.mec.gov.br/handle/mec/2035 http:// http//objetoseducacionais2.mec.gov.br/handle/mec/2035 http://br.youtube.com/watch?v=cfSiFBvxtdw http://br.youtube.com/watch?v=cfSiFBvxtdw http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=966 18 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Os gregos foram os primeiros a deixar registrado o reconhecimento da emoção que vem da beleza e a consciência de sua particularidade. Foram eles também que criaram a estética – ciência que estuda o belo e que reflete sobre características e condições da beleza. Assim desenvolve- se o conceito de arte, nome que se dá genericamente àquilo que o homem produz com a intenção de provocar admiração e emoção estética através do uso de recursos formais das diversas linguagens humanas. (COSTA, 2004, p. 35). Influenciado por essa herança grega de estudo das emoções e da beleza, o termo estética, em sua definição filosófica, “foi utilizado pela primeira vez em meados do século XVIII, pelo filosofo alemão AlexanderGottlieb Baumgarten (1714-62), que o aplicou com referência à teoria das artes liberais ou à ciência da beleza perceptível” (CHILVERS, 2001, p 180). Partindo desse conceito, outros filósofos irão discutir a estética tendo como base outros princípios, como Kant, por exemplo, em seu estudo acerca de uma estética transcendental envolvendo o gosto e o sublime. Outro filósofo que vai discutir a esfera da estética é Hegel, trazendo a ideia como aparência, mostrando assim diferentes formas de ser estética. Outros tantos filósofos se debruçaram em torno da problemática que envolve a estética, empregando diferentes valores e definições ao termo. “A própria história da arte, procurando definir os diversos movimentos estéticos da arte ocidental, tem posto em evidência e variabilidade dos princípios estéticos e das tendências dos artistas de uma época para outra” (COSTA, 2004, p. 25). O que se pode notar de forma geral são as variações em torno do termo, identificando, assim, as mudanças em cada época. Nesse processo, também a estética é influenciada, pois “Nas últimas décadas, muitas foram as definições propostas da estética, algumas das quais sem reformular em nova linguagem as antigas concepções mencionadas” (MORA, 2001, p. 232). O que interfere no uso do termo estética são posturas teóricas que alimentam a definição do que é ser estético no âmbito da arte em determinada sociedade. Existem mecanismos na sociedade que permitem que certos grupos legitimem seu gosto e o disseminem entre as pessoas, tornando quase uma unanimidade. Esses mecanismos estão ligados a instituições políticas, educacionais e culturais existentes. (COSTA, 2004, p.37). Assim, é a estética que tolera influência em cada tempo e espaço social, se adapta, e assim pode-se dizer que sua definição está entrelaçada com posições políticas, sociais e culturais. Nesse sentido, os elementos de gosto que acompanham a estética são flexíveis e permitem a aceitação e a discordância como fatores de tensão necessários para legitimar a estética como elemento da arte, que também se mostra mutante. “A própria história da arte, procurando definir os diversos movimentos estéticos da arte ocidental, tem posto em evidência e variabilidade dos princípios estéticos e das tendências dos artistas de uma época para outra” (COSTA, 2004, p. 25). 19 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 O cenário contemporâneo vai desordenar o uso do termo estética, na medida em que banaliza e generaliza o sentido do termo. Despreocupado com a tradição dos estudos acerca da estética, a mídia utiliza o termo como sinônimo de beleza, e essa beleza é ditada pela indústria cultural. É comum encontramos centros de beleza e de moda que trazem em seu nome ou em slogan o termo “estética”. É trivial e aceito pelo grande público o termo “estética” associado à beleza pessoal e dos utensílios, divulgado nos meios de comunicação de massa, como TV, jornais, revistas, entre outros. No entanto, em se tratando de arte e estética, o elemento beleza é presente, mas não é suficiente para o real encontro entre obra e fruidor, encontro este que se propõe a desenvolver o humano em sua amplitude. Assim, é importante estar consciente que vivemos em um tempo em que a indústria do consumo e do entretenimento atua de forma ativa na vida cotidiana de adultos e crianças. Os produtos e os programas anunciados na TV e na internet estão disponíveis para todos, para serem desejados. Manter esse desejo de “ter” é também uma forma de alienar e controlar, de dominação social e política, arquitetada por meio da força da imagem, no projeto de globalização econômica ancorada no livre mercado e no consumismo como poder articulador da ordem social. o consumo baseado na estética (individual) – como a política do estilo – substituiu formalmente as seguras estruturas sociais como base para a formação da subjetividade. Quem eu sou agora é determinado pelo que e como eu consumo. (KRESS, 2003, p.121). A identificação com os objetos consumidos é fenômeno presente no reconhecimento pessoal. Neste sentido, a subjetividade é subtraída de forma assustadora. Segundo Efland (2005), o mundo hoje se apresenta para cada um de nós, perante o avanço tecnológico e econômico, com uma uniformidade preocupante, hipnotizando as pessoas em todos os lugares com música rápida, computadores rápidos e comida rápida – MTV, Macintosh e Mac Donald’s-, pressionando as nações a virarem um mesmo e homogêneo parque temático, um mundo “Mac”, amarrado pela diversão, comércio, comunicação e informação. Nesse sentido, alertamos sobre a formação moral e política dos indivíduos que, empobrecida de valores éticos e dominados pelo prazer imediato, não reconhece o consumo inconsciente como forma de desumanização, pois “o gosto assim legitimado torna-se dominante e resiste à mudança, ou parte dele, na medida em que o grupo se identifica com seus princípios” (COSTA, 2004, p.37). No que toca aos artistas, o produto do seu trabalho, a obra de arte, é constituído por posições não apenas estéticas, mas intelectuais, éticas e políticas e, por isso, torna-se elemento indispensável para se pensar a arte e a estética. Assim, fugindo do consumo indiferente que perpassa objetos e transforma pessoas 20 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras em ávidos consumidores desses objetos, torna-se importante entender a vida também como obra de arte, coexistindo como as obras produzidas pelos homens. É necessário reverter a alienação estética, que afeta o ato criador do sujeito, bem como a fruição da obra de arte. Os juízos estéticos têm verossimilhança no valor do dever, que objetiva a autorrealização humana permeada pela estrutura de valores significantes. No que se refere às competências artísticas, as exigências para a produção e fruição artística são discutidas no sentido da necessidade do artista em compreender o mundo e, por meio da elaboração dessa compreensão, traduzir sua obra. A capacidade criadora também é fundamental, buscando meios para concretizar seu pensamento e sua visão do concreto. É um exercício dialético da práxis, de ordem espiritual-material, com objetivo de agir na realidade a fim de transformá- la e humanizá-la, se autoconstituindo. Para o artista e para o público, nesse sentido, a arte tem a função social de compartilhamento de modos de ver, aprender, compreender e sentir o mundo. Por isso, a qualidade estética é de suma importância, pois, como resultante da práxis, a arte reflete a posição ético-ideológica do autor e provoca a tensão necessária ao fruidor, elevando ambos em sua autorrealização. Percebemos, assim, que a dinâmica da arte depende das transformações históricas, dos estilos e do próprio desenvolvimento dos artistas. Portanto, além de variar de uma pessoa para outra, o prazer estético transforma-se ao longo da nossa existência, e aquilo que nos encantava numa época pode depois se tornar menos belo e, para as gerações seguintes, muitas vezes, ultrapassado. (COSTA, 2004, p. 40). Entender a estética como elemento importante de reflexão e desenvolvimento humano, como possibilidade de mudança, exige a consciência de um olhar crítico por parte dos artistas e do público, diferenciando assim os elementos que a compõe. Para que isso aconteça, é preciso o reconhecimento dos valores estéticos que perpassam as obras de arte, cada uma em seu suporte específico, em suas estruturas. Atividade de Estudos: 1) Nesta atividade proponho pensar sobre as questões estéticas. Trago o fragmento do texto deste capitulo: ...”as variações em torno do termo (estética), identifica as mudanças em cada época pois a estética é influenciada:s “Nas ultimas décadas, muitas foram as definições propostas da estética, algumas das quais sem reformular em nova linguagem as antigas concepçõesmencionadas” (MORA, Entender a estética como elemento importante de reflexão e desenvolvimento humano, como possibilidade de mudança, exige a consciência de um olhar crítico por parte dos artistas e do público, diferenciando assim os elementos que a compõe. 21 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 200, p.232). O que interfere no uso do termo estética, são posturas teóricas que alimentam a definição do que é ser estético no âmbito da arte em determinada sociedade. Faça um mosaico com 06 palavras: pense no que significa estética pra você e monte as palavras de forma aleatória! Utilize letras diferentes pra cada palavra. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ A Estrutura da Obra Cada obra de arte traz em sua estrutura elementos próprios que a constituem como partes fundantes do todo. Nesse sentido, a estrutura da obra aqui referenciada está ligada aos elementos materiais, políticos, sociais, culturais, objetivos e subjetivos que estão presentes em cada manifestação artística. As diversas formas de arte utilizam diferentes suportes na sua organização. No que se refere à música e suas particularidades, também vai admitir em sua totalidade a letra e a melodia situadas em notas musicais e instrumentos variados. A estrutura global da música tem nomenclatura própria enquanto formas musicais, somadas as suas especificidades. No rastro temporal da música, podemos apontar sua presença no Egito. São as pinturas egípcias que nos dão essa informação, no registro de cenas cotidianas, com a presença de instrumentos musicais. 22 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Pinturas e esculturas gravadas em vasos, túmulos, inscrições e documentos com desenhos de instrumentos e dançarinos: foi dessa forma que nos foram transmitidas as transformações sobre as primeiras manifestações musicais. Sabemos assim que os egípcios, os assírios e babilônios possuíam instrumentos de corda, sopro e percussão e também soubemos sobre o canto conjunto em cerimônias festivas, guerreiras e fúnebres. (BERTELLO, 2003 p. 183). Os gregos também tinham na música elemento importante de seu desenvolvimento e utilizavam instrumentos conhecidos, como a flauta, a lira, o pandeiro. De uma maneira geral, a música se apresenta através da voz e de instrumentos, com suas variações. “Entre os gregos, a música era considerada elemento integrante da vida e do pensamento, fator fundamental da educação do espírito e da formação de caráter, era parte essencial do ensino da juventude” (BERTELLO, 2003 p.186). A música, como arte, também sofre influências de seu contexto social, político e cultural. Nesse sentido, a música é criada e reproduzida por um sujeito histórico e socialmente construído, permeado pela sensibilidade. Cada cultura tem sua forma musical de expressão, influenciada por seus antepassados e colonizadores. Os cantos cristãos têm forte influência dos clássicos, e a música gregoriana revela essa influência em sua melodia mantida em nível único. Também na idade média, a influência clássica se revela no uso agregado da poesia e melodia pelos trovadores. Já com o renascimento, outro elemento é acrescentado à música, o da representação. São as óperas do período renascentista que irão apresentar essa forma de música que engloba a representação e forma de texto recitado. Essa influência se dilui com o passar do tempo nas diversas formas de se fazer música, em períodos de aceitação da herança e também da negação dos clássicos. Com o passar do tempo, a música sofre influências múltiplas e se apresenta em cada período de acordo com os costumes e hábitos da sociedade em que se manifesta. No Brasil, o encontro sonoro do homem se dá através da natureza. Sendo os índios os primeiros habitantes, é a partir da imitação dos sons dos animais e dos sons do seu espaço habitado que irá se manifestar a melodia. Com a colonização do Brasil pelos portugueses e seu desenvolvimento econômico através das grandes plantações, outro elemento importante vai influenciar a música brasileira: as tradições sonoras dos escravos. Esse povo traz à nova terra não somente a força de seu trabalho, mas também suas heranças culturais, entre elas a música e a dança, embaladas pelos instrumentos de percussão. Pinturas e esculturas gravadas em vasos, túmulos, inscrições e documentos com desenhos de instrumentos e dançarinos: foi dessa forma que nos foram transmitidas as transformações sobre as primeiras manifestações musicais. Sabemos assim que os egípcios, os assírios e babilônios possuíam instrumentos de corda, sopro e percussão e também soubemos sobre o canto conjunto em cerimônias festivas, guerreiras e fúnebres. (BERTELLO, 2003 p. 183) 23 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 Figura 2 - Manifestações Culturais dos Escravos Fonte: Disponível em: <www.pitoresco.com/brasil/prazeres/ prazeres.htm>. Acesso em: 10 out. 2011. Mas com todas as transformações que sofre a sociedade brasileira nesse período, e com o surgimento de novos compositores, como Carlos Gomes, o que fica é a contribuição da música medieval para o surgimento da primeira forma de canção brasileira, a modinha (BERTELLO, 2003). Antônio Carlos Gomes (Campinas 11 de julho de 1836 – Belém, 16 de setembro de 1896) foi o mais importante composior de ópera brasileiro. Destacou-se pelo estilo romântico, com o qual obteve carreira de destaque na Europa. É o autor da ópera “O Guarani”. Essas influências pelas quais passa a música brasileira têm na Modinha o reconhecimento de sua identidade. A modinha se configura como uma forma de canção com melodia repleta de sentimentos e tocada por seresteiros. Já no século XX, o avanço tecnológico vai influenciar as formas musicais brasileiras em uma mescla de estilos. E o cenário contemporâneo é palco da diversidade musical em caracteres e instrumentos, que no Brasil encontram acolhimento devido à pluralidade étnica que constitui o país. No que se refere ao teatro, podemos dizer que, como arte, se constitui em textos, atores, público e em cenários permeados de intuitos disponíveis: “durante a apresentação de uma peça teatral, podem reunir-se as expressões: plástica, oral, musical e corporal” (BERTELLO, 2003 p. 130). O teatro também é arte antiga, pois tanto no Egito como na Grécia há registros de manifestações cênicas: “entre os gregos, o teatro era considerado instituição nacional e fator essencial da educação do povo” (BERTELLO, 2003 p. 186). Durante a apresentação de uma peça teatral, podem reunir-se as expressões: plástica, oral, musical e corporal (BERTELLO, 2003 p. 130). http://www.pitoresco.com/brasil/prazeres/prazeres.htm http://www.pitoresco.com/brasil/prazeres/prazeres.htm 24 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras De início, as representações teatrais serviam às manifestações religiosas e, posteriormente, educacionais. No Brasil não foi diferente: O teatro brasileiro, em sua história, tem marco importante com apresença dos jesuítas. Os jesuítas escreveram autos, narrações escritas, comédias ou dramas, peças de um processo de fé, encenadas pelos indígenas, visando à catequese: o padre José de Anchieta é o autor dos autos mais importantes na história do teatro no Brasil. (BERTELLO, 2003 p. 131). De uma maneira geral, a peça teatral traz uma mensagem ao público que a assiste e tem, entre seus objetivos, o diálogo. Nesse sentido, a estética presente age também como mediadora na compreensão da intencionalidade presente na encenação. O teatro, assim como as demais formas de arte, passa por mudanças através das influências sofridas em consonância com o tempo histórico e com as diversas culturas. No que se refere à dança, o corpo é elemento fundamental. Utilizando movimentos pré-estabelecidos ou improvisados, a dança se configura também como forma de expressão e comunicação, através do ritmo e da sensação. Em gestos sequenciais, a dança traz um sentido social em sua estrutura. Ela é também elemento somatório a algumas artes, como o teatro e a música, sem contudo deixar de ter suas particularidades. Realizada de forma individual, em pares ou mesmo em grupos, a dança tem em sua trajetória a herança de ser mística e religiosa: “passos e movimentos corporais com ritmo musical que expressam estados afetivos – existem danças de amor, de guerra, de religião” (BERTELLO, 2003, p. 276). São variadas as formas de expressão através da dança, e os ritmos e a função de cada dança estão ligados à cultura de cada povo. Cada cultura transporta seu conteúdo para as mais diferentes áreas; as danças absorvem grande parte desta transferência, pois sempre foi de grande importância nas sociedades – seja como uma forma de expressão artística, como objeto de culto aos deuses ou como simples entretenimento. (BERTELLO, 2003, p.276). Dançar é também prazeroso ao indivíduo que executa os gestos e ao expectador. A dança como forma de comunicação é também possibilidade de realização pessoal. O domínio do corpo pelo dançarino é tarefa árdua, que exige concentração. Quando em grupo, a dança coreografada tem a colaboração e a sintonia como elementos importantes. No cenário atual, dançar é quase gesto natural. Como arte, tem a estética como elemento importante de valorização de uma arte que também passa por mudanças de acordo com seu tempo ritmado. 25 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 O que se conclui é que a dança nunca desaparece: muda de nome, sofre acréscimos, assume novos sentidos culturais, mas continua viva. As danças evolutivas isoladas deram lugar às danças de participação geral, da colaboração instintiva. (BERTELLO, 2003, p. 277). Nesse sentido, a dança é arte também remota, a que as mudanças culturais e o tempo conferem novas formas, sem, contudo, eliminar as influências pelas quais passou e pelas quais ainda vai passar. Figura 3 - Cultura Brasileira Fonte: Disponível em: <http://lmk21.com.br/wp-content/ uploads/2010/08/indios.jpg>. Acesso em: 10 out. 2011. Figura 4 - Fantasia gigante da dança do Bumba-meu-boi Fonte: Disponível em: <www.brasilescola.com/folclore/ bumbameuboi.htm>. Acesso em: 10 out.2011. http://www.brasilescola.com/folclore/bumbameuboi.htm http://www.brasilescola.com/folclore/bumbameuboi.htm 26 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Falando ainda da arte e de seus elementos estruturais, vamos encontrar a arquitetura, forma construída com o intuito, também, de ocupar o espaço, concentrando ações e intencionalidades. De início, prevalecia o caráter prático das primeiras construções, em que os construtores se preocupavam em abrigar e proteger os homens e construir templos com fins ligados à religião. Posteriormente, as magníficas construções arquitetônicas ultrapassaram essa funcionalidade. É na Mesopotâmia que encontramos as primeiras construções com organização Usando o tijolo seco como bloco básico de construção, os mesopotâmicos planejavam cidades complexas ao redor do templo. Esses amplos complexos arquitetônicos incluíam não só um santuário fechado, mas também oficinas, armazém e zonas residenciais. (STRICKLAND, 1999, p. 6). Observa-se que os templos seguiam como referência a organização urbanística de cada civilização, ocupando posição estratégica no espaço organizado para moradia. As construções em formas monumentais eram marca da civilização egípcia. As pirâmides são até hoje vistas como verdadeiras maravilhas da arquitetura, e influenciam construções contemporâneas, como a pirâmide de vidro do Louvre. Figura 5 – Pirâmides do Egito Fonte: Disponível em: <www.suapesquisa.com/historia/ piramides/>. Acesso em: 10 out. 2011. Figura 6 – Pirâmide de Louvre Fonte: Disponível em: http://www.world-city-photos.org/Paris/photos/ Louvre_in_Paris/Piramide_du_Louvre/>.Acesso em: 10 out. 2011. Usando o tijolo seco como bloco básico de construção, os mesopotâmicos planejavam cidades complexas ao redor do templo. Esses amplos complexos arquitetônicos incluíam não só um santuário fechado, mas também oficinas, armazém e zonas residenciais. (STRICKLAND, 1999, p. 6). http://www.suapesquisa.com/historia/piramides/ http://www.suapesquisa.com/historia/piramides/ http://www.world-city-photos.org/Paris/photos/Louvre_in_Paris/Piramide_du_Louvre/>.Acesso http://www.world-city-photos.org/Paris/photos/Louvre_in_Paris/Piramide_du_Louvre/>.Acesso 27 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 Mas foi na Grécia que a arquitetura foi entendida como forma de arte, pois as construções eram feitas com o mesmo cuidado, considerando o equilíbrio necessário, usado nas obras das esculturas gregas. A arquitetura grega tem conotação de plenitude e estabilidade. Novamente, os templos foram referência, local onde aconteciam os encontros do público para celebrações. Seguindo a linha do tempo, a arquitetura romana trouxe como elemento novo o uso do concreto, e a influência grega das construções únicas, como por exemplo, o Coliseu. Foi no Renascimento, já no século XV, que a tradição das construções romanas foi resgatada: “[...] formada nos mesmos princípios da geometria harmoniosa em que se baseavam a pintura e a escultura, a arquitetura recuperou o esplendor da Roma antiga” (STRICKLAND, 1999 p. 39). Vale ressaltar que a arquitetura revela a forma de pensar da sociedade, e de certa maneira delineia essa sociedade. Exemplo disto é a riqueza ostentada no período barroco, em que as catedrais eram entendidas como fundamental para a sedução do povo. No entanto, essa mesma arquitetura ultrapassa os limites do equilíbrio, quando oprime o que está a seu redor. Nesse caso, vale citar o Castelo de Versalhes, sonho de autoridade absoluta de Luís XIV. Já no século XIX, o desenvolvimento da fotografia e a descoberta de novos materiais manipuláveis da Nova Era, dita industrial, delinearam novas formas na arquitetura. Os exageros e enfeites tão usados nas construções, aos poucos vão sendo deixados para fins específicos. Quando a revolução industrial pôs a disposição novos materiais, tais como escoras de ferro fundido, os arquitetos inicialmente as disfarçavam de colunas coríntias neoclássicas. Somente em estruturas utilitárias como pontes suspensas, estações de estradas de ferro e fábricas, o ferro fundido foi usado sem ornamento. (STRICKLAND, 1999 p. 89). Ao poucos, esses materiais foram inseridos nas construções que se multiplicavam por todos os lados. Na arquitetura moderna, esses elementos assumiram o caráter funcional, e a escola alemã Bauhaus trouxe a essas construções uma arte com caráter de grupo e desenvolvimento de formas matemáticas. Surgem os arranha-céus. Acontece um distanciamento das formas clássicas. A arquitetura contemporânea embarcou nessa forma de utilizar os materiais inovadores, e trouxe também a cor como elemento diferenciado na nova concepção de construir. As linhasdas construções sofreram variações com curvas harmoniosas e formas variadas. Um exemplo dessa forma de se pensar a arquitetura é o Centre Pompidou, em Paris, onde podemos visualizar todos os serviços funcionais de sua Na arquitetura moderna, esses elementos assumiram o caráter funcional, e a escola alemã Bauhaus trouxe a essas construções uma arte com caráter de grupo e desenvolvimento de formas matemáticas. Surgem os arranha-céus. 28 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras estrutura. Notamos que, assim como na Grécia, a escultura e a arquitetura eram pensadas de forma próximas, no cenário contemporâneo, ocorre novamente essa aproximação: a escultura do século XX também trouxe em sua forma estrutural esses novos elementos, só que em forma de sucata, colagem, entre outros. Importante lembrar que a atividade de ocupar o espaço com construções arquitetônicas passa, ao longo do tempo, assim como as demais formas de arte, por modificações. Sendo a arquitetura envolvida por elementos específicos em sua estrutura, tem em sua forma de se apresentar influências culturais e envolve elementos complexos que reúnem diversos campos de conhecimento, que influenciam e são influenciados no contexto geral da sua silhueta estrutural. No século XIX, o universo artístico também admitiu novas formas estruturais de expressão e comunicação, como o cinema e a fotografia. O cinema se estruturou através das sombras chinesas e se modificou ao longo do tempo com a influência da fotografia. Na produção cinematográfica de Hollywood, os filmes de ação são os primeiros a conquistar o público, seguidos pelos gêneros suspense e drama. No século XX, tivemos também a graciosidade do cinema mudo de Charles Chaplin, mostrando em suas produções temas sociais de forma crítica. Novamente as artes se cruzaram, e o cinema e a música se revelaram nas figuras do ator e dançarino Fred Astaire e na representação de Carmem Miranda que, com suas cores e melodias, conferiu ao Brasil uma identidade alegre e colorida. No entanto, as críticas também acompanharam as mudanças mostradas nas formas artísticas. Novos movimentos da arte expressam a tentativa de questionar a expressão artística a partir do crescimento da indústria. Um deles foi o Kitsch, que procurou, apresentando objetos industriais bizarros, mostrar a natureza superficial exagerada e artificial da sociedade contemporânea. (COSTA, 2004, p. 116). A indústria, com sua fome insaciável de produzir, necessita que os consumidores tenham o mesmo apetite por seus produtos. A arte vai criticar essa superficialidade do desejo construído através do Kitsch. KITSCH: objeto ou estilo que, simulando obra de arte, é apenas imitação de mau gosto para desfrute de um público que alimenta a indústria da cultura de consumo ou cultura de massa; atitude ou reação desse público em face de obras ou objetos com essas características. São exemplos típicos de kitsch estatuetas de plástico que imitam obras clássicas, flores artificiais, certos móveis de fórmica e quejandos. 29 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 Atualmente, os processos de consumo e produção são discutidos dentro de outras áreas, como a Sociologia, a Psicologia, a Filosofia e a Arte, que também problematizam essas questões, que têm como foco principal o bem estar do sujeito, o resgate da individualidade, pois A arte proporciona a expressão de sentidos compartilháveis, de um legado coletivo cheio de reminiscências, sigilos e revelações. Através dele, nosso mundo interior tão pessoal e intransferível encontra o enlevo de se saber comum e partilhável. (COSTA, 2004, p.135). Assim, a obra de arte é também reflexo desse contexto e os sujeitos participantes, tanto criadores como fruidores, estão ambos influenciados e, nesse ponto, o compartilhamento se reforça. A efemeridade é explorada na arte também em sua estrutura, através da performance e dos happenings, movimentos de arte que utilizam mescla de linguagens e têm a improvisação como fio condutor. Performance: forma de arte que combina elementos do teatro, da música e das artes visuais. Tem relação com o happening (os dois termos são às vezes usados como sinônimos), mas difere deste por ser em geral mais cuidadosamente planejada e não envolver necessariamente a participação dos espectadores. (CHILVERS, 2001 p. 404). Happening (“acontecimento”): forma de espetáculo, muitas vezes cuidadosamente planejado, mas quase sempre incorporando algum elemento de espontaneidade, em que um artista executa ou dirige uma ação que combina teatro com artes visuais. O termo foi cunhado por Allan Kaprow em 1959 e tem sido usado para designar uma multiplicidade de fenômenos artísticos. ( CHILVERS, 2001 p. 247). Ao abordar a estrutura da obra no texto, objetivamos lançar um olhar geral sobre a produção artística da humanidade em um ponto central das confluências das artes: as influências, mudanças e culturas que se mesclam e incentivam novas formas de se fazer arte. Toda arte tem um sujeito histórico e socialmente construído, toda arte é influência de culturas, e as culturas têm suas especificidades e suas misturas. Falar de arte não se resume em falar da obra, e sim do conjunto entrelaçado de inúmeros elementos distintos entre si, mas que compõem toda obra de arte. 30 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Atividade de Estudos: 1) Nesta atividade vamos falar de música: O avanço tecnológico vai influenciar as formas musicais brasileiras em uma mescla de estilos. E o cenário contemporâneo, é palco da diversidade musical em caracteres e instrumentos e que no Brasil encontra acolhimento devido a pluralidade étnica que constitui o pais. Registre algumas músicas que são importantes para você, cite o nome da música, o artista e justifique sua escolha. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2) O assunto é arquitetura! A arquitetura contemporânea vai embarcar nesta forma de utilizar os materiais inovadores, e vai trazer também a cor como elemento diferenciado na nova concepção de construir. As linhas das construções vão sofrer variações com curvas harmoniosas e formas variadas. Nesta atividade, oriento você a olhar de forma curiosa a arquitetura presente nas principais construções de sua cidade. Você consegue identificar que tipo de arquitetura se apresenta? Fotografe ou descreva uma das construções que fazem parte da sua cidade. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 31 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 Algumas Considerações Neste breve estudo, foi possível refletir sobre a dimensão da arte como parte das ações humanas e suas modificações ao longo do tempo. No capítulo a seguir, vamos discutir a identidade como referência de grupos que se identificam e se fundam. A arte também constitui essa identidade. No próximo capítulo, iremos abordar questões relacionadas à identidade. Além disso, estudaremos a identidade brasileirae o hibridismo. Referências BERTELLO, Maria Augusta. Palavra em ação. Mini manual de pesquisa – arte. São Paulo: Claranto, 2003. CHILVERS, Ian. Dicionário Oxford de arte. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. COSTA, Cristina. Questões de arte: o belo, a percepção estética e o fazer artístico. São Paulo: Moderna, 2004. EFLAND, Arthur D. Cultura, Sociedade, Arte e Educação num mundo pós- moderno. In: GUINSBURG, J.; BARBOSA, Ana Mae (orgs.) O Pós-modernismo. São Paulo: Perspectiva, 2005. FEIST, Hildegard. Pequena viagem pelo mundo da arte. São Paulo: Moderna, 1996. GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Tradução de Álvaro Cabral. 16.ed. Rio de Janeiro: LCT, 1999. KRESS, Gunter. In: GARCIA, Regina Leite; MOREIRA, Antonio F. B. (orgs). Currículo na contemporaneidade: incertezas e desafios. São Paulo: Cortez, 2003. MORA, Jose Ferrater. Dicionário de Filosofia. Tradução de Roberto Leal Ferreira, Álvaro Cabral. 4.ed. São Paulo: Martins fontes, 2001. STRICKLAND, Carol. Arte comentada: da pré-história ao pós-moderno. Tradução de Angela Lobo de Andrade. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999. 32 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997. SCOTTINI, Alfredo. Minidicionário Escolar Língua Portuguesa. São Paulo: Brasileitura, 2009. CAPÍTULO 2 Uma Questão de Cultura e Identidade A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 9 Entender a cultura como entrelaçamentos de questões que formulam a identidade, diagnosticando fenômenos de aculturação. 9 Identificar as influências referentes à cultura, entendida como campo simbólico e material da atividade humana. 9 Conhecer os elementos que compõem a diversidade cultural na historicidade da trama relacional. 9 Reconhecer as múltiplas influências da cultura popular e seus entremeios teóricos. 34 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras 35 Uma Questão de Cultura e IdentidadeCapítulo 2 Contextualização Figura 7 - Le Double Secret, 1927 - Rene Magritte Fonte: Disponível em: <www.cursodehistoriadaarte.com. br/.../page/36/>. Acesso em: 27 set. 2011. Como olhar-te outro? Outro complexus; Outro complicado; Outro multiplicidade na unidade; Outro autodesconhecido; outro diferente de todos; outro único. Como olhar-te outro? Sem saber se devo; Sem saber se posso; Sem saber se quero. Como olhar-te outro neste corpo que me vejo? Corpo que desejo; Corpo que temo; Corpo e que me (pré)sinto... Corpo místico. Como olhar-te outro? Neste corpo que é metade eu...metade tu... Neste corpo que é 1 inteiro mundo. Fabio Zoboli, 2007 Fonte: Disponível em: <http://revistarecrearte.net/IMG/ pdf/R12_2.>.Acesso em: 10 ago. 2011. http://www.cursodehistoriadaarte.com.br/lopreto/index.php/page/36/ http://www.cursodehistoriadaarte.com.br/lopreto/index.php/page/36/ 36 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras O capítulo II do Caderno de Estudos vai discutir questões teóricas acerca da construção de identidade, em que aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais se mesclam e se dissolvem na construção dos sujeitos. Não somos apenas influenciados por questões políticas ou culturais, mas sim constituídos por múltiplas influências. A cor de nossa pele, nossos valores morais e éticos, nosso entendimento das pessoas com as quais convivemos, diretamente ou não, são o resultado do que aqui apontamos como identidade. E falar de identidade é pensar no negro como elemento fundamental na formação dos brasileiros, que junto com as demais etnias formam nosso Brasil. Esse país pluricultural tem nos aspectos culturais cenário de inúmeras questões que direcionam a formação identitária brasileira e, por isso, este capítulo vai apontar algumas particularidades culturais regionais, com as quais convivemos. Cultura e Identidade Quando se pensa sobre cultura e identidade na contemporaneidade, entramos num processo da fragmentação por conta do mundo globalizante. Nem tudo está tão perto e muito menos longe, pode-se estar em qualquer lugar devido aos avanços tecnológicos da comunicação. É um tipo diferente de mudança estrutural, que transforma as sociedades modernas e fragmenta as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade. Ou seja, por qualquer um dos olhares que se tenha, tudo está muito próximo, porque há a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que o núcleo interior do sujeito sociológico não é autossuficiente, mas formado na relação com “outras pessoas importantes para ele”, que intermediam valores, sentidos e símbolos (a cultura) dos mundos nos quais habitam (HALL, 2000, p. 9). É possível compreender, a partir de Stuart Hall (2006), que a identidade surge, em partes, pela plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos e também pela inteireza que é “preenchida” a partir do nosso exterior. Temos assim o sujeito pós-moderno, que não tem uma identidade fixa, que se transforma diante dos sistemas culturais. Aliás, a cultura não é monólita, homogênea, isso é: masculina, classe média, heterossexual, branca e ocidental, que pode ser presumida. O conceito de não-identidade alienada, segundo Hutcheon (1991), camufla as hierarquias, dá lugar ao conceito de diferenças, “à afirmação não da uniformidade centralizada, mas da comunidade descentralizada, que é um paradoxo do pós-moderno” (HUTCHEON, 1991, p. 29). Formado na relação com “outras pessoas importantes para ele”, que intermediam valores, sentidos e símbolos (a cultura) dos mundos nos quais habitam. (HALL, 2000, p. 9). 37 Uma Questão de Cultura e IdentidadeCapítulo 2 Há de se perceber ainda nas colocações teóricas que as identidades se definem não apenas pelo que se defende e com quem se está, mas principalmente por quem ou o de que se é contra, ou talvez aquilo que se acha ser contra. Nesse contexto, é interessante utilizar como exemplo os Estados Unidos da América e a guerra contra o terrorismo, principalmente depois do 11 de setembro de 2001, com o ataque às torres do World Trade Center, em Nova Iorque, e ao Pentágono, em Washington. Aqui resgatamos a cena de uma reportagem de Caliar para Revista “Caros Amigos”, de dezembro de 2001: Um rapaz negro, americano da gema, olhava os sinais da destruição. Chorou discretamente, as lágrimas grossas escorrendo. Havia estado em um dos prédios no dia anterior ao ataque, conhecia de vista algumas pessoas por lá. Segurava uma grande fotografia do soberbo conjunto de edifícios do Distrito Financeiro, entre os quais as torres gêmeas se destacavam. Acabava de comprar a foto por três dólares ali na rua e iria colocar numa moldura. O rapaz negro descrito no trecho é um de tantos outros que se viu desolado, naquele momento, diante do barbarismo e convicto de que o governo americano precisava dar uma resposta imediata aos terroristas. Negros e brancos assumem o ufanismo americano, vão às ruas protestar silenciosamente, pintados com as cores ou com a própria bandeira dos Estados Unidos. A comunidade negra assume sua identidade americana em meio à comoção do país. Tal exemplo vem à tona, porque é um marco na história da humanidade contemporânea e uma das alavancas transformadoras de identidade. Aliás, essa nova identidade do negro nos Estados Unidos continua em discussão na teoria social. As velhas identidades entraram em declínio, fazendo surgir as novas identidades, fragmentando o indivíduo moderno, até então visto como um sujeito unificado. É um tipo diferente de mudança estrutural, que transforma as sociedades modernas e fragmenta as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade. As transformações mudam as identidades pessoais e abalam a ideia de sujeitos integrados. StuartHall (2000) define essa perda de um “sentido de si” estável como um deslocamento ou descentração do sujeito, e tal definição leva a entender o ataque de 11 de setembro como um impulsionador do processo de transformação da identidade da comunidade negra americana. Há de se destacar aqui que tal exemplo de ato terrorista é usado pela dimensão impactante que teve nos Estados Unidos e, consequentemente, nos demais países da Europa e da América Latina, nos quais se inclui o Brasil. 38 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Há, nesse caso, a presença da crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que o núcleo interior do sujeito sociológico não é autossuficiente, mas formado na relação com “outras pessoas importantes para ele”, que intermedeiam valores, sentidos e símbolos (a cultura) dos mundos os quais habitam (HALL, 2000, p. 9). E no mundo específico americano habita um contingente multiétnico, entre os quais estão latinos e asiáticos que se veem diante da perda de sua identidade ou de sua transformação inevitável, mesmo que ainda exista um núcleo demarcando o eu. Só que o jogo de linguagem (LYOTARD, 2000, p.17) permitirá a modificação do diálogo contínuo com os mundos culturais exteriores e as identidades que tais mundos oferecem. O negro americano (e isso se reflete também no Brasil) que até então se via numa identidade unificada estável, vê sua própria identidade tornar-se fragmentada em razão de outras identidades, alguma contraditórias e outras não resolvidas. Isso em função do processo de modificação estrutural e institucional. Para Hall (2000), a identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia, porque no momento em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, o confronto de uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis surge, sendo que todas podem se identificar em uma delas, mesmo que temporariamente. Nos Estados Unidos, a comunidade cristã, branca, conservadora e inflexível sobre a convivência entre raças se viu estupefata frente aos atos terroristas, o que elevou a questão de separação de raça. Num instante, brancos e negros se viram obrigados a refletir sobre a segurança nacional, o patrimônio da nação, a democracia e sua eficiência, afinal, tudo isso estava sendo atacado. A cena do negro americano olhando os sinais da destruição e chorando diante de tamanha barbárie se repetiu com outros negros e com outros brancos. Eles ficaram frente àquilo que Baudrillard chama de Crime Perfeito. A arma usada no ataque de 11 de setembro superou a tecnologia avançada da potência terrestre, não houve como promover a defesa. A morte usada como arma pelo “inimigo” é implacável, o suicídio para resultar em homicídio é o próprio Crime Perfeito e “ninguém, nenhuma classe, nenhum grupo, nenhum sujeito pode ser acusado da responsabilidade por essa realização radical das coisas, essa hiper-realização incondicional do Real” (BAUDRILLARD, 2001, p. 70). É o kamikaze que vê e aceita a própria morte – mata a vítima e se mata – fazendo de sua morte um significado ou tencionando que tenha um significado, um símbolo, que seja então uma estratégia de ataque, uma arma contra a qual não há uma resposta possível. Mas o negro segurando a foto traz também uma outra leitura que não pode deixar de ser feita sob alguns ângulos: quando ele olha os destroços e chora, Brancos e negros se viram obrigados a refletir sobre a segurança nacional, o patrimônio da nação, a democracia. 39 Uma Questão de Cultura e IdentidadeCapítulo 2 pode estar chorando por conhecidos negros que ali trabalhavam, a maioria, talvez, como simples empregados, numa condição subalterna. Até por isso, pode chorar por sua condição de negro e de americano, uma duplicidade que briga em um corpo escuro cuja força obstinada impede que se destroce. A imagem do negro chorando pode ser também a imagem da problematização de ser negro. Du Bois diz que o “negro é uma espécie de sétimo filho, nascido com um véu e aquinhoado com uma visão de segundo grau neste mundo americano – um mundo que não lhe concede uma verdadeira consciência de si” (DU BOIS, 1999, p 54). Esse sétimo filho é uma escala que começa com o egípcio e gradativamente com o indiano, grego, romano, teutão e o mongol, que vêm antes fadados ao véu, ao rosto coberto, ao diferente. E assim, retoma-se a questão da identidade pelo olhar do negro americano, que pode muito bem ser do brasileiro, do inglês, africano, francês, enfim, ser negro e ao mesmo tempo americano sem ser amaldiçoado por sua comunidade e nem pelos negros africanos que ficaram na África ou estão espalhados pela Europa. Fica-se diante da ideia de identidade fragmentada, que entre outras coisas precisa disputar e ocupar espaços territoriais, sociais e usufruir do capital disponível no país. Aliás, essas foram propostas defendidas pelo líder negro Martin Luther King na década de 1970. Ele defendia a integração entre brancos e negros em bairros de classe média, nos postos de trabalho, nas universidades, nos cargos executivos e no poder de decisão do país. Entendia o que Lyotard (2000) descreve como saber pós-moderno, que não é somente o instrumento dos poderes. “É o que aguça a sensibilidade para as diferenças e a capacidade de suportar o incomensurável” (LYOTARD, p. 17). Dr. Martin Luther King Jr. (1929 – 1968), Prêmio Nobel da Paz em 1964 e líder antissegregacionista norte-americano. Vemos que o caminho de integração devia se deslocar do rural para o urbano. Ou seja, não adianta ficar no campo trabalhando, sobrevivendo da própria produção, mantendo a identidade pura, absoluta. É preciso invadir as ruas, aprender, obter conhecimento político, científico e dominar a informação de igual para igual, qualquer que seja a etnia. Mas para sair do campo e chegar às ruas, ao urbano, é preciso lutar para atingir a humanidade consciente, recuperar a potência e o gênio latente, poderes do corpo e da mente perdidos ou esquecidos no passado, exatamente como ocorreu com os negros escravos brasileiros pós Brasil escravagista. À procura pela identidade e pelos espaços territoriais, sociais e econômicos longe, muito, mas 40 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras muitíssimo longe das mãos negras. A perda ou o esquecimento não foram sinais de fraqueza (no caso do negro americano e do brasileiro), mas sim contradições dos objetivos duplos, que eram escapar do desprezo do branco e tentar se firmar como cidadão americano ou brasileiro – e aqui as situações são análogas –, beneficiando- se do país e das normas sociais oferecidas. O ataque terrorista de 11 de setembro deixou claro para negros e brancos que, enquanto o preconceito estiver ligado a uma homenagem à civilização, à cultura, à retidão e ao progresso, o preconceito continuará imperando como sempre esteve nos Estados Unidos contra asiáticos e latinos. O negro, em território americano e também em território brasileiro, sempre sentiu o peso da discriminação, principalmente do pobre. O ideal de desenvolver os traços e talentos do negro, sem oposição ou desprezo a outras etnias, é permitir que um dia as etnias possam outorgar-se mutuamente àquelas características que carecem, porque um dos problemas do século XX foi a barreira racial, que pode ser revista. Há tempo para essa revisão. Figura 8 - World Trade Center após ser atingido por dois aviões, nos atentados de 11 de setembro de 2001 Fonte: Disponível em <http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/nova-york- soma-mais-uma-vitima-ao-numero-oficial-do-11-9>. Acesso em: 28 set. 2011. Atividade de Estudos: A mídia é um importante centro de promulgação de ideias e também age de forma significativa na formação de opinião. Nesta atividade, proponho a investigação das questões raciais em situações consideradascomo catástrofes humanas como, por exemplo, o http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/nova-york-soma-mais-uma-vitima-ao-numero-oficial-do-11-9 http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/nova-york-soma-mais-uma-vitima-ao-numero-oficial-do-11-9 41 Uma Questão de Cultura e IdentidadeCapítulo 2 encontro para o protesto nos 10 anos do ataque terrorista às torres gêmeas nos Estado Unidos. Faça um levantamento de como a mídia tratou do assunto citado anteriormente, ou de um outro que você escolheu pra investigar, revelando questões de etnia, que estão fortemente envolvidas. Aponte: * local do ocorrido (contextualize a cultura); * as etnias envolvidas; * motivos da violência segundo a mídia. Não esqueça de fazer uma ficha técnica da mídia que trouxe as informações investigadas, por exemplo: TV, programa, revista, jornal, detalhando as informações de cada veículo de comunicação que você fez a pesquisa. Finalize a atividade escrevendo um pequeno texto, com a temática: “Identidade e violência: o motivo de cada um”. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ O pastor evangélico negro Martin Luther King lutou e morreu por uma causa que tem como bandeira a liberdade e a igualdade. Em nome dessa bandeira, foi alimentada a esperança na compreensão e harmonia entre os homens de todas as etnias, de todas as religiões e de todas as culturas. Tal bandeira passou a ser levantada por brasileiros, inicialmente, por abolicionistas e depois por movimentos sociais organizados. A identidade da comunidade negra a partir da 42 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras hibridização só é possível pelo viés defendido por dr. King e seguido por outros líderes, como o ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela, que até hoje luta pelo fim da segregação. Diante disso tudo, é preciso dizer que, na realidade, não há como satisfazer plenamente a consciência do mundo pós-moderno com complacência, triunfo inevitável da força sobre a fraqueza, do certo sobre o errado, dos superiores sobre os inferiores. As potências americanas e europeias dominaram os povos subdesenvolvidos do mundo sabendo que eles reagiriam, pacificamente ou não. O negro foi escravo nos Estados Unidos e no Brasil e sempre deixou claro sua contrariedade. Desde cedo, houve a união em igrejas e na cultura para provocar a contrarreação. MORRISON, Toni. Amada. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. A discriminação étnica perdura e será um dos problemas a ser resolvido neste século. A virada do século passado não resolveu questões como a da consciência corrupta e a do planeta poluído, e há necessidade de se tratar tais assuntos com relevância, tanto em relação ao meio ambiente quanto à raça e à etnia. Baudrillard (2001) chama essa falta de solução de marco de uma soma zero do fim do século XX, porque o “tempo é visto a partir de uma perspectiva de entropia – a exaustão de todas as possibilidades –, da perspectiva de uma contagem regressiva para o infinito” (BAUDRILLARD, p 41). O retorno na história serve para acertar os erros do passado no presente, principalmente a atrocidade cometida com o negro, a escravidão, a brutalidade em nome do superior sobre o inferior. A revisão se movimenta a partir do marco zero, de uma realidade do passado, para saldar uma dívida social por meio da política, através de manifestações em que são utilizados signos multiplicados na luta pela igualdade. A sombra (pele escura) da maioria silenciosa vai dizer: chega de segregação étnica. A identidade fragmentada vem carregada de signos, peculiares das massas (BAUDRILLARD, 1994, p 25). Assim, podemos visualizar a delicada relação dos sujeitos, independentemente do local em que tentam conviver. O negro, sujeito escravo de outros que, imbuídos de ideologias, assumem a supressão Desde cedo, houve a união em igrejas e na cultura para provocar a contrarreação. O retorno na história serve para acertar os erros do passado no presente, principalmente a atrocidade cometida com o negro, a escravidão, a brutalidade em nome do superior sobre o inferior. 43 Uma Questão de Cultura e IdentidadeCapítulo 2 do outro como parte de sua constituição, no cenário contemporâneo é convidado a repensar esse lugar de todos. O grande desafio foi e ainda é aceitar o outro em termos iguais. Identidade Brasileira e o Hibridismo Retomando a questão da identidade contemporânea fragmentada, é pertinente lembrar que nem sempre foi assim. Quer dizer, há três tipos de concepções desenhadas por Hall (2006), que são os sujeitos do iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno. O sujeito do iluminismo é um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, em que o centro consiste num núcleo interior, que emerge pela primeira vez quando o sujeito nasce e com ele se desenvolve ao longo da existência do indivíduo. O centro essencial do eu é a identidade de uma pessoa. No sujeito sociológico, se reflete a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que esse núcleo interior do sujeito não é autônomo e autossuficiente, mas é formado na relação com “outras pessoas importantes para ele”, que medeiam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos – a cultura – dos mundos que ele habita. Essa identidade é formada na “interação” entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o “eu real”, mas esse é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais “exteriores” e as identidades que esses mundos oferecem. Já o sujeito pós-moderno, nessas classificações de Hall (2006), não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente. Ela torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. A partir desse levantamento histórico das identidades se chega ao contemporâneo em que o sujeito assume identidades diferentes em vários momentos e que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. São possibilidades contraditórias empurrando em diferentes direções, de uma maneira tal que as identificações estão sendo continuamente deslocadas. À medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, surge o confronto de multiplicidades, desconcertantes e cambiantes, de identidades possíveis de identificações, ao menos temporariamente. Descartes (1978) percebeu que o sujeito moderno “nasceu” no meio da dúvida e do ceticismo metafísico. É um acerto de contas com Deus ao torná-lo o Primeiro Movimentador de toda criação e, assim, passa a explicar o resto do mundo material inteiramente em termos mecânicos e matemáticos. Os sujeitos do iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pós- moderno. O sujeito assume identidades diferentes em vários momentos e que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. 44 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras A formação do eu no “olhar do Outro”, de acordo com Lacan (1972), inicia a relação da criança com os sistemas
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