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HANSENÍASE APG

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APG : HANSENIÍASE 
Introdução
A hanseníase era conhecida como lepra, mas o nome caiu em desuso devido à forte estigmatização da doença. Historicamente, há relatos de pessoas afetadas no Egito Antigo e na Bíblia. Outro aspecto interessante são os leprosários, centros em que os doentes eram isolados do mundo e ali viviam, constituindo uma nova família e um novo círculo social, e os cemitérios de leprosos, que perduraram até meados do século 20 em alguns países, incluindo o Brasil.
O agente causador é o Mycobacterium leprae, conhecido como bacilo de Hansen, um Bacilo Álcool-Ácido-Resistente (BAAR), intracelular obrigatório, que se cora positivo com o método de Ziehl-Neelsen — como o Mycobacterium tuberculosis —, sendo normalmente empregada uma variante dessa coloração, chamada método de Fite-Faraco, para o diagnóstico.
Epidemiologia
Trata-se de uma doença universal, rara nos países de primeiro mundo, exceto pela parte da Organização Mundial da Saúde (OMS), de erradicação da doença. Permanece ativa no Sudeste Asiático — principalmente na Índia —, no Norte da África e em alguns países da América Latina. Em 2016, segundo a OMS, 143 países reportaram 214.783 casos novos de hanseníase, o que representa uma taxa de detecção de 2,9 casos por 100.000 habitantes. No Brasil, no mesmo ano, foram notificados 25.218 casos novos, perfazendo uma taxa de detecção de 12,2:100.000 habitantes. Esses parâmetros classificam o país como de alta carga para a doença, sendo o segundo com o maior número de casos novos registrados no mundo. As regiões Centro-Oeste e Norte apresentam as maiores taxas médias de detecção geral no período de 2012 a 2016, enquanto as menores foram registradas nas regiões Sul e Sudeste. Dessa forma, a doença é considerada endêmica no Brasil, mas sua incidência está diminuindo nos últimos anos.
Segundo o Boletim Epidemiológico Hanseníase (2020): Foram reportados à OMS 208.619 novos casos da doença em 2018. Desses, 30.975 ocorreram na região das Américas e 28.660 (92,6% do total das Américas) foram notificados no Brasil. Do total de casos novos diagnosticados no país, 1.705 (5,9%) ocorreram em menores de 15 anos. Diante desse cenário, o Brasil é classificado como um país de alta carga para a doença, ocupando o segundo lugar na relação de países com maior número de casos no mundo, estando atrás apenas da Índia (OMS, 2019).
É exclusiva dos humanos, com relatos de encontro do Bacilo em tatus, porém estes são apenas reservatórios da doença. As crianças menores de 15 anos raramente são afetadas, e quando isso ocorre é um forte indício de alta endemicidade.
 #importante Apesar de ser uma doença com alta contagiosidade, felizmente tem baixa patogenicidade, ou seja, muitas pessoas têm o contato, porém a doença evolui para infecção concretizada em pequena proporção.
 A maioria dos casos se dá pela transmissão entre os contactantes familiares por intermédio de perdigotos de pacientes com infecção ativa e que não iniciaram o tratamento (após a primeira dose, a transmissão cai 99,99%), sendo necessário um contato íntimo prolongado. O período de incubação é longo, em média de cinco anos, podendo variar de meses a 20 anos. Trata-se de doença de notificação compulsória. 
Fisiopatologia
A grande preocupação é a propriedade da hanseníase de provocar danos irreversíveis nos nervos periféricos, levando a incapacidades físicas e amputações. Esses danos ocorrem apenas pela ação do sistema imunológico contra o bacilo, que fica alojado em pontos específicos, como nas células de Schwann de nervos periféricos e macrófagos da pele, além da mucosa
 respiratória. Pacientes que elaboram resposta imune celular competente do tipo Th1 podem erradicar a moléstia de Hansen ou permanecer no polo tuberculoide da doença; já aqueles com resposta de predomínio Th2, que tentam erradicar a doença através de anticorpos, permanecem bacilíferos e desenvolvem características de doença do polo virchowiano. Só os indivíduos desse polo são capazes de transmiti-la, e isso se dá com a entrada do bacilo pelas vias aéreas superiores, por meio de perdigotos exclusivos de pacientes multibacilares. Pacientes com HIV merecem atenção quanto às reações hansênicas, que podem ocorrer com maior gravidade. Uma boa parte da população tem defesa constitucional — inata, natural — contra o M. leprae, de forma que não adoecem após o contato. Também é sabido que a suscetibilidade para o M. leprae tem influência genética — familiares de pessoas com hanseníase têm mais chance de adoecer. A hanseníase é uma doença de baixa letalidade e baixa mortalidade, porém pode levar a grandes incapacidades.
Quadro clínico
Didaticamente, classifica-se a hanseníase em polos tuberculoide e virchowiano (classificação de Ridley-Jopling). O estágio inicial — estado do paciente ainda indefinido — é chamado “hanseníase indeterminada”, sendo caracterizado por poucas lesões, normalmente máculas hipocrômicas com alteração da sensibilidade térmica, dolorosa e/ou tátil. Com a evolução da doença, o paciente migra para um dos polos a seguir:
▶ Hanseníase tuberculoide: caracterizada por pequeno número de lesões, sendo placas eritematosas com descamação fina, bem definidas, com cura central e que são hipo ou anestésicas. A baciloscopia é negativa. As alterações neurais são intensas e precoces — dor, espessamento e perda das funções sensitivas e motoras —, sendo os nervos ulnar e mediano mais acometidos (mão “em garra”). Não há acometimento de outros órgãos;
▶ Hanseníase virchowiana: caracterizada por grande número de lesões, do tipo nódulos e placas eritematoacastanhadas e infiltradas; a infiltração da face é comum (fácies leonina) além da madarose (perda das sobrancelhas). Quando realizada, a baciloscopia é fortemente positiva, com grande número de bacilos íntegros. As alterações da sensibilidade são mais tardias e menos frequentes. Há comprometimento sistêmico de mucosas respiratórias, olhos e outros órgãos, como baço, fígado, rins e testículos.
Os pacientes que não se estabilizam em nenhum desses polos são classificados como dimorfos e podem migrar na classificação de acordo com a resposta imunológica, em qualquer momento da evolução. Possuem lesões intermediárias, que podem tender mais para o tipo tuberculoide — dimorfotuberculoide — ou para o polo virchowiano — dimorfovirchowiano. O Quadro 4.1 resume a classificação.
 
 
 
Métodos diagnósticos
O diagnóstico da hanseníase requer a presença de lesões de pele que tenham alteração da sensibilidade, ou comprometimento neural periférico que curse com alterações sensitivas. O teste de sensibilidade térmica é o método mais útil para investigar uma lesão suspeita de hanseníase e pode ser facilmente executado logo na primeira consulta, já que essa é a primeira função perdida pela lesão de ramúsculos nervosos. Posteriormente, perdem-se as sensibilidades dolorosa e tátil, nessa ordem.
#importante Sequência da perda de sensibilidade: térmica — dolorosa — tátil.
 Os métodos auxiliares mais usados são o teste de Mitsuda, que consiste na intradermorreação com antígenos preparados de tecidos infectados e que, na realidade, determina prognóstico, pois mostra o estado imunológico; pode ser falso positivo em indivíduos que tiveram tuberculose. A pesquisa no sangue de anticorpos contra PGL-1 (antígeno glicolipídio fenólico-1) é positiva em 95% dos virchowianos — lembrando que eles têm resposta Th2 que é mais humoral, portanto, apresentam sorologia positiva. O exame anatomopatológico tem como característica principal a presença de infiltrado inflamatório perineural nos casos indeterminados e tuberculoides (doença granulomatosa); entre os virchowianos, é fácil a visualização dos bacilos por meio da coloração de Fite-Faraco, sendo encontrados em grande quantidade.
Os diagnósticos diferenciais dependem do tipo de lesão:
▶ Indeterminada: lesões hipocrômicas — pitiríase alba, vitiligo inicial e pitiríase versicolor;
▶ Tuberculoide: lesões eritematoinfiltrativas — tinha, eczema, eritema figurado,granuloma anular, sarcoidose, lúpus e tuberculose;
▶ Virchowianos: quadros disseminados — micose fungoide e leishmaniose tegumentar americana.
É importante notar que em nenhum desses casos se altera a sensibilidade nas lesões.
Tratamento
É uma das doenças de notificação compulsória — realizada após a confirmação diagnóstica —, sendo um problema de saúde pública e que requer tratamento supervisionado em unidades de atendimento do Sistema Único de Saúde.
Apesar de ser uma doença curável, tem característica de cronicidade. Muitos dermatologistas defendem a opinião de que o indivíduo nunca deve receber alta, apesar de isso não ser consenso entre todos nem ser recomendado pela OMS. Para simplificar o tratamento nas Unidades Básicas de Saúde, OMS classifica os pacientes como multibacilares, com mais de cinco lesões de pele ou com baciloscopia de raspado intradérmico positiva, e paucibacilares, com cinco ou menos lesões e baciloscopia de raspado intradérmico negativa. Essa classificação é meramente operacional e visa facilitar o tratamento na rede básica, pois a hanseníase é uma doença clinicamente heterogênea, o que dificulta seu diagnóstico e introdução do tratamento.
As medicações são administradas em esquema de poliquimioterapia, e nunca deve ser realizada monoterapia, como no passado.
▶ Em 2018, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou as Diretrizes para o diagnóstico, tratamento e prevenção da hanseníase, na qual recomenda um regime de três medicamentos (rifampicina, clofazimina e dapsona) para todos os pacientes com hanseníase, com duração de tratamento de seis meses para hanseníase paucibacilar e 12 meses para hanseníase multibacilar. Essa recomendação simplifica o tratamento e previne a classificação errônea da hanseníase MB, já que todos os pacientes receberiam um regime de três medicamentos;
▶ Em nota técnica emitida pelo Ministério da Saúde definiu-se, a partir de setembro de 2020, pela ampliação de uso da clofazimina para hanseníase paucibacilar no âmbito do Sistema Único de Saúde.

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