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Eventos Iniciais da Resposta Imune Imunologia 1. Introdução Conforme estudamos no tópico anterior, o sistema imune pode ser dividido em duas fases: imunidade inata e imunidade adaptativa. Vimos detalhes gerais de ambas as fases, para introdução de conceitos básicos dentro da disciplina. Contudo, a partir deste Tópico, vamos detalhar cada um destes compartimentos da resposta imune. A resposta imune inata é a primeira linha de defesa/reação contra antígenos. Os seus mecanismos de resposta são pré-existentes e são rapidamente ativados. É o mecanismo de resposta filogeneticamente mais antigo, ou seja, aquele que observamos nos primeiros animais que surgiram. Ela possui duas funções primordiais: 1) é a primeira resposta do organismo contra as infeções (respostas que são aumentadas pela imunidade adaptativa); 2) estimula e modula a resposta imune adaptativa. Podemos colocar a pele e os revestimentos do intestino e das vias respiratórias como parte da imunidade inata, uma vez que atuam como barreira contra a entrada de micro-organismos, estando funcionais a todo tempo, independentemente da presença de infeções. Há várias células e proteínas que fazem parte da imunidade inata, como os fagócitos e o sistema complemento, que são rapidamente ativados após a entrada dos micróbios. O reconhecimento de antígenos pelas células da imunidade inata também é distinto daquele observado para linfócitos T e B (imunidade adaptativa). Podemos destacar algumas características deste reconhecimento: 1) os receptores presentes nas células da imunidade inata reconhecem estruturas comuns aos micróbios (chamadas de “pathogen-associated molecular patterns”, ou padrões moleculares associados aos patógenos, PAMPs), que não estão presentes nas células do próprio organismo. São exemplos de PAMPS: dsRNA (RNA de dupla-fita), sequências não- metiladas de DNA CpG (sequências de Citosina e poli- (várias) Guaninas), e lipopolissacarídeos (LPS). Portanto, os receptores presentes nas células são chamados de receptores de reconhecimento de padrões (do inglês “pattern recognition receptors”, PRRs) e, mais adiante, vamos descrevê-los em mais detalhes. Aqui, a diferença entre próprio e não- próprio é feita a nível do reconhecimento daquilo que é pertencente ao organismo versus aquilo que é pertencente ao micróbio; 2) estes PRRs reconhecem produtos microbianos que são essenciais à sobrevivência dos micróbios (ex: dsRNA, essencial à sobrevivência de alguns vírus); 3) entre os PRRs, encontramos moléculas expressas na superfície celular ou dentro das células. Porém, há também alguns PRRs presentes no sangue ou fluídos extracelulares. De qualquer forma, todos podem levar à ativação de funções antimicrobianas e pró-inflamatórias nas células, assim como facilitar a fagocitose dos micróbios; 4) os genes dos PRRs estão pré-definidos no DNA somático e, portanto, o repertório (diversidade) de especificidade é restrito (aproximadamente 1000 receptores diferentes); 5) apesar da função principal dos PRRs ser reconhecer moléculas presentes nos micróbios, eles também estão envolvidos no reconhecimento de células em stress ou defeituosas. Isto se dá através do reconhecimento de moléculas como heat shock proteins e fosfolípides de membrana das células danificadas. 2. Os receptores da imunidade inata Até o momento, descrevemos as características básicas dos Receptores de reconhecimento de padrões (PRRs, “pattern recognition receptors”). Eles estão expressos em neutrófilos, macrófagos, células dendríticas e em células endoteliais (algumas células epiteliais e linfócitos também podem expressá-los em determinadas circunstâncias). Estes PRRs estão na superfície celular, em vesículas endossomais, e no citoplasma destas células. Eles estão ligados a várias vias intracelulares de transdução de sinais para produção de moléculas que promovem a inflamação. Deste modo, são muito importantes no controle da primeira resposta defensiva contra os micro-organismos. De maneira geral, são seis os tipos de PRRs (receptores do tipo Toll, receptores de lectinas do tipo C, receptores “scavenger”, receptores de N-formyl Met-Leu- Phe, receptores do tipo NOD e receptores do tipo RIG). Vamos agora descrever quais são os tipos de PRRs. - Toll-like receptors (TLRs) são representados por 13 moléculas que contém um domínio homólogo ao receptor Toll/IL-1 (TIR) na porção citoplasmática, essencial para sua sinalização. Estão expressos principalmente em macrófagos, DCs, neutrófilos, células epiteliais de mucosas e células endoteliais, na superfície das células ou em vesículas citoplasmáticas. Em mamíferos TLR3, 7, 8 e 9 estão expressos dentro da célula e reconhecem RNA/DNA viral (poderíam reconhecer DNA da célula, mas este não está presente nestas vesículas). Já os TLRs 1, 2, 4, 5 e 6 estão localizados na membrana plasmática e, desta maneira, interagem com os patógenos quando estes entram em contato com a célula. Após ligação aos seus PAMPs, ocorre dimerização dos TLRs e recrutamento de proteínas adaptadoras (“adapter proteins”) que também contém domínios TIR. Estas recrutam e ativam várias proteínas quinases (por exemplo, quinases associadas a IL-1R e proteína-quinases ativadas por mitógeno, IRAKs e MAPKs, respectivamente) que, por sua vez, ativam vias distintas de fatores de transcrição, entre eles NF-kB, AP-1, IRF-3 e IRF-7. NF-kB e AP-1 levam à expressão de citocinas pró-inflamatórias, quimiocinas e moléculas de adesão, enquanto IRF-3 e 7 levam à expressão de IFN tipo I. Vale salientar que a associação de outras proteínas não pertencentes à família dos TLR aumenta a diversidade destes; como exemplo, temos o TLR4 que, em associação a proteínas denominadas MD2 e CD14, realiza o reconhecimento de LPS. - C-type lectins (lectinas do tipo C): estes receptores reconhecem/se ligam a carboidratos presentes nos patógenos e estão expressos na membrana plasmática de macrófagos, DCs e outros leucócitos. A mais conhecida é o receptor de manose que tem papel na fagocitose de micróbios. Dectin-1 se liga a glucanos presentes em fungos. - Scavenger receptors: é um supergrupo composto por diversas moléculas que estão presentes na membrana celular, porém, apresentam uma característica em comum: mediar a internalização de lipoproteínas oxidadas. CD36, CD68 e SRB1 são alguns dos membros. Têm papel patológico na geração de células espumosas (foam cells) carregadas com colesterol. - Receptores de N-formyl Met-Leu-Phe: inclue os receptores FPR (neutrófilos) e FPRL1 (macrófagos) da membrana plasmática que reconhecem peptídeos contendo residuos de N-formylmethionyl. Apenas proteinas de bactérias (e mitocondrias) contém estes resíduos. Fazem parte da família das proteínas G e auxiliam na localização das bactérias. - Receptores do tipo NOD (NLRs, ou NOD-Like Receptors) (NATCH-LRRs): moléculas citoplasmáticas que iniciam cascatas de sinalização intracelular para ativar a resposta inflamatória. NODs (Nucleotide-binding oligomerization domain, NOD1 e NOD2) e NALPs (NAcht-LRR- and pyrin domain-containing proteins, NALP3) reconhecem peptidoglicanas da parede celular de bacterias, recrutando a proteína quinase RICK que, por sua vez, vai levar à ativação de vias de sinalização intracelular e ativação de NF-kB e AP-1, com produção de citocinas e outras proteínas pró-inflamatórias. - Receptores do tipo RIG: RIG-1 (Retinoic acid Inducible Gene-1) e MDA5 (melanoma differentiation-associated gene 5) são receptores citoplasmáticos que sinalizam via seus domínios CARD (Caspase Activation and Recruitment Domain) e ativam o complexo IKKε/TBK1 que irá levar à ativação de NF-kB e IRF-3 e produção de IFN do tipo I. Você sabia? Os receptores do tipo Toll (“Toll-like Receptors”, ou TLRs) são assim chamados porque suas estruturas são similares à receptores que foram identificados em Drosophila melanogaster, a “mosca-do-vinagre” ou “mosca da fruta”. Nestas moscas, os receptores são chamados de “Toll Receptors” (ou receptores Toll). Mas, este não é o único fato interessante sobre os receptores Toll ou TLR; “Toll”; emalemão, é utilizado como uma interjeição, algo similar ao “Uhu!”, “Opa!”, “Uau!” em português. https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2019/06/aula_imuno_top02_img01-768x1062.jpg Resposta imune. 3. Os componentes da resposta imune inata: As barreiras epiteliais As estruturas e células que nos protegem no primeiro contato com os agentes infeciosos são considerados componentes da resposta imune inata. Portanto, estes componentes consistem de barreiras epiteliais, células presentes nos tecidos e sangue, e proteínas plasmáticas. As principais células efetoras são neutrófilos, fagócitos mononucleares, e https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2019/06/aula_imuno_top02_img01-768x1062.jpg células NK. Macrófagos e células NK secretam citocinas que ativam fagócitos e iniciam a inflamação, que consiste no recrutamento de leucócitos e proteínas ao local da injuria. Todas estas células serão descritas com detalhes mais adiante. Agora, comecemos com as barreiras epiteliais. As três principais barreiras são a pele, as mucosas do intestino e do trato respiratório. Nelas, as células epiteliais produzem peptídios com propriedades antimicrobicidas. Entre eles, temos as Defensinas (“Defensins”) que são peptídios pequenos, com três pontes dissulfídicas intracadeias (que distinguem três famílias α, β e f, de acordo com as suas localizações). São produzidas por neutrófilos, células NK e linfócitos T citotóxicos, em diversas partes do corpo, como a pele e mucosas. As α–defensinas são produzidas por células de Paneth das criptas do intestino delgado e limitam a quantidade de micróbios nesta região. Sua secreção pode ser constitutiva, mas é aumentada por citocinas ou produtos microbianos. Podem ser citotóxicas aos micróbios, como bactérias e fungos, e/ou ativar células contra estes. Entretanto, seus mecanismos anti-microbianos são pouco entendidos. Já as β-defensinas representam a maior família de defensinas de vertebrados e são expressas numa grande variedade de tecidos e órgãos (tecidos mucóides e eptieliais como pele, córne, língua entre outros). Há também as f-defensinas, mas a expressão destas está restrita aos macacos do Velho Mundo. As catelicidinas (“Cathelicidins”) são produzidas por neutrófilos e células das barreiras epiteliais, compostas por dois peptídios com função protetora, um chamado LL-37 (LL = duas leucinas na região N- terminal) que possui função tóxica aos micróbios, ativa leucócitos, liga-se e neutraliza LPS, tem atividade cicatrizante, atua na angiogênese e na eliminação de células mortas; o outro fragmento têm funções pouco conhecidas. Além das células epiteliais, alguns tipos de leucócitos estão presentes nas barreiras epiteliais e cavidades de serosas, e estes linfócitos apresentam pouca diversidade em tipos de TCR, recombinando quase sempre as mesmas regiões do DNA, reconhecendo apenas estruturas comumente encontradas em micróbios (os PAMPs). Os linfócitos intraepiteliais estão presentes na pele e na mucosa epitelial e seus subtipos dependem da espécie e do local estudado. Alguns expressam TCR do tipo alfa-beta, outros TCR do tipo gama-delta, que podem reconhecer peptídios ou outras moléculas antigênicas, secretando citocinas que ativam fagócitos e matando células infectadas. Os mastócitos constituem outro tipo celular e também estão presentes em epitélios e serosas, reagem contra os antígenos através de reconhecimento via IgE (uma classe de anticorpo), que foi capturada por seus receptores de IgE (FcεR). Eles também podem reconhecer produtos do sistema complemento e degranular, aumentando a inflamação local. Apesar de não estarem vinculados aos epitélios, há um tipo de linfócitos B, os linfócitos B-1, que estão presentes na cavidade peritoneal, expressam IgM (outra classe de anticorpo), especializados no reconhecimento de polisacarídeos e lipídios presentes em micro-organismos, como fosforilcolina e LPS. Portanto, estes linfócitos B secretam estes anticorpos, que acabam caindo na corrente circulatória e se espalham pelo corpo, alcançando o intestino e reagindo contra bactérias que ali estão presentes. Estes anticorpos são chamados de anticorpos naturais. A pele como barreira da imunidade inata. Inflamação. 4. Os componentes da resposta imune inata: Respostas celulares https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2019/06/aula_imuno_top02_img02_-768x543.jpg https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2019/06/aula_imuno_top02_img03-768x543.jpg Entre as células que fazem parte da imunidade inata, temos os fagócitos, que compreendem os neutrófilos, macrófagos e as células dendríticas. Estas células têm como função primária identificar, ingerir e destruir micro-organismos. Elas também produzem citocinas que são importantes para as imunidades inata e adaptativa. Além dos fagócitos, temos também as células NK, que são responsáveis pela destruição de células infectadas por vírus ou células tumorais. Vamos agora descrever em detalhes cada um destes tipos celulares. Os Neutrófilos: são células de vida curta (aprox. 6h), produzidas na medula óssea, e estão presentes em grande quantidade no sangue. Possuem núcleo segmentado e dois tipos de grânulos citoplasmáticos: 1) os específicos, que possuem em seu interior a lisozima, colagenase e elastase; 2) os azurófilos, contendo enzimas, defensinas e catelicidinas. O fator de crescimento de colônias chamado G-CSF é importante na sua produção na medula óssea. Uma vez que eles saem da medula óssea, ficam presentes no sangue e, se não forem recrutados, morrem por apoptose e são removidos no fígado e no baço, por macrófagos residentes. Os Fagócitos mononucleares: são células produzidas na medula óssea, circulam pelo sangue (monócitos) e atingem sua maturação final nos tecidos (macrófagos). Os Monócitos têm um núcleo em forma de feijão e, no citoplasma, têm grânulos citoplasmáticos contendo lisozima e também vacúolos fagocíticos. Os Macrófagos podem assumir diferentes formas, de acordo com o tecido e o tipo de resposta imunológica em questão. Durante alguns tipos de processos inflamatórios crônicos, alguns assumem a forma de células epiteliais e são chamados de células epitelióides, enquanto outros fundem-se para formar células gigantes multinucleadas. Estas células recebem nomes específicos de acordo com o tecido onde se encontram (células de Kupffer, no fígado; migroglia, no cérebro; macrófagos alveolares, no pulmão; osteoclastos, na medula óssea). Têm vida útil maior do que os neutrófilos e podem se dividir (ao contrário dos neutrófilos), o que os tornam importantes nos 2 primeiros dias após a infecção. É importante ressaltar também que os macrófagos teciduais podem se diferenciar em subtipos que são os macrófagos-M1, com atividade microbicida, ou macrófagos-M2, responsáveis aumento de regeneração tecidual. As Células dendríticas (DCs): são as principais células apresentadoras de antígenos, promovendo a integração entre a resposta inata e a resposta imune adaptativa. Elas estão distribuídas em tecidos linfóides, mucosas epiteliais e nos parênquimas de órgãos. Elas expressam PRRs que, quando estimulados, ativam estas células para a secreção de citocinas. Portanto, uma vez “amadurecidas”, as DCs fagocitam, processam e apresentam os antígenos dos micróbios aos Linfócitos T naïves (virgens e não diferenciados), promovendo sua ativação e, consequentemente, a proliferação destas células, mostrando assim sua importância para o início da resposta imunitária específica. As células dendríticas podem ser subdivididas em três tipos (mieloides, linfoides e plasmacitóides), com características distintas. As células dendríticas plasmacitóides (pDCs) são especializadas para respostas primárias anti-virus, produzindo IFN do tipo I. Todas as DCs apresentam peptídios aos linfócitos T da imuniade adaptativa, levando à ativação deles. Portanto, todas os 3 tipos celulares acima descritos são capazes de realizar fagocitose e destruir os micro-organismos que foram fagocitados. Vamos agora explicar este processo fisiológico. Durante a fagocitose,os neutrófilos e macrófagos já expressam nas suas superfícies os PRRs, como C-type lectins e scavanger receptors e, portanto, podem reconhecer e fagocitar microorganismos que expressam as PAMPs. Outras moléculas como anticorpos, complemento e lectinas podem forrar os micro-organismos e são chamados de opsoninas. Este último processo de cobertura de micro-organismos para a fagocitose é denominado opsonização. Uma vez expressando PAMPs ou cobertos com opsoninas, os micróbios são reconhecidos pelos respectivos receptores das membranas destes fagócitos; estas se extendem sobre eles, até que eles são completamente engolfados, formando um fagossomo. A fusão do fagossomo a um lisossomo forma um fagolisossomo. Estes fagócitos, sob influência da estimulação de PRRs, receptores de anticorpos (os FcRs), receptores de complemento, e citocinas, produzem uma série de enzimas proteolíticas nos fagolisossomos. Entre elas, nos neutrófilos, encontramos a elastase e a catepsina G. Além de enzimas com atividade microbicida, os macrófagos e neutrófilos convertem oxigênio molecular em espécies reativas do oxigênio (ROS). A Oxidase fagocítica é uma enzima envolvida neste processo, contém várias subunidades, está presente na membrana dos fagócitos e reduz oxigênio molecular em superóxido; este é dismutado em peróxido de hidrogênio que, por sua vez, é utilizado pela mieloperoxidase para converter alide em ácido hipoaloso, que é tóxico para bactérias. Todo processo é conhecido como “respiratory burst”. Esta oxidase fagocítica também é responsável por manter o ambiente redutor dos vacúolos fagocíticos, necessário para condições ótimas de funcionamento da elastase e catepsina G. Os Macrofagos também podem produzir óxido nítrico (NO) através da iNOS, que cataliza a conversão de arginina em citrulina. O NO pode, então, combinar-se com peroxido ou superóxido, tornando-se então peroxinitrito, que mata micróbios. Finalmente, estas enzimas lisossomais, ROS e NO, podem ser liberadas para o meio extracelular (processo que ocorre quando há excesso de ativação), podendo gerar dano de estruturas do próprio organismo. Os macrófagos ativados também produzem citocinas, quimiocinas e interleucinas, entre elas a IL-12, que estimula células NK e células T a produzir IFN-γ, e fatores de crescimento para células endoteliais e fibroblastos. Além dos fagócitos, temos também as Células NK que constituem de 5 a 20% das células mononucleares do sangue e do baço, mas são raras em outros órgãos linfóides. Constituem uma das principais fontes de uma citocina, o IFN-γ, que ativa macrófagos para matar micróbios intracitoplasmáticos. Contém vários grânulos e seus receptores não são produzidos por rearranjo somático do DNA. Para serem ativadas, dependem do balanço de sinais de ativação (ligante de NK) e inibição (moléculas classe I do MHC) que recebem. Um dos receptores de ativação mais estudado é o NKG2D, que se liga a moléculas similares às moléculas classe I do MHC (“MHC class I-like”, que são denominadas MIC-A, MIC-B, e RAET1), que são encontradas em células infectadas por vírus e células tumorais. O CD16 (FcγRIIIa) é outro receptor de ativação das células NK, que tem baixa afinidade a IgG1 e IgG3, que são anticorpos. O maior grupo de receptores inibitórios é composto por receptores KIR (“killer cell immunoglobulin-like receptor”), que se ligam às moléculas MHC I. Outro receptor inibitório é o CD94/NKG2A, que é um dímero de lectinas to tipo C e que reconhece um tipo de MHC classe I chamado HLA-E; este tipo de MHC classe I expressa peptídios derivados da degradação de outras moleculas do MHC classe I. Os receptores semelhantes às imunoglobulinas de leucócito (ou “Leukocyte Immunoglobulin-Like Receptors”, ou LIRs) são também receptores inibitórios que se ligam também às moléculas classe I, mas com menor afinidade que os KIRs. IL-15 (produzida por macrófagos) é o fator de crescimento para estas células e a IL-12 (também produzida por macrófagos) é importante para induzir a produção de IFN-γ. O estímulo das células NK pelo IFN do tipo I, que foi produzido pelas pDCs, aumenta a expressão de IL-12R, aumentando a capacidade de resposta a IL-12 nas células NK. Por fim, uma vez ativadas, as células NK matam células infectadas utilizando duas proteínas: perforinas, que são liberadas na superfície da célula alvo, e granzimas, que são injetadas dentro do citoplasma da célula alvo. Destroem também alguns tumores de origem hematopoiética, provavelmente pela baixa expressão de classe I. Elas também produzem IFN-γ que ativa os macrófagos. Células NK são importantes nos primeiros dias da infecção, quando os linfócitos T citotóxicos ainda não estão prontos para destruir células infectadas. Células do sistema imune. Migração e atuação do neutrófilo. Mecanismo de ativação das células NK. Esquema da fagocitose. https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2019/06/aula_imuno_top02_img04-768x573.jpg https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2019/06/aula_imuno_top02_img05-768x543.jpg https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2019/06/aula_imuno_top02_img06-768x474.jpg https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2019/06/aula_imuno_top02_img07-768x557.jpg 5. Proteínas circulantes da imunidade inata Além das barreiras e células que fazem parte da imunidade inata, temos também uma série de proteínas que atuam dentro desta parte da resposta imune. Há proteínas que estão presentes no plasma e reconhecem as PAMPs, ou reconhecem outras moléculas dos agentes microbianos e facilitam sua opsonização. Estas proteínas circulantes da resposta inata são, às vezes, chamadas ramo humoral da imunidade inata e fazem parte dela o sistema complemento, pentraxinas (proteína reativa C (PCR), proteína amilóide P, pentraxina 3 (PTX3)), colectinas (Lectina ligadora de manose (mannose-binding lectin; MBL) e proteínas pulmonares surfactantes, representadas pelas SP-A e SP-D) e ficolinas. As Proteína reativa C e proteína amilóide P (proteínas de fase aguda) são produzidas por fagócitos do fígado quando estimulado por IL-6 e IL-1 e reagem contra fosforilcolina e fosfatidiletanolamina, respectivamente, que estão expressas em bactérias e fungos. A Proteína reativa C também se liga a C1q, ou diretamente a FcγR, e pode funcionar como uma opsonina. PTX é produzida por DCs, células endoteliais e macrófagos em resposta à ligação de TLRs e TNF-alfa; ela liga-se a C1q, às células apoptóticas e ao Aspergillus fumigatus. As Colectinas (MBL, SP-A e SP-D) contêm uma cauda colágeno-like e uma porção inicial de lectina que é cálcio-dependente (“C-type”). A MBL é uma proteína plasmática que funciona como uma opsonina, pois ativa o sistema complemento e tem estrutura similar ao C1q. As SP-A e SP-D estão presentes nos alvéolos e funcionam como opsoninas. Podem também inibir diretamente o crescimento de bactérias. Por fim, as Ficolinas possuem uma cauda colágeno-like, mas têm uma região inicial que é um domínio fibrinogênio-like, que reconhece carboidratos. Ligam-se a diversos tipos de bactérias gram-positivas que expressam N-acetilglucosamina e ácido lipoteicóico, servindo de opsoninas ou ativando o complemento. Das proteínas da imunidade inata que ainda não citamos, estão as proteínas do sistema complemento. Estas vão ser abordadas nos próximos capítulos. Há ainda citocinas que também atuam na imunidade inata e, por isto, são consideradas dentro das proteínas da resposta humoral da imunidade inata. Deste modo, IFN do tipo I, TNF-alfa, IL-1, IL-6, IL-15, IFN-γ, e IL-10 são colocadas dentro desta categoria. Portanto, de acordo com o que descrevemos acima, a ativação da resposta imune inata é importante na eliminação de diversos micro-organismos durante o este primeiro contato. Entretanto, esta não é a única relevância da resposta imune inata. Ela também é muito importante no início da resposta imune adaptativa, ditando a sua quantidade e qualidade. 6. Sistema complemento O nome “complemento” é derivado da sua descoberta, por Jules Bordet (1890), que observou a ausência de capacidadelítica antibacteriana em soros aquecidos a temperaturas maiores que 56 C. Segundo ele, faltava um “complemento” ao soro aquecido queo lhe conferia atividade lítica. O sistema complemento consiste de um conjunto de proteínas séricas e de superfície celular, que interagem entre si e com outras proteínas do sistema imune, para contribuir com a eliminação dos micróbios. A ativação do sistema complemento envolve proteólise das suas proteínas séricas que, por sua vez, formam complexos enzimáticos com atividade proteolítica. Estas proteínas que adquirem atividade proteolítica após clivagem são denominadas zimogênios. Portanto, o sistema complemento é um exemplo de ativação de zimogênios em cascata. Os produtos da ativação do complemento fixam-se covalentemente À superfície dos micróbios, ou outros antígenos cobertos por alguns tipos de anticorpos. Em células normais dos hospedeiros, a ativação do complemento é inibida pela presença de proteínas reguladoras na sua superfície. O sistema complemento pode ser ativado por três vias: alternativa, clássica ou por via das lectinas. O evento central na ativação do complemento é a proteólise da proteína C3, gerando C3b que se liga covalentemente à superfície da bactéria ou do antígeno coberto por anticorpo. 7. Vias de ativação do sistema complemento Vamos agora estudar, em mais detalhes, as três vias de ativação inicial do sistema complemento. Todas as proteínas do sistema complemento são nomeadas com a letra C, de 1 a 9 (C1, C2, etc.). A Via alternativa de ativação do complemento é ativada pela ligação de C3b à superfície dos micróbios. Este C3b vem de pequenas quantidades de C3 que são convertidas em C3b e C3a no plasma. Quando C3 é quebrado, C3b tem exposto seu grupamento tiol, que pode ser inativado por hidrólise (lise por moléculas de água), formando iC3b, ou ligar-se a proteínas ou polissacarídeos dos micróbios. C3b ligado ao micróbio, muda sua conformação e é capaz de ligar-se ao fator B. O fator B ligado ao C3b é agora clivado pelo fator D, formando-se o complexo C3bBb que é a C3-convertase da via alternativa, clivando mais moléculas C3. Properdina, ou fator P, é uma outra proteína da via alternativa, que se liga a C3-convertase, estabilizando o complexo. Quando uma das novas moléculas C3b se deposita juntamente com a C3-convertase, é formada a C5-convertase da via alternativa, que cliva C5 e ativa as fases finais da ativação do complemento. Na Via clássica de ativação do complemento, a ativação ocorre pela ligação da proteína C1 aos domínios constantes (CH) dos anticorpos, ou seja, os domínios C 2 da IgG, ou C 3 da IgM. C1 é uma proteína grande e multimérica, formada pelas subunidades C1q (responsável pela ligação ao CH), C1r e C1s (que têm atividade de proteases). As seis cadeias do C1q têm que se ligar, no mínimo, a dois CHs para serem ativadas. Como IgM está presente numa forma pentamérica, esta classe de Ig é mais eficiente na ativação do complemento do que IgG. C1r e C1s formam um tetrâmero de pares destas subunidades. C1r é ativada pela ligação de C1q que, por sua vez, cliva e ativa C1s. C1s ativado cliva C4 e gera C4b. C4b é similar a C3b, expondo sua região tiol após clivagem e ligando-se à superfície do micróbio. C2 liga-se, então, a C4b e é clivada em C2b pela C1s. O complexo C4b2b forma a C3- convertase da via clássica, que tem atividade proteolítica (via C2b) e quebra C3 em C3b. H H Uma vez que C3b liga-se ao micróbio, ocorre a ligação do fator B, geração de Bb, e formação de C3-convertase da via alternativa. C3b pode ligar-se a C3-convertase da via clássica e formar o complexo C4b2b3b, a C5-convertase da via clássica. A via de ativação do complemento que ainda não descrevemos é a Via das lectinas. Ela ocorre pela ligação da proteína de ligação à manose plasmática (MBL) ou de ficolinas (N- acetilglicosaminas) à lipopolissacarídeos dos micróbios. Estas manoses (colectinas) são estruturalmente similares ao C1q e se ligam às serinas proteases MASP-1, MASP-2 e MASP-3 que, por sua vez, clivam C4 e C2, onde a cascata segue a via clássica. Todas as vias iniciais de ativação do sistema complemento seguem, a partir da quebra de C5, a mesma via de Fase final da ativação do complemento. Nesta via final, a C5-convertase quebra C5 em C5b, que se mantém numa determinada conformação até que C6 e C7 se juntem a ele. O complexo C5b,6,7 é hidrofóbico pela adição de C7, que se insere na bicamada lipídica da célula-alvo (por exemplo, uma bactéria) e torna-se um receptor de alta afinidade para C8. O complexo C5b-8 tem pouca atividade lítica; porém, quando C9 se liga e polimeriza neste complexo, o complexo de ataque à membrana (MAC) é formado e os poros são agora estáveis, permitindo a entrada de água, inchamento osmótico e ruptura da célula. Portanto, conforme descrevemos acima, o sistema complemento é importante para combater os micro-organismos. Ele promove a lise dos micróbios, auxilia na fagocitose deles (pois vários fagócitos possuem receptores para estas proteínas), e estimula a inflamação. Na estimulação da inflamação, os fragmentos C5a, C4a, C3a são muito importantes, pois C5a é extremamente efetor para gerar degranulação de mastócitos, aumento da permeabilidade vascular e expressão de proteínas nas células endoteliais, aumentando a adesão de neutrófilos à estas células; a degranulação dos mastócitos não só vai auxiliar na motilidade dos neutrófilos para os tecidos, mas também vai induzir a produção de intermediários reativos do oxigênio. C3a e C4a também induzem degranulação de mastócitos, mas são menos potentes. Todas estas moléculas são chamadas anafilatoxinas por causa da resposta anafilática, com a degranulação de mastócitos que causam. Além destas funções, o sistema complemento também impede a formação de imunocomplexos antígeno-anticorpo (quando estes estão em pequena quantidade no plasma) e auxiliam na sua remoção via transporte das hemácias ao baço. Também a deposição de C3d aos antígenos auxilia na ativação das células B, pois estas reconhecem o antígeno via seus receptores (os BCRs) e também pelo reconhecimento de C3d via CR2. Antígenos opsonizados por complemento também são importantes para sua retenção nas DCs foliculares (um tipo especial de DC que não faz fagocitose e não apresenta antígenos, vivendo exclusivamente dentro dos folículos linfoides) e futura doação destes antígenos as células B, para que estas passem pelo processo de maturação de afinidade. Via clássica de ativação do sistema complemento. https://cead.uvv.br/conteudo/wp-content/uploads/2019/06/aula_imuno_top02_img08-768x472.jpg 8. Regulação e evasão ao sistema complemento e suas relações com algumas doenças Conforme o que foi descrito acima, sabemos agora que o sistema complemento é constituído por uma série de proteínas presentes no plasma e que, uma das suas vias, a via alternativa, pode ser ativada por hidrólise (ou seja, pode ocorrer quebra de C3 e formação de C3b por moléculas de água). Portanto, no plasma, temos todos os elementos que, pelo menos, levariam à ativação da via alternativa. Isto poderia ser extremamente deletério ao organismo, uma vez que as proteínas do sistema complemento se depositariam sobre a superfície das nossas próprias células. Para que este processo não ocorra, há várias vias de regulação da sua ativação, que são necessárias para evitar o aparecimento de doenças causadas pelo sistema complemento. Nas vias de regulação da ativação do complemento, temos as proteínas da família RCA (“regulators of complement activity”), que serão descritas a seguir, conforme o momento em que elas interferem na ativação do sistema complemento. A atividade proteolítica de C1s é inibida via uma proteína plasmática chamada inibidor de C1 (C1 INH), que é um inibidor de serina proteases (ou seja, uma serpina), que se liga ao complexo C1q,r,s e, após clivagem, mantem-se ligado a C1r,s e desestabiliza o complexo C1q,r,s. As proteínas de membrana MCP (também conhecida como CD46), CR1, DAF (presente em células endoteliais e hemácias), e a proteína plasmáticafator H atuam na supressão da formação dos complexos C3 ou C5-convertases. Outra RCA que é atraída pela deposição de C4b é a C4PB (C4-binding protein) que impede a ligação de Bb ou C2b à C4b. O Fator H inibe a ligação de Bb ao C3b (somente na via alternativa). Já a deposição de C3b atrai MCP, fator H, e C4BP que servem de cofatores para ativação de fator I e clivagem do C3b, formando iC3b, C3d e C3dg. CD59 (presente na superfície celular) e proteína S (presente no plasma) inibem a formação do MAC. Conforme descrito acima, há várias RCAs que são capazes de impedir a ativação do sistema complemento e deficiências nas suas expressões podem gerar o desenvolvimento de algumas doenças. Por exemplo: o edema angioneurótico hereditário é uma doença autossômica dominante, em que ocorre deficiência do C1 INH e proteólise de C2 e C4 incontroladas; nestes pacientes, verificamos o acúmulo intermitente de líquidos na pele e nas mucosas, causando dores abdominais, vômitos, diarréias e potencial obstrução das vias respiratórias; apesar da proteólise incontrolada de C2 e C4, não são estes fatores do sistema complemento que geram o problema, mas sim a ausência de regulação de produção de bradicinina, proteína envolvida no aumento da permeabilidade vascular, que é produzida em excesso nestes pacientes. Outra doença gerada por defeito na regulação do sistema complemento é a hemoglobinúria paroxismal noturna, onde ocorre ausência de DAF e CD59, levando a episódios recorrentes de hemólise intravascular, anemia hemolítica crônica e trombose venosa. Esta doença não é herdada, mas sim fruto de mutações genéticas. As deficiências de C2 e C4 estão associadas em 50% dos pacientes com uma doença parecida com Lupus, provavelmente pela falta de remoção de imunocomplexos DNA-anticorpos, que passam a ser imunogênicos (talvez, ocorra também falta de sinais tolerogênicos às células B autorreativas). As deficiências de C3, properdina, e/ou fator D estão associadas à maior susceptibilidade às infecções por bactérias piogénicas (com formação de pus). As mutações do gene da MLB (mannose-binding lectin) causam imunodeficiencias primárias, levando à maior susceptibilidade às infecções. As deficiências em C5, C6, C7, C8 ou C9 levam à infecção disseminada por bactérias Gram-negativas do gênero Neisseria sp. Deficiências em proteínas reguladoras do complemento geralmente levam à acumulação de imunocomplexos e glomerulonefrite. Além das deficiências de expressão nas proteínas do sistema complemento estarem envolvidas em algumas doenças, os mecanismos de evasão que alguns micro-organismos desenvolveram também estão envolvidos no agravamento das doenças infeciosas. Já foi observada a evasão do complemento por micróbios. Entre os mecanismos mais genéricos, podemos citar que alguns micro-organismos (bactérias e fungos) contêm paredes celulares mais espessas, impedindo a ligação do MAC às suas membranas. Entre os mecanismos mais específicos, temos: recrutamento de proteínas reguladoras do complemento para a superfície dos micróbios, produção de proteínas miméticas às proteínas reguladoras do complemento e produção de proteínas antinflamatórias que inibem a inflamação gerada por moléculas do complemento. 9. Conclusão Neste Tópico (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015), aprendemos vários conceitos sobre a resposta imune inata. Vimos a importância desta resposta na resistência às infecções. Também aprendemos sobre o sistema complemento, como funciona, sua regulação e envolvimento no combate aos micróbios e como a sua desregulação é responsável pelo aparecimento ou agravamento de doenças. A compreensão da fisiologia da resposta imune inata aprendida neste Tópico será fundamental quando começarmos a estudar os mecanismos envolvidos na imunidade adquirida. 10. Referências ABBAS, A. K.; LICHTMAN, A. H. H.; PILLAI, S. Imunologia Celular e Molecular. 8a Edição ed. [s.l.] Elsevier Inc., 2015.
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