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Historiografia: Paradigmas e Mudanças

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(https://md.claretiano.edu.br/his-gs0041-
fev-2022-grad-ead/)
1. Introdução
Nesta disciplina, trataremos de aspectos teóricos e metodológicos da História.
Isto é, buscaremos compreender a história da ciência da História a partir de
questões epistemológicas (teoria do conhecimento) e hermenêuticas (interpre-
tação e compreensão). Ou seja, nos deteremos à historiogra�a, que, de forma
simplista, pode ser entendida com a escrita da história.
Dessa forma, teremos duas perspectivas para serem tratadas: a primeira delas
é a de compreender como, ao longo do tempo, a História foi pensada, de�nida
e escrita. Nessa direção, estudaremos a História da História, ou, para empre-
garmos uma outra expressão, a história da Historiogra�a; já a segunda será a
de compreender neste panorama os conceitos e procedimentos metodológicos
criados ao longo do tempo para a escrita da História.
Enfatizando as relações da história com as demais Ciências Humanas, vere-
mos as produções historiográ�cas da antiguidade, do medievo, do renasci-
mento, do iluminismo e do positivismo, destacando nessas duas últimas pro-
duções a efetivação da História como disciplina na construção de um método
pretendido como cientí�co. Dando continuidade, vamos nos deter nas contri-
buições do materialismo histórico e da criação da “história problema” com a
Escola dos Annales, em suas três gerações. Por �m, abordaremos as correntes
historiográ�cas mais recentes, desde a Micro-História e a História Cultural,
chegando à crise de paradigma da pós-modernidade, entendendo a História
como discurso, prática e representação.
Abordaremos, ainda, as transformações temáticas, metodológicas e a amplia-
ção das fontes de pesquisa em decorrência das diversas propostas historiográ-
�cas ao longo do tempo e, por �m, o que tais debates trouxeram de novo para o
ofício do historiador. Além disso, compreenderemos os contextos históricos
https://md.claretiano.edu.br/his-gs0041-fev-2022-grad-ead/
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nos quais as diferentes propostas historiográ�cas foram desenvolvidas, res-
pondendo aos tipos e funções de produção.
Em suma, o cerne desta disciplina será analisar as mudanças nos paradigmas
epistemológicos da historiogra�a, que é a forma como o conhecimento históri-
co foi e é produzido em decorrência dos diversos métodos, fontes e contextos
de produção. Assim, a disciplina pretende ampliar sua visão sobre a natureza
do fazer historiográ�co, a �m de torná-lo apto para o exercício pro�ssional, se-
ja como pesquisador seja como professor em sala de aula.
2. Informações da Disciplina
Ementa
A disciplina de Historiogra�a discute os processos de mudança nos paradig-
mas epistemológicos da historiogra�a, sendo esses as alterações promovidas
no fazer historiográ�co após a incorporação de novos temas, métodos e lin-
guagens pelos historiadores. Para isso, abordaremos a relação entre a História
e as outras Ciências Humanas, buscando na escrita da História a compreen-
são dos processos que envolvem a produção deste conhecimento na
Antiguidade, na Idade Média e no Renascimento. À vista disso, a análise se-
gue com base na construção historiográ�ca iluminista, positivista e metódica,
além de também apresentar e discutir a historiográ�ca marxista e a produzida
pela Escola dos Annales em suas 3 gerações. Ainda serão feitas análises acer-
ca da crise de paradigmas e produção historiográ�ca no século XXI por meio
das teorias do conhecimento histórico pós-moderno, perpassando a constru-
ção historiográ�ca acerca da História enquanto narrativa, discurso, literatura,
�cção, e representação, bem como as relações estabelecidas com a Micro-
história e a Nova História Cultural. Por �m, a disciplina busca a compreensão
da construção do discurso historiográ�co através do tempo, a �m de se com-
preender, também, o atual estado da arte.
Objetivos Gerais
• Compreender o conceito de historiogra�a em sua epistemologia.
• Perceber os processos de mudança nos paradigmas epistemológicos da
historiogra�a.
• Localizar e relacionar as diferentes correntes historiográ�cas e suas prin-
cipais características.
• Re�etir sobre a ampliação de temas, métodos e fontes de pesquisa na pro-
dução do saber historiográ�co.
• Perceber as mudanças epistemológicas da História diante de sua relação
com as demais Ciências Humanas e contexto de produção.
Objetivos Especí�cos
• Identi�car a produção historiográ�ca na Antiguidade, na Idade Média e
no Renascimento.
• Compreender a contribuição historiográ�ca marxista e da Escola dos
Annales em suas três gerações para o fazer historiográ�co.
• Caracterizar a Micro-História e a Nova História Cultural em relação à his-
toriogra�a proposta pelos Annales.
• Entender o paradigma pós-moderno, compreendendo a História enquanto
narrativa, discurso, literatura, �cção e representação, bem como as rela-
ções estabelecidas com a Micro-História e a Nova História Cultural.
 (https://md.claretiano.edu.br/his-gs0041-
fev-2022-grad-ead/)
Ciclo 1 – Epistemologia da História e Historiogra�a
Leandro Salman Torelli
Reginaldo de Oliveira Pereira
Renata Cardoso Belleboni Rodrigues
Objetivos
• Compreender o conceito de historiogra�a.
• Identi�car os tipos e funções da historiogra�a.
• Reconhecer os diferentes documentos e métodos de pesquisa.
• Perceber a relação da História com as demais ciências humanas.
Conteúdos
• A historiogra�a em seus tipos, funções, métodos e fontes de pesquisa.
• Processos de mudança nos paradigmas epistemológicos da historiogra-
�a.
• A relação entre a História e as demais Ciências Humanas.
Problematização
O que é historiogra�a? Como diferentes temas, métodos e fontes de pesquisa
transformam a construção do discurso historiográ�co? O que é uma quebra
de paradigma historiográ�co? Qual a relação da historiogra�a com as demais
ciências humanas?
Orientações para o estudo
A compreensão do que é a historiogra�a se apresenta como fundamental pa-
ra o ofício do historiador, pois elucida a forma como o conhecimento é produ-
https://md.claretiano.edu.br/his-gs0041-fev-2022-grad-ead/
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zido nessa área do saber, destacando as condições de sua produção. Devemos
ter em mente que cada grupo, sociedade e período histórico constroem seu
discurso sobre o passado, a �m de responder determinados propósitos e in-
tuitos. Tais visões historiográ�cas possuem suas características próprias,
quanto aos seus métodos, temas e fontes. Nesse sentido, é fundamental que
você, futuro historiador, compreenda o que podemos chamar de história da
historiogra�a.
1. Introdução
Neste primeiro ciclo de aprendizagem, veremos os diversos signi�cados que a
história assumiu em diferentes contextos e usos. Veremos como variados mé-
todos, temáticas e fontes de pesquisa determinam diferentes concepções de
história, que se transformaram ao logo tempo, sobretudo, em função dos diálo-
gos estabelecidos com as demais Ciências Humanas, que interferiram direta-
mente na construção das correntes historiogra�as.
Nessa perspectiva, neste primeiro ciclo, também abordaremos de forma su-
cinta uma espécie de linha do tempo da historiogra�a,perpassando as dife-
rentes quebras de paradigma do fazer historiográ�co, a �m de criar um pano-
rama geral que nos ciclos seguintes serão abordados de forma mais detida.
2. História: signi�cados e funções
Neste momento, vamos nos deter aos conceitos básicos para a compreensão
do ofício do historiador, perpassando a concepção de história e seus signi�ca-
dos e/ou funções, o conceito de historiogra�a nos métodos de pesquisa empre-
gados e, também, as relações da história com as demais Ciências Humanas. É
de fundamental importância o entendimento dessas relações com as demais
Ciências Humanas, uma vez que implicam diretamente no repensar do fazer
historiográ�co ao longo do tempo. Para isso, acompanhe o vídeo a seguir, que
explora tais questões de forma introdutória, pontuando os principais conceitos
e contextos de produção historiográ�ca.
3. Signi�cado(s) de história
Qualquer pessoa que fosse inquirida com a pergunta “O que é História?” se
sentiria, geralmente, à vontade para responder. Possivelmente, ela diria que
História é aquilo que aconteceu em tempos passados e consideraria essa res-
posta su�cientemente clara para elucidar a dúvida. Mas será mesmo que isso
é o su�ciente para concluir o signi�cado de História? Vejamos.
A exemplo da língua francesa, e ao contrário da língua inglesa, italiana e ale-
mã, a língua portuguesa utiliza a palavra "História" para designar coisas dife-
rentes. Exempli�cando: as palavras em inglês "history" e "story", em italiano
"istoria" e "storia" e em alemão "geschichte" e "historie" são termos utilizados
para designar o acontecimento e a narração deste, respectivamente. É dessa
diferença, que não é registrada pela língua portuguesa, que vamos tomar co-
mo base para iniciar nossos estudos.
Portanto, nosso objetivo é demonstrar que a de�nição de História como fatos
que aconteceram no passado não é su�ciente. Essa disciplina exige uma de�-
nição que lhe permita uma abordagem muito mais abrangente e complexa.
É evidente que a História se refere sim a todo o acontecimento humano no
tempo. Desse modo, todos os povos possuem História, desde os clãs pré-
históricos até as modernas e complexas sociedades tecnológicas dos dias atu-
ais, pois todos eles agiram, criaram, pensaram, sonharam, lutaram...
Todas as pessoas que participaram das sociedades humanas realizaram atos
sociais, em coletividade. Logo, �zeram História.
Entretanto, essa de�nição de História não encerra todos os signi�cados do ter-
mo. Assim, podemos dizer que um segundo aspecto importante para se de�nir
a História é a narrativa dos acontecimentos passados. Ou seja, a História sig-
ni�ca, também, a reconstituição dos acontecimentos humanos no tempo.
Você acha que em seu país, em seu estado, em sua cidade, há a preocupação da preservação
da memória das coisas e dos acontecimentos da História?
É bom lembrarmos que nem todos os povos que �zeram História se preocupa-
ram em reconstituí-la, em narrá-la. Muitos, na verdade, procuraram explicar
seu passado de outras formas, utilizando-se, por exemplo, dos mitos.
Na de�nição de Borges (1995, p. 10-11):
a primeira forma de explicação que surge nas sociedades primitivas é o mito, sem-
pre transmitido em forma de tradição oral, ou seja, os mitos eram contados de gera-
ção a geração, preservando-se na memória daquele povo por meio da transmissão
oral. A historiadora Vavy Pacheco a�rma ainda que “o mito é sempre uma história
com personagens sobrenaturais, os deuses. Nos mitos os homens são objetos passi-
vos da ação dos deuses, que são responsáveis pela criação do mundo (cosmos), da
natureza, pelo aparecimento dos homens e pelo seu destino”. Assim, os mitos con-
tam em geral a história de uma criação, do início de alguma coisa. É sempre uma
história sagrada.
Podemos, então, dizer que várias civilizações procuravam explicações para
seu passado e para sua origem fora da História.
Nesse sentido, povos como do Egito Antigo, da Mesopotâmia, ou das civiliza-
ções indígenas da América nunca escreveram a História de seu povo, mas
procuraram explicar suas origens por meio de outros mecanismos, como o
mito.
É claro que esses povos primitivos, como já dissemos, tiveram História, uma
vez que houve acontecimentos humanos ao longo do tempo; contudo, nunca
produziram História, pois não registraram nem narraram os acontecimentos
presenciados e vivenciados por eles.
Dessa forma, podemos a�rmar que a História, nesse segundo sentido, nasce na
Grécia Antiga entre os séculos 6º e 5º a.C. A partir desse momento, o homem
passou a sentir necessidade de registrar os fatos do passado, procurando ser
�el a eles.
Sobre a evolução desse processo até os dias atuais, isto é, como o homem es-
creveu e escreve sua História, veremos em breve. O que nos interessa no mo-
mento é de�nir que História tem esse duplo caráter: acontecimento humano
no tempo e reconstituição desses acontecimentos por meio da escrita sobre o
passado.
Desse modo, o trabalho do historiador é registrar os fatos, ser �el a eles, mas,
também, buscar interpretá-los, reconstituindo o passado de maneira a dar-lhe
sentido. Assim, toda História escrita é uma análise do passado, mas com as
preocupações do presente.
Nos termos colocados por Carr (1996, p. 79), “não há indicador mais signi�cati-
vo do caráter de uma sociedade do que o tipo de História que ela escreve ou
deixa de escrever”.
Podemos, então, estudar os diferentes modos como o passado foi interpretado,
reconstruído. A esse estudo chamamos historiogra�a, ou seja, a História da
História.
É importante ressaltar que não há uma só maneira de se olhar para o passado,
de forma que o historiador pode estudar essas diferentes visões de um povo,
de um momento ou de um pesquisador para as memórias, para os fatos e rela-
cionamentos que constituem a História.
Em seu cotidiano, quando várias pessoas narram um acontecimento do passado, cada uma
delas faz isso de uma maneira diferente, apesar de o fato ser o mesmo. Re�ita sobre isso...
Com base nas a�rmações de Carr (1996) – de que é indicativo o modo como
uma sociedade escreve ou deixa de escrever sua História –, concluímos que a
historiogra�a, a História da História, é um aspecto essencial das sociedades
humanas e pode revelar suas visões de mundo.
Voltando à de�nição, podemos dizer que historiogra�a é o estudo do conjunto
dos textos produzidos com a intenção de reconstituir o passado, isto é, os tex-
tos de História. Assim, todas as obras que procuram reconstruir o passado são
passíveis da análise historiográ�ca.
Dessa forma, vamos analisar a construção do texto histórico ao longo do tem-
po, buscar entender os métodos de investigação e de seleção de fontes, com-
preender o porquê e de que forma isso aconteceu ao longo do tempo. En�m,
nosso objetivo é reconstituir a História da História para analisar os limites e
as possibilidades de seu futuro na sociedade.
Como escreveu Carr (1996, p. 63), História é “um processo contínuo de intera-
ção entre o historiador e seus fatos, um diálogo interminável entre o passado e
o presente”. Assim, é impossível construir uma “História de�nitiva” ou
“História verdadeira”, uma “História única”, pois o historiador lida a todo o mo-
mento com essa dualidade de, por um lado, reconstituir o passado, e, por outro,
interpretá-lo.
Essa interpretação do passado é feita sempre da perspectiva do presente, apesar de baseada
em fatos já ocorridos. É nessa tensão entre o documento histórico e a sua interpretação, en-
tre o presente e o passado, que se constrói a História.
Esse mecanismo de tensão entre passado e presente, de múltiplas interpreta-
ções do documento histórico, mantém a História viva e original a todo o mo-
mento e seduz qualquer pessoa que tenha alguma curiosidade sobre a relação
do homem com seu passado.
Uma das obras fundamentais, porém inacabada, para a de�nição do que é e
para que serve a História é a que foi escrita pelo historiador francês Bloch, en-
tre os anos de 1943 e 1944, época em que estava preso pelos nazistas durante a
ocupação da Françapelos alemães na época da Segunda Guerra Mundial.
Bloch, brilhante fundador da Revista Annales, em 1929, marco da historiogra-
�a mundial, foi assassinado em um campo de extermínio nazista, em Lyon, no
dia 16 de junho de 1944. Como diz o historiador Jacques Le Goff (2001, p. 15),
“Marc Bloch deixava inacabado em seus papéis um trabalho de metodologia
histórica composto no �nal de sua vida, intitulado Apologie de l’histoire”.
Aprofunde seus conhecimentos com a leitura da obra: BLOCH, Marc. Apologia da História ou O ofício do
Historiador. Prefácio de Jacques Le Goff. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
Nesse texto, Bloch (2001) de�ne os aspectos fundamentais do trabalho de um
historiador e, especialmente, a maneira como se escreve a História, aspectos
que iremos abordar no tópico seguinte.
Para que serve a História?
Bloch (2001, p. 43) dá alguns indicativos que podem auxiliar na resposta para
essa questão: “mesmo que a história fosse julgada incapaz de outros serviços,
restaria dizer, a seu favor, que ela entretém”.
Mas, evidentemente, o autor vai além dessa observação. A�rma que a História
só sobrevive se mantiver seu caráter estético, ou seja, sua beleza poética.
Assim, a História caminha entre a beleza e o rigor conceitual, entre o texto
bem escrito, por um lado, e o bem construído teoricamente, por outro. A
História é “uma ciência em marcha” e, além disso, está “na infância”, pois ne-
cessita ser (re)pensada a todo o momento, algo que à época de Bloch estava
apenas começando.
De�ne o eminente historiador que o objeto da História, ou seja, aquilo que ela deve investi-
gar, não é uma entidade metafísica como “o tempo”, mas sim o homem e, mais precisamen-
te, os homens no tempo, suas ações e práticas em todas as suas manifestações.
Nesse sentido, para Bloch (2001), onde houver seres humanos, existirá História
e, assim, algo a ser elucidado pelo historiador. Além disso, ele diz que somente
um historiador atento ao presente, conhecedor de seu tempo, pode inquirir, sa-
tisfatoriamente, os homens do passado, pois “o presente bem referenciado e
de�nido dá início ao processo fundamental do ofício de historiador: compre-
ender o presente pelo passado e, correlativamente, compreender o passado pe-
lo presente” (BLOCH apud LE GOFF, 2001, p. 25).
Para encerrar essa primeira abordagem sobre o que signi�ca o estudo da
História, gostaríamos de citar uma metáfora de Carr. Segundo ele, em um de-
terminado momento, os historiadores de�niam que História era um amontoa-
do de fatos. Portanto,
os fatos estavam disponíveis para os historiadores nos documentos, nas inscrições,
e assim por diante, como os peixes na tábua do peixeiro. O Historiador deveria
reuni-los, depois levá-los para casa, cozinhá-los, e então servi-los da maneira que o
atrair mais (CARR, 1996, p. 45).
Essa concepção, nos últimos 50 anos, vem sendo substituída por uma mais
condizente com a realidade da produção histórica, isto é:
os fatos na verdade não são absolutamente como peixes na peixaria. Eles são como
peixes nadando livremente num oceano vasto e algumas vezes inacessível; o que o
historiador pesca dependerá parcialmente da sorte, mas principalmente da parte
do oceano em que ele prefere pescar e do molinete que ele usa – fatores estes que
são naturalmente determinados pela qualidade de peixes que ele quer pegar. De um
modo geral, o historiador conseguirá o tipo de fatos que ele quer. História signi�ca
interpretação (CARR, 1996, p. 49).
Resumindo, de acordo com as orientações de Carr (1996) e de Bloch (2001), po-
demos considerar que História é o ramo do conhecimento que estuda os ho-
mens no tempo e que o papel do historiador é reconstituir o passado,
interpretando-o a partir do presente. Fazer História é, pois, relacionar, a todo o
momento, passado e presente; é reconstituir o passado explicado pelo presente
baseado nas perspectivas de mundo do próprio historiador.
4. Documentos e suas interpretações: o método
em questão
Durante boa parte do século 19 e início do século 20, os documentos históricos
considerados válidos eram apenas os escritos e os o�ciais, isto é, os perten-
centes a instituições governamentais.
Essa etapa da produção histórica, conhecida como positivismo, veremos em
detalhes mais adiante. Gostaríamos de assinalar, neste momento, que a produ-
ção histórica, durante um bom tempo, atendeu a essas perspectivas. No en-
tanto, isso vem mudando nas últimas décadas, tanto nos tipos, como na forma
de se utilizar os documentos históricos.
Mas, a�nal, o que é documento histórico? O que, na História, é digno de regis-
tro? Todo fato humano pode se tornar um fato histórico? E quanto ao trabalho
do historiador, de que maneira ele seleciona e analisa os documentos e o que
para ele se con�gura um fato histórico? Essas são as questões que iremos
abordar neste tópico.
Borges (1985, p. 48) lembra que, “desde que existem sobre a Terra, os homens
estão em relação com a natureza (para produzirem sua vida) e com os outros
homens. Dessa interação é que resultam os fatos, os acontecimentos, os fenô-
menos que constituem o processo histórico”. Desse modo, o objetivo funda-
mental do historiador deve ser a reconstituição do passado. Para isso, são ne-
cessários levantamentos e estudos de fontes documentais desse passado.
Nesse sentido, fontes ou documentos históricos são todos os registros possí-
veis de serem pesquisados e analisados; em outras palavras, são todos os ma-
teriais de determinada época que permitem sua utilização na construção da
História de um determinado grupo social, ou seja, fontes de caráter escrito, vi-
sual, oral, material, sonoro etc. Mas essas fontes não são quase nada sozinhas.
Os documentos históricos só se con�guram como tais quando os historiadores
lhes atribuem um signi�cado, um sentido, pois, até esse momento, são sim-
ples objetos que só se transformam em registro de uma época ou contexto
quando são analisados. 
Podemos concluir, então, que os documentos históricos não são absolutos, não falam por si, ou seja, que
eles dependem de uma análise do historiador.
Dessa forma, os acontecimentos humanos só podem tornar-se fatos históricos
no instante em que os registros documentais desses acontecimentos são ana-
lisados e considerados numa análise histórica. Vejamos um exemplo:
Imagine, num exercício de análise contrafactual, que, por acaso, os nazistas tivessem ven-
cido a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Acreditamos que, para isso acontecer, eles nun-
ca poderiam ter perdido a longa luta travada em Stalingrado, na União Soviética.
Possivelmente, se os nazistas tivessem ganhado aquela batalha, os feitos de
bravura dos soldados soviéticos que encaravam um exército mais bem equi-
pado e mais preparado para a guerra, a boa estratégia de resistência elaborada
pelos comandantes do exército vermelho russo, o massacre sofrido por boa
parte da população local, entre outros, seriam fatos humanos não registrados
pela História da maneira como hoje são. A narrativa histórica seria outra por-
que os registros documentais desses acontecimentos não seriam preservados,
os interesses em contar essa História não seriam os mesmos e a possibilidade
de fazê-lo, mesmo que se quisesse, seria muito menor do que é hoje.
Atenção!
Toda vez que aparecerem datas entre parênteses na frente de um nome, como, por exemplo, René
Descartes (1596-1650), estamos fazendo referência ao período em que viveu determinado pensador.
Assim, �ca claro que narrar o passado é um exercício de re�exão sobre os do-
cumentos históricos, sobre os registros que temos do passado, mas não ape-
nas isso. Devemos sempre nos perguntar sobre as motivações e razões para a
preservação de determinados fatos e não de outros.
Evidentemente, as fontes documentais são um aspecto fundamental da pes-
quisa histórica; no entanto, elas não podem ser tomadas como algo que ex-
pressa a “verdade absoluta” sobre aquele momento ou fato histórico estudado.
É bom lembrar que quem produz o documentoestá imbuído de sua visão de
mundo, de sua forma de interpretar a situação em que se envolveu, de maneira
que não é neutro nem está acima dos fatos para julgá-los com “imparcialida-
de”. Como a�rma Carr (1996, p. 55), “os fatos e os documentos são essenciais ao
historiador. Mas que não se tornem fetiches”.
Em contrapartida, o historiador não pode cair na tentação de negar o docu-
mento, de apenas valorizar a interpretação que construiu em sua mente, de
buscar adaptar a realidade que estuda aos interesses de sua visão de mundo.
Novamente, podemos nos apoiar em Carr para elucidar essa relação entre do-
cumento e interpretação dos fatos.
Para ele, “o historiador começa com uma seleção provisória de fatos e uma in-
terpretação, também, provisória, a partir da qual a seleção foi feita”. Enquanto
está trabalhando no tema, “tanto a interpretação e a seleção quanto a ordena-
ção de fatos passam por mudanças sutis e talvez parcialmente inconscientes,
através da ação recíproca de uma ou da outra”. Por isso, “o historiador e os fa-
tos históricos são necessários um ao outro”, pois “o historiador sem seus fatos
não tem raízes e é inútil; os fatos sem seu historiador são mortos e sem signi-
�cado” (CARR, 1996, p. 65).
Logo, essa ação mútua de historiador sobre os fatos e estes sobre o historiador
“envolve a reciprocidade entre presente e passado, uma vez que o historiador
faz parte do presente e os fatos pertencem ao passado” (CARR 1996, p. 65).
Portanto, todo registro do passado humano é um documento histórico. Esse documento, se
analisado e criticado satisfatoriamente, permite que aquele acontecimento por ele registra-
do se transforme em fato histórico.
O que vai se tornar registro histórico ou não depende do contexto e dos inte-
resses que a História produzida representa; o que, por �m, nos leva à última
questão, que é o trabalho do historiador na relação entre fato e interpretação.
Certa vez, perguntou-se o historiador Schaff (1978, p. 66) o seguinte:
Se apesar dos métodos e das técnicas de investigação aperfeiçoadas, os historiado-
res não só julgam e interpretam as mesmas questões e os mesmos acontecimentos
em termos diferentes, mas ainda selecionam e até mesmo percebem e apresentam
diferentemente os fatos, será possível que esses historiadores façam simplesmente
uma propaganda camu�ada em lugar de praticar ciência?
O autor construiu essa questão baseado na ideia de métodos e técnicas de in-
vestigação, algo que procuramos elucidar anteriormente. Mas esses métodos e
técnicas, na provocação do autor, não seriam apenas formas de esconder uma
visão de mundo já cristalizada e que a investigação histórica só serviria para
con�rmar?
Inicialmente, vale ressaltar que os métodos e técnicas cientí�cas dos historia-
dores diferem em muitos aspectos daqueles utilizados, por exemplo, pelos físi-
cos e pelos matemáticos; mas, mesmo para esses, o conhecimento é relativo,
na medida em que está formulado com base em convicções do sujeito e do
contexto em que ele está inserido. Assim, ter convicções não é nenhum pro-
blema.
A questão fundamental nesse debate é elucidar onde estaria o erro do qual um
historiador deve fugir para evitar que seu trabalho perca o valor que deve ter. O
historiador Febvre, cofundador da Revista Annales, a qual �zemos referência
anteriormente, diz que o anacronismo é o pecado mortal do historiador.
Para ele, o termo "anacronismo" refere-se à situação em que o historiador atri-
bui ao personagem, ou contexto histórico que estuda, uma visão que não era
possível de se ter naquele momento em que os fatos ocorreram. Ao cometer
esse erro, o historiador analisa os fatos com base nos resultados do processo
de seu estudo, esquecendo-se de que os personagens não poderiam ter a mes-
ma clareza dos acontecimentos.
Febvre utilizou-se desse argumento para estudar a obra do escritor francês do
século 16, Rabelais, que muitos historiadores diziam ser ateu. Entretanto,
Febvre (1989) demonstrou que era impossível ser ateu no século 16 na Europa,
utilizando-se de diversos meios para isso, demonstrando que aqueles que dizi-
am isso estavam sendo anacrônicos.
Informação:
Para aprofundar seus estudos acerca desse assunto, sugerimos a leitura das seguintes obras:
Lucien Febvre. Olhares sobre a História. Lisboa: Edições ASA, 1996.
Lucien Febvre. Combates pela História. Lisboa: Presença, 1989.
Para Novais (2005), que é um dos mais importantes historiadores brasileiros, o
problema do anacronismo aparece de maneira cristalina em um tipo de
História especí�co: a chamada História “Nacional”, que tem por objeto a nação
e o Estado Nacional. Vejamos como ele apresenta o problema:
 O anacronismo, que, no dizer de Lucien Febvre, constitui pecado mortal do histori-
ador, torna-se, no caso da história "nacional", uma di�culdade quase insuperável. É
que a tentação é por demais intensa de se fazer a história do povo na "sua vontade
de ser nação"... No caso do Brasil, Estado-nação de passado colonial, esta di�culda-
de ainda sobe de ponto, e se consubstancia na idéia de que a nação estava já inscri-
ta na viagem "fundadora" de Pedro Álvares Cabral, quer dizer, como se a coloniza-
ção se realizasse para criar a nação, e o chamado "período colonial" vai sendo re-
constituído como algo tendente a forjar a independência, num curioso exercício de
profecia do passado (NOVAIS, 2005, p. 331).
Observamos no exemplo trazido por Novais (2005) que o anacronismo pode
comprometer toda a estrutura de pesquisa e desenvolvimento da produção
histórica de um tema amplo como a História de um país.
Fazendo uma retomada de nossas ideias, o erro do anacronismo consiste em
acreditar que os personagens de determinada época têm a mesma visão e a
mesma clareza dos fatos que o historiador pode ter, analisando-os de outra
época. No caso exempli�cado por Novais (2005), o anacronismo signi�ca pen-
sar que os colonos tinham a visão clara de uma nação futura, o que sabemos,
hoje, que acabou se concretizando, mas os homens daquela época, do Brasil
colonial, não poderiam saber, pois viviam sua realidade de colônia.
Portanto, o historiador que, atravessando os problemas da abordagem do pas-
sado, evitou cometer anacronismos está muito mais próximo de fazer uma
boa História.
Na procura por essa boa História, além de ter que selecionar documentos e fa-
tos históricos para reconstituir o passado e procurar estabelecer �os conduto-
res para uma interpretação satisfatória dos acontecimentos humanos, o histo-
riador deve fugir da tentação de atribuir aos protagonistas dos acontecimen-
tos que estuda o conhecimento dos resultados de sua ação, na medida em que
é impossível que estes o saibam e, portanto, impossível, também, analisá-los
dessa perspectiva.
Em contrapartida, ao se tentar fugir do anacronismo, deve-se tomar cuidado,
também, com o relativismo absoluto em História.
Assinalando aquilo que escreveu o historiador inglês Hobsbawm (1998, p. 8),
“sem a distinção entre o que é e o que não é assim, não se pode fazer história”.
No entanto, “o modo como montamos e interpretamos nossa amostra escolhi-
da de dados veri�cáveis (que pode incluir não só o que aconteceu, mas o que
as pessoas pensaram a respeito) é outra questão”. Assim, nunca podemos per-
der de vista que a História tem sim sua objetividade e que ela está no fato his-
tórico.
Para ilustrar, voltemos ao exemplo que utilizamos anteriormente sobre a
Segunda Guerra Mundial: ela aconteceu e a Alemanha nazista foi derrotada. A
questão que �ca ao historiador é como e por quê. A partir dessas perguntas,
selecionamos as fontes históricas, reconstituímos como aconteceu o fato e
procuramos argumentar por que foi assim.
A demanda social do historiador, então, será esta: atender às necessidades de
preservação da memória social.
Você acha que a produção de História é a expressão da Verdade?
5. História e outras ciências humanas
Como lembra o historiador francês Dosse (2003), a pro�ssionalização do histo-
riador, já que sua disciplina foi tornada acadêmica no século19, e a ascensão
das outras Ciências Sociais (Economia, Sociologia, Política, Antropologia) ao
longo dos séculos 19 e 20 �zeram que a História sofresse muitos impactos tan-
to dessas Ciências Sociais quanto da mais antiga ciência humana, a Filoso�a,
a qual, quando nasceu, não era apenas humana, mas, também, física e mate-
mática.
Assim, estabelecer os �os de relação, nem sempre amistosa, entre a História e
as outras Ciências Humanas é um aspecto essencial para se entender o papel
do discurso historiográ�co no cenário da produção de pensamento nas áreas
humanas.
Novamente, o historiador brasileiro Novais (2005, p. 277-278), abre caminho
para a compreensão da relação entre História e as outras Ciências Sociais:
A História (...) é um domínio do saber muito antigo, anterior à ciência, à universida-
de, e obviamente às Ciências Sociais. Tão antigas como a História só a Filoso�a e as
artes. Todo livro de História da História diz isso, mas nem sempre tiram as implica-
ções teóricas desse fato. Primeira implicação: se de fato é assim, é possível estudar
o impacto da História das Ciências Sociais na História, e não o inverso. Não é possí-
vel estudar o impacto da História na Sociologia; existe o impacto da Sociologia so-
bre a História. A segunda implicação é que a História não responde às demandas
sociais semelhantes ao que ocorre com as outras ciências. Pode-se associar o apa-
recimento da Sociologia na segunda metade do século 19 ao aparecimento da soci-
edade urbana industrial moderna. O aparecimento da Economia está diretamente
relacionado à Revolução Industrial. Já a História está associada à criação da me-
mória.
É evidente, nas palavras de Novais (2005), uma primeira distinção fundamen-
tal entre a História e as outras Ciências Sociais: estas estão associadas ao de-
senvolvimento e ao aumento da complexidade da sociedade pós-Revolução
Industrial; já a História é muito mais antiga e corresponde a uma outra de-
manda da sociedade: a de preservação da memória social.
O historiador brasileiro designa uma segunda distinção importante entre
História e Ciências Sociais: “(...) o campo da História é indelimitável. Qual é
seu objeto? É o acontecer humano em qualquer tempo e em todo o espaço, só o
futuro não é seu objeto. O que caracteriza esse objeto? A impossibilidade de
delimitá-lo – não se sabe onde é que ele acaba” (NOVAIS, 2005, p. 379).
Se a História, por seu lado, tem um objeto não delimitado, o grande debate den-
tro das Ciências Sociais é justamente saber onde delimitar os seus objetos.
Qual é a fronteira que divide a Sociologia da Antropologia, por exemplo?
Apesar do ataque que a História sofreu das outras Ciências Sociais, o funda-
mental é que, do ponto de vista do objeto, temos uma vantagem comparativa: o
objeto da História é toda a ação humana no tempo.
Por causa dessa amplitude de seu objeto, foi possível que, no momento em que
ocorreu uma crise das Ciências Sociais no último quarto do século 20, a
História respondesse a essa crise com uma ampliação dos objetos de estudo,
dedicando-se a temas que antes estavam negligenciados (o sexo, o amor, a fa-
mília, a criança, a mulher, entre outros).
Para re�etir:
Você acha que a História pode ser considerada o carro-chefe das Ciências Sociais?
Fica claro, portanto, que a História é um ramo do conhecimento muito mais
antigo que as Ciências Sociais e responde a outras demandas. Além disso, o
objeto de estudo da História é muito mais amplo e abrange todo o aconteci-
mento humano no tempo.
Assim, a História tem compromisso potencial de reconstituir as ações huma-
nas em todas as suas esferas de existência: econômica, política, social, cultu-
ral e mental. Já as Ciências Sociais são recortes dessa realidade.
É evidente que o historiador não reconstitui a totalidade da História, mas par-
celas dela, por isso que Veyne (s/d.) escreveu que não existe apenas “História”,
mas sim “História de”. A preposição depois do substantivo é o recorte do objeto
in�nito do historiador.
Informação:
Sugerimos a leitura da seguinte obra para o aprofundamento de seus estudos: VEYNE, Paul. Como se es-
creve a História. Lisboa: Edições 70, s/d.
Talvez você esteja se perguntando: mas isso signi�ca que a História não ne-
cessita das Ciências Sociais?
A resposta é não; na verdade, uma é necessária à outra. O historiador moderno
enxerga-se como cientista; portanto, ele acredita que é necessário explicar.
Fundamentalmente, é utilizando-se dos conceitos criados pelos cientistas so-
ciais que o historiador explica o que reconstitui. Ao mesmo tempo, se os cien-
tistas sociais �carem apenas na abstração conceitual, não conseguem de-
monstrar a aplicabilidade desses conceitos. Assim, ele necessitam da História
para comprovar que são e�cazes.
Em resumo, o historiador explica para reconstituir e o cientista social reconstitui para ex-
plicar. As demandas sociais que os �zeram surgir explicam essa diferença e, ao mesmo
tempo, o sentido de necessidade de apoiar-se um no outro.
O francês Braudel (1992), um dos historiadores mais importantes do século 20,
escreveu, em um artigo publicado em 1958, sobre a necessidade de encontrar-
se um caminho de diálogo entre as diversas ciências do homem. Para ele, esse
diálogo poderia partir da dimensão das diversas temporalidades que a exis-
tência social compreende.
Informação:
Para saber mais sobre o assunto em questão, leia: BRAUDEL, Fernand. História e Ciências Sociais: a longa
duração. In: BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992, p. 39-78.
Mas o que signi�ca “diversas temporalidades”?
Vejamos um texto do autor apresentado em seu clássico estudo de 1946, intitu-
lado O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Filipe II, que nos
ajudará a compreender essa expressão.
Esta obra divide-se em três partes, cada uma das quais pretende ser uma tentativa
de explicação de conjunto.
A primeira trata de uma história, quase imóvel, que é a do homem nas suas rela-
ções com o meio que o rodeia, uma história lenta, de lentas transformações, mui-
tas vezes feita de retrocessos, de ciclos sempre recomeçados [...].
Acima desta história imóvel, pode distinguir-se uma outra, caracterizada por um
ritmo lento: se a expressão não tivesse sido esvaziada do seu sentido pleno,
chamar-lhe-íamos de bom grado história social, a história dos grupos e agrupa-
mentos. Qual a in�uência dessas vagas de fundo no conjunto da vida mediterrâni-
ca, eis a pergunta que a mim próprio pus na segunda parte da minha obra, ao es-
tudar, sucessivamente, as economias, os Estados, as sociedades, as civilizações, e
ao tentar, por �m, e para melhor esclarecer a minha concepção de história, mos-
trar como todas estas forças profundas atuam no complexo domínio da guerra. [...]
E, �nalmente, a terceira parte, a da história tradicional, necessária se pretender-
mos uma história não à dimensão do homem, mas do indivíduo, uma história dos
acontecimentos [...], a da agitação de superfície, as vagas levantadas pelo poderoso
movimento das marés, uma história com oscilações breves, rápidas, nervosas
(BRAUDEL, 1995, p. 25).
Assim, para o autor, a temporalidade histórica teria diversos níveis de existên-
cia: o tempo de longa duração, o de média duração e o de curta duração.
O tempo longo seria aquele em que as transformações são muito lentas, quase
imóveis, no qual o fundamental está na relação “homem e espaço”. Já o tempo
de média duração seria aquele em que as transformações ocorrem no nível
das estruturas sociais, com movimentos longos, resultando em grandes sínte-
ses econômicas, sociais, políticas, culturais. Por �m, o tempo curto, o tempo
jornalístico, seria o tempo do registro imediato, o tempo das paixões, dos acon-
tecimentos e da instantaneidade.
Observamos, pois, que cada uma das Ciências Sociais ajusta-se mais a um de-
terminado tempo do que a outro, e, na relação desses tempos, seria possível
estabelecer o contato entre as diversas ciências do homem. A História seria,nesse sentido, o carro-chefe do processo, na medida em que ela, como vimos, é
a ciência social que melhor compreende o homem no tempo.
6. A história da historiogra�a
Entendido que a História pode assumir diferentes sentidos e funções nos di-
versos contextos e períodos em que foi produzida, agora veremos uma breve
linha do tempo da historiogra�a. Com isso, poderemos criar uma visão mais
ampla do desenvolvimento da disciplina, para que depois possamos abordar
de forma detalhada os principais paradigmas historiográ�cos que pautaram
e/ou in�uenciaram a historiogra�a até os dias atuais.
Para isso, assista aos vídeos a seguir, que, partindo do próprio conceito de his-
toriogra�a, abordam a produção na antiguidade, no medievo e nos séculos 18,
19 e 20, criando uma visão geral da evolução dessa área do saber ao longo do
tempo e destacando seus temas, métodos e fontes de pesquisa. Acompanhe.
 
 
Agora, vamos ver as principais características e contextos de produção das
principais correntes historiográ�cas, por meio de uma visão geral sobre todo o
processo. Entretanto, ressaltamos que, neste momento, visamos uma perspec-
tiva mais geral de uma possível história da historiogra�a, já que tais correntes
serão tratadas de forma mais detida nos próximos ciclos de aprendizagem.
7. O que é historiogra�a?
Eis um conceito simples de se explicar: em resumo, historiogra�a é a escrita
da História. Quem dera ser realmente tão simples. Este é um daqueles mo-
mentos em que ditados populares não são meros clichês: “a simplicidade é
complexa”. O problema reside no fato de que escrever a História implica consi-
derar contextos diferentes (do tema, do historiador), ideologias diversas (do
historiador, da editora, do público), fontes utilizadas para a pesquisa (escritas,
orais, iconográ�cas), questionamentos dirigidos a essas fontes, teoria empre-
gada para análise.
Assim, é interessante que você tenha acesso a distintas de�nições de historio-
gra�a, para além daquela já citada. Vejamos dois casos!
“A historiogra�a seria assim a melhor vacina contra a ingenuidade” (SILVA;
SILVA, 2006, p. 189).
O que apreender de uma assertiva como essa? Se aceitarmos que historiogra-
�a é o questionamento acerca da produção e da escrita da História, sobre o(s)
discurso(s) dos historiadores e seus métodos, compreenderemos que, se co-
nhecemos o que in�uencia os historiadores em suas escolhas de temas a
abordar e na teoria a seguir, se conhecemos o resultado de suas pesquisas, se
temos acesso aos erros e acertos por eles elencados, a ingenuidade não fará
parte de nossa pro�ssão. Dito de outro modo, se conhecemos o historiador em
seu ofício, em seu contexto e a sua produção, não há como �carmos alheios à
memória das sociedades.
Uma última de�nição, segundo Carbonell (1987, p. 6):
O que é historiogra�a? Nada mais que a história do discurso – um discurso escrito
e que se a�rma verdadeiro – que os homens têm sustentado sobre seu passado. É
que a historiogra�a é o melhor testemunho que podemos ter sobre as culturas de-
saparecidas, inclusive sobre a nossa – supondo que ela ainda existe e que a semi-
amnésia de que parece ferida não é reveladora da morte. Nunca uma sociedade se
revela tão bem como quando projeta para trás de si a sua própria imagem.
Vamos re�etir juntos sobre essa de�nição? Inicialmente, tomemos a frase “na-
da mais que a história do discurso”, ou seja, historiogra�a é o estudo de tudo o
que já foi dito sobre um tema em diferentes modos, lugares e tempos. Depois,
“um discurso escrito e que se a�rma verdadeiro”, ou seja, o que foi dito deve ser
considerado como discurso digno de ser acatado. E, por �m, “nunca uma soci-
edade se revela tão bem como quando projeta para trás de si a sua própria
imagem”. Em outras palavras, como não temos como nos desvencilhar total-
mente de nossas ideologias, de nossos conceitos, das marcas de nosso tempo,
sempre que apresentamos o resultado de uma pesquisa histórica, a marca de
nossa época �ca evidenciada. Resumindo, a historiogra�a é o produto de uma
era, é uma construção histórica.
Como se pode observar, trata-se de um conceito polissêmico. Mas, para além
do conceito, igualmente devemos considerar que a historiogra�a depende de
dois elementos: da formulação de um problema e das fontes disponíveis. Ao
levantar essas questões, Blanke (2006) estudou a história da historiogra�a e
apontou dez tipos e três funções, conforme você pode veri�car nos Quadros 1 e
2. O autor adverte: “Os tipos que (re)construí, no entanto, possuem um alcance
mais amplo do que os exemplos dos quais eles são uma abstração” (BLANKE,
2006, p. 29).
Quadro1 Tipos de historiogra�a.
Os tipos de história da historiogra�a
1) História dos historiadores
Pesquisas que abordam a vida e a
obra de um historiador.
2) História das obras
Pesquisas sobre um gênero literário
(qual o estilo literário da obra).
3) Balanço geral
Pesquisas que classi�cam os historia-
dores em campos especí�cos.
4) História da disciplina
Pesquisas sobre conferências e traba-
lhos de instituições históricas.
5) História dos métodos Pesquisa sobre os métodos históricos.
6) História das ideias históricas
Pesquisa sobre as tendências da his-
tória intelectual.
7) História dos problemas
Pesquisa sobre a história das subdis-
ciplinas (Antiga, Medieval...), da rela-
ção entre a História e outras Ciências
Sociais etc.
8) História das funções do pensa-
mento histórico
Pesquisa sobre as funções sociais da
historiogra�a.
9) História social dos historiadores
Pesquisa da historiogra�a como histó-
ria social.
10) História da historiogra�a teorica-
mente orientada
Pesquisa sobre o desenvolvimento da
disciplina no interior de sua re�exão
metateórica.
Fonte: BLANKE in MALERBA, 2006.
Quadro2 Funções da História.
As funções da história da historiogra�a
1)     Função a�rmativa A�rmar uma ideologia o�cial.
2)     Função crítica
Críticas aos princípios ideológicos, vi-
sões de mundo, modelos tradicionais
etc.
3)     Função exemplar
Oferecer material para a re�exão teó-
rica (servir de exemplo).
Fonte: BLANKE in MALERBA, 2006.
Esses tipos e funções não serão sistematicamente analisados aqui. Porém,
explicitá-los ajuda-nos a observar e a con�rmar que a historiogra�a é mais do
que a escrita da história: é a compreensão de todo o contexto que envolve essa
escrita.
Nesta conjuntura, podemos iniciar nossa compreensão do que é Teoria da
História. Alguns a leem mesmo como historiogra�a, como debate historiográ-
�co, e muitos outros, como metodologia. Igualmente, é entendida como qual-
quer atividade re�exiva do historiador. Desse modo, os conceitos de historio-
gra�a e Teoria da História são justapostos. A historiogra�a, enquanto escrita
da História, apresenta-nos concepções diferenciadas do passado de acordo
com as teorias norteadoras do ofício do historiador, a saber: o marxismo, a no-
va história, a micro-história etc.
Agora que já re�etiu sobre os conceitos de historiogra�a, Teoria da História e
possibilidades historiográ�cas, que tal iniciarmos nossa retrospectiva? Vamos
lá!
8. A historiogra�a na antiguidade
Antes de adentrar na produção de Heródoto e Tucídides, é importante enten-
dermos o contexto no qual a escrita da História nasceu: aquele da oralidade e,
também, da mitologia.
Para o Grego das épocas arcaica e clássica, a palavra representava o poder por
excelência. Vejamos o que o helenista Jean-Pierre Vernant tem a dizer a esse
respeito (o termo “Grego” é utilizado aqui em maiúsculo não só para caracteri-
zar os habitantes da Grécia, mas igualmente compreendendo-o como uma ca-
tegoria que inclui homens e mulheres, crianças, jovens e adultos, todos incluí-
dos dentro de um contexto social e cultural maior):
O que implica o sistema da polis é primeiramente uma extraordinária proeminên-
cia da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder... A palavra não é mais
o termo ritual, a fórmula justa, mas o debate contraditório, a discussão, a argumen-
tação (VERNANT, 1996, p. 34).
Com base nessa assertiva,observamos que o logos ocupava um lugar central
nessa época da nascente razão. Mas não nos enganemos: logos e mythos não
eram totalmente excludentes, nem mesmo contraditórios. A razão, representa-
da pelo logos, nasce do mythos.
Mas como esse logos foi utilizado e compreendido no cerne da primeira
História? Essa nova maneira de se narrar os acontecimentos se distanciou de
forma de�nitiva do mito?
Observemos, então, as diferenças e as similitudes entre os dois historiadores,
que, desde a Antiguidade, estão no centro da discussão que tenta decidir quem
é o “pai da História”.
Heródoto: ouvir, ver e escrever
Ouvir, ver e escrever. Não se trata de um ordenamento aleatório de verbos. Os
dois primeiros podem até se alternar, porém, escrever vem depois. Esta era a
prática de Heródoto (484-420 a.C): colher testemunhos (essencialmente histó-
ria oral, embora tenha tido acesso a alguns documentos), observar regiões,
pessoas, fatos e, posteriormente, narrá-los. Em sua obra História (2,9), ele a�r-
mou: “Até aqui disse o que vi, re�eti e averiguei por mim mesmo, a partir de
agora direi o que contam os egípcios, como ouvi, ainda que acrescente algo do
que vi” (HERÓDOTO, 1998, p. 152).
Heródoto procurou registrar a tradição, feitos e fatos que, em seu entendimen-
to, não deveriam ser esquecidos – a lembrança e o conhecimento do passado
como forma de reforçar a identidade dos helenos. Em sua escrita, utilizou-se
do termo “logos” no sentido de relato, de conhecimento, de razão; tudo isso
reportando-se a opiniões contrastantes que nem sempre puderam ser compro-
vadas (o que se ouviu, mas não se viu). A obra História, nesse contexto, procu-
ra estabelecer as causas da guerra entre gregos e persas apresentando uma
escrita que, embora ainda traga elementos mitológicos, traz como novidade o
relato do ocorrido, de fatos concretos, de feitos de homens, e não histórias mi-
tológicas, feitos heroicos e/ou divinos, de um mundo abstrato.
Por essa inovação, Heródoto foi considerado o “pai da História” já na
Antiguidade, título atribuído a ele por Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.) em De
Legibus – Das Leis, (1,1,5). Porém, apenas nos tempos modernos, tal honraria
estabeleceu-se de�nitivamente.
Tucídides: a busca da verdade do que se vê
Segundo Detienne (1998, p. 105), “O ouvido é in�el e a boca é sua cúmplice.
Frágil, a memória é igualmente enganadora: ela seleciona, interpreta, recons-
trói”.
Tomamos por empréstimo essas palavras do helenista Marcel Detienne por
acreditarmos que ela representa bem a repulsa de Tucídides em relação à es-
crita de Heródoto. Diferentemente deste, Tucídides preocupou-se com as cau-
sas imediatas. Atentou-se para o presente, narrou o que viu, acreditava no que
estava diante dos olhos. O passado, para ele, mostrava-se como boatos: fulano
disse que ouviu de sicrano o ocorrido com beltrano na terra de alguém. Para o
autor de Guerra do Peloponeso, memória sem provas não é História.
Por que devo vos falar de acontecimentos muito antigos quando estes são atestados
antes por boatos que circulam (akoaí) do que pelo que se viu com seu olhos aqueles
que nos ouvem (TUCÍDIDES, I, 73, 2).
Resumindo, algumas das principais diferenças entre Heródoto e Tucídides
são: o primeiro privilegia o resgate da tradição, e o segundo, o registro do pre-
sente com o pensamento focado no futuro; Heródoto é considerado mais ro-
mântico, enquanto Tucídides, mais realista. As diferenças também podem ser
observadas na escolha das fontes: o primeiro elege as fontes orais, e o segun-
do, não vendo credibilidade nestas, descarta-as.
Outros nomes podem e devem ser citados para esse período da historiogra�a:
Aristóteles, Políbio, Salústio, Tácito e Cícero.
Vale ressaltar aqui a diferença estabelecida por Aristóteles entre História e po-
esia. Reproduziremos, a seguir, uma das mais famosas passagens desse autor
em que esclarece este binômio contrário:
Não é ofício de poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de representar o que poderia
acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade.
Com efeito, não diferem o historiador e o poeta por escreverem verso ou prosa (...) –
diferem, sim, em que diz um as coisas que sucederam, e outro as que poderiam su-
ceder. Por isso, a poesia é algo de mais �losó�co e mais sério do que a História, pois
prefere aquele principalmente o universal, e esta o particular (ARISTÓTELES. 2003,
9, 50).
De forma bem esclarecedora, assim Funari e Silva (2008, p. 23) se expressam
acerca desta a�rmação:
Aristóteles aponta como característica essencial da História sua preocupação com
o efêmero, com o acontecimento que não se pode repetir e que, por isso mesmo, na-
da nos pode ensinar sobre a natureza humana ou mesmo do mundo. O particular,
por de�nição, nada revela.
É bom e temeroso poder discordar de alguém como Aristóteles. Mas o desen-
volvimento da História como disciplina e como teoria veio nos mostrar que o
particular diz muito sobre homens e sobre o mundo, assim como sobre os ho-
mens no mundo.
9. A historiogra�a no Medievo
A Historiogra�a no Medievo está intrinsecamente ligada ao Cristianismo.
Basta lembrar que, durante muito tempo, a Igreja foi a detentora do saber.
Nesse período, os homens, suas obras e os acontecimentos só ganhavam im-
portância se vistos como resultados dos desígnios divinos.
Essa historiogra�a produziu genealogias (http://pt.wikipedia.org/wi-
ki/Genealogia), anais (http://pt.wikipedia.org/wiki/Anais) (reais e monásticos)
e cronologias (http://pt.wikipedia.org/wiki/Cronologia) de acontecimentos su-
cedidos nos reinados dos seus senhoris ou da sucessão de abades
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Abade). Nos documentos, encontramos, igual-
mente, hagiogra�as e biogra�as de reis. Os textos ainda podiam exaltar uma
dinastia como condenar aqueles que não seguiam os preceitos do
Cristianismo.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Genealogia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Genealogia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Genealogia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Genealogia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Genealogia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Genealogia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Genealogia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Genealogia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Genealogia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Anais
http://pt.wikipedia.org/wiki/Anais
http://pt.wikipedia.org/wiki/Anais
http://pt.wikipedia.org/wiki/Anais
http://pt.wikipedia.org/wiki/Anais
http://pt.wikipedia.org/wiki/Anais
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cronologia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cronologia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cronologia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cronologia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cronologia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cronologia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Abade
http://pt.wikipedia.org/wiki/Abade
http://pt.wikipedia.org/wiki/Abade
http://pt.wikipedia.org/wiki/Abade
http://pt.wikipedia.org/wiki/Abade
http://pt.wikipedia.org/wiki/Abade
http://pt.wikipedia.org/wiki/Abade
http://pt.wikipedia.org/wiki/Abade
http://pt.wikipedia.org/wiki/Abade
A escrita dessas fontes estava sob a responsabilidade de hagiógrafos
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Hagiogra�a), cronistas (http://pt.wikipedia.org
/wiki/Cr%C3%B3nica), integrantes do clero (http://pt.wikipedia.org/wiki/Clero)
episcopal ligados ao poder e por monges (http://pt.wikipedia.org/wi-
ki/Monge). Como exemplo dessa historiogra�a, citamos: História Eclesiástica
do Povo Inglês, do  século 8 (http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_VIII),
de autoria de Beda, o Venerável, e Etimologias, de Isidoro de Sevilha.
10. A historiogra�a nos séculos 18 e 19
É contraproducente unir as historiogra�as dos séculos 18 e 19 num mesmo tó-
pico. Pode parecer que as continuidades e permanências são superiores às
descontinuidades e rupturas no interior da escrita da História. No entanto, es-
sa junção aqui realizada justi�ca-se por dois motivos: primeiro, não é a passa-
gem de um século para o outro (temporalmente falando) que modi�ca as es-
truturas e, em segundo lugar,porque o século 19 pode ser entendido como um
momento de concreção e reação ao que foi divulgado no século precedente.
Observe os tópicos a seguir:
1. Avanço do Iluminismo → Nova roupagem das Universidades →
Surgimento da Filologia.
2. Filologia Histórica: conhecimento mais rigoroso e aprofundado das lín-
guas antigas → conhecimento das fontes mais objetivo.
3. Conhecimento mais objetivo do passado → início do positivismo historio-
grá�co: crítica textual que visava saber se os documentos eram verdadei-
ros e �dedignos: descrição factual precisa. A História, desse modo, surge
como um conjunto de fatos que existem nos documentos. Basta extraí-
los. Há um rompimento com a escrita da História de tradição literária (fá-
cil de ler) rumo a um discurso árido e douto. Seus principais representan-
tes: Barthold Georg Niebuhr e Leopold Von Ranke.
4. Revue Historique (1876) – surgimento da Escola Metódica: autores associ-
ados a essa escola estavam preocupados com a escrita da história nacio-
nal e o estabelecimento da identidade da nação. Para tanto, exigiu-se um
rigor metódico, o afastamento da parcialidade, da especulação e da não
objetividade para se contar como a história realmente aconteceu. Dois de
seus representantes são: Gabriel Monod e Gustave C. Fagniez.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hagiografia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hagiografia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hagiografia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hagiografia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hagiografia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hagiografia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hagiografia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hagiografia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hagiografia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cr%C3%B3nica
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cr%C3%B3nica
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cr%C3%B3nica
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cr%C3%B3nica
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cr%C3%B3nica
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cr%C3%B3nica
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Clero
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Clero
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Clero
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Monge
http://pt.wikipedia.org/wiki/Monge
http://pt.wikipedia.org/wiki/Monge
http://pt.wikipedia.org/wiki/Monge
http://pt.wikipedia.org/wiki/Monge
http://pt.wikipedia.org/wiki/Monge
http://pt.wikipedia.org/wiki/Monge
http://pt.wikipedia.org/wiki/Monge
http://pt.wikipedia.org/wiki/Monge
http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_VIII
http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_VIII
http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_VIII
http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_VIII
http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_VIII
http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_VIII
5. Karl Marx e a concepção dialética da História: a história de toda socieda-
de é a história da luta de classes; a revolução é a força motriz da História.
A vida social, política e intelectual é condicionada ao modo de produção
da vida material (materialismo).
Informações complementares sobre a Revue Historique
Em 1870, ocorreu a derrota do exército francês na guerra franco-prussiana. Com essa derrota, a França
sentiu a necessidade de reescrever sua história e de construir sua identidade. O pensamento histórico ale-
mão teve grande in�uência nesse contexto. Dentre os autores mais conhecidos desse período, citamos:
Gabriel Monod, Charles Seignobos e Ernest Lavisse. Todos eles, ao lado de Theodor Mommsen, serviram
de modelo e inspiração para as gerações posteriores de historiadores franceses.
11. O século 20 e os Annales
Segundo Burke (1991, p. 127):
Da produção intelectual, no campo da historiogra�a, no século XX, uma importante
parcela do que existe de mais inovador, notável e signi�cativo origina-se da
França. A historiogra�a jamais será a mesma.
É assim que Peter Burke inicia e �naliza o seu livro A Revolução Francesa da
Historiogra�a: a Escola dos Annales, 1929-1989, em que descreve e analisa as
três gerações do movimento intelectual francês associadas à revista Annales
(o primeiro título da revista foi Annales d'histoire économique et sociale
[1929]), que teve como seus principais representantes Marc Bloch, Lucien
Febvre, Fernand Braudel, Georges Duby, Jacques Le Goff, Emmanuel Le Roy
Ladurie, Ernest Labrousse, Pierre Vilar, Maurice Agulhon, Michel Vovelle, en-
tre tantos outros.
A última assertiva da citação anterior não é fortuita ou mero chavão. Re�ete
bem a prática historiográ�ca dos membros dos Annales, que objetivaram su-
prir a tradicional narrativa de acontecimentos por uma história-problema, co-
mo também deixar de fazer apenas a história política e abordar a história de
todas as atividades humanas e, por �m, estabelecer uma relação profícua com
outras disciplinas das Ciências Sociais, como a Antropologia, a Sociologia, a
Geogra�a etc. As massas anônimas e seus modos de viver, sentir e pensar fo-
ram analisados nesse contexto de interdisciplinaridade. No entanto, vale res-
saltar que essa escola não formou um grupo monolítico, executando uma his-
toriogra�a uniforme. Bem pelo contrário. As diferenças podem ser observadas
no interior das três fases (ou gerações) desta escola:
1ª geração de 1920 a 1945
História enquanto ciência do homem: há uma separação entre os conceitos de
História e passado. O que se procura entender é a história do passado e não o
passado em si, que é compreendido como uma construção histórica. Seus
maiores representantes foram Marc Bloch e Lucien Febvre.
2ª geração de 1945 a 1968
O que se aspirava era uma prática histórica mais aberta, ou seja, que abordas-
se os campos social, econômico, cultural, geográ�co e religioso, em suas dife-
rentes temporalidades e diversas perspectivas. Dito de outro modo: aspirou-se
por uma história total. Fernand Braudel representa exemplarmente essa gera-
ção.
3ª geração de 1968...
Fase também conhecida por História Nova ou Nova História. Essa geração
particularmente nos interessa, pois os questionamentos apresentados no de-
correr desta disciplina são oferecidos a nós pelos integrantes desse grupo ou
por estudiosos que questionaram os paradigmas da história a partir das dis-
cussões desse grupo. Por esse motivo, um item separado abordará o tema.
12. A nova história
Três processos caracterizam a terceira geração: a assimilação de�nitiva de
novos problemas, novas abordagens e novos objetos. Temas como mulher, se-
xualidade, prisão, doença, sonho, corpo e morte são estudados não somente
sob a luz da História, mas igualmente na sua relação com a Antropologia, a
Psicologia e a Sociologia.
Ocorre um distanciamento acentuado em relação à história política tradicio-
nal.  A questão da unidade do objeto e a possibilidade concreta de uma histó-
ria total também foram deslocadas. Não existe mais o homem, mas os ho-
mens, e não mais história, mas histórias.
Então, a atenção voltou-se para o sótão, deixando-se o porão (o material) para
trás, ou seja, as mentalidades ressurgiram com nova roupagem nos estudos
históricos acadêmicos. Philippe Ariès foi, talvez, o maior responsável por esse
retorno; Robert Mandrou, pela divulgação; e Jacques Le Goff, Georges Duby,
Emmanuel Le Roy Ladurie e Michel Vovelle, pela aplicação dos estudos das
mentalidades.
De acordo com Chartier (1990, p. 14-15):
[...] as atitudes perante a vida e a morte, as crenças e os comportamentos religiosos,
os sistemas de parentesco e as relações familiares, os rituais, as formas de sociabi-
lidade, as modalidades de funcionamento escolar etc [...] Sob a designação de histó-
ria das mentalidades ou de psicologia histórica delimitava-se um novo campo [....]
Mas esses objetos carecem de uma abordagem apropriada. Como você anali-
saria essas temáticas no tempo, melhor dizendo, a uma primeira vista?
Acredita ser capaz de reconhecer as atitudes perante a morte num breve espa-
ço de tempo? Os adeptos da história das mentalidadesnão apostaram nessa
possibilidade. Houve um aprofundamento nas pesquisas de longa duração:
“[...] tempos das estruturas, tempo quase imóvel da relação entre o homem e a
natureza” (VAINFAS, 1997, p. 134).
Mas essa história foi rebatida: se não há o homem, no singular, se não há a
história, também no singular, igualmente não há uma única forma de pensa-
mento que caracterize o homem na história, mas diferentes modos de viver,
sentir e pensar para diferentes homens e passados.
É óbvio, e você já estudou em outras disciplinas, que a Nova História não se re-
sumiu à História das Mentalidades. Para �nalizar, a sua atenção, nesse mo-
mento, deve voltar-se para o fato de que, com a introdução de novos proble-
mas, novas abordagens e novos objetos nos estudos historiográ�cos, o próprio
conceito de História mudou, o modo de se contar a história mudou, e a sua re-
lação com outras disciplinas também. São essas transformações que veremos
mais adiante.
Uma última consideração importante à compreensão dos conteúdos futuros:
nessa terceira geração, não houve a predominância de um grupo à frente dos
demais estudiosos, não houve mais a prevalência da língua francesa nos estu-
dos, como também a própria França deixou de ser o centro do pensamento
histórico. Autores de outras línguas e outras regiões entraram no embate con-
tra a “velha” História.
Para Falcon (1997, p. 111):
Batizada de nouvelle histoire, essa historiogra�a compreende historiadores cujas
trajetórias intelectuais e políticas podem ser muito distintas entre si, tal como a
maneira de cada um deles encarar a disciplina histórica e seu ofício.
13. Texto complementar
Os fragmentos a seguir versam sobre o único tratado da Antiguidade sobre a
historiogra�a. Eles fazem parte de um artigo escrito por André L. Lopes.
A leitura desses fragmentos levará a conhecer um pouco mais sobre a temáti-
ca discutida até aqui. Observe o que o historiador antigo fala sobre a escrita da
História. Algumas de suas colocações vêm ao encontro do que estamos estu-
dando. Observe, também, o que ele fala sobre a verdade.
Para auxiliá-lo numa re�exão crítica sobre a historiogra�a, após alguns frag-
mentos, foram inseridos comentários direcionando a leitura. Sugerimos que
após essa leitura dirigida, você busque pelo artigo na íntegra e elabore seu
próprio bloco de anotações. O artigo pode ser consultado na íntegra no clican-
do aqui (http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&
pid=S0101-90742005000200008&lng=en&nrm=iso).
Moralidade e justiça na historiogra�a antiga: o ‘manual’ historiográ�co de
Luciano de Samósata        
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742005000200008&lng=en&nrm=iso
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742005000200008&lng=en&nrm=iso
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742005000200008&lng=en&nrm=iso
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742005000200008&lng=en&nrm=iso
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742005000200008&lng=en&nrm=iso
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742005000200008&lng=en&nrm=iso
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742005000200008&lng=en&nrm=iso
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742005000200008&lng=en&nrm=iso
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742005000200008&lng=en&nrm=iso
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742005000200008&lng=en&nrm=iso
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742005000200008&lng=en&nrm=iso
Na Antigüidade se inventou a história, e foi pródiga em produções historiográ�-
cas, bastante econômica em re�exões sobre essa novidade. Se existem referências
a algumas obras antigas que parecem tratar da historiogra�a – como, por exem-
plo, o tratado de Teofrasto, Perì Historías (Sobre a história), do qual conhecemos
apenas o título, ou o livro de Praxífanes citado por Amiano Marcelino em sua Vida
de Tucídides –, essas obras estão hoje completamente perdidas e especular sobre
seu conteúdo seria perda de tempo. Aliás, é signi�cativo que nenhuma obra sobre
a história seja citada nas bibliogra�as dadas por Diógenes Laércio em Vidas e dou-
trinas dos �lósofos ilustres.
O silêncio dos �lósofos antigos sobre a historiogra�a é quase completo. Mesmo
Aristóteles, tão prolí�co a respeito de todos os campos do conhecimento, a ignora
em toda a sua extensa obra. As únicas aparições da história no extenso corpus do
�lósofo de Estagira são duas passagens da Poética, nas quais é rejeitada em favor
da poesia, e uma breve recomendação, na Retórica, aos políticos que leiam histó-
ria para ampliar seus conhecimentos.
Encontramos algumas re�exões sobre a historiogra�a nas obras dos próprios his-
toriadores. Mas, na maior parte das vezes, essas re�exões são fragmentárias, estão
inseridas em polêmicas com outros historiadores ou trata-se de simples elogios
retóricos da historiogra�a. Na verdade, a mais completa investigação antiga sobre
a historiogra�a encontra-se em um pequeno tratado da autoria de Luciano de
Samósata, um escritor satírico nascido na Síria no século II da Era Cristã: Como se
deve escrever a história, a única obra antiga inteiramente dedicada à historiogra-
�a de um ponto de vista teórico que conhecemos.
Comecemos, portanto, pelo próprio ineditismo da obra: por que Luciano resolveu
escrever uma teoria da história? Por que escrever um tratado que nenhum outro
escritor da Antigüidade tivera necessidade ou interesse em escrever?
Como se deve escrever a história, além de um “manual metodológico”, é um “pan-
�eto literário”, ou seja, uma obra destinada à crítica de uma prática literária que
Luciano não via com bons olhos. Dos 63 parágrafos do texto, Luciano dedica 19,
quase um terço da obra, a exemplos de maus historiadores (§§ 14-32). Essa mesma
técnica, “como não fazer” (crítica cômica) e “como fazer” (preceitos sérios), foi usa-
da por ele em diversos outros pan�etos do mesmo tipo como, por exemplo, em
Mestre de retórica – “como não ser bem-sucedido na retórica e como sê- lo” – e
em Lexífanes – “como não reviver palavras áticas e como fazê-lo”. No entanto,
Como se deve escrever a história se destaca dentre todos, pois apenas nele a cari-
catura não é a principal preocupação do texto e “a balança é mais ou menos equi-
librada”: contrapondo-se aos 19 parágrafos dedicados à crítica cômica dos maus
historiadores, 27 são destinados aos ensinamentos prescritivos sobre a história
2 
(§§ 34-60).
Observe este pequeno resumo da obra onde o autor do artigo descreve alguns
elementos do texto analisado. É interessante constatar que a crítica historio-
grá�ca já era utilizada nos primórdios da escrita da História.
Sendo uma obra de crítica, Como se deve escrever a história estava, portanto, viva-
mente inserida na prática historiográ�ca do século II d.C.. O que não signi�ca ne-
cessariamente que os vários exemplos ridículos de histórias e historiadores cita-
dos por Luciano tenham realmente existido. O próprio Luciano parece extrema-
mente irônico ao garantir a veracidade das histórias por ele criticadas:
Dir-lhes-ei então, em detalhes, o quanto me lembro haver ouvido alguns
historiadores dizerem recentemente na Jônia, e agora mesmo na Acaia,
descrevendo essa mesma guerra. E, em nome das Graças, que ninguém
deixe de acreditar no que vou dizer. Pois eu juraria por sua veracidade,
se fosse próprio inserir um juramento em um tratado.
É provável que diversos historiadores estivessem ativos na época em que Luciano
escreveu e que novas histórias da guerra entre os romanos e os partos fossem pu-
blicadas – ou recitadas – com freqüência. Já no séc. I a.C., [...] No entanto, nada
impede que Luciano tivesse criado histórias e historiadores “ideais”, que se encai-
xassem melhor nos pontos que ele critica. A crítica aos maus historiadores se
mantém, mesmo que todos os historiadores criticados sejam criação do crítico. E a
crítica énecessária, pois o que Luciano busca é uma história justa (historías di-
kaías). A verdade, um dos traços mais importantes da historiogra�a desde o seu
início na Grécia, em Luciano não é senão o instrumento que conduz ao justo. “É
necessário” escrever a história “com o verdadeiro”: “eis sua régua e seu �o de pru-
mo para uma história justa”.
História justa... verdadeira – eis a proposta de Luciano. Para elaborar essa crí-
tica, o autor parte do pressuposto de que muitas histórias estão fantasiadas;
não narram o que realmente teria acontecido. Muito disso estava relacionado
ao contexto no qual o historiador estava inserido (funcionário de governo, fun-
cionário direto ou escravo do imperador etc.). Podemos dizer que hoje em dia
também é necessário considerar o lugar do historiador?
Para Luciano, o poder romano era uma constatação evidente e explícita: ninguém
se atreveria a combatê-lo, pois ele já havia submetido e conquistado todos os po-
vos. Com efeito, a época da vida de Luciano, o século II d.C., foi o auge do poderio
imperial romano, o período dos Antoninos, e a di�culdade de se escrever uma his-
tória justa era que a maioria dos historiadores, “negligenciando contar o que ocor-
reu [os eventos], gastam seu tempo no elogio dos chefes e dos generais, elevando
os nossos até as nuvens e depreciando os do inimigo além de toda a medida”.
Tratava-se, portanto, de mais do que um pan�eto literário. Como se deve escrever
a história era, também, um pan�eto anti-romano. E a crítica era feita em um cam-
po que, para a maior parte dos antigos, era naturalmente político, a historiogra�a:
[...] como o judeu Flávio Josefo traduziu a história da guerra judaica em
grego para formar um contraste com o �orescimento da mentirosa his-
toriogra�a �lo-romana, assim – mais ou menos um século mais tarde –
o sírio Luciano reagiu com o opúsculo Como se deve escrever a história
na ocasião da explosão de uma historiogra�a �lo-romana que �oresceu
a partir da euforia provocada pelas vitórias de Lúcio Vero.
Luciano, embora não critique os romanos diretamente nem uma vez, resume seus
preceitos para a história dizendo que é necessário escrever a história “com o ver-
dadeiro […] mais do que com a adulação [kolakeía]”. Portanto, o alvo das críticas de
ambos eram os historiadores aduladores, intelectuais que estavam mais preocu-
pados com os favores dos poderosos do que com a narrativa dos eventos ou com o
rigor histórico, as preocupações de um verdadeiro historiador. Além disso, ao es-
crever em grego, ambos os autores visavam, evidentemente, a um público que fa-
lava grego e, certamente, suas críticas eram dirigidas aos historiadores que escre-
veram histórias romanas em grego. Ora, qual seria a relação possível entre esses
intelectuais gregos e seus senhores romanos senão a adulação e a troca de favo-
res?
Podemos ler, assim, em Luciano, uma forte oposição entre a verdade que a história
deveria possuir e a adulação que, na maior parte dos casos, era o que se lia nas
narrativas dos historiadores. A oposição central do Como se deve escrever a histó-
ria não é, portanto, entre verdade e mentira, como poderíamos pensar inicialmen-
te; é entre verdade e adulação, pois a história era um assunto político que exigia
imparcialidade e justiça.
Verdade x mentira... história x �cção? Será que podemos fazer tal associação?
Se a adulação não é uma escrita justa e verdadeira, ela não pode ser estudada
como um produto de uma situação? Em outras palavras, por que adular? A
quem atingir com o texto? Sabendo que muitos escritores antigos trabalhavam
diretamente ligados a órgãos do governo, como analisar a produção deles? Que
cuidados tomar quando da análise desse tipo de documento?
A única ação possível para Luciano contra o poder invencível de Roma e seus
aduladores era a crítica. Em diversas obras de Luciano os �lósofos cínicos – como
Diógenes, Crates, Menipo e outros – são encarregados dessa crítica que, mesmo
cômica e caricatural, não perde sua mordacidade. Eles são os médicos das paixões
– as doenças da mente humana – e o próprio Luciano, pela boca de Diógenes, nos
diz qual a função do crítico cínico: “Sou um libertador de homens e um médico de
suas paixões; para dizer tudo, quero ser um profeta da verdade e da franqueza.”
Não se pode deixar de observar que quase todas essas virtudes aparecem na de�-
nição do historiador ideal em Como se deve escrever a história:
Assim, pois, para mim, deve ser o historiador: sem medo, incorruptível,
livre [eleútheros], amigo da franqueza [parresías] e da verdade [aléthei-
as]; como diz o poeta cômico, alguém que chame os �gos de �gos e a ga-
mela de gamela; alguém que não admita nem omita nada por ódio ou
por amizade; que a ninguém poupe, nem respeite, nem humilhe; que se-
ja juiz equânime, benevolente com todos até o ponto de não dar a um
mais que o devido; estrangeiro nos livros, sem cidade, independente [au-
tónomos], sem rei, não se preocupando com o que achará este ou aquele,
mas dizendo o que se passou.
Assim, vemos que, para Luciano, o historiador deve ser uma espécie de �lósofo cí-
nico, livre e sem medo de ser sincero. Mais uma vez, é possível ligar essa passa-
gem ao problema da adulação: se o historiador cometesse o erro de bajular os po-
derosos, estaria abdicando de sua liberdade e de sua auto-su�ciência.
Para todos os lados que se olhe, a adulação surge como um pecado a ser evitado.
Como a adulação não devia ter espaço em uma obra de história, Luciano, para cri-
ticar esse vício, escreveu um pan�eto com a forma de uma teoria da história. Em
Como se deve escrever a história, os aspectos teóricos do tratado estão a serviço
da intenção crítica; uma crítica surgida das necessidades políticas do presente. Se
a circunstância da guerra e das histórias adulatórias que ela gerou não ocorresse,
imagino que Luciano não teria escrito um tratado sobre a história.
Segundo Luciano, seus conselhos funcionavam “de uma maneira dupla”; ensina-
vam os historiadores “a escolher isso e evitar aquilo”. Assim, ele começa a parte
teórica de seu tratado catalogando “os vícios que seguem nos calcanhares dos his-
toriadores medíocres” e ensinando, precisamente, como não se deve escrever a
história.
Não à toa, dada a insistência de Luciano contra a adulação, a primeira distinção
feita por ele é entre a história e o panegírico: com efeito, os historiadores “ignoram
que não é um istmo estreito que delimita e separa a história do panegírico [enkó-
mion], mas que há entre os dois uma grande muralha e, como dizem os músicos,
uma distância de duas oitavas”.
A posição de Luciano nessa guerra entre a �loso�a e a sofística é clara: ele se posi-
ciona contra a retórica vazia, simples discursos de aparato, sem conteúdo. Luciano
começou sua carreira como orador e nunca deixou de sê-lo, mas voltou o arsenal
da retórica e da sofística contra os �lósofos, so�stas, historiadores, gramáticos ou
qualquer outro que considerasse hipócrita ou mentiroso.
A retórica, para Luciano, deveria ser uma retórica idealizada que seguisse “as pe-
gadas de Demóstenes, Platão e alguns outros”. Mas a retórica dos antigos não
existia mais; fora substituída por uma retórica das aparências, simples ornamento
sem conteúdo ou utilidade. Restava apenas o “outro caminho”, trilhado por “muita
gente”. Esse era o caminho da retórica “moderna”, o caminho trilhado pelos “se-
gundos” so�stas, biografados por Filóstrato, que visavam apenas a ganhos materi-
ais.
É interessante observar que Luciano propôs uma escrita historiográ�ca que
seguisse as pegadas da Filoso�a. Nesse contexto, a mitologia e a poesia seri-
am vistas como instrumentos utilizados pelos “aduladores”? Escrever com ra-
ciocínio e retórica com conteúdo. É nesse caminho que seguem os historiado-
res contemporâneos?
Juntamente com a retórica sem conteúdo, Luciano renega o prazer dos discursos e
não lhes permite um lugar na história. No entanto, os maus historiadores acha-
vam que era possível distinguir entre o prazeroso e o útil quando se tratava de his-
tória. “Por essa razão”,

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