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PEDIATRIA Carolina Ferreira -Desnutrição: é o estado de desequilíbrio entre o suprimento de energia, de nutrientes e a demanda do organismo, alterando a garantia na manutenção, no crescimento e nas funções metabólicas. É interessante observar que, por esse conceito, uma criança obesa, mas com deficiência de ferro, também apresenta desnutrição. -Classificação da DEP: • Primária: quando há baixa ingesta alimentar • Secundária: quando há uma demanda > por parte do organismo; por exemplo, quando há uma doença disabsortiva ou uma cardiopatia congênita -C/ relação à forma clínica, a desnutrição pode ser classificada pela intensidade (leve, moderada ou grave) e pelo tempo. Identificam-se indivíduos emagrecidos (wasted), na fase aguda e/ou c/ parada de crescimento (stunted), na fase crônica, quando já existe interferência estatural. -Classificações antropométricas: + utilizadas e que têm se mantido ao longo do tempo são Gomez (modificado por Bengoa), Waterlow (modificado por Batista) e da OMS. A metodologia utilizada p/ a classificação da desnutrição pelo método de Gomez é a partir da avaliação do déficit de peso apresentado pela criança em relação ao peso do percentil 50 p/ sua idade. Essa classificação é preconizada p/ crianças < de 2 anos. Nessa faixa etária, o peso é o parâmetro que tem > velocidade de crescimento, variando + em função da idade do que do comprimento da criança. Considera-se normal, a criança cujo peso é superior a 91% do percentil 50. De acordo c/ as perdas ponderais, classifica-se a criança como desnutrida leve, moderada ou grave. Na presença de edema comprovadamente nutricional, independentemente do índice P/I, a criança será considerada como desnutrida de 3º grau. A classificação de Waterlow baseia-se nos índices de estatura/idade (E/I) e peso/estatura (P/E). É preconizada p/ criança de 2 a 10 anos de idade. Nessa fase, o crescimento é + lento e constante, fazendo c/ que o peso da criança varie + em função da estatura do que da idade. Temos 4 possibilidades: ▪ Eutrofia: E/I superior a 95% e P/E superior a 90% do p50; ▪ Desnutrido atual ou agudo (wasting): E/I superior a 95% e P/E inferior a 90% do p50; ▪ Desnutrido crônico (wasting and stunting): E/I inferior a 95% e P/E inferior a 90% do p50; ▪ Desnutrido pregresso (stunting): E/I inferior a 95% e P/E superior a 90% do p50 -A classificação da OMS pode ser empregada p/ crianças, independentemente da faixa etária, avaliando o escore Z da Estatura/Idade e do Peso/ Estatura. Quanto à gravidade, o principal sinal clínico de gravidade na desnutrição é a presença de edema. Podemos classificar a desnutrição em formas leve, moderada e grave. Esta última baseia-se em critérios clínicos e laboratoriais e é dividida em: marasmo, kwashiorkor e kwashiorkor-marasmático -Etiologia: a causa primária da DEP grave, em geral, é associada a uma dieta c/ qualidade nutricional pobre (incluindo deficiência de zinco, fósforo e magnésio), c/ consequente perda do apetite, comprometimento do crescimento e resposta desfavorável às infecções, modificando a resposta da criança diante do estresse ambiental. -Principais alterações clínicas da criança c/ DEP grave são: hipoglicemia, hiponatremia, hipocalemia, hipomagnesemia, hipoalbuminemia, infecção e deficiência de ferro. -Fisiopatologia DEP: a criança c/ DEP vive no limite do equilíbrio entre o sistema endócrino e o sistema imune. A escassez de nutrientes, na DEP moderada e grave, favorece à hipoglicemia, sendo ela, muitas vezes, uma das principais alterações. Secundárias às alterações nos eixos da insulina, c/ da produção e da resistência periférica pela ação dos hormônios contrarreguladores (hormônio do crescimento, epinefrina e corticosteroides), ocorrerão a lipólise, glicólise, glicogenólise e neoglicogênese. Além disso, há uma redução no metabolismo, c/ alterações na via tireoidiana de aproveitamento de iodo e conversão hormonal (formas ativas), a fim de reduzir o gasto de O2 e conservar energia. A redução na oferta de fosfatos energéticos promove alterações nas bombas iônicas das membranas celulares, cursando c/ sódio corporal elevado e hiponatremia relativa (secundária ao edema), associado PEDIATRIA Carolina Ferreira à hipopotassemia e > tendência ao edema intracelular. A secreção ácida gástrica, reduzida na criança c/ desnutrição, facilita a colonização do estômago por bactérias intestinais fecais. Há mudanças no SNC, inclusive na mielinização, na produção dos sistemas de neurotransmissores, além de outras alterações relacionadas ao desenvolvimento neuropsicomotor da criança. No sistema gastrointestinal, em especial, há insuficiência pancreática, c/ supercrescimento bacteriano, atrofia vilositária, da absorção e intolerância à lactose por disabsorção. -Desnutrição grave: a OMS define como circunferência braquial < 11,5 cm, escore Z de peso para estatura (ZPE) abaixo de – 3 ou pela presença de edema nos pés, bilateralmente, em crianças com kwashiorkor. Quando os recursos estão disponíveis, é preferível avaliar tanto a circunferência braquial (CB) quanto o ZPE. Contudo, na ausência de recursos, a aferição da CB é simples e confiável p/ o DX de desnutrição grave. -Diagnóstico da desnutrição grave: presença de emagrecimento intenso visível: alterações dos cabelos, dermatoses (mais observadas no kwashiorkor), hipotrofia muscular (principalmente em coxas e na região glútea) e redução do tecido celular subcutâneo. -Apresentação clínica da desnutrição grave: o Kwashiorkor: acomete crianças acima de 2 anos. Caracteriza-se por alterações de pele (lesões hipercrômicas, hipocrômicas ou descamativas), acometimento de cabelos (textura, coloração e facilidade de quebra), hepatomegalia (esteatose), ascite, fácies de lua, edema de membros inferiores e/ou anasarca e apatia. O edema geralmente é bilateral simétrico, começando nos pés e, em casos graves, pode envolver a face. o Marasmo: acomete crianças < de 12 meses, c/ emagrecimento acentuado, baixa atividade, irritabilidade, atrofia muscular e subcutânea, c/ desaparecimento da bola de Bichat (último depósito de gordura a ser consumido, localizado na região malar), o que favorece o aspecto envelhecido (fácies senil ou simiesca), c/ costelas visíveis e nádegas hipotróficas. -DEP grave: avalia-se a presença de complicações clínicas e metabólicas que justifiquem a internação hospitalar. Na > parte das vezes, há a necessidade de manter o pct internado p/ a estabilização clínica, hemodinâmica, eletrolítica, além da necessidade de realização da terapia nutricional adequada. -Abordagem terapêutica nutricional p/ a DEP pode ser dividida em 3 fases: estabilização; reabilitação; acompanhamento ambulatorial. PRIMEIRA FASE: ESTABILIZAÇÃO -1º fase do tto: é a de estabilização do paciente. Nesse momento, o objetivo é tratar as comorbidades associadas ao risco de óbito, corrigir as deficiências nutricionais específicas, reverter anormalidades metabólicas e iniciar a alimentação. É importante lembrar que se presume que todas as crianças c/ DEP grave tenham infecção, devendo receber antibioticoterapia desde o início do tratamento. -A avaliação imunológica da criança c/ DEP pode ser feita, de forma simples, a partir da contagem de linfócitos. Podemos considerar como valores aceitáveis aqueles acima de 1.200 cel/mm3; valores moderadamente reduzidos entre 1.200 e 800 cel/mm3; e valores reduzidos aqueles abaixo de 800 cel/mm3. -Após a estabilização hemodinâmica, hidreletrolítica e acidobásica (suporte metabólico), inicia-se a alimentação: deve-se fornecer no máximo 100 kcal/kg/dia, iniciando c/ taxa metabólica basalacrescida de fator de estresse, que varia de 10 a 30%. -Deve-se fornecer de 50 a 60 kcal/kg/dia no 1º dia e de acordo c/ a avaliação clínica e laboratorial da criança. -A oferta hídrica deve ser por volta de 130 mL/kg/dia e a proteica de 1 a 1,5g/kg/dia. A dieta deve ser c/ baixa osmolaridade (< 280 mOsmol/L), com baixo teor de lactose (< 13 g/L) e de sódio. Se a ingestão inicial for < a 60 a 70 kcal/kg/ dia, indica-se terapia nutricional por sonda nasogástrica. -De acordo c/ os dias de internação e a situação clínica da criança, são recomendados graduais de volume e gradativa da frequência da dieta. P/ lactentes c/ DEP grave, deve-se utilizar por via oral/enteral uma fórmula/dieta polimérica c/ baixo conteúdo de lactose e sódio, e maior de potássio e fósforo. -Em situações de doenças associadas que cursam c/ má absorção grave, pode ser necessária a utilização de fórmulas extensamente hidrolisadas ou à base de aminoácidos. Não é prevista, nesse momento, a recuperação do estado nutricional, mas sim, a sua conservação e a estabilização clínico-metabólica. É importante lembrar sempre de avaliar as curvas térmicas e glicêmicas da criança, c/ o objetivo de identificar a presença de hipotermia e hipoglicemia, pois ambas podem causar óbito e, muitas vezes, não são vigiadas. -Avaliação nutricional: permite definir se o paciente é desnutrido, obeso ou eutrófico e é feita a partir da avaliação antropométrica e das curvas de crescimento. A bioimpedância e os exames laboratoriais também podem ser usados. PEDIATRIA Carolina Ferreira -Triagem nutricional: permite avaliar o risco nutricional do paciente. É aplicada c/ o objetivo de identificar de forma precoce os riscos nutricionais, sendo possível realizar intervenções quando necessário. Pode ser realizada pelo nutricionista, médico ou enfermeiro, a partir de ferramentas de triagem nutricional propostas, porém ainda sem validação. As principais são: Sermet-Gaudelus, Paediatric Yorkhill Malnutrition Score (PYMS), Subjective Global Nutritional Assessment (SGNA), Screening Tool for Risk of Impaired Nutritional Status and Growth (STRONGkids) e Screening Tool for the Assessment of Malnutrition in Paediatrics (STAMP tool). Todas essas ferramentas são graduadas com pontuações que geram um escore total final. O somatório dos pontos identifica o risco nutricional, orientando o aplicador sobre a intervenção e o acompanhamento necessários. SEGUNDA FASE: REABILITAÇÃO -Nessa fase, há a progressão da dieta de modo + intensivo, visando recuperar grande parte do peso perdido e estimular física e emocionalmente a criança e sua família. Deve ser ofertado 1,5 vez o recomendado de energia p/ a idade (cerca de 150 kcal/kg/dia). -Oferta hídrica: deve ser de 150 a 200 mL/kg/dia -Aporte proteico: deve ser de 3 a 4 g/kg/dia, mantendo um < teor de lactose -Nesta fase, pode-se utilizar preparado artesanal sugerido pela OMS contendo 100 kcal e 2,9 g de proteína p/ cada 100 mL e fórmula infantil c/ < conteúdo de lactose ou dieta enteral polimérica pediátrica isenta de lactose p/ crianças c/ idade < 1 ano (1 kcal/mL). P/ ajuste da densidade energética de fórmulas infantis, podem ser utilizados módulos de polímeros de glicose e lipídios (óleos vegetais), c/ adição máxima de 3%. Esse procedimento permite que a dieta oferecida apresente melhor densidade energética, mas compromete o fornecimento de minerais e micronutrientes. -Nesse momento, é importante o fornecimento de preparados co/multivitaminas (1,5 vez a recomendação p/ crianças saudáveis) e de zinco, cobre e ferro. O ferro ñ deve ser iniciado antes, devido ao quadro infeccioso em potencial, típico do paciente desnutrido. -A reposição de zinco está indicada, assim como a megadose de vitamina A e ácido fólico. A solução de polivitamínicos deve ser feita, preferencialmente, no dobro da dose indicada p/ a criança sem desnutrição. TERCEIRA FASE: ACOMPANHAMENTO AMBULATORIAL -A 3º e última fase trata-se do acompanhamento ambulatorial, após a alta hospitalar, na qual serão realizadas avaliações p/ prevenir recaídas e acompanhar o pct após o período do internamento. -Essa fase pode ser realizada em hospital-dia ou ambulatório e objetiva prosseguir na orientação, monitoração do crescimento (vigilância dos índices de peso por estatura e estatura por idade) e desenvolvimento da criança e intensificação do trabalho da equipe multiprofissional. As orientações, p/a criança e sua família, devem ser reforçadas nesse momento, p/ que os cuidados e a rotina nutricional possam ser mantidos no ambiente domiciliar, conforme as especificidades e particularidades de cada família. SÍNDROME DA RECUPERAÇÃO NUTRICIONAL OU REALIMENTAÇÃO -C/ o início da terapia nutricional, ocorre uma transição abrupta de um estado catabólico p/ um estado anabólico. No estado catabólico, a oxidação de ácidos graxos é a fonte principal de energia; no estado anabólico, predomina a combustão de carboidratos p/ a geração de energia. Nesse processo de realimentação, várias alterações metabólicas e hormonais podem ocorrer. A glicose absorvida leva ao da glicemia sérica, que a insulina e o glucagon, gerando síntese de glicogênio, gordura e proteínas. Esse estado anabólico requer alguns elementos, como potássio, fósforo, magnésio e tiamina. A insulina estimula a entrada desses eletrólitos na célula, c/ a de seu nível sérico. -Síndrome da Recuperação Nutricional ou Realimentação ou Roubo Celular: é definida como um conjunto de sinais e sintomas 2º a um distúrbio metabólico e bioquímico que ocorre a partir da reintrodução alimentar na terapia nutricional dos pcts c/ desnutrição. Pode durar de 20 dias até 12 semanas, e as manifestações clínicas observadas variam de intensidade. As + comumente encontradas são: hepatomegalia, distensão abdominal com circulação venosa colateral, ascite, fácies de lua cheia e alterações de pele e fâneros (sudorese intensa em região cefálica, hipertricose, unhas com desnível transversal, cabelos com pontas mais claras e telangiectasias em face). -Principais íons alterados são: o fósforo e o potássio, gerando hipofosfatemia e hipocalemia. -Fósforo: é um elemento predominantemente intracelular, é necessário p/ o armazenamento de energia (na forma de ATP) e responsável também pelo controle da afinidade da ligação entre a hemoglobina e o oxigênio. A hipofosfatemia pode ser causadora de fraqueza muscular, mialgia, parestesias, rabdomiólise, cardiomiopatia, diminuição da função ventricular, plaquetopenia e hemólise. O aparecimento de hipofosfatemia ocorre PEDIATRIA Carolina Ferreira predominantemente entre o 2º e o 7º dia após o reinício da nutrição, sendo essa a alteração laboratorial + frequente da Síndrome da Recuperação Nutricional. -Potássio: é um cátion intracelular, depletado em desnutridos. A hipocalemia pode causar alterações eletroquímicas nos potenciais de membrana celular e manifesta-se da seguinte forma: arritmia, hipotensão, constipação intestinal, íleo paralítico e alcalose metabólica. -Magnésio: também predominantemente intracelular, é um cofator essencial nos sistemas enzimáticos de fosforilação oxidativa e produção de ATP. Necessário para a integridade estrutural do DNA, RNA e ribossomos, pode afetar o potencial de membranas, e sua deficiência pode levar à disfunção cardíaca e complicações neuromusculares. Pacientes com hipomagnesemia apresentam tetania, ataxia, convulsões, tremores e arritmias -A glicose, após longos períodos de jejum, quando administrada, suprime a gliconeogênese, levando à liberação de insulina e supressão do glicogênio. Se ofertada em quantidade excessiva, pode levarà hiperglicemia, c/ diurese osmótica, desidratação e acidose metabólica. Pode também levar à lipogênese, c/ esteatose hepática. -Os níveis de sódio também podem ser afetados, pois a administração de carboidratos leva à da excreção renal de sódio e água, que pode ocasionar congestão. Isso pode ser agravado pela perda cardíaca muscular durante o jejum (miopatia resultando em insuficiência cardíaca). Por esse mesmo motivo, nas fases iniciais da Síndrome de Recuperação Nutricional, a taquicardia pode estar presente, em uma tentativa de compensar a sobrecarga volêmica.
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