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1 FACULDADE ÚNICA DE IPATINGA 2 Juliana Crespo Lopes Psicóloga formada pela Universidade Federal de Santa Catarina e Pedagoga pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Tem especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional e em Docência na Educação Superior. Mestra e Doutora pela Universidade de Brasília, na área de Desenvolvimento Humano e Educação. Tem experiência como professora da Educação Básica, Graduação e Pós-Graduação. Atualmente realiza estágio pós-doutoral na Charles University, em Praga, República Tcheca. DIVERSIDADE, DIFERENÇA E DEFICIÊNCIA: IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS 1ª edição Ipatinga – MG 2021 3 FACULDADE ÚNICA EDITORIAL Diretor Geral: Valdir Henrique Valério Diretor Executivo: William José Ferreira Ger. do Núcleo de Educação à Distância: Cristiane Lelis dos Santos Coord. Pedag. da Equipe Multidisciplinar: Gilvânia Barcelos Dias Teixeira Revisão Gramatical e Ortográfica: Naiana Leme Camoleze Revisão/Diagramação/Estruturação: Bárbara Carla Amorim O. Silva Carla Jordânia G. de Souza Rubens Henrique L. de Oliveira Design: Brayan Lazarino Santos Élen Cristina Teixeira Oliveira Maria Luiza Filgueiras © 2020, Faculdade Única. É proibida a reprodução total ou parcial deste livro em qualquer meio sem autorização escrita do editor NEaD – Núcleo de Educação as Distancia FACULDADE ÚNICA Rua Salermo, 299 Anexo 03 – Bairro Bethânia – CEP: 35164-779 – Ipatinga/MG Tel (31) 2109 -2300 – 0800 724 2300 www.faculdadeunica.com.br http://www.faculdadeunica.com.br/ 4 Menu de Ícones Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do conteúdo aplicado ao longo do livro didático, traremos ícones ao lado dos textos. Eles são para chamar a sua atenção para determinado trecho do conteúdo, cada um com uma função específica, mostradas a seguir: São sugestões de links para vídeos, documentos científico (artigos, monografias, dissertações e teses), sites ou links das Bibliotecas Virtuais (Minha Biblioteca e Biblioteca Pearson) relacionados com o conteúdo abordado. Trata-se dos conceitos, definições ou afirmações importantes que você deve ter um maior grau de atenção! São exercícios de fixação do conteúdo abordado em cada unidade do livro. É para o esclarecimento do significado de determinados termos/palavras mostrado ao longo do livro. Este espaço é destinado à reflexão sobre questões citadas em cada unidade, para associação com suas ações, seja no ambiente profissional ou em seu cotidiano. 5 SUMÁRIO NOMENCLATURA E POSTURAS ................................................................. 8 1.1 PESSOAS E NÃO CAIXAS ..................................................................................... 8 1.2 COMO CHAMAR? ..............................................................................................11 1.3 COMO LIDAR? ....................................................................................................18 FIXANDO O CONTEÚDO ...........................................................................................20 HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA ................................................ 23 2.1POR QUE O PASSADO IMPORTA? ........................................................................23 2.2 PERCURSO MUNDIAL ...........................................................................................24 2.3 PERCURSO BRASILEIRO .......................................................................................27 FIXANDO O CONTEÚDO ...........................................................................................33 EDUCAÇÃO INCLUSIVA PARA QUEM? .................................................. 37 3.1 PARA ALÉM DOS LAUDOS E LAUDADOS .............................................................37 3.2 APRENDIZAGENS SIGNIFICATIVAS ......................................................................41 3.3 CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA .....................................................43 FIXANDO O CONTEÚDO ...........................................................................................44 PLANO DE DESENVOLVIMENTO INDIVIDUALIZADO ............................... 52 4.1 RASTREIO INICIAL ............................................................................................53 4.1.1 Contextos .......................................................................................................... 53 4.1.2 Olhar para o estudante ................................................................................ 54 4.2 OBJETIVOS .......................................................................................................59 4.3 ADAPTAÇÃO CURRICULAR ............................................................................61 FIXANDO O CONTEÚDO ......................................................................................64 RECURSOS, POSTURAS E ESTRUTURAS ..................................................... 67 5.1 RECURSOS TECNOLÓGICOS ...............................................................................67 5.2 POSTURAS............................................................................................................69 5.3 ESTRUTURAS .........................................................................................................72 FIXANDO O CONTEÚDO ...........................................................................................73 UNIDADE 01 UNIDADE 02 UNIDADE 03 UNIDADE 04 UNIDADE 05 6 AVALIAÇÃO ............................................................................................ 79 6.1 PARA QUE SERVE A AVALIAÇÃO? .....................................................................79 6.2 AVALIAÇÃO E INTERVENÇÃO ............................................................................81 6.3 DIFERENTES POSSIBILIDADES DE AVALIAÇÃO .....................................................83 6.3.1 Avaliações individuais ............................................................................................. 84 6.3.2 Avaliações coletivas .......................................................................................... 88 FIXANDO O CONTEÚDO ...........................................................................................90 RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO .........................................................93 REFERÊNCIAS .............................................................................................................94 UNIDADE 06 7 CONFIRA NO LIVRO Antes de começarmos a estudar sobre Educação Inclusiva e as políticas que colaboram para sua existência e permanência, vamos pensar em quem é esse “público-alvo” e refletir sobre a forma como nos referimos e lidamos com essas pessoas. Vamos prosseguir em nossos estudos conhecendo como foi o processo de tornar a Educação um espaço de inclusão. Para isso vamos falar sobre sua história (mundial e brasileira) e também sobre leis, declarações e outros documentos que ajudaram a construir a Educação Inclusiva. Na terceira unidade vamos refletir sobre o que significa uma Educação verdadeiramente Inclusiva. Falaremos sobre como deve ser a prática e a postura educacional e sobre os desdobramentos e contribuições que a Educação Inclusiva promove na sociedade.Na quarta unidade vamos discorrer de maneira mais prática sobre Plano de Desenvolvimento Individualizado. Para isso, abordaremos desde as ações iniciais necessárias para a construção de um PDI até as formas de se realizar a adaptação curricular. Na quinta unidade abordaremos sobre os recursos tecnológicos, as posturas e as estruturas presentes no sistema educacional e como modificá-las e aperfeiçoá-las para garantir uma Educação para todos os estudantes, em suas diferenças e singularidades. Na última unidade falaremos sobre os motivos para avaliar estudantes, pensando de forma crítica e inclusiva. Serão mencionadas diferentes práticas avaliativas e as muitas possibilidades de atividades que podem ser feitas para promover aprendizagens, identificar o que estudantes estão aprendendo e quais as dificuldades encontradas. 8 NOMENCLATURA E POSTURAS 1.1 PESSOAS E NÃO CAIXAS Nossa sociedade tem estado cada vez mais consciente a respeito das formas como lidar com as pessoas que destoam de uma normatividade imposta pela sociedade. Começamos a refletir sobre os machismos, racismos e homofobias que existem não só nas falas e posturas individuais, mas também aqueles que aparecem de forma estrutural quando nem percebemos. Nesta unidade quero convidar você a conhecer o que chamamos de capacitismo. Capacitismo é considerar que pessoas não apresentam deficiências físicas, intelectuais ou sensoriais são, de alguma forma, superiores àquelas que apresentam (CAMARGO; CARVALHO, 2019). Dentro dessa postura e visão de sujeitos, pessoas consideradas deficientes têm suas capacidades, habilidades e mesmo existências no mundo menosprezadas. Alguns exemplos do que é capacitismo: ter pena; direcionar a palavra a acompanhantes ao invés de falar diretamente com a pessoa; partir da premissa que a pessoa não vai conseguir fazer algo; considerar que a pessoa ou sua deficiência são lições de vida ou fardos para terceiros; se admirar com conquistas de pessoas consideradas deficientes. Todos nós já fomos capacitistas. Indo além, todos nós teremos atitudes ou pensamentos capacitistas no futuro. O que podemos fazer é conhecer mais, ouvir mais e respeitar cada vez mais. O capacitismo existe porque determinamos que existe algo chamado de deficiência, uma falta. Ela pode ser física, intelectual ou comportamental. Comecem a perceber a frequência com a qual vocês olham alguém na rua, na televisão, na escola e já se perguntam ou comentam com a pessoa ao seu lado: “O UNIDADE 01 9 que é que ele tem?”. Essa pergunta é o título de um livro da Olivia Byington (2016), cantora brasileira, talvez hoje mais conhecida por ser a mãe de Gregório Duvivier. Mas no caso do livro, a Olivia é mãe do João, irmão do Gregório. João tem Síndrome de Apert, uma doença rara que faz com que ele, entre outras questões, tenha um rosto bem diferente da maioria dos nossos. E quando as pessoas olham pro João, só conseguem pensar nisso e já determinar que ele tem um problema. É bastante comum que a gente tente colocar as pessoas em caixinhas. E isso acontece em todos os âmbitos de nossa sociedade. Nos pautamos em dicotomias: existem pessoas gordas e magras; altas e baixas; ricas e pobres; esforçadas e preguiçosas; divertidas e chatas. E nesse movimento de dicotomias, temos o normal e o anormal. Agora pergunto a vocês: o que é normal? Quem tem o direito de estabelecer que seu modo de funcionamento e seu corpo devem ser parâmetro? Você percebe que tendemos a nos colocar como o padrão e comparar todas as outras pessoas a partir de nós? Se eu tenho R$1.000, quem tem R$3.000 é rico. Se eu tenho R$50.000, quem tem R$3.000 é pobre. Se para mim matemática é muito fácil, eu acho estranho que alguém tenha dificuldades nessa disciplina. Se eu enxergo, pessoas cegas são deficientes visuais. Mas você já tentou fechar os olhos e ler um cardápio em braile usando a ponta do seu dedo indicador? Pois então, você é um deficiente táctil! Skliar (2003) fala sobre colocarmos sempre no “outro” o problema, a falta, a deficiência. Determinamos que o que somos e os grupos que fazemos parte é considerado como normal e adequado. Separamos o “nós” do “eles” e, nessa prática, não existe uma intenção de se enxergar e trabalhar com o outro. É a dualidade que foi mencionada agora há pouco: uma dualidade que considera que existe um padrão mais adequado, mais funcional, mais ideal. O resto é problema, deficiência, transtorno, doença. Skliar (2003) explica que o que é muitas vezes chamado de Inclusão Escolar é, na verdade, uma grande segregação. Existe um foco tão grande em criar e usar certas nomenclaturas para designar estudantes que eles não são vistos em sua inteireza, em suas potencialidades. O que acontece é que esses nomes vão mudando com o tempo, numa tentativa de tornar mais “bonito” (ou menos feio...), mas todos esses rótulos continuam determinando que essas pessoas não são ideais. Quando a escola foca mais no que considera um problema do que nas pessoas em si, as práticas educativas estão muito mais próximas da Educação Especial do que 10 em uma Educação de fato inclusiva. Voltando ao João Byington, determinar que ele tem uma condição genética é mais importante do que conversar com ele, saber quem ele realmente é. Até se pode buscar promover seu desenvolvimento, mas a síndrome dele vai estar frequentemente em primeiro lugar, ao invés dele. Se é mais importante saber o que é que ele tem, a invés de buscar saber quem ele é, estamos segregando. Quando o diagnóstico é tudo (ou quase tudo) que vemos é porque estamos comparando com o padrão de normalidade que construímos a partir de nossa compreensão de que os normais somos nós. É importante conhecer as especificidades de cada estudante para atender adequadamente às demandas. Um estudante cego irá precisar de textos em braile e de audiodescrição; um estudante surdo irá precisar de um intérprete de LIBRAS; um estudante autista irá precisar de explicações mais concretas. Porém, de forma semelhante, Pedro precisará de imagens para entender uma explicação; Gabriela de um suporte anatômico no lápis para escrever melhor e Arthur precisará que a professora sente ao lado dele para explicar determinado conteúdo. Por que os três últimos foram chamados pelos nomes e os três primeiros não? A pessoa tem que vir antes. https://bit.ly/3nwSnQw 11 Vamos continuar discutindo essas questões no próximo tópico, entendendo melhor os vários nomes que utilizamos e pensando em novas formas de enxergarmos e nos referirmos a quem é diferente de nós, os supostos normais. 1.2 COMO CHAMAR? São inúmeros os nomes que utilizamos para designar as tais pessoas diferentes de nós. Em um mundo ideal simplesmente aboliríamos qualquer designação que rotulasse pessoas, mas a ideia aqui é problematizar nossas posturas e práticas em relação aos nomes para no futuro nem precisarmos mais deles. Vamos começar com uma importante reflexão: como você xinga as pessoas quando elas fazem algo errado ou não entendem o que você quer? A grande maioria das pessoas chama as outras de retardado, imbecil, mongol e idiota. Muito provavelmente você já usou essas palavras enquanto xingamentos, não é? Você sabia que elas, em algum momento, foram utilizadas para se referir a pessoas que apresentavam um desenvolvimento cognitivo com alguma forma de comprometimento? Usar um termo que designa ou designou pessoas com deficiência como se fosse um xingamento é capacitismo. Passada a catarse e entendendo que ser diferente de mim e dos meus iguais não é algo ruim e muito menos um xingamento, vamos continuar nossa problematização. Estamos vivendo um momento em que a visão médica ocupa espaçocentral. Temos diagnósticos para tudo, sejam questões físicas, mentais ou comportamentais. O correto é não xingar ninguém, mas te desafio a pensar em três xingamentos que não são capacitistas (e nem homofóbicos, machistas ou racistas). ______________________ ___________________ ____________________ Se você só conseguiu pensar em xingamentos relacionados a animais (anta, burro, vaca) saiba que eles são especistas, por que os animais representam coisas negativas? Sugiro tentar mais um pouquinho, para quando extravasar sua raiva, já ter algumas cartas na manga: _________________ ________________________ ______________________ 12 Estar triste significa estar com depressão, sentir o coração bater mais rápido em um momento de poucas certezas significa ter transtorno de ansiedade. De forma semelhante, ter dificuldades constantes em matemática está relacionado ao Transtorno de Aprendizagem chamado Discalculia e temos vários para a escrita e a leitura: de Disortografia, de Disgrafia, de Dislexia. A lista ainda não acabou, infelizmente. Crianças e adolescentes que confrontam regras têm Transtorno Opositor Desafiador e pessoas com dificuldade de se concentrar, especialmente em coisas desinteressantes, têm Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Essa visão de que tudo é doença se chama patologização ou medicalização. O primeiro termo foi bastante usado por Michel Foucault, um autor que talvez vocês já tenham ouvido falar. Foucault (1997) falou sobre muitas coisas importantes, entre elas sobre como prisões, escolas e hospitais psiquiátricos têm muito mais em comum do que a gente imagina. Ele fala sobre como a sociedade deseja corpos dóceis e que as crianças que destoam disso precisam ser disciplinadas. Atualmente temos falado mais sobre medicalização, entendendo como um processo em que: [...] as questões da vida social, sempre complexas, multifatoriais e marcadas pela cultura e pelo tempo histórico, são reduzidas à lógica médica, vinculando aquilo que não está adequado às normas sociais a uma suposta causalidade orgânica, expressa no adoecimento do indivíduo. Assim, questões como os comportamentos não aceitos socialmente, as performances escolares que não atingem as metas das instituições, as conquistas desenvolvimentais que não ocorrem no período estipulado, são retiradas de seus contextos, isolados dos determinantes sociais, políticos, históricos e relacionais, passando a ser https://bit.ly/3fv3TeJ https://bit.ly/3bvsoGS 13 compreendidos apenas como uma doença, que deve ser tratada (UNIFESP , 2019, online). Ou seja, se um estudante está com dificuldades em acompanhar algum conteúdo, não se concentra nas aulas ou está atrasado em relação a seus colegas, ele é diagnosticado com algum transtorno. Destoar da norma é visto como doença e quando existe uma doença não existem culpados. Não é responsabilidade da escola, da família ou da sociedade. E o estudante, apesar de não ser culpado por seus “desvios”, é percebido como menos competente por um motivo que exige tratamento constante. No processo de medicalização não se reflete sobre possíveis mudanças nas práticas pedagógicas, nas posturas docentes ou nas estruturas das instituições escolares. Todos esses aspectos certamente influenciam (positiva e negativamente) comportamentos e construções de conhecimentos de estudantes. Ao contrário, as soluções estão sempre restritas aos estudantes que deverão fazer sessões de psicoterapia, fonoaudiologia, psicomotricidade, aulas de reforço escolar e, muitas vezes, tomar medicamentos. Retomando a lista dos chamados Transtornos de Aprendizagem e de Comportamento, vamos parar um pouco para refletir sobre o que é, afinal, um Transtorno. Se um estudante é diagnosticado como tendo o Transtorno de Aprendizagem de Discalculia, quantos professores irão se esforçar para garantir que ele aprenda de fato os conteúdos de matemática? Afinal, se é um Transtorno, uma doença catalogada, pressupõe-se que o professor pode fazer malabarismos enquanto chupa cana e toca flauta que mesmo assim o estudante não vai aprender, não é? Esses rótulos, essas caixinhas nas quais estudantes com dificuldades em acompanhar conteúdos escolares são colocados, restringem suas possibilidades e também as ações docentes. Todos perdem, mas os estudantes perdem mais. Existe 14 uma educadora chamada Maria Helena Souza Patto, ela escreveu em 1980 uma tese que continua muito atual sobre a construção do fracasso escolar. Ela explica que o fracasso escolar é construído pela sociedade, não é algo do estudante, apesar de ser ele quem carregue esse peso e todas as consequências que essa ideia acarreta (PATTO, 2015). Os tais dos Transtornos de Aprendizagem e de Comportamento também carregam um outro aspecto que vale a pena pensarmos: em nosso cotidiano onde encontramos a palavra “transtorno”? Figura 1: Desculpe o transtorno Disponível em: https://bit.ly/3sfUtrC. Acesso em: 15 de dez. de 2020. Transtornos são buracos na pista, barulhos de britadeira em um sábado de manhã e a necessidade de você ter que fazer um desvio longo e não planejado quando está sem tempo. Para piorar mais ainda, quando ouvimos nos corredores, sala de professores e reuniões de Conselho de Classe, os diálogos são mais ou menos assim: Exemplo 1: - Nossa, estou com 3 TDAH na minha sala. - Coitada!! Eu tive um TOD e um TDAH ano passado e vinha pra cá rezando pra pelo menos um deles faltar! - Ah, minha alegria é que está tendo atendimento especializado pros meus laudados! Se não fosse isso.... https://bit.ly/3sfUtrC 15 Você percebeu que eu nenhum momento o diálogo menciona estudantes, crianças ou adolescentes? No lugar de se enxergar sujeitos só se vê transtornos, doenças, buracos na pista e barulhos de britadeira. Se eu percebo um estudante enquanto um transtorno quer dizer que ele me incomoda, que a presença dele me incomoda. E mais do que isso, esse transtorno precisa ser consertado, resolvido. Esse transtorno precisa sumir ou pelo menos deixar de ser percebido. A fala do diálogo (não muito) hipotético acima que se refere ao atendimento especializado tira a responsabilidade do docente de sala de aula, transferindo-a para profissionais que devem prover apoio, mas não conduzir todo o processo educacional. Estudantes são jogados de um lado para o outro como batatas quentes, não são desejados nem bem vistos (afinal, são buracos na pista). Ainda neste universo dos mil e um nomes que não devem ser usados, temos a a palavra “portador”, que passa uma ideia de doença ou de perigo. Veja os exemplos Portador de deficiência Portador do vírus HIV. Homem entrou no banco portando uma bomba. Ela estava portando uma arma. Quando se “porta” algo é como se a pessoa tivesse contraído um vírus e, mais do que isso, pudesse sair por aí transmitindo essa doença. Ou então estivesse em posse de um artefato perigoso e pudesse causar alguma destruição. E então chegamos no eufemismo “especial”. Sim, essa perspectiva foi importante durante algum tempo, assim como outras que já foram mencionadas aqui. A questão é a importância de se evoluir e continuar aprendendo, se informando e refletindo. Por que é ruim falar que uma criança é especial? Bem, você pode falar que seus filhos, sobrinhos, vizinhos, estudantes são especiais caso eles sejam pessoas especiais. O que não é legal é tentar esconder ou tornar mais agradável aos olhos e ouvidos quando você quer dizer que uma criança tem 16 síndrome de Down, é autista, cega, ou surda. Estar fora da norma não é ruim, nem errado e não é motivo de vergonha. Os eufemismos são usados para tentar diminuir a gravidadede uma situação. Quando se diz que alguém é “forte” quando na verdade a pessoa é gorda, por exemplo. Quem fala “forte” entende que gordo é um xingamento, um adjetivo desagradável. Mas por que chamar alguém de gordo é mal-educado e dizer que é magra é um elogio? Porque nossa sociedade convencionou assim... Mas para muitas culturas, ser gorda é sinal de saúde e magra, doença. Então, no caso das questões físicas, sensoriais, motoras, comportamentais e cognitivas que destoam daquilo que alguém um dia resolveu chamar de “normal” (lembrem-se das discussões lá pro primeiro subtítulo), elas são todas negativas e geram muitos tabus e posturas de “pisar em ovos”. Quando na verdade, são simplesmente características e formas de ser e estar no mundo, que geram maiores ou menores demandas. O grande ponto dessa parte de nosso texto é que ser cego, surdo ou autista, usar cadeiras de rodas, ter alguma síndrome, ter dificuldades para se concentrar ou para acompanhar as aprendizagens da turma não é algo ruim. O que é ruim é viver com essas questões em uma sociedade que ao invés de acolher, exclui. Se houvesse acessibilidade em todos os lugares, com rampas adequadas, audiodescrições, legendas e intérpretes de LIBRAS, essas pessoas não teriam seus direitos restritos ou dificultados. Se as práticas didático-pedagógicas considerassem as subjetividades e singularidades de todos os estudantes, seriam realizadas diferentes atividades, de diferentes formas e isso colaboraria para que todos os estudantes tivessem aprendizagens significativas, conseguindo direcionar atenção e compreendendo conteúdos. O problema não é a pessoa e sim o contexto. O nome dessa seção é “Como chamar” e depois de toda essa discussão e propostas de reflexões, espero que você já saiba a resposta: Chame a pessoa pelo nome dela! Parece uma piadinha, mas é a verdade, devemos evitar rotular estudantes. E mesmo que você tenha dois estudantes cegos na mesma sala, eles são sujeitos diferentes, correto? Você se refere a todos os seus amigos canhotos como “os canhotos” ou são Jorge e Renata que, por acaso, são ambos canhotos? Claro que falamos sobre ‘estudantes autistas”, “estudantes surdos” e “estudantes cegos”, mas devemos evitar quando se trata de pessoas específicas porque afinal, elas são 17 pessoas. Hoje em dia no Brasil se convencionou falar “Pessoa com deficiência”. Esse termo é justificado por dois grandes motivos: a pessoa vem primeiro e a deficiência não a define. Antes era “pessoa deficiente”, que dá a ideia de que ela toda é uma falta (afinal é isso que deficiência significa). Ainda assim, alguns grupos e pessoas não gostam dessa designação. Pessoas autistas, por exemplo, preferem ser entendidas enquanto pessoas autistas do que “pessoas com autismo”, porque essa segunda nomenclatura dá uma ideia de doença, como “pessoa com catapora”. Faz sentido, né? Pessoas surdas preferem ser designadas assim do que como “pessoas com deficiência auditiva”, porque elas entendem que a surdez não é uma deficiência, inclusive existe uma grande cultura surda no Brasil e no mundo. Ao longo deste livro será usada a expressão pessoas com desenvolvimento atípico, entendendo que não existe um padrão de normalidade. Pessoas se desenvolvem de maneiras diversas daquilo que costumamos encontrar em nosso cotidiano. * Vou recriar aquele diálogo: Exemplo 2: - Nossa, preciso de novas ideias para as aulas! A Paula, o Artur e o Diego estão com muita dificuldade pra se concentrar nas explicações e atividades. - Que difícil... Ano passado eu dei aula pro Artur e uma coisa que funcionou muito foi usar exemplos do cotidiano, relacionando o que eu explicava com coisas que ele conhecia. - Olha, a Márcia, professora do atendimento especializado pode te ajudar com algumas ideias. Conversa com ela na hora que tua turma estiver na Educação Física. 18 Nessa nova versão da conversa entre professores, além de alterar as formas como se referem a estudantes, também modifiquei algumas posturas docentes. E sobre isso que falaremos na próxima e última seção de nossa primeira unidade. 1.3 COMO LIDAR? Este tópico pode ser resumido por uma frase bastante simples: lide com respeito. Porém, a ideia de respeito não é tão simples assim, então vamos começar falando sobre as diferenças em tolerar, aceitar e respeitar. Tolerar não é bom. Não se deve tolerar a presença de estudantes em sala de aula. Porque só se tolera aquilo que é ruim. Ninguém tolera uma viagem paradisíaca, mas muita gente tolera um tio chato. Porque deveria ser feito um esforço para lidar com a presença de certos estudantes, ou para lidar com a proposta de Educação Inclusiva? Aceitar é melhor, mas ainda falta porque não era o desejado. Eu posso aceitar um pagamento em cheque, mas eu preferia receber em dinheiro. Por que não seria desejada a presença de certos estudantes? Por que não seria desejada uma Educação Inclusiva? E finalmente chegamos no respeito. Todas as relações devem ser permeadas pelo respeito. A questão é que devemos respeitar as pessoas por serem pessoas e não por serem mais velhas, mais poderosas, mais fortes ou mais bravas. E nessa ideia de que respeito é um direito humano, nada mais correto do que respeitar todos os estudantes (e também ser respeitada/o por eles). Não se respeita a dificuldade, a demanda ou a especificidade que trazem, se respeita as pessoas em sua totalidade. Posto isso, recomendo fortemente que se lide com todos os estudantes com respeito, tenham eles dificuldades e demandas identificadas ou não. O diálogo entre docentes que refiz no final do tópico anterior traz essa ideia de respeito, tanto na forma como estudantes são percebidos e referidos, como em uma postura que busca contribuir para seus desenvolvimentos. Vygotsky (1997) explicava entre as décadas de 1920 e 1930 que todas as crianças podem se desenvolver e aprender. Sim, existem diferenças em relação a aspectos sensoriais, cognitivos e comportamentais, porém, diferenças não são impeditivos. Existem diferentes formas de se mediar as construções de conhecimento e os processos de desenvolvimento. Não existem barreiras impenetráveis ou fixas. 19 Faz-se necessário ter em mente que todos os estudantes têm potencialidades, merecem respeito e um olhar atento de docentes. Esse olhar atento ultrapassa os diagnósticos e os estereótipos. Ele enxerga o Daniel, a Camila, o Ricardo e a Joana. https://bit.ly/2LKa9SQ 20 FIXANDO O CONTEÚDO 1. Assinale a alternativa correta a respeito de nomenclaturas: a) Retardado é um xingamento e não podemos usar para falar de pessoas especiais. b) A nomenclatura a ser usada é Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais. c) Quando usamos siglas médicas para falar de estudantes estamos sendo precisos em relação às demandas. d) Quando falamos Pessoa com Deficiência estamos enfatizando a pessoa. e) Falar que um estudante é especial reflete o carinho e o envolvimento que existe entre professora e estudante. 2. Assinale a alternativa que descreve um exemplo de capacitismo: a) Acreditar que todos são capazes. b) Acreditar que ninguém é capaz. c) Xingar pessoas. d) Considerar que pessoas com desenvolvimento diferenciado são tão capazes quanto todas as outras. e) Dirigir a fala para o acompanhante e não para a pessoa. 3. Assinale a alternativa correta: a) Entre as pessoas com deficiência, algumas têm potencialidades, mas outras não. b) Pessoas com deficiências têm várias potencialidades. c) O planejamento pedagógico não é atribuição da professora de sala de aula. d) De nada adianta uma potencialidade não cognitiva na escola. e) A escola precisa de umlaudo médico para fazer a inclusão. 4. Sobre as posturas docentes, assinale a alterativa correta: a) A tolerância deve prevalecer em todos os espaços escolares. b) A intolerância é aceitável em algumas situações. c) Devemos aceitar apenas atitudes respeitosas. d) A postura mais adequada para se estabelecer nas relações escolares é a aceitação. e) O respeito deve existir em todas as relações. 21 5. Se as práticas didático-pedagógicas considerassem as ______________ e _______________ de todos os estudantes, seriam realizadas diferentes atividades, de diferentes formas e isso ____________ para que todos os estudantes tivessem aprendizagens significativas, conseguindo direcionar atenção e compreendendo conteúdos. a) padronizações / pluralidades / ratificaria b) subjetividades / singularidades / colaboraria c) subjetividades / singularidades / prejudicaria d) subjetividades / pluralidades / colaboraria e) subjetividades / pluralidades / prejudicaria 6. Todas as relações devem ser permeadas: a) Pelo respeito b) Pela intolerância c) Pelos estereótipos d) Pelas dificuldades e) Pela demanda 7. Sobre o desenvolvimento, marque a alternativa correta: a) As barreiras de desenvolvimento são impenetráveis e fixas. b) Não são todas as crianças que podem se desenvolver e aprender. c) Não existem diferenças em relação a aspectos sensoriais, cognitivos e comportamentais. d) As formas de se mediar as construções de conhecimento e os processos de desenvolvimento seguem um padrão. e) Diferenças não são impeditivos. Existem diferentes formas de se mediar as construções de conhecimento e os processos de desenvolvimento. 8. Marque a alternativa que complete corretamente a frase: “Um olhar atento do professor deve:” 22 a) Diagnosticar se o estudante é TDAH, TOD etc. b) No lugar de se enxergar sujeitos, enxergar apenas os transtornos e doenças. c) Transferir a responsabilidade para profissionais que provêm apoio e não conduzir todo o processo educacional. d) Vislumbrar que todos os estudantes têm potencialidades, merecem respeito deve- se ultrapassar os diagnósticos. e) Separar e segregar os estudantes com dificuldades em acompanhar conteúdos escolares. 23 HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 2.1 POR QUE O PASSADO IMPORTA? Figura 2: Importância da história Disponível em: https://bit.ly/3q2TrgC Acesso em: 05 de jan. de 2020. A frase de Edmund Burke sintetiza bem este tópico. Estudar a parte histórica e de legislações dificilmente é um momento de prazer para estudantes de licenciaturas. Porém, alguma parte disso é importante quando entendemos que o que temos hoje só foi possível porque houve um longo processo para mudar situações de sofrimento, negligência, exclusão e violência. A abordagem desses aspectos históricos e legislativos será breve e interessante. Nem tudo será agradável de saber, mas certamente servirá como reflexão para evitar que volte a acontecer. Muitas pessoas e instituições se esforçaram ao longo dos últimos séculos para mudar a forma como enxergamos as pessoas que apresentam alguma atipicidade em seu desenvolvimento. Algumas promoveram mudanças pontuais, outras abriram os horizontes para possibilidades UNIDADE 02 https://bit.ly/3q2TrgC 24 mais humanizadoras. Estamos vivendo um momento histórico complexo, em que apesar de termos acesso a todas as tecnologias que possibilitem entrarmos em contato com todos os conhecimentos produzidos no mundo, a ciência e a uma perspectiva humanizadora dos sujeitos estão perdendo espaço e atenção. Estão negando o aquecimento global e exaltando o terraplanismo; a alfabetização tem sido vista por muitos como um método mecânico; pessoas são cada vez mais resumidas a números e índices. No Brasil foi retomada em 2020 uma discussão que autoriza escolas a não aceitarem a matrícula de certos estudantes, alegando não estarem aptas a prover práticas educacionais que promovam desenvolvimento e aprendizagem de todos. Isso é um grande retrocesso, pois permite a retomada de exclusões e segregações. Além disso, a não obrigatoriedade da Educação Inclusiva em todos os estabelecimentos de ensino afetará os cursos de formação inicial e continuada de professores, que só aprenderão sobre as diferenças caso optem por um caminho formativo específico. Escolas e professores preparados apenas para estudantes considerados “normais” tornam o contexto educacional mais mecanizado, desumanizador, padronizador e excludente. Não serão apenas os estudantes que apresentam alguma atipicidade no desenvolvimento que serão afetados, mas toda a sociedade. Estudar a história é fundamental para caminharmos sempre em frente, buscando o melhor para todos, e não para uma suposta maioria. 2.2 PERCURSO MUNDIAL Encontramos muita violência, morte, exclusão e preconceito no percurso histórico de pessoas com desenvolvimento atípico. Desde a Grécia antiga até o século XVIII foram frequentes os casos de abandono, exorcismo, morte pela fogueira e internação em manicômios (PESSOTTI, 1984). Conforme a medicina foi avançando, essas pessoas (inclusive crianças) sofreram muitas intervenções dolorosas e invasivas, desde lobotomias até choques elétricos constantes. 25 Antes elas eram assassinadas ou deixadas para morrer, depois sofriam muitas dores em nome de um tratamento, de uma cura. Durante o período nazista na Alemanha, elas eram usadas para experimentos médicos sem anestésicos ou cuidados pra evitar infecções. Em todas essas circunstâncias, elas não eram vistas como pessoas, como seres humanos que têm sentimentos, dores, vontades e medos. Existe um mito grego bastante interessante chamado de Procusto (O Estirador), no qual a única hospedaria da região tinha uma cama de ferro na qual os viajantes tinham que se encaixar perfeitamente. Caso fossem maiores que a cama, Procusto cortava seus membros. Caso fossem menores, Procusto os estivava até ficarem do tamanho correto (HACQUARD, 1990). Esse mito fala sobre a necessidade de se encaixar em um padrão predeterminado e, quando não existe um encaixe imediato, tudo será feito para solucionar o que é visto como problema. Os espaços e contextos históricos nos quais foi possível se distanciar dessas Relembrando do que falamos na primeira unidade e no que você percebe em seus contextos, o que é feito hoje em dia para adequar estudantes a um padrão preestabelecido? 26 práticas violentas foram aqueles nos quais o cristianismo teve força. De acordo com a religião, pessoas com desenvolvimento atípico eram enviadas de Deus para servirem de fardo e lição. Ou seja, eram enviadas como castigos para pecadores e oportunizavam a redenção através da caridade e do acolhimento (PESSOTTI, 1984). De fato, foi uma mudança significativa passar da morte na fogueira e abandono na floresta para serem bem tratadas por motivos egoístas. Mas ainda assim, ao enxergar essas pessoas enquanto fardos, elas já eram, desde então, buracos na pista. Um dos grandes avanços em relação à educação de pessoas que têm um desenvolvimento atípico no mundo aconteceu na França do século XVIII. Lá foram criadas duas escolas, uma para crianças cegas e outra para crianças surdas. Foi aí que criaram o sistema braille e que a comunicação gestual foi desenvolvida para se tornar um sistema de comunicação. Nos outros países a comunicação gestual foi banida, com estudantes surdos sendo obrigados a oralizarem e lerem lábios. Infelizmente tal percepção chegou também à França e a escola para crianças surdas passou algumas décadasadotando também este método violento que foca em tornar as pessoas surdas o mais parecidas com as normais (lembra um pouco o mito de Procusto, não é?) Dando um grande pulo na linha do tempo, chegamos à década de 1990. Ela foi marcada por dois encontros mundiais que ligados à UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e também ao Banco Mundial. A primeira em Jontiem teve o tema “Educação para Todos” e inaugurou no cenário internacional uma necessidade de que todos os seus países signatários percebessem a importância de prover Educação para todos, independente de questões econômicas, geográficas e sociais. Quando pensamos em “todos”, fazemos referência a “todo mundo”, certo? E então as pessoas que apresentam algum desenvolvimento atípico estariam incluídas aí. E talvez estivessem, mas foi preciso um novo encontro, dessa vez em Salamanca (Espanha), em 1994 para discutir “Princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais”. Nessa ocasião foi quando, de fato, se falou sobre estudantes que precisavam de outras abordagens e ferramentas pedagógicas para aprender. Apesar do sistema educacional de cada país funcionar de um jeito, Salamanca foi um marco do que veio a se desenvolver enquanto políticas educacionais inclusivas. Em vários países ainda existem escolas específicas para 27 estudantes que apresentam desenvolvimentos atípicos, mas, na maioria deles existe um esforço para a inclusão que, quando não é alcançado, se torna em esforço para o desenvolvimento do sujeito. 2.3 PERCURSO BRASILEIRO O Brasil tinha estreita relação com a França e seu sistema educacional e no século XIX foram criados o Imperial Instituto dos Meninos Cegos (hoje Instituto Benjamin Constant - IBC) e o Instituto Imperial de Surdos-Mudos (hoje Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES). A fundação dessas instituições foi muito importante para proporcionar desenvolvimentos e aprendizagens adequados para seus públicos. Até a década de 1980 o que existiu no Brasil esteve relacionado a práticas de Educação Especial segregada, fornecida pelo Estado ou por instituições beneficentes, como a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). É importante destacar aqui a função que todas as instituições deste tipo tiveram e ainda têm no desenvolvimento de pessoas com diferentes demandas e características de desenvolvimento. Até hoje o IBC e o INES têm força e muitos defensores. Essas instituições promovem educação, capacitação, desenvolvimento de novas técnicas e abordagens e difusão de conhecimento e cultura sobre a realidade de pessoas cegas e pessoas surdas, além de ser um espaço de interação com pares e reconhecimento de suas potencialidades. O grande problema é que todos os outros espaços escolares deveriam fazer o mesmo. No mínimo, toda criança surda deveria ter condições de ser alfabetizada em LIBRAS e toda criança cega deveria poder aprender a ler e escrever em Braille em suas próprias escolas. 28 A partir da década de 1980 teve início o processo de Integração na Educação, com classes especiais dentro da escola regular (Miranda, 2004). Fisicamente a Escola passa a ser de todos, porém, isso se limitava a uma prática de passar pelo mesmo portão. As salas de aula ainda eram separadas, assim como as abordagens pedagógicas eram distintas. Como não existia nenhuma forma de interação com outras crianças durante todo o período de aulas, o mesmo acontecia nos momentos de entrada, saída e recreio. A única coisa é que havia a presença de estudantes “diferentes” na escola, mas isso não promovia qualquer forma de consciência sobre a importância da diferença, do respeito e da troca de experiências. A Inclusão escolar só se tornou política pública no Brasil em 1988, com a nova Constituição Federal. Porém, mesmo nesse documento, não era expressa uma exigência de que todos fossem incluídos. O que o texto dizia era que “preferencialmente” estudantes deveriam ser atendidos pela rede regular de ensino. Sabemos que é complexo exigir que algo seja 100% cumprido de uma mesma forma, porque seria negar especificidades de contextos e pessoas. Porém, o “preferencialmente” abre brechas significativas (BRASIL, 1988). Perceba a diferença: Exemplo 3: Eu prefiro sorvete de chocolate. Se tiver sorvete de baunilha, eu como. Exemplo 4: O único sorvete que eu gosto é o de chocolate. Se estiver um dia de muito calor, eu quiser um doce e só tiver sorvete de baunilha, eu até como. Um aspecto muito importante que a Constituição Federal trouxe foi a existência de serviços de apoio, adaptações de currículo e de métodos de ensino, de forma a promover aprendizagens e desenvolvimento de forma inclusiva na sala de aula regular. https://bit.ly/35xXWIh 29 O Brasil assinou as Declarações de Jontiem e de Salamanca e, com isso, o tema da Educação Inclusiva passou a aparecer mais em leis e políticas públicas a partir de 1996, com uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e depois nos Planos Nacionais de Educação de 2001 e de 2014. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 ainda utilizava a expressão “necessidades especiais” (BRASIL, 1996) e sua atualização, de 2013, utiliza diferentes nomenclaturas, evidenciando que são pessoas diferentes, com demandas diferentes, e que não é correto colocar todas elas dentro de uma mesma caixinha. Outra alteração sutil, porém, importante foi dizer que o atendimento especializado deveria ser “transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 2013). A ideia de transversalidade mostra que o atendimento especializado é complementar e não o principal serviço educacional para estudantes que apresentem demandas específicas de aprendizagem. O Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2001-2010 (BRASIL, 2001) talvez seja o primeiro documento que fala em “Escola Inclusiva”, dizendo que a construção de uma escola inclusiva seria o grande avanço daquele momento histórico. O PNE seguinte teve um processo bastante longo de produção e aprovação, sendo publicado apenas em 2014. Ele apresenta como sua 4ª: “Universalizar, para a população de 4 a 17 anos, o atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino” (BRASIL , 2014, p. 7). O documento enfatiza a importância de que professores tenham acesso a cursos para realizar uma Educação Inclusiva adequada dentro da escola regular. A última lei que será abordada aqui é o Estatuto da Pessoa Com Deficiência (BRASIL, 2015). Esse documento é de extrema importância e, por isso, a parte que versa sobre Educação será disponibilizada aqui para vocês lerem diretamente: CAPÍTULO IV DO DIREITO À EDUCAÇÃO Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem. Parágrafo único. É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa 30 com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação. Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar: I - sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida; II - aprimoramento dos sistemas educacionais, visando a garantir condiçõesde acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena; III - projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes com deficiência e garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a conquista e o exercício de sua autonomia; IV - oferta de educação bilíngue, em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas; V - adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem em instituições de ensino; VI - pesquisas voltadas para o desenvolvimento de novos métodos e técnicas pedagógicas, de materiais didáticos, de equipamentos e de recursos de tecnologia assistiva; VII - planejamento de estudo de caso, de elaboração de plano de atendimento educacional especializado, de organização de recursos e serviços de acessibilidade e de disponibilização e usabilidade pedagógica de recursos de tecnologia assistiva; VIII - participação dos estudantes com deficiência e de suas famílias nas diversas instâncias de atuação da comunidade escolar; IX - adoção de medidas de apoio que favoreçam o desenvolvimento dos aspectos linguísticos, culturais, vocacionais e profissionais, levando-se em conta o talento, a criatividade, as habilidades e os interesses do estudante com deficiência; X - adoção de práticas pedagógicas inclusivas pelos programas de formação inicial e continuada de professores e oferta de formação continuada para o atendimento educacional especializado; XI - formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de profissionais de apoio; 31 XII - oferta de ensino da Libras, do Sistema Braille e de uso de recursos de tecnologia assistiva, de forma a ampliar habilidades funcionais dos estudantes, promovendo sua autonomia e participação; XIII - acesso à educação superior e à educação profissional e tecnológica em igualdade de oportunidades e condições com as demais pessoas; XIV - inclusão em conteúdos curriculares, em cursos de nível superior e de educação profissional técnica e tecnológica, de temas relacionados à pessoa com deficiência nos respectivos campos de conhecimento; XV - acesso da pessoa com deficiência, em igualdade de condições, a jogos e a atividades recreativas, esportivas e de lazer, no sistema escolar; XVI - acessibilidade para todos os estudantes, trabalhadores da educação e demais integrantes da comunidade escolar às edificações, aos ambientes e às atividades concernentes a todas as modalidades, etapas e níveis de ensino; XVII - oferta de profissionais de apoio escolar; XVIII - articulação intersetorial na implementação de políticas públicas. § 1º Às instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino, aplica-se obrigatoriamente o disposto nos incisos I, II, III, V, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII e XVIII do caput deste artigo, sendo vedada a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento dessas determinações (BRASIL, 2015, p. 8-10). O Estatuto da Pessoa com Deficiência reúne todos os avanços construídos desde o século XIX para que seja realizada uma educação verdadeiramente inclusiva. Não é mais a escola que é inclusiva, é o sistema educacional. As potencialidades são vistas e desenvolvidas. A acessibilidade é garantida, bem como as adaptações necessárias. Fala-se sobre ensino e aprendizagem, mas vai muito além ao falar sobre pesquisas, participação de estudantes, formação adequada de professores, abordar o assunto relacionado às diferentes formas de desenvolvimento e garantia de todos os direitos. A lei é maravilhosa. Mas e sua efetivação? Ao entrar na maioria das escolas brasileiras, públicas ou particulares, podemos encontrar uma série de falhas, faltas e dificuldades. É de suma importância que existam leis para garantir direitos e informar obrigações, porém, não basta que elas existam. Skliar (2001) defende que as leis deveriam ser o ponto de chegada e não o 32 ponto inicial das transformações pedagógicas. De acordo com o autor, a lei deveria levar em consideração as concepções de professores, pais, alunos, funcionários e comunidade, uma vez que todos são produtores de mudanças e não apenas operários. O que acontece é que as escolas recebem, de forma verticalizada e imposta, instruções para modificar suas práticas dentro de um prazo. Especificamente, falando sobre a Educação Inclusiva, acaba que este tema fica malvisto entre professores, que se sentem obrigados e coagidos a fazer algo, sem nem serem ouvidos. Apesar dessa última consideração, o que podemos fazer hoje? Bem, podemos falar sobre as leis, diretrizes e instruções, buscando encontrar um significado próprio para a instituição e para todos que dela fazem parte. Podemos construir coletivamente uma Educação que faz sentido, respeitar todas as pessoas que fazem parte da comunidade escolar e nos sentirmos também respeitados. Por fim, podemos tentar uma maior participação política, seja através de participação nos conselhos municipais, nos centros comunitários, de uma gestão democrática da escola, votar em candidatos que nos representam de fato e acompanhar as decisões e os processos legislativos. Que nosso futuro não seja uma volta a caminhos do passado. 33 FIXANDO O CONTEÚDO 1. A discussão “Princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais” foi um marco do que veio a se desenvolver enquanto políticas educacionais inclusivas, e aconteceu: a) na França do século XVIII b) Na Grécia antiga c) Em Salamanca (Espanha), em 1994 d) em Jomtiem (Tailândia), em 1990. e) No Brasil, em 1992. 2. A partir da década de 1980 teve início o processo de Integração na Educação, e com isso: a) As salas de aula deixaram de ser separadas e as abordagens pedagógicas passaram a ser unificadas. b) Desenvolveu-se a consciência sobre a importância da diferença, do respeito e da troca de experiências. c) Apesar da presença de estudantes “diferentes” na escola, as salas de aula permaneciam separadas, com pouca interação entre estudantes diferentes. d) As salas de aula deixaram de ser separadas e as abordagens pedagógicas deixaram de ser distintas. e) Com a presença de estudantes “diferentes” na escola, a interação se deu de forma natural, principalmente, nos momentos de entrada, saída e recreio. 3. A Inclusão escolar só se tornou política pública no Brasil em: a) 1988, com a nova Constituição Federal (CF) b) 1996, com uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) c) 2001, com o Plano Nacional de Educação d) 2014, com o Planos Nacionais de Educação 34 e) 1990, com o Tratado de Jomtiem 4. “Universalizar, para a população de 4 a 17 anos, o atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino”, consta em qual documento: a) Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 b) O Plano Nacional de Educação para o decênio 2014-2024 c) Constituição Federal de 1988 d) Estatuto da Pessoa Com Deficiência de 2015 e) Código de Defesa do Consumidorde 1990 5. Segundo o Estatuto da Pessoa Com Deficiência (BRASIL, 2015): a) É dever exclusivamente do Estado assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação. b) É dever do Estado e da família assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação. c) É dever exclusivamente do Estado e da família assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, e dever da comunidade escolar e da sociedade agir colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação. d) É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação. e) É dever da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação. 6. É de suma importância que existam leis para garantir direitos e informar obrigações, porém, não basta que elas existam. O que podemos fazer hoje? 35 a) Receber de forma verticalizada e imposta instruções para modificar nossas práticas dentro de um prazo. b) Não levar em consideração as concepções de professores, pais, alunos, funcionários e comunidade. c) Tentar uma menor participação política. d) Levar em consideração apenas as concepções dos professores, que lidam diariamente com os alunos. e) Construir coletivamente uma Educação que faz sentido, respeitar todas as pessoas que fazem parte da comunidade escolar e nos sentirmos também respeitados. 7. A não obrigatoriedade da Educação Inclusiva em todos os estabelecimentos de ensino: a) Afetará os cursos de formação inicial e continuada de professores, que só aprenderão sobre as diferenças caso optem por um caminho formativo específico. b) Não afetará os cursos de formação inicial e continuada de professores, que só aprenderão sobre as diferenças caso optem por um caminho formativo específico. c) Afetará apenas os cursos de formação inicial de professores e eles aprenderão sobre as diferenças caso optem por um caminho formativo específico. d) Não afetará os cursos de formação inicial e continuada de professores, que de nenhuma forma aprenderão sobre as diferenças caso optem por um caminho formativo específico. e) Não afetará os cursos de formação continuada de professores e eles não aprenderão sobre as diferenças caso optem por um caminho formativo específico. 8. Escolas e professores preparados apenas para estudantes considerados “normais” tornam o contexto educacional: a) mais inclusivo, humanizador e dinâmico. b) mais mecanizado, desumanizador, padronizador e excludente. Não serão apenas 36 os estudantes que apresentam alguma atipicidade no desenvolvimento que serão afetados, mas toda a sociedade. c) mais mecanizado, desumanizador, padronizador e excludente. Sendo apenas os estudantes que não apresentam alguma atipicidade no desenvolvimento é que serão afetados. d) mais dinâmico, humanizador e inclusivo. Sendo apenas os estudantes que não apresentam alguma atipicidade no desenvolvimento é que serão afetados. e) mais dinâmico, menos humanizador e mais inclusivo. 37 EDUCAÇÃO INCLUSIVA PARA QUEM? 3.1 PARA ALÉM DOS LAUDOS E LAUDADOS Se você chegou até aqui já percebeu que o que importa são os estudantes e não os diagnósticos que carregam. Assim, o que vamos chamar de Educação Inclusiva é formada por uma prática didático-pedagógica e uma postura institucional que garantem que todos os estudantes, independente de quem e como sejam, construam conhecimentos, se desenvolvam enquanto sujeitos e sejam acolhidos por seus contextos. Mas os diagnósticos são inúteis? De forma alguma, só são mal utilizados. O problema é pensar que o diagnóstico nos fornece todas as informações que precisamos e que ele define as possibilidades e restrições de cada estudante. Como ilustrado na primeira unidade, muitas pessoas usam a expressão “laudado” para se referir a estudantes. É triste e perturbador fazer isso, pois resume a pessoa a uma condição e as práticas e posturas pedagógicas são direcionadas apenas para o diagnóstico. Mais ainda, se as pessoas cabem em caixinhas e rótulos, existem uma tendência em tratá-las da mesma forma. Quando você tem dor de cabeça, você toma o mesmo remédio que todas as pessoas que você conhece? Provavelmente não! O fato de diferentes pessoas terem dores de cabeça não é suficiente para dizer que todos sentem da mesma forma e que existe uma solução para todos. Um remédio que funciona para um, não funciona para outro. Uma pessoa com dor de cabeça pode sentir náuseas, outra não conseguir ficar em lugares claros, outra não suportar barulhos. Outras ainda, tomam água, relaxam um pouco e a dor passa. Algumas sentem a dor na área da testa, outras nas laterais, outras no meio da cabeça e outras, ainda, na cervical. Um diagnóstico e milhares de cenários e possibilidades. Os diagnósticos servem, na verdade, para oficialmente nos permitirem sermos mais atentos às subjetividades e singularidades de estudantes ao invés de exigir que UNIDADE 03 38 se adéquem a uma média. Mas afinal, quem está na média? Muitos estudantes sem qualquer tipo de diagnóstico estão aquém ou além do que chamam de “maioria”. Provavelmente, você passou por situações em que teve dificuldade em acompanhar o que era trabalhado em determinada disciplina. E da mesma forma se entediou com explicações que considerava longas e desnecessárias. Figura 3: Escola: o lugar onde poucos cabem Fonte: Harper et al. (1986) A imagem acima é de um livro chamado “Cuidado, Escola!”. Ela é uma representação da tendência das escolas de não enxergarem a diferença. Você percebe que o professor é um círculo assim como as formas? Isso está relacionado ao que discutimos na primeira unidade a partir de Skliar: eu sou o parâmetro de normalidade e o que não for igual a mim destoa. Nesse caso ele definitivamente não era maioria. Vemos ali um círculo feliz e todas as outras formas tristes. Talvez se a forma oval se espremer ela caiba. Talvez o losango e o triângulo retângulo caibam com folga embaixo e com uma ponta para fora. Outras formas vão se equilibrar, mas o retângulo e o quadrado não cabem de jeito nenhum. O retrato das escolas hoje é a imagem acima. Alguns são considerados perfeitos, outros se adéquam com sobras e faltas e alguns não são acolhidos. Não existe uma maioria. Se for para definir, a maioria é diversa e heterogênea. Assim, a maioria dos estudantes se beneficiaria de um olhar mais individualizado e de práticas menos convencionais de ensino. 39 Voltando aos diagnósticos, eles nos fornecem pistas. Sabemos que estudantes surdos precisam de um intérprete de LIBRAS e que português será sua segunda língua. Estudantes cegos precisam de uma estrutura que envolve impressão em braile e/ou audiodescrição, bem como de uma reglete para escrever em braile, um soroban para realizar operações matemáticas ou um computador com softwares adequados. Estudantes autistas, em geral, precisam de subsídios concretos e de ambientes calmos. Estudantes que usam cadeiras de rodas precisarão de atividades físicas de acordo com suas possibilidades de movimentos e deslocamentos. Estudantes com dificuldade em se concentrar e ficar sentado na carteira precisam de aulas mais dinâmicas e que prendam seu interesse.https://bit.ly/3jIBCT9. https://bit.ly/3jIBCT9 40 Indo além das questões de acessibilidade, podemos pensar que estudantes surdos precisam de estímulos visuais que facilitarão muito a aprendizagem de vários outros estudantes, focando a atenção e também proporcionando a visualização de conceitos antes abstratos. O soroban poderia ser utilizado em uma aula de matemática com todos os estudantes aprendendo de forma concreta a realizar diferentes cálculos. Na verdade, sabemos que diferentes recursos concretos podem beneficiar todos os estudantes, como por exemplo, os desatentos e desinteressados além daqueles que estão com alguma dificuldade para acompanhar os conteúdos. Explorar diferentes possibilidades de movimentos e atividades nas aulas de https://bit.ly/3kYFoXT https://bit.ly/2OxeLxp https://bit.ly/3t4tRcm 41 educação física pode ser bom também àqueles estudantes que não têm suas habilidades de jogo bem desenvolvidas e que, em geral, evitam e sofrem com as aulas. 3.2 APRENDIZAGENS SIGNIFICATIVAS É fundamental que seja estabelecida uma diferença entre ensinar e aprender. Um professor dizer que ensinou algo não é verdade se estudantes não aprenderam. É comum chamarmos de “processo de ensino e aprendizagem”, por entender que é um processo que envolve diferentes pessoas e ações. Anastasiou (2012) chama de ensinagem, explicando que é uma única ação, em que existe uma relação intrínseca entre a ideia de ensinar e aprender. Paulo Freire enfatiza a importância de que estudantes estejam envolvidos de forma ativa nos processos de construção de conhecimentos. Como você pode ver, no parágrafo anterior foram utilizados diferentes termos para designar essa ação relacionada à aprendizagem. Todos têm sua validade, porém, não significam exatamente a mesma coisa. Quando alguém fala de ensinou algo, quer dizer que explicou sobre determinado assunto (e a pessoa pode ou não ter entendido a explicação). Quando alguém fala que aprendeu algo, quer dizer que através de pesquisas (na internet, livros, revistas) ou por experiência ou por uma explicação de outra pessoa, compreendeu sobre determinado assunto. Percebe que existem várias possibilidades para entrarmos em contato com conhecimentos? Você certamente já ouviu falar sobre Vygotsky e as mediações, correto? Então, algumas mediações são realizadas por pessoas, outras por diferentes ferramentas. A ideia de processos de ensino e aprendizagem traz antes de mais nada uma ideia de processo. Isso significa que se entende que as coisas não acontecem imediatamente e que existem vários fatores envolvidos. Em um exemplo bem simples: para aprender a fazer bem os cálculos de divisão você precisou saber fazer subtrações e multiplicações. E na verdade você também precisou dominar a tabuada para saber rapidamente sobre qual número deveria ser colocado no quociente. Depois de dominar todas essas habilidades, você precisou entender a mecânica do cálculo. Finalmente, você precisou realizar várias vezes o cálculo de divisão para treinar essa nova habilidade. No meio desse processo todo não era 42 possível dizer que você ainda não sabia ou que já sabia dividir, não é? Pois estava aprendendo. Observe o verbo no gerúndio, ele dá a ideia de movimento, de processo. Guarde bem essa noção de processo porque ela aparece em três definições aqui. Os processos de ensino e aprendizagem e de ensinagem querem dizer basicamente a mesma coisa, só que o segundo deixa mais evidente que não existe ensino sem aprendizagem. Ambos são processos e acontecem ao longo de toda a vida, dentro e fora de instituições de ensino. Um ponto curioso seria o questionamento inverso: existe aprendizagem sem ensino? Talvez se considerarmos todas as formas de autodidatismo exista aprendizagem sem ensino. Porém, vendo pelo ângulo das mediações, sempre existe algum material/instrumento/vivência que possibilitou essa aprendizagem. Por fim, chegamos aos processos de construção de conhecimentos. E aqui vamos nos reter um pouco mais por entender que é essa visão coloca estudantes em sua devida posição de protagonismo. Então aqui temos três ideias: (1) que é um processo; (2) que existe uma construção, ao contrário de uma absorção/recepção; (3) a palavra “conhecimentos” está no plural porque se entende que existem múltiplos conhecimentos no mundo e não somente aquele do professor ou do livro. Entendendo todos esses importantes aspectos, vamos falar sobre aprendizagens significativas. Talvez o nome devesse ser outro, justamente pelo que foi dito logo acima, mas se mantém enquanto “aprendizagem” para enfatizar a necessidade de que essa ação realizada por estudantes não seja algo mecânico, decorado ou passivamente absorvido. Aprendizagens significativas são aquelas na quais estudantes produzem conhecimentos, que os conteúdos fazem sentido e passam a constituir os saberes discentes. Entendendo que as práticas pedagógicas devem sempre buscar que estudantes tenham aprendizagens significativas e que estudantes são diferentes entre si, inclusive em suas formas de perceber e compreender as coisas, a educação 43 inclusiva é necessária em todo e qualquer contexto escolar e universitário. Mesmo sem laudos e diagnósticos, faz-se necessário estabelecer práticas didático- pedagógicas que deem conta das diferenças. Um estudante que está desmotivado, cansado, com fome, vivendo situações adversas em casa, que tenha baixa autoestima, que tenha medo de errar, que tenha dificuldades em se concentrar ou em visualizar informações de forma abstrata terá as mesmas chances de ter aprendizagens significativas? Então, ele também precisa de um olhar atento e, provavelmente, se beneficiará de práticas didático- pedagógicas diferenciadas. Conforme vínhamos falando na seção anterior, todos se beneficiam de adaptações e novas práticas pedagógicas. Os aparatos concretos que são utilizados para estudantes cegos também serão bons àqueles com dificuldades de abstração. Imagens e esquemas para pessoas surdas ajudam a chamar e sustentar a atenção de diferentes estudantes. Uma explicação mais pormenorizada para algum estudante com questões cognitivas será muito útil para vários outros que não estão acompanhando os conteúdos. Educação Inclusiva é isso: garantir que a totalidade de estudantes está sendo considerada e acolhida e que a partir de diferentes abordagens didático- pedagógicas está construindo conhecimentos de forma processual, com aprendizagens significativas. As escolas precisam de um laudo para respaldarem adaptações de currículos, de avaliações, de instalações e de práticas pedagógicas. Então, que laudos médicos sirvam para garantir direitos e aumentar as possibilidades de desenvolvimento e crescimento. Como já sabemos bem, devemos pensar na pessoa e não em seu diagnóstico. 3.3 CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA Agora que já sabemos o que é e para quem deve ser a Educação Inclusiva, vamos um pouco adiante para entender a dimensão da importância dela para estudantes, professores, escola e sociedade. Você se lembra de quando falamos sobre a questão da diferença estar sempre no outro? Quando em uma sala de aula todos os estudantes têm cabelos escuros, um estudante loiro irá ser o diferente. E lembrando que para o senso comum ser diferente é ruim. Na vida real o que temos, geralmente, é o estabelecimento do 44 diferente em termos de cor da pele, na qual escolas consideradas de maior qualidade têm em geral muito mais alunos brancos do que negros. Dê uma olhada na foto a seguir: Figura 4: Formandos em Medicina da Universidade Federal da Bahia Disponível em: https://bit.ly/3ej1SBR. Acesso em: 01 de fev. de 2021. Essa imagem é bastante simbólicaporque evidencia aquilo que estamos acostumados: ter médicos brancos. Com isso, frequentemente lemos uma notícia de que um médico negro foi vítima de racismo, com pacientes se recusando a ser atendidos, por exemplo. Enquanto a maioria dos médicos for branca, inclusive no estado com maior número de pessoas negras do país, ser um médico negro será o diferente (e aquele diferente negativo). Acontece que além disso é bem provável que a gente continue encontrando notícia e estudos mostrando que pessoas negras, em especial mulheres, sofrem mais violência médica. Isso acontece porque existe uma visão (das pessoas brancas) que pessoas negras são mais resistentes a dor. Quanto mais médicos negros existirem, menos essa visão errada sobre a diferença irá persistir. https://bit.ly/3ej1SBR 45 Poucas pessoas que apresentam desenvolvimentos atípicos chega até a Universidade um número ainda menor que se forma. A ausência dessas pessoas desde a Educação Infantil é tão evidente que, quando estão presentes, são imediatamente notadas e apontadas. E, novamente, são consideradas um “diferente ruim”, seja porque não têm capacidade, porque são dignas de pena, porque é um buraco na pista. O que é importante entender aqui é que quanto mais comum for a presença de pessoas que destoem de um único padrão, mais a diferença vai ser vista apenas enquanto diferença. Não enquanto boa ou ruim e apenas como “mais uma” diferença. Precisamos de salas de aula povoadas de todos os tipos de pessoas para que a diferença seja entendida como algo natural, necessário e importante. É natural porque o mundo é plural e diverso. Porque por mais que estejamos acostumados a ver pessoas brancas, dentro de um certo padrão considerado belo, que apresentam desenvolvimentos físico, cognitivo e social típicos, isso não é a maioria e muito menos o “normal”. Temos uma infinidade de tipos de corpos e formas se de estar no mundo. Se você observar o terminal de ônibus urbano de sua cidade vai perceber que são poucas as pessoas que se parecem com protagonistas da novela. É necessário porque assim como o exemplo da necessidade de se ter mais médicos negros para quebrar estigmas e atitudes médicas, temos a necessidade de ter em nossa sociedade profissionais das mais diferentes áreas que destoem do tal padrão de normalidade que foi falado acima. É necessário termos advogados, médicos, professores, engenheiros, dançarinos, psicólogos, jornalistas, cineastas, cozinheiros, enfim, profissionais de todas as áreas que sejam e pensem diferente. Tanto para garantir voz, direitos e produtos específicos que outras pessoas não pensariam, quanto para quebrar estigmas e preconceitos tão presentes em nossa sociedade. 46 Por fim, é importante porque a situação acima só será possível caso essas pessoas estejam nas escolas regulares, sendo acolhidas em suas diferenças e tendo acesso a uma educação verdadeiramente inclusiva. As crianças sozinhas não têm preconceitos. São os adultos e a sociedade como um todo que ensinam isso. Uma criança pequena que tenha Síndrome de Down não é vista pelo formato do rosto ou pela forma como fala. Ela é percebida pelas outras crianças de mesma idade por seus passos de dança ou seu desenho preferido, da mesma forma como qualquer outra criança da sala. Conforme as crianças crescem elas vão estabelecendo um critério de “normalidade” e percebendo e taxando as diferenças. Por isso, se desde sempre as pessoas que apresentam desenvolvimento atípico estiverem presentes em todos os espaços da sociedade, esse critério de “normalidade” será alterado, expandido. Todos os olhares de estranhamento e as provocações que Heloisa sofre estão relacionados ao fato das pessoas a perceberem enquanto uma diferente estranha. Caso aquelas crianças e adultos já tivessem tido convívios saudáveis com outras pessoas com limitações de movimentos, novas concepções teriam sido construídas. Em uma cena desse curta metragem aparecem os obstáculos para se chegar até uma lanchonete. E se tivéssemos mais engenheiros, arquitetos que usassem cadeiras de rodas, bengalas ou outro suporte para se locomover? Provavelmente, existiria mais acessibilidade! Por fim, quanto mais diferença temos e reconhecemos em sala de aula, mais abertura existe para que os currículos e as práticas didático-pedagógicas sejam repensados. O que se vê nas escolas convencionais é muito próximo do que se via há 100 anos, com a diferença de que talvez algumas salas de aula usem tablets e lousas digitais, mas o cerne continua o mesmo. A proposta de Educação Inclusiva nos faz olhar para cada estudante, enxergando suas potências e dificuldades e https://bit.ly/2OupIzE 47 buscando caminhos para acessar e promover o desenvolvimento. Na Educação Inclusiva se busca promover processos de construções de conhecimentos e aprendizagens significativas. Professoras e professores que realizam a Educação Inclusiva têm um olhar e uma prática diferenciada que beneficiará a todos. A Educação Inclusiva é importante para construirmos uma sociedade mais respeitosa, acolhedora, que valoriza a diferença ao mesmo tempo que garante direitos a todos. Educação Inclusiva é importante para que todas as pessoas tenham acesso à educação, a uma profissão, a um reconhecimento enquanto cidadão em suas potencias. Educação Inclusiva é importante para que quebremos estereótipos de normalidade e práticas de violência e preconceito. 48 FIXANDO O CONTEÚDO 1. A respeito dos diagnósticos, assinale a correta: a) Os diagnósticos servem, na verdade, para oficialmente nos permitirem rotular e colocar as pessoas em caixinhas. b) Os diagnósticos servem, na verdade, para oficialmente nos permitirem sermos mais atentos às subjetividades e singularidades de estudantes ao invés de exigir que se adéquem a uma média. c) Os diagnósticos servem, na verdade, para oficialmente fornecer todas as informações que precisamos sobre os estudantes. d) Os diagnósticos servem, na verdade, para oficialmente definir as possibilidades e restrições de cada estudante. e) Os diagnósticos servem, na verdade, para oficialmente nos permitirem sermos mais atentos às subjetividades e singularidades de estudantes e exigirmos que todos se adéquem a uma média. 2. Segundo Anastasiou, ____________ é uma única ação, em que existe uma relação intrínseca entre a ideia de ensinar e aprender. Assinale a opção que melhor completa a frase. a) Diagnóstico b) Mediação c) Educação Inclusiva d) Ensinagem e) Medióstico 3. Os processos de construção de conhecimentos abarcam três ideias: a) (1) Que é um processo; (2) que existe uma construção, ao contrário de uma absorção/recepção; (3) a palavra “conhecimentos” está no plural porque se entende que existem múltiplos conhecimentos no mundo e não somente aquele do professor ou do livro. 49 b) (1) Que é um processo; (2) que existe uma absorção/recepção; (3) que a palavra “conhecimento” é aquele que vem do professor ou do livro. c) (1) É um processo; (2) existe uma construção; (3) a palavra “conhecimentos” está no plural porque são dois: do professor ou do livro. d) (1) Não é um processo; (2) não existe uma construção, ao contrário de uma absorção/recepção; (3) a palavra “conhecimento” é um conceito único. e) (1) Que é um processo; (2) que existe uma construção, ao contrário de uma absorção/recepção; (3) a palavra “conhecimento” é um conceito único. 4. Aprendizagens significativas são: a) aquelas nas quais estudantes produzem conhecimentos que fazem sentido para o professor. b) aquelas nas quais estudantes produzem conhecimentos teóricos e iguais, onde os conteúdos seguem um padrão. c) aquelas nas quais estudantes
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