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Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Eritropoese -> processo de produção e maturação de hemácias (glóbulos vermelhos do sangue) que ocorre na medula óssea em adultos normais e no baço ou fígado em fetos ou pacientes com anemias graves. As anemias carenciais são um grupo de anemias caracterizadas por apresentar carência de elementos fundamentais para a eritropoese: ferro, vitamina B12 ou folato. ANEMIA FERROPRIVA A deficiência de ferro sem anemia refere-se à diminuição do ferro corporal total, particularmente das reservas de ferro, com preservação do ferro para a eritropoese. A anemia ferropriva indica redução mais pronunciada do ferro corporal total, levando ao desenvolvimento da anemia. FATORES PREDISPONENTES Aumento da necessidade de ferro -> primeiro ano de vida, gravidez (2º e 3º trimestres), pós-parto, tratamento com agentes estimuladores da eritropoese. Aporte inadequado de ferro -> desnutrição, dietas inapropriadas, dietas vegetarianas e veganas. Absorção intestinal insuficiente de ferro: ❖ Fatores cirúrgicos -> gastrectomia, derivação duodenal, cirurgia bariátrica. ❖ Fatores clínicos -> doença celíaca, doença inflamatória intestinal, infecção por H. pylori, gastrite atrófica. ❖ Fármacos -> inibidores da bomba de prótons, bloqueadores dos receptores de histamina 2. ❖ Herdados -> anemia ferropriva refratária ao ferro e todas as condições com excesso de hepcidina (condições inflamatórias). Perda de sangue crônica: ❖ Causas gastrintestinais -> qualquer sangramento proveniente de lesões benignas/malignas; infestação por ancilostomídeos. ❖ Causas geniturinárias -> sangramento uterino, hematúria, hemólise intravascular (ex.: hemoglobinúria paroxística noturna). ❖ Causas sistêmicas -> defeitos com sangramento, doença renal crônica (hemodiálise), doadores de sangue regulares. ❖ Fármacos -> corticosteroides, anti-inflamatórios não esteroides. Múltiplos mecanismos associados a inflamação e níveis elevados de hepcidina -> doença renal crônica, doença inflamatória intestinal, IC crônica, obesidade. Perda de sangue aguda -> recuperação de cirurgia de grande porte. FISIOPATOLOGIA O teor corporal total de ferro é de cerca de 2,5g nas mulheres e 3,5g nos homens. Cerca de 80% do ferro funcional está presente na Hb, o restante encontra-se na mioglobina e nas enzimas que contêm ferro (ex.: catalase, citocromos). O reservatório de armazenamento de ferro, representado pela hemossiderina e ferritina no fígado, baço, medula óssea e músculo esquelético, contém 15-20% do ferro total corporal. O ferro é transportado no plasma ligado à proteína transferrina. Nos indivíduos normais, a transferrina apresenta-se saturada em cerca de 33% como ferro, produzindo níveis séricos que atingem 120µg/dl nos homens e 100µg/dl nas mulheres. Logo, a capacidade total de ligação de ferro do soro é de 300-350µg/dl. Devido à alta prevalência da deficiência de ferro, pressões evolutivas produziram vias metabólicas que estão inclinadas para a retenção de ferro. O ferro é perdido em uma taxa de 1-2mg/dia através da descamação de células epiteliais da mucosa e da pele, e essa perda precisa ser balanceada pela absorção do ferro proveniente da dieta. A regulação da absorção do ferro ocorre no duodeno. Após a redução pela redutase férrica, o ferro ferroso (Fe2+) é transportado através da membrana apical pelo transportador de metal divalente 1 (DMT1). Em seguida, um segundo transportador, a ferroportina, move o ferro do citoplasma para o plasma através da membrana basolateral. O ferro recém-absorvido é então oxidado pela hefaestina e pela ceruloplasmina para ferro férrico (Fe3+), a forma que se liga à transferrina. Tanto o DMT1 quanto a ferroportina estão amplamente distribuídos no corpo e participam do transporte de ferro em outros tecidos também. APG 23 - Anemias Carenciais Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Parte do ferro que penetra nos enterócitos é liberada para a transferrina pela ferroportina, enquanto o resultante é incorporado à ferritina citoplasmática e perdido através da descamação das células da mucosa. A fração do ferro que é absorvida é regulada pela hepcidina (peptídeo sintetizado e secretado pelo fígado de forma dependente de ferro). Altos níveis de ferro plasmático aumentam a produção de hepcidina, enquanto que baixos níveis de ferro o suprimem. A hepcidina circula para o duodeno, onde se liga à ferroportina e induz sua internalização e degradação. Assim, quando as concentrações de hepcidina estão elevadas, quando os níveis séricos de ferro são altos ou há inflamação sistêmica (níveis de hepcidina aumentam em relação à inflamação), os níveis de ferroportina caem e mais ferro é incorporado à ferritina citoplasmática e consequentemente perdido por excreção. Quando os níveis de hepcidina estão baixos, quando há deficiência de ferro, hematopoese ineficaz ou defeitos genéticos que levam à hemocromatose primária, o transporte basolateral de ferro torna- se aumentado. Na deficiência de ferro, a supressão da hepcidina é benéfica, pois ajuda a corrigir a deficiência, mas níveis inadequadamente baixos de hepcidina, como na hemocromatose primária, acabam levando a uma sobrecarga de ferro sistêmica. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Fadiga é comum, porém inespecífica; a palidez é um sinal avançado. ❖ Anemia ferropriva é habitualmente suspeita/diagnosticada a partir dos resultados de exames de sangue, que mostram anemia microcítica e níveis séricos baixos de ferro e ferritina. Deficiência de ferro avançada -> boca seca, glossite (inflamação ou infecção da língua), estomatite angular, unhas quebradiças ou em formato de colher (coiloníquia), disfagia decorrente de membranas esofágicas (síndrome de Plummer-Vinson) e queda de cabelo. Pode haver fadiga e intolerância ao exercício nos músculos, bem como agravamento dos sintomas de IC crônica. Irritabilidade e concentração deficiente são sintomas neurológicos inespecíficos, enquanto alotriofagia (vontade de comer coisas que não são comestíveis, como argila) pode ser observada em mulheres e crianças. Síndrome das pernas inquietas também pode indicar deficiência de ferro. DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO São características da anemia ferropriva baixo nível de Hb e hematócrito, diminuição das reservas de ferro e baixo teor de ferro sérico e ferritina. Existe uma quantidade menor de hemácias, e estas são microcíticas e hipocrômicas. Também podem ocorrer poiquilocitose (formato irregular) e anisocitose (tamanho irregular). Os testes laboratoriais indicam menores valores de CHCM (hemoglobina corpuscular média) e VCM (volume corpuscular médio). A prevenção da deficiência de ferro é a principal preocupação em lactentes e crianças -> recomenda-se evitar o uso de leite de vaca, a suplementação de ferro em crianças de 4-6 meses amamentadas com leite materno e uso de fórmulas e cereais enriquecidos com ferro para crianças > 1 ano. Com 2 anos, as crianças necessitam de uma dieta contendo alimentos ricos em ferro e o uso de vitaminas enriquecidas com ferro ajudam a evitar a deficiência desse nutriente. O tratamento da anemia ferropriva em crianças e adultos é direcionado ao: ❖ Controle de perda crônica de sangue. ❖ Aumento na ingestão de ferro. ❖ Administração de suplementos. ! Suplementação com sulfato ferroso é a terapia de reposição oral rotineiramente empregada -> repõe as reservas de ferro em um intervalo de meses. PREVENÇÃO Aconselha-se a prevenção primária para evitar a anemia ferropriva em grupos de pacientes que apresentam alta prevalência do distúrbio (p. ex., crianças e gestantes). Aconselha-se a administração de 60 e 30 mg de ferro elementar VO, diariamente ou em dias alternados, a adultos e crianças, respectivamente. A profilaxia de rotina com ferro oral está associada ao risco de exacerbaras infecções por malária em regiões endêmicas. Se as reservas de ferro forem repostas, indicada pela normalização da ferritina, e a causa da deficiência de ferro for erradicada, não há necessidade de profilaxia secundária. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA ANEMIA POR DEFICIÊNCIA DA VITAMINA B12 As anemias megaloblásticas são causadas pelo comprometimento na síntese de DNA, que resulta em hemácias aumentadas de tamanho (VCM > 100) devido à maturação e divisão deficientes. Deficiência de B12 e de ácido fólico são as condições mais comumente associadas a este tipo de anemia. FATORES PREDISPONENTES Vitamina B12 é encontrada em todos os alimentos de origem animal. A deficiência de B12 se dá por: Deficiência nutricional -> é rara e geralmente encontrada em vegetarianos estritos e populações com hábitos vegetarianos impostos pela pobreza. Má absorção da vitamina B12 dos alimentos -> ocorre em pacientes com cirurgia gástrica, uso de medicamentos supressores da secreção gástrica (ex.: omeprazol). Ausência de secreção gástrica -> deficiência na produção do fator intrínseco associada à produção deficiente de ácido clorídrico, o que pode ser decorrente de gastrectomia, gastrite atrófica crônica secundária à desnutrição autoimune das células parietais da mucosa. Má absorção induzida por drogas -> biguanidas, cloreto de potássio, colchicina, neomicina. FISIOPATOLOGIA A vitamina B12 (cobalamina) funciona como cofator para duas reações importantes: síntese do DNA e maturação nuclear, que, por sua vez, conduz à maturação e divisão normal das hemácias. Ela também está envolvida com a reação que impede as moléculas anormais de ácidos graxos de serem incorporadas aos lipídios neuronais. ❖ Essa anômala pode predispor à decomposição da mielina e produzir algumas complicações neurológicas causadas por deficiência de vitamina B12. As reservas orgânicas usuais de 1.000-5.000mg supre as necessidades diárias de 1mg por vários anos. Portanto, a deficiência de B12 se desenvolve lentamente. A vitamina B12 é absorvida por um processo especial -> depois de liberada da proteína animal, ela se liga a um fator intrínseco, uma proteína secretada pelas células parietais gástricas. O complexo fator intrínseco-vitamina B12 protege a molécula de vitamina contra a digestão por enzimas intestinais. O complexo viaja até o íleo, onde se liga a receptores de membrana nas células epiteliais. B12 então se separa do fator intrínseco e é transportada através da membrana para a circulação. Na corrente sanguínea, ela se liga à proteína transportadora (transcobalamina II), que transporta a B12 até os locais de armazenamento e tecidos. ❖ Qualquer defeito nessa via é capaz de causar uma deficiência. ANEMIA PERNICIOSA É uma forma específica de anemia megaloblástica causada por gastrite atrófica e incapacidade de produção de fator intrínseco, o que resulta na incapacidade de absorção da vitamina B12. Acredita- se que essa anemia seja o resultado de uma destruição da mucosa gástrica mediada imunologicamente, possivelmente autoimune. A gastrite atrófica crônica resultante se caracteriza por perda de células parietais e produção de anticorpos que interferem na ligação da B12 ao fator intrínseco. A principal característica da deficiência de B12 é a anemia megaloblástica. Quando a quantidade de B12 não é suficiente, as hemácias produzidas são anormalmente grandes devido ao excesso de crescimento citoplasmático e a produção de proteínas estruturais. As células têm núcleos imaturos e mostram sinais de destruição celular. Elas apresentam membranas frágeis e formato oval, em vez de bicôncavo -> essas células de formato estranho têm um curto tempo de vida que pode ser medido em semanas. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Perda de hemácias resulta em um quadro moderado a grave de anemia e icterícia. VCM é elevado, uma vez que as células são maiores que o normal, e o valor de CHCM é normal. Alterações neurológicas que acompanham a doença são causadas por desarranjos na metilação da proteína mielina. A desmielinização das colunas dorsal e lateral da medula espinal causa parestesia simétrica dos pés e dedos, perda da sensação vibratória e da propriocepção. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Nos casos mais avançados, a função cerebral pode ser alterada. Em alguns casos, pode haver sintomas de confusão mental, demência e outras alterações neuropsiquiátricas podem preceder alterações hematológicas. DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO Diagnóstico -> é estabelecido quando se verifica um nível sérico anormalmente baixo da vitamina B12. O diagnóstico de anemia perniciosa, como causa da deficiência, é feito pela detecção de anticorpos contra as células parietais e contra o fator intrínseco. Tratamento -> o tratamento vitalício é frequentemente necessário para a má absorção. Por não ocorrer de forma adequada, o tratamento consiste em injeções intramusculares, sprays nasais ou doses orais altas de vitamina B12 para reverter a anemia e melhorar as alterações neurológicas. PREVENÇÃO Para evitar uma possível anemia por deficiência de B12, é necessário seguir uma dieta diária balanceada, com a ingestão recomendada de alimentos ricos em nutrientes, sejam de origem animal ou vegetal. Alguns alimentos ricos em B12: ❖ Fígado ❖ Atum ❖ Coração ❖ Mariscos ❖ Ovo e queijo muçarela ANEMIA POR DEFICIÊNCIA DE ÁCIDO FÓLICO O ácido fólico também é necessário para a síntese de DNA e a maturação das hemácias; sua deficiência produz o mesmo tipo de alterações megaloblásticas ocorridas na anemia por deficiência de vitamina B12. FATORES PREDISPONENTES O folato está presente em praticamente todos os alimentos, porém, ele é destruído em 10-15min de cozimento e, como resultado, as reservas de folato são insuficientes em um grande número de pessoas saudáveis. O risco de deficiência de folato é maior naqueles com uma dieta pobre (socioeconomicamente desfavorecidos, indigentes e idosos) ou aqueles com necessidades metabólicas aumentadas (gestantes e pacientes com anemias hemolíticas crônicas). A deficiência também pode surgir por problemas de absorção ou metabolismo. Alguns fármacos, como a fenitoína, também interferem na absorção do folato, enquanto outros como o metotrexato, inibem o metabolismo deste. Distúrbios de má absorção, como doença celíaca e espru tropical, que afetam o terço superior do intestino delgado, onde o folato é absorvido, também podem prejudicar a absorção. Como a gestação aumenta a necessidade de ácido fólico de 5-10x, comumente se manifesta uma deficiência. Maus hábitos alimentares, anorexia e náuseas são outras razões para a deficiência de ácido fólico nesse período. ❖ Existe uma relação entre a deficiência de ácido fólico e defeitos no tubo neural no feto em crescimento. Logo, mulheres em idade fértil são aconselhadas a ingerir 0,4mg de ácido fólico para manter níveis séricos adequados e evitar esses defeitos. FISIOPATOLOGIA O metabolismo e as funções do folato são complexos. Mas é relevante saber que sua conversão dentro das células de di- hidrofolato para tetra-hidrofolato pela di-hidrofolato redutase é particularmente importante. O tetra-folato age como receptor e doador de unidades de carbono em várias reações necessárias para a síntese de desoxitimidina monofosfato. Se o armazenamento intracelular de folato falar, a desoxitimidina é sintetizada em quantidade insuficiente e a replicação do DNA é bloqueada, levando à anemia megaloblástica. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS O início é insidioso, associado a sintomas inespecíficos como fraqueza e cansaço. O quadro clínico pode ser complicado pela coexistência de deficiência de outras vitaminas, especialmente em indivíduos etilistas. São comuns sistemas relacionados ao trato alimentar. As anormalidades neurológicas não ocorrem. DIAGNÓSTICOE T RATAMENTO Diagnóstico -> realizado a partir do exame de esfregaços do sangue periférico e da medula óssea. A melhor forma de distinguir a anemia por deficiência de folato da anemia pela deficiência de B12 consiste na mensuração dos níveis de folato e de B12 no soro e nos eritrócitos. Tratamento -> reposição com ácido fólico (1mg 1x ao dia). IMPORTÂNCIA DA ORIENTAÇÃO NUTRICIONAL A orientação nutricional é importante para auxiliar na prevenção de anemias, principalmente a ferropriva em crianças e a megaloblástica em gestantes. Como orientações nutricionais, recomenda-se: ❖ Consumo de vitamina C (melhora a absorção do ferro). ❖ Alimentos ricos em vitamina B12. ❖ Redução de alimentos que diminuem a absorção do ferro (chá, café, etc). ❖ Suplementação de ferro e vitamina B12, se necessários.
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