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Anemias A anemia é uma deficiência no tamanho ou no número de eritrócitos ou na quantidade de hemoglobina que eles contêm. Essa deficiência limita a troca de oxigênio e de dióxido de carbono entre o sangue e as células dos tecidos. O processo de desenvolvimento de anemias engloba um conjunto de distúrbios hematológicos ou uma síndrome clínica que reduz a série vermelha da hematopoese em relação ao número de eritrócitos circulantes ou de hemoglobina e/ou hematócrito séricos, e altera os valores de referência dos índices hematimétricos. Quanto ao aspecto morfológico, devem ser considerados: O tamanho da hemácia (VCM – volume corpuscular médio) O peso da hemoglobina (HCM – hemoglobina corpuscular média) A concentração da hemoglobina (CHCM – concentração de hemoglobina corpuscular média) A porcentagem ou índice sobre a variação do volume (RDW – red cell distribution width) Contagem de plaquetas e leucócitos Morfologia celular (anisocitose, poiquilocitose e policromasia) Metabolismo relativo ao ferro (ferro sérico, ferritina sérica, capacidade total de ligação ao ferro e saturação da transferrina) Dosagens de vitaminas Exame da medula óssea (em alguns casos). A hemoglobina é uma proteína conjugada que contém quatro grupos heme e globina; trata-se do pigmento de transporte de oxigênio dos eritrócitos. O hematócrito refere-se à percentagem de volume dos eritrócitos no sangue; o plasma, à porção líquida do sangue total que contém os fatores da coagulação; e o soro refere-se à porção líquida do sangue total, sem os fatores da coagulação. CLASSIFICAÇÃO Ver anexo. A anemia macrocítica caracteriza-se por eritrócitos maiores do que o normal, juntamente com aumento do volume corpuscular médio (VCM) e da concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM). A anemia microcítica caracteriza-se por eritrócitos menores do que o normal e menos quantidade de hemoglobina circulante, como na anemia ferropriva e na talassemia. As anemias são causadas, em sua maior parte, pela falta de nutrientes necessários para a síntese normal dos eritrócitos, principalmente ferro, vitamina B12 e ácido fólico. Essas anemias, que resultam de uma quantidade inadequada de ferro, proteínas, certas vitaminas, cobre e outros metais pesados, são denominadas anemias nutricionais. Outras anemias resultam de determinadas condições, como hemorragia, anormalidades genéticas, doenças crônicas ou toxicidade de substâncias, e possuem graus variáveis de consequências nutricionais. Algumas anemias são consideradas incomuns, como: talassemia, anemia por deficiência de cobre, hemoglobinúria paroxística noturna, síndromes de insuficiência da medula óssea, tipos diferenciados de hemólise, anemia celular de Spur, anemia pela doença de Wilson e anemia por queimaduras intensas. DOENÇAS DO SANGUE RELACIONADAS COM O FERRO O estado do ferro pode variar desde uma sobrecarga até deficiência e anemia. Os estágios no estado do ferro variam desde a sobrecarga de ferro até a anemia ferropriva e são resumidos da maneira a seguir. Balanço negativo do ferro de Estágio I e Estágio II Depleção de ferro. Nesses estágios, as reservas de ferro estão baixas, porém não há nenhuma disfunção. B- Fe Estágio I: a absorção reduzida de ferro leva a uma depleção moderada de suas reservas. B- Fe Estágio II: caracteriza-se por uma grave depleção das reservas de ferro. Balanço negativo do ferro de Estágio III e Estágio IV Deficiência de ferro. A deficiência de ferro caracteriza-se por um ferro corporal inadequado, causando possivelmente disfunção e doença. No Estágio III, a disfunção não é acompanhada de anemia; ocorre desenvolvimento de anemia no Estágio IV. Balanço positivo do ferro de Estágio I e Estágio II O balanço positivo de Estágio I tem habitualmente uma duração de vários anos, porém sem disfunção. Os suplementos de ferro e/ou vitamina C promovem uma progressão para disfunção ou doença, enquanto a remoção de ferro impede a progressão para a doença. A doença por sobrecarga de ferro desenvolve-se em indivíduos com balanço positivo de Estágio II depois de vários anos de sobrecarga de ferro, que causaram lesão progressiva dos tecidos e órgãos. ESTADO DO FERRO O estado do ferro tem uma variedade de indicadores. A ferritina sérica é um complexo de apoferritina de ferro, uma das principais formas de armazenamento do ferro. As concentrações séricas de ferritina estão em equilíbrio com as reservas corporais de ferro. No início (estágio I), o balanço positivo de ferro pode ser mais bem identificado pela determinação da capacidade total de ligação do ferro (CTLF), a capacidade da transferrina de captar o ferro ou tornar-se saturada com ele. Em contrapartida, a determinação das concentrações séricas ou plasmáticas de ferritina pode revelar melhor as fases iniciais (estágios I ou II) do balanço negativo de ferro, embora a CTLF do soro possa constituir um indicador igualmente adequado. A saturação da transferrina é uma medida da quantidade de ferro ligado à transferrina e constitui uma medida do suprimento de ferro aos tecidos. ANEMIA FERROPRIVA A anemia ferropriva caracteriza-se pela produção de eritrócitos (microcíticos) e por concentrações diminuídas de hemoglobina circulante. Essa anemia microcítica constitui o último estágio da deficiência de ferro e representa o ponto final de um longo período de privação. Causas Quantidade dietética inadequada secundária a uma dieta pobre, sem suplementação. Absorção e utilização inadequada em consequência de distúrbios no TGI ou interferência de substâncias Aumento da necessidade de ferro para o aumento do volume e sangue que ocorre durante a lactância, adolescência, gestação e lactação, que não é compensado por um aumento da ingestão. Excreção aumentada devido a sangramento menstrual excessivo (em mulheres); hemorragia por lesões; ou perda crônica de sangue “Destruição aumentada” de ferro das reservas de ferro no plasma e uso defeituoso do ferro causado por inflamação crônica ou outra doença crônica. Manifestações clínicas Tendo em vista que a anemia constitui a manifestação final da deficiência de ferro crônica de longa duração, os sintomas refletem uma disfunção de vários sistemas orgânicos. A função muscular inadequada manifesta-se por uma diminuição do desempenho no trabalho e da tolerância ao exercício. O comprometimento neurológico manifesta-se por alterações comportamentais, como fadiga, anorexia e pica, particularmente pagofagia (ingestão de gelo). A ocorrência de desenvolvimento cognitivo anormal em crianças sugere deficiência de ferro antes do desenvolvimento de anemia evidente. As anormalidades no crescimento, os distúrbios epiteliais e a redução da acidez gástrica também são comuns. Um possível sinal de deficiência inicial de ferro é a redução da imunocompetência, sobretudo defeitos da imunidade celular e atividade fagocítica dos neutrófilos, podendo levar a infecções frequentes. A síndrome das pernas inquietas (SPI) com dor ou desconforto nas pernas pode resultar de uma falta de ferro no cérebro; isso altera a produção de dopamina e o movimento. Além da deficiência de ferro, a insuficiência renal, a doença de Parkinson, o diabetes mellitus, a artrite reumatoide ou a gestação podem agravar a SPI. À medida que a anemia ferropriva torna-se mais grave, surgem defeitos na estrutura e na função dos tecidos epiteliais, em particular na língua, nas unhas, na boca e no estômago. A pele pode tornar-se pálida, e o interior da pálpebra inferior pode ter uma coloração rosada em vez de avermelhada. As alterações na boca incluem atrofia das papilas linguais, sensação de queimação, vermelhidão e, nos casos graves, aparência totalmente lisa, cérea e brilhante da língua (glossite). Além disso, pode ocorrer estomatite angular, assimcomo uma forma de disfagia. A gastrite ocorre com frequência e pode resultar em acloridria. As unhas dos dedos das mãos podem tornar-se finas e achatadas, e, por fim, pode- se observar coiloníquia (unhas em formato de colher). Coiloníquia A anemia progressiva sem tratamento leva a alterações cardiovasculares e respiratórias, que finalmente pode causar insuficiência cardíaca. Alguns sintomas comportamentais respondem à ferroterapia antes da cura da anemia, sugerindo que podem constituir o resultado da depleção tecidual de enzimas que contêm ferro, em lugar de concentrações diminuídas de hemoglobina. Avaliação O diagnóstico definitivo de anemia ferropriva exige mais do que um método de avaliação do ferro; a ferritina sérica, o ferro e a transferrina são os mais úteis. A avaliação também deve incluir uma análise da morfologia celular. A concentração de hemoglobina por si só não é apropriada como instrumento de diagnóstico nos casos de suspeita de anemia ferropriva por três razões: (1) ela só é afetada numa fase tardia da doença, (2) ela não pode diferenciar a deficiência de ferro de outras anemias e (3) os valores de hemoglobina em indivíduos normais varia amplamente. Após a sua absorção, o ferro é transportado pela transferrina plasmática até a medula óssea (síntese de hemoglobina), as células endoteliais (armazenamento) ou a placenta (necessidades fetais). As moléculas de transferrina são geradas na superfície dos eritrócitos em resposta à necessidade de ferro. Na presença de deficiência de ferro, há tantos receptores de transferrina na superfície da célula à procura de ferro que alguns deles se desprendem e flutuam no soro. Sua presença fornece uma medida precoce de deficiência de ferro em desenvolvimento; uma maior quantidade de receptores solúveis de transferrina sérica (RSTS) significa um maior grau de deficiência de ferro. Em altitudes mais elevadas, onde há menor disponibilidade de oxigênio, o hematócrito e as concentrações de hemoglobina aumentam como forma de adaptação. Esse aspecto precisa ser considerado em toda avaliação de anemia. Uma altitude elevada varia de 1.490 a 3.500 metros; uma altitude muito elevada é de 3.500 a 5.500 metros; e uma altitude extrema é acima de 5.500 metros. Medida Faixa de referência Observação Ferritina sérica ou plasmática F 10-150 µg/dL M 12-300 µg/dL o indicador mais sensível de deficiência de ferro. São também observadas baixas concentrações de ferritina na depleção grave de proteína. Ferro sérico ou plasmático F 40-150 µg/dL M 50-160 µg/dL Boa medida da quantidade de ferro ligado à transferrina Capacidade total de ligação do ferro (CTLF) 250-460 µg/dL Quantidade de transferrina circulante total no soro. A CTLF reflete principalmente a função hepática e fornece uma medição indireta da transferrina. % saturação da transferrina circulante F 15-50% M 20- 50% Mede o fornecimento de ferro aos tecidos. É calculada dividindo-se a concentração sérica de ferro pela CTLF. Concentrações inferiores a 16% são consideradas inadequadas para a eritropoiese Receptor solúvel de transferrina sérica (RSTS) F: 1,9-4,4 mg/L M: 2,2-5 mg/L O RSTS reflete a taxa de produção de eritrócitos na medula óssea. Solicitado para diferenciar a anemia causada pela deficiência de ferro da anemia causada por doenças crônicas e inflamatórias. É mais sensível do que a ferritina sérica, visto que está elevado na presença de deficiência de ferro, está dentro dos limites normais na doença crônica ou inflamação e está baixo na sobrecarga de ferro Tratamento clínico Suplementação oral de ferro ferroso (mais fácil e mais bem absorvido no intestino). O ferro é mais bem absorvido quando o estômago está vazio; todavia, nessas condições, ele tende a causar irritação gástrica. Os efeitos colaterais gastrointestinais consistem em náusea, desconforto epigástrico e distensão, pirose, diarreia ou constipação intestinal. Caso esses efeitos colaterais ocorram, o paciente é orientado a tomar o ferro com as refeições, em lugar de tomá-lo com estômago vazio; entretanto, isso diminui acentuadamente a sua absorção. A irritação gástrica constitui o resultado direto da grande quantidade de ferro ferroso livre no estômago. As formas de ferro quelado (associado a aminoácidos) têm maior biodisponibilidade do que o ferro não quelado. O ferro quelado é menos afetado por fitato, oxalato, fosfato e cálcio (todos eles inibidores da absorção de ferro). O ferro quelado provoca menos distúrbio gastrointestinal do que o ferro elementar, visto que há necessidade de doses mais baixas quando absorvido nas células da mucosa. Dependendo da gravidade da anemia e da tolerância do paciente, a dose diária de ferro elementar recomendado é de 50 a 100 mg, três vezes ao dia, para adultos, e de 4 a 6 mg/kg de massa corporal, fracionados em três doses por dia para crianças. A vitamina C aumenta acentuadamente a absorção de ferro e ligeiramente a irritação gástrica, devido à sua capacidade de mantê-lo no estado reduzido. Se a suplementação com ferro não conseguir corrigir a anemia, (1) o paciente pode não estar tomando a medicação conforme prescrito, devido ao desconforto gástrico; (2) o sangramento pode continuar em uma velocidade mais rápida do que a reposição das células sanguíneas pela medula eritroide; ou (3) o ferro suplementar não está sendo absorvido, possivelmente em decorrência de má absorção secundária a esteatorreia, doença celíaca ou hemodiálise. Nessas circunstâncias, pode ser necessária a administração parenteral de ferro na forma de ferrodextrana. Embora a reposição das reservas de ferro por essa via seja mais rápida, é de custo mais elevado do que a administração oral e não é tão segura. Dietoterapia É recomendada a ingestão de alimentos ricos em ferro heme, por serem mais facilmente absorvidos quando comparados a vegetais e grãos ricos em ferro não heme. Outro achado interessante para melhor aproveitamento nutricional, em nível absortivo, foi evidenciado com o uso de probióticos, pois as bactérias probióticas auxiliariam na digestão de fitatos, aumentando a absorção de ferro na barreira intestinal. Desse modo, a intervenção nutricional na anemia ferropriva deve contemplar a dieta rica em alimentos fontes de ferro, suplemento vitamínico isolado e uso de prebióticos/probióticos ou simbióticos. Além do ferro, o processo anêmico pode ser ocasionado por deficiências nutricionais e essas interações parecem correlacionar-se metabolicamente, piorando o estado nutricional. A deficiência de vitamina A pode, por exemplo, interferir negativamente no metabolismo do ferro pela influência exercida no armazenamento e na liberação do ferro para a corrente sanguínea, por exercer efeito regulatório direto sobre a produção de eritropoetina, modificar a liberação ferro dos tecidos em resposta a infecções e auxiliar na absorção de ferro na barreira intestinal. A deficiência de vitamina A torna-se um fator que contribui para a anemia ferropriva, pois o reconhecimento da interrelação destes nutrientes é importante para a qualidade da atenção nutricional direcionada ao tratamento. As intervenções nutricionais para anemia ferropriva devem considerar a prevenção de outras deficiências vitamínicas e/ou minerais que auxiliem na profilaxia de alterações do metabolismo do ferro, como a investigação da vitamina A. A absorção de ferro pode ser inibida em graus variáveis por fatores que quelam o ferro, incluindo carbonatos, oxalatos, fosfatos e fitatos (pão ázimo, cereais não refinados e soja). Certos fatores nas fibras vegetais podem inibir a absorção do ferro não heme. Quando ingeridos nas refeições, o chá e o café podem reduzir a absorção do ferro em 50% por meio da formação de compostos de ferro insolúveis com tanino. O ferro da gema do ovo é pouco absorvidodevido à presença de fosvitina. ANEMIA MEGALOBLÁSTICA Reflete um distúrbio na síntese de DNA que resulta em alterações morfológicas e funcionais dos eritrócitos, leucócitos, plaquetas e seus precursores no sangue e na medula óssea. Ela se caracteriza pela presença de grandes células progenitoras eritroides imaturas e anormais na medula óssea; 95% dos casos são atribuídos à deficiência de ácido fólico ou de vitamina B12. Dois distúrbios do metabolismo da cobalamina surgem em consequência de mutações nos genes da metionina sintase redutase; esses distúrbios também caracterizam a anemia megaloblástica e manifestações neurológicas. Ambas as vitaminas são essenciais para a síntese de nucleoproteínas. As alterações hematológicas são as mesmas em ambas; entretanto, a deficiência de ácido fólico é a primeira a se manifestar. Ocorre depleção das reservas corporais normais de folato dentro de dois a quatro meses em indivíduos que consomem dietas deficientes em ácido fólico. Por outro lado, a depleção das reservas de vitamina B12 só é observada depois de vários anos de uma dieta deficiente em vitamina B12. A suplementação com ácido fólico pode mascarar a deficiência de B12. Sequestro do metilfolato. A deficiência de vitamina B12 pode resultar em deficiência de ácido fólico, visto que o folato é sequestrado na forma de 5-metiltetra-hidrofolato (5-metil THF), que não pode ser convertido em THF e grupos metil doados pela via dependente de vitamina B12 Anemia por deficiência de ácido fólico Etiologia Dieta pobre (falta de frutas e vegetais ou tempo excessivo de cozimento de frutas e vegetais), deficiência de vitamina B12 ou de vitamina C, alcoolismo crônico Enteropatia induzida por glúten ou doença celíaca, espru tropical, interações medicamentosas, defeitos congênitos Demanda tecidual extra, lactância, aumento da hematopoiese e da atividade metabólica, síndrome de Lesch-Nyhan, fármacos Fisiopatologia A deficiência de folato desenvolve-se em quatro estágios: dois que envolvem depleção, seguidos de dois estágios caracterizados por deficiência: Estágio 1: equilíbrio negativo precoce do folato (depleção sérica para menos de 3 ng/mL) Estágio 2: equilíbrio negativo do folato (depleção celular), com diminuição das concentrações eritrocitárias de folato para menos de 160 ng/mL Estágio 3: comprometimento do metabolismo do folato, com eritropoiese deficiente em folato. Há lentificação da síntese de DNA, hipersegmentação nuclear dos granulócitos e eritrócitos macro- ovalócitos Estágio 4: anemia clínica por deficiência de folato, com VCM elevado. Em virtude de seus papéis inter-relacionados na síntese de timidilato na formação do DNA, a deficiência de vitamina B12 ou de ácido fólico resulta em anemia megaloblástica. Os núcleos imaturos não amadurecem adequadamente no estado de deficiência, e o resultado consiste na formação de grandes eritrócitos (macrocíticos), imaturos (megaloblásticos). Os sinais clínicos comuns da deficiência de ácido fólico consistem em fadiga, dispneia, língua ulcerada, diarreia, irritabilidade, esquecimento, anorexia, glossite e perda de massa corporal. Ocorre depleção das reservas corporais normais de folato dentro de dois a quatro meses com dieta deficiente em ácido fólico, resultando em anemia macrocítica megaloblástica, com número diminuído de eritrócitos, leucócitos e plaquetas. A anemia por deficiência de folato manifesta-se por concentrações séricas muito baixas de folato. Tratamento clínico A reposição das reservas de folato é obtida por uma dose de 1 mg de folato por via oral todos os dias, durante duas a três semanas. A manutenção das reservas repletas exige uma ingestão oral absoluta mínima de 50 a 100 µg de ácido fólico por dia. Quando a deficiência de ácido fólico é complicada por alcoolismo, aberrações genéticas ou outras condições que suprimem a hematopoiese, que aumentam as necessidades de ácido fólico ou reduzem a sua absorção, o tratamento deve ser mantido com 500 a 1.000 µg ao dia. A melhora sintomática, evidenciada por um aumento da atividade mental, cooperação e apetite, pode tornar-se aparente dentro de 24 a 48 horas, muito antes da normalização dos valores hematológicos, um processo gradual que leva cerca de um mês. Dietoterapia Uma vez corrigida a anemia, ingerir pelo menos uma fruta fresca e crua ou um vegetal verde escuro ou beber um copo de suco de vegetais ou fruta por dia. Deficiência de B12 e Anemia perniciosa A anemia perniciosa é uma anemia macrocítica megaloblástica, causada pela deficiência de vitamina B12, mais frequentemente devido a uma falta de fator intrínseco (FI). Causas Dieta pobre em consequência de dieta vegana e falta de suplementação, alcoolismo crônico, pobreza Distúrbios do TGI, competição pelos locais de absorção, doença pancreática, HIV ou AIDS Antagonistas da vitamina B12, deficiência enzimática congênita ou adquirida, proteínas de ligação anormais Hipertireoidismo, aumento da hematopoese Doença hepática, doença renal Doses farmacológicas de ácido ascórbico, quando atua como pró-oxidante Fisiopatologia Como resultado da circulação êntero-hepática normal (ou seja, excreção de vitamina B12 e análogos na bile e reabsorção de vitamina B12 no íleo), são geralmente necessárias várias décadas para o desenvolvimento de deficiência de vitamina B12 em vegetarianos estritos que não estejam recebendo suplementação com vitamina B12. Estágio 1: O balanço negativo inicial de vitamina B12 começa quando a ingestão da vitamina é baixa, ou a sua absorção é precária, com depleção da principal proteína de transporte, a TCII. Uma baixa concentração de TCII (<40) pode constituir o primeiro sinal detectável da pré-deficiência. Estágio 2: A depleção de vitamina B12 caracteriza- se por baixas concentrações de B12 na TCII e redução gradual da B12 na haptocorrina (proteína de armazenamento). Estágio 3: o comprometimento do metabolismo e a eritropoiese deficiente em vitamina B12 incluem hipersegmentação, diminuição da CTLF e da percentagem de saturação de haptocorrina, baixa concentração de folato eritrocitário (<140) e comprometimento neuropsiquiátrico sutil (prejuízo da memória a curto prazo e recente). Estágio 4: Ocorre lesão clínica, incluindo anemia por deficiência de vitamina B12; engloba todos os parâmetros precedentes, incluindo eritrócitos macro-ovalocíticos, elevação do VCM, concentração elevada de TCII, concentrações elevadas de homocisteína e ácido metilmalônico e lesão da mielina. Ocorrem leucoencefalopatia e disfunção autônoma com concentrações séricas muito baixas de vitamina B12. Manifestações Clínicas A anemia perniciosa afeta não apenas o sangue mas também o sistema gastrointestinal e os sistemas nervosos central e periférico, o que a diferencia da anemia por deficiência de ácido fólico. Os sintomas evidentes que são causados pela mielinização inadequada dos nervos consistem em parestesia (sobretudo dormência e formigamento nas mãos e nos pés), diminuição da sensação de vibração e posição, coordenação muscular inadequada, problemas de memória e alucinações. Se a deficiência for prolongada, a lesão do sistema nervoso pode ser irreversível mesmo com o início do tratamento com vitamina B12. Tratamento clínico Injeção intramuscular ou subcutânea de 100 µg ou mais de vitamina B12, uma vez por semana. Após a obtenção de uma resposta inicial, a frequência de administração é reduzida até que a remissão possa ser mantida indefinidamente com injeções mensais de 100 µg. Doses orais muito grandes de vitamina B12 (1.000 µg ao dia) também são efetivas, mesmo na ausência de FI, pois cerca de 1% da vitamina B12 sofre absorção por difusão. As doses iniciais devem ser aumentadas quando a deficiência de vitamina B12 for complicada por alguma doença debilitante, como infecção, doença hepática, uremia, coma, desorientaçãograve ou lesão neurológica acentuada. Dietoterapia Dieta rica em proteínas (1,5 g/kg de massa corporal) para a função hepática e para a regeneração do sangue. Como os vegetais de folhas verdes contêm ferro e ácido fólico, a dieta deve conter quantidades aumentadas desses alimentos. As carnes (sobretudo a carne bovina e a carne de porco), os ovos, o leite e derivados do leite são particularmente ricos em vitamina B12. Nos indivíduos que tomam metformina para o tratamento do diabetes mellitus, 10% a 30% apresentam uma redução na absorção de vitamina B12. A metformina afeta negativamente a membrana dependente de cálcio e o complexo B12- FI ao diminuir a absorção pelos receptores de superfície das células ileais. A ingestão aumentada de cálcio reverte a má absorção de vitamina B12. ANEMIA DA DESNUTRIÇÃO ENERGÉTICO- PROTEICA Fisiopatologia As proteínas são essenciais para a produção adequada de hemoglobina e dos eritrócitos. Tendo em vista a redução da massa celular e, portanto, das necessidades de oxigênio na desnutrição proteico- energética (DPE), há necessidade de menos eritrócitos para oxigenar os tecidos. Como o volume de sangue permanece o mesmo, esse número reduzido de eritrócitos com baixa concentração de hemoglobina (anemia normocítica hipocrômica), que pode simular uma anemia ferropriva, representa, na verdade, uma anemia fisiológica (não prejudicial) e não uma anemia perigosa. Na DPE aguda, a perda da massa de tecido ativo pode ser maior do que a redução no número de eritrócitos, levando à policitemia (aumento dos eritrócitos, que passam a constituir uma maior proporção do volume sanguíneo). O corpo responde a essa produção de eritrócitos, que não reflete uma deficiência de proteínas e de aminoácidos, porém um suprimento excessivo de eritrócitos. O ferro liberado da destruição normal dos eritrócitos não é reutilizado na produção de eritrócitos, porém é armazenado, de modo que suas reservas estão frequentemente adequadas. A anemia ferropriva pode reaparecer na reabilitação quando ocorre rápida expansão da massa de eritrócitos. A anemia da DPE pode ser complicada por deficiências de ferro e de outros nutrientes e por infecções, infestações parasitárias e má absorção associadas. Uma dieta com carência de proteínas é habitualmente deficiente em ferro, ácido fólico e, com menos frequência, em vitamina B12. ANEMIA POR DEFICIÊNCIA DE COBRE O cobre e outros metais pesados são essenciais para a formação adequada da hemoglobina. A ceruloplasmina, uma proteína que contém cobre, é necessária para a mobilização normal do ferro de seus locais de armazenamento para o plasma. Em um estado de deficiência de cobre, não pode ocorrer liberação de ferro, resultando em baixas concentrações de ferro sérico e hemoglobina, mesmo na presença de reservas normais de ferro. Outras consequências da deficiência de cobre sugerem que as proteínas de cobre são necessárias para o uso do ferro pelos eritrócitos em desenvolvimento e para o funcionamento adequado da membrana eritrocitária. As quantidades necessárias de cobre para a síntese normal de hemoglobina são tão pequenas que, na maioria das vezes, são amplamente fornecidas por uma dieta adequada. Entretanto, pode ocorrer deficiência de cobre em lactentes alimentados com leite de vaca ou com fórmula infantil deficiente em cobre. Além disso, pode ser observada em crianças ou adultos que apresentam síndrome de má absorção ou que estão recebendo nutrição parenteral total em longo prazo que não fornece cobre. ANEMIA SIDEROBLÁSTICA A anemia sideroblástica (responsiva à piridoxina) caracteriza-se por uma alteração na via final de síntese do heme, levando ao acúmulo de eritrócitos imaturos. A anemia sideroblástica apresenta quatro características principais: eritrócitos microcíticos e hipocrômicos; concentrações séricas e teciduais elevadas de ferro (causando aumento na saturação da transferrina); presença de um defeito hereditário na formação da ácido δ-aminolevulínico sintetase, uma enzima envolvida na síntese do heme (o piridoxal-5-fosfato é necessário nessa reação); acúmulo de eritrócitos imaturos contendo ferro (sideroblastos, que deu o nome a essa anemia). O ferro que não pode ser utilizado para a síntese do heme é armazenado nas mitocôndrias dos eritrócitos imaturos. Essas mitocôndrias carregadas de ferro não funcionam normalmente, e o desenvolvimento e a produção dos eritrócitos tornam-se ineficazes. Os sintomas são aqueles da anemia e da sobrecarga de ferro. Embora a anemia responda à administração de doses farmacológicas de piridoxina, as manifestações neurológicas e cutâneas da deficiência de vitamina B6 não são observadas. Isso a distingue da anemia causada por uma deficiência dietética de vitamina B6. O tratamento consiste em uma dose-teste terapêutica de 50 a 200 mg ao dia de piridoxina ou piridoxal fosfato, que corresponde a 25 a 100 vezes a RDA. Se a anemia responder a um dos dois agentes, a terapia com piridoxina é mantida pelo resto da vida. Entretanto, se a anemia só for corrigida de modo parcial, o hematócrito normal nunca será recuperado. Os pacientes respondem em graus variáveis a esse tratamento, e alguns só conseguem alcançar concentrações quase normais de hemoglobina. As anemias sideroblásticas adquiridas, como aquelas atribuídas a tratamento farmacológico (isoniazida, cloranfenicol), deficiência de cobre, hipotermia e alcoolismo, não respondem à administração de vitamina B6. ANEMIA HEMOLÍTICA Ocorre anemia hemolítica quando defeitos nas membranas dos eritrócitos levam ao dano oxidativo e, por fim, à lise celular. A anemia é causada por uma sobrevida reduzida dos eritrócitos maduros. A vitamina E, um antioxidante, está envolvida na proteção da membrana contra o dano oxidativo, e um dos poucos sinais observados na deficiência dessa vitamina consiste na hemólise precoce dos eritrócitos. ANEMIA FALCIFORME É uma anemia hemolítica crônica também conhecida como doença da hemoglobina S. Devido à herança homozigótica da hemoglobina S, a síntese de hemoglobina é feita de forma defeituosa, o que produz eritrócitos em formato de foice que ficam retidos nos capilares e que não transportam bem o oxigênio. Os eritrócitos falciformes morrem em 10 a 20 dias e a medula óssea não consegue produzir novas células com velocidade suficiente para substituí-los. Manifestações clínicas Além dos sintomas habituais de anemia, a AF caracteriza-se por episódios de dor em consequência da oclusão dos pequenos vasos sanguíneos pelos eritrócitos de morfologia anormal. Com frequência, ocorrem oclusões no abdome, causando dor abdominal intensa e aguda. A anemia hemolítica e a doença vascular oclusiva resultam em comprometimento da função hepática, icterícia, cálculos biliares e deterioração da função renal. A hemólise constante dos eritrócitos aumenta as reservas de ferro no fígado; entretanto, pode-se observar a coexistência de anemia ferropriva e AF. A sobrecarga de ferro é menos comum e representa habitualmente um problema apenas para pacientes que foram submetidos a múltiplas transfusões de sangue. Nos casos típicos, as concentrações séricas de homocisteína estão elevadas, o que pode ser devido às baixas concentrações de vitamina B6. Tratamento Realização mensal de transfusões de sangue e o uso do fármaco hidroxiureia. As transfusões sanguíneas consistentes interrompem a produção de eritrócitos falciformes e tentam normalizar a contagem de eritrócitos. A hidroxiureia aumenta a produção de hemoglobina fetal saudável, reduzindo as internações. Como a hidroxiureia também diminui o número de leucócitos, é necessário realizar um monitoramento regular dos pacientes com exames de sangue. É importante que a AF não seja confundida com anemia ferropriva, que pode ser tratada com suplementos de ferro, visto que as reservas de ferro no paciente comAF secundária a transfusões estão frequentemente excessivas. O zinco pode aumentar a afinidade dos eritrócitos normais e falciformes pelo oxigênio. Por conseguinte, os suplementos de zinco podem ser benéficos no tratamento da doença falciforme. Tendo em vista que o zinco compete com o cobre pelos sítios de ligação nas proteínas, a administração de altas doses de zinco pode precipitar uma deficiência de cobre. Dietoterapia A ingestão dietética pode ser baixa devido à dor abdominal característica da doença. Além disso, apresentam um aumento do metabolismo, levando a uma necessidade de maior ingestão energética. Por conseguinte, a dieta desses pacientes deve conter energia suficiente para suprir as necessidades e deve fornecer alimentos ricos em ácido fólico e nos oligoelementos zinco e cobre. Recomenda-se uma ingestão de 2 a 3 litros de água por dia. Por fim, é importante lembrar que os pacientes com doença falciforme podem necessitar de quantidades de proteínas maiores do que a RDA. É necessário que a dieta seja pobre em ferro absorvível, priorizando uma dieta com proteínas vegetais. Devem-se excluir os alimentos ricos em ferro, como fígado, fórmula enriquecida com ferro, cereais e barras energéticas fortificados com ferro e bebidas esportivas também enriquecidas com ferro. Substâncias como álcool e suplementos de vitamina C devem ser evitadas, visto que ambos aumentam a absorção de ferro. Entretanto, pode-se observar a deficiência de ferro em alguns pacientes com AF, devido a flebotomias repetidas, transfusões excessivas ou hematúria em consequência de necrose papilar renal. ANEMIA ESPORTIVA Ou anemia microcítica hipocrômica transitória. Pode ocorrer aumento na destruição de eritrócitos, juntamente com diminuição das concentrações de hemoglobina, ferro sérico e ferritina, no início e nos primeiros estágios de um programa de treinamento vigoroso. Anteriormente denominada hemoglobinúria de marcha (aparecimento incomum de hemoglobina na urina), acreditava-se que essa anemia ocorria em soldados como consequência de traumatismo mecânico sofrido pelos eritrócitos durante longas marchas. Os eritrócitos nos capilares são comprimidos toda vez que os pés pousam no solo até sofrerem ruptura, liberando hemoglobina. Acreditava-se também que ocorria uma situação semelhante nos corredores, sobretudo naqueles de longa distância. Entretanto, acredita-se hoje que a anemia esportiva seja uma anemia fisiológica (ou seja, um problema transitório de volume e diluição do sangue). Os atletas que apresentam concentrações de hemoglobina abaixo daquelas necessárias para o fornecimento ideal de oxigênio podem beneficiar-se do consumo de alimentos ricos em nutrientes e ferro, assegurando que a sua dieta contenha proteínas em quantidades adequadas e evitando o consumo de chá e café e o uso de antiácidos, bloqueadores H2 e tetraciclina, os quais inibem a absorção de ferro. Nenhum atleta deve tomar suplementos de ferro, a não ser que seja diagnosticado com deficiência de ferro, com base no hemograma completo com contagem diferencial, concentração sérica de ferritina e ferro, CTLF e porcentagem de saturação da capacidade de ligação do ferro. Os atletas do sexo feminino, vegetarianos, envolvidos em esportes de resistência ou que entram na fase de estirão do crescimento correm risco de desenvolver anemia ferropriva e, portanto, devem ser submetidos a monitoramento periódico. TALASSEMIA As talassemias (alfa e beta) são anemias hereditárias graves, caracterizadas por eritrócitos microcíticos, hipocrômicos e de vida curta, em consequência da síntese defeituosa de hemoglobina que afeta principalmente indivíduos da região do Mediterrâneo. A eritropoiese ineficaz leva a um aumento do volume plasmático, esplenomegalia progressiva e expansão da medula óssea, resultando em deformidades faciais, osteomalacia e alterações ósseas. Por fim, ocorrem aumento da absorção de ferro e depósito progressivo de ferro nos tecidos, resultando em lesão oxidativa. O acúmulo de ferro provoca disfunção cardíaca, hepática e das glândulas endócrinas. Como esses pacientes necessitam de transfusões para permanecerem vivos, eles também precisam receber tratamento com agentes quelantes para impedir o acúmulo lesivo de ferro que provavelmente pode ocorrer. O comprometimento do crescimento em crianças com talassemia maior pode ser parcialmente corrigido por um aumento na ingestão energética. Dietoterapia A dieta deve ser rica em proteínas, vitaminas B, sobretudo ácido fólico, e zinco. Devem-se evitar suplementos multivitamínicos e com minerais que contenham quantidades de ferro e de vitamina C acima dos valores da RDA. Pode ser necessário um aumento na oferta de cálcio em alguns pacientes devido a problemas na formação óssea. Os pacientes devem permanecer bem hidratados.
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