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CENTRO UNIVERSITÁRIO AUGUSTO MOTTA – UNISUAM CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO Alexandre Pinto Fernandes da Silva A contínua restrição do foro especial por prerrogativa de função Rio de Janeiro 2022 CENTRO UNIVERSITÁRIO AUGUSTO MOTTA – UNISUAM CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO Alexandre Pinto Fernandes da Silva A contínua restrição do foro especial por prerrogativa de função Artigo científico apresentado ao Curso de Bacharelado em Direito do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM como requisito parcial para a aprovação na disciplina Orientação em Monografia, sob a orientação do Prof. Adinan Rodrigues da Silveira. Rio de Janeiro 2022 Alexandre Pinto Fernandes da Silva A contínua restrição do foro especial por prerrogativa de função Artigo científico apresentado ao Curso de Bacharelado em Direito do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM como requisito parcial para a aprovação na disciplina Orientação em Monografia, obtendo pela banca examinadora assim composta: Prof. _____________________________________ Orientador: Adinan Rodrigues da Silveira Prof. _____________________________________ Prof. _____________________________________ DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a minha mãe Margarete e ao meu amado filho Caio. “Todas as coisas contribuem juntamente daqueles que amam a Deus.” – Romanos 8:28 RESUMO O presente trabalho tem por objetivo analisar se o foro por prerrogativa de função está, atualmente, sendo interpretado de maneira correta conforme a CRFB/88, haja visto ter passado ao longo dos anos por entendimentos diversos. Para entendê-lo, pretende-se primeiramente expor a constância histórica do foro especial por prerrogativa de função no Brasil, bem como aspectos gerais e a sua relação com princípios da Constituição. Além disso, serão abordados argumentos favoráveis e contrários à manutenção e abrangência do foro especial, e o seu atual paradigma, adotado pelo STF na Ação Penal 937 se mostra juridicamente correto. Por último, possíveis soluções para pôr fim às controvérsias do foro privilegiado no que tange a sua aplicação, à luz da Constituição. Será adotado como metodologia de pesquisa a forma exploratória, fazendo uso de pesquisa bibliográfica para a compreensão do tema. Quanto a abordagem do problema, trata-se do método qualitativo, através da análise dos dados coletados. Palavras-chave: Constituição, foro por prerrogativa de função, competência, ação penal 937 ABSTRACT The present work aims to analyze whether the forum by prerogative of function is currently being interpreted correctly according to the CRFB/88, having seen it have passed over the years by different understandings. To understand it, it is intended primarily to expose the historical constancy of the special fore for consideration of function in Brazil, as well as general aspects and its relationship with principles of the Constitution. In addition, arguments favorable and contrary to the maintenance and scope of the special forum will be addressed, and its current paradigm, adopted by the Supreme Court in Criminal Action 937, proves to be legally correct. Finally, possible solutions to put an end to the controversies of the privileged forum with regard to its application, in the light of the Constitution. The exploratory form will be adopted as a research methodology, using bibliographic research to understand the theme. Regarding the approach to the problem, this is the qualitative method, through the analysis of the collected data. Keywords: Constitution, forum by prerogative of function, jurisdiction, criminal proceedings 937. 6 INTRODUÇÃO O presente trabalho possui como objetivo analisar se os atuais entendimentos sobre o foro por prerrogativa de função, sobretudo a partir das teses fixadas pelo STF na questão de ordem na Ação Penal n° 937/RJ, sendo esta de maior compatibilidade com a Constituição Federal 1988, de princípio republicano (CF, art. 1º), bem como se uma interpretação mais restritiva do instituto atende ao seu objetivo jurídico e às ‘nuances’ processuais atuais. (BRASIL, 1988) Para isso, busca-se primeiramente analisar os aspectos gerais a respeito do foro especial por prerrogativa de função no Brasil, com a sua presença constante (mas em menor escala) nas constituições anteriores, com o expressivo aumento do rol de autoridades que fazem jus a prerrogativa a partir da vigência da Constituição de 1988. Nos itens seguintes, para melhor compreensão, procura-se enumerar as autoridades detentoras do foro por prerrogativa de função, bem como uma explanação de como se dá a aplicação e abrangência dele. Ressaltando, no segundo capítulo, as teses fixadas na Questão de Ordem na Ação Penal 937, pela qual o STF fixou duas teses: limitou o alcance do foro especial a vigência do exercício do cargo ou função, por crimes cometidos em razão desse; e a fixação definitiva da competência por prerrogativa de função após determinado momento processual. Medidas essas que visam tornar o instituto mais restritivo e eficiente. Além disso, buscou-se entender a adequação do foro especial com os princípios constitucionais da igualdade e do juiz natural, possuindo profunda relação com o instituto. No terceiro e último capítulo, se expôs opiniões contrárias e favoráveis a manutenção do foro privilegiado no direito pátrio, com argumentos a advogar pela permanência, modificação ou extinção do instituto. Por fim, possíveis soluções encontradas, como uma interpretação cada vez mais restritiva, através da jurisprudência (sobretudo pelo STF), ou mesmo a modificação através de Emenda Constitucional. O estudo de tal assunto se mostra necessário devido a inúmeras mudanças de interpretação temporal e as controvérsias sobre a sua existência e abrangência, por isso a necessidade de fixar limites ao instituto para melhor adequá-lo à Constituição e ao sistema de justiça atual. Além disso, também é alvo de críticas perante a sociedade, que o vê com desagrado e sinônimo de privilégio. 7 1. Breves apontamentos Na história constitucional brasileira, diversas autoridades públicas (como o Presidente da República e Ministros de Estado), foram contempladas com prerrogativas que lhes conferissem independência e livre exercício de seus importantes cargos e funções. Nesse sentido, a explanação do ex-ministro do STF, Victor Nunes, ao apontar: Jurisdição especial, como prerrogativa de certas funções públicas, é, realmente, instituída não no interesse da pessoa do ocupante só cargo, mas no interesse público do seu bom exercício, isto é, do seu exercício com alto grau de independência que resulta da certeza de que seus atos venham a ser julgados com plenas garantias e completa imparcialidade. (STF. Rcl. Primeira 473 /Guanabara. Relator: Min. Victor Nunes. Brasília. Diário da Justiça. Seção 1. 08/06/1962). Tal definição caracterizava uma visão precisa a respeito do foro especial por prerrogativa de função à época (1962), com fundamento na necessidade de independência dos órgãos julgadores e ao exercício pleno dos cargos mais relevantes da esfera pública. Entendia-se que a atribuição da competência originária para o julgamento dos ocupantes de tais cargos a tribunais de maior hierarquia evitaria ou reduziria a utilização política do processo penal contra titulares de mandatoeletivo, ou altas autoridades, em prejuízo do desempenho de suas funções. Depreende-se do julgado a visão de que se buscava a suposta imparcialidade do julgador, e menor suscetibilidade a pressões externas. Todavia, com o advento da Constituição Federal de 1988, os juízes passam a dispor de amplas garantias de atuação positivadas no texto constitucional, que encontram se dispostas nos arts. 2º e 95, caput do respectivo diploma, bem como infraconstitucional, pelo Estatuto da Magistratura (Lei Complementar 35/1979), fazendo como a finalidade seja reduzida. A Constituição de 1988, então, reservou competência originária aos Tribunais de Justiça e órgãos superiores da jurisdição – a exemplo do STF (CF, art. 105, I, a) – para julgar autoridades taxativamente previstas, em razão da pessoa (ratione personae), que advém do cargo ocupado. De modo geral, o que se pretende preservar com a jurisdição especial por prerrogativa de função é o interesse social em relação ao seu pleno exercício, e o alto grau de independência nos julgamentos em caso de cometimento de crimes. No dizer do doutrinador Hely Lopes Meirelles: 8 As prerrogativas que se concedem aos agentes políticos não são privilégios pessoais; são garantias necessárias ao pleno exercício de suas altas e complexas funções governamentais e decisórias. Sem essas prerrogativas funcionais os agentes políticos ficariam tolhidos na sua liberdade de opção e decisão, ante o temor de responsabilização pelos padrões comuns da culpa civil e do erro típico a que ficam sujeitos os funcionais profissionalizados. (MEIRELES, 1988, p. 77) Contudo, notórios casos de corrupção na esfera pública (sobretudo de parlamentares) passaram a chamar a atenção da população, que cada vez mais se questiona sobre a razão de existência de privilégios que se distanciam do princípio constitucional da igualdade, previsto no art.5º, caput da CRFB DE 1988; razão pela qual é popularmente conhecido como foro privilegiado. Por isso, houve ao longo do tempo distintas interpretações do foro especial por prerrogativa de função, na tentativa de melhor adequá-lo à realidade jurídica, política e social brasileira. Tais mudanças, para além de limitar a abrangência do instituto, por vezes retratam posições de completa contrariedade no meio jurídico, principalmente em relação a abrangência com que é contemplado pela Constituição. Logo, se faz necessário uma análise sobre a tendência gradativa de restrição do foro por prerrogativa de função, na esteira dos posicionamentos do STF. 1.1 Precedentes no direito brasileiro Logo na Constituição Imperial de 1824 foi instituído o seguinte sobre o foro privilegiado: Art. 164. A este Tribunal Compete: II. Conhecer dos delictos, e erros do Officio, que commetterem os seus Ministros, os das Relações, os Empregados no Corpo Diplomático, e os Presidentes das Províncias. Art. 179. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, são garantidas pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: §16. Ficam abolidos todos os privilégios, que não forem essencial e inteiramente legados aos cargos, por utilidade pública. §17. A exceção das causas, que por sua natureza pertencem a juízos particulares, na conformidade das leis, não haverá foro privilegiado, nem comissões especiais nas causas cíveis ou crimes. (BRASIL, 1824) Naquela época se pretendeu fazer distinção entre privilégios de natureza pessoal dos relacionados aos cargos, garantindo o foro especial perante o Supremo 9 Tribunal de Justiça (atual STF), limitado a quatro cargos/funções. Na Constituição Republicana de 1891, de acordo com o art. 59, incisos I e II, somente o Presidente da República (nos crimes comuns), Ministros de Estado e Ministros diplomáticos detinham o foro especial por função: Art.59 - Á Justiça Federal compete ao Supremo Tribunal Federal I - Processar e julgar originaria e privativamente. a) o Presidente da República, nos crimes communs, e os Ministros de Estado, nos casos de art. 52; b) os Ministros diplomaticos, nos crimes communs e nos de responsabilidade; (BRASIL, 1891) A Constituição de 1934 aumentou consideravelmente o rol de autoridades os Ministros da Corte Suprema, o PGR, os juízes dos tribunais federais e das cortes de apelação, os Ministros do Tribunal de Contas, os Embaixadores, os Ministros Diplomáticos e os juízes federais, sendo esses julgados pelo STF, conforme o dispositivo: Art. 76 - A Corte Suprema compete: 1) processar e julgar originariamente: a) o Presidente da República e os Ministros da Corte Suprema, nos crimes comuns; b) os Ministros de Estado, o Procurador-Geral da República, os Juízes dos Tribunais federais e bem assim os das Cortes de Apelação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, os Ministros do Tribunal de Contas e os Embaixadores e Ministros diplomáticos nos crimes comuns e nos de responsabilidade, salvo, quanto aos Ministros de Estado, o disposto no final do 1º do art. 61; c) os Juízes federais e os seus substitutos, nos crimes de responsabilidade; (BRASIL, 1934) Esse rol se manteve inalterável nas Constituições de 1937 (arts. 86 e 101, I, a e b), de 1946 (art. 101, I, a, b e c) e de 1967 (art. 114, I, a e b). Importante mudança se deu através do Ato Institucional n° 5, de 1968, durante o governo militar, que, dentre outras coisas, possibilitou a suspensão dos direitos políticos, que importava simultaneamente na cessação do foro por prerrogativa de função (art. 5°, I). A Emenda Constitucional n° 1, de 1969, alterou a Constituição Brasileira de 1967, fazendo com que os membros do Congresso Nacional também tivessem direito ao foro por prerrogativa de função (art. 119, I, a), sendo submetidos, nos crimes comuns, a julgamento perante o STF. É possível constatar, com base nesse pequeno histórico constitucional, que a prerrogativa de foro especial, apesar de recorrente no direito nacional, foi 10 gradativamente contemplando mais agentes públicos. Entretanto, só passou a abranger parlamentares após a Emenda de 1969. Sobre isso, as palavras ex-Ministro do STF, Celso de Mello: Vale rememorar, neste ponto, que os membros do Congresso Nacional jamais tiveram prerrogativa de foto, em matéria penal, sob a égide das anteriores Constituições republicanas de 1891, de 1934, de 1937, de 1946 e de 1967, o que motivou a formulação, por esta Corte, da Súmula 398/STF, cujo enunciado assim dispunha: "(...)". Na realidade, foi somente a partir da outorga, por um triunvirato militar, da Carta Federal de 1969 (travestida sob a designação forma de EC 1/1969) que se atribuiu, aos membros do Congresso Nacional, nos ilícitos penais comuns, prerrogativa de foro "ratione muneris", perante o Supremo Tribunal Federal, deixando de subsistir, então, a Súmula 398/STF. (BRASIL. Superior Tribunal Federal. Inquérito 2.601 Questão de Ordem. Relator: Min. Celso de Mello, Brasília, 20/10/2011) A abrangência aumentou mais ainda com a Constituição Federal de 1988, que também reservou a definição de foro especial no âmbito estadual, por meio da legislação judiciária de competência dos Tribunais de Justiça (CF, art. 125, § 1). (BRASIL, 1988). Dessa forma, aumentando o rol antero que visava apenas os cargos/funções públicas de maior relevância. 1.2 Foro especial por prerrogativa de foro especial na Constituição de 1988 A Constituição Federal de 1988 reserva um rol fechado de autoridades (numerus clausus) com foro por prerrogativa de função. Coube ao STF a competência para julgar o Presidente e Vice-Presidente da República, os membros do Congresso, seus próprios Ministros e o PGR, quando houverem infrações penais comuns, tendo previsão no art. 102, I alínea “b” do Diploma Constitucional Brasileiro e, nos crimes comuns e de responsabilidade, os Ministrosde Estado e os Comandantes das Forças Armadas, membros dos Tribunais Superiores, os do TCU e os chefes de missão diplomática permanente, também instituídos no art. 102, I, alínea “c” da CRFB/88. Ao Supremo Tribunal de Justiça, compete julgar, nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, nestes e nos de responsabilidade, os Desembargadores dos Tribunais de Justiça, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do DF, dos Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais Eleitorais e Tribunais Regionais do Trabalho, membros dos conselhos ou Tribunais de Contas dos municípios e os membros do MPU (que oficiem perante tribunais), atualmente dispostos no art. 105, I, alínea “a” da Constituição Federal de 1988 11 O Diploma Constitucional atual ainda estipula em seu texto que os Tribunais Regionais Federais possuem a competência para julgar, nos crimes comuns e de responsabilidade, os juízes federais e membros do MPU, como estipula o art. 108, I. Os Tribunais de Justiça julgam, nos crimes comuns e de responsabilidade, os Prefeitos, que possuem previsão no art. 29, inciso X, os juízes estaduais e do DF e por fim, os membros do Ministério Público dos estados art. 96, inciso III. As Constituições estaduais podem definir foro especial para os deputados dos respectivos estados (que serão julgados perante o Tribunal de Justiça), conforme se depreende do art. 125, § 1°, da CF, que autoriza a organização das suas justiças; entretanto, limita essa expansão às autoridades já previstas na Constituição, por simetria. Nesse sentido, a Min. Carmen Lúcia no julgamento da ADI 6842 possui o seguinte entendimento: A Constituição estadual inova em relação a Constituição da República ao expandir a competência do Tribunal de Justiça para o processamento de crimes de responsabilidade atribuídos a vice- prefeitos e vereadores.” (STF, 2021) Nota-se, portanto, que é notória a atividade jurisprudencial no sentido de guardar a taxatividade da Constituição Federal no tocante ao rol de autoridades detentoras do foro especial por prerrogativa, não devendo a legislação infraconstitucional ampliar o rol já definido, para além dos casos em que se aceita o uso da simetria. 2. A mudança na aplicação do foro especial por prerrogativa de função ao longo do tempo A Constituição Federal de 1988 se restringe apenas a apresentar o rol de autoridades com foro especial por prerrogativa de função, não dispondo sobre como se proceder com as nuances processuais que o acompanham. O art. 102, caput da Constituição Federal de 1988, estipula que tal tarefa cabe, portanto, precipuamente ao STF, que é o guardião da norma fundamental. Ao longo do tempo, foi definindo-se os contornos da aplicação do foro especial através da interpretação do Supremo Tribunal Federal. O antigo entendimento paradigmático se dava pela aplicação da Súmula 394 do STF, de 1964, ainda na vigência da Constituição de 1946, que estipulava: “prevalecia o foro especial por função, ainda que o inquérito ou ação penal fossem iniciados após o exercício do 12 cargo” (STF,1964). Era a chamada regra da contemporaneidade. (BRASIL. Superior Tribunal Federal. Súmula nº 394. 1964) Esse entendimento foi superado com o cancelamento da súmula pela interpretação trazida no julgamento da questão de ordem no Inquérito n° 687/SP, de relatoria de Min. Sydney Sanches, em seção plenária em 1999, onde entendeu-se que a ideia de perpetuação da competência (perpetuatio jurisdictionis) contida naquela súmula não estava em consonância com a Constituição de 1988. Nesse sentido, o voto do relator: A prerrogativa de foro visa a garantir o exercício do cargo ou do mandato, e não a proteger quem o exerce. Menos ainda quem deixa de exercê-lo. Aliás, a prerrogativa de foro perante a Corte Suprema, como expressa na Constituição brasileira, mesmo para os que se encontram no exercício do cargo ou mandato, não é encontradiça no Direito Constitucional Comparado. Menos, ainda, para ex-exercentes de cargos ou mandatos. Ademais, as prerrogativas de foro, pelo privilégio, que, de certa forma, conferem, não devem ser interpretadas ampliativamente, numa Constituição que pretende tratar igualmente os cidadãos comuns, como são, também, os ex-exercentes de tais cargos ou mandatos. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inquérito n°. 687 Questão de Ordem. Relator: Min. Sydney Sanches. São Paulo .25.08.1999) Passou-se então a adotar a regra da atualidade, que limitava o foro especial por prerrogativa de função ao período de exercício da função pública. Até que em 2002 a Lei nº 10.826 acrescentou os parágrafos 1° e 2° ao art. 84 do Código de Processo Penal, resgatando o entendimento da revogada súmula 394, no tocante a perpetuação da jurisdição após o exercício da função. Essa vigorou por alguns anos, até que em 2005 foi declarada inconstitucional através do julgamento da ADI 2797, por conta de dois fatores: não haver razão de foro especial para além do exercício da função, e pelo legislador ordinário interpretar a Constituição. O Supremo Tribunal Federal, então, afastou novamente o foro especial por prerrogativa de função para os ex-ocupantes, indicando, assim, a escolha por limitar a jurisdição especial apenas quando no exercício do cargo ou função. 2.1 Adequação com os princípios do juiz natural e da igualdade O foro especial por prerrogativa de função, por ser norma constitucional, deve estar em consonância com princípios dela, que conferem validade a sua existência. Por essa razão, pode-se dizer que o foro especial por função tem alguma relação, sobretudo, com os princípios do juiz natural e da igualdade. 13 Pelo princípio do juiz natural, atualmente disposto no art. 5º, XXXVII do Diploma Constitucional Brasileiro, espera-se que toda pessoa tenha o direito a um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, tal qual está disposto no art. 8° da Convenção Americana de Direitos Humanos, onde encontram se as disposições de garantias judiciais e da qual o Brasil é signatário. O doutrinador Marcelo Novelino aduz que “o princípio do juiz natural não se satisfaz apenas com um juízo competente e objetivamente capaz: exige imparcialidade e independência dos magistrados” (NOVELINO, 2022, p. 477). Ou seja, percebe-se que o foro especial conserva características relativas ao referido princípio, não se mostrando uma afronta a ele, mas sim de certa forma compatível. Atendendo a esse princípio, o art. 84 do Código de Processo Penal, assim como outros dispositivos da Constituição, reservam ao STF, STJ e aos Tribunais de Justiça a competência para julgar as autoridades detentoras do foro especial por prerrogativa de função nos crimes comuns e de responsabilidade. A maior controvérsia, entretanto, diz respeito a adequação ao Princípio da Igualdade, expresso no art. 5º, caput da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, basilar da República e do Estado Democrático de Direito, que institui que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Essa norma passa impressão de plena igualdade, mas para que seja justa e devidamente aplicada, ela ocorre baseada no tratamento isonômico. A esse respeito, as palavras do Min. Celso de Mello, exemplificam a ideia que fundamenta a existência do foro especial por prerrogativa de função e retrata como deve ser entendida a igualde jurídica: É sempre importante relembrar que a igualdade de todos tipifica-se como uma das pedras angulares essenciais à configuração mesma da ideia republicana. A consagração do princípio da igualdade, além de refletir uma conquista básica do regime democrático, constitui consequência necessária da forma republicana de governo adotada pela Constituição Federal. O princípio republicano exprime, a partir da ideia central que lhe é subjacente, o dogma de que todos são iguais perantea lei. (Min. Celso de Mello. Superior Tribunal Federal. Ação Penal 937/RJ Questão de Ordem. Rio de Janeiro. 03/05/2018) Ao conferir a certas autoridades um tratamento diferenciado, a Constituição Brasileira busca aplicar o Princípio da igualdade jurídica a prerrogativa de foro especial, dando um tratamento diferenciado a determinados sujeitos, em razão do cargo ou função pública de realçada importância. 14 2.2 Questão de Ordem na Ação Penal 937/RJ e atual paradigma O julgamento da Questão de Ordem na Ação penal 937/RJ, julgada em maio de 2018, analisou um caso em que se tratou de sucessivas mudanças de competência de ocupante de cargo eletivo, que nas palavras do Min. Roberto Barroso, é exemplo de ineficiência da aplicação do direito, gerando prescrição da eventual punição, foram definidas duas teses acerca do foro especial por prerrogativa de função. Sendo estas as seguintes: I. Que o foro especial se aplica apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; II. Após a intimação para apresentação das alegações finais, a competência não irá se alterar caso o agente público deixe de ocupar o cargo ou venha a ocupar outro. Tais teses buscam evitar renúncias de cargos com o objetivo de mudança de competência para o primeiro grau, bem como limitar o foro especial por prerrogativa a crimes cometidos em razão do cargo, buscando reparar a efetividade penal, relacionando o foro especial somente a crimes em razão do cargo. O panorama anterior às teses, neste aspecto, o Relator Min. Roberto Barroso na AP 937 QO, entende que “manifesta disfuncionalidade do sistema, causando indignação à sociedade e trazendo desprestígio para o Supremo.” Em relação a perpetuação da competência após a intimação para apresentação das alegações finais, a tese retorna o entendimento da regra da contemporaneidade. Entretanto, segundo o Min. Roberto Barroso, no respectivo julgamento a jurisprudência do STF “admite a possibilidade de prorrogação de competências constitucionais quando necessária para preservar a efetividade e a racionalidade da prestação jurisdicional. Precedentes”. Ou seja, é medida que se faz necessária para evitar o uso do instituto como forma de manipulação do sistema judiciário em benefício próprio, sobretudo por parlamentares, que são detentores de cargos eletivos. O entendimento mais restritivo passou, então, a ser aplicado pelos demais Tribunais, a exemplo do Supremo Tribunal de Justiça Brasileiro que em 2020 (AgRg na APn 866), determinou o declínio de competência para a primeira instância em 15 processo envolvendo Governador de Estado por suposta prática de crime de responsabilidade de Prefeito, sem relação com o cargo de Governador. Embora aquele entendimento (AP 937) tenha se dado em relação a parlamentar, ou seja, perante o STF, deve ser indistintamente aplicado a todas as autoridades com foro por prerrogativa de função. Nesse sentido, o voto do Min. Luiz Fux, relator do Inquérito 4.703 QO/DF, que tratou de observar que a as teses fixadas foram firmadas visando definir parâmetros gerais do foro especial, e não de determinada função pública (naquela ocasião, sujeito que era parlamentar federal). (BRASIL. STF, 2018) Nesse sentido, as palavras do ex-Ministro do STF, Celso de Mello: A interpretação constitucional derivada das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal [...] assume papel de fundamental importância na organização institucional do Estado brasileiro, a justificar o reconhecimento de que o modelo político-jurídico vigente em nosso País conferiu à Suprema Corte a singular prerrogativa de dispor do monopólio da última palavra em tema de exegese das normas inscritas no texto da Lei Fundamental.” (MS 26.603/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno) Portanto, pelas suas recentes decisões, o STF vem adotando um parâmetro mais restritivo em relação ao foro especial por prerrogativa de função, de acordo com o ideal republicano contido na CF/88, buscando solucionar os problemas de uma aplicação extensiva do foro por prerrogativa de função. 3. Posições contrárias e favoráveis ao foro por prerrogativa de função Devido seu alcance e sobretudo por envolver parlamentares, figuras notoriamente públicas, o foro por prerrogativa de função desperta a atenção da sociedade, através da divulgação na mídia de caso de cometimento de crimes. É o que ocorreu no escândalo do Mensalão (Ação Penal 470), que, segundo se referiu o Min. Roberto Barroso, quando no voto na AP 4377 QO, desvirtua a função dos tribunais superiores que, na sua visão, “foram concebidos para serem tribunais de teses jurídicas, e não para julgamento de fatos e provas”. (BRASIL. STF, 2018) Na mesma toada, a sua opinião através de site Conjur, acerca do foro especial, que segundo ele é “uma reminiscência aristocrática, não republicana, que dá privilégios a alguns, sem fundamento razoável”. Visão também adotada pelo ex- Ministro do STF, Celso de Mello, quando no seu voto na AP 937 QO: 16 A vigente Constituição do Brasil – ao pluralizar, de modo excessivo, as hipóteses de prerrogativa de foro – incidiu em verdadeiro paradoxo institucional, pois, pretendendo ser republicana, mostrou-se estranhamente aristocrática. Na verdade, o constituinte republicano, ao demonstrar essa visão aristocrática e seletiva de poder, cometeu censurável distorção na formulação de uma diretriz que se pautou pela perspectiva do Príncipe (“ex parte principis”) e que se afastou, por isso mesmo, do postulado da igualdade. (BRASIL. Supremo Tribuna Federal. Questão de Ordem na Ação Penal 937/RJ. Brasília, 2018 Min. Celso de Mello) O estudo realizado pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, constatou-se que o foro especial por prerrogativa de função no Brasil abrange quase 60 mil indivíduos, de cerca de 40 cargos diferentes nas três esferas de governo, nos três poderes. E, também, que o instituto não possui uma sistemática homogênea, mas sobretudo que, dentre os países estudados (EUA, Espanha, Argentina, França, Itália, Portugal, Venezuela, Colômbia, Áustria, Alemanha, Dinamarca, Noruega e Suécia), nenhum chega próximo de tantas hipóteses de foro quanto o Brasil. Neutro em relação ao foro especial, Aury Lopes Junior pondera com a ideia de que a prerrogativa de função nem sempre é um benefício, pois a tese de que ser julgado por um Tribunal com juízes mais experientes, como os casos em que há competência originária do Supremo, esbarra na impossibilidade do duplo grau de jurisdição (LOPES JUNIOR, 2012, p. 280). De ponto de vista favorável, Gilmar Mendes, citando o ex-Ministro Sepúlveda Pertence, aduz que o foro especial, de forma até intuitiva (no que tange aos parlamentares e ao chefe do Executivo), serve para libertar o atual ocupante de temeridade relativas a um possível julgamento futuro. (MENDES, 2018, p. 509). Nota- se que ao ser ver, o sentido deste instituto, visa o interesse público do exercício da função 3.1 Possíveis soluções Em sua obra, Pedro Lenza destaca que embora as duas teses fixadas pelo STF digam respeito a parlamentares federais, resta claro que deveria abranger também as mais de 50.000 autoridades que ostentem a prerrogativa de função (Lenza, 2021, p. 881). Por essa razão, o Min. Dias Toffoli encaminhou o Ofício n. 10/2018 – GMDT, propondo a edição de duas súmulas vinculantes (PSV 131/2018) (ainda pendente de julgamento) para que não haja dúvida quanto a aplicação. Diz a proposta: 17 Súmula Vinculante n.(x): A competência por prerrogativa de foro, prevista na Constituição Federal para agentes públicos dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e do Ministério Público, compreende exclusivamente os crimes praticados no exercício e em razão do cargo ou da função pública; Súmula Vinculante n.(xx): São inconstitucionais normas de ConstituiçõesEstaduais e da Lei Orgânica do Distrito Federal que contemplem hipóteses de prerrogativa de foro não previstas expressamente na Constituição Federal, vedada a invocação de simetria. Não obstante as tentativas do judiciário de impor limitações ao for por prerrogativa, compreende-se que tal maneira se dá através de mutação constitucional, no entendimento de Pedro Lenza, “são processos informais de interpretação da regra constitucional em questão, em que o texto permanece o mesmo” (LENZA, 2021, p. 241). No âmbito do foro por prerrogativa de função, tais a alterações decorrem de mudanças de conjunturas político, sociais e jurídicas, que embora não tenham sido acompanhadas por reforma constitucional, demandam uma solução efetiva. O jurista Luis Roberto Barroso em sua obra de Direito Constitucional entende: Esse novo sentido ou alcance do mandamento constitucional pode decorrer de uma mudança na realidade fática ou de uma nova percepção do Direito, uma releitura do que deve ser considerado ético ou justo. Para que seja legítima, a mutação precisa ter lastro democrático, isto é, deve corresponder a uma demanda social efetiva por parte da coletividade, estando respaldada, portanto, pela soberania popular. (BARROSO, 2010, p. 126-127) Um exemplo de mutação constitucional foi o cancelamento da Súmula 394 do STF, no julgamento da questão de ordem no Inquérito 687, no qual se alterou o entendimento a respeito do foro especial por prerrogativa de função. Assim, como medida mais objetiva a alterar o foro especial a Proposta de Emenda Constitucional 333/2017, de relatoria do Senador Álvaro Dias (Podemos-PR), foi aprovado no Senado e aguarda votação em plenário da Câmara desde 2018. Essa PEC, visa restringir o foro especial a apenas 5 autoridades, no que tange a crimes comuns, a saber: Presidente e Vice-Presidente da República, Presidente do STF, e os Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Em caso de crimes de responsabilidade, em decorrência do exercício do cargo, permaneceriam os dispositivos atuais. A PEC também inclui ao texto constitucional a vedação a instituição do foro especial, exceto para esses sujeitos. 18 Essa seria uma tentativa de diminuir consideravelmente o rol de agentes públicos contemplados, retornando a uma ideia mais republicana e em acordo com o cenário jurídico atual, deixando-o similar as primeiras Constituições brasileiras – conforme visto anteriormente no item 1.1 do presente trabalho. CONCLUSÃO O direito deve sempre se adequar aos maiores anseios da sociedade, atendendo ao que a época em questão exige; por isso mesmo ele é produto da sociedade, e não o contrário. Por essa razão, muito se tem discutido no Brasil a respeito da existência do foro especial por prerrogativa de função, que, ao ver da população, trata-se de um privilégio conferido a determinados sujeitos – uma benesse digna de uma justiça que, historicamente, trata com paternalismo as grandes autoridades e com grande rigor o restante da população. Episódios de corrupção sistêmica advindos dos mais altos cargos do governo que vieram à tona, sobretudo a partir do escândalo do “mensalão”, no qual inúmeros parlamentares estiveram envolvidos, escancararam o sistema jurídico brasileiro, fazendo com o que o clamor popular exigisse uma resposta rápida e eficiente do judiciário, pressionando os diversos órgãos – sobretudo o STF – por uma resposta justa. A sociedade exige que tais figuras proeminentes sejam sempre julgadas com a máxima eficiência, justamente por serem os representantes do povo. Por todo exposto, pode-se concluir que, por mais que seja um instituto jurídico controverso, a existência e constância do foro especial por prerrogativa de função no direito brasileiro se encontra fundamentada pela própria Constituição Federal, sendo inclusive baseado em princípios contidos nela própria, como o do juiz natural. Entretanto, acabou se tornando de tal forma abrangente que passou a acarretar problemas a prestação jurisdicional, por isso passou a sofrer cada vez mais limitações. Mesmo que sofra críticas do mundo jurídico e da sociedade em geral, há de se compreender que ele não pode ser alterado ou extinto sem ser pela via de emenda constitucional; e toda interpretação deve ser feita nos limites da própria Constituição. 19 Para que não seja um empecilho a prestação jurisdicional eficiente, o foro especial deve se adequar a realidade do sistema jurídico brasileiro, com excesso de processo nós tribunais e cortes superiores. O STF, como guardião da Constituição, tem firmado, sobretudo a partir da Questão de Ordem na Ação Penal 937, uma interpretação mais restritiva dos limites do foro especial por função, que se mostra acertada por limitá-lo ao exercício das funções públicas, que são a razão de ser do instituto. Não há que se falar em foro especial por prerrogativa de função fora da função (que seria privilégio), excetuando possíveis continuidades com curto lapso de tempo (firmada a competência após as alegações finais). Entretanto, por todo o exposto, contatou-se que o foro especial, embora seja recepcionado pela Constituição Federal, e se valha de princípios constitucionais, ele atinge uma gama exagerada de autoridades públicas, algo incomum no direito comparado. Nota-se que, para se atingir de fato a igualdade jurídica, é necessário restringir o alcance das prerrogativas tão somente aos cargos de maior relevância social, e não a milhares de agentes, o que claramente vem a ser a uma deturpação do instituto e a própria proposta constitucional. Visto isto, a tentativa do STF de, ao menos, restringi-lo; algo meramente paliativo, que só poderá ser plenamente executado através de emenda à Constituição, que trará o retorno a uma situação jurídica devidamente republicana e igualitária. REFERÊNCIAS Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília-DF, 1988 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 9° ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 22° ed. São Paulo: Editora Juspodivm, 2022. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 20 BARROSO, Luís Roberto Barroso. Curso de direito constitucional contemporâneo. 2°. São Paulo: Saraiva, 2010. LOPES JÚNIOR, A. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 480. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Primeira reclamação: Rcl.473 / Guanabara. Relator: Min. Victor Nunes. Brasília. Diário da Justiça. Seção 1. 08/06/1962. – Não achei. BRASIL. Superior Tribunal Federal. Inquérito 2.601 Questão de Ordem. Relator: Min. Celso de Mello, Brasília, 20/10/2011. – Não achei. BRASIL. Superior Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 6842. 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