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Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS SABERES, HERANÇA E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS BRASILEIRAS Autora: Rosana Soares 306 S676s Soares, Rosana Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras / Rosana Soares. Indaial : Uniasselvi, 2011. 135 p. : il. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-506-2 1. Cultura; 2. Manifestações culturais. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Dr. Malcon Tafner Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Profa. Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Profa. Tatiana dos Santos Silveira Revisão Gramatical: Profa. Camila Thaisa Alves Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci Copyright © Editora Grupo UNIASSELVI 2011 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Mestre em Artes Visuais pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais - UDESC. Possui graduação em Artes Visuais pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (2003). Atuou como bolsista promop da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC. Tem experiência na área do ensino de Artes, voltado para Arte-Educação em escolas. Participou de exposições de artes plásticas. Participa e desenvolve pesquisas junto ao Grupo Educógintans (cadastrado no CNPQ), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado em Educação) da Universidade Regional de Blumenau, FURB - Blumenau, SC- Brasil. Rosana Soares Sumário APRESENTAÇÃO ........................................................................... 7 CAPÍTULO 1 A Arte: Conceitos Teóricos Fundantes ................................... 9 CAPÍTULO 2 Uma Questão de Cultura e Identidade .................................... 33 CAPÍTULO 3 Os Entrelaçamentos entre Arte e Cultura .......................... 57 CAPÍTULO 4 Manifestações Artísticas Brasileiras .................................... 75 CAPÍTULO 5 Os Padrões da Cultura .............................................................. 99 CAPÍTULO 6 Cultura Brasileira e Educação .............................................. 117 APRESENTAÇÃO Caro(a) pós-graduando(a): O cadernos de estudos intitulado “Saberes, Herança e Manifestações Culturais Brasileiras” se propõe a dialogar acerca da arte e da cultura como parte das ações dos sujeitos, problematizando questões inerentes a esses fenômenos. Sendo assim, os conceitos históricos, as influências sociais, questões políticas que interferem na construção de conceitos relativos à cultura e arte são discutidos, buscando aproximação com a necessidade de expressão e comunicação do ser humano e o lugar que essa produção ocupa em cada sociedade. Esse entendimento da arte como produto do trabalho de um sujeito histórico socialmente construído nos permite refletir sobre a arte brasileira desde seus primórdios, reconhecendo seus espaços, suas conquistas e influências culturais no que se refere especialmente à arte popular e à cultura popular. Neste sentido, o capítulo I aponta os “Conceitos Teóricos” da arte como produção humana, uma visão geral da arte e do homem desde os registros da arte rupestre, passando pelos principais momentos de mudança na forma de criação artística, em várias linguagens. O capítulo II discute a identidade cultural, os entrelaçamentos de questões culturais que influenciam a constituição dos grupos que se identificam em práticas, crenças e ritos. O terceiro capítulo vai tratar da cultura e da arte erudita no diálogo com a cultura popular e com a arte popular brasileira, envolvendo também as questões específicas do folclore. No rastro da discussão da arte brasileira, o capítulo IV se debruça sobre os suportes utilizados na criação da arte brasileira, as diferentes linguagens, elegendo algumas para o estudo da variedade no uso da matéria prima e as influencias auferidas. A discussão em torno da arte brasileira e suas múltiplas heranças culturais está atreladas às delimitações de identidade que no início da colonização se configuram, mas que sucumbem ao refletirem a fragilidade da definição do termo, que segrega sujeitos baseados em questões de raça e gênero. Por ser tão miscigenada, a cultura brasileira é referenciada no plural, pois só assim é possível falar de todas as formas que constituem o povo brasileiro. Esse assunto é discutido com mais profundidade nos capítulos V, VI e VII, nos tópicos que discutem questões referentes à memória, identidade, interculturalidade e padrões de cultura. A autora. CAPÍTULO 1 A Arte: Conceitos Teóricos Fundantes A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 9 Refletir sobre os conceitos de arte presentes em seus fundamentos teóricos. 9 Identificar as especificações das artes como manifestações humanas. 9 Entender a estética como parte dos fundamentos da obra de arte. 9 Refletir sobre as informações das obras de arte como discurso da memória e da prática humana. 9 Contextualizar a obra dentro de seu espaço social e político. 10 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras 11 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 Contextualização Quando pensamos a respeito da definição do que seria a arte, rapidamente pensamos a respeito do sujeito que tem ações que resultam em arte. É quase automático pensarmos nas primeiras manifestações artísticas buscando um embasamento histórico e social da arte de cada tempo. Neste capítulo sobre a arte e seu conceitos fundantes, o objetivo é reconhecer a arte como manifestação e necessidade humana, que não são estanques, passam por mudanças conforme caminha o tempo. A Arte Na busca de uma definição do que é Arte, conseguimos uma aproximação dos elementos que compõe a arte e sua relação com o homem. É através da criação humana que a arte surge como ação que traz consigo conceitos estéticos como a beleza, por exemplo. No entanto, a arte oferece outros fatores que a autenticam, entre eles os sentimentos humanos, as emoções permeadas pela cultura. Na ação que comporta a arte, os saberes de cada sujeito direcionam a criação da obra de arte, podendo assumir formas variadas como a pintura, a música, a escultura, o cinema, o teatro, a dança, a arquitetura entre outras. A arte é também comunicação entre sujeitos, criador e fruidor. Fruir: a palavra fruição deriva do verbo latino “fruere” (da forma fruitione – fruir) cujo sentido é o de estar na posse de, possuir. No processo de fruição está implícita a atividade de leitura, entendendo- se que ler é uma atividade humana produzida em situações sócio- históricas específicas e que mobiliza mecanismos linguísticos, psicológicos, sociais, culturais e históricos que resultam na produção de sentidos. (PCSC-Arte, 1998, p.188) A arte envolve os sentidos humanos, podendo variar os estímulos de cada sentido dependendo do suporte da obra, como por exemplo, a música e a pintura. Neste viés, a arte é também necessidade humana, de início com caráter pratico, assumindo no decorrer do tempo um espaço importante na vida dos sujeitos, tornando-se elemento constitutivo da história e da cultura dos homens. A arte é também necessidade quando reflete a história e torna-se elemento de investigação É através da criação humana que a arte surge como ação que traz consigo conceitos estéticos como a beleza 12 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras e descoberta do mundo que está no nosso horizonte, e além dele. Nosso encontro coma arte e a revelação dos elementos que a constitui está atrelada à nossa experiência, do que pra nos já é familiar, permite avançar na descoberta de novos elementos. Tanto artista como fruidor se encontram na arte imbuídos de saberes oriundos do meio no qual se desenvolveram. A imaginação é o elemento que confere um tempero especial à experiência de viver a arte. Nesse ínterim, se concentra também a arte como possibilidade: ela nos permite criar, imaginar, desconfiar, perguntar. Poderíamos dizer de modo bem simples que a arte é um produto da criatividade humana, que, utilizando conhecimentos e técnicas e um estilo ou jeito pessoal, transmite uma experiência de vida ou uma visão de mundo, despertando emoção em quem a usufrui. (FEIST,1996, p. 9). Essa visão de mundo que traz a arte com sua marca histórica é também fonte de informações das mudanças que o mundo passa. Podemos entender as culturas com suas especificidades, as sociedades que compõem o mundo também através da arte construída pelos sujeitos que em cada tempo viveram e testemunharam, com suas ações práticas envolvidas pelo sentir e pensar. São também as mudanças que ocorrem no mundo que vão permitir a propagação das ideias que compõem a arte entre os povos. A arqueologia tem papel importante nesse processo de redescoberta de elementos da arte, apoiada pela tecnologia que divulga essas descobertas, revelando técnicas e fundamentos da arte de todos os tempos. Assim, ao pensarmos em arte, é interessante assumir um olhar flexível e curioso, necessário para usufruir com todo o ganho possível deste universo histórico, cultural, particular e social em que a arte está situada. Arte é também reflexo e resultado do fazer, pensar e sentir. No ser humano, porém, as reações expressivas de nosso estado de espírito transformaram-se em linguagem -, um conjunto de signos que, articulados, expressam ideias -, permitindo que possamos compartilhar como os outros as emoções vividas. (COSTA, 2004. p.9). A arte em seus múltiplos meios traz em cada obra a marca do seu criador, e sua intencionalidade é apresentada ao fruidor para que ocorra a comunicação necessária. E esse encontro oferece emoções variadas, em que a satisfação está presente em boa parte. Nesse sentido, podemos apontar o prazer como elemento que compõe a arte e através dela é compartilhado. O prazer desse compartilhamento acabou por ser mais importante do que a utilidade expressiva do gesto. Passamos A arte envolve os sentidos humanos, podendo variar os estímulos de cada sentido dependendo do suporte da obra, como por exemplo, a música e a pintura. No ser humano, porém, as reações expressivas de nosso estado de espírito transformaram-se em linguagem -, um conjunto de signos que, articulados, expressam ideias -, permitindo que possamos compartilhar como os outros as emoções vividas. (COSTA, 2004. p.9) 13 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 a sentir prazer nas emoções propostas pelos outros por meio da linguagem. Assim inventamos a arte. (COSTA, 2004. p.9). Nesse caminho do prazer, a arte se concentra em propiciar o despertar das emoções. Uma música, dependendo de sua melodia, nos remete às mais variadas emoções, assim também uma peça de teatro, uma pintura entre outras formas de arte. Percebe-se, assim, que a praticidade da arte tem seu movimento alterado pelos sentimentos e visão de mundo que o artista insere na sua obra no momento da criação. Os saberes necessários acerca de cada obra e seu contexto tornam- se fundamentais para que o fruidor tenha pleno acesso à obra. “Desse modo, a arte não está no objeto artístico, mas no encontro que esse objeto promove entre duas subjetividades e no compartilhamento da emoção poética” (Costa, 2004 p.18). Esse encontro pode não ser natural, pois depende da bagagem de saberes que cada um traz consigo, mas é importante a aproximação máxima com as obras, ampliando assim o universo cultural de cada um. Pois, como nos lembra Gombrich (1999), olhar um quadro aventurando-se em uma viagem de descoberta pode ser tarefa difícil, mas compensadora, pois a viagem de volta traz enorme recompensa. A arte é caminho que vale a pena ser trilhado. O Tempo e a Arte A arte não surge de forma natural, como o homem. As primeiras expressões, hoje consideradas artísticas, do homem das cavernas estavam ligadas a crenças que despertavam nesse humano o desejo de entender, dominar e representar seu cotidiano. Foi somente com o passar do tempo que o registro do cotidiano rupestre recebeu o caráter de arte. Porque a arte surge em um determinado período do tempo, apontado pela filosofia como de desenvolvimento humano. Não é a arte ação inerente ao ser humano, mas surge em um estágio consciente de desenvolvimento deste, no decorrer do tempo. “A arte está relacionada à história da humanidade e às suas conquistas, a natureza humana e seu simbolismo, à herança cultural dos grupos e ao desenvolvimento individual das pessoas” (COSTA, 2004 p.11). As mudanças pelas quais a arte passa estão relacionadas ao meio social e cultural de cada grupo, por isso as artes são entendidas como datadas e identitárias de culturas dos povos. [...] nessa perspectiva, a sociologia da arte se propõe a entender o papel da arte na sociedade, a função social do artista, o sentido de um som ou de uma imagem num de terminado contexto social, o processo de consagração artística, a dinâmica do processo artístico e a relação existente entre arte consagrada e vanguarda. (COSTA, 2004. p.17). As primeiras expressões, hoje consideradas artísticas, do homem das cavernas estavam ligadas a crenças que despertavam nesse humano o desejo de entender, dominar e representar seu cotidiano. 14 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras O estudo sociológico da arte aponta esse caráter humano coletivo e ao mesmo tempo individual que na arte se manifesta. É a sociologia da arte que lança esse olhar com critérios definidos de sociedade temporal, entendida como meio fértil e influenciador da arte. Os aspectos da sociedade se caracterizam no meio político, econômico, religioso, influenciadores como um todo da sociedade na qual a arte é produzida, pois o sujeito criador é formado nesse contexto. Entender as mudanças que a arte também apresenta é parte do estudo sociológico da arte. Por isso, um olhar para as arestas da produção artística torna-se necessário, para que se possa ter maior entendimento da relação arte e sociedade. A universalidade da linguagem que a arte apresenta não deixa passar despercebidas as particularidades das criações e, nesse sentido, situa-se cada arte em seu tempo e seu meio social. O artista, sujeito criador e expressivo, tem suas produções situadas em determinados estilos e escolas, apontados por instituições autorizadas a classificar a arte produzida. Por isso, ao se discutir o gosto, ou a beleza de determinada obra, é importante lembrar que os conceitos de beleza também são variados: “Existem razões erradas para não se gostar de uma obra de arte” (GOMBRICH,1999, p.01). Na contemporaneidade, é interessante discutir que o gosto em relação às obras de arte parece ganhar importância em meio à multiplicidade de suportes e formas de arte. No entanto, no início da história da humanidade, a função exercida pelas esculturas e formas de arquitetura estava em evidência, além do gosto. É nesse sentido que apontamos que a arte surge com o desenvolvimento da humanidade, com a criação de critérios que envolvem conceitos em torno da beleza, permeados pela mudança de paradigmas. Essas mudanças nas formas de sentir, expressar, refletir sobre determinadas ações cotidianas, estão fundamentadas no desenvolvimento do homem, e são as artes produzidas em cada tempo que permitem um olhar ao passado, tornando possívelconhecer a cultura de cada povo. Dos povos primitivos, que utilizavam esculturas, desenho, dança, sons como parte de seu cotidiano, fica registrada a forma de viver em um tempo de adaptação. No entanto, avançando um pouco no tempo, encontramos o povo egípcio, que nos deixa, como herança, muito mais. Na contemporaneidade, é interessante discutir que o gosto em relação às obras de arte parece ganhar importância em meio à multiplicidade de suportes e formas de arte. 15 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 Figura 1 - Arte Rupestre Fonte: Disponível em: <www.ab-arterupestre.org.br/ arterupestre.asp>. Acesso em: 10 out. 2011. Não há tradição direta que ligue estes estranhos primórdios aos nossos dias, mas existe uma tradição direta, transmitida de mestre a discípulo, de discípulo a admirador ou copista, a qual vincula a arte de nosso tempo, cada construção ou cada cartaz, à arte do vale do rio Nilo de uns cinco mil anos atrás. (GOMBRICH, 1999. P. 55) Não é objetivo deste texto registrar a história da arte, e sim lembrar as inúmeras mudanças ocorridas sob influência do passado, apontando a herança egípcia, que vai atuar de forma marcante, e a cultura grega e romana, das quais somos herdeiros. E hoje, ao nos depararmos com as diversas formas de arte, conhecer a memória da arte se faz necessário. A presença da arte nos mais diversos ambientes, de forma inusitada, invadindo nosso dia-a-dia, abre para os artistas um campo imenso de atuação profissional. Há arte nos espaços pelos quais transitamos nos locais onde estudamos ou trabalhamos e até nas embalagens dos produtos que consumimos. (COSTA, 2004, p.12) Não é objetivo deste texto registrar a história da arte, e sim lembrar as inúmeras mudanças ocorridas sob influência do passado, apontando a herança egípcia, que vai atuar de forma marcante, e a cultura grega e romana, das quais somos herdeiros. http://www.ab-arterupestre.org.br/arterupestre.asp http://www.ab-arterupestre.org.br/arterupestre.asp 16 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras A amplitude que a arte atinge no mundo contemporâneo nos provoca a sentir nosso cotidiano de maneira diferenciada. A arte já não se limita a exposições e museus, concertos e peças de teatro, apesar de ainda ser encontrada nesses espaços. Ela nos surpreende em espaços inusitados, nos convidando a vivenciar a experiência estética. Nesse sentido, é pontual discutirmos a arte e os entrelaçamentos teóricos que a envolvem. Entre eles, a estética. Atividade de Estudos: 1) As imagens são relatos históricos de tempos marcados pelo testemunho revelados nas obras. Diego Rivera é um importante crítico social e sua obra um legado pra humanidade. Assim sendo, “a arte não está no objeto artístico, mas no encontro que esse objeto promove entre duas subjetividades e no compartilhamento da emoção poética”. (Costa, 2004, p.18). Este encontro pode não ser natural, pois depende da bagagem de saberes que cada um traz consigo, mas é importante a aproximação máxima com as obras, ampliando assim o universo cultural de cada um. Pois, como nos lembra Gombrich (1999), olhar um quadro aventurando- se em uma viagem de descoberta pode ser tarefa difícil, mais compensadora, pois a viagem de volta traz enorme recompensa. “A arte é caminho que vale a pena ser trilhado” A partir destas reflexões vamos investigar uma das obras de Rivera (Retrato de Amedeo Modigliani 1914): faça uma ficha catalográfica da obra (ano, tema, contexto sócio político, movimento artístico) e uma pequena biografia do artista, assim você conhece um pouco mais da arte latino americana. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 17 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 A Estética na Arte Na concepção materialista de arte como criação do trabalho humano, fruto da percepção-expressão de seres humanos que vivem e produzem em um universo histórico, social e cultural, o produto do seu trabalho, a obra de arte, é constituído por posições não apenas estéticas, mas intelectuais, éticas e políticas. No entanto, é a estética que vamos assumir como ponto de interesse neste texto. O que seria “essa tal” estética? Qual o papel dela no contexto da obra de arte? É comum associar a arte à beleza e ao sentimento. O motivo parece óbvio, já que a obra de arte vem muitas vezes imbuída de sentimento ou beleza, e muitas vezes traz ambos, pois “dentre as características mais importantes da arte, destacamos a emoção e o prazer que ela desperta e que alguns filósofos identificam como prazer do belo ou prazer estético” (COSTA, 2004, p. 21). No entanto, vale lembrar que a arte, em suas diversas formas de se apresentar, ultrapassa esses quesitos, mesmo estando em sintonia com eles em diversos momentos. A questão central no que se refere à estética passa a ser o conceito do que é belo, pois se entende que beleza tem suas variações envolvidas pelo gosto, pois “a beleza não é um valor universal, o que é belo pra você pode não ser para o outro, de outra idade, outra cultura, outro sexo ou outro temperamento” (COSTA, 2004, p. 24). Nessa perspectiva, problematizar questões estéticas parece adentrar um universo permeado por inúmeras questões que fazem confluência também com a obra de arte. A definição do que seria estética está ligada diretamente aos termos do gosto e da beleza. Beleza e obra de arte ganham importância na Grécia Filme sobre a arte grega: Arte grega - http://br.youtube.com/watch?v=O5dY4FlLiTc Arte grega - desenho - http://br.youtube.com/watch?v=lC-A07_sE74 “Navegantes: Gregos - Grécia” http://objetoseducacionais2. mec.gov.br/handle/mec/2035 ou no http://br.youtube.com/watch? v=cfSiFBvxtdw Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=966 A questão central no que se refere à estética passa a ser o conceito do que é belo, pois se entende que beleza tem suas variações envolvidas pelo gosto, pois “a beleza não é um valor universal, o que é belo pra você pode não ser para o outro, de outra idade, outra cultura, outro sexo ou outro temperamento” (COSTA, 2004, p. 24). http://br.youtube.com/watch?v=O5dY4FlLiTc http://br.youtube.com/watch?v=lC-A07_sE74 http:// http//objetoseducacionais2.mec.gov.br/handle/mec/2035 http:// http//objetoseducacionais2.mec.gov.br/handle/mec/2035 http://br.youtube.com/watch?v=cfSiFBvxtdw http://br.youtube.com/watch?v=cfSiFBvxtdw http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=966 18 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Os gregos foram os primeiros a deixar registrado o reconhecimento da emoção que vem da beleza e a consciência de sua particularidade. Foram eles também que criaram a estética – ciência que estuda o belo e que reflete sobre características e condições da beleza. Assim desenvolve- se o conceito de arte, nome que se dá genericamente àquilo que o homem produz com a intenção de provocar admiração e emoção estética através do uso de recursos formais das diversas linguagens humanas. (COSTA, 2004, p. 35). Influenciado por essa herança grega de estudo das emoções e da beleza, o termo estética, em sua definição filosófica, “foi utilizado pela primeira vez em meados do século XVIII, pelo filosofo alemão AlexanderGottlieb Baumgarten (1714-62), que o aplicou com referência à teoria das artes liberais ou à ciência da beleza perceptível” (CHILVERS, 2001, p 180). Partindo desse conceito, outros filósofos irão discutir a estética tendo como base outros princípios, como Kant, por exemplo, em seu estudo acerca de uma estética transcendental envolvendo o gosto e o sublime. Outro filósofo que vai discutir a esfera da estética é Hegel, trazendo a ideia como aparência, mostrando assim diferentes formas de ser estética. Outros tantos filósofos se debruçaram em torno da problemática que envolve a estética, empregando diferentes valores e definições ao termo. “A própria história da arte, procurando definir os diversos movimentos estéticos da arte ocidental, tem posto em evidência e variabilidade dos princípios estéticos e das tendências dos artistas de uma época para outra” (COSTA, 2004, p. 25). O que se pode notar de forma geral são as variações em torno do termo, identificando, assim, as mudanças em cada época. Nesse processo, também a estética é influenciada, pois “Nas últimas décadas, muitas foram as definições propostas da estética, algumas das quais sem reformular em nova linguagem as antigas concepções mencionadas” (MORA, 2001, p. 232). O que interfere no uso do termo estética são posturas teóricas que alimentam a definição do que é ser estético no âmbito da arte em determinada sociedade. Existem mecanismos na sociedade que permitem que certos grupos legitimem seu gosto e o disseminem entre as pessoas, tornando quase uma unanimidade. Esses mecanismos estão ligados a instituições políticas, educacionais e culturais existentes. (COSTA, 2004, p.37). Assim, é a estética que tolera influência em cada tempo e espaço social, se adapta, e assim pode-se dizer que sua definição está entrelaçada com posições políticas, sociais e culturais. Nesse sentido, os elementos de gosto que acompanham a estética são flexíveis e permitem a aceitação e a discordância como fatores de tensão necessários para legitimar a estética como elemento da arte, que também se mostra mutante. “A própria história da arte, procurando definir os diversos movimentos estéticos da arte ocidental, tem posto em evidência e variabilidade dos princípios estéticos e das tendências dos artistas de uma época para outra” (COSTA, 2004, p. 25). 19 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 O cenário contemporâneo vai desordenar o uso do termo estética, na medida em que banaliza e generaliza o sentido do termo. Despreocupado com a tradição dos estudos acerca da estética, a mídia utiliza o termo como sinônimo de beleza, e essa beleza é ditada pela indústria cultural. É comum encontramos centros de beleza e de moda que trazem em seu nome ou em slogan o termo “estética”. É trivial e aceito pelo grande público o termo “estética” associado à beleza pessoal e dos utensílios, divulgado nos meios de comunicação de massa, como TV, jornais, revistas, entre outros. No entanto, em se tratando de arte e estética, o elemento beleza é presente, mas não é suficiente para o real encontro entre obra e fruidor, encontro este que se propõe a desenvolver o humano em sua amplitude. Assim, é importante estar consciente que vivemos em um tempo em que a indústria do consumo e do entretenimento atua de forma ativa na vida cotidiana de adultos e crianças. Os produtos e os programas anunciados na TV e na internet estão disponíveis para todos, para serem desejados. Manter esse desejo de “ter” é também uma forma de alienar e controlar, de dominação social e política, arquitetada por meio da força da imagem, no projeto de globalização econômica ancorada no livre mercado e no consumismo como poder articulador da ordem social. o consumo baseado na estética (individual) – como a política do estilo – substituiu formalmente as seguras estruturas sociais como base para a formação da subjetividade. Quem eu sou agora é determinado pelo que e como eu consumo. (KRESS, 2003, p.121). A identificação com os objetos consumidos é fenômeno presente no reconhecimento pessoal. Neste sentido, a subjetividade é subtraída de forma assustadora. Segundo Efland (2005), o mundo hoje se apresenta para cada um de nós, perante o avanço tecnológico e econômico, com uma uniformidade preocupante, hipnotizando as pessoas em todos os lugares com música rápida, computadores rápidos e comida rápida – MTV, Macintosh e Mac Donald’s-, pressionando as nações a virarem um mesmo e homogêneo parque temático, um mundo “Mac”, amarrado pela diversão, comércio, comunicação e informação. Nesse sentido, alertamos sobre a formação moral e política dos indivíduos que, empobrecida de valores éticos e dominados pelo prazer imediato, não reconhece o consumo inconsciente como forma de desumanização, pois “o gosto assim legitimado torna-se dominante e resiste à mudança, ou parte dele, na medida em que o grupo se identifica com seus princípios” (COSTA, 2004, p.37). No que toca aos artistas, o produto do seu trabalho, a obra de arte, é constituído por posições não apenas estéticas, mas intelectuais, éticas e políticas e, por isso, torna-se elemento indispensável para se pensar a arte e a estética. Assim, fugindo do consumo indiferente que perpassa objetos e transforma pessoas 20 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras em ávidos consumidores desses objetos, torna-se importante entender a vida também como obra de arte, coexistindo como as obras produzidas pelos homens. É necessário reverter a alienação estética, que afeta o ato criador do sujeito, bem como a fruição da obra de arte. Os juízos estéticos têm verossimilhança no valor do dever, que objetiva a autorrealização humana permeada pela estrutura de valores significantes. No que se refere às competências artísticas, as exigências para a produção e fruição artística são discutidas no sentido da necessidade do artista em compreender o mundo e, por meio da elaboração dessa compreensão, traduzir sua obra. A capacidade criadora também é fundamental, buscando meios para concretizar seu pensamento e sua visão do concreto. É um exercício dialético da práxis, de ordem espiritual-material, com objetivo de agir na realidade a fim de transformá- la e humanizá-la, se autoconstituindo. Para o artista e para o público, nesse sentido, a arte tem a função social de compartilhamento de modos de ver, aprender, compreender e sentir o mundo. Por isso, a qualidade estética é de suma importância, pois, como resultante da práxis, a arte reflete a posição ético-ideológica do autor e provoca a tensão necessária ao fruidor, elevando ambos em sua autorrealização. Percebemos, assim, que a dinâmica da arte depende das transformações históricas, dos estilos e do próprio desenvolvimento dos artistas. Portanto, além de variar de uma pessoa para outra, o prazer estético transforma-se ao longo da nossa existência, e aquilo que nos encantava numa época pode depois se tornar menos belo e, para as gerações seguintes, muitas vezes, ultrapassado. (COSTA, 2004, p. 40). Entender a estética como elemento importante de reflexão e desenvolvimento humano, como possibilidade de mudança, exige a consciência de um olhar crítico por parte dos artistas e do público, diferenciando assim os elementos que a compõe. Para que isso aconteça, é preciso o reconhecimento dos valores estéticos que perpassam as obras de arte, cada uma em seu suporte específico, em suas estruturas. Atividade de Estudos: 1) Nesta atividade proponho pensar sobre as questões estéticas. Trago o fragmento do texto deste capitulo: ...”as variações em torno do termo (estética), identifica as mudanças em cada época pois a estética é influenciada:s “Nas ultimas décadas, muitas foram as definições propostas da estética, algumas das quais sem reformular em nova linguagem as antigas concepçõesmencionadas” (MORA, Entender a estética como elemento importante de reflexão e desenvolvimento humano, como possibilidade de mudança, exige a consciência de um olhar crítico por parte dos artistas e do público, diferenciando assim os elementos que a compõe. 21 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 200, p.232). O que interfere no uso do termo estética, são posturas teóricas que alimentam a definição do que é ser estético no âmbito da arte em determinada sociedade. Faça um mosaico com 06 palavras: pense no que significa estética pra você e monte as palavras de forma aleatória! Utilize letras diferentes pra cada palavra. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ A Estrutura da Obra Cada obra de arte traz em sua estrutura elementos próprios que a constituem como partes fundantes do todo. Nesse sentido, a estrutura da obra aqui referenciada está ligada aos elementos materiais, políticos, sociais, culturais, objetivos e subjetivos que estão presentes em cada manifestação artística. As diversas formas de arte utilizam diferentes suportes na sua organização. No que se refere à música e suas particularidades, também vai admitir em sua totalidade a letra e a melodia situadas em notas musicais e instrumentos variados. A estrutura global da música tem nomenclatura própria enquanto formas musicais, somadas as suas especificidades. No rastro temporal da música, podemos apontar sua presença no Egito. São as pinturas egípcias que nos dão essa informação, no registro de cenas cotidianas, com a presença de instrumentos musicais. 22 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Pinturas e esculturas gravadas em vasos, túmulos, inscrições e documentos com desenhos de instrumentos e dançarinos: foi dessa forma que nos foram transmitidas as transformações sobre as primeiras manifestações musicais. Sabemos assim que os egípcios, os assírios e babilônios possuíam instrumentos de corda, sopro e percussão e também soubemos sobre o canto conjunto em cerimônias festivas, guerreiras e fúnebres. (BERTELLO, 2003 p. 183). Os gregos também tinham na música elemento importante de seu desenvolvimento e utilizavam instrumentos conhecidos, como a flauta, a lira, o pandeiro. De uma maneira geral, a música se apresenta através da voz e de instrumentos, com suas variações. “Entre os gregos, a música era considerada elemento integrante da vida e do pensamento, fator fundamental da educação do espírito e da formação de caráter, era parte essencial do ensino da juventude” (BERTELLO, 2003 p.186). A música, como arte, também sofre influências de seu contexto social, político e cultural. Nesse sentido, a música é criada e reproduzida por um sujeito histórico e socialmente construído, permeado pela sensibilidade. Cada cultura tem sua forma musical de expressão, influenciada por seus antepassados e colonizadores. Os cantos cristãos têm forte influência dos clássicos, e a música gregoriana revela essa influência em sua melodia mantida em nível único. Também na idade média, a influência clássica se revela no uso agregado da poesia e melodia pelos trovadores. Já com o renascimento, outro elemento é acrescentado à música, o da representação. São as óperas do período renascentista que irão apresentar essa forma de música que engloba a representação e forma de texto recitado. Essa influência se dilui com o passar do tempo nas diversas formas de se fazer música, em períodos de aceitação da herança e também da negação dos clássicos. Com o passar do tempo, a música sofre influências múltiplas e se apresenta em cada período de acordo com os costumes e hábitos da sociedade em que se manifesta. No Brasil, o encontro sonoro do homem se dá através da natureza. Sendo os índios os primeiros habitantes, é a partir da imitação dos sons dos animais e dos sons do seu espaço habitado que irá se manifestar a melodia. Com a colonização do Brasil pelos portugueses e seu desenvolvimento econômico através das grandes plantações, outro elemento importante vai influenciar a música brasileira: as tradições sonoras dos escravos. Esse povo traz à nova terra não somente a força de seu trabalho, mas também suas heranças culturais, entre elas a música e a dança, embaladas pelos instrumentos de percussão. Pinturas e esculturas gravadas em vasos, túmulos, inscrições e documentos com desenhos de instrumentos e dançarinos: foi dessa forma que nos foram transmitidas as transformações sobre as primeiras manifestações musicais. Sabemos assim que os egípcios, os assírios e babilônios possuíam instrumentos de corda, sopro e percussão e também soubemos sobre o canto conjunto em cerimônias festivas, guerreiras e fúnebres. (BERTELLO, 2003 p. 183) 23 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 Figura 2 - Manifestações Culturais dos Escravos Fonte: Disponível em: <www.pitoresco.com/brasil/prazeres/ prazeres.htm>. Acesso em: 10 out. 2011. Mas com todas as transformações que sofre a sociedade brasileira nesse período, e com o surgimento de novos compositores, como Carlos Gomes, o que fica é a contribuição da música medieval para o surgimento da primeira forma de canção brasileira, a modinha (BERTELLO, 2003). Antônio Carlos Gomes (Campinas 11 de julho de 1836 – Belém, 16 de setembro de 1896) foi o mais importante composior de ópera brasileiro. Destacou-se pelo estilo romântico, com o qual obteve carreira de destaque na Europa. É o autor da ópera “O Guarani”. Essas influências pelas quais passa a música brasileira têm na Modinha o reconhecimento de sua identidade. A modinha se configura como uma forma de canção com melodia repleta de sentimentos e tocada por seresteiros. Já no século XX, o avanço tecnológico vai influenciar as formas musicais brasileiras em uma mescla de estilos. E o cenário contemporâneo é palco da diversidade musical em caracteres e instrumentos, que no Brasil encontram acolhimento devido à pluralidade étnica que constitui o país. No que se refere ao teatro, podemos dizer que, como arte, se constitui em textos, atores, público e em cenários permeados de intuitos disponíveis: “durante a apresentação de uma peça teatral, podem reunir-se as expressões: plástica, oral, musical e corporal” (BERTELLO, 2003 p. 130). O teatro também é arte antiga, pois tanto no Egito como na Grécia há registros de manifestações cênicas: “entre os gregos, o teatro era considerado instituição nacional e fator essencial da educação do povo” (BERTELLO, 2003 p. 186). Durante a apresentação de uma peça teatral, podem reunir-se as expressões: plástica, oral, musical e corporal (BERTELLO, 2003 p. 130). http://www.pitoresco.com/brasil/prazeres/prazeres.htm http://www.pitoresco.com/brasil/prazeres/prazeres.htm 24 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras De início, as representações teatrais serviam às manifestações religiosas e, posteriormente, educacionais. No Brasil não foi diferente: O teatro brasileiro, em sua história, tem marco importante com apresença dos jesuítas. Os jesuítas escreveram autos, narrações escritas, comédias ou dramas, peças de um processo de fé, encenadas pelos indígenas, visando à catequese: o padre José de Anchieta é o autor dos autos mais importantes na história do teatro no Brasil. (BERTELLO, 2003 p. 131). De uma maneira geral, a peça teatral traz uma mensagem ao público que a assiste e tem, entre seus objetivos, o diálogo. Nesse sentido, a estética presente age também como mediadora na compreensão da intencionalidade presente na encenação. O teatro, assim como as demais formas de arte, passa por mudanças através das influências sofridas em consonância com o tempo histórico e com as diversas culturas. No que se refere à dança, o corpo é elemento fundamental. Utilizando movimentos pré-estabelecidos ou improvisados, a dança se configura também como forma de expressão e comunicação, através do ritmo e da sensação. Em gestos sequenciais, a dança traz um sentido social em sua estrutura. Ela é também elemento somatório a algumas artes, como o teatro e a música, sem contudo deixar de ter suas particularidades. Realizada de forma individual, em pares ou mesmo em grupos, a dança tem em sua trajetória a herança de ser mística e religiosa: “passos e movimentos corporais com ritmo musical que expressam estados afetivos – existem danças de amor, de guerra, de religião” (BERTELLO, 2003, p. 276). São variadas as formas de expressão através da dança, e os ritmos e a função de cada dança estão ligados à cultura de cada povo. Cada cultura transporta seu conteúdo para as mais diferentes áreas; as danças absorvem grande parte desta transferência, pois sempre foi de grande importância nas sociedades – seja como uma forma de expressão artística, como objeto de culto aos deuses ou como simples entretenimento. (BERTELLO, 2003, p.276). Dançar é também prazeroso ao indivíduo que executa os gestos e ao expectador. A dança como forma de comunicação é também possibilidade de realização pessoal. O domínio do corpo pelo dançarino é tarefa árdua, que exige concentração. Quando em grupo, a dança coreografada tem a colaboração e a sintonia como elementos importantes. No cenário atual, dançar é quase gesto natural. Como arte, tem a estética como elemento importante de valorização de uma arte que também passa por mudanças de acordo com seu tempo ritmado. 25 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 O que se conclui é que a dança nunca desaparece: muda de nome, sofre acréscimos, assume novos sentidos culturais, mas continua viva. As danças evolutivas isoladas deram lugar às danças de participação geral, da colaboração instintiva. (BERTELLO, 2003, p. 277). Nesse sentido, a dança é arte também remota, a que as mudanças culturais e o tempo conferem novas formas, sem, contudo, eliminar as influências pelas quais passou e pelas quais ainda vai passar. Figura 3 - Cultura Brasileira Fonte: Disponível em: <http://lmk21.com.br/wp-content/ uploads/2010/08/indios.jpg>. Acesso em: 10 out. 2011. Figura 4 - Fantasia gigante da dança do Bumba-meu-boi Fonte: Disponível em: <www.brasilescola.com/folclore/ bumbameuboi.htm>. Acesso em: 10 out.2011. http://www.brasilescola.com/folclore/bumbameuboi.htm http://www.brasilescola.com/folclore/bumbameuboi.htm 26 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Falando ainda da arte e de seus elementos estruturais, vamos encontrar a arquitetura, forma construída com o intuito, também, de ocupar o espaço, concentrando ações e intencionalidades. De início, prevalecia o caráter prático das primeiras construções, em que os construtores se preocupavam em abrigar e proteger os homens e construir templos com fins ligados à religião. Posteriormente, as magníficas construções arquitetônicas ultrapassaram essa funcionalidade. É na Mesopotâmia que encontramos as primeiras construções com organização Usando o tijolo seco como bloco básico de construção, os mesopotâmicos planejavam cidades complexas ao redor do templo. Esses amplos complexos arquitetônicos incluíam não só um santuário fechado, mas também oficinas, armazém e zonas residenciais. (STRICKLAND, 1999, p. 6). Observa-se que os templos seguiam como referência a organização urbanística de cada civilização, ocupando posição estratégica no espaço organizado para moradia. As construções em formas monumentais eram marca da civilização egípcia. As pirâmides são até hoje vistas como verdadeiras maravilhas da arquitetura, e influenciam construções contemporâneas, como a pirâmide de vidro do Louvre. Figura 5 – Pirâmides do Egito Fonte: Disponível em: <www.suapesquisa.com/historia/ piramides/>. Acesso em: 10 out. 2011. Figura 6 – Pirâmide de Louvre Fonte: Disponível em: http://www.world-city-photos.org/Paris/photos/ Louvre_in_Paris/Piramide_du_Louvre/>.Acesso em: 10 out. 2011. Usando o tijolo seco como bloco básico de construção, os mesopotâmicos planejavam cidades complexas ao redor do templo. Esses amplos complexos arquitetônicos incluíam não só um santuário fechado, mas também oficinas, armazém e zonas residenciais. (STRICKLAND, 1999, p. 6). http://www.suapesquisa.com/historia/piramides/ http://www.suapesquisa.com/historia/piramides/ http://www.world-city-photos.org/Paris/photos/Louvre_in_Paris/Piramide_du_Louvre/>.Acesso http://www.world-city-photos.org/Paris/photos/Louvre_in_Paris/Piramide_du_Louvre/>.Acesso 27 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 Mas foi na Grécia que a arquitetura foi entendida como forma de arte, pois as construções eram feitas com o mesmo cuidado, considerando o equilíbrio necessário, usado nas obras das esculturas gregas. A arquitetura grega tem conotação de plenitude e estabilidade. Novamente, os templos foram referência, local onde aconteciam os encontros do público para celebrações. Seguindo a linha do tempo, a arquitetura romana trouxe como elemento novo o uso do concreto, e a influência grega das construções únicas, como por exemplo, o Coliseu. Foi no Renascimento, já no século XV, que a tradição das construções romanas foi resgatada: “[...] formada nos mesmos princípios da geometria harmoniosa em que se baseavam a pintura e a escultura, a arquitetura recuperou o esplendor da Roma antiga” (STRICKLAND, 1999 p. 39). Vale ressaltar que a arquitetura revela a forma de pensar da sociedade, e de certa maneira delineia essa sociedade. Exemplo disto é a riqueza ostentada no período barroco, em que as catedrais eram entendidas como fundamental para a sedução do povo. No entanto, essa mesma arquitetura ultrapassa os limites do equilíbrio, quando oprime o que está a seu redor. Nesse caso, vale citar o Castelo de Versalhes, sonho de autoridade absoluta de Luís XIV. Já no século XIX, o desenvolvimento da fotografia e a descoberta de novos materiais manipuláveis da Nova Era, dita industrial, delinearam novas formas na arquitetura. Os exageros e enfeites tão usados nas construções, aos poucos vão sendo deixados para fins específicos. Quando a revolução industrial pôs a disposição novos materiais, tais como escoras de ferro fundido, os arquitetos inicialmente as disfarçavam de colunas coríntias neoclássicas. Somente em estruturas utilitárias como pontes suspensas, estações de estradas de ferro e fábricas, o ferro fundido foi usado sem ornamento. (STRICKLAND, 1999 p. 89). Ao poucos, esses materiais foram inseridos nas construções que se multiplicavam por todos os lados. Na arquitetura moderna, esses elementos assumiram o caráter funcional, e a escola alemã Bauhaus trouxe a essas construções uma arte com caráter de grupo e desenvolvimento de formas matemáticas. Surgem os arranha-céus. Acontece um distanciamento das formas clássicas. A arquitetura contemporânea embarcou nessa forma de utilizar os materiais inovadores, e trouxe também a cor como elemento diferenciado na nova concepção de construir. As linhasdas construções sofreram variações com curvas harmoniosas e formas variadas. Um exemplo dessa forma de se pensar a arquitetura é o Centre Pompidou, em Paris, onde podemos visualizar todos os serviços funcionais de sua Na arquitetura moderna, esses elementos assumiram o caráter funcional, e a escola alemã Bauhaus trouxe a essas construções uma arte com caráter de grupo e desenvolvimento de formas matemáticas. Surgem os arranha-céus. 28 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras estrutura. Notamos que, assim como na Grécia, a escultura e a arquitetura eram pensadas de forma próximas, no cenário contemporâneo, ocorre novamente essa aproximação: a escultura do século XX também trouxe em sua forma estrutural esses novos elementos, só que em forma de sucata, colagem, entre outros. Importante lembrar que a atividade de ocupar o espaço com construções arquitetônicas passa, ao longo do tempo, assim como as demais formas de arte, por modificações. Sendo a arquitetura envolvida por elementos específicos em sua estrutura, tem em sua forma de se apresentar influências culturais e envolve elementos complexos que reúnem diversos campos de conhecimento, que influenciam e são influenciados no contexto geral da sua silhueta estrutural. No século XIX, o universo artístico também admitiu novas formas estruturais de expressão e comunicação, como o cinema e a fotografia. O cinema se estruturou através das sombras chinesas e se modificou ao longo do tempo com a influência da fotografia. Na produção cinematográfica de Hollywood, os filmes de ação são os primeiros a conquistar o público, seguidos pelos gêneros suspense e drama. No século XX, tivemos também a graciosidade do cinema mudo de Charles Chaplin, mostrando em suas produções temas sociais de forma crítica. Novamente as artes se cruzaram, e o cinema e a música se revelaram nas figuras do ator e dançarino Fred Astaire e na representação de Carmem Miranda que, com suas cores e melodias, conferiu ao Brasil uma identidade alegre e colorida. No entanto, as críticas também acompanharam as mudanças mostradas nas formas artísticas. Novos movimentos da arte expressam a tentativa de questionar a expressão artística a partir do crescimento da indústria. Um deles foi o Kitsch, que procurou, apresentando objetos industriais bizarros, mostrar a natureza superficial exagerada e artificial da sociedade contemporânea. (COSTA, 2004, p. 116). A indústria, com sua fome insaciável de produzir, necessita que os consumidores tenham o mesmo apetite por seus produtos. A arte vai criticar essa superficialidade do desejo construído através do Kitsch. KITSCH: objeto ou estilo que, simulando obra de arte, é apenas imitação de mau gosto para desfrute de um público que alimenta a indústria da cultura de consumo ou cultura de massa; atitude ou reação desse público em face de obras ou objetos com essas características. São exemplos típicos de kitsch estatuetas de plástico que imitam obras clássicas, flores artificiais, certos móveis de fórmica e quejandos. 29 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 Atualmente, os processos de consumo e produção são discutidos dentro de outras áreas, como a Sociologia, a Psicologia, a Filosofia e a Arte, que também problematizam essas questões, que têm como foco principal o bem estar do sujeito, o resgate da individualidade, pois A arte proporciona a expressão de sentidos compartilháveis, de um legado coletivo cheio de reminiscências, sigilos e revelações. Através dele, nosso mundo interior tão pessoal e intransferível encontra o enlevo de se saber comum e partilhável. (COSTA, 2004, p.135). Assim, a obra de arte é também reflexo desse contexto e os sujeitos participantes, tanto criadores como fruidores, estão ambos influenciados e, nesse ponto, o compartilhamento se reforça. A efemeridade é explorada na arte também em sua estrutura, através da performance e dos happenings, movimentos de arte que utilizam mescla de linguagens e têm a improvisação como fio condutor. Performance: forma de arte que combina elementos do teatro, da música e das artes visuais. Tem relação com o happening (os dois termos são às vezes usados como sinônimos), mas difere deste por ser em geral mais cuidadosamente planejada e não envolver necessariamente a participação dos espectadores. (CHILVERS, 2001 p. 404). Happening (“acontecimento”): forma de espetáculo, muitas vezes cuidadosamente planejado, mas quase sempre incorporando algum elemento de espontaneidade, em que um artista executa ou dirige uma ação que combina teatro com artes visuais. O termo foi cunhado por Allan Kaprow em 1959 e tem sido usado para designar uma multiplicidade de fenômenos artísticos. ( CHILVERS, 2001 p. 247). Ao abordar a estrutura da obra no texto, objetivamos lançar um olhar geral sobre a produção artística da humanidade em um ponto central das confluências das artes: as influências, mudanças e culturas que se mesclam e incentivam novas formas de se fazer arte. Toda arte tem um sujeito histórico e socialmente construído, toda arte é influência de culturas, e as culturas têm suas especificidades e suas misturas. Falar de arte não se resume em falar da obra, e sim do conjunto entrelaçado de inúmeros elementos distintos entre si, mas que compõem toda obra de arte. 30 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Atividade de Estudos: 1) Nesta atividade vamos falar de música: O avanço tecnológico vai influenciar as formas musicais brasileiras em uma mescla de estilos. E o cenário contemporâneo, é palco da diversidade musical em caracteres e instrumentos e que no Brasil encontra acolhimento devido a pluralidade étnica que constitui o pais. Registre algumas músicas que são importantes para você, cite o nome da música, o artista e justifique sua escolha. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2) O assunto é arquitetura! A arquitetura contemporânea vai embarcar nesta forma de utilizar os materiais inovadores, e vai trazer também a cor como elemento diferenciado na nova concepção de construir. As linhas das construções vão sofrer variações com curvas harmoniosas e formas variadas. Nesta atividade, oriento você a olhar de forma curiosa a arquitetura presente nas principais construções de sua cidade. Você consegue identificar que tipo de arquitetura se apresenta? Fotografe ou descreva uma das construções que fazem parte da sua cidade. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 31 A Arte: Conceitos Teóricos FundantesCapítulo 1 Algumas Considerações Neste breve estudo, foi possível refletir sobre a dimensão da arte como parte das ações humanas e suas modificações ao longo do tempo. No capítulo a seguir, vamos discutir a identidade como referência de grupos que se identificam e se fundam. A arte também constitui essa identidade. No próximo capítulo, iremos abordar questões relacionadas à identidade. Além disso, estudaremos a identidade brasileirae o hibridismo. Referências BERTELLO, Maria Augusta. Palavra em ação. Mini manual de pesquisa – arte. São Paulo: Claranto, 2003. CHILVERS, Ian. Dicionário Oxford de arte. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. COSTA, Cristina. Questões de arte: o belo, a percepção estética e o fazer artístico. São Paulo: Moderna, 2004. EFLAND, Arthur D. Cultura, Sociedade, Arte e Educação num mundo pós- moderno. In: GUINSBURG, J.; BARBOSA, Ana Mae (orgs.) O Pós-modernismo. São Paulo: Perspectiva, 2005. FEIST, Hildegard. Pequena viagem pelo mundo da arte. São Paulo: Moderna, 1996. GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Tradução de Álvaro Cabral. 16.ed. Rio de Janeiro: LCT, 1999. KRESS, Gunter. In: GARCIA, Regina Leite; MOREIRA, Antonio F. B. (orgs). Currículo na contemporaneidade: incertezas e desafios. São Paulo: Cortez, 2003. MORA, Jose Ferrater. Dicionário de Filosofia. Tradução de Roberto Leal Ferreira, Álvaro Cabral. 4.ed. São Paulo: Martins fontes, 2001. STRICKLAND, Carol. Arte comentada: da pré-história ao pós-moderno. Tradução de Angela Lobo de Andrade. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999. 32 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997. SCOTTINI, Alfredo. Minidicionário Escolar Língua Portuguesa. São Paulo: Brasileitura, 2009. CAPÍTULO 2 Uma Questão de Cultura e Identidade A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 9 Entender a cultura como entrelaçamentos de questões que formulam a identidade, diagnosticando fenômenos de aculturação. 9 Identificar as influências referentes à cultura, entendida como campo simbólico e material da atividade humana. 9 Conhecer os elementos que compõem a diversidade cultural na historicidade da trama relacional. 9 Reconhecer as múltiplas influências da cultura popular e seus entremeios teóricos. 34 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras 35 Uma Questão de Cultura e IdentidadeCapítulo 2 Contextualização Figura 7 - Le Double Secret, 1927 - Rene Magritte Fonte: Disponível em: <www.cursodehistoriadaarte.com. br/.../page/36/>. Acesso em: 27 set. 2011. Como olhar-te outro? Outro complexus; Outro complicado; Outro multiplicidade na unidade; Outro autodesconhecido; outro diferente de todos; outro único. Como olhar-te outro? Sem saber se devo; Sem saber se posso; Sem saber se quero. Como olhar-te outro neste corpo que me vejo? Corpo que desejo; Corpo que temo; Corpo e que me (pré)sinto... Corpo místico. Como olhar-te outro? Neste corpo que é metade eu...metade tu... Neste corpo que é 1 inteiro mundo. Fabio Zoboli, 2007 Fonte: Disponível em: <http://revistarecrearte.net/IMG/ pdf/R12_2.>.Acesso em: 10 ago. 2011. http://www.cursodehistoriadaarte.com.br/lopreto/index.php/page/36/ http://www.cursodehistoriadaarte.com.br/lopreto/index.php/page/36/ 36 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras O capítulo II do Caderno de Estudos vai discutir questões teóricas acerca da construção de identidade, em que aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais se mesclam e se dissolvem na construção dos sujeitos. Não somos apenas influenciados por questões políticas ou culturais, mas sim constituídos por múltiplas influências. A cor de nossa pele, nossos valores morais e éticos, nosso entendimento das pessoas com as quais convivemos, diretamente ou não, são o resultado do que aqui apontamos como identidade. E falar de identidade é pensar no negro como elemento fundamental na formação dos brasileiros, que junto com as demais etnias formam nosso Brasil. Esse país pluricultural tem nos aspectos culturais cenário de inúmeras questões que direcionam a formação identitária brasileira e, por isso, este capítulo vai apontar algumas particularidades culturais regionais, com as quais convivemos. Cultura e Identidade Quando se pensa sobre cultura e identidade na contemporaneidade, entramos num processo da fragmentação por conta do mundo globalizante. Nem tudo está tão perto e muito menos longe, pode-se estar em qualquer lugar devido aos avanços tecnológicos da comunicação. É um tipo diferente de mudança estrutural, que transforma as sociedades modernas e fragmenta as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade. Ou seja, por qualquer um dos olhares que se tenha, tudo está muito próximo, porque há a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que o núcleo interior do sujeito sociológico não é autossuficiente, mas formado na relação com “outras pessoas importantes para ele”, que intermediam valores, sentidos e símbolos (a cultura) dos mundos nos quais habitam (HALL, 2000, p. 9). É possível compreender, a partir de Stuart Hall (2006), que a identidade surge, em partes, pela plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos e também pela inteireza que é “preenchida” a partir do nosso exterior. Temos assim o sujeito pós-moderno, que não tem uma identidade fixa, que se transforma diante dos sistemas culturais. Aliás, a cultura não é monólita, homogênea, isso é: masculina, classe média, heterossexual, branca e ocidental, que pode ser presumida. O conceito de não-identidade alienada, segundo Hutcheon (1991), camufla as hierarquias, dá lugar ao conceito de diferenças, “à afirmação não da uniformidade centralizada, mas da comunidade descentralizada, que é um paradoxo do pós-moderno” (HUTCHEON, 1991, p. 29). Formado na relação com “outras pessoas importantes para ele”, que intermediam valores, sentidos e símbolos (a cultura) dos mundos nos quais habitam. (HALL, 2000, p. 9). 37 Uma Questão de Cultura e IdentidadeCapítulo 2 Há de se perceber ainda nas colocações teóricas que as identidades se definem não apenas pelo que se defende e com quem se está, mas principalmente por quem ou o de que se é contra, ou talvez aquilo que se acha ser contra. Nesse contexto, é interessante utilizar como exemplo os Estados Unidos da América e a guerra contra o terrorismo, principalmente depois do 11 de setembro de 2001, com o ataque às torres do World Trade Center, em Nova Iorque, e ao Pentágono, em Washington. Aqui resgatamos a cena de uma reportagem de Caliar para Revista “Caros Amigos”, de dezembro de 2001: Um rapaz negro, americano da gema, olhava os sinais da destruição. Chorou discretamente, as lágrimas grossas escorrendo. Havia estado em um dos prédios no dia anterior ao ataque, conhecia de vista algumas pessoas por lá. Segurava uma grande fotografia do soberbo conjunto de edifícios do Distrito Financeiro, entre os quais as torres gêmeas se destacavam. Acabava de comprar a foto por três dólares ali na rua e iria colocar numa moldura. O rapaz negro descrito no trecho é um de tantos outros que se viu desolado, naquele momento, diante do barbarismo e convicto de que o governo americano precisava dar uma resposta imediata aos terroristas. Negros e brancos assumem o ufanismo americano, vão às ruas protestar silenciosamente, pintados com as cores ou com a própria bandeira dos Estados Unidos. A comunidade negra assume sua identidade americana em meio à comoção do país. Tal exemplo vem à tona, porque é um marco na história da humanidade contemporânea e uma das alavancas transformadoras de identidade. Aliás, essa nova identidade do negro nos Estados Unidos continua em discussão na teoria social. As velhas identidades entraram em declínio, fazendo surgir as novas identidades, fragmentando o indivíduo moderno, até então visto como um sujeito unificado. É um tipo diferente de mudança estrutural, que transforma as sociedades modernas e fragmenta as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade. As transformações mudam as identidades pessoais e abalam a ideia de sujeitos integrados. StuartHall (2000) define essa perda de um “sentido de si” estável como um deslocamento ou descentração do sujeito, e tal definição leva a entender o ataque de 11 de setembro como um impulsionador do processo de transformação da identidade da comunidade negra americana. Há de se destacar aqui que tal exemplo de ato terrorista é usado pela dimensão impactante que teve nos Estados Unidos e, consequentemente, nos demais países da Europa e da América Latina, nos quais se inclui o Brasil. 38 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Há, nesse caso, a presença da crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que o núcleo interior do sujeito sociológico não é autossuficiente, mas formado na relação com “outras pessoas importantes para ele”, que intermedeiam valores, sentidos e símbolos (a cultura) dos mundos os quais habitam (HALL, 2000, p. 9). E no mundo específico americano habita um contingente multiétnico, entre os quais estão latinos e asiáticos que se veem diante da perda de sua identidade ou de sua transformação inevitável, mesmo que ainda exista um núcleo demarcando o eu. Só que o jogo de linguagem (LYOTARD, 2000, p.17) permitirá a modificação do diálogo contínuo com os mundos culturais exteriores e as identidades que tais mundos oferecem. O negro americano (e isso se reflete também no Brasil) que até então se via numa identidade unificada estável, vê sua própria identidade tornar-se fragmentada em razão de outras identidades, alguma contraditórias e outras não resolvidas. Isso em função do processo de modificação estrutural e institucional. Para Hall (2000), a identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia, porque no momento em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, o confronto de uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis surge, sendo que todas podem se identificar em uma delas, mesmo que temporariamente. Nos Estados Unidos, a comunidade cristã, branca, conservadora e inflexível sobre a convivência entre raças se viu estupefata frente aos atos terroristas, o que elevou a questão de separação de raça. Num instante, brancos e negros se viram obrigados a refletir sobre a segurança nacional, o patrimônio da nação, a democracia e sua eficiência, afinal, tudo isso estava sendo atacado. A cena do negro americano olhando os sinais da destruição e chorando diante de tamanha barbárie se repetiu com outros negros e com outros brancos. Eles ficaram frente àquilo que Baudrillard chama de Crime Perfeito. A arma usada no ataque de 11 de setembro superou a tecnologia avançada da potência terrestre, não houve como promover a defesa. A morte usada como arma pelo “inimigo” é implacável, o suicídio para resultar em homicídio é o próprio Crime Perfeito e “ninguém, nenhuma classe, nenhum grupo, nenhum sujeito pode ser acusado da responsabilidade por essa realização radical das coisas, essa hiper-realização incondicional do Real” (BAUDRILLARD, 2001, p. 70). É o kamikaze que vê e aceita a própria morte – mata a vítima e se mata – fazendo de sua morte um significado ou tencionando que tenha um significado, um símbolo, que seja então uma estratégia de ataque, uma arma contra a qual não há uma resposta possível. Mas o negro segurando a foto traz também uma outra leitura que não pode deixar de ser feita sob alguns ângulos: quando ele olha os destroços e chora, Brancos e negros se viram obrigados a refletir sobre a segurança nacional, o patrimônio da nação, a democracia. 39 Uma Questão de Cultura e IdentidadeCapítulo 2 pode estar chorando por conhecidos negros que ali trabalhavam, a maioria, talvez, como simples empregados, numa condição subalterna. Até por isso, pode chorar por sua condição de negro e de americano, uma duplicidade que briga em um corpo escuro cuja força obstinada impede que se destroce. A imagem do negro chorando pode ser também a imagem da problematização de ser negro. Du Bois diz que o “negro é uma espécie de sétimo filho, nascido com um véu e aquinhoado com uma visão de segundo grau neste mundo americano – um mundo que não lhe concede uma verdadeira consciência de si” (DU BOIS, 1999, p 54). Esse sétimo filho é uma escala que começa com o egípcio e gradativamente com o indiano, grego, romano, teutão e o mongol, que vêm antes fadados ao véu, ao rosto coberto, ao diferente. E assim, retoma-se a questão da identidade pelo olhar do negro americano, que pode muito bem ser do brasileiro, do inglês, africano, francês, enfim, ser negro e ao mesmo tempo americano sem ser amaldiçoado por sua comunidade e nem pelos negros africanos que ficaram na África ou estão espalhados pela Europa. Fica-se diante da ideia de identidade fragmentada, que entre outras coisas precisa disputar e ocupar espaços territoriais, sociais e usufruir do capital disponível no país. Aliás, essas foram propostas defendidas pelo líder negro Martin Luther King na década de 1970. Ele defendia a integração entre brancos e negros em bairros de classe média, nos postos de trabalho, nas universidades, nos cargos executivos e no poder de decisão do país. Entendia o que Lyotard (2000) descreve como saber pós-moderno, que não é somente o instrumento dos poderes. “É o que aguça a sensibilidade para as diferenças e a capacidade de suportar o incomensurável” (LYOTARD, p. 17). Dr. Martin Luther King Jr. (1929 – 1968), Prêmio Nobel da Paz em 1964 e líder antissegregacionista norte-americano. Vemos que o caminho de integração devia se deslocar do rural para o urbano. Ou seja, não adianta ficar no campo trabalhando, sobrevivendo da própria produção, mantendo a identidade pura, absoluta. É preciso invadir as ruas, aprender, obter conhecimento político, científico e dominar a informação de igual para igual, qualquer que seja a etnia. Mas para sair do campo e chegar às ruas, ao urbano, é preciso lutar para atingir a humanidade consciente, recuperar a potência e o gênio latente, poderes do corpo e da mente perdidos ou esquecidos no passado, exatamente como ocorreu com os negros escravos brasileiros pós Brasil escravagista. À procura pela identidade e pelos espaços territoriais, sociais e econômicos longe, muito, mas 40 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras muitíssimo longe das mãos negras. A perda ou o esquecimento não foram sinais de fraqueza (no caso do negro americano e do brasileiro), mas sim contradições dos objetivos duplos, que eram escapar do desprezo do branco e tentar se firmar como cidadão americano ou brasileiro – e aqui as situações são análogas –, beneficiando- se do país e das normas sociais oferecidas. O ataque terrorista de 11 de setembro deixou claro para negros e brancos que, enquanto o preconceito estiver ligado a uma homenagem à civilização, à cultura, à retidão e ao progresso, o preconceito continuará imperando como sempre esteve nos Estados Unidos contra asiáticos e latinos. O negro, em território americano e também em território brasileiro, sempre sentiu o peso da discriminação, principalmente do pobre. O ideal de desenvolver os traços e talentos do negro, sem oposição ou desprezo a outras etnias, é permitir que um dia as etnias possam outorgar-se mutuamente àquelas características que carecem, porque um dos problemas do século XX foi a barreira racial, que pode ser revista. Há tempo para essa revisão. Figura 8 - World Trade Center após ser atingido por dois aviões, nos atentados de 11 de setembro de 2001 Fonte: Disponível em <http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/nova-york- soma-mais-uma-vitima-ao-numero-oficial-do-11-9>. Acesso em: 28 set. 2011. Atividade de Estudos: A mídia é um importante centro de promulgação de ideias e também age de forma significativa na formação de opinião. Nesta atividade, proponho a investigação das questões raciais em situações consideradascomo catástrofes humanas como, por exemplo, o http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/nova-york-soma-mais-uma-vitima-ao-numero-oficial-do-11-9 http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/nova-york-soma-mais-uma-vitima-ao-numero-oficial-do-11-9 41 Uma Questão de Cultura e IdentidadeCapítulo 2 encontro para o protesto nos 10 anos do ataque terrorista às torres gêmeas nos Estado Unidos. Faça um levantamento de como a mídia tratou do assunto citado anteriormente, ou de um outro que você escolheu pra investigar, revelando questões de etnia, que estão fortemente envolvidas. Aponte: * local do ocorrido (contextualize a cultura); * as etnias envolvidas; * motivos da violência segundo a mídia. Não esqueça de fazer uma ficha técnica da mídia que trouxe as informações investigadas, por exemplo: TV, programa, revista, jornal, detalhando as informações de cada veículo de comunicação que você fez a pesquisa. Finalize a atividade escrevendo um pequeno texto, com a temática: “Identidade e violência: o motivo de cada um”. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ O pastor evangélico negro Martin Luther King lutou e morreu por uma causa que tem como bandeira a liberdade e a igualdade. Em nome dessa bandeira, foi alimentada a esperança na compreensão e harmonia entre os homens de todas as etnias, de todas as religiões e de todas as culturas. Tal bandeira passou a ser levantada por brasileiros, inicialmente, por abolicionistas e depois por movimentos sociais organizados. A identidade da comunidade negra a partir da 42 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras hibridização só é possível pelo viés defendido por dr. King e seguido por outros líderes, como o ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela, que até hoje luta pelo fim da segregação. Diante disso tudo, é preciso dizer que, na realidade, não há como satisfazer plenamente a consciência do mundo pós-moderno com complacência, triunfo inevitável da força sobre a fraqueza, do certo sobre o errado, dos superiores sobre os inferiores. As potências americanas e europeias dominaram os povos subdesenvolvidos do mundo sabendo que eles reagiriam, pacificamente ou não. O negro foi escravo nos Estados Unidos e no Brasil e sempre deixou claro sua contrariedade. Desde cedo, houve a união em igrejas e na cultura para provocar a contrarreação. MORRISON, Toni. Amada. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. A discriminação étnica perdura e será um dos problemas a ser resolvido neste século. A virada do século passado não resolveu questões como a da consciência corrupta e a do planeta poluído, e há necessidade de se tratar tais assuntos com relevância, tanto em relação ao meio ambiente quanto à raça e à etnia. Baudrillard (2001) chama essa falta de solução de marco de uma soma zero do fim do século XX, porque o “tempo é visto a partir de uma perspectiva de entropia – a exaustão de todas as possibilidades –, da perspectiva de uma contagem regressiva para o infinito” (BAUDRILLARD, p 41). O retorno na história serve para acertar os erros do passado no presente, principalmente a atrocidade cometida com o negro, a escravidão, a brutalidade em nome do superior sobre o inferior. A revisão se movimenta a partir do marco zero, de uma realidade do passado, para saldar uma dívida social por meio da política, através de manifestações em que são utilizados signos multiplicados na luta pela igualdade. A sombra (pele escura) da maioria silenciosa vai dizer: chega de segregação étnica. A identidade fragmentada vem carregada de signos, peculiares das massas (BAUDRILLARD, 1994, p 25). Assim, podemos visualizar a delicada relação dos sujeitos, independentemente do local em que tentam conviver. O negro, sujeito escravo de outros que, imbuídos de ideologias, assumem a supressão Desde cedo, houve a união em igrejas e na cultura para provocar a contrarreação. O retorno na história serve para acertar os erros do passado no presente, principalmente a atrocidade cometida com o negro, a escravidão, a brutalidade em nome do superior sobre o inferior. 43 Uma Questão de Cultura e IdentidadeCapítulo 2 do outro como parte de sua constituição, no cenário contemporâneo é convidado a repensar esse lugar de todos. O grande desafio foi e ainda é aceitar o outro em termos iguais. Identidade Brasileira e o Hibridismo Retomando a questão da identidade contemporânea fragmentada, é pertinente lembrar que nem sempre foi assim. Quer dizer, há três tipos de concepções desenhadas por Hall (2006), que são os sujeitos do iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno. O sujeito do iluminismo é um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, em que o centro consiste num núcleo interior, que emerge pela primeira vez quando o sujeito nasce e com ele se desenvolve ao longo da existência do indivíduo. O centro essencial do eu é a identidade de uma pessoa. No sujeito sociológico, se reflete a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que esse núcleo interior do sujeito não é autônomo e autossuficiente, mas é formado na relação com “outras pessoas importantes para ele”, que medeiam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos – a cultura – dos mundos que ele habita. Essa identidade é formada na “interação” entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o “eu real”, mas esse é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais “exteriores” e as identidades que esses mundos oferecem. Já o sujeito pós-moderno, nessas classificações de Hall (2006), não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente. Ela torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. A partir desse levantamento histórico das identidades se chega ao contemporâneo em que o sujeito assume identidades diferentes em vários momentos e que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. São possibilidades contraditórias empurrando em diferentes direções, de uma maneira tal que as identificações estão sendo continuamente deslocadas. À medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, surge o confronto de multiplicidades, desconcertantes e cambiantes, de identidades possíveis de identificações, ao menos temporariamente. Descartes (1978) percebeu que o sujeito moderno “nasceu” no meio da dúvida e do ceticismo metafísico. É um acerto de contas com Deus ao torná-lo o Primeiro Movimentador de toda criação e, assim, passa a explicar o resto do mundo material inteiramente em termos mecânicos e matemáticos. Os sujeitos do iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pós- moderno. O sujeito assume identidades diferentes em vários momentos e que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. 44 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras A formação do eu no “olhar do Outro”, de acordo com Lacan (1972), inicia a relação da criança com os sistemassimbólicos fora dela mesma e é o momento de sua entrada nos vários sistemas de representação simbólica – incluindo a língua, a cultura e a diferença sexual. O existencialista Sartre (1997), em “O Ser e o Nada”, também trata desse olhar, que está muito ligado à questão da identidade. Dessa forma, os sentimentos contraditórios e não resolvidos que acompanham essa difícil entrada permeada por sentimentos divididos entre amor e ódio pelo pai, aspecto sobre a formação do eu analisado por Lacan e Freud, são entrelaçados ainda pelo desejo de agradar e pelo impulso em rejeitar a mãe. É o conflito entre o bem e o mal, a divisão desse eu entre suas partes “boa” e “má”. Esses sentimentos são aspectos chave da formação do inconsciente do sujeito. “A identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento” (HALL, 2006, p. 38). Diante desse indivíduo deslocado, confrontado por multiplicidades desconcertantes que interagem com processo de formação de uma cultura brasileira, surge o que Canclini (2003) chama de encenação do popular, baseado na ideia do excluído, aquele que não tem patrimônio ou não consegue que ele seja reconhecido e conservado, como os artesãos que não chegam a ser artistas, a individualizar- se, nem a participar do mercado de bens simbólicos legítimos. Para explicar melhor o que seria o popular, Canclini (2003) lembra que os espectadores dos meios massivos que ficam de fora das universidades e dos museus, “incapazes” de ler e olhar a alta cultura, agem assim porque desconhecem a história dos saberes e estilos. Dessa forma, o popular surge através de três correntes: o folclore, as indústrias culturais e o populismo político (CANGLINI, p. 207). O autor observa também que o povo fica de fora no momento de analisar a cultura, pois o que interessa são os bens culturais: objetos, lendas, música, e não quem gera e consome. O folclore, por exemplo, é constituído de um conjunto de bens e formas culturais tradicionais, principalmente de caráter oral e local, sempre inalterável. A evolução das festas tradicionais, da produção e venda de artesanato revela que essas não são mais tarefas exclusivas dos grupos étnicos, nem sequer de setores camponeses mais amplos, nem mesmo da oligarquia agrária. Canclini (2003) e Tinhorão (2001), que é um estudioso da música popular brasileira, concordam que no carnaval são invertidas as ordens tradicionais de uma sociedade em que a intersecção de negros e brancos, etnias antigas e grupos modernos pretendem resolver-se mediante hierarquias severas: troca-se a noite pelo dia, os homens se Os artesãos que não chegam a ser artistas, a individualizar-se, nem a participar do mercado de bens simbólicos legítimos. O popular surge através de três correntes: o folclore, as indústrias culturais e o populismo político. No carnaval são invertidas as ordens tradicionais de uma sociedade em que a intersecção de negros e brancos, etnias antigas e grupos modernos pretendem resolver-se mediante hierarquias severas. 45 Uma Questão de Cultura e IdentidadeCapítulo 2 fantasiam de mulher, os negros, os trabalhadores aparecem mostrando o prazer de viver atualizados no canto, nas dança e no samba. Nem a modernização exige abolir as tradições, nem o destino fatal dos grupos tradicionais é ficar de fora da modernidade. Aliás, a arte corresponderia aos interesses e gostos da burguesia e de setores cultivados da pequena burguesia. Desenvolve-se nas cidades, fala delas e, quando representa paisagens do campo, faz isso com ótica urbana. Canclini (2003) conclui que não há uma única forma de modernidade, mas várias, desiguais e às vezes contraditórias. O contrário pode ser pensado a partir de Bhabha (1998), quando diz que as diferenças culturais devem ser compreendidas no momento em que constituem identidades e que suas reivindicações são nominativas ou normativas e em um momento preliminar, passageiro (BHABHA 1998, p 322). Ou seja, quando se trata da formação de uma consciência negra, tanto pelo olhar do americano ou do brasileiro, vamos tratar da diversidade cultural e a influência na formação da identidade contemporânea. A afirmação distintiva é que o negro tem uma mensagem poética, uma mensagem que não é apenas diferente, mas valiosa. Appiah (1997) acrescenta que “não há nada no mundo capaz de fazer tudo aquilo que pedimos que a raça faça por nós... e falar de “raça” é particularmente desolados para aqueles de nós que levamos a cultura a sério” (APPIAH, 1997, p 75). Ele explica ainda que onde a raça atua é como uma espécie de metáfora da cultura e a cultura popular é um encontro das manifestações dessas etnias. Por isso, todo brasileiro, conforme Gilberto Freyre, “mesmo alvo, de cabelo louro, traz na alma e no corpo a sombra, a pinta do indígena ou do negro e esta influência direta, ou vaga e remota, é do africano” (FREYRE, 2001, p. 489). E é com esse hibridismo que a cultura popular brasileira vai se formar e a identidade do brasileiro irá se fragmentar na contemporaneidade. Atividade de Estudos: Construa sua identidade cultural através de suas práticas cotidianas. Organize um retrato diferente. Construa um rosto substituindo as formas básicas de construção: não utilize olhos, nariz e boca, e sim hábitos culturais em que utilizamos nossos sentidos. Por exemplo, faça um desenho relativamente grande, em papel A3. Construa apenas os limites do rosto e depois construa seu “autorretrato cultural”, desenhando, escrevendo ou colando figuras que revelem suas práticas culturais como: * No lugar dos olhos: imagens ou nomes de seus filmes preferidos, peças de teatro, livros e programas de TV. A cultura popular é um encontro das manifestações dessas etnias. 46 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras * No nariz: os seus cheiros preferidos, que podem ser representados por perfumes, ambientes. * Boca: seus hábitos alimentares. Aproveite e investigue as influências culturais presentes em sua alimentação, a origem dos alimentos que você consome diariamente. * Orelhas: as músicas que você escuta. Cite apenas o nome ou escreva uma parte. * Finalize o rosto construindo os cabelos. Aqui você pode dar preferência à cor, buscando suas influências étnicas. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Pensar na identidade brasileira é buscar as influências que se configuram nessa formação, seja ela facilmente identificada ou apresentada de forma velada. Nesse sentido, o brasileiro se organiza como um ser complexo, pluricultural e muitas vezes em tensão, na busca do seu eu e de seu lugar na sociedade. Essa pluralidade e conceitos também se encontram na esfera da cultura. Assim como o brasileiro é fruto de várias influências étnicas, a cultura também se apresenta entrelaçada por essas influências, assunto abordado no próximo tópico. A Diversidade no Âmbito da Cultura A diversidade cultural no Brasil se configura de forma intensa devido às muitas formas culturais presentes nas também diversas sociedades. Em seus limites territoriais, nomeados por regiões, encontramos inúmeras fontes de manifestações culturais, são os vários Brasil(s). Cada sociedadee seus costumes, sejam de ordem religiosa ou cultural, trazem a as influências recebidas atreladas 47 Uma Questão de Cultura e IdentidadeCapítulo 2 à sua identidade. O entendimento acerca da diversidade cultural é de suma importância, por garantir que essas práticas continuem sobrevivendo, ainda que sua forma apresente alterações. Os dirigentes dos países, através de sua política, já têm anotado em suas pautas de discussão a questão da diversidade cultural. Em 2001,quando a Unesco aprovou a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, causou polêmica entre os países envolvidos, principalmente nos Estados Unidos, que têm seus filmes e músicas vendidos na maior parte do Planeta. Um negócio colocado na mesa pelos seus governantes diante dos representantes dos demais países, envolvendo negociações comerciais como os produtos agrícolas, por exemplo. (CABRAL, 2005 p. 01) Perante o projeto de homogeneização do mundo globalizado, resguardar as práticas culturais herdadas passa a ser um desafio que exige o comprometimento de todos. Obviamente, ter esse cuidado garantido por lei confere espaços férteis para o cultivo da cultura brasileira em sua diversidade. Nesse espaço de cultura, há a presença dos escravos africanos, dos indígenas, dos europeus e de toda uma tradição materializada em ritos e crenças que se mesclam, conservando, no entanto, o cerne de cada raça. O mais bonito do Brasil está em sua geografia generosa, no campo territorial vasto, que alimenta as manifestações culturais, em sua complexidade. Do Bumba meu Boi ao Boi de Mamão, quais as diferenças e semelhanças que estão presentes nessa forma de manifestação cultural? Da Maricota aos bonecos de Olinda, do Axé ao Samba, o que essas formas de cultura têm em comum? A resposta pode ser os traços (in)comuns que configuram o Brasil em sua diversidade étnico-regional. Apesar da identificação de algumas regiões com determinadas formas culturais, nem por isso os limites da fronteira impedem que outras regiões tenham a mesma manifestação cultural, a capoeira, por exemplo, identificada como referência identitária da região nordeste, está presente em várias partes do país, sendo inclusive parte de projetos educacionais e de inclusão social. Perante o projeto de homogeneização do mundo globalizado, resguardar as práticas culturais herdadas passa a ser um desafio que exige o comprometimento de todos. A capoeira, por exemplo, identificada como referência identitária da região nordeste, está presente em várias partes do país, sendo inclusive parte de projetos educacionais e de inclusão social. 48 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Figura 9 - Fablicio e Wagner em apresentação de capoeira Fonte: a autora. Outras manifestações culturais, no entanto, têm a marca da região, como, por exemplo, o Festival de Parintins, no Amazonas. Nesse sentido, a preservação da diversidade cultural é fundamental por incentivar o desenvolvimento dessas formas de manifestação que são o rosto, no sentido de apresentar os costumes de cada região. A rivalidade entre torcedores dos bumbás é comparada à disputa existente no futebol entre flamenguistas e vascaínos. Figura 10 – Bois Bumbás Fonte: Disponível em: <http://olhaja.wordpress.com/2010/06/06/ festa-do-boi-bumba-em-parintins/>. Acesso em: 28 set. 2011. No entanto, algumas práticas culturais assustam, e provocam discussão em torno de sua importância para esse conceito de diversidade, como no caso da guerra de espadas, praticada na Bahia. A polêmica Farra do Boi, em Santa Catarina que, com ritos de crueldade ao animal, diverte os que entendem essa ação como prática cultural, ou ainda, a tão discutível festa cultural dos colonos de origem alemã, que se divertem em uma disputa de carregamento de pesos por seus animais de tração, os cavalos, na tão discutida Puxada, também em Santa Catarina. Algumas práticas culturais assustam, e provocam discussão em torno de sua importância para esse conceito de diversidade. http://olhaja.wordpress.com/2010/06/06/festa-do-boi-bumba-em-parintins/ http://olhaja.wordpress.com/2010/06/06/festa-do-boi-bumba-em-parintins/ 49 Uma Questão de Cultura e IdentidadeCapítulo 2 Figura 11 - Símbolo da luta contra a Farra do Boi e a Puxada em Santa Catarina Fonte: Disponível em: <http://www.wspabrasil.org/eventos/2011/Manifestacao-em-Santa- Catarina-contra-Farra-do-Boi-e-as-Puxadas-de-Cavalos.aspx.>. Acesso em: 29 set. 2011. Nesses casos, os valores são medidos pela questão do respeito ao ser vivo, sejam eles de que natureza for, e por isso seria de boa evolução relegar essas práticas ao passado, aprender e emancipar os sujeitos que, longe de práticas que estimulam a violência, possam conviver melhor com seu planeta. Leonardo da Vinci (1452 – 1519), representante do Renascimento, entre suas pesquisas, tinha também um olhar para o relacionamento homem e animal, divulgando sua preocupação na frase atribuída a ele: “Virá o dia em que a matança de um animal será considerada crime tanto quanto o assassinato de um homem”. Figura 12 - Pintura “Dama com Arminho” - Leonardo da Vinci Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/HRVqVW>. Acesso em: 29 set. 2011. Os valores são medidos pela questão do respeito ao ser vivo. http://www.wspabrasil.org/eventos/2011/Manifestacao-em-Santa-Catarina-contra-Farra-do-Boi-e-as-Puxadas-de-Cavalos.aspx http://www.wspabrasil.org/eventos/2011/Manifestacao-em-Santa-Catarina-contra-Farra-do-Boi-e-as-Puxadas-de-Cavalos.aspx 50 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Assim, as práticas culturais, independentemente do local, devem ter um parâmetro de respeito à vida. Nenhum tipo de violência ou crueldade deve ser justificado através dos hábitos culturais. Assim como são construídos pelos sujeitos que estão inseridos na sociedade, esses têm o poder e a responsabilidade de promover as mudanças necessárias para que se alcance um padrão de cultura de respeito e dignidade a todos. No tópico a seguir, apontamos os marcos teóricos da cultura dita popular. Cultura Popular: Marcos Teóricos No âmbito dos estudos acerca da cultura popular, é a antropologia social que irá se debruçar sobre a definição e os entrelaçamentos acerca do conceito. A dupla de palavras “cultura” e “popular” forma um termo que parece suscitar discussões quanto ao seu entendimento como um todo. O termo “cultura” está associado ao domínio de saberes, sugerindo prestígio. Já o “popular” refere-se ao povo, à maioria e, por isso, comum, de valor duvidoso. A junção das duas palavras parece causar uma perda ou uma modificação em seu valor perante a sociedade. A cultura popular tem sua importância em determinado espaço da sociedade, e cumpre determinada função, muitas vezes de identificação regional. Muita gente torce o nariz, levanta as sobrancelhas ou movimenta-se com impaciência quando ouve o enunciado “cultura popular”. Isto se deve a, pelo menos, dois motivos. Em primeiro lugar, ao fato dessa noção ter servido a interesses políticos populistas e paternalistas, tanto de direita quanto de esquerda; em segundo ao fato de que nada de claramente discernível e demarcável no concreto parece responder aos múltiplos significados que ela tem assumido até agora. (ARANTES, 1981, p.9). Perante o indefinido, a atitude da sociedade é localizar um lugar para as manifestações ditas populares, ficando assim livre da necessidade de entender a pluralidade contida na esfera popular. O que acontece na definição de cultura é a pontuação de determinados sentidos de ação e atitudes que conferem o alcance do que é considerado culto, apontando claramente os limites impostos pela sociedade, deixando em segundo plano as atividades e manifestações que não se encaixam nos moldes que conferem autenticidade à cultura. Refletindo com cautela,entretanto, logo perceberemos que, por sobre essas diferenças, alguns valores e concepções são implementados socialmente, através de complexos mecanismos de produção e divulgação de ideias, como se fossem ou devessem se tornar, os modos de agir e de pensar de todos. É essa, na verdade, uma das funções mais importantes (embora não a única) das escolas, das igrejas, 51 Uma Questão de Cultura e IdentidadeCapítulo 2 dos museus e dos meios de comunicação de massa. (ARANTES, 1981, p.13). Cabe às instituições reafirmar as diretrizes da cultura, diferenciando-a do que é popular. Observa-se uma categorização nas formas de se tratar o popular, deixando uma distância significativa entre determinados sujeitos de uma mesma sociedade. A arte e suas manifestações em todas as esferas são as que mais ficam na mira desses conceitos. A dança e a dança popular ou folclórica, a música e a música popular, a arte e o artesanato, a escultura e a cerâmica, a gravura e o cordel, a religião e as crenças, a gastronomia e a culinária estão entrelaçadas em seus elementos constituintes, mas em diferentes lugares na coletividade. Nessas questões, e em outras tantas que permeiam o cotidiano da sociedade, enfatiza-se as diferenças na busca do distanciamento ou da separação dos elementos da cultura. A definição de parâmetros culturais objetiva homogeneizar a sociedade, que deverá ser educada e desenvolver bom gosto. Em nenhum momento se problematiza a definição desse gosto e sim se concentra no desenvolvimento de mecanismos políticos na sociedade que assegurem a imposição dessas definições. Assim, o popular vai se construindo à margem do que deseja a minoria da sociedade, dita culta, possuidora das luzes do conhecimento. A cultura brasileira, por suas características de multiplicidade, é de difícil encaixe para sua definição. Por isso se pensa em culturas, porque as especificidades nas linguagens culturais são de tamanha vastidão que parece tarefa impossível definir o que é cultura popular, seja quais forem os parâmetros adotados. Pensar a cultura acarreta a análise das relações pessoais dos indivíduos em sociedade. Em se tratando de vida social, a cultura (significação) está em toda parte. Todas as nossas ações, seja na esfera do trabalho, das relações conjugais, da produção econômica ou artística, do sexo, da religião das formas de dominação e de solidariedade, tudo nas sociedades humanas é constituído segundo os códigos e convenções simbólicas que denominamos de cultura. (ARANTES, 1981, p.34). Nesse sentido, a decodificação dos símbolos presente em cada cultura pode contribuir para a compreensão do que, de início, parece estranho. No entanto, os estudos semióticos acerca dos símbolos agregam valor ao estudo da cultura. Em se tratando de cultura popular, os entremeios que configuram cada manifestação são regados por outros fatores que a tornam assim complexa. A dança e a dança popular ou folclórica, a música e a música popular, a arte e o artesanato, a escultura e a cerâmica, a gravura e o cordel, a religião e as crenças, a gastronomia e a culinária. À margem das culturas, porque as especificidades nas linguagens culturais são de tamanha vastidão que parece tarefa impossível definir o que é cultura popular, seja quais forem os parâmetros adotados. Os estudos semióticos acerca dos símbolos agregam valor ao estudo da cultura. 52 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Esta postura nos convida a compreender de que modo, a partir de uma linguagem muitas vezes comum a todos os membros de um grupo social diferenciado, expressam-se compreensões variadas e às vezes conflitantes acerca de questões sociais fundamentais. Ou seja, transparece, nesse modo de interpretar a cultura entre uma língua e suas múltiplas falas, não as possibilidades lógicas e abstratas de um sistema de comunicação, gerador de infinitas mensagens a partir de um conjunto finito de regras, mas a articulação de ponto de vista de grupos que possuem interesses políticos diversos e muitas vezes divergentes. (ARANTES, 1981, p.36). Os estudos semióticos apontam a cultura como o conjunto de informações que ela possui. Essas informações são mutáveis no que se refere à sua interpretação, que está atrelada ao seu contexto. O processo de divulgação desses códigos culturais é transferido pelos indivíduos para os que fazem parte do seu grupo. No entanto, cabe ressaltar que essas informações são influenciadas também pelos sujeitos, que a recebem e repassam os saberes adquiridos. Nesse sentido, os elementos da arte laboram como linguagem. Linguagem é também entendida como a que se expressa não por signos linguísticos, mas por outros signos, seja através da arte, da técnica de representação e de expressão gráfica, da imagem de um tema real ou imaginário, em suas várias formas e objetivos, sejam eles lúdicos, artísticos, científicos, técnicos e pedagógicos. (MACHADO 1998, p. 20). Sendo assim, determinadas ações sociais são interpretadas/comunicadas dependo do contexto em que os sujeitos estão inseridos. É possível notar que esta forma de interpretação e comportamento está atrelada aos interesses políticos e sociais de cada sociedade, conferindo status de valor a formas de conduta perante manifestações artísticas e culturais. Como exemplo de interpretação de conceitos, é possível citar as campanhas e os discursos políticos e sua estruturação na forma de sua apresentação. Aqui, as questões que são apontadas por candidatos e eleitores têm significados distintos, embora aparentemente se pareçam. A saúde, o combate à pobreza, e até mesmo o voto são entendidos conforme o interesse de cada grupo. Nesse sentido, a interpretação dessas situações está atrelada à visão dos sujeitos que se encontram perante elas, mesmo pertencendo à “mesma” sociedade. É comum que em algumas campanhas políticas, alguma atividade cultural faça parte do espetáculo, sendo que, dependendo da região, determinado grupo musical ou teatral é cuidadosamente escolhido para agregar valor à intenção de comunicação e disseminação de desejos políticos. Assim, a questão da cultura popular se mostra em sua complexidade também como elemento de interesse ou desinteresse, dependendo de seu contexto. Nesse rastro, A chamada arte popular, produzida por um grupo profissional de especialista (indústria cultural), era vista, por outro lado, 53 Uma Questão de Cultura e IdentidadeCapítulo 2 como mais apurada e apresentando alto grau de elaboração técnica superior à primeira (arte do povo, grifo nosso). Não obstante, seu objetivo supremo consiste em distrair o espectador em vez de formá-lo, entretê-lo e aturdi-lo, em vez de despertá-lo para a reflexão e a consciência de si mesmo. (ARANTES, 1981, p. 53). Cultura negada, padronizada. Cultura explorada. Cultura como instrumento de dominação, de aniquilamento das particularidades de grupos, cultura como marca da história que ainda vive. A arte de cada povo simboliza a sua identidade, então cabe perguntar qual arte e qual identidade conhecemos do outro, e de nós mesmos. No viés dessa reflexão, a cultura popular deve ser respeitada e entendida como forma de se garantir as condições materiais de cunho artístico e cultural necessárias ao povo, que visa às modificações necessárias da sociedade em que os sujeitos estão inseridos. Esses sujeitos são constituídos por elas e a constituem, em um processo dialético para a emancipação. Figura 13 - A diversidade brasileira Fonte: Disponível em: <http://www.not1.com.br/cultura-popular-patrimonio- do-brasil-manifestacoes-culturais-do-povo/>. Acesso em: 29 set. 2011. Cultura negada, padronizada. Cultura explorada. Cultura como instrumento de dominação, de aniquilamento das particularidades de grupos, cultura como marca da história que aindavive. A cultura popular deve ser respeitada e entendida como forma de se garantir as condições materiais de cunho artístico e cultural necessárias ao povo. http://www.not1.com.br/cultura-popular-patrimonio-do-brasil-manifestacoes-culturais-do-povo/ http://www.not1.com.br/cultura-popular-patrimonio-do-brasil-manifestacoes-culturais-do-povo/ 54 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Figura 14 - A Mistura da Cultura Brasileira Fonte: Disponível em: <http://www.not1.com.br/cultura-popular-patrimonio- do-brasil-manifestacoes-culturais-do-povo/>. Acesso em: 29 set. 2011. ”Família Alcântara”: documentário sobre os descendentes da etnia bantu, de Angola, que chegaram ao Brasil como escravos, mas preservaram sua cultura. Figura 15 - Família Alcântara Fonte: Disponível em: <http://www.not1.com.br/cultura-popular-patrimonio- do-brasil-manifestacoes-culturais-do-povo/>. Acesso em: 26 out. 2011. http://www.not1.com.br/cultura-popular-patrimonio-do-brasil-manifestacoes-culturais-do-povo/ http://www.not1.com.br/cultura-popular-patrimonio-do-brasil-manifestacoes-culturais-do-povo/ http://www.not1.com.br/cultura-popular-patrimonio-do-brasil-manifestacoes-culturais-do-povo/ http://www.not1.com.br/cultura-popular-patrimonio-do-brasil-manifestacoes-culturais-do-povo/ 55 Uma Questão de Cultura e IdentidadeCapítulo 2 Se você quiser saber sobre a Declaração Universal da Diversidade Cultural, poderá baixar o material da UNESCO sobre essa temática no site: http://unesdoc.unesco.org/images/0012 /001271/127160por.pdf. Algumas Considerações Pensar a cultura brasileira obrigatoriamente nos leva a rever o início da colonização e todas as suas transformações, ou seja, pensar sobre os que aqui já estavam, os índios e os demais que chegaram, pensar em como esse encontro resulta em uma tensão muitas vezes violenta. A vida de todos nesse contexto segue sua trajetória, agregando e segregando valores, selecionando o que entendemos como parte de nós. No entanto, a cultura herdada através das manifestações artísticas, da religião, da alimentação, é fruto da riqueza dos que às vezes entendemos como diferentes, mas que são desprovidos dos direitos que nós temos. A intolerância ao outro, o racismo, a discriminação, a violência podem estar embutidos em práticas culturais e, assim, a avaliação crítica de nossa cultura e o conhecimento dos fatores que resultaram nessa cultura é fundamental. Os livros trazem informações valiosas acerca dessas questões, mas também o cotidiano, vivido por cada um de nós, é fonte riquíssima de reflexão para a convivência justa com as diferenças. Como viver junto? O desafio é de todos. Referências ARANTES, Antonio Augusto. O que é cultura popular. São Paulo: Brasiliense, 1998. APPIAH, Kwame Anthony. Na casa de meu pai: a África na filosofia da cultura. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. BAUDRILLARD, Jean. A ilusão vital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001271/127160por.pdf 56 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras _____ A sombra das maiorias silenciosas: o fim do social e o surgimento das massas. São Paulo: Brasiliense, 1994. BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998. CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 2003. CABRAL, Eula de Taveira. Diversidade cultural: é preciso reagir e lutar. Editora do Informativo Eletrônico SETE PONTOS. http://www.comunicacao.pro.br/ setepontos/30/diversidade.htm DESCARTES, Rene. Discurso sobre o método. São Paulo: Hemus, 1978. 136p. DU BOIS, Willian Edward Burghardt. As almas da gente negra. Rio de Janeiro: Lacerda Ed., 1999. FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Ed. DP&A, 2006. HUTCHEON, Linda. Poética do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Ed. Imago, 1991. LACAN, Jacques; MASOTTA, Oscar (coord.). Las formaciones del inconsciente. Buenos Aires: Nueva Vision, 1972. 173p. LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000. SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. 782p. Tradução de: Lïetre et le neant : Essai dïontologie phenomenologique. TINHORÃO, José Ramos. Cultura popular: temas e questões. São Paulo: Ed. 34, 2001. 188p. http://www.comunicacao.pro.br/setepontos/30/diversidade.htm http://www.comunicacao.pro.br/setepontos/30/diversidade.htm CAPÍTULO 3 Os Entrelaçamentos entre Arte e Cultura A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 9 Entender a cultura em suas raízes de múltiplas influências. 9 Identificar as especificidades que compõem o entrelaçamento de arte e cultura e os conflitos existentes. 9 Conhecer o termo folclore e suas implicações culturais, nos enfoques teóricos. 9 Desenvolver olhar flexível sobre a cultura brasileira, como táticas de resistência na oralidade e na escrita. 9 Refletir sobre a arte também como reflexo e fruto do meio cultural. 58 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras 59 Os Entrelaçamentos entre Arte e CulturaCapítulo 3 Contextualização Neste capítulo, abordamos as questões que ligam a arte e a cultura. No decorrer do texto, fundamentos filosóficos apontam essa aproximação e também as peculiaridades de cada fenômeno atreladas às matrizes éticas que as fundamentam. O folclore também se apresenta como forma de manifestação artística e fundamentalmente cultural. Além disso, neste capítulo estudaremos o entrelaçamento da arte e da cultura nos conflitos existentes. Também conheceremos o termo folclore e as suas implicações culturais. A Arte e a Cultura Ao entendermos a arte como ação humana, vamos ao encontro da cultura, entendida também como espaço constituído por elementos humanos. Arte e cultura estão associadas ao trabalho humano, cada uma com suas especificidades e seu contexto. Assim como a obra de arte, independentemente do suporte que a apresenta, traz em sua composição o pensamento do artista acerca da sociedade em que ele está inserido, suas faces e seus conflitos, também a cultura reflete a sociedade, sendo constituída por ela e a constituindo ao mesmo tempo. Arte e cultura passam por mudanças em sua concepção no decorrer do tempo, no entanto, não se afastam de sua habilidade de reflexo do meio social em que existem. Os fenômenos constituintes da cultura de cada grupo étnico vão revelar os valores desse grupo, bem com suas crenças, costumes, rituais. Também a arte de cada grupo será afetada de forma direta na sua composição, na escolha de materiais, formas e cores. Nesse sentido, arte e cultura são feitios de uma determinada sociedade que também é atingida de forma direta por influências múltiplas de matrizes étnicas. No que se refere à arte brasileira e à cultura brasileira, temos os indígenas como referência de um povo que é fortemente influenciado pelos europeus e os africanos, um se sobressaindo em relação ao outro nesse cenário de troca de experiências. No caso especifico do Brasil, a cultura europeia foi imposta à jovem terra colonizada, mas não absorvida de forma neutra. A colonização europeia e a chegada dos africanos propiciaram a construção de uma cultura rica na sua diversidade de elementos. A arte também. A obra de arte, independentemente do suporte que a apresenta, traz em sua composição o pensamento do artista acerca da sociedade em que ele está inserido, suas faces e seus conflitos, também a cultura reflete a sociedade, sendo constituída por ela e a constituindo ao mesmo tempo. 60 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Figura 16 - Obra de Hélio Oiticica Fonte: Disponível em: <http://topicos.estadao.com.br/fotos- sobre-masp/metaesquema-1957-de-helio-oiticica-obra-faz-parte-da-colecao-itau-exposta-no-masp,89849986-29c2-4a52- a723-a5bf48e50331>. Acesso em: 03 dez. 2011. No cenário contemporâneo, a discussão em torno da cultura é tema recorrente, pois a multiplicidade de informações contidas em hábitos cotidianos de grupos que compõem uma mesma sociedade exige olhar o outro a partir de um entendimento flexível. Já não é possível, em terra brasiliana, falarmos em uma cultura singular, mas sim nas culturas constituintes do povo brasileiro, das muitas cores, crenças, ritmos, sabores, valores. É coerente perante a multiplicidade de elementos que a cultura brasileira apresenta não eleger qualquer escala de valor, pois não cabe atitude seletiva, e sim postura de respeito e assentimento das diferenças, abandonando o pensamento norteador de uma cultura etnocêntrica. No entanto, não podemos deixar de problematizar a cultura dita popular. O termo cultura popular traz em sua base inúmeras questões conceituais, se referindo diretamente ao povo. Frente a isso, cabe indagar: quem é esse povo? Como se constitui? Que lugar ocupa na sociedade? Quais os critérios utilizados na definição de “popular”? Marilena Chauí, em seu livro “Conformismo e Resistência”, faz uma abordagem profunda sobre a cultura popular. Aponta que o termo popular está É coerente perante a multiplicidade de elementos que a cultura brasileira apresenta não eleger qualquer escala de valor, pois não cabe atitude seletiva, e sim postura de respeito e assentimento das diferenças, abandonando o pensamento norteador de uma cultura etnocêntrica. http://topicos.estadao.com.br/fotos-sobre-masp/metaesquema-1957-de-helio-oiticica-obra-faz-parte-da-colecao-itau-exposta-no-masp,89849986-29c2-4a52-a723-a5bf48e50331 http://topicos.estadao.com.br/fotos-sobre-masp/metaesquema-1957-de-helio-oiticica-obra-faz-parte-da-colecao-itau-exposta-no-masp,89849986-29c2-4a52-a723-a5bf48e50331 http://topicos.estadao.com.br/fotos-sobre-masp/metaesquema-1957-de-helio-oiticica-obra-faz-parte-da-colecao-itau-exposta-no-masp,89849986-29c2-4a52-a723-a5bf48e50331 http://topicos.estadao.com.br/fotos-sobre-masp/metaesquema-1957-de-helio-oiticica-obra-faz-parte-da-colecao-itau-exposta-no-masp,89849986-29c2-4a52-a723-a5bf48e50331 61 Os Entrelaçamentos entre Arte e CulturaCapítulo 3 diretamente relacionado ao subalterno, ao regional, ao tradicional e ao folclore: Kitsch. Na música, essa separação se destaca na utilização do termo “música popular” e “música erudita”. Ao se tratar da cultura, a discussão envolve a história de cada civilização. Nesse sentido, o progresso de cada civilização organiza sua cultura, sendo influenciadora das novas nações e herdando as influências de seus antepassados. No século XVIII, segundo Chauí (1989), os termos “cultura” e “civilização” são entendidos pelo olhar da Filosofia como distintos. Em Rosseau, a cultura está ligada à bondade natural, à espiritualidade, sentimento e imaginação. Já o termo “civilização”, como convenção sociopolítica, está relacionado a um artifício. A autora aponta também que, na filosofia kantiana, cultura e civilização se aproximam, em equilíbrio. Ao entender a parte histórica da cultura de cada civilização, Chauí (1989) novamente vai assinalar a contribuição da filosofia, agora em Hegel, em que a cultura mostra os modos de vida da sociedade, sendo um trabalho do espírito. Já em Karl Marx, a autora registra a relação material dos sujeitos sociais, amparada nas condições disponíveis. E a cultura como campo das formas simbólicas encontra sustentação em Cassirer e Merleau-Ponty. Assim, o termo cultura ganha desvios, significados díspares nas teorias desenvolvidas por cada olhar da Filosofia. Figura 17 – Obra de arte de Escher Fonte: Disponível em: <http://www.mcescher.com/Gallery/ gallery-recogn.htm/>. Acesso em: 03 dez. 2011. Ao entender a parte histórica da cultura de cada civilização, Chauí (1989) novamente vai assinalar a contribuição da filosofia, agora em Hegel, em que a cultura mostra os modos de vida da sociedade, sendo um trabalho do espírito. http://www.mcescher.com/Gallery/gallery-recogn.htm http://www.mcescher.com/Gallery/gallery-recogn.htm 62 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Se você quiser conhecer mais sobre as obras de Escher, acesse o site: http://www.mcescher.com/Gallery/gallery-recogn.htm . Vale a pena conferir como o artista une Arte e Matemática em imagens espetaculares. No cenário atual, a cultura popular está atrelada diretamente ao povo, este povo entendido como a maioria, o coletivo, o maior número de pessoas que convive em determinados locais, sendo que em cada região apresenta características específicas. Existe uma separação conceitual dos elementos culturais, denominados como culto e inculto. Essa herança tem origem na constituição das sociedades, em que alguns poucos integrantes foram considerados portadores de direitos e conhecedores do dever e da razão, em vista de outros que, ignorando determinados saberes, deviam ser orientados, dirigidos, educados. Surge a classe erudita, culta, os intelectuais, alguns. Existe também, a grande maioria, o povo, popular, muitos. Esses sujeitos populares, desprovidos de razão, dedicavam seu tempo e seu trabalho à satisfação de suas necessidades básicas. Nesse cenário, a arte e a política estão a construir uma sociedade que visa o progresso e, assim, ações utilitaristas devem ocupar o pensamento dos dirigentes, responsáveis pela educação e construção dessa sociedade. O que reflete o popular, o imediato dos que compõem a maioria é desmerecido. Existe um modelo a seguir, virtuoso e eleito como ideal pelos ditos intelectuais da sociedade. Os elementos constitutivos dessa nova sociedade que não estiverem próximos a esse ideal, são desconsiderados por serem incultos. Pertencem ao povo, à maioria. São populares. RICUPERO, Bernardo. O Romantismo e a Ideia de Nação no Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 2004. Essa herança tem origem na constituição das sociedades, em que alguns poucos integrantes foram considerados portadores de direitos e conhecedores do dever e da razão, em vista de outros que, ignorando determinados saberes, deviam ser orientados, dirigidos, educados. http://www.mcescher.com/Gallery/gallery-recogn.htm 63 Os Entrelaçamentos entre Arte e CulturaCapítulo 3 Figura 18 – Livro de Ricupero Fonte: Disponível em: <http://www.bondfaro.com.br/preco--livros- -o-romantismo-e-a-ideia-de-nacao-no-brasil-1830-1870-bernardo- ricupero-8533620756.html>. Acesso em: 10 out. 2011. Será no movimento denominado Romantismo, ocorrido na Europa, que questões atreladas ao popular irão ser questionadas, repensadas. Longe do olhar de inferioridade daqueles que organizam e delimitam o espaço dado às expressões populares, os românticos entenderam as manifestações do povo como genuínas, puras, merecedoras de todo o louvor. Longe dos cânones orientadores da arte vigente, a cultura popular revelou-se, nesse período, como verdadeira e divina. O romantismo baseia-se mais numa atitude mental que numa série de tendências estilísticas determinadas, e está ligado à expressão de ideias que tendem a ter uma origem mais verbal que visual. Um templo arruinado neste contexto é mais significativo que um templo novo, pois veicula de modo mais apropriado a passagem do tempo e a fragilidade humana. (CHILVERS, 2001, p.459). Neste ponto, Chauí (1989) revela que essa postura dos românticos é uma resposta ao modelo neoclássico imposto. Em claro protesto contra a arte clássica imposta, a busca da natureza e seus elementos vão elevar as expressões da cultura popular, cultura não contaminada, ainda pura, segundo os românticos. Nesse contexto, o resgate da cultura indígena na América Latina ganha espaço, por ser entendida como próxima da natureza, e longe dos ideais da classe dominante.No Brasil, as diferenças entre cultura e cultura popular são discutidas de forma acirrada já nos anos 60, através das vanguardas Já a cultura erudita é vista como ligada à arte, no entanto, necessitada em rever posturas perante as manifestações artísticas, desenvolvendo seu lado mais humano, resgatando a sensibilidade. http://www.bondfaro.com.br/preco--livros--o-romantismo-e-a-ideia-de-nacao-no-brasil-1830-1870-bernardo-ricupero-8533620756.html http://www.bondfaro.com.br/preco--livros--o-romantismo-e-a-ideia-de-nacao-no-brasil-1830-1870-bernardo-ricupero-8533620756.html http://www.bondfaro.com.br/preco--livros--o-romantismo-e-a-ideia-de-nacao-no-brasil-1830-1870-bernardo-ricupero-8533620756.html 64 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras artísticas. Herdeiras do ideal romântico, o povo e sua cultura são entendidos pelos artistas como carente de sensibilidade para seu aprimoramento e necessitados de um contato maior com a produção artística. Já a cultura erudita é vista como ligada à arte, no entanto, necessitada em rever posturas perante as manifestações artísticas, desenvolvendo seu lado mais humano, resgatando a sensibilidade. Essa relação vai apontar a força das ideologias, problematizadas em Gramsci, segundo (CHAIU, 1989), que vê a cultura como um processo global, contendo representações com valores definidos em época e lugar. Alerta também que a ideologia dominante, de alguma forma, é indiferente aos valores fundamentais da cultura. Nesse sentido, a ideologia aqui discutida, essa em junção com os processos históricos e também da cultura, não é estanque, passa por transformações e permite a resistência. No entanto, reconhecemos que a cultura em uma sociedade para todos tem sentido diferente, marcando, em seu espaço, condições diversificadas de vida, dependendo da classe social em que se revela. Ao prevalecer determinada ideologia, cabe convencer a massa a aceitar também os padrões estéticos estabelecidos por um pequeno grupo, favorecendo o controle e a dominação de uma minoria sobre uma maioria: Nos dias de hoje, as estratégias elaboradas para alienar as classes populares não contam apenas com mecanismos de esfera política e econômica. Com o poder tecnológico dos meios de comunicação de massa cada vez mais aperfeiçoados e potentes, reproduz-se um círculo vicioso de alienação que perpassa todos os âmbitos a cultura humana, afetando tanto o cotidiano quanto as relações econômicas, sociais e políticas das pessoas. (ZITKOSKI, 2006, p. 31). Nesse olhar global, ocorre a discussão em torno da “cultura de massa”, na teoria dos frankfurtianos Adorno, Horkheiner e Marcuse (CHAUÍ, 1989, p.27). A cultura de massa visa disseminar atitudes de consumo por parte dos integrantes da sociedade, utilizando os meios de comunicação para a construção e aceitação de estilos de vida e hábitos de consumo em um projeto quase homogêneo. Essa cultura de massa vai de alguma forma atingir a maioria, promovendo uma acirrada disputa por produtos. Assim, o mercado investe de forma agressiva no cotidiano do consumidor, utilizando principalmente as imagens Da televisão ao jornal, da publicidade a todas as epifanias mercadológicas, a nossa sociedade canceriza a vista, mede toda a realidade por sua capacidade de mostrar e transformar as comunicações em imagem do olhar. É uma epopéia do olho e da pulsão de ler.... a leitura (da imagem ou do texto) parece aliás contribuir o ponto máximo da passividade que caracteriza o consumidor, constituído em VOYER (troglodita ou nômade), em uma “sociedade do espetáculo”. (CERTEAU, 1994, p.49). A cultura de massa visa disseminar atitudes de consumo por parte dos integrantes da sociedade, utilizando os meios de comunicação para a construção e aceitação de estilos de vida e hábitos de consumo em um projeto quase homogêneo. 65 Os Entrelaçamentos entre Arte e CulturaCapítulo 3 Figura 19 - Arte e teledramaturgia de Vick Muniz Fonte: Disponível em: <http://www.arteffinal.com/2010/05/passione- cultura-de-massa-vik-muniz.html>. Acesso em: 03 dez. 2011. Nessa abordagem, a cultura popular é vista como forma de sobrevivência em um cenário em que dominantes e dominados (com)vivem, cada qual dentro de seus objetivos e possibilidades. Assim, a cultura popular é “prática local e temporalmente determinada, como atividade dispersa no interior da cultura dominante, como mescla de conformismo e resistência” (CHAUÍ, 1989 p.43). Na sociedade capitalista, as querelas sociais resultam na desigualdade cruel, em que o autoritarismo é arma usada por aqueles que representam a classe dominante, esquadrinhando a obediência dos dominados. Nesse sentido, existem Sociedades na quais as leis sempre foram armas para preservar privilégios e o melhor instrumento para a repressão e a opressão, jamais definindo direitos e deveres. A cidade olha a favela como uma realidade patológica, uma doença, uma praga, um quisto, uma calamidade publica. (CERTEAU, 1994, p.59). A falta de consciência na sociedade faz com que a parte carente dessa coletividade seja entendida como falha do projeto de desenvolvimento. A cultura popular está ligada à forma como os ditos, impostos pela classe culturalmente reconhecida pela sociedade, são incorporados pelo povo. Como parte frágil da sociedade no que se refere ao poder econômico, o povo constitui a cultura popular como forma de manter sua identidade. Ele sobrevive no lugar da sociedade que lhe é permitido e modifica esse espaço, tornando-o, em seu lugar, eleito. E nesse espaço cria elementos simbólicos que tornam originais e nativos os sujeitos que ali convivem. Cria um espaço dentro dessa sociedade que, de certa forma, o elege como marginal. A cultura popular está ligada à forma como os ditos, impostos pela classe culturalmente reconhecida pela sociedade, são incorporados pelo povo. http://www.arteffinal.com/2010/05/passione-cultura-de-massa-vik-muniz.html http://www.arteffinal.com/2010/05/passione-cultura-de-massa-vik-muniz.html 66 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras ESTÉTICA E CULTURA DE MASSA. http://youtu.be/AnTEUuTJM8c Na arte também ocorre o mesmo fenômeno. Embora as manifestações artísticas apresentem características distintas, recebendo influências de todas essas questões de poder, ideologia e padrões estéticos da sociedade que se apresentam na cultura popular, a arte é parte integrante das ações desses sujeitos. Juntamente com a oralidade, a culinária, a religião, a arte é elemento da cultura popular. Assim como no contexto geral da cultura, na parte específica da arte também ocorre uma reformulação das questões que lhe são impostas, como ressalta Chauí (1989) ao se referir ao circo-teatro, espaço cênico que concentra melodrama e comédia, com a forte participação do público, que interfere no andamento e desenvolvimento das peças apresentadas. [...] mas justamente porque se trata de manifestação da cultura popular, [é interessante] observar-se que os enredos das peças adaptadas da televisão e do rádio ou letras de músicas sofrem modificações decorrentes da interpretação popular. (CERTEAU, 1994 p. 73) O texto teatral ao ser interpretado vai, de alguma forma, passar por modificações significativas, pois traz em sua exposição final essa influência do ator e seu contexto. Vários fatores influenciam o olhar do ator sobre a obra já elaborada em outro espaço. Para saber mais sobre o Circo-Teatro, você pode ler: SILVA, Ermínia. As múltiplas linguagens na teatralidade circense : Benjamin de Oliveira e o circo-teatro no Brasil no final do século XIX e início do XX. Tese de Doutorado. UNICAMP. Campinas, 2003 - Disponível para download . Edições Funarte - http://www. funarte.gov.br/edicoes-on-line/. Um dos fatores de extrema importância salientado por Chauí (1989) é a religião na influência dos aspectos culturais de cada grupo.E, influenciados http://youtu.be/AnTEUuTJM8c http://www.funarte.gov.br/edicoes-on-line/ http://www.funarte.gov.br/edicoes-on-line/ 67 Os Entrelaçamentos entre Arte e CulturaCapítulo 3 pelos fundamentos de religiosidade, os movimentos de contestação política vão ganhar força no centro da cultura popular, como ressalta a autora, ao citar dois conflitos regionais com essas características: Canudos e Contestado. Nesse sentido, esses dois embates têm como fio condutor o que a autora chama de sentimento em comum e que movimenta a união dos que estão longe do poder, ou seja, a sensação de injustiça. É movida por uma esperança de mudança, na busca de uma vida menos injusta, a união de todos, que uma luta se torna autêntica. Indicação de site: http://youtu.be/lHPH7-mjrsQ . Assim como os fenômenos culturais passam por modificações atreladas à sua história e contexto, a arte brasileira também passou por influências de várias culturas. Essa mescla de influências na arte inicia com a chegada dos portugueses ao Brasil. No entanto, se de início a arte local foi desprezada em vista dos anseios de implantar os parâmetros europeus vigentes, não foi possível negar ou mesmo impedir o entrelaçamento cultural que ocorreu. A terra colonizada estava sob o poder de Portugal, e “sua arte” era aqui implantada. No entanto, esse novo espaço não era indiferente e, mesmo aceitando os valores a eles impostos, ocorriam pequenos desvios, lacunas, maneiras de fazer que influenciaram a arte aqui produzida. Diversos fatores interagiam com a produção artística direcionada: elementos inocentes, como as cores da jovem terra, o calor, as flores, os animais, a água e o céu azul ensolarado. Como “uma criança ainda rabisca e suja o livro escolar, mesmo que receba um castigo por este crime, a criança ganha um espaço, assina aí sua existência de autor” (CERTEAU, 1994 p. 94). Assim, a arte imposta era aceita, mas com modificações. Não havia como isentar desses sentimentos os artistas que, a serviço de Portugal, se esforçavam para reproduzir a arte europeia. E junto com o projeto artístico, havia a cultura local. Existiam os registros pré-históricos dos indígenas, no Brasil e nos demais países do ocidente. Há bastante tempo que se tem estudado que equívoco rachava, por dentro, o “sucesso” dos colonizadores espanhóis entre as etnias indígenas: submetidos e mesmo consentindo na Os indígenas as subvertiam, não rejeitando-as diretamente ou modificando- as, mas pela sua maneira de usá-las para fins e em função de referência, estranha ao sistema do qual não podiam fugir. (CERTEAU, 1994 p.39) É movida por uma esperança de mudança, na busca de uma vida menos injusta, a união de todos, que uma luta se torna autêntica. http://youtu.be/lHPH7-mjrsQ 68 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras dominação, muitas vezes esses indígenas faziam das ações rituais, representações ou leis que lhes eram impostas outra coisa que não aquela que a conquista julgava obter por ela. Os indígenas as subvertiam, não rejeitando-as diretamente ou modificando-as, mas pela sua maneira de usá-las para fins e em função de referência, estranha ao sistema do qual não podiam fugir. (CERTEAU, 1994 p.39). Essas rachaduras no processo colonizador conferem à produção dos dominados as características de uma arte popular que não se encaixa no modelo imposto, mas existe como forma de expressão. E nesse contexto, a arte brasileira vai formando sua história, com as influências recebidas dos europeus e dos africanos. Assim, os jesuítas utilizaram a música e o teatro como forma de aproximação dos indígenas que aqui estavam. No que se refere às primeiras manifestações artísticas brasileiras, temos o Maneirismo como marco inicial. Um ano após sua chegada ao Brasil (1584), os frades franciscanos dedicaram-se a construir um conjunto de estilo maneirista na cidade de Olinda, em Pernambuco. O conjunto compunha-se de uma igreja e de um convento, batizados respectivamente, de Nossa Senhora das Neves e São Francisco. (GAVAZZONI,1998, p.95). A decoração dessas construções foi realizada com material trazido de Portugal. Ricamente ornamentada, os princípios religiosos orientavam também a arte, principalmente na arquitetura. Com o passar do tempo e com as mudanças ocorridas no cenário artístico europeu, o estilo maneirista foi substituído pelo estilo vigente, o Barroco. Segundo Gavazzoni (1998), o estilo barroco no Brasil se manifestou mais acentuadamente na parte interna das catedrais, como elemento de ornamentação e pintura. No entanto, o estilo barroco no Brasil “floresceu como uma planta extravagante, cultivada numa estufa imprópria, planta podada e enxertada grosseiramente, com ramos rejeitados ou, quando não rejeitados, mal incorporados por jardineiros canhestros” (GAVAZZONI, p. 110). Nesse, ponto arte e cultura brasileira revelam afinidade em sua constituição, por ambas lidarem com influências e reagirem de forma construtiva nesse momento de tensão. É importante ressaltar que essas influências na arte não são genéricas, pois cada região do país absorveu de alguma forma essas influências e deu seu testemunho, gerando culturas distintas. Com a implantação da Academia de Belas Artes, em 1822, iniciou-se o processo de implantação de valores artísticos importados da Europa. O estilo barroco no Brasil se manifestou mais acentuadamente na parte interna das catedrais, como elemento de ornamentação e pintura. 69 Os Entrelaçamentos entre Arte e CulturaCapítulo 3 O Barroco e o Rococó foram esquecidos e predomina a severa disciplina acadêmica. A estética do Barroco, já então muito débil, desaparece de vez. Sem dúvida, D. João VI tentou amparar artistas brasileiros, principalmente artistas fluminenses sempre mais à disposição, pois o governo tinha sua sede no Rio de Janeiro, contudo, sem abrir mão da tendência europeia (clássica), única escola reconhecida como boa e apreciável pelos padrões da elite dominante. (GAVAZZONI, 1998, p. 132) Somente a partir do movimento modernista que a arte brasileira respirou na busca a sua identidade. Não se ignora as influências artísticas da Europa durante todo o processo, pois os artistas que participaram da Semana de 1922, ou Semana de Arte Moderna, tinham consciência do que ocorria no mundo artístico ocidental e do movimento de negação da arte vigente em vários países e, por isso, utilizaram aqui no Brasil o resgate da identidade artística e cultural brasileira. Mas não foi assim tão simples, pois as condições materiais restringiam a desejada liberdade artística. Em São Paulo, Anita Malfatti (1896-1964) tem a primazia de abrir, definitivamente, a pintura brasileira para o novo estágio europeu, que superava o impressionismo. Anita estagia em Berlim, Munique, Roma, Paris e até em Nova Iorque, expondo sua obra ao público paulista, em 1917. Como sempre acontece, suas telas provocaram verdadeiro escândalo nos meios artísticos e sociais da época. (GAVAZZONI, 1998, p. 136). É demasiado importante esse momento na arte brasileira, mesmo apresentando os limites causados pela forma como o país foi colonizado, suas influências e suas mesclas culturais. Nesse momento histórico, a arte representada ambiciona autonomia. Para Gavazzoni (1988), mesmo sendo um momento importante, é necessário reconhecer que os artistas buscavam essa autonomia, mas, ainda assim, apresentavam em suas obras forte influência estrangeira, devido a inúmeras causas, como o rigor da corte imperial, a pouca instrução dos habitantes, o consumismo da classe dominante. Revelando o bônus do movimento modernista, a intenção de construir uma arte genuinamente brasileira, a priori, é ilusória, devido a influencias que o país acumula. No entanto, é interessante o termo empregado por Oswaldde Andrade, “antropofagia”, que pode ser apropriado para o momento atual da arte, revelando a consciência de um povo colonizado, mas autor de sua arte. Não se nega a cultura recebida, apenas se afunilam as intenções, em “[...] Uma arte de utilizar aqueles que lhe são impostos” (CERTEAU, 1994 p. 94). A cultura popular apresenta também elementos específicos de manifestações artísticas, denominados folclore. De início, a oralidade foi a marca das 70 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras manifestações folclóricas, histórias contadas de geração em geração que mantêm a marca original de valores e crenças, reflexos e lembranças de fundo cultural. Por exemplo, a arte de conversar, as retóricas da conversa ordinária são práticas transformadoras de situação de palavra de produções verbais onde o entrelaçamento das posições locutoras instaura um tecido oral sem proprietários individuais, as criações que não pertencem a ninguém. A conversa é um efeito provisório e coletivo de competências na arte de manipular, lugares comuns e jogar com o inevitável dos acontecimentos para torná-los habitáveis. (CERTEAU, 1994, p. 50). As histórias repetidas de forma oral, carregadas de conteúdo particular e específico, chamaram a atenção dos intelectuais que, interessados em conhecer melhor essas formas de comunicação, se debruçaram sobre a interpretação dos mitos e das lendas. Junto com as histórias contadas, as particularidades da dança, da música, da culinária, do artesanato, da religião também se tornaram pontos de investigação para os artistas elitizados, que se aproximaram da cultura popular para a construção da bandeira nacionalista. E nessa abordagem, no acesso às manifestações folclóricas, mapeou-se o país, localizando particularidades regionais, indagando sobre suas ações com termos próprios, seus usos e seus costumes. Gosto de dar-lhes o nome de usos, embora a palavra designe geralmente procedimentos estereotipados recebidos e reproduzidos por um grupo, seus “usos e costumes”. O problema está na ambiguidade da palavra, pois nesses “usos” trata-se precisamente de reconhecer ações (no sentido militar da palavra) que são a sua formalidade e sua inventividade própria e que organizam em surdina o trabalho de formigas do consumo. (CERTEAU, 1994, p. 93). É importante ressaltar que o folclore, como manifestação regional, ocupa um espaço importante na vida social do povo, apresentando variedades conforme cada local. Perante a mescla das culturas a partir das quais o Brasil se constituiu, as heranças indígenas, africanas e europeias se revelam nos personagens, nos ritos e sabores do folclore. E é a partir do movimento modernista no Brasil que essas manifestações passam a ser foco de estudo institucionalizado e formalizado. Ao longo do tempo, estudiosos e pesquisadores definiram alguns parâmetros para caracterizá-lo. Em primeiro lugar, o folclore é sempre popular, nasce do povo. Mesmo que sua origem seja erudita, ele é assimilado e “reconstruído” pelo saber popular. Isso acontece, com muita frequência, na música e na poesia, quando a obra de um determinado autor, ao chegar ao povo, vai sendo “revestida” pela criação popular, ao longo dos tempos. (HORTA, 2000). O problema está na ambiguidade da palavra, pois nesses “usos” trata-se precisamente de reconhecer ações (no sentido militar da palavra) que são a sua formalidade e sua inventividade própria e que organizam em surdina o trabalho de formigas do consumo. (CERTEAU, 1994, p. 93). A cultura popular apresenta também elementos específicos de manifestações artísticas, denominados folclore. 71 Os Entrelaçamentos entre Arte e CulturaCapítulo 3 Delimitar a abrangências das manifestações populares ditas folclóricas torna-se fundamental nos saberes sistematizados. Assim, a tradicionalidade das manifestações populares, com a não autoria, o coletivo, marca de forma significativa a definição do que é o folclore: É a cultura do popular, tornada normativa pela tradição. Compreende técnicas e processos utilitários, além de sua funcionalidade. A mentalidade móbil e plástica torna tradicional os dados recentes, integrando-os na mecânica assimiladora do fenômeno coletivo, como a imóvel enseada da ilusão da permanência estática, embora renovada, na dinâmica das águas vivas. (CASCUDO 2001, p. 240). Nesse sentido, a apropriação da arte erudita pelo povo de maneira dita vulgar ganha um outro sentido quando se reformula o original, conferindo-lhe um olhar particular, um testemunho. Também se entende que as tecnologias e os meios de comunicação têm papel importante na disseminação das criações artísticas, tornando as obras acessíveis. Aquilo que se chama de “vulgarização” ou “degradação” de uma cultura seria então um aspecto, caricaturado e parcial, da revanche que as táticas hostilizadoras tomam do poder dominador da produção. Seja como for, o consumidor não poderia ser identificado ou qualificado conforme os produtos jornalísticos ou comerciais que assimila: entre ele (que deles se serve) e esses produtos (indícios de ”ordem” que lhe é imposta), existe o distanciamento mais ou menos grande do uso que se faz deles. (CERTEAU, 1994, p. 95). Essas questões, trazidas na reflexão do autor, reafirmam a ideia de apropriação, de influência que a cultura, a arte, a cultura popular e o folclore sofrem continuamente, quando de alguma forma se encontram em momentos específicos da história. É certo que não saem desse encontro de forma neutra, cada um carrega consigo um pouco do ritmo e da marca dessa troca. O mais interessante é que cada um conserva suas características, com flexibilidade, porosidade. No que se refere às especificidades do folclore, essas ranhuras tambem acontecem. Curiosamente, essas ações, ainda que praticadas em um pequeno grupo, adquirem uma abrangência universal, à medida que, em suas caraterísticas grupais, elas representem a aplicação, naquela sociedade, de uma prática existente em todo o mundo. Isto se chama universalidade do folclore, que nos permite observar que fatos, ações, manifestações e pensamentos sejam o mesmo em povos de todo o mundo, mesmo que praticados com outras roupagens, palavras e atitudes. (HORTA, 2000). 72 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Nesse sentido, o folclore é liberdade, é ação consciente sem pretensão de verdade. Está disponivel para vivência prática, mas não é imposto, não é regra. Ele se faz presente nos espaços geográficos de cada região como fenômeno universal, mas com linguagem regional. Baseado nessa premissa, Horta (2000) identifica o folclore de cada região do país, somando os fatores geográficos específicos como, por exemplo, na região do Amazonas, a presença do rio Amazonas como fonte rica, que ele chama de “mundão” de aguas e mata, das lendas e mistérios locais. O Amazonas é uma parte do Brasil. Parte de um todo, parte que contêm elementos culturais distintos, específicos. Parte do fenômeno chamado folclore. Figura 20 - Proteção Jurídica Fonte:Disponível em: <http://www.brasilcultura.com.br/antropologia/ voce-sabe-o-que-o-folclore/>. Acesso em: 03 dez. 2011. Atividade de Estudos: 1) Os artistas que participaram da Semana de 22 são figuras importantes que ajudaram a construir a identidade da arte brasileira. São eles: Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Graça Aranha, Manuel Bandeira, Mario de Andrade, Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Villa-Lobos. Escolha um (01) desses personagens e construa um mosaico com informações acerca das atividades intelectuais dele. A atividade se propõe a aprofundar o estudo acerca desses importantes artistas brasileiros. O folclore é liberdade, é ação consciente sem pretensão de verdade. http://www.brasilcultura.com.br/antropologia/voce-sabe-o-que-o-folclore/http://www.brasilcultura.com.br/antropologia/voce-sabe-o-que-o-folclore/ 73 Os Entrelaçamentos entre Arte e CulturaCapítulo 3 ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2) Vamos investigar o folclore em cada região? A região escolhida deve ser aquela em que você nasceu. Faça uma pesquisa e aponte as manifestações folclóricas presente em sua cidade. Você pode reproduzir uma das manifestações existentes, através de imagens, desenhos, histórias, vídeos, esculturas. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 74 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Algumas Considerações Toda sociedade tem em sua cultura a identidade do povo que a constitui. Por isso, valorizar as manifestações culturais, sejam elas oriundas do povo ou mesmo modificadas pelas influências recebidas, é valorizar o caráter histórico da formação de cada grupo social. Os valores são somados e se configuram como autenticadores da formação e das manifestações culturais. Referências CASCUDO, Luiz da Câmara, 1898-1986. Dicionário do folclore brasileiro. 11.ed. São Paulo: Global, 2001. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes do fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. CHAUÍ, Marilena. Conformismo e Resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. 4.ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989. CHILVERS, Ian. Dicionário Oxford de arte. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla; revisão tecnica de Jorge Lucio de Campos. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. GAVAZZONI, A. (Aluísio). Breve história da arte e seus reflexos no Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca da Universidade Estácio de Sá, 1998. HORTA, Carlos Felipe de Melo Marques (coord.). O grande livro do folclore. Belo Horizonte: Editora Leitura, 2000. ZITKOSKI, Jaime José. Paulo Freire & educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. CAPÍTULO 4 Manifestações Artísticas Brasileiras A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 9 Conhecer as múltiplas formas que compõe a obra de arte no que tange a sua estrutura. 9 Distinguir as especificidades da obra como objeto de expressão humana. 9 Entender as diferentes formas de expressão artística como experiência tradicional e pessoal em seus numerosos elementos. 9 Reconhecer as linguagens artísticas dentro de seu contexto. 76 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras 77 Manifestações Artísticas BrasileirasCapítulo 4 Contextualização Neste capítulo, apresentamos as múltiplas formas de compõem a obra de arte em suas também variadas formas estruturais. Nesse sentido, propomos estudar e distinguir as especificidades de cada forma de construir a obra de arte, lembrando sempre que esta será sempre o resultado da experiência pessoal do artista e que vai assumir um lugar na sociedade em que foi pensada e realizada. Manifestação Artística Ao nos reportamos à pintura artística, merecem a devida atenção os elementos que constituem essa ação, ou seja, o desenho, a cor e os suportes de cada obra. É importante reconhecer as mudanças ocorridas na pintura em algum momento da história. A partir delas, percebemos que esses elementos vão estar ausentes ou alterados em seu uso habitual, como, por exemplo, na arte abstrata e no movimento conhecido como Suprematismo, representado por Kazimir Malevitch em sua obra “Quadro branco sobre fundo branco” (1918). Figura 21 - Kasimir Malevich, White on White, 1918 Fonte: Disponível em: <www.christiancapurro.com/archives/ roger_cook_...>. Acesso em: 02 out. 2011. Falando especificamente de arte contemporânea, temos uma discussão ampla ao tratarmos desses elementos, pois a multiplicidade de cores, ou a ausência de cor, formas e suportes utilizados pelos artistas nos desafiam a repensar a pintura artística diante das provocações existentes. Um bom exemplo dessa problemática http://www.christiancapurro.com/archives/roger_cook_site_talk_transcript.php http://www.christiancapurro.com/archives/roger_cook_site_talk_transcript.php 78 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras pode ser conferido na obra da artista cubana Ana Mendieta, que tem suas criações materializadas nas cores da natureza em momento de apropriação, como um disfarce, um camaleão, tal a total integração com o meio onde a criação se revela. Ana Mendieta usa como suporte ou como matriz seu próprio corpo, em uma aproximação com a tradição indígena de pintar o corpo, o que nos provoca a pensar na fronteira artista e obra, o ponto em que a obra e o criador se fundem. Figura 22 - Ana Mendieta Fonte: Disponível em: www.virginiamiller.com/.../AnaMendieta.html>. Acesso em: 02 out. 2011. Figura 23 - Ana Mendieta, Silhueta Works no México Fonte: Disponível em: <www.virginiamiller.com/.../AnaMendieta.html>. Acesso em: 02 out. 2011. http://www.virginiamiller.com/exhibitions/1990s/AnaMendieta.html http://www.virginiamiller.com/exhibitions/1990s/AnaMendieta.html 79 Manifestações Artísticas BrasileirasCapítulo 4 No que se refere à arquitetura, também as mudanças em suas formas permitem e sugerem reflexão. Aqui, cores e formas também se flexibilizam. A ausência da cor se reflete no uso de novos materiais, fruto das conquistas tecnológicas. É normal nos admirarmos diante de uma construção contemporânea que apresenta formas inovadoras ou, no mínimo, diferentes do que estamos acostumados a visualizar. Por exemplo, a obra de Oscar Niemayer, ou os gigantescos edifícios que configuram a arquitetura cosmopolita de centros como Manhattan, em Nova York, Hong Kong, na China, ou mesmo em São Paulo. Nessas construções contemporâneas, vamos nos defrontar com linhas sinuosas, retas, que se cruzam. No elemento cor, encontraremos desde a monocromia, no o uso do alumínio e o vidro, até a justaposição de tons e suas mesclas. No cenário organizacional urbano, temos também as construções mais do que populares, improvisadas, chamadas de favelas. Lá encontraremos uma diversidade gigante em formas de habitar, no que tange aos materiais e as cores. Há favelas coloridas, existem favelas em que prevalece a monocromia. Pintura e elementos da construção arquitetônica se encontram, muitas vezes, como painéis que ficam nas ruas das cidades, em espaços públicos, destinados à função de monumento cultural, além dos muros, que recebem a arte do grafite. Figura 24 - Vista aérea da cidade de São Paulo Fonte: Disponível em: <www.mundook.com.br/?p=2330>. Acesso em: 10 out. 2011. Cores e formas também se flexibilizam. Nessas construçõescontemporâneas, vamos nos defrontar com linhas sinuosas, retas, que se cruzam. No elemento cor, encontraremos desde a monocromia, no o uso do alumínio e o vidro, até a justaposição de tons e suas mesclas. 80 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Figura 25 - Ilha de Manhattan Fonte: Disponível em: Disponível em: <viajeaqui.abril.com.br/ fotos/exterior/nova-yo...>. Acesso em: 10 out. 2011. Figura 26 - Hong Kong. Fonte: Disponível em: <abroadandaway.com/.../>. Acesso em: 10 out. 2011. Figura 27 - Favela Paraisópolis – RJ. Fonte: Disponível em: <https://turismonafavela.wordpress.com/>. Acesso em: 10 out. 2011. 81 Manifestações Artísticas BrasileirasCapítulo 4 A arte brasileira vai ser construída também seguindo mudanças e (re)configurando as influências recebidas. Entendemos que um país tão colorido de alguma maneira vai ter essa riqueza cromática refletida em telas e ruas. Os indígenas usavam a pintura corporal como forma de ritualizar seus desejos ou sentimentos. Utilizavam também cores e formas como adereços em seus espaços de moradia. Com a colonização portuguesa, os padrões foram alterados, tanto na pintura como na forma de viver em sociedade. Essas mudanças são assinaladas com a implantação do maneirismo, seguido pelo barroco, presente na arquitetura e pintura, principalmente. No entanto, a pintura brasileira foi construída com a implantação da Academia Imperial de Belas Artes. Em determinado momento, as mudanças desses padrões estabelecidos foram discutidas, na metade do século XX, na Semana de 1922, que marcou o início do movimento modernista. O “quadro” da pintura brasileira mescla autoria e influências múltiplas no registro do panorama brasileiro por região, dependendo do desenvolvimento dessas áreas, que aos poucos eram povoadas. No nordeste, houve a construção de uma arte brasileira com forte influência holandesa, constituída na proposta do conde Maurício de Nassau: Em 1637, desembarca em Recife, Pernambuco, o conde Maurício de Nassau, nomeado pelos holandeses e financiado pela recém-fundada Companhia das Índias Ocidentais, trazendo os artistas holandeses Frans Post e Albert Eckhhout e mais quatro: o alemão Zacharias Wagner, recrutado entre soldados, por demonstrar enorme talento para o desenho e para a pintura e é citado por Arte no Brasil (em minha opinião, o mais sério e competente trabalho até hoje publicado). (GAVAZZONI, 1998 p.97). Maurício de Nassau realizou uma administração centrada nos conceitos herdados do movimento renascentista da Europa, deixando importante contribuição para o retrato do Brasil Colônia durante os séculos XVI e XVII. No que confere especificamente à pintura e ao desenho, a arte apresenta caráter documental, condizente com a postura investigativa perante a terra nova. O estilo barroco introduzido no Brasil é reflexo principalmente do pensamento artístico vigente em Portugal. Obviamente que o terreno brasileiro não supria os elementos necessários ao desenvolvimento do esplendor do barroco que se refletia na Europa. O que não se pode negar é que este barroco periférico tenha existido de fato, com tal vitalidade que suas manifestações até hoje ressoam na cultura brasileira (grifos nossos). Nem que este vigor se deveu, em grande parte, ao fato de o Barroco, Os indígenas usavam a pintura corporal como forma de ritualizar seus desejos ou sentimentos. No que confere especificamente à pintura e ao desenho, a arte apresenta caráter documental, condizente com a postura investigativa perante a terra nova. 82 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras no Brasil, “ser contemporâneo da restauração e da resistência aos holandeses”, além de exprimir a criatividade popular, até mesmo como resistência à repressão das camadas dominantes. (GAVAZZONI, 1998 p.110 -111). Será de cunho religioso a implantação dos preceitos da arte barroca, revelada principalmente na construção das igrejas e sua ornamentação. A igreja, nesse cenário de construção de identidade, almeja ordenar a moral e os costumes dos habitantes locais, sendo um ponto de referência na construção dos valores dessa sociedade. A mistura de modelos europeus com a livre tendência da arte cabocla (pintura de murais e dos forros das igrejas contrastando com os púlpitos e altares de rigorosa e formal obediência à escola europeia) formou a manifestação mais autêntica da nossa incipiente arte natural. (GAVAZZONI, 1998 p.111). Até hoje, os resquícios da arte barroca são o reflexo das manifestações culturais brasileiras, presentes principalmente nas pinturas e na decoração da arquitetura religiosa, em várias regiões do país. É através das apropriações do estilo barroco feito pelos escultores, entalhadores e pintores brasileiros que a arte brasileira do século XVII se revela, principalmente no campo religioso, no entanto, ”quando os artistas negros esculpiam imagens de Cristo, Santo Antônio e São Jorge, era Oxalá, Ogum e Oxóssi que pretendiam referenciar, e as elites brancas sabiam disto” (GAVAZZONI, 1998 p.111). Imagem 28 - Interior da Igreja e Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, 1717. Fonte: Disponível em: <http://bit.ly/8zkdHqarquiteturadobrasil. wordpress.com/.../>. Acesso em: 02 out. 2011. Será de cunho religioso a implantação dos preceitos da arte barroca, revelada principalmente na construção das igrejas e sua ornamentação. http://bit.ly/8zkdHq http://arquiteturadobrasil.wordpress.com/o-barroco-no-brasil/ http://arquiteturadobrasil.wordpress.com/o-barroco-no-brasil/ 83 Manifestações Artísticas BrasileirasCapítulo 4 Figura 29 - São Marcos. Museu da Inconfidência, Ouro Preto/MG Fonte: Disponível em: <www.morganmotta.com/artigos/01072005.htm>. Acesso em: 03 out. 2011. Figura 30 - Coração de Nossa Senhora. Detalhe do Medalhão do forro da nave de São Francisco da Penitência, Ouro Preto/MG Fonte: Disponível em: <www.morganmotta.com/artigos/01072005.htm>. Acesso em: 03 out. 2011. http://www.morganmotta.com/artigos/01072005.htm http://www.morganmotta.com/artigos/01072005.htm 84 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Figura 31 - Mestre Ataíde. Assunção da Virgem Maria, no teto da igreja de São Francisco de Assis – Ouro Preto – MG Fonte: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Mestre_ Ata%C3%ADde>. Acesso em: 03 out. 2011. Essa “liberdade” de criação teve fim com a padronização artística em todas as linguagens através da implantação da Academia de Belas Artes, que surge em meados do século XIX, trazendo em sua doutrina o academicismo com suas regras: “a colônia de artistas franceses que chegou ao Rio de Janeiro em 1816 veio demarcar uma nova época para a arte brasileira” (GONZAGA, 1995, p.90). E nessas mudanças estão incluídas o abandono do barroco como estilo artístico, reconhecendo o estilo clássico como o ideal a ser seguido aqui no Brasil. O policiamento da escola francesa aqui no Brasil chegou a tal ponto que nem mesmo a grande revolução efetuada na pintura europeia, tendo à frente o romântico Delacroix (1798- 1863) e Gustave Courbet como realista, chegou a influenciar os nossos mais consgrados pintores, todos predispostos a não aceitarem inovação, nem Corot nem Millet conseguiram. O Brasil estava afastado do cenário artístico mundial, vivendo, pode-se até dizer, um período de trevas, em plena era reformista. (GAVAZZONI, 1998 p. 134). Foi no movimento denominado Semana de 1922 que as labaredas de uma mudança significativa na arte brasileira atingiram todas as formas de arte, por A colônia de artistas franceses que chegou ao Rio de Janeiro em 1816 veio demarcar uma nova época para a arte brasileira (GONZAGA, 1995, p.90). http://pt.wikipedia.org/wiki/Mestre_Ata%C3%ADde http://pt.wikipedia.org/wiki/Mestre_Ata%C3%ADde 85 Manifestações Artísticas BrasileirasCapítulo 4 isso essa data é marco importante ao se tratar de arte no Brasil.É como se tivéssemos acordado e nos afastado da masmorra que por tanto tempo nos trouxe cegueira e obediência. Foi um pequeno passo, de fundamental importância para todos os artistas que de alguma maneira entenderam quão liberta é a arte, quantos caminhos podemos trilhar para chegar ao mesmo lugar, e dali encontar novas possibilidades. Essa possibilidade de prazer e diálogo através das manifestações artísticas levou à descoberta das muitas facetas da arte, de sua magnitude. É como se, libertos de uma ditadura de formas, temas e cores, tivessem encontrado outras formas, outras cores. A partir desse momento, já não cabia mais aceitar incondicionalmente o que lhes era imposto, de forma resignada, como na síndrome de “Poliana” (Pollyanna Whittier, menina órfã que aprende a conviver com sua tia “Polly”. Frente às amarguras que a vida lhe oferece, desenvolve “o Jogo do Contente”, que consiste em ver apenas as coisas boas, de qualquer situação. Romance de Eleanor H. Porter escrito em 1923), em um eterno “jogo do contente”, e sim visualizar as inúmeras possibilidades que, junto com a arte, apontam a possibilidade de viver de várias formas artísticas. A Europa, sendo refêrencia, já se mostrava resolvida em busca do não habitual, provocava reflexões acerca da arte na sociedade, das possibilidades de criação em variados suportes, nas linhas inovadoras que pareciam estranhas ao lado da arquitetura centenária, e o Brasil, ao poucos, ousava de forma cautelosa, se apropriando dessas intenções. Nesse sentido, as mudanças, ocorridas de forma lenta no que se refere à pintura e à arquitetura, tomaram cadência no decorrer do tempo, sendo que de alguma forma, ainda hoje, caminhamos em compasso com uma arte que se propõe ao diálogo, mais próxima dos limites da arte popular, em razão das especificidades que cada cultura nos apresenta. Temos, nesse entrelaçamento entre arte, arte popular e cultura, inúmeros representantes que, através de suas pinceladas, sons, imagens e arquitetura, se propuseram de alguma forma a marcar o cenário artístico brasileiro, que não é estanque, e sim de contornos distintos facilmente percebidos. Essas influências são percebidas ao estendermos o olhar, por exemplo, sobre a obra de Di Cavalcanti até a arte popularizada pelos meios de comunicação de massa, considerada por alguns de péssimo gosto, ou popular. Podemo, ainda, observar a arte de Oscar Niemayer, que configura a modernidade arquitetônica brasileira. Essas mudanças são visíveis ao nos defrontarmos com Essas influências são percebidas ao estendermos o olhar, por exemplo, sobre a obra de Di Cavalcanti até a arte popularizada pelos meios de comunicação de massa, considerada por alguns de péssimo gosto, ou popular. 86 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras as construções brasileiras contemporâneas em contraste com as construídas no início de sua colonização. Do maneirismo ao modernismo, é possivel reconhecer as influências recebidas e sua (de)formação na busca da autoria, selo de autenticidade, na organização do espaço arquitetônico de cada região do país, que também se apresentam de forma diferente, de acordo com a cultura local. Figura 32 - Di Cavalcanti. Cinco Moças de Guaratinguetá. Fonte: Disponível em: <www.klickeducacao.com.br/enciclo/encicloverb/...>. Acesso em: 10 out. 2011. Figura 33 - Arte popular. São Gonçalo, madeira, Manoel Graciano (Juazeiro do Norte- CE). Fonte: Disponível em: <artepopularbrasileira.wordpress.com/>. Acesso em: 10 out. 2011. É possivel notar as semelhanças entre as artes plásticas e a arquitetura brasileira, que ocorrem devido às influências recebidas. No rastro das mudanças ocorridas na arte brasileira, podemos apontar alguns nomes que segmentaram as diferenças em cada período. E o século XIX foi o que mais permitiu as novas 87 Manifestações Artísticas BrasileirasCapítulo 4 formas e a junção de estilos na arte brasileira. Tivemos também a presença de temas variados, que trouxeram o cotidiano do povo pintado em telas como, por exemplo, novamente, Di Cavalcanti e sua obra “Samba”, de 1925. Figura 34 - Di Cavalcanti – Samba, 1925 Fonte: Disponível em: <www.investarte.com/.../brasil/ cavalcanti.asp>. Acesso em: 03 out. 2011. Não é só a linguagem artística que se desprendeu das diretrizes artistícas, mas também os artistas voltaram seu olhar para o seu chão, as cores de sua terra. O Núcleo Bernadelli representou essas novas formas artísticas nas figuras de Ado Malagoli, José Pancetti e Edson Motta, em meados dos anos 40. Figura 35 - ADO MALAGOLI (SP, 1908 – RS, 1994): Agonia do templo Fonte: Disponível em: <www.areliquia.com. br/144ranulpho.html>. Acesso em: 03 out. 2011. Não é só a linguagem artística que se desprendeu das diretrizes artistícas, mas também os artistas voltaram seu olhar para o seu chão, as cores de sua terra. http://www.investarte.com/site_new/historia/brasil/cavalcanti.asp http://www.investarte.com/site_new/historia/brasil/cavalcanti.asp http://www.areliquia.com.br/144ranulpho.html http://www.areliquia.com.br/144ranulpho.html 88 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Figura 36 - José Pancetti. Porto, 1941 Fonte: Disponível em: <www.mac.usp.br/.../Ciccillo/JosePancetti.asp>. Acesso em 04 out. 2011. Figura 37 - Afresco pintado pelo artista Edson Motta – Igreja Dores do Turvo Fonte: Disponível em: <www.panoramio.com/user/3891564?with_ photo_id=...>. Acesso em 04 out. 2011. Outro importante movimento que caracterizou as artes plásticas brasileira ocorreu em São Paulo nas obras de Lasar Segall e Antônio Gomide, que fundaram, em 1932, a Sociedade Pró-Arte Moderna. Também amantes da arte moderna, o Grupo Santa Helena deixou importante contribuição aos estudos http://www.mac.usp.br/mac/templates/exposicoes/Ciccillo/JosePancetti.asp http://www.panoramio.com/user/3891564?with_photo_id=40573756 http://www.panoramio.com/user/3891564?with_photo_id=40573756 89 Manifestações Artísticas BrasileirasCapítulo 4 acerca da arte brasileira, entre eles Alfredo Volpi. Nessa mesma década, recém chegado da Europa, Cândido Portinari criou a obra “Café”, de 1934, importante retrato do trabalhador brasileiro. Figura 38 - Cândido Portinari, “Café”, 1934 Fonte: Disponível em: <artefontedeconhecimento.blogspot. com/2010/07/>. Acesso em: 04 out. 2011. O Grupo Santa Helena foi formado em 1930, na cidade de São Paulo, pelos artistas Alfredo Volpi, Fulvio Penacchi, Aldo Bonadei, Alfredo Rizzotti, Mario Zanini, Humberto Rosa, Francisco Rebolo e Manuel Martins. Pintavam nos fins de semana e contribuíram para o questionamento da pintura acadêmica. Já no nordeste brasileiro, a arte moderna tambem ganhou fôlego, em 1944, com a criação da sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP), com a presença de Aldemir Martins, Mário Barata, entre outros. Nessa forma de reflexão, apontando as obras dos artistas que participaram de todo esse processo, nada mais brasileiro do que o legado artístico de Carybé em “Festival das Américas”. 90 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Figura 39 - Aldemir Martins. Marinha Com Coqueiros. Gravura/ 2003 Fonte: Disponível em: <www.espacoarte.com.br/obras/4331-marinha-com-...>. Acesso em: 11 nov.2011. Figura 40 - Mário Barata - Azulenos no Brasil – 1955. Fonte: Disponível em: <mario-barata.blogspot.com/2008/07/ obras-prima...>. Aceso em: 10 nov. 2011. Figura 41 - Carybé – “Rejoicing and Festival of the Americas” Fonte: Disponível em: <pt.wikipedia.org/wiki/Carybé>. Acesso em: 10 nov. 2011. http://www.espacoarte.com.br/obras/4331-marinha-com-coqueiros http://mario-barata.blogspot.com/2008/07/obras-primas-no-museu-nacional-de-belas.html http://mario-barata.blogspot.com/2008/07/obras-primas-no-museu-nacional-de-belas.html http://pt.wikipedia.org/wiki/Caryb%C3%A9 91 Manifestações Artísticas BrasileirasCapítulo 4 A região sul do país tem nas figuras dos paranaenses TheodoroBona e Miguel Bakun o desenrolar da arte moderna e, em Santa Catarina, a arte brasileiríssima de Martinho de Haro. Esses apontamentos históricos referentes à produção brasileira de arte marcam as mudanças de um Brasil que, aos poucos, busca sua identidade através das inúmeras influências recebidas. Notamos que as apropriações de novidades em termos de pintura e arquitetura são feitas de forma cautelosa pelos artistas brasileiros que, de alguma forma, reconhecem as criações da Europa, só que de forma autônoma escolhem como melhor referenciar o mundo que os rodeia. Figura 42 - THEODORO DE BONA - Casal na Paisagem. Óleo sobre tela, ass. dat. 1978 Fonte: Disponível em: < www.bolsadearte.com/.../ novembro2002/mod5.>. Acesso em: 10 nov. 2011. Figura 43 - Miguel Bakun - Floresta Azul Fonte: Disponível em: <kalenaartesplasticas.blogspot. com/2009/07/mig...>. Acesso em: 11 nov. 2011. Esses apontamentos históricos referentes à produção brasileira de arte marcam as mudanças de um Brasil que, aos poucos, busca sua identidade através das inúmeras influências recebidas. http://www.bolsadearte.com/realizados/novembro2002/mod5.htm http://www.bolsadearte.com/realizados/novembro2002/mod5.htm http://kalenaartesplasticas.blogspot.com/2009/07/miguel-bakun-descendente-de-ucranianos.html http://kalenaartesplasticas.blogspot.com/2009/07/miguel-bakun-descendente-de-ucranianos.html 92 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Figura 44 - Martinho de Haro Porto de Belém Fonte: Disponível em: <www.palaciodosleiloes.art.br/.../001- 030A.htm>. Acesso em: 10 nov. 2011. No cenário contemporâneo, a arte brasileira se reconhece como nativa em todas as linguagens em crescente amadurecimento artístico, os artistas estão libertos, como na música dos sambistas Jorge Aragão e Acyr Marques, “Coisa de Pele”: Podemos sorrir, nada mais nos impede Não dá pra fugir, desta coisa de pele Sentida por nós, desatando os nós Sabemos agora, nem tudo que é bom vem de fora. Pensar na pintura brasileira e poder visualizar esse universo gigante e com formas e cores tão diferentes é uma experiência incrível. Da arte performance de Hélio Oiticica, do mundo infantil resgatado por Eli Heill, a simplicidade nas pinceladas de Djanira e Heitor dos Prazeres, falar de arte brasileira e referenciar esses artistas é apenas mostrar um pouco desse universo, que tem outros grandes representantes. Hoje podemos dizer que a arte brasileira ainda recebe influências, mas com um filtro, buscando o bônus para uma arte que aqui já existe. O cenário brasileiro tem sua riqueza, além de sua área territorial, sua gigantesca extensão de matas e rios, o povo mestiço, sim senhor com muito orgulho, e nossa arte se apresenta em sintonia com nossa nação colorida, elegante, gigante. O cenário brasileiro tem sua riqueza, além de sua área territorial, sua gigantesca extensão de matas e rios, o povo mestiço, sim senhor com muito orgulho, e nossa arte se apresenta em sintonia com nossa nação colorida, elegante, gigante. http://www.palaciodosleiloes.art.br/leilao/2008/abril/001-030A.htm http://www.palaciodosleiloes.art.br/leilao/2008/abril/001-030A.htm 93 Manifestações Artísticas BrasileirasCapítulo 4 Figura 45 - Hélio Oiticica – Parangolés. Fonte: Disponível em: <multissenso.blogspot.com/2009/11/ helio-oitici>.Acesso em: 10 nov. 2011. Figura 46 - Eli Heil – O País das maravilhas. Fonte: Disponível em: <cafecigarrosedesordem.blogspot. com/2010/09/o->. Acesso em: 10 nov. 2011. Figura 47 - Djanira Anunciação. Guache, ass. dat. 1963. Fonte: Disponível em : <www.bolsadearte.com/.../djanira_ anunciacao.htm>. Acesso em: 10 nov. 2011. http://www.bolsadearte.com/.../djanira_anunciacao.htm http://www.bolsadearte.com/.../djanira_anunciacao.htm 94 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Figura 48 - Frevo - Heitor dos Prazeres, sem data. Fonte: Disponível em: <www.margs.rs.gov.br/pag_papel_ de_parede.php>. Acesso em: 10 nov. 2011. Ao falarmos dos artistas e de suas obras aqui no Brasil, é interessante lembrar a importância dos eventos artísticos que reuniram vários representantes da arte brasileira em momento de reflexão e exposição dos trabalhos, como as bienais e os espaços permanentes, os museus. Os museus de arte contemplam exemplares das manifestações artísticas dos mais diferentes períodos. Uns se especializaram em algumas técnicas ou em períodos específicos (Museu de Arte Contemporânea), outros apresentam um acervo múltiplo, em que várias técnicas e períodos são representados por exemplares (Museu de Arte de São Paulo), outros se dedicam à produção de um único autor (Museu Lasar Segall). (MATTOS, 2003, p.118). Os museus são os guardiões da produção artística da humanidade e no Brasil não é diferente. A Pinacoteca de São Paulo (1905), com 4 mil peças, se configura como o mais antigo centro de arte brasileira, sendo também referência iconográfica. No nordeste brasileiro temos o Museu de Arte da Bahia (1918) e o MAM (Museu de Arte Moderna, criado na década de 60). O Rio de Janeiro tem seu primeiro museu fundado em 1937 (Museu Nacional de Belas Artes), além do MAM (Museu de Arte Moderna, 1952), em que“entre os intens do acervo podem ser encontradas algumas raridades, como as revistas “O Fan”, “Palcos e Telas” e “Cineart” , além das edições das primeiras décadas do século, com ilustração de Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral (MATTOS, 2003, p.120). Já em São Paulo, o MASP (Museu de Arte de São Paulo, 1947) é referência nacional, tem um vasto acervo, e “mantém pinacoteca, biblioteca, fototeca, filmoteca, vidoeteca, cursos de arte e serviços educativos de apoio às exposições, como exibição de filmes e concertos musicais de interesse artístico e cultural” (ibid). Junto com o Museu de Arte Contemporânea (MAC) e suas 8.000 obras, http://www.margs.rs.gov.br/pag_papel_de_parede.php http://www.margs.rs.gov.br/pag_papel_de_parede.php 95 Manifestações Artísticas BrasileirasCapítulo 4 esses museus são depositários de importante parte da produção artística nacional e internacional em solo brasileiro. Assim como os museus, as Bienais (eventos artístico-culturais que ocorrem a cada dois anos) são importantes espaços de exposição de arte brasileira, estrangeira e arquitetura. Destaque para a Bienal de São Paulo, que reúne em seu espaço artistas de vários lugares do mundo, promovendo o diálogo internacional de arte em um espaço arquitetônico espetacular desenvolvido por Oscar Niemayer. A década situada entre a criação da Bienal de São Paulo, em 1951, e a inauguração de Brasília, em abril de 1960, foi um dos períodos mais férteis da história da arte brasileira neste século. Foi também o período áureo da crítica de arte. Porque simultaneamente à busca de uma linguagem universal, fez-se um esforço extraordinário no sentido de definir uma linguagem própria para as artes visuais, promovendo a autonomia dos meios plásticos e, ao mesmo tempo, a criação de um vocabulário específico para a crítica de arte. (ARRUDA, 2002, p.31). A partir das grandes exposições das bienais, a produção internacional vem para o Brasil e a arte brasileira também se apresenta. A arte atinge um nível de profissionalização, sendo as instituições as responsáveis pela avaliação da qualidade da obra. O crítico assume papel importante, os curadores também atuam de forma significativa no processo que envolve a exposição. Figura 49 - Bienal de São Paulo. Pavilhão Ciccillo Matarazzo. Fonte: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Bienal_Internacional_ de_Arte_de_S%C3%A3o_Paulo>. Acesso em: 04 de out. 2011. A arte atinge um nível de profissionalização, sendo as instituições as responsáveis pela avaliação da qualidade da obra. http://pt.wikipedia.org/wiki/Bienal_Internacional_de_Arte_de_S%C3%A3o_Paulo http://pt.wikipedia.org/wiki/Bienal_Internacional_de_Arte_de_S%C3%A3o_Paulo96 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Foi na segunda Bienal de São Paulo , em 1953, que a importante obra de Pablo Picasso, “Guernica”, veio para o Brasil. No mesmo rastro, com propósitos semelhantes, temos a Bienal do Mercosul, em Porto Alegre – RS, que também se propõe a refletir acerca da arte contemporânea, agregando artistas do mundo. A proposta de reunir a arte contemporânea internacional surge em 1997 e rapidamente se consagra como importante evento artístico da América Latina. Em 2011, de setembro a novembro, ocorre novamente o encontro dos artistas em torno da 8ª Bienal do Mercosul, com o tema “Ensaios de Geopoéticas”. A proposta da curadoria da Bienal é discutir, a partir da arte, a noção de território. A 8ª edição da Bienal do Mercosul - Ensaios de Geopoética, tem como tema o território e sua redefinição crítica a partir de uma perspectiva artística. Reunirá 107 artistas de 34 países que tratam de tópicos relevantes para essa discussão: mapeamento, colonização, fronteira, aduana, alianças transnacionais, construções geopolíticas, localidade, viajantes científicos, nação e política. (8ª Bienal do Mercosul - Projeto, 2011). A arte a brasileira contemporânea, no que se refere ao uso de outros suportes de criação, como as mídias (a fotografia, o vídeo, a performance e a instalação), também tem a diversidade como marca. Os artistas brasileiros, sob influência da nova arte, e as muitas correntes em moda agem de forma a ressignificar temas e materiais usados, muitas vezes utilizando a associação de mídias e materiais. Muitas vezes o processo envolvido na exposição também é incorporado à arte contemporânea como, por exemplo, as pinturas do artista chileno Eugenio Dittborn, que será homenageado na Bienal do Mercosul, em que sua arte fará uma viagem via postal das Cordilheiras dos Andes até Porto Alegre. Os artistas brasileiros, sob influência da nova arte, e as muitas correntes em moda agem de forma a ressignificar temas e materiais usados, muitas vezes utilizando a associação de mídias e materiais. http://www.bienalmercosul.art.br/novo/index.php?option=com_redirect&redirect=12969&Itemid=12967&site=new& 97 Manifestações Artísticas BrasileirasCapítulo 4 Figura 50 - Eugenio Dittborn: Pinturas aeropostales en Viaje Fonte: Disponível em: <http://www.bienalmercosul.art.br/blog/eugenio-dittborn- pinturas-aeropostales-en-viaje/>. Acesso em: 04 de out.de 2011. Nesta vastidão de terra chamada Brasil, grande tambem é a produção artística dos sujeitos que deixaram seu legado e que ainda constroem a arte brasileira, hoje cada vez mais buscando sua autoria e reconhecimento. Atividade de Estudos: 1) Em cada edição da bienal, um tema é cuidadosamente escolhido para orientar a produção dos artistas participantes e promover a reflexão necessária em torno do papel da arte para a sociedade. Escolha uma edição das bienais, pode ser a de São Paulo, ou ainda a do Mercossul, e investigue os fundamentos filosóficos que orientaram a exposição. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ http://www.bienalmercosul.art.br/blog/eugenio-dittborn-pinturas-aeropostales-en-viaje/ http://www.bienalmercosul.art.br/blog/eugenio-dittborn-pinturas-aeropostales-en-viaje/ 98 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Algumas Considerações O texto aqui apresentado se propôs mostrar um pouco do desenvolvimento da pintura brasileira e sua ligação com a arquitetura no que tange às influências desde o momento de sua colonização. Objetivou mostrar a arte brasileira em sua apropriação e apontar e ressignificar a importância dos museus como guardiões da arte nacional e internacional, bem como ressaltar a importância das bienais de São Paulo e a do Mercosul – RS. Referências ARRUDA, Jacqueline. Projeto educação para o século XXI. São Paulo: Moderna, 2002. GAVAZZONI, Aluizio. Breve história da arte e seus reflexos no Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca da Universidade Estácio de Sá, 1998. GONZAGA, Duque. A arte brasileira. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1995. 8ª Bienal do Mercosul – Projeto. Disponível em: http://www.bienalmercosul.art.br/ novo/index.php?option=com_noticia&Itemid=5&id=865 http://www.bienalmercosul.art.br/novo/index.php?option=com_redirect&redirect=12969&Itemid=12967&site=new& http://www.bienalmercosul.art.br/novo/index.php?option=com_noticia&Itemid=5&id=865 http://www.bienalmercosul.art.br/novo/index.php?option=com_noticia&Itemid=5&id=865 CAPÍTULO 5 Os Padrões da Cultura A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 9 Entender a sociedade como permeada por padrões e normas conceituais. 9 Identificar as influências da sociedade na definição da cultura. 9 Compreender o etnocentrismo e suas implicações para a sociedade. 9 Distinguir as influências e medir criticamente as inúmeras mudanças efetivas dos padrões de cultura. 100 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras 101 Os Padrões da CulturaCapítulo 5 Contextualização Neste capitulo, propomos a discussão das variáveis que se fazem presentes na relação cultura e sociedade, em que as influências são recíprocas. A discussão acerca da cultura afrodescendente se faz necessária, visto a composição da sociedade brasileira e sua mescla de etnias. No entanto, a história nos mostra que prevaleceram e ainda prevalecem as orientações de uma cultura europeia, fruto da nossa colonização. As divergências são importantes por provocarem mudanças de paradigma, o que é necessário, mas exige cautela. A Cultura A sociedade brasileira tem em sua cultura as raízes de sua colonização, dos indígenas, negros escravos e europeus. Passados 500 anos, a miscigenação de costumes e valores se remodela no cenário contemporâneo. O Brasil tem em seu território a presença de várias culturas e o que se nota é que as raízes, antes bem definidas, hoje encontram novas influências, como a dos orientais, por exemplo. No entanto, mesmo miscigenada, a cultura, no que tange à sociedade brasileira, se localiza em espaços que a diferem em escala de valor, ou seja, existe a cultura popular e a erudita. Há um duelo entre as esferas que compõem a sociedade, na qual os integrantes da elite ditam as regras do que é de bom gosto e de mau gosto nas manifestações artísticas, sendo que o padrão adotado comparativo é o europeu. Acontece que as normas impostas no campo das artes vão sendo remodeladas com o tempero mais que brasileiro, gerando assim uma arte dita dis(forme) ou popular, fora dos padrões aceitos. A sociedade brasileira, permeada por questões morais, vai aos poucos sendo desenhada ainda nos padrões idealizados. Reflexo deste cenário é a atuação significativa da indústria cultural. Podemosnotar que existe um desejo por parte da indústria cultural de homogeneizar os valores culturais brasileiros dentro de uma perspectiva da sociedade do lucro. Podemos dizer que a sociedade brasileira, no que tange à sua cultura, divide- se em cultura erudita, cultura popular e cultura de massa. Segundo Mattos (2008), a cultura dita erudita está associada à Academia, às Universidades, que abrigam o pequeno grupo de pessoas ditas intelectuais. Já a cultura popular está atrelada A sociedade brasileira, permeada por questões morais, vai aos poucos sendo desenhada ainda nos padrões idealizados. 102 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras diretamente ao povo, tem origem em seus hábitos e costumes. No que se refere à cultura de massa, a autora aponta que esta tem a intenção de utilizar os meios de comunicação para a imposição de ideias, gostos e valores em um projeto de homogeneização. Figura 51 - A Lenda Grega de Narciso Fonte: Disponível em: <http://profjoicebelini.blogspot.com/2010/10/ mitologia-grega.html>. Acesso em: 10 out. 2011. Figura 52 - Arte Popular Fonte: Disponível em: <http://botega.blogspot.com/>. Acesso em: 10 out. 2011. Figura 53 - A TV é o veículo de comunicação da cultura de massa Fonte: Disponível em: <http://blig.ig.com.br/evidencial/2008/12/05/ boas-vindas/>. Acesso em: 10 out. 2011. http://profjoicebelini.blogspot.com/2010/10/mitologia-grega.html http://profjoicebelini.blogspot.com/2010/10/mitologia-grega.html http://botega.blogspot.com/ http://blig.ig.com.br/evidencial/2008/12/05/boas-vindas/ http://blig.ig.com.br/evidencial/2008/12/05/boas-vindas/ 103 Os Padrões da CulturaCapítulo 5 É complexa a relação entre cultura e sociedade, estando entrelaçados valores e intenções de cunho ideológico. A arte, como intenção humana de manifestação, opinião, testemunho de sujeitos que utilizam as várias linguagens artísticas para firmar sua passagem na sociedade de forma crítica, flutua nas esferas de todas as artes. No entanto, é necessário pensar na arte apresentada, tendo a consciência desses valores que a permeiam, seja ela erudita, seja ela popular ou mesmo uma relação entre os signos artísticos presentes na cultura de massa. Nesse campo da cultura brasileira, a questão da identidade, pensada no capítulo II, retorna aqui ao refletirmos sobre o lugar da cultura afrodescendente. É urgente entender a importância da cultura africana para o povo brasileiro, suas manifestações na dança, na religião, na culinária, nas vestimentas, na arte de forma geral, No entanto, nesta parte do caderno, além dos traços iniciais da cultura africana no Brasil, gostaríamos de propor a reflexão sobre qual o espaço concedido à cultura afro hoje, no Brasil do mundo globalizado e intercultural, um país comprometido com a defesa do direito à diversidade. Seria a cultura afro componente da cultura brasileira que conserva suas especificidades, mas que é parte do Brasil como um todo? Ou seria a cultura afro apenas a sombra de determinadas influências que se mesclam nesse país diversificado? Teria a cultura afro um lugar no Brasil? Se a resposta for sim, que lugar é este? De destaque? De sociedade? À margem? A história nos conta qual o lugar do negro no Brasil, primeiro escravo, depois liberto, mas sob algumas condições. É certo que algumas mudanças aconteceram nesses tempos idos e que a cultura afro hoje tem em sua defesa alguns atos, inclusive políticos. Citamos a questão política por entendermos que seja importante que essa esfera da sociedade, de alguma forma, mesmo motivada por interesses, se detenha a organizar o respeito e o reconhecimento de parte da cultura africana em terra também sua, brasileira. O ano de 2011 é dedicado à reflexão em torno dos afrodescendentes no que tange a seus direitos políticos, econômicos, culturais e sociais: “em 18 de dezembro de 2009, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou o ano, começando em 1º. de janeiro de 2011, como o Ano Internacional dos Afrodescendentes (A/RES/64/169).” A partir dessa resolução, É certo que algumas mudanças aconteceram nesses tempos idos e que a cultura afro hoje tem em sua defesa alguns atos, inclusive políticos. 104 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras A representação da UNESCO no país realizou uma série de encontros e debates regionais para lançar a primeira edição em Português da Coleção da UNESCO “História Geral de África” (HGA), que em paralelo foi entregue a 8 mil bibliotecas universitárias e públicas do país e antes, em dezembro de 2010, disponibilizada gratuitamente online ao público em dezembro de 2010, com apoio e financiamento do Ministério da Educação (MEC) e coordenação técnica da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Além de debates e mesas- redondas, programação cultural, atividades relacionadas à tradição afro-brasileira e integração com movimentos sociais também fizeram parte dos eventos. (UNESCO, 2011). Reconhecer o lugar do negro na cultura brasileira é tarefa árdua a ser desenvolvida por todos. Esta discussão em torno da cultura afro no Brasil e também na América começa pela sua forma primeira de estar aqui: como manifestação do povo escravo. A partir de 1570, a resistência dos aborígenes, as epidemias que golpeavam duramente uma população que nunca havia sido muito densa, a legislação contra a escravidão indígena, reduziram tanto a disponibilidade quanto a rentabilidade da mão de obra índia. (CARDOSO, 1982, p. 55). O comércio marítimo entre os países da Europa incentivou o comércio de mão-de-obra barata, fundamental para o desenvolvimento das plantações e da exploração das riquezas regionais. O desenvolvimento da América está associado a esse processo de troca de riquezas entre as nações colonizadoras e o desenvolvimento das novas terras, e “a etapa que se estende de meados do século XVII até 1791 pode ser considerada como o auge da escravidão negra nas Américas” (CARDOSO, 1982, p. 55). A exploração do solo brasileiro através do braço forte do negro africano inicia a busca do ouro, seguida pelas plantações. Não pretendemos nos alongar nos aspectos históricos da escravidão no Brasil. Apenas consideramos importante pontuar as diferenças entre a cultura brasileira e sua relação com os africanos. Cardoso (1982) discute essas questões usando termos como “sociedades africanas”, “sociedades negras”, “mundo dos brancos” e “mundo dos negros”. O confronto do africano com a nova terra resulta, segundo o autor, no surgimento de comunidades negras,das quais o branco é retirado, mantido do lado de fora, mas que também não podem ser denominadas africanas, visto que sua aculturação tira parcialmente sua identidade. No Brasil não obterá personalidade juridica; mas psicologicamente deverá forjar-se uma nova personalidade, sem a qual não poderá sobreviver: Isto ocorre pela inserção O comércio marítimo entre os países da Europa incentivou o comércio de mão- de-obra barata, fundamental para o desenvolvimento das plantações e da exploração das riquezas regionais. 105 Os Padrões da CulturaCapítulo 5 simultânea na sociedade dominada pelo modelo dos brancos, e na sociedade dos negros, ainda inspirada por modelos africanos. A adaptação que transforma o cativo em escravo no sentido exato da palavra supõe uma aprendizagem linguística, religiosa e através do trabalho, sendo que em todos os casos aparecerá a dualidade “mundo dos brancos”/ “mundo dos negros”. (CARDOSO, 1982, p.55). Essa dualidade da qual trata o autor se reflete também hoje nos descendentes que nascem em terra brasileira. Nesse sentido, a reflexão em torno da cultura afrodescendente exige pensar no desenvolvimento da história e da ação dos afrodescendentes, questionando assim esse lugar em solo brasileiro. Das regiões brasileiras, será na Bahia que a cultura africana terá maior espaço, onde a arte, a religião, a culinária serão preservadase posteriormente desenvolvidas com suas influências. Figura 54 - Os tambores do Olodum da Bahia – Influência Africana Fonte: Disponível em: <http://www.dendecultural.com.br/2011/02/ ensaio-do-olodum.html>. Acesso em: 10 out. 2011. Na linha do desenvolimento da música e da dança, a capoeira como manifestação artística cultural também é fortemente desenvolvida na Bahia, sendo até considerada referência. Assim como samba no Rio de Janeiro, que traz a influência da cultura afro. Na linha do desenvolimento da música e da dança, a capoeira como manifestação artística cultural também é fortemente desenvolvida na Bahia, sendo até considerada referência. Assim como samba no Rio de Janeiro, que traz a influência da cultura afro. 106 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras O Entre-Lugar da Cultura Africana no Brasil Quando se fala em cultura afro-brasileira, uma pergunta sempre vem à tona: o samba é brasileiro ou africano? E a resposta pode parecer simples ou complexa ao mesmo tempo, tudo depende de como se interpreta os elementos históricos, responsáveis pela formação da cultura e da identidade do brasileiro. O correto seria falar em hibridismo cultural e assim resolver essa discussão. Para tanto, é importante fazer um resgate histórico da chegada dos portugueses e dos negros escravos ao Brasil e analisar como essa junção de etnias ocorreu entre eles e os povos indígenas, que já habitavam essas terras. As primeiras caravelas portuguesas ancoraram em terras – que se denominariam mais tarde brasileiras – por volta de 1500. Trinta e dois anos mais tarde, Martim Afonso de Souza criou o primeiro centro produtor de açúcar, que se chamou Vila de São Vicente (hoje estado de São Paulo). Para tocar o trabalho de produção, foi necessária uma mão de obra especializada, ou seja, que conhecesse o cultivo da cana e, então, em 1550, desembarcam em Salvador, Bahia, os primeiros africanos escravizados, destinados ao trabalho nos engenhos de cana-de-açúcar do Nordeste e também na Vila de São Vicente. O número de engenhos nordestinos duplicou a partir de 1630 e, nesse período, tropas de holandeses desembarcaram em Pernambuco, trazendo escravos provenientes de terras angolanas, que foram retirados de sua terra natal para serem direcionados ao trabalho escravo nas lavouras brasileiras. Essa primeira fase do domínio holandês é marcada por guerras cruéis e por deslocamento forçado de negros, por intermédio de portugueses, para o sul do País. Enfim, o negro experimentou as piores condições de vida neste processo de trabalho escravo e nem mesmo com a abolição desse sistema escravagista a situação melhorou. Porque a estratégia do colonialismo foi a de destruir a autoestima do colonizado e, principalmente, do escravizado, incutindo nele o complexo da inferioridade, para o qual a única alternativa era reproduzir o modelo ditado pelo colonizador. Isso se daria também nas questões culturais. Ou melhor: a tentativa ocorreu, mas não chegou a se concretizar, porque os negros conseguiram resistir e mantiveram vivas suas manifestações culturais, bem como as ritualísticas e religiosas, por intermédio do sincretismo. O número de engenhos nordestinos duplicou a partir de 1630 e, nesse período, tropas de holandeses desembarcaram em Pernambuco, trazendo escravos provenientes de terras angolanas, que foram retirados de sua terra natal para serem direcionados ao trabalho escravo nas lavouras brasileiras. 107 Os Padrões da CulturaCapítulo 5 Por isso, quando se fala sobre as origens africanas do samba, recorre-se ao cronista baiano Francisco Guimarães (Vagalume), que explica o vocábulo como sendo dois verbos da língua dos nagôs, o ioruba: san, pagar, e gbá, receber . Depois de Vagalume, muito se tentou explicar sobre a origem da palavra, inclusive que teria uma procedência indígena. No entanto, Nei Lopes , sambista e pesquisador da cultura negra brasileira, ressalta que o vocábulo é, sem dúvida, africaníssimo, legitimamente banto e não iorubano. Samba, entre os quiocos (chokwe) de Angola, é verbo que significa cabriolar, brincar, divertir- se como cabrito. Entre os bacongos angolanos e congueses, o vocábulo designa uma espécie de dança em que um dançarino bate contra o peito do outro. E essas duas formas se originam da raiz multilinguística semba – rejeitar, separar, que deu origem ao quimbundo di-semba, umbigada –, elemento coreográfico fundamental do samba rural, em seu amplo leque de variantes, que inclui, entre outras formas, as danças conhecidas como batuque baiano, coco, calango, lundu, jongo etc. (Lopes, 2003, p 14). Aliás, o nome samba, como destaca ainda Nei Lopes, designava uma das danças populares brasileiras derivadas do batuque africano. Atualmente, é mais aplicado ao gênero de música, canção e dança que se tornou um dos símbolos da nacionalidade brasileira. Há de se entender o samba também a partir de critério geográfico. Ou seja, primeiro em sua feição rural, à base de pergunta (solo curto) e resposta (refrão forte), quase sempre dançado numa roda e mantendo como elemento característico a umbigada ou uma simulação dela. A Umbigada é uma dança em roda em que, em determinado momento, os dançarinos encostam a barriga leve e rapidamente um ao outro. Depois o samba ganhou uma feição urbana no Rio de Janeiro, antiga capital federal, nas primeiras décadas de 1900. Veja um vídeo sobre a Umbigada e conheça um pouco mais sobre essa dança. http://www.youtube.com/watch?v=w_dIcxOd_w8&feature=related O samba moldado no ambiente urbano do Rio de Janeiro sofreu modificações estruturais que se processam até hoje. Ao contrário do samba rural – em que as Samba, entre os quiocos (chokwe) de Angola, é verbo que significa cabriolar, brincar, divertir-se como cabrito. Entre os bacongos angolanos e congueses, o vocábulo designa uma espécie de dança em que um dançarino bate contra o peito do outro. 108 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras variações de denominação dependem da questão geográfica, o samba urbano sofre interferências de toda ordem e cria novas formas, umas eternas, outras passageiras, mas todas transformando a velha matriz, muitas vezes contribuindo para tornar quase imperceptíveis as raízes africanas do gênero. Nei Lopes (1993) lembra que os batuques festivos originários de Angola e do Congo certamente já se achavam no Brasil havia muito tempo. No século XIX eles já tinham moldado a fisionomia do samba rural, fazendo surgir o lundu, tocado e dançado. Aluísio de Azevedo faz referência a esse ritmo em “O Cortiço” num trecho em que descreve uma reunião festiva na casa da personagem Rita Baiana. Esse lundu ao qual se refere o escritor foi certamente um ancestral próximo do samba cantado, originário das toadas dos batuques de Angola e do Congo. A estrofe improvisada, acompanhada de refrão coral fixo em resposta, é característica estrutural de origem africana com ascensão na música afro- brasileira. Tanto elas quanto a coreografia revelam, no antigo samba dos morros do Rio, a permanência de afinidades básicas com o samba rural, expandido por boa parte do território nacional. No Rio de Janeiro, a modalidade mais tradicional do samba é o partido-alto, um samba cantado em forma de desafio por dois ou mais participantes e que se compõe de uma parte com coral e outra solada. Essa modalidade tem raízes profundas nas canções do batuque angolano, em que as letras são sempre improvisadas e consistem geralmente na narrativa de episódios amorosos, sobrenaturais ou de façanhas guerreiras. (LOPES, 1993, p.24). André Diniz (2008) resume tudo isso dizendo que a música popular urbana brasileira é resultado da confluência cultural de três etnias: o índio, o branco e o negro. É deles a herança de todo o instrumental, o sistema harmônico,os cantos e as danças. Diniz chega à mesma conclusão de Nei Lopes, ou seja: a música urbana, e, portanto, o samba, surge no início do século XIX, nos principais centros da colônia, notadamente Rio de Janeiro e Bahia. Essa música é “entoada por pessoas que cantavam modinhas e lundus ao violão, ao piano ou acompanhadas por grupos instrumentais” (DINIZ, 2008, p 20). Diante dessas análises, fica evidente que o samba é brasileiro e com forte influência africana. No Rio de Janeiro, a modalidade mais tradicional do samba é o partido-alto, um samba cantado em forma de desafio por dois ou mais participantes e que se compõe de uma parte com coral e outra solada. 109 Os Padrões da CulturaCapítulo 5 Dica de leitura: O Cortiço, de Aluísio de Azevedo. Figura 55 - O cortiço, Aluísio de Azevedo Fonte: <http://leituraveloz.blogspot.com/2011/06/o-cortico-do- grande-autor-brasileiro.html>. Acesso em: 10 out. 2011. Outra manifestação artistica importante é o carnaval, destacando novamente o Rio de Janeiro, onde os desfiles de carnaval, sob o rosto da preservação cultural, são transformados em espetáculo, rendendo fortunas, atraindo turistas do mundo inteiro. No mesmo segmento, a cultura da Bahia faz parte da rota turística que movimenta a economia do país. Independente dessas questões econômicas, pensar no afrodescendente, sendo branco ou não, e no seu lugar (voltando à discussão inicial) nesta terra que é também sua, é algo que está atrelado às questões de alteridade e identidade (discutidas no capítulo II), negando a atitude etnocêntrica que ainda prevalece em nossa sociedade. Etnocentrismo De onde vejo o outro? Quais são os parâmetros adotados em meu julgamento acerca dos valores morais, das manifestações artísticas e culturais do outro? Com se organiza a sociedade em torno das diferenças dos sujeitos que a compõem? E o outro, como ele me vê? Será que as pessoas me veem como eu sou, e suas opiniões estão afinadas com o meu autojulgamento? Outra manifestação artistica importante é o carnaval, destacando novamente o Rio de Janeiro, onde os desfiles de carnaval, sob o rosto da preservação cultural, são transformados em espetáculo, rendendo fortunas, atraindo turistas do mundo inteiro. http://leituraveloz.blogspot.com/2011/06/o-cortico-do-grande-autor-brasileiro.html http://leituraveloz.blogspot.com/2011/06/o-cortico-do-grande-autor-brasileiro.html 110 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Como podemos nos entender (...), se nas palavras que digo coloco o sentido e o valor das coisas como se encontram dentro de mim; enquanto quem as escuta inevitavelmente as assume com o sentido e o valor que têm para si, do mundo que têm dentro de si? (PIRANDELLO, s,p., 2011). A questão da identidade e dos múltiplos olhares acerca da constituição dos sujeitos, no que tange tanto à sua aparência quanto a sua personalidade e moral, é discutida além das teorias freudianas no romance do italiano Luigi Pirandello, que traz o título “Um, Nenhum e Cem mil”. De repente o personagem principal de Pirandello se vê frente às muitas faces construídas a partir de sua personalidade pelas pessoas que com as quais convive, afetando também a sua aparência física, até então entendida como um consenso com o espelho. O reflexo de sua aparência começa a não ser mais de comum acordo, cada um de seu meio social tem uma forma de ver e julgar determinadas particularidades de sua aparência, o que provoca no personagem momentos de indignação por discordar de muitas delas. Trago a referência do livro para refletirmos sobre a forma como olhamos o outro, a cultura do outro. Será que nosso olhar corresponde de fato ao fenômeno observado, ou seria prudente assumirmos que nosso pensamento acerca de determinadas culturas se configura como possível, mas não como sendo o único? Nossa base empírica e teórica forma nossa visão de mundo, mas deve ser constantemente avaliada a fim de não desenvolvermos atitude etnocêntrica. O etnocentrismo consiste em privilegiar um universo de representações propondo-o como modelo e reduzindo à insignificância os demais universos e culturas “diferentes”. De fato, trata-se de uma violência que, historicamente, não só se concretizou por meio da violência física contida nas diversas formas de colonialismos, mas, sobretudo, disfarçadamente, por meio daquilo que Pierre Bourdieu chama “violência simbólica”, que é o “colonialismo cognitivo” na antropologia de De Martino. (CARVALHO, 1997 p.181, grifo do autor). O etnocentrismo se configura como uma postura construída acerca dos valores morais e culturais diante da sociedade. Como sujeitos construídos pelo contexto em que nos desenvolvemos, ter um olhar etnocêntrico, em que nossos valores são parâmetro utilizado no julgamento do outro, é considerado reflexo de nossa educação. No entanto, frente às barbáries cometidas por nações com atitudes etnocêntricas, essa forma única de olhar a cultura do outro é banida do projeto de igualdade étnico racial. Subjugar as culturas que se apresentam diferentes daquela em que nos constituímos é uma atitude que não cabe mais no mundo globalizado. O reflexo de sua aparência começa a não ser mais de comum acordo, cada um de seu meio social tem uma forma de ver e julgar determinadas particularidades de sua aparência, o que provoca no personagem momentos de indignação por discordar de muitas delas. O etnocentrismo se configura como uma postura construída acerca dos valores morais e culturais diante da sociedade. 111 Os Padrões da CulturaCapítulo 5 Como nos livrarmos da prática cotidiana de julgamento do outro? Figura 56 - René Magritte, Golconde, 1953 Fonte: Disponível em: http://www.imaginariopoetico.com.br/luigi- pirandello-um-nenhum-e-cem-mil/. Acesso em: 10 out. 2011. Desastres humanos, em que vidas são subtraídas por alguns de forma violenta, baseados em justificativas de não aceitação de cultura do outro, são reflexo de atitudes etnocêntricas. O etnocentrismo origina e tem origem na “heterofobia” (o Outro - em suas diversas formas: primitivo, selvagem, louco, imaturo, homossexual, “homens de cor”, crianças problemáticas, fascistas, baderneiros, “hippies”, “mulheres de vida fácil”, hereges etc) constitui “perigo” que deve ser exterminado. (CARDOSO, 1982, p. 182, grifos do autor). A violência se configura no ato de remover o outro do espaço em que vive, pois suas ações não estão de acordo com o que se acredita e tolera. No início da colonização do Brasil, o índio foi o outro a ser eliminado, a ser privado do direito de viver e de se manifestar através de suas práticas culturais. O negro também tem sua cultura sufocada perante a implantação da cultura europeia. A violência se configura no ato de remover o outro do espaço em que vive, pois suas ações não estão de acordo com o que se acredita e tolera. No início da colonização do Brasil, o índio foi o outro a ser eliminado, a ser privado do direito de viver e de se manifestar através de suas práticas culturais. http://www.imaginariopoetico.com.br/luigi-pirandello-um-nenhum-e-cem-mil/ http://www.imaginariopoetico.com.br/luigi-pirandello-um-nenhum-e-cem-mil/ 112 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Durante o século XIX, os missionários cristãos na África e nas ilhas do Pacífico forçaram várias tribos nativas a mudar os seus padrões de comportamento. Chocados com a nudez pública, a poligamia e o trabalho no dia do Senhor, decidiram, paternalistas, reformar o modo de vida dos “pagãos”. Proibiram os homens de ter mais de uma mulher, instituíram o sábado como dia de descanso e vestiram toda a gente. Estas alterações culturais, impostas a pessoas que dificilmente compreendiam a nova religião, mas que tinham de se submeter ao poder do homem branco, revelaram-se, em muitos casos,nocivas: criaram mal- estar social, desespero entre as mulheres e orfandade entre as crianças. (RODRIGUES, 2003). As posturas etnocêntricas se manifestam em vários setores da sociedade, em várias partes do mundo, por cidadãos que têm ideologias extremistas. Neste ano de 2011, o Brasil foi criticado por ser um país que comporta variadas culturas e a miscigenação entre raças na carta “An European Declaration of Independence - 2083” (Uma declaração de Independência Europeia - 2083), do atirador da Noruega Anders Behring Breivik, acusado de atitude terrorista pelo massacre de 76 estudantes em um acampamento de jovens na ilha de Utoya, próximo a Oslo, na Noruega. Insanamente e com o discurso do preconceito em relação à America Latina, Breivik se refere ao Brasil como um pais “disfuncional” em sua carta divulgada na internet. A razão da nossa preocupação e oposição deve-se ao fato de que a imigração massiva, a mistura racial e a adoção por não europeus são ameaça à unidade da nossa tribo (...). Primeiramente, um país que tem culturas competitivas vai se dilacerar ou vai acabar como um país disfuncional, como o Brasil e outros países”. (Do UOL Notícias Em São Paulo , 2011). A matéria publicada na página da internet, que traz trechos da carta do assassino com referências ao país, evidencia que a violência em terra brasileira é atribuída à miscigenação, e que a superação destes conflitos e a busca para a melhoria deve levar em conta a educação, o livre mercado de políticas nacionalistas, o resguardo de uma etnia homogênea e eliminação da presença do islamismo. No caso citado, o assassino confesso tem a sua cultura, sua raça, sua cor como padrão moral a ser seguido por todos, justificando assim a barbárie cometida contra os que são diferentes. Aqui, o processo de eliminar a cultura alheia chegou ao extremo da violência em pleno século XXI, em um cenário economicamente globalizado, em um mundo apresentado como comprometido com a interculturalidade. O que notamos é que o projeto europeu de um mundo povoado por sua raça, considerada superior, ainda permanece na mente de muitos cidadãos. 113 Os Padrões da CulturaCapítulo 5 Se, no início das conquistas territoriais, a América foi o alvo desse projeto, que vai além da aculturação, em que os habitantes que aqui já estavam, tiveram seus rastros culturais apagados pela violência e pelos costumes e ideologias impostas, hoje não é diferente. Obviamente que atitudes violentas como da praticada na Noruega chocam o mundo devido à incompreensão da atitude extrema do atirador. No entanto, esse acontecimento tem rastro na história, em que a tolerância predominou e ainda hoje predomina. Assim, olhar as peculiaridades do outro, como a forma de se vestir, de se divertir, hábitos que envolvem alimentação, danças, crenças, arte e artesanato, cultura local e global, com respeito perante atitudes a priori estranhas para ambos, é fundamental em um mundo que comporta tantas diferenças. Longe de exaltar o relativismo de nível moral acerca das questões de cultura, o que vale é o cultivo da igualdade de direito, de respeito a toda vida humana. É tarefa difícil sim, em um mundo individualista, egoísta, rodeado por ideologias que subjugam qualquer um, prevalecendo a busca do lucro e do poder. A dominação do outro é histórica, começou com a disputa dos conquistadores de terra e riquezas e, por seu caráter histórico, é passível de mudanças por todos os sujeitos que, constituídos pela sociedade em que vivem, têm a capacidade de provocar mudanças. Segundo Husserl, o conceito primário de relativismo (epistemológico) é definido pela fórmula de Protágoras: “o homem é a medida de todas as coisas” (...). Alguns autores consideram que, no nível epistemológico, o relativismo brota de uma atitude cética e, no nível moral, de uma atitude cínica. (MORA, 2001 p. 629). O projeto europeu de um mundo povoado por sua raça, considerada superior, ainda permanece na mente de muitos cidadãos. 114 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras O filme problematiza as questões étnico-raciais. Figura 57 - Filme Crash Fonte: Disponível em: <http://www.urutagua.uem.br/013/13lourenco.htm>. Acesso em: 10 out. 2011. Atividade de Estudos: 1) Com o objetivo de investigar as heranças culturais em nossos hábitos alimentares, construa um cardápio baseado em uma semana de alimentação e investigue a origem dos alimentos mais consumidos. O objetivo da atividade é revelar a herança cultural que ordena sua alimentação. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ http://www.urutagua.uem.br/013/13lourenco.htm 115 Os Padrões da CulturaCapítulo 5 Visite o Museu Afro Brasil: artes plásticas. A viagem vale a pena! Acesse: http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica Algumas Considerações É urgente a discussão para que haja a mudança de posturas discriminatórias que subjugam qualquer ser humano. O planeta é habitado por seres diferentes, com sociedades e culturas distintas. No entanto, conviver é preciso e nos resta encontrar a melhor forma de dividir cada espaço compartilhado. Tarefa difícil, mas possível. Nesse sentido, estudar a arte e sua ligação com a cultura e a sociedade contribui para o pensar acerca das diferenças existentes em nosso meio social. Referências An European Declaration of Independence - 2083” (Uma declaração de Independência Europeia - 2083). Do UOL Notícias Em São Paulo. Disponível em http://www.uol.com.br/. Acesso em 03 de setembro de 2011. Ano Internacional dos Afrodescendentes (A/RES/64/169). Disponivel em: http:// www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/international_ year_for_people_of_african_descent/. 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Ter a definição clara desses conceitos e trabalhar em uma prática pedagógica que proporcione aos alunos discutir e refletir sobre a sua cultura e transcendê-la é um dos pontos chave no ensino de artes nos dias atuais. A interculturalidade é tema em destaque nas discussões das políticas públicas. Neste capítulo, vamos investigar a noção central da interculturalidade e como ela se desenvolve na cultura brasileira, que apresenta elementos importantes que podem contribuir para uma educação que objetiva a igualdade social e a preservação das diferenças culturais. A Cultura e a Educação “Cada um tem o seu tempero” Na discussão de questões que envolvem práticas voltadas para interculturalidade no cenário brasileiro, a arte se configura como um campo de conhecimento que se desenvolve em terreno fértil. O Brasil é intercultural por excelência, suas raízes colonizadoras resultaram em uma diversidade em termos amplos na sociedade, como etnia e cultura. Resta investigar como ações políticas e educacionais assumem a interculturalidade. O avanço tecnológico nos permite entrar em contato com a cultura de outros povos, mesmo que de forma virtual. As especificidades culturais estão acessíveis a todos os que se interessarem em saber sobre a diversidade dos povos. Mesmo estando a milhares de quilômetros dessas culturas, podemos de alguma forma espiar o que é específico de cada lugar. Obviamente, esse conhecimento é superficial, resumido apenas em algumas informações. No entanto, essa prévia, esse breve olhar sobre cultura alheia através do universo virtual prepara nossa curiosidade acerca das especificidades culturais. Espiando o outro, nos conectamos a informações que nos interessam e, no caso da cultura popular e da arte, muito do que sabemos acerca das práticas culturais está ligado à representação social de cada região, ou ainda, ao que os meios de comunicação de massa elegem como fatores representativos de cada sociedade. Existe nos meios de divulgação digital um termo denominado “curiosidades de”, em que podemos encontrar inúmeras particularidades de diferentes regiões. 120 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Que tal buscar em sites da internet e conhecer um pouco sobre o trabalho do artista Fernando Bottero e do escritor Gabriel Garcia Márquez? Vale a pena conferir. Por exemplo, podemos saber que a Colômbia, lugar também das pinturas de Bottero e da literatura de Garcia Márquez, tem uma prática curiosa em sua culinária: saborear formigas fritas. Essa prática é estranha ao paladar brasileiro, mesmo sendo conhecida em nosso país, no Amazonas. Em alguma parte do oriente, por exemplo, no Japão, as noivas casam de vestido vermelho e o luto é representado pela cor branca. As distâncias geográficas entre as várias partes do mundo não impedem que as práticas culturais e artísticas cheguem a variados territórios, acompanhando o deslocamento do homem sobre a terra. Foi assim com as gravuras chinesas que cruzaram o oceano e contribuíram de forma significativa com o processo de comunicação humana através de imagens e textos. Também as esculturas africanas cruzam a fronteira e influenciam a arte da Europa através de Pablo Picasso. Figura 58 - Escultura da tribo Makonde, da África Oriental, 1974. Arte Africana: influência de Pablo Picasso Fonte: Disponível em: <http://wwwpoetanarquista.blogspot. com/2010/10/arte-dafrica.html>. Acesso em: 08 dez. 2011. Aliás, as particularidades culturais entre continentes são também questões de discussão acirrada no que diz respeito ao universo cultural vasto, assim como as diferenças existentes nos territórios do próprio espaço ocidental. http://pt.wikipedia.org/wiki/Makonde http://pt.wikipedia.org/wiki/1974 http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Makonde_elephant.jpg 121 Cultura Brasileira e EducaçãoCapítulo 6 Figura 59 - Fernando Bottero - Monalisa aos 12 anos Fonte: Disponível em: <http://www.panoramio.com/ photo/6738601>. Acesso em: 15 set. 2011. Figura 60 - Gravura japonesa e matriz - Xilogravura Fonte: Disponível em: <http://www.museu.gulbenkian.pt/exposicoes/mundos_sonho/ gravura.asp?num=1&page=gravura&lang=pt&coord=40>. Acesso em: 15 set. 2011. Historiadores apontam a influência das máscaras africanas na obra do artista espanhol. Figura 61 - “Les Demoiselles d’Avignon” - Pablo Picasso Fonte: Disponível em: <http://www.thecityreview.com/ matpic.html>. Acesso em: 15 set. 2011. http://static.panoramio.com/photos/original/6738601.jpg http://www.panoramio.com/photo/6738601 http://www.panoramio.com/photo/6738601 http://www.museu.gulbenkian.pt/exposicoes/mundos_sonho/gravura.asp?num=1&page=gravura&lang=pt&coord=40 http://www.museu.gulbenkian.pt/exposicoes/mundos_sonho/gravura.asp?num=1&page=gravura&lang=pt&coord=40 http://www.thecityreview.com/matpic.html http://www.thecityreview.com/matpic.html 122 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras No que se remete ao Brasil e a sua representação no cenário mundial, podemos citar os elementos culturais que foram eleitos como representativos do país verde e amarelo. Os meios de comunicação revelam o Brasil como o país do futebol, do carnaval, da alegria e do prazer, ou ainda da violência, do primitivismo. Esse retrato brasileiro que ainda persiste tem suas raízes nas políticas culturais que se apropriam dos elementos populares brasileiros e com eles traçam o perfil do país para aqueles que não vivem por aqui. Carmen Miranda, com músicas como “O que é que a baiana tem?”, “No tabuleiro da baiana” e “South American Way”, foi o ponto de partida de uma conhecida identidade brasileira, o estereótipo do Brasil de terra do carnaval e do samba, da beleza e da dança. Depois dela, outros personagens fortificaram essa ideia, Zé Carioca, a Bossa Nova, e grandes músicos da MPB consagraram a imagem que qualquer um lembra quando nos referimos ao povo brasileiro. (JORWIK, 2010, s.p.). A pequena notável que, com suas músicas e dança, inicia a representação do país como uma terra alegre, colorida, vende a imagem que até hoje prevalece. Falar de Carmem Miranda é falar de um Brasil encenado. Ao se referir às cenas do fime de Zé Carioca no Brasil, o autor chama a atenção para o enfoque branco do filme, e lembra que o cenário do filme é Salvador, sendo que a ausência dos negros na representação do Brasil baiano configura uma falsidade em torno de uma imagem idealizada. A representação continua até hoje: Atualmente, no exterior, quando pensam em se referir ao Brasil, essa identidade vem à tona, como é o caso de uma propaganda de café brasileiro veiculada em Israel, nela, um homem israelense está no avião,quando a aeromoça lhe oferece café, ele pensa sobre o assunto e começa a dizer: “Eu quero café com sabor, café inteligente, café com personalidade, café com aroma, que se pode tocar nele, senti-lo, café com açúcar. EU QUERO CAFÉ BRASILEIRO”. Neste momento da propaganda o rapaz salta do avião de paraquedas e chega a Salvador, lá encontra uma paisagem maravilhosa, com um povo animado e receptivo, festejando em clima de carnaval. (JORWIK, 2010, s.p.). Nesta linha de pensamento, da construção de identidade brasileira pelos meios de comunicação de massa, com interesses políticos de divulgação internacional, a apropriação da cultura popular para a representação de uma imagem brasileira é de certa maneira escandalosa, porque segrega valores em detrimento de certos interesses de pessoas que manipulam o que deveria ser de comum acordo entre o povo que compõe o território brasileiro. São falas parciais acerca de um discurso bem mais extenso e entrelaçado a várias questões de Os meios de comunicação revelam o Brasil como o país do futebol, do carnaval, da alegria e do prazer, ou ainda da violência, do primitivismo. São falas parciais acerca de um discurso bem mais extenso e entrelaçado a várias questões de valores humanos. São as imagens de um mesmo Brasil, entre elas a situação de sobrevivência da classe menos favorecida. 123 Cultura Brasileira e EducaçãoCapítulo 6 valores humanos. São as imagens de um mesmo Brasil, entre elas a situação de sobrevivência da classe menos favorecida. A construção dessa imagem vem de produções nacionais, e geraram repercurssões mundiais. Filmes brasileiros que se tornaram famosos no mundo inteiro, como “Cidade de Deus”, “Carandiru” e “Ônibus 174” retratam favelas e o mundo do crime. A grandiosidade desses filmes no exterior fez com que muitos enxergassem o Brasil apenas sob este prisma, dessa forma muitos estrangeiros acreditam que no Brasil e em suas favelas existam tiroteios, assaltos e roubos a todo momento. (JORWIK, 2010, s.p.). Os desafios na área de segurança pública, no combate às drogas e à violência também são temas explorados em filmes nacionais com repercussão internacional, como no caso do filme “Tropa de Elite”. Quem lá de longe assiste a esse filme, ou mesmo ao exagerado “Turistas”, rodado no Brasil, constrói que imagem de nosso país? Outro filme importante no que tange à construção da imagem do Brasil é “Velozes e Furiosos 5: Operação Rio”. Protagonizado por Vin Diesel, o filme, que está em sua quinta versão, é uma produção de Hollywood com recorde de público, rodeado por tiros, ação e adrenalina, mostrando um Brasil da favela, corrupto, em que os ladrões de carros americanos se refugiam e encontram solo fértil para continuar com seus roubos milionários. O ar romântico está na informação de que o dinheiro roubado vem de fontes ilícitas e que de certa maneira errada, os bandidos parecem ter autorização para o roubo. Figura 62 - Carmen Miranda representa um Brasil festivo Fonte: Disponível em: <http://www.jorwiki.usp.br/gdnot10/index.php/ Forma%C3%A7%C3%A3o_de_uma_identidade_cultural_brasileira_e_ seus_estere%C3%B3tipos>. Acesso em: 08 dez. 2011. 124 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Figura 63 - O personagem “Capitão Nascimento” do filme “Tropa de Elite”. A corrupção da polícia é o foco do filme Fonte: Disponível em: <http://www.jorwiki.usp.br/gdnot10/ index.php/A_elite_da_tropa_e_o_constru%C3%A7%C3%A3o_ de_Roberto_Nascimento>. Acesso em: 08 dez. 2011. Figura 64 - O filme “Turistas”, de John Stockwell, 2006. Clichês e estereótipos acerca de um Brasil perigoso em um cenário deslumbrante Fonte: Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/ mat/2006/12/01/286862215.asp>. Acesso em: 08 dez. 2011. Figura 65 – “Velozes e Furiosos 5 – Operação Rio”. As favelas são o lugar ideal para os foragidos estrangeiros Fonte: Disponível em: <http://www.oquerolananet.com/tudo- sobre-velozes-e-furiosos-5/>. Acesso em: 08 dez. 2011. 125 Cultura Brasileira e EducaçãoCapítulo 6 A pergunta se organiza no seguinte sentido: atá que ponto a ficção e a realidade são devidamente separadas pelos espectadores? Por isso, pensar na imagem vendida pelos meios de comunicação e também pela dita sétima arte, o cinema, torna-se fundamental, porque é a imagem que estaremos absorvendo de lugares em que não vivemos e parcialmente conhecemos. Como lembra Candau (2009 p. 46), devemos ter o cuidado de não [...] transformar um singular ou um particular em um Geral, cuja forma mais vulgar e, via de regra, a mais detestável, é o estereótipo cultural ou nacional: os franceses são ranzinzas, os suíços são conscienciosos, os brasileiros são [...], eu não sei, o estereótipo que me vem espontaneamente ao espírito é: todos amantes de futebol, etc. É prudente não cultivarmos uma ideia errada, mal formada, deformada dos hábitos culturais de sociedades diferentes da nossa, e também da nossa própria imagem divulgada ao mundo através dessas produções, pois pensar em nossas atitudes, levando em consideração como isso vai influenciar o reforço ou a negação de uma imagem ideologicamente construída, leva ao questionamento: que identidade estamos cultivando? A memória é elemento de suma importância na manutenção da identidade dos grupos sociais. Resgatar, através da memória, os costumes de cada grupo reforça a raiz que sustenta a permanência da cultura popular, é a história contada e recontada que atua de forma ativa na manutenção da cultura como um todo. A memória histórica constitui um fator de identificação humana, é a marca ou o sinal de sua cultura. Reconhecemos nessa memória o que nos distingue e o que nos aproxima. Identificamos a história e os seus acontecimentos mais marcantes, desde os conflitos às iniciativas comuns. E a identidade cultural define o que cada grupo é e o que nos diferencia uns dos outros. (CANDAU, 2009, p. 47). Pensar na memória com fator de importância na construção da identidade ultrapassa a ideia inicial de resgate de história, sendo assim a própria fonte de construção de identidade de grupos que compõem as sociedades. Identidade e memória se validam quando compõem as estruturas identitárias. Será através dessa construção que os sujeitos irão se desenvolver dentro de seu espaço social e, por isso, a herança cultural repassada por gerações é tão importante. Quando nossa memória se torna irremediavelmente falha, sob suas formas individuais tal como problemas mnésicos severos associados às doenças neurodegenerativas (mal de Alzheimer, Huntington, Parkinson), ou sob formas coletivas Pois pensar em nossas atitudes, levando em consideração como isso vai influenciar o reforço ou a negação de uma imagem ideologicamente construída. 126 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras que se crê legítimas, a amnésia é então acompanhada de um sentimento de perda de identidade (pessoal ou coletiva). Há, poderíamos dizer, uma perda da essência ou mais exatamente, a representação (pessoal ou coletiva) de uma perda da essência. A memória pode, assim, ser assimilada a essa faculdade constituinte da identidade pessoal que permite aos sujeitos pensarem serem detentores de uma essência que permanece estável no tempo, ou de pensar que o grupo ao qual pertence é detentor de uma essência, tendo a mesma propriedade. (CANDAU, 2009, p. 47). Obviamente, a apropriação desses valores culturais sofrem modificações ao longo do tempo, como que se adaptando ao novo espaço em que serão (re) vividos, através dos costumes, ritos, da linguagem e das manifestações culturais de forma ampla. Com as reservas de uso, desde que se passe do indivíduo ao coletivo, se pode ter o mesmo raciocínio para um grupo ou toda uma sociedade. É bem em função de uma representaçãoanterior, que os membros de um grupo fazem de sua identidade (sua essência), que vão incorporar certos aspectos particulares do passado, fazer escolhas memoriais (por exemplo, escolhas patrimoniais CANDAU, 2009, p. 47). Assim, a memória compreende a preocupação da identidade individual e coletiva, representada e (re)construída em ações e práticas também coletivas e individuais, que compreendem manifestações culturais, religião e arte reveladas em seus códigos culturais e autenticadas pela sociedade em que estão inseridas quando absorvidas e eleitas como patrimônio cultural. Nem toda memória se torna patrimônio coletivo, algumas ficam na esfera do particular, familiar ou mesmo de pequenos grupos. Os mecanismos políticos e ideológicos que elegem determinado patrimônio cultural variam em cada sociedade, e nesse aspecto é importante observar os interesses envolvidos nesse processo e como essa memória identitária se configura em marcos públicos de compartilhamento coletivo de identidade. Que símbolos nos representam? A obra de Alexandre Sequeira tem como foco a memória e a identidade. Foi construída a partir da experiência vivida pelo artista, no vilarejo de Nazaré de Mocajuba, no Pará. 127 Cultura Brasileira e EducaçãoCapítulo 6 Figura 66 - Vilarejo de Nazaré de Mocajuba – Pará - Alexandre Sequeira Fonte: Disponível em: <http://www.saraivaconteudo.com.br/Blogs/Post/21730>. Acesso em: 16 set. 2011. O encontro de diferentes culturas problematiza as diferenças culturais. SEM IDENTIDADE e NOME DE FAMÍLIA Atividade de Estudos: 1) Para aprofundarmos a questão da representação de um determinado local, como cidade, região ou país, através dos códigos eleitos, faça um levantamento da representação icônica (os símbolos que representam sua cidade) e reflita como essa identidade representa sua região. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ http://www.saraivaconteudo.com.br/Blogs/Post/21730 128 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ A Interculturalidade Figura 67 - Os indígenas Fonte: Disponível em: <http://www.ufsj.edu.br/noticias_ler. php?codigo_noticia=2552>. Acesso em: 20 set. 2011. “Temos o direito de ser iguais, sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza.” (CANDAU apud Santos, 2006, p. 462). A interculturalidade está na pauta das discussões dos representantes de diversos países, em especial os da América Latina. O projeto intercultural tem suas raízes na preocupação com os grupos indígenas e no desenvolvimento linguístico desses grupos, reforçado pelo desejo de conquista de espaço social, das diferenças presentes nas etnias, nas religiões, em questões de gênero. Esse espaço requerido vem sanar a dívida social construída ao longo dos anos pelas classes dominantes, que serviam de parâmetro regulador de comportamento social. http://www.ufsj.edu.br/noticias_ler.php?codigo_noticia=2552 http://www.ufsj.edu.br/noticias_ler.php?codigo_noticia=2552 129 Cultura Brasileira e EducaçãoCapítulo 6 Mais do que resgatar os direitos subjugados dos que por muito tempo vivem à margem de uma sociedade que segrega, o projeto intercultural se propõe a dialogar com as diferenças existentes na sociedade, em momentos de (con)vivência. Uma conquista importante para esse diálogo é a constiuição de 1988, em que as culturas das populações indígenas e quilombolas são reconhecidas e autenticadas. Segundo Candau (2010), “[...] o termo interculturalidade surge na América Latina no contexto educacional e, mais precisamente, com refêrencia à educação escolar indígena”. Sendo os indígenas os primeiros habitantes encontrados pelo colonizador, a educação esteve voltada a esses povos, que precisam de alguma forma se adaptar à nova realidade que está sendo construída no desenvolvimento dos territórios explorados. No que serefere a esse processo educacional, Candau (2010) aponta quatro etapas importantes: a primeira etapa no período colonial, marcado pela violência na imposição da cultura hegemônica; a segunda etapa, em que a educação bilíngue é levada ao indígena, para sua civilização; em um terceiro momento o bilinguismo começa a reconhecer particularidades dos povos e a sua importância cultural; e, na quarta etapa, finalmente a educação bilíngue inclui também a preservação e o diálogo entre as culturas existentes, as escolas interculturais. No entanto, este espaço educacional ainda se restringe a alguns locais. Mesmo sendo parte do currículo escolar, a cultura indígena ainda é considerada e tratada como excêntrica, sem o necessário diálogo para a real interculturalidade. Resgatar os direitos políticos e sociais usurpados desses cidadãos é uma tarefa gigantesca, mas que está assegurada, no que diz respeito à sua busca, no projeto intercultural da América Latina. E nesse projeto de igualdade e respeito na convivência com as diferenças na sociedade e no espaço escolar estão os que têm descendência africana. Importante destacar que a situação dos grupos negros no continente varia muito em relação à realidade de cada país. Se em alguns anos foi praticamente eliminada, como na Argentina, em outros constitui a grande maioria da população, como em Cuba ou no Haiti. Há situações em que são circunscritos a algumas regiões e / ou núcleos rurais, como no Equador ou Bolívia, em outras estão presentes nas principais zonas urbanas do respectivo país, como é o caso do Brasil e da Colômbia. (CANDAU, 2010, p. 158). Os resquícios do regime de exploração dos escravos negros ainda têm ação negativa na sociedade atual, que de várias maneiras ainda mantêm os negros à margem da sociedade e longe de seus direitos, tudo isso velado por um discurso Uma conquista importante para esse diálogo é a constiuição de 1988, em que as culturas das populações indígenas e quilombolas são reconhecidas e autenticadas. 130 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras não racista. No entanto, a luta desses grupos em busca de seu lugar como cidadãos tem marcado mudanças importantes, promovendo um revisar da história, que mostra como o processo de construção social foi cruel com alguns membros dessa sociedade, subjugados por outros. Por isso, essas conquistas provocam tensão, mas ela é necessária para o reconhecimento da luta na busca dos espaços, pois, caso contrário, seria apenas uma encenação, como a herança histórica de um cenário forjado, falseado sob o rosto da amizade entre grupos de diferentes etnias, colonizador e colonizado. Elimina-se, assim, o conflito, continuando a perpetuar estereótipos e preconceitos, pois, se seguirmos a lógica de que os diferentes grupos étnico-raciais desde o início do processo colonizador foram se integrando cordialmente, podemos pensar que as diferentes posições hieráquicas entre eles devem-se à capacidade e empenho de indivíduos e / ou à inferioridade de determinados grupos. Essa ideia se disseminou no imaginário social, contribuindo para que as sociedades não se reconhecessem como hieraquizadoras, discriminadoras e racistas. (CANDAU, 2010, p. 158). Reconhecer nesteprocesso de construção social o resgate de direitos que foram negados aos grupos minoritários é um passo importante para que possamos conviver com as diferenças culturais, em postura de respeito que envolve a todos. Não se parte de uma cultura e sim de todas as culturas que de alguma forma (co) habitam o espaço social. A cultura aqui referida ultrapassa as manifestações culturais, englobando a vida em sua plenitude. As questões estão abertas para a discussão, o diálogo intecultural já foi sugerido, resta saber como vai se desenvolver ao longo da história este desafio chamado interculturalidade para a vida. Educação Intercultural e Arte Os desafios que compõem a prática da educação intercultural envolvem também a arte como representante da expressão da humanidade em suas particularidades. Ao assumir a interculturalidade no espaço educacional, inúmeras questões se tornam relevantes. Pensar as práticas educativas sob a ótica da interculturalidade é necessário e urgente. Cada espaço educativo, assim como seus integrantes, também tem características que de alguma maneira vão se mesclar aos conteúdos educacionais eleitos, e assim as questões das ações que contemplem a interculturalidade merecem a devida atenção, pois A luta desses grupos em busca de seu lugar como cidadãos tem marcado mudanças importantes, promovendo um revisar da história, que mostra como o processo de construção social foi cruel com alguns membros dessa sociedade, subjugados por outros. 131 Cultura Brasileira e EducaçãoCapítulo 6 Nestes espaços liminares, as diferenças não se diluem imediatamente num caldo comum, nem são hierarquizadas, tratadas como superiores ou inferiores, melhores ou piores, mas permanecem em tensão, em ebulição, fazendo com que as mesmas palavras, as mesmas imagens, os mesmos símbolos, não apenas produzam diversas interpretações, mas se mantenham ambivalentes. E assim mantenham também a flexibilidade, a possibilidade de continuar interagindo e mudando, des-locando relações de poder. (AZIBEIRO e FLEURY, 2008, p. 06). Essa tensão é necessária para que a compreensão das diferenças amplie o horizonte de saberes que a educação pode proporcionar. E, nesse sentido, a análise minuciosa dos conteúdos a serem discutidos no projeto de educação intercultural abrange todo cuidado em relação à escolha de ações pedagógicas. A educação intercultural é comprometida com a formação do indivíduo crítico e possuidor de saberes múltiplos, que vai atuar de forma significativa em seu espaço social. A tarefa da educação intercultural, nesse sentido, não é adaptar, ou mesmo simplesmente possibilitar a mútua compreensão das linguagens. É, antes, possibilitar a emergência dos múltiplos significados, provocando a reflexão sobre seus fluxos e cristalizações e os jogos de poder aí implicados. Se a tarefa da tradução pode ser ponto de partida para que se localizem confluências e divergências, ela não se constitui no seu ponto final. (AZIBEIRO e FLEURY, 2008, p. 06). O entendimento das diferenças serve como base para que os sujeitos educacionais possam se constituir com esse novo olhar, e assim as diferenças dos envolvidos passam a coexistir, sem a necessidade de classificação de qualquer tipo, sem que haja a hierarquização, sem que um subestime o outro, sem que a cultura do outro possa ser substituída pelas nossas culturas, em convivência pacífica no mesmo espaço, dessa forma compartilhando o espaço, que será desenvolvido. Como apontam Azibeiro e Fleury (2008), a sensibilização e o respeito às demais culturas a princípio estranhas configuram o processo dialógico na educação. Por ser dialógica, a existência de tensões se configura como elemento importante porque provoca uma dinâmica nesse processo. O grupo que se mantém disposto a aprender, apesar das dificuldades e impasses, aos poucos vai adquirindo a compreensão de que ter interesses comuns não significa ser absolutamente igual em tudo, descobrindo-se que o próprio grupo não é um todo homogêneo e uniforme, um amálgama Nestes espaços liminares, as diferenças não se diluem imediatamente num caldo comum, nem são hierarquizadas, tratadas como superiores ou inferiores, melhores ou piores, mas permanecem em tensão, em ebulição, fazendo com que as mesmas palavras, as mesmas imagens, os mesmos símbolos, não apenas produzam diversas interpretações, mas se mantenham ambivalentes. (AZIBEIRO e FLEURY, 2008, p. 06). 132 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras em que se diluem as especificidades e singularidades. Ele mesmo é múltiplo e pluricultural, e as próprias diferenças – deixando de ser entendidas como hierarquizações a priori – fazem crescer o seu potencial, por exigir continuamente a reflexão e a tessitura de outros desfechos para os impasses, que não são poucos. (AZIBEIRO e FLEURY, 2008, p. 06). No que confere ao estudo da cultura, a arte, como área de conhecimento, é privilegiada. Quem educa com os saberes da arte tem na cultura uma fonte inesgotável de informações. Estes autores educacionais irão trabalhar a cultura de diferentes povos, questões políticas e de virtudes, atitudes e ideias morais que a arte de cada sociedade deixou registrada em quadros, esculturas, arquitetura, música, entre outros. Discutirão também o mundo atual e suas faces, algumas paradoxais. Vale lembrar que, ao adentrar na cultura alheia, é preciso cautela, pois é importante atuar como mediadores e não invasores. Ao abordar os saberes de culturas distintas, uma postura ética é fundamental. Em termos interculturais, a arte também apresenta um importante elemento pedagógico. Na medida em que nos seja dado experienciar a produção artística de outras culturas, torna-se mais fácil a compreensão dos sentidos dados à vida por essas culturas estrangeiras. Através da arte se participa dos elementos, dos sentimentos que fundam a cultura alienígena em questão, o que é o primeiro passo para que se interprete as suas mensagens e significações. (DUARTE JR., 1994, p. 70). Ao pensar a educação intercultural, seremos sempre aprendizes. O legado dos diferentes povos, através de suas manifestações culturais socializadas, contribuirão para a formação humana como um todo. E esse todo abrange o pessoal e o social, o desenvolvimento de cada um no cenário coletivo contemporâneo. A arte-educação está embutida no processo geral da educabilidade humana e, como tal, assume seu papel fundamental. Ela compreende justamente uma consciência mais harmoniosa e equilibrada perante o mundo, em que sentimentos, a imaginação e a razão se integram; em que os sentimentos e valores dados à vida são assumidos no agir cotidiano. Compreende uma atitude em que não existe “distância entre intenção e gesto”, segundo o verso de Chico Buarque e Ruy Guerra. Em nossa atual civilização (antiestética por excelência), a consciência significa capacidade de escolha, uma capacidade crítica para não apenas se submeter à imposição de valores e sentidos, mas para selecioná-los e recriá-los segundo nossa situação existencial. (SILVA, 2007, p. 72). Talvez a arte na educação ainda necessite, por parte de alguns educadores, desse olhar global na formação do sujeito. Certamente, o caráter técnico e 133 Cultura Brasileira e EducaçãoCapítulo 6 funcionalista da arte ainda cultive alguns aspectos incorretos, como por exemplo, o caráter técnico-prático. Mas a arte-educação almeja e possibilita muito mais e encontra apoio nas obras de artistas que trazem o olhar intercultural. Figura 68 - O fotojornalismo de Salgado Filho: questões para se pensar a cultura Fonte: Disponível em: <http://notasjudiciosas.wordpress. com/2010/02/page/4/>. Acesso em:19 set. 2011. “Entre os Muros da Escola”: Questões étnico-raciais em uma escola francesa dinamizam o filme. Professor ou colonizador?Figura 69 – Cena do filme Fonte: Disponível em: <http://cinema.uol.com.br/ultnot/2009/03/11/ ult4332u1035.jhtm>. Acesso em: 21 set. 2011. O caráter técnico e funcionalista da arte ainda cultive alguns aspectos incorretos, como por exemplo, o caráter técnico- prático. Mas a arte-educação almeja e possibilita muito mais e encontra apoio nas obras de artistas que trazem o olhar intercultural. http://notasjudiciosas.files.wordpress.com/2010/02/dia_da_mulher_1.jpg http://notasjudiciosas.wordpress.com/2010/02/page/4/ http://notasjudiciosas.wordpress.com/2010/02/page/4/ http://cinema.uol.com.br/ultnot/2009/03/11/ult4332u1035.jhtm http://cinema.uol.com.br/ultnot/2009/03/11/ult4332u1035.jhtm 134 Saberes, herança e manifestações culturais brasileiras Atividade de Estudos: 1) Falando de arte, educação e manifestações culturais, como a escola de sua região trabalha essas questões? Faça uma pesquisa acerca da discussão da educação intercultural em uma escola de sua cidade e descreva as prioridades desse projeto. O que ele contempla? Como essa escola vê a interculturalidade? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Algumas Considerações Na contemporaneidade, a mundialização é tema discutido, abarcando a educação para a vida. Através das conquistas tecnológicas, a aproximação das culturas acontece diariamente. No entanto, resta questionar de que forma se dá esse encontro. Se, por um lado, com um clique podemos conhecer parte das culturas antes desconhecidas, por outro essa facilidade nos obriga a olhar as diferenças com olhar compreensivo. Na esfera da educação, a interculturalidade se propõe a conciliar uma relação de tensão, em que as diferenças são os elementos a serem trabalhados através da arte de cada povo e das manifestações culturais. Educação, interculturalidade e arte formam uma tríade importante, que suscita reflexão constante na busca de uma educação que preserva e elege a vida como prioridade, independente 135 Cultura Brasileira e EducaçãoCapítulo 6 de etnia ou cultura. Preservar as diferenças, trabalhando de forma igualitária é o desafio da educação deste século, e chama a todos, atores educacionais e comunidade, a trabalharem juntos para o desenvolvimento de uma educação intercultural. Mãos à obra! Referências AZIBEIRO, Nadir Esperança; FLEURY, Reinaldo Matias. Paradigmas interculturais emergentes na educação popular . Disponível em http://www.grupalfa.com.br/arquivos/Congresso_trabalhosII/palestras/Fleuri.pdf. Acesso em 19 de setembro de 2011. BATISTA, Claudio Magalhães. Memória e Identidade: aspectos relevantes para o desenvolvimento do Turismo Cultural. Disponível em http://ecoviagem. uol.com.br/fique-por-dentro/artigos/turismo/memoria-e-identidade-aspectos- relevantes-para-o-desenvolvimento-do-turismo-cultural-1333.asp. Acesso em 16 de setembro de 2011. CANDAU, Vera Maria. Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença. Rev. Bras. Educ. vol.13 nº 37, Rio de Janeiro, Jan./Abr. 2008. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S1413-24782008000100005. Acesso em 16 de setembro de 2011. CANDAU, Joel. Bases antropológicas e expressões mundanas da busca patrimonial: memória, tradição e identidade. 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