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Homo Sapiens e Homo Faber: A Evolução da Técnica

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Condição Tecnológica 
 
 Homo sapiens, homo faber 
 Quando nos referimos ao homo sapiens, enfatizamos a característica humana de 
conhecer a realidade, de ter consciência do mundo e de si mesmo. A denominação homo 
faber é usada quando nos referimos à capacidade de fabricar utensílios, com os quais o 
homem se torna capaz de transformar a natureza. 
 Homo sapiens e homo faber são dois aspectos da mesma realidade humana. Pensar e 
agir são inseparáveis, isto é, o homem é um ser técnico porque tem consciência, e tem 
consciência porque é capaz de agir e transformar a realidade. 
 Em decorrência, a maneira como os homens agem para adequar a natureza aos seus 
interesses de sobrevivência influi de modo decisivo na construção das representações 
mentais por meio das quais explicam esta realidade. Da mesma forma, tais construções 
mentais tornam possíveis as alterações necessárias para adaptar as técnicas à solução dos 
problemas que desafiam a inteligência humana. 
 Por exemplo, Gutenberg inventa os tipos móveis no século XVI, a imprensa passa a 
desempenhar papel decisivo na difusão das idéias e na ampliação da consciência crítica, o 
que altera o conhecimento que o homem tem do mundo e de si mesmo. No século XX, o 
aperfeiçoamento técnico do telefone, telégrafo, fotografia, cinema, rádio, televisão, 
computador, comunicação via satélite, web, certamente vem mudando a estrutura do 
pensamento, agora marcada pela cultura da imagem, do som, da rede digital, pela 
“planetarização” da consciência. 
 
 As transformações da técnica 
 Utensílio, máquina e autômato. Grosso modo, eis as três etapas fundamentais do 
desenvolvimento da técnica. 
 No estágio inicial, o utensílio é um prolongamento do corpo humano: o martelo aumenta a 
potência do braço e o arado funciona como a mão escavando o solo. 
 Quando deixa de usar apenas a energia humana, a técnica passa ao estágio das 
máquinas pela utilização da energia mecânica, hidráulica, elétrica ou atômica. Por exemplo, 
o carvão queimando faz mover o tear, o vapor de água faz funcionar a locomotiva, a 
explosão da gasolina viabiliza o automóvel e a eletricidade põe em movimento a batedeira 
de bolo. 
 
 “A máquina é o instrumento que atua por si mesmo e por si mesmo produz o objeto(...) 
No artesanato o utensílio ou ferramenta é somente do homem. Neste, portanto, o homem 
com seus atos “naturais” continua sendo o ator principal. Na máquina, ao contrário, passa o 
instrumento para o primeiro plano e não é ele quem ajuda o homem, mas ao contrário: o 
homem é quem simplesmente ajuda e suplementa a máquina(...) O que um homem com 
suas atividades fixas de animal pode fazer, sabemo-lo de antemão: seu horizonte é limitado. 
Mas o que podem fazer as máquinas que o homem é capaz de inventar é, em princípio, 
ilimitado. (Ortega y Gasset.) 
 
 Em estágio mais avançado, o autômato imita a iniciativa humana, porque não repete 
“mecanicamente” as funções preestabelecidas, uma vez que é capaz de auto-regulação. A 
partir de certos programas, é possível grande flexibilidade nas “tomadas de decisões”, o que 
aproxima as “máquinas pensantes” do trabalho intelectual humano, já que são capazes de 
provocar, regular e controlar os próprios movimentos. O radar corrige a rota do avião de 
acordo com as alterações do percurso, a célula fotoelétrica instalada na porta do elevador 
impede que ela se feche sobre o usuário: em ambos os casos os comandos são alterados 
automaticamente conforme “informações” externas. (Cibernética – do grego kybernetiké, isto 
é, “a arte do piloto” – ciência que estuda as comunicações e o sistema de controle não só 
nos organismos vivos, mas também nas máquinas – Aurelião). 
 
 Técnica e Ciência 
 Um esforço imenso é despendido pelo homem no domínio da natureza. Na medida do 
possível, alguns reservam para si as funções leves e encarregam outros do trabalho mais 
penoso. A predominância de escravos e servos no exercício das atividades manuais sempre 
levou à desvalorização desse tipo de trabalho, enquanto apenas as atividades intelectuais 
eram consideradas verdadeiramente dignas do homem. 
 Os romanos, retomando a tradição da Grécia, chamavam de ócio (otium) não 
propriamente a ausência de ação, mas o ocupar-se com as ciências, as artes, o trato social, 
o governo, o lazer produtivo. Ao ócio opunham o negócio (o nec-otium, ou seja, a negação 
do otium), enquanto atividade que tem por função satisfazer as atividades elementares. 
Evidentemente é o ócio que constitui para eles o ser próprio do homem, e alcançá-lo era 
privilégio reservado a poucos. 
 Tal maneira de pensar supõe a existência da divisão social com a manutenção do 
sistema escravista ou da servidão. Mesmo Aristóteles sabia disso, e diz, em sua Política, 
que haveria escravidão enquanto as lançadeiras não trabalhassem sozinhas. 
 A partir da Idade Média surge uma nova concepção a respeito da importância da técnica. 
Antes desvalorizada, ela torna-se o instrumento adequado para transformar o homem em 
“mestre e senhor da natureza”. 
 Averiguando as circunstâncias sociais e econômicas que possibilitaram uma mudança 
tão decisiva para a história da humanidade, encontramos no surgimento da burguesia os 
elementos que tornaram necessária a nova maneira de pensar e agir. Os burgueses, ligados 
ao artesanato e ao comércio, valorizavam o trabalho e tinham espírito empreendedor. Ora, o 
sucesso e enriquecimento desse novo segmento social passam a exigir cada vez mais o 
concurso da técnica para a ampliação dos negócios: construção de navios mais ágeis, 
utilização da bússola para a orientação nos mares em busca de novos portos, 
aperfeiçoamento dos relógios (tempo é dinheiro). Um bom exemplo do efeito transformador 
da técnica é a pólvora. Conhecida há muito nas civilizações orientais, como a China, onde 
era utilizada na confecção de fogos de artifício, ao ser levada para a Europa, irá 
redimensionar as artes bélicas, ao ser usada em canhões para o ataque aos até então 
quase inacessíveis castelos da nobreza. 
 A valorização da técnica altera a concepção da ciência. Se antes o saber era 
contemplativo, ou seja, voltado para a compreensão desinteressada da realidade, o novo 
homem busca o saber ativo, o conhecimento capaz de atuar sobre o mundo, transformando. 
Essa nova mentalidade permite o advento da ciência moderna. Galileu, ao tornar possível a 
Revolução Científica no século XVII, estabelece a fecunda aliança entre o labor da mente e 
o trabalho das mãos, o que irá marcar a relação entre ciência e técnica: 
• A técnica torna a ciência cada vez mais precisa e objetiva. Por exemplo, o 
termômetro mede a temperatura melhor do que o faz a nossa pele. 
• A ciência é um conhecimento rigoroso capaz de provocar a evolução das técnicas; 
a tecnologia moderna nada mais é do que ciência aplicada. Por exemplo, os estudos de 
termologia dão condições para a construção de termômetros mais precisos. 
 São profundas as alterações provocadas pelo advento da tecnologia em todos os 
setores da vida humana. Podemos dizer que, em nenhum lugar e em tempo algum da 
história da humanidade , ocorreram transformações tão rápidas e tão fundamentais. Por 
maiores que sejam as diferenças entre as culturas do Antigo Oriente do terceiro milênio aC e 
a Europa do século XV, nada se compara à transformação radical no modo de vida que se 
opera do século XVIII ao início do século XXI: em apenas trezentos anos, a ciência e a 
tecnologia alteraram fundamentalmente a maneira de viver e de pensar do homem 
contemporâneo. 
 
 Técnica e Sociedade 
 As transformações das técnicas alteram as relações sociais. Enquanto o mundo agrícola 
e artesanal é marcado pela tradição, e fixa o homem ao campo, o advento das fábricas no 
século XVII estimula o aperfeiçoamento das máquinas e acelera o crescimento das cidades. 
Estabelecem-se novas relações de produção com o aparecimento da classe proletária 
assalariada e dos capitalistas detentores dos meios deprodução. 
 O auge do desenvolvimento do sistema fabril se dá no século XIX, sobretudo na 
Inglaterra. O setor secundário se sobrepõe em importância ao setor primário, definindo mas 
características dos países industriais e, portanto, modernos: urbanização, utilização de 
várias formas de energia, organização hierarquizada da empresa, técnico especializado 
versus operário semiqualificado. 
 A partir de meados do século XX constata-se uma transformação talvez tão radical como 
aquela ocorrida no início da era moderna. Na atual sociedade pós-industrial, a produção de 
bens materiais passa a exigir a ampliação dos serviços (setor terciário). 
 Nessas circunstâncias, a tecnologia que conta é em última análise a informação; basta 
observar como o cotidiano de todos se acha marcado pelo consumo de serviços de saúde, 
educação, recreação, comunicação, publicidade, empresas de comércio e finanças. Isso 
significa que o setor secundário perdeu importância, mas que também ele sofre alterações 
decorrentes da informatização. 
 
 Técnica e Alienação 
 A técnica é um poder cujas conseqüências nem sempre aparecem muito claramente no 
início do processo, por isso convém não desprezar a sabedoria daqueles que desejam 
discutir sobre os fins a que ela se destina. Isso significa que o técnico não pode ser apenas 
técnico, mas deve ser capaz de refletir a respeito dos valores que envolvem a aplicação da 
técnica. Por exemplo, a industrialização não planejada transforma o mito do progresso no 
pesadelo da poluição e do desequilíbrio ecológico. 
 O primeiro sonho do maquinismo foi a libertação das tarefas mais árduas e repetitivas. 
No entanto, o que temos observado é a ampliação do “batalhão de operários” executando 
ordens mecanicamente sem que tenha havido significativa redução do tempo de trabalho ou 
melhoria da qualidade de vida. 
 Já no século das luzes (XVIII), Rousseau contrariava as expectativas otimistas que a 
maioria depositava nas vantagens do desenvolvimento da técnica, denunciando o avanço da 
desigualdade entre os homens. Afinal, o que ainda hoje constatamos, é que os frutos da 
tecnologia não têm sido distribuídos de forma igual entre os homens. 
 Na segunda metade do século XVIII, operários da região de Lancashire, na Inglaterra, 
fizeram diversos movimentos entre os quais era destruído o maquinário das instalações 
fabris. Os “quebradores de máquinas”, na verdade, já percebiam, com aflição, as profundas 
modificações decorrentes da passagem da produção artesanal e doméstica para a fabril. 
 É típico do trabalho artesanal o conhecimento de todas as fases da produção, mas a 
mecanização desenvolveu a tendência à divisão do trabalho. Essa fragmentação culmina no 
século XX com a produção em linha de montagem, quando o operário perde a visão global 
do que está sendo produzido. Com essa nova organização do trabalho, o operário perde o 
saber técnico, cabendo a ele apenas executar o que foi concebido e planejado em outro 
setor, acentuando-se assim a separação entre concepção e execução do trabalho. Em 
decorrência disso surge a figura do técnico especialista, de saber qualificado, como 
engenheiros, administradores, etc. 
 No desenvolvimento do sistema capitalista, o operário confinado à fábrica perde bons 
instrumentos do trabalho, a posse do produto e, em consequência, perde a autonomia. 
Deixa de ser o centro de si mesmo: não escolhe o salário, nem o horário, nem o ritmo do 
trabalho. Com isso se dá uma grande inversão, em que o produto passa a valer mais que o 
próprio operário, uma vez que aquele determina as condições de trabalho deste e até as 
demissões e contratações. Trata-se de uma inversão porque aquilo que é inerte (a 
coisa, o produto) passa a “ter vida” e o que tem vida (o homem) se transforma em “coisa”. 
Assim se configura o que chamamos trabalho alienado. (etimologicamente, a palavra 
alienação vem do latim alienare, que significa ‘que pertence ao outro’. Alienar, portanto, é 
tornar alheio, é transferir para outrem o que é seu.) 
 
 Ora, se admitimos que, pelo trabalho, ao mesmo tempo que o homem faz uma coisa 
também se faz a si mesmo, o trabalho alienado é condição de desumanização, pois os 
trabalhadores perdem o controle do produto e, consequentemente, de si mesmo, tornando-
se incapazes de atuar no mundo de forma crítica. 
 
 A tecnocracia 
 O desenvolvimento acelerado da técnica cria o mito do progresso. Segundo essa crença, 
tudo tende para o aperfeiçoamento, mediante a atualização de potencialidades que se 
encontram em estado latente, embrionário. E, se tudo evolui para melhor, o desenvolvimento 
da ciência e da tecnologia só faria acelerar 
esse processo. 
 A partir de tal concepção, compreende-se como natural a necessidade do aumento 
crescente da produção(ideal de produtividade); para tanto é estimulada a competitividade (a 
fim de que cada empresa seja melhor naquilo que produz), bem como a especialização 
(segundo a qual cada vez mais as grandes decisões são deixadas a cargo de especialistas 
na área). 
 Com o passar do tempo, as formas de controle de produção e divisão do trabalho tornam-
se mais rigorosas, desenvolvendo-se para tantos métodos científicos de "racionalização" do 
trabalho, que têm em vista os objetivos já referidos de produtividade, competitividade e 
especialização. 
 O mundo da produção assim configurado leva fatalmente à tecnocracia, que significa o 
domínio dos técnicos e da técnica. Ou seja, na civilização tecnicista e cientificista, a última 
palavra é sempre dada ao especialista, ao técnico competente. 
 No entanto, vivemos hoje a crise desses valores. O ideal de progresso inexorável é 
desmistificado quando constatamos que o desenvolvimento da ciência e da técnica nem 
sempre vem acompanhado pelo progresso moral. 
 
 Razão louca e razão sábia 
 Os tempos modernos surgiram marcados pelo ideal da racionalidade que culminou no 
Iluminismo do século XVIII. Superando a concepção medieval, centrada na tradição e na 
visão religiosa do mundo, a modernidade se torna laica (não-religiosa) e busca na razão a 
possibilidade da autonomia do homem. O desenvolvimento técnico e científico é a expressão 
do racionalismo dos tempos modernos. 
 Mas, quando nos referimos à racionalidade da sociedade contemporânea, é bom indagar 
a respeito de que razão estamos falando. A razão que serve para o desenvolvimento da 
técnica é a razão instrumental, bem diferente da razão vital, por meio da qual o homem se 
torna capaz de compreender criticamente a situação em que vive. 
 Ora, se nunca o homem teve tanto saber nem tanto poder em suas mãos, também é 
verdade que o acréscimo de saber e de poder não tem sido acompanhado de sabedoria. O 
homem contemporâneo sabe o que fazer e como fazer, mas perdeu de vista o para que 
fazer. 
 O “especialista competente” pode ser o “aprendiz de feiticeiro” que não reflete 
suficientemente bem a respeito dos fins de sua ação. Fazemos essa triste constatação 
quando nos defrontamos com o desequilíbrio entre riqueza e miséria, a violência da guerra 
com seus armamentos sofisticados, os níveis insuportáveis de competição, o consumo 
desenfreado criando necessidades artificiais, as desordens morais da sociedade centrada 
nos valores de posse. 
 Além disso, uma das inúmeras contradições da sociedade pós-industrial é que o homem 
se acha saturado de informações inúmeras e complexas, mas tão rápidas e fragmentadas 
(como um videoclipe!), que nem sempre é capaz de reorganizá-las de forma crítica. A 
grande “maioria silenciosa” é despolitizada e mais preocupada com os problemas de seu 
cotidiano individual, com os problemas práticos de alcance imediato. 
 Presenciamos no século XX e início do atual um período de crise: a razão, que deveria 
servir para vincular o homem ao real a fim de compreendê-lo, para escolher o que é melhor 
para a sua vida, essa razão se acha “enlouquecida”. 
 O trabalho do pensamento, de um humanismoalternativo, consiste em recuperar a razão 
sábia, a razão vital, como instrumento para resgatar o sentido humano do mundo. 
 
Extraído de Temas de Filosofia de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins 
– Editora Moderna

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