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W BA 02 51 _V 2. 0 NEUROCIÊNCIAS E O PROCESSO DE APRENDIZAGEM 2 Isabella Christina Carvalho de Lima Michele Aparecida Cerqueira Rodrigues São Paulo Platos Soluções Educacionais S.A 2022 NEUROCIÊNCIAS E O PROCESSO DE APRENDIZAGEM 1ª edição 3 2022 Platos Soluções Educacionais S.A Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César CEP: 01418-002— São Paulo — SP Homepage: https://www.platosedu.com.br/ Head de Platos Soluções Educacionais S.A Silvia Rodrigues Cima Bizatto Conselho Acadêmico Alessandra Cristina Fahl Camila Braga de Oliveira Higa Camila Turchetti Bacan Gabiatti Giani Vendramel de Oliveira Gislaine Denisale Ferreira Henrique Salustiano Silva Mariana Gerardi Mello Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Tayra Carolina Nascimento Aleixo Coordenador Giani Vendramel de Oliveira Revisor Isabella Christina Carvalho de Lima Michele Aparecida Cerqueira Rodrigues Editorial Beatriz Meloni Montefusco Carolina Yaly Márcia Regina Silva Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)_____________________________________________________________________________ Lima, Isabella Christina Carvalho de Neurociências e o processo de aprendizagem / Isabella Christina Carvalho de Lima, Michele Aparecida Cerqueira Rodrigues. – São Paulo: Platos Soluções Educacionais S.A., 2022. 35 p. ISBN 978-65-5356-183-0 1. Neurociência. 2. Neuroanatomia. 3. Dificuldades de aprendizagem. I. Rodrigues, Michele Aparecida Cerqueira. II. Título. 3. Técnicas de speaking, listening e writing. I. Título. CDD 153 _____________________________________________________________________________ Evelyn Moraes – CRB: 010289/O L732n © 2022 por Platos Soluções Educacionais S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Platos Soluções Educacionais S.A. https://www.platosedu.com.br/ 4 SUMÁRIO Apresentação da disciplina __________________________________ 05 Introdução à neurociência e à neuroanatomia _______________ 06 Neurociências e a contribuição para a educação _____________ 19 Princípios da aprendizagem: principais teorias _______________ 30 Dificuldades de aprendizagem _______________________________ 39 NEUROCIÊNCIAS E O PROCESSO DE APRENDIZAGEM 5 Apresentação da disciplina A neurociência contribui em diversas áreas de estudo, entre elas podemos citar a neuropsicopedagogia, a neuroeducação e a neuropedagogia. E o que elas têm de diferente? A disciplina Neurociências e o processo de aprendizagem tem o intuito de responder a esta e a outras questões acerca do tema. Nessa jornada de conhecimento, você entenderá as principais funções do cérebro que interferem diretamente no processo de aprendizagem. Além disso, verificará como o sistema nervoso central e o sistema nervoso periférico trabalham em conjunto para evitar problemas no aprendizado. Em seguida, você conhecerá um pouco da história relacionada à neurociência, com suas descobertas e contribuições para o desenvolvimento cognitivo e as bases neurológicas da educação. Como ponto de partida, serão apresentados os principais teóricos responsáveis pela perspectiva de aprendizagem cognitiva do desenvolvimento humano. Ademais, você conseguirá ter um panorama de como a memória, a atenção e as emoções são cruciais para o bom desempenho durante a aquisição e a retenção de novas informações. Por fim, analisaremos quais problemas de aprendizagem podem surgir nos estudantes quando ocorre alguma alteração no progresso de evolução do sujeito enquanto ser pensante. Ao longo das aulas, a prática também estará presente nos exemplos mencionados e nas atividades solicitadas. Bons estudos! 6 Introdução à neurociência e à neuroanatomia Autoria: Isabella Christina Carvalho de Lima Leitura crítica: Michele Aparecida Cerqueira Rodrigues Objetivos • Introduzir noções básicas sobre neurociências e neuroanatomia. • Apresentar o sistema nervoso e seus componentes. • Explicar o funcionamento básico dos processos cerebrais. 7 1. Introdução à Neurociência O homem deve saber que de nenhum outro lugar, mas apenas do encéfalo, vem a alegria, o prazer, o riso e a diversão, o pesar e o luto, o desalento e a lamentação. E por meio dele, de uma maneira especial, nós adquirimos sabedoria e conhecimento, enxergamos e ouvimos, sabemos o que é justo e injusto, o que é bom e o que é ruim, o que é doce e o que é insípido... E pelo mesmo órgão nos tornamos loucos e delirantes, e medos e terrores nos assombram...Todas essas coisas nós temos de suportar quando o encéfalo não está sadio...Nesse sentido, opino que é o encéfalo quem exerce o maior poder no homem. – Hipócrates, Da Doença Sagrada (Século IV a.C.) (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2017, p. 4) O estudo do sistema nervoso é algo tão antigo quanto a ciência em si. Arqueólogos, em seus estudos sobre as civilizações antigas, descobriram registros de estudos sobre o cérebro desde a civilização egípcia até a civilização greco-romana. Hoje, com a tecnologia a nosso favor, esses estudos avançaram em uma velocidade impressionante. Graças a microscópios cada vez mais potentes e ecografias cada vez mais detalhadas, podemos chegar a observar os processos mais básicos de atividade neuronal e aprender mais sobre como e por que nosso corpo funciona. Nesse contexto, vamos estudar aqui um pouco sobre os conceitos básicos de neurociências e neuroanatomia. A curiosidade sobre o mundo a nossa volta, como e por que as coisas funcionam, de que maneira as civilizações viviam no passado ou viverão no futuro, é algo inato do ser humano. Neil de Grasse Tyson afirma em seu discurso para o Space Technology Hall of Fame Award Dinner (Jantar de Premiação do Hall da Fama da Tecnologia Espacial, em tradução livre) que a criança nasce cientista – “Um cientista adulto é uma criança que não cresceu” (GOALCAST, 2018). 8 O estudo do sistema nervoso e de seus componentes é tão antigo quanto a própria ciência. A Neurociência, também chamada de ciência neural, é a ciência que estuda o sistema nervoso, seus componentes e suas funções. Tem por objetivo desvendar e compreender o funcionamento das células nervosas e suas conexões. Alguns estudiosos usam o termo no plural – “neurociências” – por se tratar de um campo muito amplo de conhecimento. Alguns dos seus diversos campos de estudo são: • Neurociência cognitiva: estuda pensamentos, aprendizado e memória. Ex.: como aprendemos, como e por que esquecemos e como “selecionamos” o que lembrar. • Neurociência comportamental: estuda como nossos pensamentos, nossas cognições, nossas emoções e nossos comportamentos se influenciam mutuamente. • Neuroanatomia: estuda a parte anatômica propriamente dita, os componentes físicos do sistema nervoso e suas funções. • Neurofisiologia: estuda o funcionamento do sistema nervoso. Ex.: como os impulsos nervosos são formados e propagados. Há ainda campos como neurociência afetiva, neuropsicologia, neurobiologia etc. Neste Tema, vamos focar nossos estudos nos campos da neuroanatomia e da neurofisiologia. 2. Neuroanatomia Quando você pensa em neuroanatomia, o que vem primeiro à mente? A maioria de nós pensa no cérebro. De fato ele é fascinante e podemos dizer que é o “astro rei” do sistema nervoso, mas não é o único. Além 9 do cérebro, o sistema nervoso é formado pelo encéfalo, pela medula espinhal e pelos feixes de fibras nervosas (os nervos), que levam as informações de todo o corpo para o cérebro e vice-versa. O sistema nervoso é como um grande centro de controle, onde as informações são recebidas, captadas, analisadas, processadas e respondidas. Assemelha-se a uma grande rede de comandos. Anatomicamente, é dividido em SistemaNervoso Central (SNC, em vermelho na Figura 1), formado pelo encéfalo (que é composto pelo cérebro, pelo cerebelo e pelo tronco encefálico) e pela medula espinhal, e em Sistema Nervoso Periférico (SNP, em azul na Figura 1), formado pelos nervos e pelos gânglios nervosos. Figura 1 – Representação da localização do sistema nervoso central e do periférico no corpo humano Fonte: adaptada de VectorMine/iStock.com. 10 2.1. Sistema Nervoso Central (SNC) Que tal você prestar atenção em tudo que seu encéfalo está fazendo neste momento? Já pensou sobre isso? Nosso encéfalo é mesmo maravilhoso e neste momento está atuando em comandos múltiplos. Ao mesmo tempo que os feixes de luz são enviados aos seus olhos, sendo traduzidos e interpretados como as palavras deste texto, seu encéfalo está mantendo sua atenção focada, seu sistema límbico disparando, talvez, emoções de curiosidade, guardando informações para que você de fato memorize, além de estar atento às sensações externas, como frio, calor, barulhos e possíveis ameaças. Tudo isso e mais! Ele simultaneamente controla as atividades autônomas do nosso corpo, como os batimentos cardíacos, a respiração, a deglutição de saliva e as sensações, como fome e sede. Nos mamíferos, o encéfalo e a medula espinhal estão protegidos pelo sistema esquelético. O encéfalo está contido na caixa craniana e a medula está contida na coluna vertebral. Eles são protegidos por três membranas, chamadas de meninges (“cobertura”, em grego), são elas: • Dura-máter (“mãe dura”, do latim): possui uma consistência semelhante a um couro fino. • Aracnoide (“aranha”, do latim): possui aparência e consistência de teia de aranha. • Pia-máter (“mãe piedosa”, do latim): membrana fina que adere à superfície do encéfalo). Também são protegidos pelo líquido cérebro-espinhal (também chamado de líquor), que se localiza entre a aracnoide e a pia-máter. Essa proteção é essencial para a nossa sobrevivência, visto que qualquer lesão nesse sistema pode nos causar risco à vida. 11 Figura 2 – Organização das meninges na caixa craniana Fonte: adaptada de VectorMine/iStock.com. 2.1.1 Cérebro Vamos agora nos aprofundar um pouco mais no estudo do cérebro. O nosso cérebro constitui a maior porção do encéfalo (cerca de 80%) e é dividido em dois hemisférios, separados pela fissura sagital. O lado direito recebe as sensações e controla os movimentos do lado esquerdo do corpo, enquanto o lado esquerdo controla o lado direito do corpo. Ele pode ser dividido em quatro lobos, que recebem os mesmos nomes dos ossos do crânio a que estão subjacentes: Frontal, Parietal, Occipital e Temporal. 12 Figura 3 – Divisão do cérebro humano em lobos Fonte: adaptada de blueringmedia/iStok.com. Cada lobo possui regiões que acumulam funções de controle de determinadas áreas do corpo. • Lobo Frontal: responsável pelos movimentos voluntários do corpo, pela elaboração de pensamento, pela linguagem, pela resolução de problemas, pela tomada de decisões e pelo controle comportamental e emocional. • Lobo Parietal: responsável pela percepção sensorial (dor, temperatura, pressão e sensações tácteis), pela lógica matemática e pela percepção espacial. • Lobo Occipital: responsável pelo processamento de informações visuais. 13 • Lobo Temporal: responsável pela percepção auditiva, pela codificação de memórias, pelo processamento dos afetos, pela linguagem e pela percepção visual. 2.1.2 Cerebelo O cerebelo está situado posteriormente ao cérebro e, apesar do tamanho pequeno, contém tantos neurônios quanto o cérebro. Sua principal função é de controle de movimento e tudo que isso envolve, como a manutenção do equilíbrio e da postura, o controle do tônus muscular e a aprendizagem motora. 2.1.3 Tronco Encefálico Bear, Connors e Paradiso (2017, p. 183) definem o tronco encefálico como: O tronco encefálico se situa abaixo do cérebro e é um conjunto complexo de fibras e de neurônios que serve, em parte, para retransmitir informação do cérebro a medula espinhal e ao cerebelo, e vice-versa. No entanto, ele também é uma região que regula funções vitais, como a respiração, a consciência e o controle da temperatura corporal. 2.1.4 Medula espinhal A medula espinhal está ligada ao tronco encefálico e, como dito anteriormente, encontra-se dentro da coluna vertebral. Sua principal função é transmitir a informação que vem da pele, das articulações e dos músculos ao cérebro, assim como transmitir do cérebro para o corpo a resposta a esses estímulos. Essa troca de informações acontece através dos nervos espinhais, que saem da medula pelos espaços entre cada vértebra (chamados 14 de espaços intercostais) da coluna vertebral. Cada um desses nervos possui duas ligações com a medula, chamados de raiz dorsal (que traz a informação do corpo para a medula) e raiz ventral (que leva a resposta do sistema nervoso para o corpo). A medula espinhal tem um importante papel no que chamamos de atos reflexivos, que são os atos que fazemos sem pensar, como retirar o pé quando sentimos que pisamos em algo pontiagudo, ou cuspir uma comida muito quente antes que ela queime os tecidos de nossa boca. Figura 4 – Representação da medula espinhal e sua organização na coluna vertebral Fonte: adaptada de VectorMine/istock.com. 15 2.2 Sistema Nervoso Periférico (SNP) O sistema nervoso periférico é composto pelos nervos e gânglios nervosos que formam uma grande rede neuronal responsável pelo trânsito das informações entre todas as estruturas de nosso corpo e o SNC. Os nervos são compostos por feixes de fibras nervosas, envoltos por tecido conjuntivo, e podem ser de dois tipos: cranianos, que se originam do tronco encefálico e inervam a cabeça, e espinhais, que se originam da medula e inervam o corpo. O SNP pode ser dividido em: Sistema Nervoso Somático, que controla todas as ações voluntárias de nosso corpo, e Sistema Nervoso Visceral (ou Autônomo), que controla as ações involuntárias do corpo, como batimentos cardíacos, respiração e digestão. 3. Do que é feito o sistema nervoso? O tecido nervoso de todas essas estruturas de que falamos até aqui é composto por neurônios, células da glia e neurotransmissores. 3.1 Neurônios Os neurônios são células especializadas do sistema nervoso, cuja função é propagar os impulsos nervosos. Operam em grandes conjuntos chamados de circuitos ou redes neurais. São compostos pelo corpo celular (ou soma), pelo axônio e pelos dendritos. • Soma ou corpo celular: possui as organelas básicas da célula (núcleo, mitocôndrias, retículo endoplasmático etc.). • Axônio: prolongamento único, mais longo do que os dendritos, que emerge da soma e leva o impulso nervoso para outras células. 16 É encoberto pela bainha de mielina, com alguns espaços livres, chamados de nódulos de Ranvier. • Dendritos: prolongamentos múltiplos que recebem o impulso nervoso vindo de outro neurônio. A região de contato entre um axônio de um neurônio (chamado de neurônio pré-sináptico) e os dendritos do outro (chamado de neurônio pós-sináptico) é denominada sinapse. É uma região fundamental para o processo de transmissão de informações para o sistema nervoso. Figura 5 – Estrutura do neurônio Fonte: adaptada de wetcake/iStock.com. 17 3.2 Células da Glia Glia é a palavra grega para “cola”. As células da glia eram vistas como a “cola dos neurônios” pelos primeiros neurocientistas. Acreditava-se que elas serviam só para agregar e sustentar os neurônios. Hoje sabe-se que elas fazem muito mais do que isso. Além de agregar e sustentar os neurônios, elas também podem participar da regulação de íons e nutrientes e atuar como mensageiros químicos nas proximidades do neurônio, pois seus prolongamentos podem formar uma “ponte metabólica” entre capilares sanguíneos, células nervosas e outras células da glia. Podem também se enrolar em volta dos neurônios e formar a bainha de mielina e ainda desempenhar a função de proteção contra agentes agressorese regeneração de fibras nervosas. 3.3. Neurotransmissores Neurotransmissores são sinais químicos liberados pelos terminais nervosos pré-sinápticos (pelo axônio do neurônio) na fenda sináptica (espaço entre o axônio de um neurônio e os dendritos do outro). Sua ligação subsequente a receptores específicos nos neurônios pós- sinápticos muda transitoriamente as propriedades elétricas dessa célula, facilitando a passagem do impulso nervoso. Referências BEAR, Mark; CONNORS, Barry; PARADISO, Michael. Neurociências: Desvendando o Sistema Nervoso. 4. ed. Porto Alegra: Artmed, 2017. 974 p. COSENZA, Ramon. Fundamentos de Neuroanatomia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2012. 156 p. GOALCAST. How to Raise Smarter Children. YouTube, 12 mar. 2018. Disponível em: https://youtu.be/tbX6aMfPtEw. Acesso em: 25 fev. 2022. 18 LENT, Roberto. Cem bilhões de Neurônios. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2003. MACHADO, Angelo; HAERTEL, Lucia. Neuroanatomia Funcional. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 2014. 344 p. 19 Neurociências e a contribuição para a educação Autoria: Isabella Christina Carvalho de Lima Leitura crítica: Michele Aparecida Cerqueira Rodrigues Objetivos • Discutir sobre as contribuições da neurociência para a educação. • Introduzir noções sobre as bases neurológicas da aprendizagem. • Apresentar o conceito de plasticidade cerebral. 20 1. Introdução O estudo do sistema nervoso (SN) se desenvolveu muito nos últimos anos. Graças à tecnologia, pudemos estudar mais a fundo como ele se forma e funciona e utilizar esse conhecimento para melhorar diversos aspectos de nossas vidas. Um desses aspectos, de que vamos tratar neste Tema, é a educação. A união da pedagogia, da neurociência e da psicologia forma o campo da neuroeducação. [...] alguns dos princípios que norteiam a Neuroeducação são: os alunos consolidam melhor a sua aprendizagem quando são motivados para isso; o tom de voz de outros indivíduos é rapidamente julgado pelo cérebro como ameaçador, assim como este órgão julga de forma instantânea as expressões faciais como boas ou más; a ansiedade, a depressão, o estresse podem prejudicar o aprendizado; o movimento pode potencializar a assimilação dos conteúdos ministrados e os aspectos nutricionais interferem na assimilação do conhecimento. Além disso, afirma que os indivíduos apresentam diferentes estilos de aprendizado (preferências cognitivas), devido a estrutura única de cada um. Similarmente, a diferenciação nas práticas de sala de aula é resultantante das diferentes inteligências dos alunos; o sono é muito importante para a memorização; o feedback é um recurso muito valioso no processo de ensino-aprendizagem e, as emoções possuem um papel-chave na aprendizagem e memorização de informações. (PÓVOA, 2015 apud SANTOS et. al, 2020, p. 2) 2. Desenvolvimento do Sistema Nervoso O sistema nervoso se organiza de forma parecida, mas é único em cada indivíduo. O que o faz ser assim é a maneira como os neurônios se interligam em cada pessoa. Além de fatores genéticos, fatores ambientais também interferem em sua composição e em seu desenvolvimento. 21 O início de seu desenvolvimento se dá já nas primeiras semanas de vida embrionária. A princípio, ele consiste em um tubo minúsculo composto por células-tronco que vão dar origem aos neurônios e às células da glia. Em poucas semanas esse tubo se desenvolve e suas células se multiplicam e possibilitam a formação de bilhões de neurônios, que se deslocam para formar o sistema nervoso central (SNC) e o sistema nervoso periférico (SNP). Depois que essa organização é concluída, dá-se início à formação de conexões entre neurônios (o crescimento dos axônios e dendritos) e a sinaptogênese (a formação de sinapses), que vão ser a base para a execução de diversas tarefas (desde as mais simples, como sucção e deglutição, até as mais complexas, como andar e falar) no futuro. Guerra (2011) ressalta a importância dos cuidados pré-natais para o desenvolvimento saudável do feto. Uma alimentação inadequada, consumo de drogas lícitas ou ilícitas, infecções ou síndromes genéticas podem alterar o desenvolvimento do feto, causar prejuízos sérios ao sistema nervoso e acarretar dificuldades para toda a vida desse indivíduo. É importante lembrar que o desenvolvimento do sistema nervoso não cessa no útero. O cérebro dos bebês humanos ainda é muito imaturo em comparação com o de outros animais. Um bebê girafa, por exemplo, já nasce com a capacidade de ficar em pé, enquanto nos humanos essa capacidade se desenvolve aos poucos e costuma acontecer entre 9 e 15 meses de vida. Bebês humanos nascem com o cérebro pesando em torno de 400 g e, ao final do primeiro ano de vida, esse peso vai ter dobrado de valor. Isso acontece graças aos estímulos recebidos pelo bebê nessa primeira fase. Luzes, vozes, toques e cheiros são novidades que o bebê vai absorvendo aos poucos e formando novas sinapses que contribuem para o crescimento e o desenvolvimento de seu cérebro e o permitirão 22 a aprender atividades mais complexas à medida que mais experiências forem adquiridas. Vamos tomar como exemplo o desenvolvimento do sistema visual. Desde que nasce, a criança já tem os componentes necessários para enxergar, mas a princípio só enxerga luz/sombra e formatos “borrados”. À medida que vai crescendo, interagindo e sendo estimulada por brinquedos coloridos, por exemplo, novas sinapses vão se formando e permitindo que ela enxergue formas e cores mais definidas. Dessa forma, é possível concluir que nós “aprendemos” a enxergar. 3. Plasticidade Cerebral Guerra (2011) explica a neuroplasticidade como a propriedade de “fazer e desfazer” conexões entre neurônios. Ela possibilita a reorganização da estrutura do SN e do cérebro e constitui a base biológica da aprendizagem e do esquecimento. De fato, o sistema nervoso é um sistema muito adaptável. Nos primeiros anos de vida, suas capacidades de adaptação são muito extensas, mas, ao contrário do que se pensava, existem regiões do cérebro que mantêm a capacidade de produzir células a vida inteira, ainda que de forma muito limitada. Quanto mais jovem o cérebro, melhor é sua adaptação. Em crianças e adolescentes que sofreram alguma lesão, é possível que a formação de novas sinapses assuma as funções da área lesionada sem deixar sequelas. Em adultos, por outro lado, o processo é mais difícil, e muitas vezes as sequelas são inevitáveis, porém, com o tratamento adequado, pode ser possível uma melhora. Esse “fazer e desfazer” de ligações não é útil só em casos de lesões. Todas as atividades que fazemos geram novas ligações (sinapses) e 23 algumas destas necessitam evocar conhecimentos mais básicos para que conhecimentos avançados se desenvolvam. Então, as sinapses aproveitam essa base para fazer ligações mais complexas, mas, se essas ligações não são utilizadas com frequência, ou seja, se não treinamos uma determinada habilidade, elas podem se desfazer. Quem assistiu ao filme Divertidamente (produzido pela Disney/Pixar em 2015) deve se lembrar de uma cena em que dois “funcionários” estão limpando as memórias de Riley, classificando-as em necessárias ou desnecessárias. Algumas das memórias não usadas chegavam a desbotar. Uma das fileiras era de aulas de piano que ela teve por 4 anos quando pequena e depois não treinou mais. A decisão dos funcionários? “Na boa? Salva os ‘parabéns’ e manda pro lixo todo o resto!”. De uma forma bem simplista, é isso que acontece com os conhecimentos não usados. São esquecidos para dar lugar àqueles que são considerados mais úteis. Já os mais úteis são evocados constantemente para se aprimorarem e formarem novas ligações que nos permitem evoluir para aprendizados cada vez mais complexos. 4. Aprendizagem A aprendizagem é definida como o processo de aquisição de conhecimento, habilidades, comportamentos ou valores e acontece quando entramos em contato com um novo elemento em nosso ambiente. Nosso cérebro precisa encontraruma resposta para esse novo estímulo, que pode acontecer através de estudo, experiência ou observação. Essa capacidade de analisar situações e aprender novas habilidades é o que nos faz mais adaptados ao ambiente em que vivemos. A educação tem por finalidade o desenvolvimento de novos conhecimentos ou comportamentos, sendo mediada por um processo que 24 envolve a aprendizagem. Comumente, diz-se que alguém aprende quando adquire competência para resolver problemas e realizar tarefas, utilizando- se de atitudes, habilidades e conhecimentos que foram adquiridos ao longo de um processo de ensino-aprendizagem. Ou seja, aprendemos quando somos capazes de exibir, de expressar novos comportamentos que nos permitem transformar nossa prática e o mundo em que vivemos, realizando-nos como pessoas vivendo em sociedade. (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 141) Vamos tomar como exemplo um bebê brincando com um cubo em que tenha que encaixar peças de diferentes formatos. Dependendo da idade, ele primeiro colocará o objeto em sua boca. Depois de constatar que aquilo não é de comer, poderá experimentar jogar esse objeto ou colocá-lo em algum móvel. A pessoa que estiver com ele pode nesse momento colocar o cubo em sua frente e encaixar uma peça, demonstrando para que serve aquele objeto. Assim, através de experimentação e observação, esse bebê acabou de aprender uma nova habilidade. Figura 1 – Bebê brincando com um cubo de encaixe Fonte: monkeybusinessimages/iStock.com. 25 Como dito anteriormente, a fase da primeira infância é importantíssima para o desenvolvimento cognitivo. Nessa etapa, as redes neurais estão mais suscetíveis a mudanças e o aprendizado acontece de maneira mais fácil. A falta de estímulos pode prejudicar esse desenvolvimento, fazendo com que a criança tenha mais dificuldade para aprender certas habilidades, pois seu cérebro não vai ter tantas conexões desenvolvidas como o de uma criança da mesma idade que foi estimulada corretamente. Um sono tranquilo, exercícios físicos, alimentação adequada, um ambiente familiar saudável e uma boa escola são fatores que auxiliam na capacidade de aprendizagem e de memorização de conteúdos. É importante citar que fatores socioeconômicos também têm um papel importante. Uma escola em local seguro, material escolar adequado, uma sala de aula com os equipamentos básicos necessários (carteiras, quadro, ventilação e iluminação apropriadas), acesso a livros e revistas para pesquisas e incentivo de pais e professores podem facilitar e estimular o aluno ao aprendizado. 5. Neurociência e Educação Dito isso, como a neurociência e a educação se relacionam? Como vimos na introdução, a neurociência, junto com a pedagogia e a psicologia, tem a intenção de estudar como o aluno aprende e, assim, facilitar o processo. Ela não vem apresentar métodos milagrosos nem uma nova pedagogia; simplesmente pretende dar aos professores mais ferramentas para lidar com a diversidade de alunos em sala de aula (lembre-se de que falamos que cada cérebro, e logo cada aluno, é único), sejam eles neurotípicos ou neuroatípicos. Estudar os mecanismos da atenção, motivação e memória de curto e longo prazos para a aprendizagem pode ajudar o professor a fazer uma 26 aula mais interessante e significativa para a realidade daquela criança ou jovem, já que temos a tendência de aprender aquilo que é útil para nossa sobrevivência ou o que nos dá prazer. Assim, se o aluno considerar que a nota é o importante, ele estudará para a prova com o objetivo de tirar uma nota boa, e não de realmente aprender aquilo que estudou, visto que o conteúdo estudado precisa fazer sentido na realidade daquela criança ou adolescente. Quantos de nós já não ouvimos um aluno falar: “Mas pra que que eu tenho que aprender isso? Onde eu vou usar isso na minha vida?”. Essa é uma discussão válida. Apesar de sabermos que alguns conteúdos podem não ser usados nunca mais na vida daquela pessoa, precisamos seguir a orientação do MEC e ensiná-los mesmo assim. Então como fazer isso de forma prazerosa para o aluno? O uso de elementos lúdicos, experimentos e atividades grupais pode ajudar nessa difícil tarefa. Arte e esporte também são grandes aliados. Peças de teatro, músicas, desenho e massinha, por exemplo, podem ajudar a despertar o interesse do aluno por um assunto que antes ele achava chato. Figura 2 – Exemplo de aprendizado lúdico Fonte: SDI Productions/iStock.com. 27 Estudos recentes também frisam a importância do afeto para o aprendizado. Um aluno que gosta de determinado professor ou matéria tem mais probabilidade de aprendê-la com facilidade. Esses estudos estão de acordo com a teoria de Henry Wallon, psicólogo francês que considerava que o desenvolvimento da criança só era possível quando se integravam três aspectos: motor, afetivo e cognitivo. Corpo e mente dependem da afetividade para se desenvolver, já que, desde que nascemos, somos seres totalmente dependentes de outros e continuamos sendo por muitos anos. Dessa forma, é importante para o educador levar em consideração todos esses aspectos quando for montar sua aula. A seguir apresentamos um quadro com alguns princípios da neurociência e sua aplicação em sala de aula. Quadro 1 – Princípios da Neurociência com potencial aplicação em sala de aula Princípios da Neurociência Aplicação em sala de aula 1. Aprendizagem, memória e emoções ficam interligadas quando ativadas pelo processo de aprendizagem. Aprendizagem como atividade social: alunos precisam de oportunidades para discutir tópicos. Ambiente tran- quilo encoraja o estudante a expor seus sentimentos e suas ideias. 2. O cérebro se modifica aos poucos, fisio- lógica e estruturalmente, como resultado da experiência. Aulas práticas/exercícios físicos com envolvimento ativo dos participantes possibilitam associações entre expe- riências prévias e entendimento atual. 3. O cérebro mostra períodos ótimos (sensí- veis) para certos tipos de aprendizagem, que não se esgotam mesmo na idade adulta. Ajuste de expectativas e padrões de desempenho às características etá- rias específicas dos alunos; uso de unidades temáticas integradoras. 28 4. O cérebro mostra plasticidade neuronal (sinaptogênese), mas uma maior densidade sináptica não prevê maior capacidade gene- ralizada de aprender. Estudantes precisam sentir-se “de- tentores” das atividades e dos temas que são relevantes para suas vidas. Atividades pré-selecionadas com pos- sibilidades de escolha das tarefas au- mentam a responsabilidade do aluno no aprendizado. 5. Inúmeras áreas do córtex cerebral são simultaneamente ativadas no transcurso de novas experiências de aprendizagem. Situações que reflitam o contexto da vida real, de modo que a situação nova se ancore na compreensão an- terior. 6. O cérebro foi evolutivamente concebido para perceber e gerar padrões quando testa hipóteses. Promover situações em que se acei- tem tentativas e aproximações ao ge- rar hipóteses e apresentar evidências. Uso de resolução de casos e simula- ções. 7. O cérebro responde, devido à herança pri- mitiva, a gravuras, imagens e símbolos. Propiciar ocasiões para alunos ex- pressarem conhecimento através de artes visuais, música e dramatiza- ções. Fonte: Bartoszeck (2015 apud GONÇALVES et al., 2020, p. 257). Para concluirmos, é importante notar a importância da interdisciplinaridade na educação. Só neste pequeno texto, pudemos ver como a neurociência, a psicologia, a arte e o esporte podem ser aliados da educação nessa tarefa de despertar o interesse do aluno pelo aprendizado. Referências COSENZA, Ramon M.; GUERRA, Leonor B. Neurociência e educação: Como o cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011. GONÇALVES, Jonas Loiola et al. A neurociência e sua contribuição para a aprendizagem. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 6., 2020, Campina Grande-PB. Anais... Campina Grande: Conedu, 2020. v. 2. p. 255-269. 29 GUERRA, Leonor Bezerra. O diálogo entre a neurociênciae a educação: da euforia aos desafios e possibilidades. Revista Interlocução, [s.l.], v. 4, n. 4, p. 3-12, 2011. SANTOS, Francilene de Melo et al. A neurociências e suas contribuições para a educação: as emoções e sua importância no processo de ensino-aprendizagem. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 7., 2020, Campina Grande-PB. Anais... Campina Grande: Conedu, 2020. 30 Princípios da aprendizagem: principais teorias Autoria: Michele Aparecida Cerqueira Rodrigues Leitura crítica: Isabella Christina Carvalho de Lima Objetivos • Apresentar os principais estudos de Pavlov, Watson, Skinner e Bandura sobre aprendizagem. • Conhecer os tipos de memória e a importância da aquisição delas para a aprendizagem. • Entender como as emoções influenciam no processo de aprendizagem. 31 1. Teorias da aprendizagem Sabia que a maneira como você se comporta diante de uma informação pode influenciar em sua aprendizagem? Isso mesmo! A aprendizagem depende do comportamento e vice-versa, e por isso é importante entender como o processo funciona. Dessa forma, é possível adequar as metodologias e delimitar as expectativas de aprendizagem de acordo com o perfil do aluno. Na perspectiva da Educação Inclusiva, o professor precisa entender cada aluno como ser único e, assim, adequar as práticas pedagógicas para que todos tenham uma aprendizagem significativa. Nesse contexto, trazemos as principais teorias relacionadas à aprendizagem. 1.1 Teoria do Condicionamento Clássico (Pavlov) Para o fisiologista russo Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936), a aprendizagem ocorre somente devido aos estímulos ambientais. Para ele, a emoção ou a motivação presente na perspectiva cognitiva de Piaget e Wallon não influencia o processo. É como se a aprendizagem fosse um processo de “adestramento”, em que o indivíduo se desenvolve a partir de comandos, ao que damos o nome de condicionamento clássico. 32 Figura 1 – Condicionamento Clássico Fonte: Yerkes e Morgulis (1909, p. 4). A Figura 1 pode parecer estranha, mas esse é o contexto da experiência de um dos discípulos de Pavlov, Nicolai, em 1907. O condicionamento clássico acontece da seguinte maneira (COLIN et al., 2016, p. 60): 1. Estímulo incondicionado (comida). 2. Reflexo incondicionado (salivação). 3. Estímulo neutro (toque do sino). 4. Reflexo condicionado (aprendizagem). 5. Estímulo condicionado (toque do sino). 6. Reflexo incondicionado (salivação). Basicamente, quando um estímulo é apresentado, o cachorro reage a ele. O estímulo, então, é trocado e o cachorro continua reagindo da mesma maneira anterior. Seria como se ele entendesse que a comida irá aparecer quando o sino tocar. Porém, mesmo que a comida não seja mais entregue, ele conecta o toque do sino à comida e, por consequência, saliva. 33 1.2 Teoria Comportamental (Watson) John Broadus Watson (1878-1958) foi um psicólogo e professor behaviorista que realizou suas pesquisas com base em Pavlov. Ele transportou os estudos feitos anteriormente para crianças, e o foco passou a ser a observação do comportamento como base na aprendizagem. Para isso, utilizou-se do Estímulo-Resposta dando a ideia de que os bebês seriam capazes de aprender qualquer coisa apresentada pelos adultos, ou seja, eles poderiam ser moldados (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Além disso, as emoções básicas como raiva, medo e amor podem ser aprendidas e atreladas a objetos por meio do estímulo-resposta. Assim, os bebês dariam respostas emocionais condicionadas à apresentação de objetos específicos. Sendo assim, qualquer pessoa pode ser treinada para fazer qualquer coisa (COLIN et al., 2016). 1.3 Teoria do Estímulo-Resposta (Skinner) Toda ação tem uma reação, e é exatamente isso que Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) propõe. Para ele, o comportamento mudará de acordo com os estímulos que o meio envia, e a resposta pode ter uma consequência boa (reforço) ou má (punição). Quando o reforço é positivo, o sujeito então tende a fazer a ação novamente. Skinner fez seus experimentos em ratinhos de laboratório, que recebiam reforços tanto positivos quanto negativos. Esses últimos, por exemplo, eram feitos através de pequenos choques elétricos que adestravam as ações do rato, que eram inibidas. No contrário, quando havia reforços positivos, o processo era inverso e o comportamento tendia a se repetir. Assim, o processo de ação-estímulo-reação é cíclico: 34 Figura 2 – Ação, reforço positivo e reação Fonte: adaptada de Colin et al. (2016, p. 81). 1.4 Teoria da Aprendizagem Social (Bandura) Albert Bandura (1925-2021) foi um psicólogo canadense que entendia o desenvolvimento como um acontecimento bidirecional no qual o meio tem influência sobre o indivíduo e este, por sua vez, no meio. A esse processo deu-se o nome de determinismo recíproco. Bandura afirma que as pessoas aprendem por meio da observação do outro, e não por reforços. Dessa forma, reproduzem o comportamento alheio mentalmente e, depois, o próprio comportamento é moldado. Para isso, são necessárias quatro condições: atenção, retenção, reprodução e motivação. 35 2. Teorias cognitivas e o processo de memorização e aprendizagem Algumas das teorias apresentadas podem parecer um tanto quanto ultrapassadas se o ponto de partida for o aluno como centro do processo. Atualmente, quando se fala de aprendizagem, são consideradas todas as dimensões de desenvolvimento do sujeito, e não somente a comportamental. Então, vamos partir para a influência da cognição! 2.1 Epistemologia genética (Piaget) Jean Piaget (1896-1980) foi um psicólogo suíço pesquisador dos processos cognitivos. Para ele, “o saber é um sistema de transformações que se tornam progressivamente adaptados.” (COLIN et al., 2016, p. 266). Além dos Estágios do Desenvolvimento, Piaget estudou com afinco a inteligência nas crianças. Nesse caso, a inteligência para ele se refere ao processo cognitivo presente na aprendizagem, e não o quociente de inteligência (QI). Nesse sentido, os professores possuem um papel de mentor e devem incentivar as formas de aprender naturais das crianças (COLIN et al., 2016). Figura 3 – Ação, reforço positivo e reação Fonte: elaborada pela autora. 36 2.2 Teoria sociocultural (Vygotsky) Lev Semionovitch Vygotsky (1896-1934) propôs a psicologia com viés sociocultural. Ele entende que a criança absorve os conhecimentos de gerações anteriores acumulados ao longo do tempo. Porém, para que os conteúdos sejam assimilados ela precisa interagir socialmente (COLIN et al., 2016). Desenvolvimento cognitivo + Desenvolvimento Cultural = Teoria sociocultural Na Teoria Sociocultural, as funções psicológicas se baseiam nas biológicas, nas relações sociais e nos contextos históricos. Durante a aprendizagem, deve-se focar no processo, e não na retenção de conhecimento final. Diferentemente do behaviorismo, a relação com o objeto é sempre mediada e nunca direta. Assim, durante o recebimento da informação, o sujeito tem a possibilidade de resolver o problema sozinho (zona de desenvolvimento real) ou precisa somente de ajuda (zona de desenvolvimento potencial). O distanciamento entre as duas é chamado de zona de desenvolvimento proximal. Figura 4 – Zona de Desenvolvimento Proximal Fonte: elaborada pela autora. 37 2.3 A memória, as emoções e a aprendizagem Piaget estudou a cognição apresentando como as informações são assimiladas e guardadas na memória. Além disso, ele afirma que para haver aprendizagem é necessária a motivação, a qual, segundo Prates e Joly, pode estar dividida em desmotivação, motivação extrínseca e motivação intrínseca (RODRIGUES, 2021). [...] é sempre a afetividade que constitui a mola das ações das quais resulta, a cada nova etapa, esta ascensão progressiva, pois é a afetividade que atribui valor às atividades e lhes regula a energia. [...] a afetividade não é nada sem a inteligência, que lhe fornece meios e esclarece fins. (PIAGET, 1989, p. 69-70) Na motivação extrínseca, os reforços são provenientesdo meio de regulação: “externa (reforços positivos ou negativos), [...] introjetada (necessita de aprovação), [...] identificada (relevância pessoal na atividade) e [...] integrada (obedece ao que é pedido)”. Para haver cognição, além da motivação, é necessária a inclusão de processos mentais, como pensamento, atenção, raciocínio, memória e emoções (RODRIGUES, 2021, p. 3682). Posto por Piaget, a motivação relaciona-se à questão da afetividade, ou seja, o sujeito motivado emocionalmente pela informação tende a aprendê-la de maneira mais efetiva quando o reforço é positivo. Aqui, então, estão entrelaçadas as questões comportamental (Skinner), biológica (Piaget) e emocional. Porém, para que o funcionamento do processo de aprendizagem aconteça, são necessários alguns tipos de memória, cuja classificação pode se dar tanto pela forma (explícita, implícita) quanto pelo tempo de armazenamento (sensorial, curto prazo ou de trabalho, longo prazo). A figura a seguir pode elucidar a junção de todos os envolvidos na aprendizagem que vimos até aqui: 38 Figura 5 – Tipos de memória e a aprendizagem Fonte: Sanchez, Sanchez e Albertin (2015, p. 513). Referências COLIN, C. et al. O livro da psicologia. 2. ed. São Paulo: Globo Livros, 2016. PAPALIA, E. D.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento Humano. 12. ed. Porto Alegre: AMGH Editora, 2013. PIAGET, J. Seis Estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. RODRIGUES, M. A. C. A contribuição da afetividade no desenvolvimento da inteligência lógico-matemática. Latin American Journal of Development, [s.l.], v. 3, n. 6, p. 3677-3692, 2021. SANCHEZ, L. H. A.; SANCHEZ, O. P.; ALBERTIN, A. L. Gestão de recursos do EaD: Como adequar as tecnologias aos perfis de assimilação. Revista de Administração de Empresas, [s.l.], v. 55, n. 5, p. 511-526, 2015. YERKES, R. M.; MORGULIS, S. The method of Pawlow in animal psychology. Psychological Bulletin, [s.l.], v. 6, n. 8, p. 257-273, 1909. 39 Dificuldades de aprendizagem Autoria: Michele Aparecida Cerqueira Rodrigues Leitura crítica: Isabella Christina Carvalho de Lima Objetivos • Discutir as diferenças entre dificuldades de aprendizagem e transtornos específicos de aprendizagem. • Dialogar sobre os fatores causadores das dificuldades de aprendizagem. • Analisar as consequências que as dificuldades de aprendizagem podem trazer aos alunos. 40 1. Diferenças entre dificuldades de aprendizagem e transtornos específicos de aprendizagem Os Transtornos Específicos da Aprendizagem estão presentes no Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (APA, 2014) na categoria intitulada Transtornos do Neurodesenvolvimento. Eles aparecem, em sua maioria, no início do período escolar. A seguir trazemos a diferença entre transtornos e dificuldades de aprendizagem. 1.1 Transtorno Específico de Aprendizagem (TEAp) Por característica principal, o transtorno ou distúrbio específico de aprendizagem tende a permanecer por mais de seis meses, enquanto a dificuldade se apresenta por menos de seis meses e pode acompanhar outro transtorno ou deficiência. Para saber se algum dos dois está presente na vida acadêmica da criança, você deve verificar se: as habilidades acadêmicas estão abaixo da média geral; há uma ansiedade pré-prova; ocorrência de uma deficiência intelectual; problemas emocionais etc. Para o TEAp, temos três níveis a considerar (APA, 2014): 41 Figura 1 – Níveis do TEAp Fonte: elaborada pela autora. Temos três tipos principais de TEAp: dislexia (com comprometimento na leitura), discalculia (com comprometimento na matemática) e disortografia (com comprometimento na escrita). Nesses casos, as inteligências do sujeito são desenvolvidas de maneira heterogênea. 1.2 Dificuldade de Aprendizagem (DA) Em relação às dificuldades, podem ser derivadas de problemas emocionais ou interferências do ambiente. Nesse caso, o quociente de inteligência (QI) se apresenta na média. Distúrbios como Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) e Transtorno Opositivo Desafiador (TOD) podem gerar problemas de aprendizagem que acompanham os indivíduos durante toda a vida. 42 2. Fatores causadores da DA e do TEAp No TEAp, as dificuldades são consequência do próprio distúrbio causado pelo desencadeamento de alterações no funcionamento cerebral. Dessa forma, entendemos que elas serão sempre intrínsecas, sem interferência do meio. A dificuldade de aprendizagem pode ter origem intrínseca derivada de problemas atencionais, emocionais, sensoriais etc., ou extrínseca, como problemas socioemocionais, de didática do professor, de metodologia escolar, entre outros. 2.1 Discalculia Na discalculia, as redes neuronais são afetadas provocando déficits nas habilidades matemáticas. Ela pode ser verbal, practognóstica, léxica, gráfica, ideognóstica e operacional. As áreas com alteração são o giro angular esquerdo (1), o sulco intraparietal esquerdo (2) e o sulco intraparietal direito (3). Figura 2 – Cérebro matemático Fonte: http://lizditz.typepad.com/.a/6a00d83451b6fc69e20147e1ae1eaf970b-800wi. Acesso em: 8 jun. 2022. 43 2.2 Dislexia A dislexia interfere na precisão, na velocidade e na compreensão da leitura. Geralmente os alunos apresentam em simultâneo a discalculia. Ela pode ser auditiva, visual e mista, atingindo as áreas cerebrais conforme a Figura 3: Figura 3 – Áreas do cérebro afetadas pela dislexia Fonte: elaborada pela autora. 2.3 Disortografia A disortografia refere-se a dificuldades relacionadas à precisão na ortografia e na gramática, além de prejuízo na clareza na expressão escrita. Ela pode ser: temporal, perceptivo-cinestésica, cinética, visuoespacial, dinâmica, semântica e cultural. 44 Figura 4 – Escrita de uma pessoa com disortografia Fonte: Ranieri (2014, [s.p.]). 2.4 Dificuldades de aprendizagem (DA) As dificuldades de aprendizagem podem ser de origem externa ou interna. As emoções, os problemas sociais, a didática do professor e a baixa estimulação são alguns dos fatores que podem acarretá-la. Além disso, distúrbios como TDAH, TEA ou TOD podem ocasionar problemas nos processos educacionais. Disgrafia – Não está presente no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (APA, 2015) e, portanto, não é um TEAp. Na verdade, ela está relacionada a Transtornos Psicomotores, nos quais a criança tem dificuldades no ato de escrever, tem “letra feia”. 45 Figura 5 – Escrita de uma pessoa com disgrafia Fonte: Goulart (2010, [s.p.]). Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) – Pode causar dificuldades de aprendizagem devido aos baixos índices de atenção, concentração e foco. Pode causar, por exemplo, releituras excessivas de um mesmo texto ou de uma frase de modo a obter impressão de maior retenção do conteúdo. Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) – A dificuldade de atenção e a alteração na memória de trabalho provocam falhas no processamento da aprendizagem. Transtorno do Espectro Autista (TEA) – A dificuldade em manter contato visual e os déficits no comportamento social limitam o processo de aprendizagem. Além disso, os alunos podem apresentar hiperfoco, resistindo à introdução de novos conteúdos. 46 Figura 6 – Causa e efeito das dificuldades de aprendizagem em alunos com TEA Fonte: Grossi et al. (2020, p. 32). Distúrbio do Processamento Auditivo Central (DPAC) – O PAC é causado por uma alteração no ouvido que dificulta o processamento e a interpretação de estímulos auditivos. Pode causar problemas de compreensão, dificuldades na expressão oral e na leitura, troca de letras etc. Síndrome de Irlen – Doença rara que causa sensibilidade extrema à luz, o que ocasiona dificuldade de leitura e, por consequência, falhas na aprendizagem. A criança precisa utilizar overlay ou óculos com lentes especiais durante a leitura dos livros didáticos e escrita no caderno para amenizar o desconforto nos olhos. 47 Figura 7 –Overlay Fonte: https://rsaude.com.br/londrina/materia/dificuldades-de-leitura-pode-ser-causada- pela-sindrome-de-irlen/15276. Acesso em: 8 jun. 2022. Como vimos, a neurociência pode alavancar os processos de aprendizagem em crianças com dificuldades e transtornos específicos. Portanto, quando a família e o educador entendem o desenvolvimento cerebral, mesmo que de maneira sucinta, abre-se um mundo de possibilidades de estimulação nas necessidades da criança. Dessa forma, a aprendizagem se tornará prazerosa e significativa, minimizando os pontos fracos e potencializando os fortes. Referências APA. American Psychiatric Association. DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. GOULART, Nathalia. Letra feia não é só pressa ou preguiça. Pode ser disgrafia. Veja, 24 jun. 2010. Disponível em: https://veja.abril.com.br/educacao/letra-feia-nao-e-so- pressa-ou-preguica-pode-ser-disgrafia/. Acesso em: 13 abr. 2022. GROSSI, Márcia Gorett Ribeiro et al. O processo de ensino e aprendizagem dos alunos com TEA nas escolas regulares: uma revisão de teses e dissertações. Cad. Pós-Grad. Distúrb. Desenvolv., São Paulo, v. 20, n. 1, p. 12-40, jun. 2020. 48 RANIERI, Priscilla. Você já ouviu falar em disortografia?. Priscila Ranieri, 4 set. 2014. Disponível em: https://www.priscillaranieri.com.br/single-post/2014/09/04/ Voc%C3%AA-j%C3%A1-ouviu-falar-em-DISORTOGRAFIA. Acesso em: 13 abr. 2022. 49 BONS ESTUDOS! Sumário Apresentação da disciplina Introdução à neurociência e à neuroanatomia Objetivos 1. Introdução à Neurociência 2. Neuroanatomia 3. Do que é feito o sistema nervoso? Referências Neurociências e a contribuição para a educação Objetivos 1. Introdução 2. Desenvolvimento do Sistema Nervoso 3. Plasticidade Cerebral 4. Aprendizagem 5. Neurociência e Educação Referências Princípios da aprendizagem: principais teorias Objetivos 1. Teorias da aprendizagem 2. Teorias cognitivas e o processo de memorização e aprendizagem Referências Dificuldades de aprendizagem Objetivos 1. Diferenças entre dificuldades de aprendizagem e transtornos específicos de aprendizagem 2. Fatores causadores da DA e do TEAp Referências
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