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Clinica Medica de Pequenos Animais- Neonatologia O período neonatal como aquele em que o filhote ainda depende da mãe para sobreviver, sendo, em média, de 30 dias. Antes do nascimento, os requerimentos nutricionais específicos da fêmea influenciam a sobrevivência e a saúde neonatal. Durante a gestação e a lactação, as necessidades nutricionais de lipídios e ácidos graxos essenciais, como ácido linoleico e alfalinoleico, são elevadas. O cálcio e ao fósforo aumentam discretamente durante a gestação, devido à escassa mineralização dos fetos. A administração abusiva de cálcio promove inibição da secreção de paratormônio ou hormônio paratireóideo (PTH), favorecendo a ocorrência de eclâmpsia em vez de preveni-la. A redução da biotransformação hepática dos fármacos, tanto na fase I quanto na fase II, assim como o aumento dos depósitos de gordura que representam um reservatório para esses agentes, favorece a liberação desses fármacos no final da gestação, atingindo tanto a mãe quanto o feto. Os períodos críticos durante a gestação para a administração de fármacos são os primeiros 20 dias (embrioletalidade), de 20 a 35 dias (teratogênese) e acima de 35 dias (toxicidade fetal). Durante a terceira e a quarta semanas de gestação, a fêmea deve ficar restrita ao ambiente caseiro em que está acostumada, para minimizar a exposição a agentes patogênicos. O exame ultrassonográfico é o método de escolha para a detecção da prenhez, útil para avaliar desenvolvimento, taxa de crescimento e viabilidade fetais. De modo a se ter uma ideia precisa da data do parto, é essencial o conhecimento da data do estro, do cruzamento ou da inseminação artificial. A gestação nas cadelas e gatas tem a duração aproximada de 63 dias, contudo, a sua aparente longa duração, entre 56 e 70 dias. Na proximidade do parto, a fêmea deve ser isolada de outros animais. A administração de um laxante suave, 1 a 4 dias antes, para o esvaziamento da porção final do intestino é interessante, pois o reto repleto exerce pressão sob o canal vaginal. O local do parto e onde serão mantidos os neonatos deve ser um local em que a fêmea já esteja acostumada (21 dias antes), sendo seguro para as crias, para que não haja canibalismo, fuga ou pisoteamento. A maternidade ou caixa de parição deve ficar em um lugar seco, arejado, livre de insetos e a uma altura do chão que possibilite a entrada e a saída da fêmea com facilidade. Alterações comportamentais ocorrem próximo ao parto, fazendo com que a fêmea se torne mais quieta, agressiva, carente ou dengosa, dependendo do caso. Nos 2 a 3 dias que antecedem o parto, as cadelas normalmente ficam irrequietas, procuram esconder-se, alimentam-se pouco e fazem ninho. Nas proximidades do parto, deve-se notar o aparecimento de leite nas mamas, a distensão da vulva e dos ligamentos pélvicos, a liberação de tampão mucoso cervical e a queda da temperatura retal (resultante da queda dos níveis séricos de progesterona) nas 12 a 24 h que antecedem o início do parto. O cortisol fetal induz enzimas placentárias que direcionam a síntese de esteroides, passando da progesterona para o estrógeno. O resultado final da secreção aumentada de estrógeno é a secreção de prostaglandinas como PGF2α, fundamental para o início do parto. O parto é um momento crítico para a parturiente, em que deve suportar a dor, remover os filhotes dos envoltórios fetais, romper o cordão umbilical, limpar e massagear os neonatos, estimular a amamentação, fornecer calor e cuidar de todos os neonatos. A assistência ao parto deve ser realizada para se assegurar o nascimento e o bem-estar de todos os neonatos. Durante o parto, deve-se auxiliar segurando o neonato quando a expulsão ocorrer com a fêmea em estação; romper os envoltórios fetais, secar e estimular a respiração; pinçar a porção final do cordão umbilical ligado à placenta não expulsa, ligá-lo e realizar a desinfecção; certificar-se da eliminação de todas as placentas e pesar todos os filhotes ao nascimento. A duração do parto é muito variável, dependendo da raça e do tamanho da ninhada, mas, de maneira geral, dura cerca de 4 a 8 h. A gestante deve ser examinada nos casos em que houver ruptura da membrana corioalantoideana, eliminação de secreção vulvar do pigmento uteroverdina e contrações irregulares e fracas, há mais de 2 h, sem nenhum nascimento ou nas contrações fortes por 30 min sem expulsão fetal. As distocias são definidas como o parto que não se realiza somente com as forças maternas, necessitando de intervenção manual, médica e/ou instrumental do obstetra. O encaminhamento de uma fêmea a um procedimento anestésico-cirúrgico desnecessário pode comprometer a viabilidade neonatal e colaborar para a mortalidade. A transição da vida fetal para a neonatal é caracterizada por uma série de eventos fisiológicos únicos, como a substituição do conteúdo alveolar líquido por ar, o aumento dramático do fluxo sanguíneo pulmonar e alterações de desvios intra e extracardíacos da circulação sanguínea. Todas as alterações anatômicas que ocorrem ao nascimento favorecem a adequação do neonato ao novo ambiente. O neonato vigoroso ao nascimento, independentemente do tipo de parto, deve apresentar esforço respiratório espontâneo e adequado, bom tônus muscular, frequência cardíaca superior a 180 bpm e mucosas de coloração avermelhada. Após o nascimento no parto eutócico, o neonato encontra-se dentro do saco amniótico e ligado ao cordão umbilical. A fêmea normalmente retira-o, rompe o cordão e o estimula mediante rigorosas lambidas. A lambedura realizada é capaz de estimular tanto as funções cardiorrespiratórias como excretórias (eliminação do mecônio), além da simples higienização do neonato. Caso a fêmea seja inexperiente ou não realize os procedimentos descritos dentro de 1 a 3 min, deve-se intervir removendo o neonato dos envoltórios fetais, realizando a limpeza das secreções oronasais e massageando-o com suave fricção da região torácica e abdominal. Pacientes debilitados e deprimidos ao nascimento apresentam-se rapidamente hipotérmicos, devido a intensa perda de temperatura por evaporação e radiação. Neonatos não conseguem manter-se aquecidos pela imaturidade do seu sistema termorregulador. Termogênese por tremores e reflexos vasoconstritivos não estão presentes ao nascimento. O neonato deve ser gentilmente seco e massageado, atentando-se para o fato de que o processo de secagem também é considerado um estímulo tátil para o início da respiração. A desobstrução das vias respiratórias é realizada imediatamente após a remoção dos envoltórios fetais. No neonato com frequência cardíaca normal, mas em apneia, a estimulação tátil e a administração de oxigênio por máscara geralmente são eficazes para iniciar a respiração dentro de 1 min. A utilização do ponto de acupuntura Jen Chung (VG 26) na estimulação respiratória é indicada, embora não existam estudos clínicos comprovando sua eficácia. Quando a ventilação respiratória e a massagem cardíaca não são suficientes para elevar a frequência cardíaca, a utilização de fármacos inotrópicos faz-se necessária, sendo os mais utilizados a epinefrina e vasopressina. As necessidades hídricas de manutenção diária de um neonato equivalem a 6 a 20 mℓ/100 g de peso por dia. A nutrição do neonato é feita levando-se em consideração tanto a quantidade quanto a qualidade do suplemento lácteo, além de estar de acordo com os requerimentos do crescimento em cada uma das fases. Fatores nutricionais, como teor energético, proteico, lipídico e vitamínico-mineral são importantes. Comparativamente, o leite de cadelas e gatas é mais rico em gordura e pobre em lactose e tem o dobro da concentração proteica daquele presente no leite da vaca. Em relação à evolução durante a lactação, há aumentoda concentração de gordura, manutenção da concentração proteica na cadela e aumento na gata, diminuição nos níveis de açúcar e maior aumento dos teores energético e de cálcio na gata. O requerimento energético do neonato é de 22 a 26 kcal/100 g de peso vivo, sendo que a maioria dos produtos lácteos de qualidade fornece entre 1 e 1,2 kcal/mℓ. Tomando-se por base esses requerimentos energéticos, portanto, a quantidade diária de sucedâneo lácteo a ser administrada a um neonato na primeira semana de vida é 13 mℓ/100 g; na segunda semana, 17 mℓ/100 g; na terceira semana, 20 mℓ/100 g; e na quarta semana, 22 mℓ/100 g. A quantidade diária total deve ser dividida pelo número de refeições administradas, levando-se em consideração a pequena capacidade do estômago do neonato (5 mℓ/100 g de peso). Após a administração da dieta, não se pode esquecer a estimulação anogenital para que ocorra a defecação e a micção. O animal deve ser pesado diariamente para acompanhamento do ganho de peso e desenvolvimento corporal. 1. Características do neonato Sistema cardiovascular: O neonato tem sistema circulatório caracterizado por menor pressão sanguínea, volume movimentado e resistência vascular periférica. Sistema respiratório: O controle neural da função respiratória está presente antes mesmo do nascimento, contudo sua maturação ocorre somente no período pós- natal. Os níveis de hemoglobina neonatal são mais altos, e a afinidade pelo oxigênio permanece maior que a dos adultos. O neonato apresenta vias respiratórias com pequeno diâmetro, menor capacidade de reserva funcional e menor resistência à fadiga muscular, fatores que inviabilizam o aumento da ventilação por minuto. A frequência respiratória em neonatos no primeiro dia de vida varia entre 10 e 18 mpm, e 16 e 32 na primeira semana de idade. Sistema hematopoético: Até a quarta semana de idade, o volume corpuscular diminui pela substituição das hemácias fetais pelas neonatais. O hematócrito apresenta-se elevado ao nascimento, conferindo coloração avermelhada às mucosas. Ao redor do terceiro dia de vida, inicia-se a queda no número de hemácias, atingindo o menor valor na terceira a quarta semana. Este fato, denominado anemia fisiológica do recém-nascido, perdura até aproximadamente 2 meses de idade. As concentrações de fatores de coagulação e antitrombina são menores ao nascimento, contudo se elevam, atingindo os valores de referência para adultos no final da primeira semana de idade. Sistema urinário: O rim neonatal é morfologicamente e funcionalmente imaturo, e a nefrogênese é incompleta até a terceira semana de idade. O neonato apresenta, portanto, aspectos característicos de sua imaturidade renal, como menor fluxo sanguíneo renal, taxa de filtração glomerular e de fração filtrada, menor reabsorção de aminoácidos, fosfatos e glicose, elevada natriurese nos túbulos contornados proximais e menor habilidade de concentração urinária. As necessidades hídricas diárias de manutenção de um neonato são de 6 a 18 mℓ/100 g de peso corporal. Sistema hepatobiliar: O sistema hepático do neonato é imaturo e muitas funções metabólicas do fígado não são completamente desenvolvidas ao nascimento, apesar da diferenciação embriogênica precoce. Durante o período neonatal, o sistema microssomal hepático P450 não é bem desenvolvido, e os fármacos que requerem reações da fase I são biotransformados mais lentamente. A imaturidade hepática no neonato não se resume apenas ao processo de desintoxicação dos fármacos, reflete-se também nos níveis glicêmicos. Os neonatos têm reservas limitadas de glicogênio e gliconeogênese hepática insuficiente como resposta aos estados de hipoglicemia. Sistema gastrintestinal: Durante as primeiras 24 h, o intestino delgado dos neonatos praticamente duplica o seu peso e a capacidade gástrica média atinge cerca de 5 mℓ/100 g. Durante este período, portanto, as alimentações são mais frequentes e o tempo de esvaziamento gástrico é mais lento do que no adulto. O trato gastrintestinal é bem desenvolvido ao nascimento, compondo-se de um ambiente estéril. Nos primeiros 2 a 3 dias de vida, inicia-se a colonização intestinal pela microbiota bacteriana de origem materna, que perdura até a quarta ou quinta semana. O sistema gastrintestinal normal do recém-nascido é totalmente capaz de realizar a digestão e a absorção de seu substrato primário, o leite materno. Cães privados de colostro apresentam menor desenvolvimento intestinal nas primeiras 24 h de vida. Um aspecto vital durante as três primeiras semanas de vida é o estímulo do reflexo de micção e defecação na região anogenital após a alimentação. Este reflexo é realizado pela lambedura materna desta região ou pela massagem com algodão seco ou úmido. A erupção dentária no neonato ocorre entre a segunda e a terceira semana de idade e todos os dentes decíduos estão presentes às 12 semanas de idade. Sistema imunológico: Após o nascimento, a ingestão do colostro assegura a transferência da imunidade passiva e colabora para a elevação dos níveis séricos proteicos no neonato. O período de absorção proteica pela mucosa intestinal varia entre as espécies, mas, de modo geral, a permeabilidade é mais alta imediatamente após o nascimento, sofrendo lento declínio após 6 h devido à substituição dos enterócitos sem habilidade de pinocitose e ao estabelecimento da microbiota intestinal. Portanto, a ingestão do colostro deve ser assegurada nas primeiras 12 a 24 h de vida. Metabolismo: Um rápido crescimento é observado nas primeiras 12 semanas de vida, o ganho de peso diário deve ser 2 a 4 g do peso adulto previsto, de maneira que, após 15 dias, o neonato pese o dobro do seu peso ao nascimento. A amamentação propicia não somente nutrição como também representa fonte de calor. Quando o neonato mama, seu metabolismo aumenta, mantendo a temperatura corporal. A temperatura corporal normal neonatal é, portanto, mais baixa que a do adulto, oscilando, na primeira semana, entre 35°C e 37°C, na segunda semana, entre 36,1 e 37,8°C, e somente na quarta semana assemelha-se à do adulto. Os neonatos são mais suscetíveis ao desenvolvimento de episódios hipoglicêmicos do que os adultos. Fígado pequeno, menor massa muscular e grande massa encefálica em relação ao tamanho corporal são fatores que os predispõem. A glicemia pode ser mantida por um período de 24 h de jejum em um neonato saudável. Contudo, os neonatos, em situações de estresse, devido à rápida depleção dos estoques de glicogênio e à imaturidade funcional hepática, tornam-se hipoglicêmicos. Eles são relativamente insensíveis à insulina e têm resposta inadequada aos hormônios hiperglicemiantes Sistema nervoso: Todos os nervos cranianos estão presentes ao nascimento, contudo o processo de mielinização ainda é imaturo, fato este que interfere com transmissão suave do impulso nervoso. Os reflexos neonatais classificados como alimentares, protetores e posturais incluem reflexos primitivos como a sucção e o reflexo de termotropismo (procura por calor), cruciais para a sobrevivência. Durante as duas primeiras semanas de vida, as principais atividades do neonato consistem em dormir e se alimentar, por volta de 2 semanas de idade, os animais tornam-se mais ativos e começam a brincar. A função vestibular está presente ao nascimento, sendo importante para o posicionamento do neonato durante a amamentação, contudo, os movimentos musculares são incoordenados, demonstrando imaturidade cerebelar. Com 5 a 6 dias, o filhote é capaz de suportar seu peso nos membros torácicos e esboçar pequenos passos. A sustentação do corpo com os membros pélvicos ocorre mais tardiamente, ao redor de 14 a 16 dias. Entre 18 e 21 dias de idade, o filhote caminha de maneira incoordenada, sendo que habilidade e coordenação namarcha semelhantes às do adulto desenvolvem-se apenas entre 6 e 8 semanas. As estruturas das orelhas média e interna são bem diferenciadas ao nascimento. Os condutos auditivos abrem-se entre 12 e 14 dias de idade nos cães e entre 6 e 14 dias no gato. 2. Fenda palatina/lábio leporino Trata-se de comunicações entre as cavidades oral e nasal, localizadas no palato primário (lábio leporino) ou no palato secundário (palatos duro e mole). As raças braquicefálicas caninas e a raça Siamesa em gatos apresentam maior tendência ao desenvolvimento destes defeitos As causas prováveis dos defeitos do palato incluem os fatores genéticos hereditários, nutricionais, terapia com certos fármacos durante o período gestacional, fatores hormonais e estresse emocional. O excesso de vitamina A pode ocasionar malformações congênitas, como a fenda palatina/lábio leporino. E a vitamina D também causa dano no desenvolvimento da musculatura esquelética, em ossos longos e ossos da face. As manifestações clínicas da fenda palatina incluem: Saída de leite pela narina durante a sucção ou amamentação; dificuldade para se alimentar, devido à impossibilidade de criar o vácuo para sucção entre o palato e a língua; Espirros e tosse; Rinite; Sinais de afogamento; Crescimento inadequado em relação aos outros filhotes da ninhada. O diagnóstico da fenda palatina inclui a inspeção direta da cavidade nasal e oral, bem como a avaliação clínica completa. O exame clínico cuidadoso do neonato após o nascimento possibilita a identificação precoce de tais defeitos e a intervenção rápida, evitando-se a perda do filhote. A principal complicação deste defeito congênito é o desenvolvimento de pneumonia por aspiração. O tratamento de tal defeito constitui-se de reparação cirúrgica por motivos estéticos nos casos de lábio leporino, sendo a correção realizada entre 2 e 4 meses de idade. Os cuidados pós-operatórios consistem no fornecimento de alimento pastoso por 3 a 4 semanas ou alimentação por gastrotomia ou esofagostomia por 7 a 14 dias. A deiscência de pontos é a principal complicação e pode ocorrer entre 3 e 5 dias. Quando o defeito é identificado logo ao nascimento, deve-se criar artificialmente o neonato até 60 dias, para que se possa realizar a reparação, com o fornecimento da imunidade passiva, manutenção da hidratação, nutrição, ambiente propício para aquecimento do neonato e estimulação dos reflexos da micção e defecação. O prognóstico depende da evolução mediante tratamento cirúrgico. 3. Tríade neonatal A fisiopatologia das perdas neonatais é complexa devido à imaturidade orgânica neonatal. Os neonatos não são capazes de manter a termorregulação, a homeostase hídrica nem a euglicemia. O neonato tem capacidade termorreguladora limitada, sendo sua temperatura corporal mantida pelo ambiente, pelo contato com a mãe e com seus irmãos de ninhada. Portanto, deve ser mantido na chamada zona de neutralidade térmica ou zona de conforto térmico, descrita como a temperatura ambiente em que o neonato requer a menor quantidade de energia para manter sua temperatura central estável, menor consumo de oxigênio e produção de dióxido de carbono. Temperaturas ambientais acima ou abaixo da zona de conforto térmico aumentam o consumo de oxigênio e taxa metabólica. O resfriamento do neonato ocorre em função da perda de calor por evaporação, quando os fluidos corporais e pulmonares se tornam vapor no ar quente. Quanto mais seco for o ambiente, maior a perda por evaporação, condução, radiação e convecção. Com a queda da temperatura corporal (inferior a 35°C), o neonato perde o reflexo da sucção e logo é rejeitado pela mãe, diminuindo a ingestão de colostro ou de leite nas primeiras 24 h seguidas ao parto. A diminuição da ingestão láctea priva o filhote de sua fonte de hidratação e nutrição, além de predispô-lo à deficiência imunológica, tornando-o suscetível a diversas infecções. Com a hipotermia e a perda do reflexo da sucção, o neonato, que tem 82% do peso corporal correspondentes a líquido extracelular, torna-se particularmente sensível à desidratação. Fatores intrínsecos, como a alta relação entre superfície cutânea e peso corporal, mecanismo de concentração urinária imaturo e maior perda de líquido por evaporação cutânea, também favorecem a desidratação. A desidratação neonatal resulta em choque hipovolêmico, provocando perfusão tecidual inadequada e hipoxia. A ativação dos mecanismos compensatórios durante choque hipovolêmico não ocorre com a mesma magnitude dos adultos. A resposta neonatal ao choque hipovolêmico induzido pela desidratação é bem distinta da observada em adultos. A diminuição do débito cardíaco resulta então em diminuição da pressão arterial e da taxa de filtração glomerular, insuficiência renal e óbito neonatal, se não revertida a tempo. Os neonatos têm reservas limitadas de glicogênio e gliconeogênese hepática insuficiente como resposta aos estados de hipoglicemia. A glicemia é mantida por um mecanismo complexo que envolve hormônios, enzimas hepáticas e a disponibilidade de substratos para a síntese de glicose. Quando os níveis de glicose decaem após a fase de absorção da digestão, a produção de glucagon pelas células pancreáticas assegura a mobilização da glicose hepática dos estoques de glicogênio. Caso o estímulo para a produção hepática perdure, outro processo agora se inicia, a chamada gliconeogênese. O controle glicêmico é mantido também graças à ação dos hormônios contrarregulatórios, como a epinefrina, o adrenocorticotrófico e o do crescimento. A hipoglicemia transitória dos recém-nascidos é provavelmente a causa mais comum de hipoglicemia durante o período de amamentação e está frequentemente associada a estoques inadequados de glicogênio ou de substratos proteicos ou por uma função enzimática hepática ainda imatura. Os fatores predisponentes incluem ninhadas prematuras, nascimento de filhotes muito pequenos, fraqueza ou debilidade da fêmea gestante ou diabetes. Os neonatos são mais suscetíveis ao desenvolvimento de episódios hipoglicêmicos do que os adultos. O fígado pequeno, a menor massa muscular e a grande massa encefálica em relação ao tamanho corporal são fatores que os predispõem. Os estoques de glicogênio hepático no neonato são mínimos e declinam rapidamente durante o jejum. A gliconeogênese, contudo, ocorre no fígado do neonato após 9 h sem alimentação. Os níveis de glicose sanguínea em cães neonatos saudáveis são mantidos (inicialmente glicogenólise e posteriormente gliconeogênese) por 24 h em jejum após o nascimento. As concentrações intra-hepáticas reduzidas de trifosfato de adenosina (ATP) sugerem também que a produção e/ou a utilização de energia sofram alteração somente após 3 h de jejum nos cães recém-nascidos. A glicemia pode ser mantida por um período de 24 h de jejum, em um neonato saudável; contudo, os neonatos em situações de estresse, devido à depleção dos estoques de glicogênio e à imaturidade funcional hepática, tornam- se rapidamente hipoglicêmicos. Os gatos, assim como os cães recém-nascidos, não têm os mecanismos de retroalimentação perfeitamente desenvolvidos entre a gliconeogênese e a concentração de glicose sanguínea. Os ajustes glicêmicos são, portanto, delicados. Os gatos são relativamente insensíveis à insulina e apresentam resposta inadequada aos hormônios hiperglicemiantes. A epinefrina, um dos hormônios contrarregulatórios essenciais na manutenção da glicemia, não é liberada em resposta à hipoglicemia nos neonatos felinos. Ao nascimento, os neonatos felinos têm concentração de glicose sanguínea próxima aos valores maternos, contudo apresentam diminuição de 45 mg/dℓ entre as primeiras 4 a 6 h de vida e estabilização dos níveis em 70 mg/dℓ nas próximas 72 h. A hipoglicemia sintomáticanos gatos recém-nascidos é definida com níveis séricos abaixo de 50 mg/dℓ, representando risco de óbito iminente. Filhotes de raças toy podem ser suscetíveis ao desenvolvimento de hipoglicemia mais intensa do que filhotes de raças grandes, possivelmente pelas reservas limitadas de glicogênio, mecanismos ainda imaturos de gliconeogênese e glicogenólise e alta demanda metabólica. Além da falta de ingestão láctea e da imaturidade hepática, distúrbios como endotoxemia e sepse colaboram para um intenso declínio na glicemia. A hipotermia, a hipoglicemia e a desidratação, tríade crítica do recém-nascido ou neonato associada à imaturidade imunológica, correspondem às causas mais comuns de vulnerabilidade neonatal. Os sintomas do neonato doente constituem-se de choro constante por mais de 20 min, diminuição do tônus muscular, incapacidade de mamar ou de permanecer com a mãe ou com a ninhada, mucosas pálidas, acinzentadas ou cianóticas, diarreia, sons intestinais diminuídos a ausentes, perda de peso ou deficiência em ganhar peso. É muito importante diferenciar entre o atraso no crescimento e o desenvolvimento insuficiente do filhote. No primeiro caso, o crescimento é proporcionalmente mais lento quando comparado a outros filhotes da ninhada; já no segundo, o desenvolvimento corporal e mental do neonato é insuficiente, apresenta-se letárgico, abaixo do peso e com prognóstico reservado. Os neonatos doentes e hipotérmicos apresentam-se frios ao toque, com elevação da frequência respiratória (respiração irregular e superficial), com vocalização aguda na expiração e diminuição da frequência cardíaca, íleo paralítico, depressão, coma e morte. Os filhotes também exibem flacidez muscular e reflexos lentos ou mesmo ausentes. Quando a temperatura do neonato apresenta-se inferior a 35°C, a mãe o separa do resto da ninhada, agravando ainda mais os sintomas.36 O neonato desidratado deixa de mamar, chora, perde sua vitalidade e, embora apresente perda de elasticidade cutânea ao esticar a pele e liberá-la, este não é o indicador mais fidedigno da desidratação em neonatos. O principal sinal é a perda de peso, sendo imprescindível o controle da curva de peso em um neonato. Outros sinais de desidratação incluem mucosas secas e sem brilho e urina de coloração amarelada, indicando discreta concentração urinária. Os sintomas da hipoglicemia se sobrepõem aos da desidratação e da hipotermia, sendo extremamente comuns nos neonatos doentes. O animal com hipoglicemia apresenta depressão, hipotermia, desidratação, enfraquecimento, impossibilidade de mamar, choros contínuos até o esgotamento e, consequentemente, bradicardia, respiração irregular e alterações neurológicas, que vão de discretas até convulsões que precedem o coma e a morte. Por meio dos sinais neurológicos, pode-se diferenciar a hipoglicemia da desidratação. A conduta clínica para identificar as possíveis causas do definhamento neonatal baseia-se em avaliação clínica completa, incluindo história, exame físico, exames laboratoriais, testes imunológicos, eletrocardiograma, ultrassonografia e exame radiográfico. Um neonato doente, independentemente da causa, representa uma urgência, devido à imaturidade fisiológica. O tratamento do neonato em síndrome pode ser definido, portanto, como padrão, uma vez que independe da causa. Sua realização é feita em etapas que exigem monitoramento constante e, desse modo, internação do paciente. O aquecimento do neonato deve ser gradual, durando cerca de 1 a 3 h, pois o aquecimento rápido resulta em vasodilatação periférica, colapso circulatório e morte. Os métodos empregados para o aquecimento incluem incubadoras, bolsas ou garrafas com água quente. Durante o aquecimento, deve-se mudar o decúbito do neonato e registrar sua temperatura retal de hora em hora. O neonato apresenta termotropismo positivo, contudo, quando em tríade crítica, seus movimentos encontram-se diminuídos ou ausentes, o que aumenta o risco de queimaduras. Após o aquecimento, o neonato deve ser mantido à temperatura ambiente entre 29,4°C e 35°C, sob umidade relativa do ar de 55 a 65%, para manter-se na zona de neutralidade térmica, impedindo que a hipotermia recidive e evitando a elevação acima da temperatura adequada para a faixa etária. O reaquecimento interno pode ser conseguido pela administração de fluidos aquecidos pelas vias intravenosa, intraóssea ou como enemas. A alimentação deve ser adiada até a temperatura normalizar-se e os sons dos borborigmos estarem presentes, pois a digestão não ocorre com o neonato em hipotermia. O propósito da fluidoterapia é o restabelecimento do equilíbrio hídrico adequado adaptado ao grau de desidratação do neonato, lembrando-se que as necessidades de fluidos dos neonatos excedem as dos adultos, contudo não toleram grandes volumes hídricos. A avaliação do neonato em tríade determina, portanto, o tipo de fluido a ser escolhido, a via e a velocidade de administração, bem como a posologia. Os fluidos podem ser administrados pelas vias intravenosa, intraóssea, subcutânea e intraperitoneal, sendo a via subcutânea é a mais adequada para a manutenção de neonatos estáveis, pois a absorção é lenta, contudo deve-se considerar a temperatura do neonato, do ambiente e do fluido a ser administrado. A via oral para administração de medicamento deve ser utilizada apenas quando o neonato apresentar-se normotérmico e hidratado. A utilização da solução cristaloide de lactato de Ringer é indicada para hipovolemia e hipoglicemia intensas. Nestes casos, a privação de energia cerebral é suprida pela conversão de lactato em substrato energético. Antes da administração, os fluidos devem ser aquecidos à temperatura corporal do neonato (35°C a 37°C). Em neonatos hipoglicêmicos (30 a 40 mg/dℓ), deve-se proceder à administração de glicose a 25% em bolus na dose de 1 mℓ/100 g de peso corporal intravenosa ou intraóssea, seguida de infusão contínua da manutenção diária com fluidos isotônicos suplementados com glicose 2,5% ou 5% intravenosa ou subcutânea. Deve-se evitar a administração subcutânea de soluções contendo glicose hipertônica. A glicemia deve ser constantemente monitorada (2 a 4 vezes/dia), evitando- se hiperglicemia (neonatos são relativamente insensíveis à insulina) e diurese osmótica, que provoca desidratação. Durante o tratamento padrão para a tríade crítica, deve- se avaliar a temperatura corporal e os reflexos do neonato. Se a hidratação e a temperatura corporal estiverem normais, a glicose pode ser administrada por via oral, 1 a 2 mℓ de glicose 5% ou 10%. A administração de vitamina K1 (0,01 a 0,1 mg por via subcutânea ou intramuscular) deve ser feita a qualquer neonato doente com menos de 48 h de vida ou que exiba sinais de hemorragia. O retorno do reflexo da sucção, do endireitamento e da procura indica bom prognóstico. Após o retorno à homeostasia hídrica e térmica, o tratamento deverá ser mantido até que o filhote seja capaz de alimentar-se sozinho. Quando o reflexo da sucção estiver presente e os borborigmos intestinais percebidos à auscultação, deve-se providenciar o suporte nutricional ao neonato, fornecendo sucedâneos lácteos por meio de mamadeira ou sonda orogástrica. 4. Sindrome do cão nadador A síndrome do filhote nadador é uma alteração de desenvolvimento, que afeta principalmente filhotes caninos e, com menor frequência, felinos. Raças que apresentam tórax largo e extremidades curtas e raças de pequeno porte, apresentam predisposição. Tem origem multifatorial, mas pode ser de origem genética, acomodação dos filhotes em um piso demasiadamente liso (fator ambiental) faz com que haja atraso na mielinização, uma alteração metabólica da dieta da mãe (excesso de proteína), desenvolvimento neuromuscular atrasado, o ganho de peso excedenteao desenvolvimento esquelético e obesidade. Em gatos uma das causas pode ser deficiência de taurina. Os sintomas tornam-se visíveis na segunda ou terceira semana de vida. O filhote apresenta movimentos de rastejar ou de “foca nadando” sobre o esterno, e as extremidades apresentam-se como “asas de águia”. Há compressão dorsoventral e alargamento lateral do tórax quando são afetados somente os membros torácicos. A luxação medial patelar é observada nos casos em que os membros pélvicos são acometidos. Por volta do 21° dia de idade, o animal apresenta atraso na capacidade de marcha e deslocamento, realizando movimentos rastejantes sobre o esterno. Apresenta-se ainda, letárgico e fraco, podendo ter regurgitação do leite o que pode causar pneumonia por aspiração. O abdome se apresenta úmido e irritado pela urina. Além de apresentarem hiperflacidez e hiperextensão das articulações O diagnóstico é feito com base na anamnese e no exame físico, preferencialmente associados ao exame radiográfico. O tratamento pode ser feito mudando radicalmente a dieta da mãe, acomodando os filhotes sobre uma coberta ou superfície rugosa, estimulando os coxins várias vezes ao dia, utilizando uma escova com cerdas duras (escova de dente) para estimular a inervação. Tem-se adotado como uma das alternativas de tratamento a imobilização total dos membros acometidos com o auxílio de bandagens feitas com esparadrapo, a imobilização deve ser instaurada o mais cedo possível, de preferência no filhote com 3 a 4 semanas de idade, requer cuidado para que não ocorram inchaços, edemas ou mesmo isquemia dos membros. As bandagens corretivas auxiliam a recuperação dos aprumos do filhote, evitando o desvio lateral dos membros, permitindo que estes suportem o peso do tronco. Outras medidas são: o racionamento alimentar do filhote visa à diminuição do ganho de peso; posicionamento em decúbito lateral enquanto dormem; programa de reabilitação funcional de fisioterapia pode ser instaurado, realizando-se três sessões ao dia, durante 10 min cada, com flexão e a extensão do tarso e das articulações do joelho e coxofemoral, massageando-se os músculos (tibial cranial, quadríceps e bíceps femoral) e aplicando-se uma leve pressão com o polegar e o dedo indicador; A aplicação de compressas de água quente durante a realização da fisioterapia estimula também a circulação e o metabolismo muscular; natação e administração de vitamina E, selênio e decanoato de nandrolona, na tentativa de estimular a mielinização e o desenvolvimento muscular. A profilaxia por meio da seleção de reprodutores, nutrição adequada materna durante a gestação e no filhote, e a manutenção do filhote em um ambiente adequado. 5. Septicemia A septicemia neonatal representa a resposta sistêmica à infecção generalizada aguda produzida por um ou mais agentes bacterianos, favorecida pela falta de ingestão do colostro pelo neonato, por infecções maternas como metrite, mastite e onfaloflebite, entre outras, pelo alto índice de contaminação do ambiente em que o neonato se encontra e também por procedimentos cirúrgicos no neonato realizados sem antissepsia prévia adequada. Segundo Prats et al., a infecção superaguda (septicemia) caracteriza-se por mortalidade repentina dos filhotes entre 5 e 6 dias até 4 semanas de idade.
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