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DORENI RICARTES GUIMARÃES TASSO 1ª Ed. / Setembro / 2013 Impressão em São Paulo - SP ARTE E APRENDIZAGEM ARTE E APRENDIZAGEM Arte e Aprendizagem Coordenação Geral Nelson Boni Coordenação de Projetos Leandro Lousada Professora Responsável Kely Fabricia Pereira Nogueira Coordenadora Pedagógica de Cursos EaD Profª. Me. Maria Rita Trombini Garcia Projeto Gráfico e Diagramação Jacqueline Cruz Revisão Ortográfica Carlos Beltrão 1º Edição de 2013 Impressão em São Paulo/SP Copyright © EaD Know How 2013 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. T214a Tasso, Doreni Ricartes Guimarães. Arte e aprendizagem. / Doreni Ricartes Guimarães Tasso. – São Paulo : Know How, 2010. 168 p. : 22 cm. IBSN: 978-85-63092-70-0 Inclui bibliografia 1. Arte. 2. Aprendizagem. 3. Educação. I. Título. CDD – 370.157 Sumário ApresentAção UnidAde 1 - Arte-edUcAção: constrUção do conhecimento UnidAde 2 - Arte-edUcAção nA edUcAção infAntil UnidAde 3 - Arte-edUcAção nAs séries iniciAis do ensino fUndAmentAl UnidAde 4 - o desenvolvimento criAtivo UnidAde 5 - edUcAção pArA A sensibilidAde UnidAde 6 - Arte hoje: compreensão pArA elAborAr propostA contemporâneAs pArA Arte sUgestões de filme sobre Arte e ArtistAs referênciAs 5 7 39 67 85 109 129 148 158 5 Parabéns! Você está recebendo o livro-texto da disciplina de Arte e Aprendizagem, construído especialmente para este curso, baseado no seu perfil e nas necessidades da sua formação. A finalidade des- te livro é disponibilizar aos alunos de EAD conceitos e exercícios referentes à Educação Contemporânea. Estamos constantemente atualizando e melhorando este material, e você pode nos auxiliar, encaminhando sugestões e apontando melhorias, via monitor, tutor ou professor. Desde já agradecemos a sua ajuda. Lembre-se de que a sua passagem por esta disciplina será também acompanhada pelo Sistema de Ensino EaD Know How, seja por correio postal, fax, telefone, e-mail ou Ambiente Virtual de Aprendizagem. Entre sempre em contato conosco quando surgir alguma dúvida ou dificuldade. Participe dos bate-papos (chats) marcados e envie suas dúvidas pelo Tira-Dúvidas. Toda equipe está à disposição para atendê-lo (a). Seu de- senvolvimento intelectual e profissional é o nosso maior objetivo. Acredite no seu sucesso e tenha bons momentos de estudo! Equipe EaD Know How Apresentação ARTE-EDUCAÇÃO: CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO Caro Aluno Nesta unidade, estudaremos a criatividade e a expressivi- dade como fundamento da condição humana. Você terá a oportu- nidade de refletir sobre a arte-educação nas escolas. Bom Estudo!!! 11 Passamos por um longo processo de transformação para nos tornamos um indivíduo completo. É na infância que presen- ciamos as manifestações mais espontâneas do ser humano. Na infância, atribuímos sentidos e significados ao nosso cotidiano e absorvemos os conhecimentos repassados a nós. Nessa fase, pode se construir castelos ou destruí-los, e são os “mais velhos” os res- ponsáveis por essa construção ou destruição. A Condição Humana Chegamos ao mundo dependentes e incompletos. Ao contrário dos demais seres, que nascem geneticamente prontos. Nós, ao contrário, precisamos nos construir e dar sentido à nossa existência nesse mundo. A nossa vivência, tanto individual como social, acontece por meio do aprendizado. As nossas características biológicas e físicas se fazem presentes quase sempre de forma regu- lar, mas o restante faz parte do processo de construção e aprendi- zagem trocado, apropriado e transformado ao longo das gerações, ou seja, é fruto da condição humana. A necessidade de estar sempre produzindo é uma caracte- rística social e cultural presente no humano. Se a aventura humana na Terra é resultado da complexidade crescente de nossas aptidões mentais e interações com a natureza e, se da relação “homem-meio” emergiu esse processo cultural, talvez seja indispensável perguntar sobre a nossa dívida para com outros processos, que foram inter- rompidos em favor de um projeto civilizatório excludente. As aventuras do homem na Terra só aumentam a com- plexidade de suas capacidades mentais em interação com a natu- reza. Se com a relação “homem-meio” surgiu o processo cultural, é imprescindível questionar sobre nossa dívida para com outros processos que foram interrompidos por um projeto civilizatório excludente. 1. Influências da Arte na Formação do Conhecimento 12 A transferência, reorganização e novos significados de diversas ordens (física, biológicas, psíquica, simbólica), asseguram a importância do processo educativo como intermediário dessa acumulação. Compete-nos visualizar como temos exercitado essa mediação; a partir de quais métodos de pensar, temos trocado e reorganizado informações? Quais moldes mentais usamos para transmitir conhecimentos, experiências e conteúdos interpreta- tivos? Com esta abertura crítica, necessita-se tomar consciência das condições de produção de conhecimento e discutir a educação como acesso à superação da disciplinaridade fechada, não comuni- cante para pensar a formação de educadores aptos em problemati- zar e articular os conteúdos da arte-educação. Adaptamos a natureza a um tipo de mundo estruturado por nós. Essa adaptação vem trazendo consequências calamitosas, pois a natureza é transformada, principalmente, a partir das neces- sidades econômicas do presente, sem que haja uma real preocupa- ção com o futuro. É válido lembrar que nossa condição nesse mun- do passa pelo que definimos como trabalho, ou seja, a antecipação mental visando à ação. Uma coisa é certa: teremos que tomar deci- sões que podem implicar em pequenos ou grandes impactos liga- dos, ao mesmo tempo, com questões pessoais e sociais. Precisamos levar a arte que hoje está circunscrita a um mundo socialmente limitado a se expandir, tornando-se patrimônio da maioria e elevando o nível de qualidade de vida da população.” Ana Mae Barbosa (1991: 6) 13 Explicar as possibilidades cognitivas do homem diante da necessária reconstrução de um conhecimento mais universal, com- plexo e dialogal. Estabeleçamos o início, sem a preocupação de um ponto zero. É fato que, apesar de integrante do sistema que constitui o meio ambiente, o homem dele se distingue pela capacidade de pro- duzir cultura e na construção da história. É como leitor concomi- tantemente objetivo e especulativo do sistema, que o homem vem respondendo aos problemas que lhe são postos. É também como formulador de cosmologias e imagens que temos dialogado, lido e reconstruído o mundo. A partir do contato com um mundo dado (ecossistema natural) e um mundo construído (códigos culturais e representa- ções) que a relação “cérebro-espírito” tem encontrado as bases e as condições para sua complexificação e para a produção do pen- samento, do conhecimento e da cultura. Somos seres, ao mesmo tempo, marcados pela necessidade prática e pela competência es- peculativa; seres racionais e míticos. Conforme diz E. Morin em O método III, “toda renúncia ao conhecimento empírico/técnico/ racional conduziria os humanos à morte”, mas igualmente “toda a renúncia às (nossas) crenças fundamentais desintegraria a socieda- de” (s d.,p.144). Nossa sobrevivência depende de vários componentes existentes na natureza. A busca de meios para sobrevivermos dá inicio ao processo de transformação da natureza, criamos o mun- do humano, o mundo da cultura e definimos a nossa condição de existência nesse planeta. O ser humano pode criar e expressar sua existência de diferentes formas. Por isso, o trabalho, a cultura, a so- ciedade e a educação são características exclusivamente humanas. Como ressalta Saviani (2008, p.13), (.) a natureza humana não é dada ao homem, mas é por ele pro- duzida sobre a base da natureza biofísica. Consequentemente, o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencional- mente, em cadaindivíduo singular, a humanidade que é pro- duzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. 14 Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à iden- tificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que se tornem huma- nos e, de outro, concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir tais objetivos. Podemos definir, portanto, que a capacidade de transfor- mar a natureza é especificamente humana. Mais do que nos adap- tarmos a natureza, nos apropriamos dela de diferentes formas. Mais do que garantirmos nossa sobrevivência nesse mundo, neces- sitamos de criar e expressar a nossa condição de diferentes manei- ras, nos modos de organizar, de comer, de vestir, de comunicar, de registrar, de sentir, de divertir, de descobrir, entre outros. Luís Carlos Menezes escreve um fundamento que pode nos dispor a fazer dialogarem as competências de um educador ativo e inteiro diante do mundo: Há qualidades afetivas, sociais, práticas e éticas, como so- lidariedade, curiosidade, criatividade, iniciativa, expressivi- dade, sociabilidade. Interesse cultural, preferência artística, responsabilidade coletiva, respeito humano e tantas outras que não se podem restringir a quaisquer disciplinas, ainda 15 que possam ser promovidas dentro de qualquer disciplina. (Menezes, 2000, p.6). Essas qualidades citadas podem vir a configurar estados disposicionais do professor para uma organização mais orgânica do conhecimento. A esse respeito, vale a pena lembrar as palavras de Montaigne, contidas nos seus Ensaios: “Mais vale uma cabeça bem-feita do que uma cabeça cheia”. Já Edgar Carvalho afirma que o objetivo crucial da educa- ção hoje precisa pautar-se pela “sustentabilidade e pela preservação do capital cultural da humanidade” (p.6). Para reabilitar o diálogo “entre razão e sensibilidade” - de que fala Carvalho - e reaver as qualidades “afetivas, sociais, práti- cas e éticas” sublinhadas por Menezes, o professor talvez tenha de contemplar-se ao espelho de antigo sábio, para atualizar sua ima- gem em sintonia com os desafios da sociedade atual. Como seres humanos, temos a capacidade de pensar o passado, organizar o presente e planejar o futuro. Somos capazes de expressar sentimentos de diferentes formas (amor, amizade, alegria, tristeza, decepção, admiração e outros). Somos capazes de ambiguidades, tanto podemos construir maravilhas como destruir maravilhas, devastar florestas, cidades em nome de um desejo utó- pico e equivocado; expressarmos a nossa condição nesse mundo, nosso legado e nossa miséria através da música, da literatura, da pintura, da escultura, da arquitetura e demais formas expressivas, ou seja, somos capazes de criar e recriar o mundo a nossa volta, significando-o de diferentes e infinitas maneiras. 16 Entendermos a arte depende, portanto, da compreensão do que agora definiremos como cultura. 1.2. O que é Cultura? Quem nunca ouviu expressões como: “fulano é culto”, ou “aquele povo tem muita cultura”. Ou então: “Fulano não foi à escola, não tem cultura!”. O termo cultura é muito utilizado em nosso dia a dia. Entretanto, precisamos entender o que é cultura para assim desmistificá-la. É preciso entender esses conceitos (ou preconceitos), para então darmos sentidos correto a esta palavra. É corriqueiro definir de diferentes formas o conceito de cultura, como por exemplo: algo que encontramos na escola, nos livros, nas viagens, nos museus e em outros lugares. Ou, algo que possui valor destacado em comunidades a qual participo (família, igreja, partidos políticos e outros). Todavia, uma compreensão mais precisa do que é a cultura depende do fato de abrirmos mão de conceitos do senso comum (conjunto de opiniões ou ideias que são geralmente aceitas numa época e num local determinado). De- vemos a ultrapassar a dimensão imediata do real e compreender a origem e as diferentes conceituações que o termo cultura possui. Maria da Conceição Xavier cita em seu texto “Ensinar é 17 condição Humana” (12): Para Edgar Morin, o processo de com- plexificação da natureza, animado pela pulsão cognitiva que ul- trapassa o utilitarismo, sustenta-se numa estrutura antropológica pendular que comporta, simultânea e dialogicamente, uma biolo- gia, uma animalidade e uma humanidade do conhecimento. A cultura que é a marca da sociedade humana, é organizada/ organizadora pela via do veículo cognitivo que é a lingua- gem: a partir do capital cognitivo coletivo dos conhecimen- tos adquiridos, dos saberes fazeres apreendidos, das experi- ências vividas, da memória histórica, das crenças míticas de uma sociedade. Assim se manifestam representações coleti- vas, consciências coletivas, imaginário coletivo. Assim a cultura não é nem superestrutura nem infraestrutu- ra, esses termos sendo impróprios numa organização recur- siva na qual o que é produzido e gerado torna-se produtor e gerador daquilo que o produz ou gera. (Morin, 1991, p.17) Percebe-se que esse conceito de cultura para Edgar Mo- rin, representa simbolicamente um megacomputador complexo que inscreve instruções, prescreve normas e comandos em cére- bros individuais, das sociedades arcaicas até as pós-industriais, e vem sendo construído, pouco a pouco, num itinerário intelectu- al múltiplo, desencadeado principalmente com a publicação de O paradigma perdido, em 1973. Neste livro, é enfatizado que a substituição da floresta pela savana, a ociosidade dos adolescentes, a copulação frontal, o fogo, a instauração da exogamia, o fim do nomadismo, a articulação da palavra, a aferição de significados, o exercício das trocas e do poder, a criação do mito e da ciência são, todos, sinalizações da relação natureza-cultura, medida pela impo- sição de problemas novos e instigantes. “A hominização teve como prelúdio uma desgraça ecológica, um desvio genético e uma dissi- dência sociológica” (Morin, 1997, p. 63). Nesse macro processo, a complexificação cerebral, instigada e alimentada pela relação cons- tante entre o homínida e o meio ambiente, desempenhou o papel 18 de “centro federativo-integrativo entre as diversas esferas cujas re- lações mútuas constituem o universo antropológico: a esfera ecos- sistêmica, a esfera genética, a esfera cultural e social e, claro, a esfera fenotípica do organismo individual” (Morin, 1979, p. 136). Entre o cérebro humano e o meio ambiente existe uma zona de ambi- guidade e incerteza. E é precisamente a faculdade de indecisão o ingrediente que, ao mesmo tempo limita e abre indefinidamente a possibilidade de conhecimento (Morin, 1979, p. 130-131). Em Caldas temos explicações para a origem do termo cul- tura e suas principais aplicações. Originalmente, esta expressão [cultura] vem do latim – co- lere – e significa cultivar. Com os romanos, na Antiguidade, a palavra cultura foi usada pela primeira vez no sentido de destacar a educação aprimorada de uma pessoa, seu interes- se pelas artes, pela ciência, filosofia, enfim, por tudo aqui- lo que o homem vem produzindo ao longo de sua história (CALDAS, 1986, p.11). Desde a Antiguidade (período histórico que vai desde o surgimento das primeiras civilizações até o século V) até os nos- sos dias, esse conceito vem se modificando. Verifica-se, na verdade, uma ampliação, pois hoje cultura não se refere apenas à educação aprimorada de uma pessoa, mas pode ser definido de diferentes formas. No dicionário encontramos que cultura é: O conjunto de características humanas que não são inatas, e que se criam e se preservam ou aprimoram através da co- municação e cooperação entre indivíduos em sociedade. O conjunto complexo dos códigos e padrões que regulam a ação humana individual e coletiva, tal como se desenvolvem em uma sociedade ou grupo específico, e que se manifestam em praticamente em todos os aspectos da vida: modos de sobrevivência, normas de comportamento, crenças, institui- ções, valores espirituais, criações materiaise artísticas, entre 19 outros (HOLANDA, 2000). Observa-se na definição acima, que é presumível extrair- mos algumas conclusões. Observamos que: cultura envolve carac- terísticas humanas que são aprendidas no convívio em sociedade, pois são as características humanas que não são inatas, ou seja, que não nascem com os homens. Como já foi dito, o homem se difere ao nascer, pois ele é dependente e o seu desenvolvimento se dá em etapas, onde o convívio com meio em que vive é importante para que se estabeleçam trocas e aprendizagem. Todos os dias, aprende- mos comportamentos e atitudes fundamentais para que possamos sobreviver e conviver em sociedade. Por isso, identificar cultura ao ensino formal (escolar) não é equivoco. A comunicação e coopera- ção estabelecida entre indivíduos e grupos são importantes para o desenvolvimento da cultura. Ao definir cultura como o conjunto de códigos e padrões que estabelecem limites, que delimitam, que regulam a ação hu- mana, tanto do indivíduo quanto do coletivo, entende-se que o indivíduo estaria cotidianamente em contato com a cultura, que se manifesta em diversos contexto da vida, além da sala de aula. A cultura estaria presente, por exemplo, nos valores e normas parti- lhados socialmente, nas instituições sociais, nas expressões de reli- giosidade e manifestações artísticas. Essas definições revelam e enfatizam o caráter socializa- dor da cultura. Isto é, a cultura existe justamente por envolver um grupo de pessoas, por reunir e organizar a vida em sociedade. Mas, a ciência que melhor nos ajuda na compreensão do que é a cultura é a Antropologia, ou seja, a ciência que estuda as diversas culturas humanas. A definição mais curta de antropologia pode ser tirada do próprio sentido etimológico do termo: Anthropos, palavra grega que significa “homem” e Logia, que significa estudo 20 ou ciência. Logo antropologia é a ciência do homem. Vá- rias ciências tratam do homem e do seu comportamento, no entanto, o que a distingue das demais ciências sociais e hu- manas é o objetivo que nutre de estudar o homem como um todo (MELLO, 2001). É importante destacar que a antropologia busca respostas para as diferenças. Uma das primeiras definições de base científica de cultura (culture) foi elaborada em 1871, por Tylor, presente em seu livro intitulado “Cultura Primitiva”: Tomado em seu sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costu- mes ou qualquer outra capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade (TYLOR, apud LARAIA, 2000, p.25). Também nessa definição notamos o caráter social do ter- mo destacado ao afirmar que este se refere às capacidades e hábitos adquiridos, isto é, aprendidos pelo homem em sociedade. A partir da análise das definições, podemos enfatizar as principais características da cultura: a) ela é simbólica; b) ela não é inata; c) a cultura necessita de uma linguagem; d) ela possui caráter social; e) ela constitui-se num importante instrumento de coesão social; f ) ela é dinâmica. 21 a) A Cultura é simbólica, pois sua organização acontece em torno de símbolos e signos, cujos significados são constitu- ídos pela sociedade, isto é, en- volve a elaboração e aceitação de padrões, normas, hábitos, costumes, histórias, cujo signi- ficado é partilhado pelos indi- víduos em sociedade. b) A cultura não é inata, pois é aprendida, isto é, os indivíduos não nascem portadores de cultura, mas eles aprendem as capacida- des, habilidades, hábitos e valores que são definidos pela sociedade como sen- do importantes. c) A Cultura pressupõe uma linguagem, ou seja, um instru- mento de comunicação. Atra- vés de sua língua acontecem suas trocas de vivências e a construção de uma identidade. Podemos observa bem esse fato na comunidade surda, onde sua primeira língua é a LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais. 22 d) A cultura possui um ca- ráter social, isto quer dizer que ela se refere sempre a um grupo ao qual o indiví- duo faz parte. Não há cul- tura produzida por um in- divíduo isoladamente. Para que haja a reprodução da cultura, é essencial o enga- jamento dos indivíduos no grupo, na coletividade. e) A cultura é um instrumento de co- esão social, ou seja, um instrumento que mantém os indivíduos unidos em torno de determinados ideais que são socialmente constituídos. Isso significa que a cultura é um elemento indispen- sável à manutenção da ordem social, na medida em que envolve aprendizado de hábitos, normas, tradições, valores e comportamentos por parte dos in- divíduos. Assim sendo, esses hábitos, normas e tradições formam a estrutura da sociedade, promovendo um intenso processo de integração entre os indiví- duos. Nesse sentido a cultura é sociali- zadora, já que, mesmo indiretamente, colabora para o desenvolvimento da solidariedade social e cooperação entre os membros da sociedade. 23 f) A Cultura é dinâmica, isto é, está em constante movi- mento. Embora seu caráter socializador lhe confira certa estabili- dade, efetivamente ela muda o tempo todo, ainda que de maneira lenta, quase imperceptível. Isso quer dizer que, se por um lado, a cultura representa uma forma de manutenção da ordem social – já que por meio de tradições, hábitos, normas e costumes são difun- didos – por outro lado ela não impede as mudanças, as transfor- mações oriundas, principalmente dos processos de troca entre as diferentes culturas. Assim sendo, cultura e sociedade são indissociáveis. Não existe cultura fora da sociedade, bem como não existe sociedade sem cultura. O homem ao criar e se expressar no mundo, afirma, também, a sua identidade individual e social, sua condição nesse mundo, seus valores e, ao mesmo tempo, grande parte dos valo- res da sociedade em que vive. Por isso, ao compreendermos a arte como cultura, afirmamos o seu caráter social e necessário, sua fun- ção enquanto agende de produção, afirmação, reprodução e trans- formação da cultura e da sociedade. Mas afinal, como podemos definir a arte? 1.3. Arte O mundo da arte é concreto e vivo podendo ser obser- vado, compreendido e apreciado. Através da experiência artística o ser humano desenvolve sua imaginação e criação, aprendendo a conviver com seus semelhantes, respeitando as diferenças e saben- do modificar sua realidade. A arte dá e encontra forma e significa- do como instrumento de vida na busca do entendimento de quem somos, onde estamos e o que fazemos no mundo. Mas o que é Arte e para que ela serve? Definir o que é arte é uma tarefa difícil. Ao buscarmos essa resposta, nos deparamos com as mais variadas definições. O fato é que todo mundo sabe dar uma opinião sobre o que pode ser identificado como arte, sabe citar au- tores e obras famosas, como a Pietá, de Michelangelo, Mona Lisa, de Leonardo Da Vinci, a Nona Sinfonia, de Beethoven, o Davi, de Michelangelo e assim segue. Indiscutivelmente essas são obras de 24 arte. Para podermos responder a essas perguntas devemos, antes de tudo, saber que a arte é conhecimento. A arte é uma das primeiras manifestações da humanidade, uma das primeiras maneiras do ser humano marcar sua presença, criando objetos e formas (pintura nas cavernas, templos religiosos, roupas, quadros, filmes etc.) que representam sua vivência no mundo, comunicando e expressando suas ideias, sentimentos e sensações para os outros. Desta maneira, quando o ser humano faz arte, ele cria um objeto artístico que não precisa nos mostrar exatamente como as coisas são no mundo na- tural ou vivido, mas sim, como as coisas podem ser, de acordo com a sua visão. A função da arte e o seu valor, portanto, não estão no retrato fiel da realidade, mas sim, na representação simbólica do mundo humano. Ao identificarmos a arte como expressão da cultura, como “todo conjunto complexo dos padrões de comportamento, das crenças e instituições, valores espirituais e materiais transmi- tidos coletivamente (...)”, chegamos auma possível definição, ou seja, “(...) arte são certas manifestações da atividade humana diante das quais nosso sentimento é admirativo” (COLI, 2007). A arte, portanto, está presente em tudo que fazemos para agradar os nossos sentidos. Pietá. Michelangelo. Igreja de São Pedro, Vaticano, Itália. C. de 1500 25 São precisos três elementos para que a arte exista: o ar- tista, o observador e a obra de arte. O artista é aquele que cria a obra, partindo do seu conhecimento concreto, abstrato e indi- vidual transmitindo e expressando suas ideias, sentimentos, emo- ções em um objeto artístico (pintura, escultura, desenho etc.) que simbolize esses conceitos. Para criar a obra, o artista necessita conhecer e experimentar os materiais com que trabalha, quais as técnicas que melhor se encaixam em sua proposta de arte, e como expor seu conhecimento de maneira formal no objeto artístico. O outro elemento é o observador, que faz parte do público que tem o contato com a obra, partindo num caminho inverso ao do artista – observa a obra para chegar ao conhecimento de mundo que ela contém. Para isso, o observador precisa de sensibilidade, disponibilidade para entendê-la e algum conhecimento de história e história da arte, assim poderá entender o contexto em que a obra foi produzida, e fazer relação com o seu próprio contexto. Por fim, a obra de arte ou o objeto artístico, faz parte de todo o processo, indo da criação do artista até o entendimento e apreciação do ob- servador. A obra de arte guarda um fim em si mesma, sem precisar de um complemento ou “tradução”, desde que isso não faça parte da proposta do artista. É comum falar em arte referindo-se às obras consagradas que estão nos museus, às músicas eruditas apresentadas em gran- des espetáculos, ou ainda, aos monumentos existentes no mundo. Alguns consideram arte apenas o que é feito por artistas consagra- dos, enquanto outros julgam ser arte, também, as manifestações da cultura popular, como os romances de “cordel”, tão comuns no nordeste do Brasil. Para muitos, as manifestações da cultura de massa, como o cinema e a fotografia, não são arte, ao passo que outros admitem o valor artístico dessas produções, ou pelo menos de parte delas. Não são poucos os que, mesmo diante das obras expostas em even- tos artísticos famosos, sentem-se confusos a respeito do que veem (COSTA, 1999). 26 Visitantes no Museu do Vidro em Nova York, Estados Unidos. Vivemos em um mundo que modifica a paisagem natural por um cenário criado pelo homem, onde existe um número muito grande de produtos, informações e principalmente imagens. Para que possamos conviver diariamente com essa produção infinita de forma agradável, devemos aprender a avaliar essa “paisagem”, sua função, sua forma e seu conteúdo. Isso exige o uso de nossa sen- sibilidade estética. Esta é uma exigência para podermos deixar de ser observadores passivos e nos tornarmos espectadores críticos, participantes e exigentes. A palavra estética vem do latim aísthesis, que significa sen- sação, sentimento. Analisa o complexo das sensações e dos sentimentos, investiga sua integração nas atividades físicas e mentais do homem, debruçando-se sobre as produções (ar- tísticas ou não) da sensibilidade, com o fim de determinar suas relações com o conhecimento, com a razão e a ética. Daí formularmos as seguintes questões: nossos juízos de va- lor e preferência quanto às coisas sensíveis são meramente subjetivos e arbitrários? As regras do gosto seriam meras convenções, normas impostas pela autoridade de grupos e indivíduos? Ou haveria no gosto um elemento racional ou 27 uma capacidade autônoma de perceber e julgar? (Rosen- field, 2006). Nos dias de hoje existe a exigência por um conhecimento geral de mundo e uma suscetibilidade acentuada para entendê-lo. As artes permitem que se desenvolva o espaço das mais diversas atividades. Dê uma olhada em seu entorno ou faça um passeio pela cidade para se dar conta de que as obras de arte não estão reserva- das aos espaços tradicionais – galerias, museus e teatros. Provavel- mente, você encontrará um grupo de teatro de rua se apresentan- do. Nas grandes cidades se convive com obras de arte expostas em outdoors, pinturas de artistas em edifícios e grafite em muros. A arte contemporânea permite que o artista busque alternativas para mostrar sua arte. Quase todos os espaços e atividades apresentam, de algu- ma forma, questões estéticas e artísticas que precisam ser entendi- das. Essa presença da arte em novos ambientes, em formas inusita- das, invadindo nosso dia a dia, abre aos artistas um campo imenso da atuação profissional (COSTA, 1999). Não é mais possível pensar em arte como uma produção restrita a determinados espaços. Ela está presente em nosso coti- diano, adentrando os mais diversos locais. Cabe a nós compreen- dê-la, como expressão desse mundo, como um elemento da nossa cultura, como expressão da subjetividade humana, mas também, como expressão da história, da cultura, da sociedade. Principal- mente, como expressão da diversidade humana. 28 1.4. Cultura, Arte e Diversidade Nota-se que a arte expressa a diversi- dade humana de forma subjetiva, porém consi- dera as possibilidades do homem manifestar sua interpretação do mun- do que o rodeia. Povos diferentes encontram maneiras distintas de estabelecer sua relação com a natureza e com os sentimentos humanos. O ser humano não é uma ilha, ele é capaz de viver em so- ciedade e isso faz com que seja indispensável que o homem busque apreender a cultura da sociedade em que vive. Portanto, socializar, compartilhar regras de convivência, modos de ser, de aprender, de fazer, de transformar e de se expressar no mundo faz com que o homem interaja com seu meio. Como cultura, a arte é simbólica, ou seja, expressão dos símbolos e signos, cujos significados são estabelecidos pela socie- dade, isto envolve a elaboração e aceitação de padrões, normas, hábitos, costumes, histórias, cujo significado é partilhado pelos indivíduos em sociedade. Como cultura, a arte não é inata, mas criada, aprendi- da pelo homem na vida em sociedade. Assim, a arte tem um valor social na medida em que os homens definem e compartilham as características que fazem de um som, de um texto, de uma escultu- ra, de uma imagem e outros, algo que possua valor artístico reco- 29 nhecido. Por isso, talvez, seja tão difícil definir o que é que arte e existam tantas polêmicas a respeito dessa questão. Como cultura, a arte é uma linguagem, ela é uma ferra- menta de comunicação, é uma forma de dizer sobre o mundo e os sentimentos humanos. A arte sempre pressupõe uma mensagem. Ela sempre diz alguma coisa e nunca é imune ao olhar humano. Como cultura, a arte possui um caráter social, isto quer dizer que ela se refere sempre ao meio no qual o indivíduo faz par- te. A arte expressa a criatividade e a interpretação de um indivíduo ou grupo de indivíduos. Se não existe homem sem cultura e se a cultura é socialmente compartilhada, o artista é sempre um ser cul- tural e social e isso sempre refletirá em sua arte. Como cultura, a arte é um instrumento de coesão social, ou seja, um instrumento que mantém os indivíduos unidos em tor- no de determinados ideais que são socialmente constituídos. Isso significa que a arte pode ser utilizada como um elemento da manu- tenção da ordem social, na medida em que pode retratar e dizer so- bre os hábitos, as normas, as tradições, os valores e comportamen- to dos indivíduos. A arte contribuiu na socialização de uma forma de viver e pensar o mundo. Por exemplo, uma peça de teatro que fala sobre o amor entre duas pessoas, nos diz muito sobre como os homens lidam e expressam os seus sentimentos e como, na socie- dade que vivemos, parte desses sentimentos são vivenciados. Como cultura, a arte é dinâmica, isto é, está em constante movimento. Se por um lado a arte pode representar uma forma de manutenção da ordem social – já que difundetradições, hábitos, normas e costumes – por outro lado ela não impede as mudanças, pelo contrário, a arte pode expressar o desejo e a necessidade da mudança. A necessidade de romper com a tradição e os costumes e de anunciar o desejo de se construir uma sociedade diferente. A arte é tão dinâmica que, talvez, muito do que se considera arte hoje, não seria considerada arte se estivéssemos na Idade Média. Hoje já parece quase impossível pensar a arte afastada da tecnolo- gia, da vida urbana, da indústria, pois estes representam os novos 30 ambientes dominantes dos homens. Arte, cultura e sociedade são indissociáveis. Cabe a nós refletirmos e compreendermos sobre o papel da arte na sociedade em que vivemos. Nesta unidade, você pôde compreender que, como um fato da sociedade, a arte manifesta sua cultura, seus valores, suas técnicas, sua moral, sua capacidade de inventar e reinventar a vida. Como manifestação da cultura e expressão da nossa condição hu- mana, a arte simboliza a capacidade do homem de expressar e de criar o mundo à sua volta. Viver é uma arte, a arte de se reinventar e de significar a nossa existência individual e social. Isso nos inte- gra à sociedade, isso marca a nossa distinção em relação aos demais seres da natureza. A arte é uma das provas incontestáveis de que o homem é diverso e de que essa diversidade pode ser manifestada de muitas maneiras. Arte é cultura. Síntese da Unidade Exercício de Fixação Leio o texto abaixo e responda às questões. Ilusão e Arte Artigo de Mauro Andriole A relação entre a Arte e a Ilusão é absolutamente indisso- lúvel. Se o artista é tomado por um desejo de realização do Belo a partir de sua interioridade, na qual um objeto se eleva à paradigma da Beleza, é porque não há freios nesta experiência, vivida de fato, 31 que o impeçam de justificar seu propósito artístico. E assim, o ímpeto criador encontra seu curso livre para a realização da obra, mesmo que ela retenha apenas a Ilusão de ser o objeto que lhe dá um sentido aparente, pois, tanto quanto o Mito, a obra só alcança seu significado verdadeiramente na representação de si mesmo, por mais que isto pareça impossível ao olhar leigo. Só há sentido na criação quando a Ilusão a que o artista está acometido, suspende seu domínio lógico, ou seja, quando as bases de sua realidade ordinária, da objetividade intrínseca que fun- damenta sua razão, se sublimam ante o que é extraordinário, assim alargando, por assim dizer, os limites da noção de realidade. Daí, dizermos que o domínio da Arte é autônomo, e sua lógica - se é que este termo é o adequado para isto - consiste em algo mais do que o possível e o impossível, aquilo que, instaurando novas bases, cria o meio e a forma da realidade inefável tal como o paradigma da realidade. A autonomia do artista está justamente em sua utopia, neste sonho e desejo de realizar a tradução desse universo inefável para uma linguagem compreensível à razão, porém, quando o faz, ela fala numa língua liberta de meios exclusivos, e ultrapassa todo e qualquer senso comum. E, desta forma, mais do que traduzir seu desejo, o artista constitui uma linguagem perfeita, porque sua forma é universal por excelência, seu discurso visa e deve atender a ne- cessidades independentes de quaisquer fatores culturais, políticos, filosóficos ou religiosos, dizendo seu conteúdo a todos que a con- templem. É neste sentido que se identifica com o Mito, porque ao atingir este poder de Iludir, continua representativa e significativa indefinidamente no tempo. Temos, portanto, que é na Arte que a dimensão extraordi- nária se manifesta abertamente. Isto ocorre porque esta é a nature- za da Arte. A Obra de Arte verdadeira é uma realidade perfeita em si mesma, independente da autoria, da data ou da técnica escolhida para sua materialização. 32 Manifesta no mundo, ela torna-se potência pura, inesgotá- vel em seu poder de indução. Trata-se da realização de um Cosmo, que atravessa os limites da fugacidade sensorial e se instala na ma- téria e na consciência, trazendo para o plano real, as ideias de eter- nidade, imortalidade e universalidade. Nesse sentido é que a Arte é a manifestação da Beleza Suprema, é nela que o espírito humano busca o que lhe sobrepassa e ao mesmo tempo lhe confere uma dis- tinção entre todos os outros animais. No entanto, a Arte revela este poder de persuasão através da Ilusão, porque despida de seu significado emocional, reduz-se a matéria amorfa. Não há Arte que resista em seu esplendor to- tal quando posta à indiferença e mediocridade humanas. Restará apenas uma sombra sem um corpo que lhe justifique, e o mesmo se pode dizer daquele que desce até onde a luz da obra de Arte não pode lhe alcançar. De fato, a comunicação de um conteúdo através da Obra, só pode se dar plenamente quando os fatores culturais colaboram para isto. De modo que, o mesmo conteúdo seja lido por povos distintos, sob formas distintas, ou até mesmo, anulado em sua inte- gridade, quando ela não encontra similitude no seio da sociedade. Não podemos desprezar as diferenças entre a percepção de civilizações ancestrais diante do objeto de Arte moderno, como ocorre com os povos indígenas isolados da cultura branca - caso dos aborígenes australianos ou dos ianomâmis do norte da América do Sul - diante do quais, a foto de uma paisagem, não representa mais do que um pedaço de papel colorido, e jamais “alguém ou uma paisa- gem”; reagem distanciando-se largamente da noção moderna do que é uma reprodução de espaço e tempo, fato que nos chega de imediato devido a formação cultural que nos dá bases para isto. Por outro lado, a despeito desse caso específico, há casos em que as barreiras culturais não impedem o fenômeno da Ilusão, e este é o nosso interesse. É exatamente quando os limites da cultu- ra cessam sua influência sobre a apreensão do conteúdo da Obra, quando a Ilusão recai igualmente sobre qualquer homem, que o fe- 33 nômeno artístico se modifica, e distingue-se da forma como apre- sentava-se antes. Tudo se altera com o advento da imagem virtual, criada recentemente pela manipulação dos recursos tecnológicos. A imagem digital de um peixe, vista num monitor, será sempre percebida igualmente em sua integridade, por qualquer homem contemporâneo? Será que ela dirá seu conteúdo, até mesmo para o homem isolado deste tipo de representação tecnológica? Chega- mos a Ilusão plena? Talvez. Mas antes de discutirmos essa questão, precisamos entender em que contexto o artista também se modifi- cou diante de tais recursos. Será que a conquista do espaço virtual modificou o artista em seu desejo de realizar a tradução da Beleza? Por que este desejo estaria relacionado às mudanças que os meios técnicos sofreram? Aparentemente, não há como dissociar a apre- ensão sensorial, dos meio disponíveis para representá-la. Daí, toda transformação nos meios geraria uma alteração na percepção do que pode ou não ser representado pelo artista. No entanto, o modelo ideal, que condiciona o gesto cria- dor, não é suficientemente rígido para permitir uma só resposta. Podemos arriscar, que no mais das vezes, estas transformações vem para cercear práticas artísticas consideradas antigas, em detrimen- to das inovações do aparato técnico, que desvelam a cada tentativa do artista, uma nova chance para saciar sua ânsia de realizar a obra. Mas de que modo o meio pode condicionar a apreensão do desejo criador se ele só é posto em uso posteriormente? O que quero dizer, é que nada pode limitar o desejo de re- presentação a parâmetros fixos, de modo que a descoberta que vem à luz sob outros meios, ganha contornos novos incessantemente, de outro modo, nem poderíamos chamá-la de descoberta verda- deiramente. E durante esse processo criativo investigativo, as for- mas desveladas são por si mesmas muito mais eficazes para o curso que a obra tomará, do que a própria ideia original de onde partiu o gesto. Seria algo como a obrada obra, pois a cada experimentação, a cada nova investida, o modelo sofre mutações para ajustar-se a esse todo. E isto se revela igualmente na realização artística, desde a primeira mancha pré-histórica numa caverna até chegar ao nosso 34 click do mouse contemporâneo. Mas esta seria uma condição inevitável ou natural? O ar- tista é refém da técnica ou é senhor dela no momento da criação da Obra? Na verdade, o foco do artista nunca dependeu totalmente do meio que dispunha para executar sua Obra, ao menos, não há ra- zões para esta limitação, mas, pelo contrário, ao nos deparamos com Obras colossais, como as esculturas de Michelangelo, por exemplo, é difícil duvidar do quanto este gênio realmente estava seguro de sua realização antes de golpear o mármore. Contudo sua segurança se encontrava enraizada profundamente em seu desejo criador, subli- mando qualquer dúvida quanto ao modo de realizá-la. O desafio diante da realização da Obra, já é parte da primeira etapa do processo criativo, sobre isto não precisamos ter dúvidas. Mas em que instante a Ilusão permeia esse empreendimento criador? Ora, durante todo o tempo, pois o artista parte de uma impossibilidade:, ele pretende consagrar um instante expressivo na matéria amorfa, ignorando os limites físicos, e inaugurando um novo tempo com este espaço, ele desoculta o espaço extraordiná- rio, como dissemos antes. O gesto iluminado na obra escultórica está absolutamente transcorrendo em nossa apreensão, e permane- ce petrificado a despeito do que sentimos como verdadeiro! Isto é extraordinário! Temos que ter em mente, que o termo extraordinário visa a distinção do que é o ordinário, no sentido do que não se insere na ordem do dia comum, e transcende o sentido que tem a produção de bens de consumo, intrinsecamente efêmeros por necessidade merca- dológica. A Obra situa-se no extremo oposto dessa natureza de obje- tos, e só pode nascer de uma necessidade igualmente extraordinária, que abranja esse sentido transcendental, que é imanente na Arte. Dizemos que a Ilusão recai sobre todo artista e sobre a Arte, porque é justamente esse universo que o coloca em questão sobre o que é a realidade. De fato, nossa noção de realidade se funda, quase em sua 35 totalidade, na crença de que conhecemos as coisas tal como elas são. Mas o que diríamos acerca dos que ignoram nossas descobertas mo- dernas, hoje tão corriqueiras, como as pilhas ou a luz fosforescente? Não precisamos recuar muito para percebermos que a re- alidade atual era uma ficção, ou talvez nem isso sequer, pois nem havia a possibilidade de imaginar tais conquistas, já que o desejo que as motivou não pulsava nas veias humanas. Será que é possível crer que alguém desejasse um aparelho para exercitar a corrida e que não ocupasse espaço na casa? Uma esteira pareceria uma boa ideia em 1800? Só se servisse para trans- portar cargas pesadas talvez. Mas para alguém correr sobre ela? E assim, o mesmo poderíamos dizer sobre inúmeros objetos que hoje são imprescindíveis, como o abridor de latas, as lâminas descartá- veis, os filtros de papel para o aspirador de pó, etc., etc. e etc. O desejo humano se transformou, e com ele, a realidade assumiu contornos definidos para a época e para as crenças vigentes. Então, o que é a realidade de fato? Esta é uma pergunta que não impede o artista de crer que contribui de algum modo para desocultar faces misteriosas do espírito humano, e abre seu Cosmo para todos, como se ele fosse verdadeiramente o de todos nós. Sua obra é Iludir-se de que não há ilusões mas apenas realidade. O Autor Mauro Andriole é artista plástico, estudioso de filosofia, sobretudo de temas que convergem para a ciência e a metafísica. Sobre sua produção atual de gravuras, ele diz: Traba- lho simultaneamente em dois temas absolutamente interligados: PHYSIS - que trata da questão grega da “natureza das coisas”, e Po- vos Ancestrais do Brasil - seguindo um caminho do coração junto à mitologia e sabedoria do Índio brasileiro. Responda: 1) Qual a importância da arte na construção do conheci- mento? Qual a relação entre a arte e a ilusão? 2) O espaço virtual e as novas tecnologias modificaram o 36 conceito de “beleza” para o artista? 3) Você concorda com o texto acima? Justifique sua resposta. ARTE-EDUCAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Caro Aluno, Seja bem-vindo (a) à nossa segunda unidade. Esta unida- de será dedicada a uma importante reflexão sobre a função da arte no universo da criança. Você terá a oportunidade de entender me- lhor as relações da arte com a criança. Boa reflexão! 43 Como expõe Read a apreciação não se adquire através de contemplação passiva, porém, os sentidos da criança só podem ser ampliados “através da ação, e a ação requer espaço, não o espaço restrito de uma sala ou de um ginásio, mas o espaço da natureza” (READ, 1956, p.306). [.] liberdade no seu sentido mais óbvio: liberdade de movi- mento, liberdade para vaguear [.]. Os sentidos da criança só podem ser educados através da ação, e a ação requer espaço – não o espaço restrito de uma sala ou de um ginásio, mas o espaço da natureza constante. (READ, 1958, p. 360). Para Fischer: "A arte pode elevar o homem de um estado de fragmentação a um estado de ser íntegro total. A arte capacita o homem para compreender a realidade e o ajuda não só a suportá-la como transformá-la, aumentando a determinação de torná-la mais necessária para a humanidade. A arte é uma realidade social. A so- ciedade precisa do artista, este supremo feiticeiro, e tem o direito de pedir-lhe que ele seja consciente de sua função social. Mesmo o mais subjetivo dos artistas trabalha em favor da sociedade, pelo simples fato de descrever sentimentos, relações e condições que não haviam sido descritos anteriormente [.], representa um im- pulso na direção de uma nova comunidade cheia de diferenças e tensões, na qual a voz individual não se perde em uma vasta unis- sonância." (in A necessidade da arte, pp. 56-57). 2.1. Educação Infantil É importante lembramos que a Lei Nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996 estabelece as diretrizes 2. A Função Social da Arte para a Criança 44 e bases da educação nacional em seu Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, inte- lectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Art. 30. A educação infantil será oferecida em: I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II - pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade. Art. 31. Na educação infantil a avaliação far-se-á median- te acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao en- sino fundamental. Essa informação não poderia ser deixada de lado, para ini- ciarmos nosso tema. A Educação Infantil é um campo recente da Educação Formal cujo surgimento se vincula aos movimentos so- ciais decorrentes da Revolução Industrial. Régis de Moraes descre- ve a industrialização da seguinte maneira, em seu livro intitulado "Educação Contemporânea: olhares e cenários", da Coleção Edu- cação em debate, (2003, p.79): “De 1750 a 1850 aproximadamen- te, ocorreria propriamente uma revolução tecnológica, marcada por grande surto inventivo que trouxe à vida sociocultural imensas e seguidas transformações. Propriamente, do final do século XVIII em diante, deu-se uma Revolução Industrial principalmente carac- terizada por evoluções da Revolução Comercial, tanto quanto pela fusão entre avanços científicos e progressos tecnológicos.” Esse advento da Revolução Industrial determinou um novo modelo de família. A admissão de mulheres nas indústrias trouxe modificações com relação ao cotidiano das famílias. Um 45 novo modelo de família denominado conjugal aparece, pois a mu- lher assume um novo papel socialdevido a sua entrada no mercado de trabalho. Este novo papel social fez com que as mulheres, de uma maneira mais geral, se preocupassem com a educação de seus fi- lhos, contribuindo para a ocorrência de reivindicações através de movimentos sociais em prol de um novo espaço educativo, voltado para uma educação compensatória. A Educação Infantil de cunho assistencialista, prevista para esse novo espaço, envolveu na sua maioria, o atendimento às famílias pobres, cuja estruturação familiar possuía semelhanças com a família de Portinari descrita neste trecho de sua biografia: Nasceu no dia 30 de dezembro de 1903, na cidade de Brodowski, (.), filho de Batista Portinari e Dominga Torquato Portinari, hu- mildes imigrantes italianos que educaram seus doze filhos com se- veros padrões morais e religiosos (.). Logo que foi para a escola já começou a se transformar num artista (.), a única preocupação de Candinho era comprar uma caixa de lápis de cor para dar vida aos seus desenhos. Mas com que dinheiro?" (2005, p.11) Esse vínculo assistencialista esteve presente no âmbito in- fantil aqui no Brasil e em vários países da Europa, desencadeando expectativas voltadas para a superação da miséria, da pobreza e da negligência das famílias. Froebel e Montessori desenvolveram tra- balhos educativos significativos nesse âmbito com relação às fave- las. Na Alemanha (Berlim), Froebel iniciou os jardins da infância, ao mesmo tempo que, na Itália, Montessori desenvolveu trabalhos nas pré-escolas e McMillan se preocupou com a estimulação cog- nitiva, a assistência médica e dentária de maneira a compensar as deficiências das crianças. De uma educação a princípio assistencialista, surge uma Educação Infantil com duas preocupações essenciais voltadas para o cuidar e o educar as crianças decorrentes dos interesses da socie- dade industrial. 46 Estas preocupações influenciaram as contribuições dos Pioneiros da Escola Nova e se fizeram presentes nas classes de Educação Infantil. Pois, tais intelectuais eram militantes, "tinham clareza do momento político que estavam vivendo, porém eram idealistas, românticos; queriam uma reforma educacional a serviço de um Brasil moderno." (FARIA, 1999, p.85) Com isso, as novas concepções educacionais trazidas pelos especialistas foram inerentes às exigências industriais e re- sultantes dessas contribuições revolucionárias sobre o desenvolvi- mento da criança, envolvendo os cuidados, as etapas e a formação do novo cidadão. Algumas contribuições inovadoras eram resultantes das preocupações com os cuidados com a saúde e a nutrição da crian- ça, decorrentes do alto índice de Mortalidade Infantil ocorridos até o século XVII. Mediante algumas contribuições renovadoras, resultan- tes das novas concepções preocupadas em estabelecer o que e o como ensinar na infância, ocorreu "uma desvalorização de outros modos de educação da criança antes existentes." (CRAIDY e KA- ERCHER, 2001, p.14) Com a sociedade burguesa (final do século XVIII e iní- cio do século XIX) se generalizou o modo de ver a infância como categoria peculiar da sociedade, a "criança (se tornou) uma figura da coletividade, dotada de necessidades próprias, merecedora de atenção e destinatária, por excelência, das intervenções educati- vas." (BECCHI apud FARIA, 1999, p.56) As preocupações com o relacionamento criança-adulto são inerentes à contínua reconstrução do termo infância, ou seja, "a reconstrução do passado da vida infantil nos constrange a con- frontarmos com uma série de problemas, de ocultamentos, de ope- rações ideológicas e societárias que no presente ainda não foram resolvidas." (BECCHI apud FARIA, 1999, p.58). Isto ocorre, pois, este termo se faz singular e reflete as di- 47 ferentes organizações sociais (classes, camadas e grupos sociais), culturas e governos advindos dos diferentes momentos históricos. A Educação Infantil, por isso, não pode ser vista como um novo modo de educação sem que se conheça outro ou outros mo- dos de educação já existentes, mesmo que estes estejam em proces- so de desvalorização devido às novas ideias e correntes que surgem. Um modo de educação já existente era a Educação Dual, que tinha como condicionante o papel social que a criança iria exer- cer na sociedade, cuja relação estrita se devia à ascensão da burguesia e a sua permanência como classe social dirigente e dominante. Na Educação Dual, os educadores educavam seus educan- dos através da transmissão de conhecimentos. Essa educação tradi- cional era influenciada por concepções que viam a criança como um ser primitivo, irracional e não pensante - até o século XVIII. Essas concepções comungavam as ideias da corrente em- pirista (Locke, Berkeley e Hume) que argumentava que o conhe- cimento deveria ser internalizado pelo indivíduo através dos senti- dos. Neste sentido, os educadores transmitindo os conhecimentos, iriam "escrevendo" as experiências educativas à medida que os edu- candos iriam crescendo (KAMII, 2002, p.16). Durkheim releva essas características empiristas, quan- do afirma que "a ação do educador (.), baseia-se na passividade da criança - considerada como uma tábula rasa "por condição natural" - e no poder do educador - dada a sua superioridade em matéria de experiência e cultura." (GROPPO, 2005, p.8). Em contrariedade à Educação Dual nesse novo âmbito educativo, as pesquisas de estudiosos, como Sigmund Freud, Jean Piaget, Lev S. Vygotsky, Sônia Kramer e Maria Montessori, se vol- taram para uma concepção de infância única. Bem mais próximas das ideias da corrente racionalista (Descartes, Spinoza e Kant), es- tas pesquisas resultaram em teorias que influenciam a Educação Infantil até os dias atuais. 48 Ao receber abordagens em várias vertentes com relação ao desenvolvimento moral (conduta da criança), ao desenvolvi- mento psicológico (pensamento da criança) e ao desenvolvimen- to pedagógico (aprendizagem da criança), fundamentadas numa concepção única de infância, estabeleceu-se um padrão de desen- volvimento para a criança na Educação Infantil. Esse padrão estabelecido vinculava-se a várias teorias, en- tre as quais, podem-se destacar as teorias sobre o desenvolvimento moral, cuja preocupação, talvez - não tão explícita para toda a so- ciedade - era a formação de um novo cidadão (trabalhador) apro- priado para as novas exigências sociais. Essas teorias nortearam a formação de valores, como a disciplina e o condicionamento à rea- lização de tarefas desde a infância. Todavia, as crianças que não se "enquadravam" neste pa- drão esperado eram consideradas "privadas culturalmente". Bourdieu fez con- tribuições semelhantes com relação ao "capital cultural", voltadas para a importância de se estabelecer um padrão, como ocorreu com esses moralistas, afirmando que: “Cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas, certo capital cultural e certo ethos, sistema de valores implícitos e profundamente interioriza- dos, que contribui para definir, entre outras coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar. A herança cultural, que difere, sob dois aspectos, segundo as classes sociais, é responsável pela diferença inicial das crianças diante da experiência escolar e, consequentemente, pelas taxas de êxito". (1998, pp.41 e 42) Surgem nesta época, teorias interessadas em descrever a natureza moral das crianças. Algumas ideias defendidas diziam que a educação poderia "proteger" a criança e traçar um destino social (justificativa para a intervenção dos governos e da filantro- pia para transformá-las de crianças (principalmente, as pobres) em sujeitos desejados pela sociedade industrial). Em outras teorias fundamentadas no pensamento e aprendizagem da criança: as teorias epistemológicas (sócio inte- 49 racionista), as teorias psicanalíticas (freudianas) e as teorias psico- lógicas (sócio histórica) aparecem também, essa preocupação com um padrão para as crianças. Jean Piaget, o principalrepresentante da teoria episte- mológica, trouxe contribuições baseadas em etapas do desenvol- vimento da criança, estabelecia determinadas características para a criança em determinada etapa de desenvolvimento, respeitando a idade cronológica de acordo com o meio em que ela vive. Sigmund Freud começa suas contribuições à estrutura do pensamento ressaltando posteriormente a importância do id (o que está presente no inconsciente), do ego (o que é consciente) e do superego (restrição devido as convenções sociais). Lev. S. Vygotsky, o principal representante da teoria psi- cológica, trouxe contribuições sobre a zona de desenvolvimento da criança. Tais contribuições (ao mesmo tempo refletidas e em contradição com as ideias de Piaget) revolucionariam as épocas posteriores (atualmente, é um dos teóricos mais pesquisados na Educação Infantil), atribuindo ao educador a característica de me- diador dos conhecimentos (presente nos PCNs). Sendo impulsionada por essas ideias, por uma concep- ção única de infância, principalmente no século XX, difundiu-se muitas contribuições dos especialistas em congressos nacionais e internacionais, ampliando as pesquisas sobre a criança e a infância e, ocasionando o crescimento da Educação Infantil. Segundo Faria, na segunda metade do século XIX e co- meço do século XX, são realizados muitos congressos e confe- rências nacionais e internacionais sobre a infância, a pobreza, o operariado, mulher, patrocinados tanto pela classe operária como pela burguesia, assim como já existia muita publicação sobre esses temas. (p.95, 1999) A Educação Infantil é, a princípio, um direito das mulhe- res trabalhadoras, mas seu surgimento recebeu muitas contribui- ções nacionais e internacionais como se percebe pela afirmação de 50 Faria. No Brasil, este novo âmbito, se constituiu em escolas públi- cas (para os filhos das mulheres trabalhadoras das indústrias) e em escolas privadas (para os filhos dos burgueses). Além de, no início, também existirem algumas iniciativas de Educação Infantil nas in- dústrias, embora não obtivessem muito êxito. Portanto, "(.) a preocupação com a infância na Europa e nos EUA assume determinadas características que permitem um incremento na produção intelectual nessa área (.) que marcam uma nova fase na pesquisa sobre a criança pequena." (CARVA- LHO & BERALDO apud FARIA, 1999, p.58) A Educação Infantil, devido as novas concepções, teve in- fluências revolucionárias dos especialistas pertinentes às ideias de outra corrente (racionalista) que transformou essa educação com- pensatória numa dimensão educativa em que se modifica a relação entre educadores e educandos. Se comparada com a Educação Dual - baseada na trans- missão de conhecimentos já existente -, se percebe que com as no- vas concepções, a Educação Infantil se fundamenta, em contrapar- tida, na construção de conhecimentos pelos educandos através de desafios alcançáveis oportunizados pelos educadores. Pode-se dizer que o Modelo Construtivista é valorizado nas práticas pedagógicas desde o surgimento deste espaço educa- tivo com instrumentos sobre o lúdico adequados a essa nova con- cepção de infância. Esse Modelo Construtivista transformou a função dos educadores. Pois, os educadores têm, nesta época, a função de re- alizar uma ação educativa, promovendo experiências desafiadoras e contendo brinquedos adequados às manifestações de cada faixa etária (que constitui a infância devido às inovações teóricas trazi- das pelos especialistas) e em contrapartida, buscar formar um indi- víduo produtivo e adequado às exigências sociais. Esse restrito, mas indispensável resgate histórico da Educação Infantil, faz com que se acredite na abertura de novos 51 caminhos realizados por essa nova educação, embora esteja con- dicionada à sociedade industrial e à construção de novos padrões capitalistas. Por isso, para que essa educação se faça diferente e transcenda a manutenção das desigualdades sociais é necessário que seja respeitada a “Cultura Popular”, fazendo com esta seja o ponto de partida para uma educação emancipadora. No Brasil são pioneiras as preocupações no âmbito da educação. Paulo Freire é um exemplo, suas experiências tiveram uma aplicação emancipatória em Educação Popular desde 1960, principalmente com o florescimento das Comunidades Eclesiais de Base e com a eclosão dos movimentos sociais. Uma educação emancipadora precisa resgatar uma causa popular presente na mobilização das mulheres trabalhadoras pelo direito de ter uma educação para seus filhos no âmbito infantil, ao invés de privilegiar o atendimento às exigências da elite econômica de um país. 2.2. Função Social da Arte “Veja bem, a primeira função social da arte é a arte mesma. 2soas, ela dá alegria, ela enriquece a vida das pessoas. Então a arte foi uma das coisas que o homem criou pra inventar o seu mundo, porque o ser humano é um ser cultural, ele não é um ser estritamente natural. Ele nasce da natureza, mas, ele vive no mundo da cultura, quem vive na natureza é macaco, onça, jacaré… o homem vive no mundo da cultura. A cida- de é inventada pelo homem, é uma coisa complexíssima, já imaginou quanta coisa existe, quanto equipamento existe pra essa cidade funcionar? É uma invenção extraordinária do ser humano, onde ele vive. É o mundo dele, que ele criou. Então a arte é parte desse mundo, ela não é a verdade, ela não tem por função dizer a verdade verdadeira que ninguém viu, pelo contrário, o Picasso diz: “a arte é a mentira mais verdadeira que a verdade”. É mentira quando o Drummond diz: “Como aqueles primitivos que carregam consigo o maxilar inferior dos seus mortos, eu te carrego comigo, tarde de maio”, é men- 52 tira, mas, é lindo né! Então tá aí a função da arte, o cara lê isso e ele fica feliz, a vida dele é mais rica. A arte não tem uma única função, mas, basicamente ela faz parte da construção do mundo imaginário de que o homem necessita pra viver, pra existir, pra construir a sua vida Ferreira Gullar Nereide Schilaro Santa Rosa, em seu texto Arte e raízes: tradição e atualidade da cultura popular nos diz que a função social da arte fica clara à medida que ela transforma e nos traz o conhe- cimento do mundo, não um conhecimento abstrato, mas afetivo e real. O artista percebe o mundo e cria formas sensíveis para inter- pretá-lo. Podemos perceber nas crianças a possibilidade de investi- gar fatores relacionados à transmissão da cultura no brinquedo. A brincadeira pressupõe uma aprendizagem social, aprendem-se as formas, o vocabulário típico, os tipos de interações condizentes, as regras, o momento de enunciá-las etc.. A investigação de tais cate- gorias e dos fatores envolvidos em sua produção é importante para uma melhor descrição da brincadeira e da ocorrência de aprendi- zagem em situação natural e também para criar indicadores para a compreensão das relações entre os membros dos grupos de crian- ças, da socialização, da constituição do sujeito e da transmissão da cultura. Ao se aproximar da cultura popular, o artista serve de me- diador entre o objeto bruto e a representação, entre o que observa- mos e sentimos com nossos sentidos e o pensamento. As imagens, como as brincadeiras, nos fazem pensar e tornar o mundo repleto de significados, alargando a sua abrangência. A criança atribui sig- nificados ao mundo real por meio de brincadeiras como o artista o faz por meio de sua obra que é lida e compreendida pelos especta- dores. Evidentemente que esses significados dependem de fatores e valores de determinada época. A criança busca “temas” e através de desenho, brincadeiras representam seu entorno. Artistas podem buscar temas idênticos, no entanto, o tratamento dado é transfor- mado e representado de acordo com sua leitura e linguagem. A cor, o volume, o espaço, o peso, a luz permitem essa abrangência e dão 53 condições ao artista elaborar sua produção. De qualquer forma, o "artista cria o que poderia ser". O meio, o suporte,as técnicas e es- tilos compõem a linguagem da obra, o projeto do artista. O artista cria, então, obras de arte que são símbolos, atribuindo significados a fatos, imagens, formas - as quais muitas vezes, são inspiradas na cultura popular. As manifestações culturais só podem ser compreendidas na medida em que foram situadas em suas relações com o contex- to socioeconômico e a estrutura sociocultural de que fazem par- te. Florestan Fernandes nos diz que "o folclore abrange todos os elementos culturais que constituem soluções usuais e costumei- ramente admitidas e esperadas dos membros de uma sociedade, transmitidas de geração a geração por meios informais". O fato fol- clórico é sempre atual e tradicional na medida em que estabelece relações com um conjunto de elementos que o faz diferenciarem dos outros. Como a arte, os elementos culturais, nossas raízes, ga- nham novos significados de acordo com o contexto social. A lin- guagem, lendas, brinquedos, brincadeiras, festas, artesanato, pro- fissões, crenças fazem parte de uma ação social organizada. De tal forma que a cultura acaba se constituindo um conjunto de sistemas de símbolos que articulam significados novos a cada reelaboração. Nesse processo, corre-se o risco de aspectos serem perdidos ou de- saparecerem, ou então, que aconteça uma adaptação aglutinando novos elementos modificados e restaurados. É a escola o primeiro espaço formal onde se dá o desen- volvimento de cidadãos, ela deve entrar em contato sistematizado com o universo artístico e suas linguagens: artes visuais, teatro, dança, música e literatura. Ao longo dos anos, muito se tem falado e escrito sobre a necessidade da inclusão da arte na escola de forma mais efetiva. Desde 1971, pela Lei 5692, a disciplina Educação Artística torna- se parte dos currículos escolares. Muitas experiências têm aconte- cido, mas no contato direto com professores, diretores de escola 54 e coordenadores pedagógicos, as intenções parecem apontar para um caminho interessante, mas é no confronto com a prática peda- gógica no campo da arte que se nota a grande distância entre teoria e prática. Muitos equívocos são cometidos e a questão passa batida na maioria das vezes em que se questiona as vivências com a arte. A criança a sua maneira desenha, brinca, mancha, risca, constrói, desconstrói, se encanta como um artista e algumas vezes também não é compreendido em seu tempo. Transformar um fragmento de vidro em uma joia rara, rabiscos em dragão alado, pensamen- tos em formas. Buscar o dizível no invisível. Modos singulares de ver, sentir, expressar e (re)inventar o mundo. A criança, depois de desenhar uma série de formas e riscos (des)ordenados, diz: olha eu desenhei eu, mamãe, a casa e o papai e super-homem. Faz-de- conta! Picasso reúne um guidão e o selim de uma bicicleta: cabeça de touro. Assemblage, ressignificações de objetos. Arte! A arte faz de conta. Crianças, artistas, fazem de conta que um rabisco, um objeto, um fragmento, um pensamento se trans- forme em outra coisa. Tanto as crianças, quanto os adultos que persistem em desarticular a ordem estabelecida do mundo, com- partilham de um pensamento parecido, no sentido de que ambos propõem simulacros ou fingem que uma coisa é outra coisa. Artis- tas e crianças, percebem o mundo e dão sentido a ele através de for- mas singulares. Utilizam seus sentidos de forma mais aguçada do que a maioria dos adultos que deixaram para trás esta capacidade humana de ver, imaginar e simbolizar. A arte na área social desempenha papéis importantes ao estimular o indivíduo ao aperfeiçoamento, a equidade e ao moti- var uma sociedade melhor, que corrobora para autoconhecimento, evidenciando as peculiaridades de um determinado grupo. Sabemos que relações entre a sociedade e a arte é objeto de estudo da sociologia da arte. A sociologia, como ciência que estuda os fatos sociais, as ações sociais e as relações sociais, procura mostrar a relação entre as manifestações artísticas de uma socie- dade numa determinada época e a maneira como os homens nela vivem e pensam. 55 Nas roupas, nos edifícios, na literatura, estão inscritos os valores da sociedade, seus hábitos e nas roupas, nos edifícios, na literatura, estão inscritos os valores da sociedade, seus hábitos e sua mentalidade. Os índios brasileiros, por exemplo, assim como os jo- vens de hoje, tatuam e pintam o corpo para identificar seus grupos étnicos, bem como para destacar a importância social de seus membros. Cada traço desse desenho tem um significado próprio e uma forma com sentido (COSTA, 1999). “Existe uma sabedoria própria ao espírito que produz a com- preensão - de si e do outro – e é produzida pela compreensão. A compreensão de si comporta a autoanálise, a autocrítica e tende a lutar sem tréguas contra as ilusões interiores e a men- tira para si mesmo: comporta o ´trabalhar pelo bem pensar‘ que evita as ideias unilaterais e as concepções mutiladas e ten- ta imaginar a complexidade humana” (MORIN, 2005) Quando falamos em arte estamos nos referindo a essa pre- ocupação de entender o papel da arte na sociedade, a função social do artista e das expressões artísticas, o sentido do som e da imagem num determinado contexto social, o processo de consagração ar- tística, a dinâmica do processo artístico e a relação existente entre 56 a arte consagrada e a de vanguarda. Essas e outras preocupações constituem o objeto dessa ciência relativamente nova, que tem cer- ca de cem anos, que é a sociologia da arte. Essa ciência parte de certos princípios relativos à determi- nada forma de pensar o fazer artístico, a linguagem, a comunicação e até mesmo o conhecimento. Não é a única. Como vimos, existem outras ciências que estudam a arte, como a psicologia, a história e a filosofia. Cada uma delas trouxe importantes contribuições para o estuda da arte, mas privilegiamos aqui as contribuições que a an- tropologia e a sociologia trazem, especialmente porque estamos abordando a arte enquanto manifestação da cultura e com uma função social importante. 2.3 Arte e Cultura Popular no Mundo da Crian;a O que a indústria cultural percebeu mais tarde (e Ador- no constatou, pessimistamente), é que cultura de massa possuía a capacidade de absorver em si os antagonismos e propostas críticas, em vez de combatê-los. Desta forma, a cultura de massa alcançaria a hegemonia, elevando ao seu próprio nível de difusão e exaustão qualquer manifestação cultural, e assim tornando-a efêmera e des- valorizada. No contexto da indústria cultural são totalmente distintos e independentes os conceitos de “popular” e “popularizado”, já que o grau de difusão de um bem cultural não depende mais de sua classe de origem para ser aceito por outra. A grande alteração da cultu- ra de massa foi transformar todos em consumidores que, dentro da lógica iluminista, são iguais e livres para consumir os produtos que desejarem. Dessa forma, pode haver o “popular” (i.e., produto de ex- pressão genuína da cultura popular) que não seja popularizado (“que não venda bem”, na indústria cultural) e o “popularizado” que não seja popular (vende bem, mas é de origem elitista). O que seria popular? A que grupos ou classe social pode- ríamos associar cada um desses conceitos? Haveria um critério de valor para separar esses conceitos, isto é, seria possível ou correto compará-los e julgá-los. A questão da existência de uma cultura 57 popular significa falar, simultaneamente, em religião, em arte, em ciências populares? “Cultura popular é aquela criada pelo povo e apoiada numa concepção do mundo toda específica e na tradição, mas em permanente reelaboração mediante a redução ao seu contexto das contribuições da cultura ‘erudita’, porém mantendo sua identidade” (Cultura popular in Feira Nacional da Cultura Popular, SESC, 1976). Na verdade, definir cultura popular representa uma polê- mica que sociólogos, antropólogos, historiados e outros estudiosos da cultura mantêm.E, se essa polêmica existe, é possível concluir que há várias definições de “popular”. No enfoque que Renata Mei- relles dá em seu texto BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS DA CULTURA POPULAR: REFLETINDO A POÉTICA DA INFÂNCIA, mostra a infância cercada de sutilezas e devaneios, de momentos de extrema subjetividade e encantamentos. Fala de sugestões de Bachelard para que façamos uma poética-análise das situações vividas, diz ele que a “poético-análise deve devolver-nos todos os privilégios da imaginação”. Pensando que é na imaginação que alçamos voos e nos tornamos possuidores de nós mesmos. A universalidade dentro da diversidade sugere que des- confiemos dos conceitos de épocas passadas para criarmos novos paradigmas. Conceitos que antes eram úteis podem hoje bloquear um entendimento global do ser humano. O tempo de se apropriar da nossa criança real - e não ideal - é agora. Uma aproximação da cultura própria da infância e para uma busca em reconhecer uma identidade que lhe é própria. Isso significa aceitar que a criança é uma produtora e divulgadora de sua cultura, e que o brincar é seu canal de comunicação com o seu presente e seu passado. 58 A importância do brincar na educação infantil já foi tema de várias pesquisas, pressupostos teóricos não faltam para provar isto. Cada teoria com seu foco específico, seu campo de observa- ção, mas existe uma unanimidade na valorização da brincadeira no desenvolvimento da criança. Ficam então as perguntas: Por que ainda se encontram tantas escolas que restringem os espaços físi- cos e temporais do brincar? Que brincadeira é essa a que estamos então nos referindo? Chamar um brincar poético, um brincar regido por es- truturas além das nossas famosas “cognitivas, afetivas e sociais”, um brincar que restabelece uma unidade de ser dentro de uma diversi- dade de estar. Os poetas e as crianças podem nos auxiliar a ampliar nossos campos do imaginário, a conseguir observar a inteligência sensível do ato de brincar e ao construir escolas onde a brincadeira aconteça de fato. De qualquer forma, devemos lembrar que o espaço que a sociedade reserva de maneira explícita aos elementos tradicional- mente relacionados a cada uma das culturas é bastante diferenciado. A tentativa de compreender arte e cultura popular no país implica em conhecer a organização político-econômico-cultural do país, suas regras, suas contradições. Afinal, essas definições e a compreensão do que pode ser considerado popular e erudito se transforma na medida em que as relações sociais, políticas, cultu- rais e econômicas vão se modificando. Um exemplo, o arroz carreteiro: prato comum aos peões que levavam as tropas de gado. Eles usavam o charque (carne sal- gada) em suas idas e vindas, como alimento não perecível. Junto com o arroz abundante na região sul, preparavam essa refeição tra- dicional. Claro que nas estâncias o arroz com charque era também prato usual pela sua simplicidade e sabor. Com o passar do tempo ele deixou de ser uma típica comida de peões e passou também a ser prato regional em alguns estados brasileiros, sendo servido não só nos restaurantes simples como nos requintados. Para compreender as brincadeiras e seus significados na 59 educação e formação das crianças, é necessário acompanhar as eta- pas de transformação dos seus elementos. Podemos afirmar então, que a arte popular é atribuída à produção estética de uma parte da população que não é formal- mente intelectualizada, nem urbana, nem industrial. A arte popu- lar possui como principais características: • ser geralmente anônima, pois é resultado de várias co- laborações que passam de geração em geração ao longo do tempo, geralmente feita oralmente; • apresentar visão de mundo de um determinado grupo social, ou seja, o conteúdo da tradição cultural e folclóri- ca expressa os sentimentos comuns de uma coletividade; • desenvolver-se dentro de convenções tradicionais; • ter como maior público apreciador pessoas de seu pró- prio grupo ou comunidade; • resistir às influências dos modismos ditados pela elite dirigente. A arte popular pode ser considerada o retrato de uma na- ção, pois guarda características peculiares e genuínas do povo que formou esse grupo durante anos. Muitas pessoas acreditam que esse tipo de arte é produto apenas de pessoas que vivem na zona rural ou de povos imigrantes. No entanto, grande parte da popu- lação que vive na zona urbana, de grandes cidades, é composta de pessoas que vieram do interior ou de outros países, incorporando à cidade manifestações de suas culturas. Vamos refletir sobre brinquedo e criança que são palavras estreitamente associadas. Todas as sociedades reconhecem o brincar como parte da infância. Os primeiros registros desse reconhecimen- to, obtido por meio de escavações arqueológicas, advêm do período em que nossa espécie ainda tinha como modo de sobrevivência bá- sico a caça e a coleta (Frenzel, 1977). O mesmo não se pode dizer acerca das palavras “cultura” e “criança”. Salvo algumas exceções, o 60 fenômeno cultura foi frequentemente tratado como uma proprie- dade do adulto. Quando se faz alusão ao termo patrimônio cultu- ral, geralmente se remete a aspectos da cultura adulta como prédios, danças, comidas típicas, vestuário e artefatos artesanais. Carvalho e Beraldo (1989) afirmam que este tipo de visão impediu que se vis- se a riqueza das interações criança-criança, pois o que poderia uma criança incompetente oferecer a outra igualmente incompetente? Essas autoras enfatizam o interesse pelo estudo das interações crian- ça-criança, partindo do pressuposto de que elas são de alta priorida- de motivacional para os sujeitos envolvidos. A ligação entre “cultura” e “criança” é claramente percebi- do nos jogos e brincadeiras tradicionais e populares, especialmen- te aquelas desenvolvidas em rua. A modalidade “jogo tradicional infantil” possui características de anonimato, tradicionalidade, transmissão oral, conservação, mudança e universalidade (Kishi- moto, 1993). Apesar de os jogos tradicionais caracterizarem uma cultura local (Friedmann, 1990), é interessante a existência de certos padrões lúdicos universais, mesmo observando diferenças regionais, como variações nas designações, nas regras e em suas for- mas de utilização. Piaget (1977) viu as regras do jogo de bola de gude como um fenômeno da moralidade, o que possibilitava o estudo do de- senvolvimento moral da criança pela observação da maneira como ela lida com essas regras. Para tanto descreveu de forma minuciosa as regras dessa brincadeira em Neuchâtel, na Suíça. É surpreenden- te a semelhança entre algumas regras encontradas por Piaget e as encontradas em Belém no jogo de peteca (Pontes & Galvão, 1992, 1997), e em outras regiões do Brasil (Neto, 1977). É evidente o caráter dinâmico da manutenção de tais normas, o que parece ser um paradoxo, mas, como Laraia (1986) sustenta, qualquer sistema cultural está num contínuo processo de mudança, ou seja, a conservação é sempre algo relativo, depende da dimensão de tempo e do sistema cultural a ser considerado. É certo, entretanto, que o fenômeno cultural também pode mostrar uma estabilidade considerável no decorrer do tempo e no espaço 61 (Cavalli-Sforza; Feldman, Chen & Dornbush, 1982). A impressão leiga é de que o jogar e o brincar são ensi- nados como normalmente os adultos ensinam a outro adulto um jogo, de modo sistemático e diretivo. Ao ensinar-se uma nova mo- dalidade de jogar baralho, por exemplo, utiliza-se de dicas verbais, sistemáticas, sequenciais (por passos) e de exemplos: “o jogo inicia quando…”, “ganha quem…”. A brincadeira pressupõe uma aprendizagem social (Brou- gère, 1997). Aprendem-se as formas, o vocabulário típico, as re- gras e o seu momento de enunciá-las, as habilidades específicas requeridas para cada brinquedo e os tipos de interações condi- zentes. Acredita-se que a investigação dessas e de outras categorias de eventos seja importante
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