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1 Módulo de Necessidades Educativas Especiais Universidade Pedagógica Centro de Educação Aberta e à Distancia Programa de Formação à Distância Rua Joao Carlos Raposo Beirao, n o 135 Maputo Av de Moçambique, Condomínio Vila Olímpica, Bloco 22, Ed 4, R/C, Telefone: 21-320860/2 Telefone: 21 – 306720 Fax: +258 21-322113 2 Ficha técnica Autoria: Jofredino Faife Revisão Científica: Daniel Canxixe Revisão da Engenharia de EAD e Desenho Instrucional: Eduardo Moisés Humbane Edição Linguistica: Orlanda Gomane Edição técnica/Maquetização: Aurélio Armando Pires Ribeiro Capa: Valdinácio Florêncio Paulo Primeira Edição © 2016 Impresso e Encadernado por: © Todos os direitos reservados. Não pode ser publicado ou reproduzido em nenhuma forma ou meio –mecânico ou eletrónico- sem a permissão da Universidade Pedagógica. 3 Índice Visão Geral do Módulo .................................................................................................................................................... 4 Unidade no 1: Necessidades Especiais: enquadramento histórico, conceptual e político-legal ................................ 13 Lição no 1: A Natureza Especial das Necessidades Educativas Especiais: Pedagogia especial e Necessidades Educativas Especiais .............................................................................................................................................................. 14 Lição no 2: Necessidades Especiais e conceitos afins........................................................................................... 20 Lição no 3: Necessidades educativas especiais como dificuldade evolutiva, de funcionamento educativo e de aprendizagem ...................................................................................................................................................... 29 Lição no 4: Necessidade Educativas Especiais na perspectiva jurídica ................................................................. 34 Unidade no 2: Tradições e marcos do atendimento aos alunos com Necessidades Educativas Especiais ............. 41 Lição no 1: Educação Especial, Integração e Inclusão ............................................................................................ 42 Unidade no3: Alunos com necessidades educativas especiais. Uma taxonomia possível? ..................................... 59 Lição no 1: Principais categorias de Necessidades Educativas Especiais .............................................................. 60 Unidade no4: Avaliação e programação para alunos com necessidades educativas especiais ............................. 78 Lição no 1: O papel do professor no levantamento de necessidades educativas especiais .................................... 79 Lição no 2: Abordagem de rede na intervenção para alunos com necessidades educativas especiais ................. 85 Lição no 3: O plano educativo individualizado como hipótese de trabalho para alunos com necessidades educativas especiais ............................................................................................................................................................. 90 Lição no 4: Necessidades educativas especiais. Que desafios para Moçambique? ................................................ 98 4 Visão Geral do Módulo Introdução Atravessamos um momento em que a educação afirma-se como um direito universal. Neste âmbito, o movimento de educação para todos defende a inclusão de todo o Ser humano no processo de educação formal. O que significa este princípio? Significa, antes de mais, que a escola deve preparar-se para acolher a todos os alunos, incluindo aqueles que, por uma série de motivos, não se enquadram nos padrões de prestação que a escola geralmente promove e avalia. Aos alunos que por várias razões enfrentam problemas de adaptação ao mundo escolar e por causa disso, por vezes, não conseguem passar de classe e abandonam a escola chamaremos alunos com necessidades educativas especiais (NEE). A educação de pessoas com NEE tem uma longa história. Em alguns períodos históricos, alunos que hoje acreditamos reunirem condições mínimas para serem escolarizados eram considerados ineducáveis. Quando recentemente esta concepção foi superada, colocou-se o difícil problema de definir a tipologia de educação adequada a estes alunos: escola especial, integração, inclusão? Este problema não se pode considerar de todo superado. De facto, tem sido objecto de debates acesos e de muitos desacordos. E, mesmo quando superadas as divergências teóricas, a prática tem mostrado que a educação de alunos com NEE é um campo difícil, que exige muito, dos professores, das escolas e das comunidades em que tais escolas se encontram inseridas. Moçambique não constitui uma excepção nesta área. Todavia, parece-nos claro o crescente interesse que as NEE têm granjeado, quer como objecto de estudo (particularmente nos cursos universitários voltados à formação de professores/gestores da educação), quer como prática de atenção educativa especial para alunos que se encontram nesta categoria. Assim, o presente módulo é uma reflexão sobre as NEE. Caso seja professor, muito 5 provavelmente já ouviu falar de expressões como NEE, educação inclusiva, inclusão, integração, ensino/turma/classe especial, entre outras. Ou, possivelmente teve na sua turma, um aluno com um ritmo de aprendizagem diferente dos demais. Assim, o módulo propõe-se a sistematizar algumas experiências susceptíveis que lhe fornecer bases científicas para compreender melhor o problema. Neste módulo começaremos por definir este conceito complexo e explicar as suas origens para gradualmente entrarmos numa dimensão reflexiva sobre as práticas de educação de alunos com NEE no mundo. Por fim, com base nas experiências de outros países, iremos questionar-nos acerca do presente e do futuro da educação de alunos com NEE em Moçambique. Agradecimentos Agradeço a todos os estudantes da Universidade Pedagógica/Sagrada Família da Maxixe (UP - Maxixe) com os quais partilhei, ao longo do último triénio, parte das ideias aqui defendidas. Reitero, muito obrigado. Ma. Jofredino Faife 6 Objectivos do Módulo Terminado o estudo do módulo de Necessidades Educativas Especiais, o estudante deverá ser capaz de: Definir os conceitos de Necessidades Educativas Especiais, educação especial, integração e educação inclusiva; Descrever os processos que levaram à afirmação do ideal da escola inclusiva; Descrever as mudanças que a prática da educação inclusiva impõe à escola e aos seus membros; Descrever as principais categorias de Necessidades Educativas Especiais; Explicar o conceito, a pertinência e a composição de um plano educativo individualizado. 7 Estrutura do Módulo O módulo está organizado em Unidades de aprendizagem. Cada unidade tem uma introdução, objectivos de aprendizagem, auto-avalaição da unidade e resumo. Cada unidade está organizada em lições. Cada lição tem uma Introdução, a indicação do que deverá aprender (Objectivos), o conteúdo a ser estudado e as Actividades de aprendizagem, Exercícios, Auto-avaliação da lição e Comentários para as Actividades, Exercícios e Auto-avaliação para lhe ajudar a verificar e orientar a sua aprendizagem. O Módulo é comporto por 4 unidades temáticas. A primeira, sob o título “Necessidades Especiais: enquadramento histórico, conceptual e político-legal” comporta quatro lições voltadas a discutir os termos os conceitos-chave bem como a história e evolução da disciplina e do seu objecto de estudo. A segunda unidade, intitulada “Tradições e marcos do atendimento aos alunos com Necessidades Educativas Especiais” é composta por uma longa liçãoque pode ser dividida em três partes, cada uma das quais representando a evolução do atendimento dos alunos com Necessidades Educativas Especiais até ao nossos dias. Do ponto de vista cronológico e de disposição do conteúdo na lição, são destacadas três fases: ensino especial, integração e inclusão. A terceira unidade, com o título “Alunos com Necessidades Educativas Especiais. Uma taxonomia possível?” apresenta-se como uma longa lição na qual são analisados os principais tipos de necessidades educativas especiais, os quais podem ser estudados separadamente (em função de cada tópico, por exemplo, ocupar-se primeiramente de necessidades educativas especiais auditivas e, noutro momento, ocupar-se de necessidades educativas especiais visuais). Por fim, sob o título “Avaliação e programação para alunos com necessidades educativas especiais” apresenta-se a quarta unidade, composta por quatro lições. Esta unidade trata de alguns aspectos da didáctica aplicados à pedagogia especial. 8 Nela reflecte-se, por exemplo, sobre a planificação/programação para alunos com necessidades educativas especiais, sobre a composição das equipas de atendimento aos alunos com necessidades educativas especiais, entre outros tópicos. Por fim, numa perceptiva retrospectiva, são apresentados brevemente alguns aspectos que parecem problemáticos no atendimento aos alunos com necessidades educativas especiais no nosso país. A quem se destina o Módulo Este Módulo foi concebido para todos aqueles que estão inscritos no Curso de Licenciatura em Ensino Básico e/ou Administração e Gestão da Educação (ou ainda outros afins) oferecidos pela Universidade Pedagógica de Moçambique, no regime EaD. São estudantes que possuem 12ª classe ou equivalente. Avaliação As modalidades de avaliação sumativa serão combinadas com o Tutor.. Em geral, tais actividades poderão variar em número e tipologia, por exemplo, testes escritos, trabalhos independentes em grupo ou individuais, actividades de campo, fichas de leitura, entre outras. 9 Ícones de Actividades Caro estudante, para lhe ajudar a orientar-se no estudo deste módulo e facilmente localizar cada um dos elementos da lição, foram usados marcadores de texto do tipo ícones. Os ícones (na sua maioria) foram concebidos pelo CEMEC (Centro de Estudos Moçambicanos e Etnociência) da Universidade Pedagógica. Tomou-se em consideração a diversidade cultural Moçambicana. Encontre, a seguir, a lista de ícones, o que a figura representa e a descrição do que cada um deles indica no módulo: 1. Exercício [enxada em actividade] 2. Actividade [colher de pau com alimento para provar] 3. Auto-Avaliação [peneira] 4. Exemplo/estudo de caso [Jogo Ntxuva] 5. Debate [à volta da fogueira] 6. Trabalho em grupo [mãos unidas] 7. Tome nota/Atenção [batuque soando] 8. Objectivos [estrela cintilante] 9. Leitura [livro aberto] 10 10. Reflexão [embondeiro] 11. Tempo [sol] 12. Resumo [sentados à volta da fogueira] 13. Terminologia/ Glossário 14. Vídeo/Plataforma [computador] 15. Comentários [balão com texto] 1. Exercício (trabalho, exercitação) – A enxada relaciona-se com um tipo de trabalho, indica que é preciso trabalhar e pôr em prática ou aplicar o aprendido. 2. Actividade - A colher com o alimento para provar indica que é momento de realizar uma actividade diferente da simples leitura, e verificar como está a ocorrer a aprendizagem. 3. Auto-Avaliação – A peneira permite separar elementos, por isso indica que existe uma proposta para verificação do que foi ou não aprendido. 4. Exemplo/Estudo de caso – Indica que há um caso a ser resolvido comparativamente ao jogo de Ntxuva em que cada jogo é um caso diferente. 5. Debate – Indica a sugestão de se juntar a outros (presencialmente ou usando a plataforma digital) para troca de experiências, para novas aprendizagens, como é costume fazer-se à volta da fogueira. 6. Trabalho em grupo –Para a sua realização há necessidade de entreajuda, que se apoiem uns aos outros 7. Tome nota/Atenção – Chamada de atenção 8. Objectivos – orientação para organização do seu estudo e daquilo que deverá aprender a fazer ou a fazer melhor 9. Leitura adicional – O livro indica que é necessário obter informações adicionais através de livros ou outras fontes. 11 10. Reflexão – O embondeiro é robusto e forte. Indica um momento para fortalecer as suas ideias, para construir o seu saber. 11. Tempo – O sol indica o tempo aproximado que deve dedicar á realização de uma tarefa ou actividade, estudo de uma unidade ou lição. 12. Resumo – Representado por pessoas sentadas à volta da fogueira como é costume fazer-se para se contar histórias. É o momento de sumarizar ou resumir aquilo que foi tratado na lição ou na unidade. 13. Terminologia/Glossário – Representado por um livro de consulta, indica que se apresenta a terminologia importante nessa lição ou então que se apresenta um Glossário com os termos mais importantes. 14. Vídeo/Plataforma – O computador indica que existe um vídeo para ser visto ou que existe uma actividade a ser realizada na plataforma digital de ensino e aprendizagem. 15. Balão com texto – Indica que existem comentários para lhe ajudar a verificar as suas respostas às actividades, exercícios e questões de auto-avaliação. 12 Pág. 12 - 39 Necessidades Especiais: enquadramento histórico, conceptual e político-legal Conteúdos 1 U N ID A D E Unidade no 1: Necessidades Especiais: enquadramento histórico, conceptual e político- legal…………...............….................................................................…13 Lição no 1: A Natureza Especial das Necessidades Educativas Especiais: Pedagogia especial e Necessidades Educativas Especiais………………………..………………………………………………………………14 1.1. Pedagogia Especial e Necessidades Educativas Especiais……………………………………………….........................................……15 Lição no 2: Necessidades Especiais e conceitos afin....................20 2.1. Necessidades Educativas Especiais………………………..……………..21 2.2. Deficiência……………………………………………..………..…………………….24 2.3. Desability/Disabilidade…………………………….……..…………………..26 Lição no 3: Necessidades educativas especiais como dificuldade evolutiva, de funcionamento educativo e de aprendizagem…………………………………………………..…..………………………29 3.1. Obstáculo, o dano e o estigma social. Três “sinais de alerta” sobre possíveis casos de NEE……....................................................…30 Lição no 4: Necessidade Educativas Especiais na perspectiva jurídica…………………………………………………………………….………….……….34 4.1. Da declaração Universal dos Direitos Humanos à emergência do direito à educação de pessoas com Necessidades Educativas Especiais………………….…………………………………………………………………35 13 Unidade no 1: Necessidades Especiais: enquadramento histórico, conceptual e político-legal Introdução A primeira unidade do módulo propõe-se a apresentar questões gerais sobre a disciplina. Nela traça-se uma breve história do tratamento dedicado à diversidade no mundo antigo para chegar a questionar-se sobre entendimento que hoje temos sobre a diversidade, particularmente no contexto escolar. Por fim, esboça-se uma breve perspectiva normativa, questionando-se sobre a jurisdição (inter)nacional relativa à educação de pessoas com necessidades educativas especiais. Para compreender melhor esta secção necessitará de alguns documentos normativos (Declaração de Salamanca, Declaração Mundial sobre Educação para TODOS, Lei 6/92, entre outros) que poderá baixar facilmente da internet. Embora se trate apenas da primeira unidade,e de uma matéria provavelmente nova, esperamos que não se sinta acanhado. Afinal, como o destacamos na introdução, na verdade, no seu dia-a-dia como professor, muito provavelmente já encontrou situações de Necessidades Educativas Especiais. Contamos com a sua experiência a este respeito. Vamos a isto? Objectivos Ao completar esta unidade, você será capaz de: Descrever o tratamento reservado à diversidade no mundo antigo; Definir o conceito de Necessidades Educativas Especiais; Identificar, na legislação internacional, os documentos que tutelam o direito à educação para as pessoas com necessidades educativas especiais; Descrever as propostas/inovações apresentadas pelos vários documentos internacionais para o tratamento dos alunos com necessidades educativas especiais; Descrever o tratamento reservado às pessoas com necessidades educativas especiais pela lei-quadro do sistema educativo nacional. 14 Lição no 1: A Natureza Especial das Necessidades Educativas Especiais: Pedagogia especial e Necessidades Educativas Especiais Introdução Nesta lição apresenta-se a natureza das Necessidades Educativas Especiais, definindo de modo particular o seu campo de pertença. Certamente já notou que este é o único módulo do seu curso cujo nome apresenta o termo “especial”. Pode então perguntar-se, o que há de especial nas Necessidades Educativas Especiais. Existirá, por exemplo, Psicologia especial, Filosofia especial ou Geografia especial? De igual forma, já reparou que em geral os módulos assumem o nome de uma ciência. Assim, o módulo de Psicologia Geral é dedicado ao estudo da ciência psicologia, tanto quando o módulo de Pedagogia é dedicado ao estudo da Pedagogia enquanto ciência. Por isso, pode ser justo questionar se as Necessidades Educativas Especiais são também uma ciência. O que lhe parece? Pare e pense: podemos considerar as Necessidades Educativas Especiais como uma ciência (a exemplo da filosofia, geografia, psicologia, pedagogia)? Ao longo desta lição procuraremos clarificar esta questão. Objectivos Ao terminar o estudo desta lição, deverá ser capaz de: Identificar o campo de estudos a que pertence o argumento “Necessidades Educativas Especiais”; Diferenciar a Pedagogia Geral da Pedagogia Especial; Identificar algumas disciplinas que se ocupam das Necessidades Educativas Especiais. Terminologia Necessidades Educativas Especiais, Deficiência, Diversidade, Educação para TODOS 15 1.1. Pedagogia Especial e Necessidades Educativas Especiais Certamente já ouviu falar de Pedagogia. E de Pedagogia Especial ou de Necessidades Educativas Especiais? Sabe o que significam estas expressões? Com a expressão Necessidades Educativas Especiais faz-se alusão a um campo de estudos vasto, denso e complexo. Trata-se, com efeito, de uma grande categoria que encontra-se no cruzamento de muitas disciplinas científicas, entre as quais a Pedagogia, a Medicina, a Psicologia, a Sociologia e a Economia, por exemplo. Todavia, como objecto de estudo, encontra a sua razão de ser nas ciências da educação, e mais concretamente na Pedagogia Especial. Enquanto disciplina de estudos, as “Necessidades Educativas Especiais” não são uma ciência (como seria a Pedagogia, a Psicologia, a História ou a Geografia, por exemplo), nem mesmo um grupo de ciências. Constituem, antes de mais, o objecto de estudo multiforme e de certo modo “interdisciplinar” da Pedagogia Especial. A expressão Pedagogia Especial pode parecer-lhe nova. Entretanto, acreditamos que ao longo do primeiro ano já ouviu falar de pedagogia. Está lembrado? Antes de prosseguir procure lembrar-se deste conceito e, se necessário, escreva-o numa folha à parte. Agora que já definiu a Pedagogia, está mais próximo de entender a Pedagogia Especial. O que será, então, a Pedagogia Especial? Como o nome sugere, é uma área da pedagogia1 (arte/ciência de educar/guiar as crianças) como um todo. A Pedagogia Especial será o produto do encontro entre a reflexão Pedagógica Geral e a Especial, que se ocupa justamente dos vários elementos – socioculturais, (inter)pessoais, psicofísicos, etc. – que intervêm negativamente na realização do fim último do processo educativo: fazer com que cada indivíduo realize no máximo o seu potencial e desenvolva habilidades, atitudes, comportamentos, etc., 1 Pedagogia: do grego pais (criança) e agoigein – (dançar, acompanhar, guiar), define-se como arte de acompanhar/educar/dar forma as crianças (ser em formação) (Bertagna; 2009). 16 julgados socialmente úteis. O que torna esta área especial é justamente o facto de ocupar-se dos problemas que os sujeitos enfrentam durante as suas aprendizagens e na tentativa de adaptação ao mundo circundante. Assim explicada, a Pedagogia Especial pode parecer uma ciência muito distante. Mas não o é. Mais uma vez, pare e pense: no seu dia-a-dia, enquanto professor, muito provavelmente encontrou alunos que por uma série factores tinham dificuldades para acompanhar as suas aulas e precisavam de um acompanhamento muito próximo durante toda a aula. Que tipo de dificuldades tinham esses alunos? Se não é professor, talvez tenha tido algum colega nessas circunstâncias. Pois bem, a pedagogia especial ocupa-se desta tipologia de alunos. Fig. 1. Exemplos de áreas da ciência pedagógica. 17 Enfrentando pela primeiríssima vez os argumentos da pedagogia especial incorre- se frequentemente o risco de pensar que estamos a falar unicamente de educação para pessoas portadoras de deficiência (surdos, mudos, cegos, sujeitos mentalmente débeis, etc.). Por consequência, passa-se a estudar esta problemática de um ponto de vista mais ou menos médico. A nossa opção, no presente curso, passa por explorar a dimensão pedagógica do fenómeno. Nesta perspectiva, todos os alunos, em algum momento da vida podem apresentar necessidades educativas especiais, mesmo que não estejam doentes ou sejam portadores de deficiência. Imagine o caso de uma criança cujos pais encontram-se em processo de divórcio litigioso. Coloquemos a hipótese de que tal divórcio tenha abalado a estrutura familiar e emocional da criança. O que poderia acontecer no aproveitamento escolar desta criança? Numa situação destas, talvez a criança perdesse gradualmente a capacidade de concentração durante as aulas, tivesse notas negativas e consequentemente corresse o risco de ser reprovada. Não nos parece razoável pensar que esta criança precise de uma atenção especial por parte do professor e de todos quantos são responsáveis pela sua aprendizagem? Do ponto de vista pedagógico, é óbvio que sim. Mas não se pode dizer o mesmo do ponto de vista biomédico. De facto, a criança não está doente, não é deficiente. Ela atravessa uma dificuldade pedagógica, derivada da sua difícil situação social/familiar. Tudo quanto tentamos dizer até aqui é que as necessidades educativas especiais não são um argumento associado unicamente à dimensão biomédica da pessoa. Elas dizem respeito à dimensão pedagógica, aos problemas que as pessoas encontram na sua aprendizagem, independentemente da origem (estes podem ser biológicos e por isso médicos; mentais e por isso psicológicos/psiquiátricos; sociais e por isso explicáveis do ponto de vista da sociologia, etc.). O que todas estas dificuldades têm em comum é o facto de influírem negativamente na vida escolar do sujeito. Na qualidade de (futuros) professores reflexivos2 aproximamo-nos das 2 O termo “professor reflexivo” remete-nos a ideia de um professor que não só age (lecciona), mas reflecte sobre a sua acção, de modo a melhorar as coisas que não estão bem e potenciar ainda mais as que estão na direcção certa. Esta é uma atitude bastanteencorajada nas últimas décadas. Se ainda não é um professor reflexivo, convidamo-lo a ser, principalmente de modo a poder compreender e ajudar melhor os seus alunos com Necessidades Educativas 18 Necessidades Educativas Especiais com os olhos da pedagogia, isto é, buscando a implicação pedagógica de todas estas dificuldades (que como se disse podem ser de origem biológica, social, económica, etc.). Esta é uma perspectiva importante que devemos ter sempre presente ao longo do todo o módulo. Agora que indicamos o estudo dos “alunos com dificuldades de adaptação no mundo escolar” como a preocupação da Pedagogia Especial, torna-se mais fácil identificar as disciplinas que podem contribuir para este fim. A partir do tipo de dificuldades que os seus alunos têm, pode pensar no tipo de especialistas que consideraria úteis para ajuda-lo. Já pensou? Quais são? Provavelmente a sua lista inclui médicos, psicólogos e sociólogos. Embora as demais disciplinas sejam úteis, a Medicina, a Psicologia e a Sociologia parecem ter uma relação mais evidente com a Pedagogia Especial. Consegue descrever tal relação? A medicina ajudaria, por exemplo, na explicação/cura daqueles problemas de saúde que interferem na aprendizagem (por exemplo, problemas auditivos e visuais)3. A psicologia explica muitas das chamadas “Dificuldades Específicas de Aprendizagem”, como a dislexia, disgrafia, discalculia, disortografia, das quais nos ocuparemos mais adiante. A sociologia explicaria a influência dos factores sociais como a exclusão e a marginalidade na aprendizagem dos alunos. Atenção Necessidades Educativas Especiais não são uma ciência. Elas são o objecto de estudo da Pedagogia Especial. Especiais. Esta atitude reflexiva pode ser estendida à sua escola como um todo, trocando as suas impressões sobre o ensino com os seus colegas que vivem ou viveram problemas similares. 3 De facto, nas últimas décadas nasceu uma nova área da pedagogia: a chamada pedagogia hospitalar, que se preocupa em levar o acompanhamento pedagógico para os alunos que se encontram internados por longos períodos nas unidades hospitalares de modo a que não fiquem muito desactualizados em relação às aprendizagens escolares dos seus colegas não hospitalizados. 19 Resumo Como campo/disciplina de estudos, as Necessidades Educativas Especiais são o objecto de estudo da Pedagogia Especial, por um lado . Por outro, podemos dizer que a pedagogia especial é a área da Pedagogia que se ocupa pela reflexão em torno dos “problemas de aprendizagem” dos alunos. As necessidades educativas especiais podem surgir de diversos factores (biológicos, sociais, económicos, etc.). Este facto permite que a pedagogia especial receba contributos de várias outras disciplinas. Auto-Avaliação 1. Defina a Pedagogia Especial. 2. Que disciplinais se podem ocupar do estudo das necessidades educativas especiais? Por quê? 3. Na qualidade de profissionais de educação e/ou de estudantes, relatem casos concretos que vivenciaram de alunos que tinham NEE. Por que consideram que estes alunos têm uma NEE? Comentários 1. A pedagogia especial é a área da pedagogia que tem por vocação o estudo das necessidades educativas especiais. 2. Para além da pedagogia especial, as principais disciplinas que estudam as necessidades educativas especiais são a psicologia, a biologia/medicina, a sociologia, a antropologia, entre outras. A pedagogia especial recebe contributos de todas essas áreas porque as necessidades educativas especiais podem surgir de factores bio-médicos (biologia/medicina), sociais (sociologia), psicológicos (psicologia), entre outros. 3. Resposta aberta. As respostas a esta pergunta servirão de abertura para a lição seguinte, na qual explica-se o conceito de NEE. 20 Lição no 2: Necessidades Especiais e conceitos afins Introdução Nesta lição discute-se o conceito de NEE, entre outros que lhe são frequentemente associados. Assim, serão bastante úteis as respostas à questão 3 da última lição. Como eram os alunos que descreveu como casos de NEE? Por que motivos considera-os alunos com NEE? É possível que dentre os casos que descreveu existam alunos com deficiência. Então, é correcto considerar um aluno com deficiência como um aluno com NEE? Porquê? Para superar estas questões, achamos por bem definir, nesta lição, o termo “deficiência”. Objectivos Ao terminar o estudo desta lição, deverá ser capaz de: Descrever a génese da preocupação humana pelas pessoas portadoras de deficiência; Identificar a concepção da deficiência nas civilizações do antigo Egipto, da Grécia e Roma antigas; Definir de necessidades educativas especiais. Terminologia Deficiência, Necessidades Educativas Especiais, funcionamento educativo e de aprendizagem 21 2.1. Necessidades Educativas Especiais Na lição passada discutimos o conceito de Pedagogia Especial. Como se define a Pedagogia Especial? Na sua resposta, com certeza ficaram implícitas ideias úteis para construi o conceito de NEE. Então, e tendo em conta a questão número 3 da tarefa de autoavaliação da lição passada, como definiria NEE? (pode escrever tal definição num papel à parte) Embora em uso desde os anos 60, a expressão Necessidades Educativas Especiais (special education needs) ganha força nos fins da década de 1970 num relatório apresentado ao parlamento do Reino Unido, pela Secretaria do Estado para Educação e Ciência, Secretaria do Estado para a Escócia e pela Secretaria do Estado para o País de Gales. O Documento, posteriormente denominado Relatório Warnock/Warnock Report4, resumia as constatações do primeiro comité britânico constituído para reavaliar o atendimento aos deficientes. O nome Warnock é uma alusão à presidente deste grupo de trabalho, Mary Warnock. Com o uso da expressão Necessidades Educativas Especiais o comité pretendia distanciar-se da categorização médica das crianças e jovens com deficiência, adoptando uma classificação mais funcional ao universo escolar. Todavia, somente com a publicação da Education Act de 1981 na Inglaterra, este conceito foi claramente definido. De acordo com este documento, diz-se que “uma criança tem Necessidades Educativas Especiais se tem dificuldades de aprendizagem que obrigam a uma intervenção educativa especial, concebida especificamente para ela” (Sanches & Teodoro; 2006: 64). Coll, Palacios e Marchesi (2007: 11) afirmam que um aluno tem Necessidades Educativas Especiais quando “apresenta algum problema de aprendizagem ao longo da sua escolarização, que exige uma atenção mais específica e maiores recursos educacionais do que os necessários para os colegas da sua idade”5. 4 O relatório foi produzido em 1974 mas publicado em 1978. 5 Nesta definição, dois aspectos saltam à vista: problemas de aprendizagem e recursos educacionais necessários para evitais tais problemas. A ideia de dificuldades/problemas de aprendizagem – que não deve confundir-se com a de dificuldades específicas de aprendizagem/DEA – remente-nos aos objectivos instrucionais estabelecidos no curriculum e aos sistemas de avaliação empregues. De facto, quanto maior for a rigidez do sistema educacional, a homogeneidade existente e a ênfase nos objectivos cognitivos/racionais em detrimento dos emocionais, artísticos, manipulativos, etc., e quanto menor for a capacidade de adaptação, flexibilização curricular, etc., maiores serão as 22 De modo mais amplo, define-se Necessidades Educativas Especiais a um «conjunto de factores de risco, de ordem intelectual, emocional efísica, que podem afectar a capacidade de um aluno em atingir o seu potencial máximo no que concerne a aprendizagem, académica e sócio emocional». Estes factores podem, assim, originar “discapacidades” ou “talentos”, podem afectar uma ou mais áreas do funcionamento do aluno e podem ser mais ou menos visíveis (Correia, 2008: 43). Pode-se dizer ainda que um aluno tem uma Necessidade Educativa Especial quando o seu funcionamento na aprendizagem e no desenvolvimento encontra alguma dificuldade e, por consequência lhe vem dedicada uma educação especial, mais eficaz e específica, por via da integração e da inclusão (Ianes, 2005: 11). Agora pare e pense: em que medida o conceito que você avançou anteriormente aproxima-se de um destes? Se apresentam alguma relação, está de parabéns. Caso contrário, não desanime: o erro é uma parte fundamental do processo de aprendizagem. Para operacionalizarmos melhor estes conceitos, lembremo-nos de que ao longo do percurso afirmamos que a categoria necessidades educativas especiais vai para além da simples presença de distúrbios físicos que possam ser motivo de dificuldades de aprendizagem. Se consideramos esta premissa como verdadeira, convém-nos buscar um critério mais amplo para a definição das NEE. Um ponto de partida essencial consiste em considerar que as NEE (independentemente da causa, que pode ser biológica, social, económica, etc.) encontram-se na pessoa, e mais precisamente na relação que esta estabelece com o meio circundante (o escolar em particular). Então, podemos dizer que as necessidades educativas especiais são um problema antropológico6que se manifesta na inaptidão de adaptação do sujeito ao meio possibilidades de existência de alunos que se sintam desvinculados do processo e aprendizagem e manifestem, por conseguinte, dificuldades de aprendizagem. Por sua vez, a ideia de recursos educacionais refere-se, imediatamente, a elementos como o número de professores ou especialistas em Necessidades Educativas Especiais de que a escola dispõe, a diversidade de material didáctico, a eliminação de barreiras arquitectónicas, etc. (cf. Coll, Palacios e Marchesi; 2007) 6 Sublinhamos (problema) antropológico porque manifesta-se no Homem (só o Homem tem uma NEE). Mas também porque diz respeito ao ser pessoa/Homem (do grego anthropos) como um todo e não a uma dimensão 23 escolar. Um importante documento que trata do Ser humano em termos de funcionamento/adaptação em relação ao meio é o ICF (International Classification of Fuctioning, Disability and Health, WHO, 2001), criado pela Organização Mundial da Saúde - OMS. Interpretando este documento, podemos dizer que não existe uma (in)adaptação absoluta do Homem em relação ao seu meio, isto é, o Homem pode comportar-se com desenvoltura ou encontrar-se em dificuldades, em função da interacção que existe entre a sua dotação biológica, a sua história pessoal e as condições que o mundo apresenta em determinado momento. Imagine a seguinte situação: você fala fluentemente português, está inscrito num curso universitário. Por alguma razão tem de mudar-se para um país cuja língua de ensino desconhece por completo. Você é colocado na aula de biologia da 7ª Classe. Como é que acha que se sairia? E como é que você acha que se sairia se a mesma aula fosse dada na língua portuguesa? Seguramente melhor, não acha? Pedagogicamente falando, um estudante universitário que tenha sido educado unicamente em Português (e, portando, apto para um sistema educativo cuja língua seja a portuguesa) pode encontrar-se desajustado quando convidado para expressar-se em torno de conceitos/ideias elementares com recurso a uma língua que lhe é estranha, o Francês, por exemplo. Estamos a afirmar, simplesmente, que no cenário descrito acima, o estudante não “funciona (pedagogicamente) bem” e carece de uma atenção educativa especial. Podemos dizer o mesmo em relação a uma criança que, sendo surda e incapaz de fazer uma leitura labial, encontre dificuldades para acompanhar o que a professora explica na primeira aula da primeira classe e, por isso mesmo, precisa de uma atenção educativa especial. Por tudo quanto dissemos ao longo do percurso, podemos pensar que a ideia de necessidades educativas especiais parece ser mais funcional para descrever as nossas turmas do que classificações muito limitadas quanto a deficiência ou particular, isto é, dizem respeito ao modo como o Homem adapta-se ou meio escolar ou como este é adaptado para acolher o Homem. 24 dificuldades específicas de aprendizagem, porque abrange qualquer sujeito que em determinado momento da vida precise de ajuda para se adaptar ao mundo da escola (um adulto que sofreu um acidente e tornou-se cego, um cego congénito que aproxima-se pela primeira vez à escola, um toxicodependente em reabilitação e que tenha perdido inteiramente as capacidades mnemónicas, etc.).7 2.2. Deficiência Você certamente que já ouviu falar muito sobre deficiência, quer na sociedade em geral quer na escola. Muito provavelmente você próprio já se referiu a esse termo. Mas afinal, de que é que estamos falando quando o assunto é deficiência? Segundo Organização Mundial de Saúde, deficiência é o substantivo atribuído a toda a perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatómica. Refere-se, portanto, à biologia do Ser humano. Entretanto, esta concepção tem vindo a mudar, assistindo-se à passagem de um modelo médico para um modelo social. Assim, pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interacção com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efectiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (cf. OMS, 2011). Excursos 1. A lição de Lev Vygotskij sobre a deficiência Para o psicólogo russo Lev Semënovič Vygotskij (1896 – 1934), o problema da deficiência deve ser colocado e compreendido como problema social primário e fundamental (Pesci & Pesci, 2005: 152). Isto significa que a deficiência não é apenas um dado físico/biológico. Por exemplo, o Vygotskij distingue dois tipos de deficiência – primária e secundária. A deficiência primária é biológica (lesões orgânicas, cerebrais, malformações, alterações cromossómicas, etc.) e a 7 A declaração de Salamanca marca um momento de mudança paradigmática na forma como hoje compreendemos alunos com necessidades educativas especiais, passando a incluir, para além dos tradicionalmente considerados alunos com NEE, aqueles que vivem em situação difícil, deslocados de guerra, crianças de rua, failing (reprovação), etc. 25 secundária é social. O conceito de deficiência social diz respeito ao desenvolvimento do sujeito que apresenta traços da deficiência primária/física, em função das interacções sociais). O autor acreditava firmemente que a forma como o sujeito que apresenta uma deficiência física desenvolve-se estava fortemente relacionada com o modo onde vive e com as interacções sociais com as quais está envolvido. Levando ao extremo as suas ideias, Vygotskij dizia que não era importante saber qual doença/defeito a pessoa tinha, mas que pessoa tinha tal doença/defeito. Em termos mais simples, conhecemos pessoas invisuais que, devido ao facto de ter frequentado uma escola, podem mover-se livremente pela sua cidade, bastando- lhe o uso da bengala branca. Entretanto, há casos de pessoasinvisuais que não podem locomover-se livremente em sua própria casa. O que diferencia estas pessoas? Se ambas são invisuais, então, não pode ser a deficiência. Partindo de análises deste género Vygotskij chegou ao conceito de compensação social. Em um dos seus livros, o psicólogo escrevia: “A educação das crianças com diferentes defeitos deve basear-se no facto de que simultaneamente com o defeito estão dadas também as tendências psicológicas de uma direcção oposta; estão dadas as possibilidades de compensação para vencer o defeito e de que precisamente essas possibilidades se apresentam em primeiro plano no desenvolvimento de crianças e devem ser incluídas no processo educativo como sua força motriz” (Vygotskij, 1995, Apud Garcia, 1999: 46). Assim, embora os vários tipos de deficiências sejam relacionadas também com circunstâncias biológicas, a educação deve estar voltada para suas consequências sociais. Então, a deficiência deve ser compreendida como um condicionamento biológico-social, o que significa que os dados sociais que a pessoa com deficiência física encontra podem contribuir para minimizá-la ou agudiza-la (um surdo instruído parecerá mais inteligente do que aquele que não teve a oportunidade de escolarizar-se, por exemplo). Em síntese, a educação não deve orientar-se para a deficiência (pedagogia terapêutica) ou invalidez como princípio. Esta é apenas um dado de partida que deve ser contornado com o apoio da sociedade (escolarização e participação social). 26 2.3. Desability/Disabilidade Quem lê artigos ou os relatórios mundiais sobre a deficiência publicados pela OMS em Inglês, com certeza já deparou-se com a expressão disability. Se já deparou-se com ela, certamente encontrou algumas dificuldades para encontrar um termo equivalente em português. O que seria, então a disability? Tem alguma ideia? O termo desabilidade/disability representa a consequência de uma deficiência que pode ser física, cognitiva, mental, sensorial, emocional, desenvolvimental, ou de uma combinação destas. Ela pode ser congénita ou adquirida ao longo da vida. Assim entendida, a desabilidade é um termo “umbrella” que diz respeito a deficiências, limitações nas actividades, na participação social e demais restrições. Uma limitação na actividade é uma dificuldade encontrada por um sujeito no desenvolvimento de actividades do dia-a-dia. A desabilidade revela-se, assim, como um fenómeno – falta de habilidade – complexo resultante das interacções entre elementos da estrutura corporal do sujeito e elementos da sociedade em que o sujeito vive. Resumo O conceito de Necessidades Educativas Especiais carrega uma história antiga. Hoje entende-se por necessidades educativas especiais um conjunto de factores de risco de ordem intelectual, emocional e física, que podem afectar a capacidade de um aluno em atingir o seu potencial máximo no que concerne a aprendizagem, académica e sócioemocional. Este conceito tem a particularidade de alargar a ideia de Necessidades Educativas Especiais para além da perspectiva limitante e de certo modo preconceituosa de “deficiência”. 27 Auto-Avaliação Para definirmos Necessidades Educativas Especiais devemos recorrer ao critério de funcionamento educativo e de aprendizagem. Argumente num texto claro e preciso, contendo entre 5 e 10 linhas. Comentários A adopção da expressão “funcionamento educativo e de aprendizagem” para a definição das necessidades educativas especiais justifica-se pelo facto de esta deslocar a ideia de necessidades educativas especiais da pessoa (geralmente portadora de deficiência), para a relação que a pessoa estabelece com o meio e o ajustamento desta no meio escolar. Assim, ter uma necessidade educativa especial não significa ser portador de uma deficiência mas sim um mau ajustamento (funcionamento) educativo e de aprendizagem, que pode ou não ser causado por alguma doença. 28 Bibliografia Básica COLL, César, MARCHESI, Álvaro, PALACIOS, Jesús (2007). Desenvolvimento psicológico e educação: transtornos do desenvolvimento e necessidades educativas especiais. 2. ed. Porto Alegre: Artmed. CORREIA, Luís de Miranda (2008). Inclusão e necessidades educativas especiais. Um guia para educadores e professores, 2ª ed., Porto Editora: Porto. IANES, Dario (2005). Bisogni educativi speciali e inclusione. Valutare le reali necessità e attivare tutte le risorse, Erickson: Trento. GARCIA, R. M. Cardoso (1999). A Educação de Sujeitos Considerados Portadores de Deficiência: contribuições Vygotskianas,In Ponto e Vista. v. 1 • n. 1 • Julho/Dezembro de 1999, pp. 42-46. PESCI, Guido, PESCI, Simone (2005). Le radici della pedagogia speciale, Armando Editore: Roma. SANCHES, Isabel, TEODORO, António (2006). Da integração à Inclusão escolar: cruzando perspectivas e conceitos, in Revista Lusófona de Educação, n° 8, 63-83 WHO (2001). International Classification of Fuctioning, disability and Health: ICF, WHO Library Cataloguing-in-Publication Data: Genebra. WHO (2011). World report on disability 2011, WHO, S/L 29 Lição no 3: Necessidades educativas especiais como dificuldade evolutiva, de funcionamento educativo e de aprendizagem Introdução A presente lição repensa o conceito de necessidades educativas especiais, para apresenta-lo como uma dificuldade evolutiva, de funcionamento educativo e de aprendizagem. Sublinha-se assim, mais uma vez, que necessidade educativa especial não é sinónimo de deficiência. Antes de avançarmos, e em função dos conceitos discutidos na última aula, concorda com este posicionamento? Se sim, apresente, com base na sua experiência, exemplos de alunos que tenham NEE mas que não sejam deficientes. Objectivos Ao terminar o estudo desta lição, deverá ser capaz de: Explicar o conceito de deficiência física como condicionamento biológico-social; Exemplificar a ocorrência do dano, do obstáculo e do estigma social na definição de um mau funcionamento educativo e de aprendizagem. Terminologia Dano, obstáculo, estigma social, funcionamento educativo, condicionamento biológico-social. 30 3.1. Obstáculo, o dano e o estigma social. Três “sinais de alerta” sobre possíveis casos de NEE Na aula passada definimos NEE. Está lembrado? O que significa a expressão NEE? E quais, na sua opinião, são os sinais de alerta para um possível caso de NEE? De acordo com a Unesco, o conceito de NEE alarga-se para além das que são parte da categoria da deficiência, cobrindo alunos que têm mau desempenho escolar (failing) por uma série de outras razões que impendem um desenvolvimento optimizado. Se bem se lembra, ao definirmos NEE, dissemos que a forma mais correcta de pensar neste conceito é concebe-lo em termos de dificuldades de funcionamento educativo. O funcionamento educativo ou modo como o sujeito opera no processo educativo é um encontro entre a biologia, experiências ambientais e relações, actividade e iniciativas deste (entenda-se aluno). É, por assim dizer, a resultante global das reciprocas influências entre a dotação biológica e o ambiente no qual a acriança cresce, onde a par de factores externos como as relações, a cultura, os espaços físicos, etc. encontra factores contextuais pessoais, como são os casos da auto-estima, identidade, motivação, etc. Quando os vários factores interagem positivamente, a criança crescerá sã e funcionará bem do ponto de vista educativo e de aprendizagem. Em alternativa, o seu funcionamento será dificultoso, bloqueado, debilitado, doentio, marginalizado, com necessidades educativas especiais. (Ianes; 2005: 35). Qual é a vantagem do uso da expressão “funcionamento educativo e de aprendizagem”? Usando a ideia de funcionamento educativo e de aprendizagemvencemos o estereótipo de pensar que NEE dizem respeito apenas aos portados de deficiência. Assim, por exemplo, uma participação social fraca (que nada tem a ver com a deficiência física) pode ser fonte de mau funcionamento educativo e de aprendizagem. De facto, segundo a OMS, uma pessoa funciona bem se participa socialmente e se possui papéis de vida social em modo integrado e activo. 31 Da interacção de factores contextuais, ambientais e pessoais, podem-se originar combinações de NEE. Mas como você, caro estudante, pensa que se pode perceber/aferir que estamos perante um funcionamento problemático? Com certeza esta pergunta trouxe-lhe à mente muitas sugestões. E, se associarmos às sugestões de toda a turma, teremos inúmeros critérios para definir um funcionamento problemático. Embora com grande probabilidade todos os critérios propostos pela turma sejam úteis, ocupar-nos-emos aqui de apenas três, segundo a proposta do pedagogo italiano Dário Ianes (2005), nomeadamente: o dano, o obstáculo e o estigma social. O primeiro critério para captar o mal-estar gerado por um funcionamento problemático é o dano, evidentemente vivido pelo aluno ou produzido sobre os outros, alunos ou adultos, quanto à sua integridade física actual, psicológica ou relacional. Uma situação de funcionamento é realmente problemática para o aluno se o danifica directamente ou danifica aos demais: pense-se, a propósito, nos distúrbios de comportamento graves como o auto-lesionismo, distúrbios emotivos graves, comportamentos violentos, etc. Em ausência de dano evidente assume-se o critério do obstáculo. Um funcionamento problemático é realmente tal para a criança em questão se bloqueia o seu desenvolvimento futuro, ou seja, se o condicionará nas futuras aprendizagens cognitivas, sociais, relacionais e emotivas. Para elucidar melhor este princípio, tomemos como exemplo o preceito de progressão semiautomática presente nos currícula das classes iniciais. Uma progressão semiautomática significa que os professores assumem que embora o aluno não tenha maturado todos os requisitos impostos aos alunos da sua classe, desenvolveu o mínimo de conhecimentos e competências que o permitirão enfrentar com êxito a classe seguinte. Se ao longo dos anos, estas competências não forem suficientemente aprofundadas, o aluno poderá, em alguma classe, encontrar um obstáculo. Neste caso, o aluno sentirá enormes dificuldades em adquirir novas aprendizagens porque lhe faltarão aprendizagens básicas que deveria ter desenvolvido nas classes anteriores (por exemplo, um aluno não pode compreender o conceito de números primos se não conhece antes os números naturais). Quando assim acontece, o aluno fica bloqueado, isto é, impossibilitado de passar para as classes seguintes, repetindo sistematicamente a mesma classe. 32 O terceiro critério é o estigma social. No contexto das NEE, o estigma social significa o facto de aluno ser alvo de descriminação social pelo facto de apresentar baixas performances escolares. Por exemplo, um aluno com dificuldades sérias de leitura e escrita em classes que não devia apresentar tais dificuldades, pode ser objecto de piadas por parte do resto da turma e, eventualmente, ter algumas dificuldades em fazer novas amizades. O que acha dos três critérios apresentados acima? Para que um aluno seja considerado com NEE deve apresentar todos estes critérios? A resposta para a última questão é não. Basta a presença de um destes critérios. Entretanto, é bom que se diga que estes não são critérios para diagnosticar NEE. São simplesmente sinais que nos alertam para a necessidade de uma investigação aprofundada, com o apoio de outros profissionais de modo a aferir a existência ou não de um caso de NEE. Resumo Ao definirmos genericamente as Necessidades Educativas Especiais como um desajustamento no processo de ensino e aprendizagem assumimos que vários elementos podem indicar tal desajustamento. Alguns destes sinais de alerta são o dano (perigo quanto à própria integridade pessoal ou dos colegas), o estigma social (discriminação em resultado do baixo desempenho escolar) e o obstáculo (dificuldade de adquirir novas aprendizagens e consequente retenção escolar) Auto-Avaliação 1. Elabore uma síntese de 10 linhas que explicite a ideia de necessidades educativas especiais como dificuldade evolutiva, de funcionamento e de aprendizagem. 2. Mostre, com exemplos, como uma pessoa pode não ter nenhuma deficiência física e ter NEE. 33 Comentários 1. Na síntese deverá ficar claro que as necessidades educativas especiais resultam da interacção entre factores pessoais (por exemplo, a dotação biológica) e factores sociais (por exemplo, as condições que esta encontra na escola). Se esta interacção for positiva, a criança funcionará positivamente do ponto de vista de aprendizagem, isto é, evoluirá positivamente. 2. Resposta aberta. Bibliografia Básica IANES, Dario (2005), Bisogni educativi speciali e inclusione. Valutare le reali necessità e attivare tutte le risorse, Erickson: Trento. PESCI, Guido, PESCI, Simone (2005). Le radici della pedagogia speciale, Armando Editore: Roma. 34 Lição no 4: Necessidade Educativas Especiais na perspectiva jurídica Introdução Se é professor, é quase certo que na sua escola já ouviu falar de NEE. Se este é o seu caso, que tipo de documentos normativos a sua escola tem a este respeito? Quais desses documentos já leu? Nesta lição irá apreciar a protecção que as pessoas com NEE têm por parte da legislação internacional e nacional. Assim, é indispensável o uso da Lei-quadro do Sistema Nacional da Educação (Lei 6/92) e da Declaração de Salamanca. Ambos documentos podem ser facilmente acessíveis com uma breve pesquisa na internet. Objectivos Ao terminar o estudo desta lição, deverá ser capaz de: Identificar os principais documentos internacionais que assistem o direito à educação das pessoas com necessidades educativas especiais; Explicar em que grau a lei que rege o sistema educativo moçambicano cobre as pessoas com necessidades educativas especiais. Terminologia Necessidades Educativas Especiais, direito à educação, igualdade de oportunidades 35 4.1. Da declaração Universal dos Direitos Humanos à emergência do direito à educação de pessoas com Necessidades Educativas Especiais. Com base na sua experiência, acha que o atendimento dispensado às pessoas com deficiência hoje é muito diferente do descrito acima? Se sim, em quê? Conhece o caso de alguma criança com deficiência que frequente a escola? Em alternativa, conhece casos de crianças que não são matriculadas na escola simplesmente pelo facto de apresentarem uma deficiência? Se um aluno tem uma aprendizagem dificultada devemos força-lo a aprender? Em que medida a escola deve ocupar-se de pessoas que apresentam uma desvantagem óbvia em termos de dotação biológica para a aprendizagem, como os surdos, mudos e invisuais, por exemplo? A expressão “EDUCAÇÃO PARA TODOS” com certeza não é nova para si. De facto, no mundo contemporâneo a educação é um direito, o que quer dizer que alguém (ou alguma instituição) tem o dever de provê-la a todos quantos queiram usufruir dela. Esta ideia está expressa, ainda que de diversas formas, a nível de muitos documentos normativos. Vejamos alguns dos exemplos mais marcantes: A Declaração Universal sobre os Direitos Humanos (ONU, 1948), defende em seu artigo primeiro a igualdade das pessoas em direitos e oportunidades. Aplicado ao contexto das NEE, este princípio significa que todos, incluídos os alunos com NEE ou deficiência têm o direito à escolarização. A Convenção Sobre os Direitos da Criança (Unicef, 1989), defende o direito que as crianças têm a serem respeitadas ea beneficiarem-se de todas as condições necessárias para o seu crescimento saudável, o que inclui a educação. Estes direitos são extensivos a todas as crianças do mundo, incluindo aqueles que apresentam NEE. Como o nome sugere, A Declaração mundial sobre educação para todos (1990) é um documento resultante duma conferência sobre a educação para todos havida em Jomtien. Este documento, embora não dedicado especialmente à defesa dos 36 direitos das pessoas com NEE reafirma o princípio da igualdade de oportunidades para todos, em particular no campo educativo, defendendo a necessidade de que nenhuma criança seja excluída da escola, em nenhum lugar do mundo. As Regras Gerais sobre a Igualdade de Oportunidades para Indivíduos com Deficiências (ONU, 1993), e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (NU, 2006), por exemplo, são documentos internacionais que se ocupam da igualdade de direitos/oportunidades para especificamente para as pessoas com deficiência. Em síntese, estes textos defendem que a deficiência não pode ser um motivo de exclusão social, pelo que, todos os deficientes têm o direito de participar da vida em sociedade e de serem respeitados nas suas particularidades, na escola, no trabalho e em outros locais públicos, os quais devem ser adaptados de acordo com as suas necessidades. Entretanto, o documento mais conhecido em matéria de educação de pessoas com NEE é a Declaração de Salamanca – (Unesco, 1994), texto resultante da Conferência Mundial sobre as Necessidades Educativas Especiais – havida em Salamanca, Espanha. A declaração de Salamanca apresenta uma definição inovadora das NEE (vide as aulas anteriores), defende o princípio da Educação Inclusiva e define uma série de medidas a serem tomadas pelos Estados8, com vistas a oferecer uma educação de qualidade aos alunos com NEE. Em síntese, todos estes documentos dizem que as pessoas têm direito à igualdade de oportunidades, independentemente da sua condição física. Alguns destes documentos foram criados exclusivamente para pessoas portadoras de deficiência (Regras Gerais sobre a Igualdade de Oportunidades para Indivíduos com Deficiências), e outros ainda foram pensados para a educação das pessoas portadoras de deficiência em particular (veja-se as Declarações de Jomtien e de Salamanca as quais advogam que todas as crianças têm direito a uma educação de qualidade). Agora pare e pense! De quais destes documentos já havia ouvido falar? Quais existem em sua escola? O que acha dos princípios por eles defendidos? Já ouviu falar dos documentos normativos sobre a educação no nosso país? Quais 8 Aos grupos de 5, os estudantes farão uma ficha de leitura da Secção II - DIRECTRIZES DE ACÇÃO A NÍVEL NACIONAL – da Declaração de Salamanca 37 conhece? O que dizem? Moçambique é um Estado Soberano que se rege por leis próprias. A lei da qual derivam todas as outras leis do país é a Constituição da República. O que diz a constituição da república sobre a educação de alunos com deficiência ou com NEE? A Constituição da República não se debruça especificamente sobre este tema, ela define os princípios gerais que inspiram as demais leis. Um dos princípios definidos pela Constituição da República é o da igualdade. Todos os moçambicanos são iguais perante a lei, o que significa que nenhum moçambicano pode ser excluído da escola, por qualquer motivo que seja. Entretanto, nas aulas de História da Pedagogia poderá ter falado da legislação específica sobre a educação em Moçambique. Se esse é o caso, sabe que a lei que regula o nosso sistema educativo é a Lei 6/93 de 23 de Março. Está lembrado? O que diz esta lei? Embora não aborde claramente a questão da educação de pessoas portadoras de necessidades educativas especiais, o primeiro princípio geral define que a educação é um direito e dever de todos os cidadãos. Por fim, o artigo 29, por exemplo, é inteiramente dedicado à educação especial (que é uma das formas de atenção às pessoas portadoras de necessidades educativas especiais). Para além da lei-quadro do nosso sistema educativo, o Ministério da Educação e Cultura produziu alguns documentos que têm em vista regular a educação de alunos com necessidades educativas especiais, nomeadamente, a Estratégia da Educação Inclusiva (MEC-DEE, 2004) e as Políticas e Perspectivas das necessidades educativas Especiais no contexto moçambicano (MEC-DEE, 2006). Estamos, portanto, do ponto de vista normativo, longe do tempo em que a deficiência era considerada uma anomalia que conferia aos seus portadores uma condição quase sub-humana. Entretanto, sabemos que por vezes nem sempre a lei corresponde à prática. Com base na sua experiência enquanto professor, acha que estas leis são cumpridas no nosso país? Se não, quais têm sido as grandes dificuldades? 38 Resumo O país e o mundo são particularmente atentos à educação de pessoas portadoras de necessidades educativas especiais. Este facto pode ser atestado pela quantidade de documentos emanados – particularmente pelas NU e pela UNICEF – a este propósito. Pode revelar-se também útil uma breve análise da lei-quadro do sistema educativo nacional. Todavia, é prudente reconhecer que por vezes existe uma distância entre a legislação e o que acontece no dia-a-dia, a nível das nossas escolas. A nossa experiência pessoal sugere de facto que apesar da legislação, podemos melhorar ainda certos aspectos ligados à sua implementação. Auto-Avaliação 1. Indique os principais documentos internacionais que defendem a educação de pessoas com NEE e diga qual é a maior contribuição de cada uma. 2. Em que medida a lei-quadro do sistema educativo nacional cobre o direito à educação de pessoas com necessidades educativas especiais? 3. Que outros documentos legislam a educação de alunos com necessidades educativas especiais em Moçambique? Comentários 1. Declaração Mundial sobre Educação para Todos (criada em Jomtien, em 1990), Regras Gerais sobre a Igualdade de Oportunidades para Indivíduos com Deficiências (1993), Declaração de Salamanca – (Unesco, 1994), Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, entre outros. 2. A lei-quadro do Sistema Nacional de Educação diz que a educação de pessoas Portadores de Necessidades educativas especiais é feita em escolas especiais, ou em turmas especiais nas escolas regulares. 3. Estratégia da Educação Inclusiva (MEC-DEE, 2004) e as Políticas e Perspectivas das necessidades educativas Especiais no contexto moçambicano (MEC-DEE, 2006). 39 Bibliografia Básica CONFERÊNCIA MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS. (1990). Declaração mundial sobre educação para todos, Jomtien: Unesco. Lei 6/92, de 06 de Março de 1992. (1992, 06 de Março). Reajusta o quadro geral do sistema educativo. MOÇAMBIQUE. MEC-DEE. (2004). Estratégia da Educação Inclusiva. Maputo. MOÇAMBIQUE. MEC-DEE. (2006). Políticas e Perspectivas das necessidades educativas especiais no contexto moçambicano. Maputo. ONU (2006), Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, Nova Iorque: ONU. ONU (1993), Regras gerais sobre a igualdade de oportunidades para pessoas com deficiências, Nova Iorque: ONU. UNESCO (1994), Conferência mundial sobre necessidades educativas especiais: acesso e qualidade. Unesco: Salamanca. UNICEF (1989), Convenção sobre os direitos da criança, Unicef: Nova Iorque. 40 Pág. 40 - 57 Tradições e marcos do atendimento aos alunos com Necessidades Educativas Especiais Conteúdos 2 U N ID A D E Unidade no 2: Tradições e marcos do atendimento aos alunos com Necessidades Educativas Especiais…….............................................................................…41Lição no 1: Educação Especial, Integração e Inclusão…………………………..............……………………………………….…….42 1.1. A resposta da escola para os alunos com necessidades educativas especiais…..............…………………………………………….….43 41 Unidade no 2: Tradições e marcos do atendimento aos alunos com Necessidades Educativas Especiais Introdução Na primeira unidade apresentamos de forma geral os principais aspectos ligados á história e conceito do nosso objecto de estudo: as NEE. Então, as páginas anteriores ajudaram a melhorar a compreensão que tem das NEE. Esperamos bem que sim. Nesta unidade você irá discutir a resposta da escola contemporânea para o atendimento dos alunos com Necessidades Educativas Especiais. Irá clarificar e estabelecer diferenças entre a educação especial, a integração e a inclusão, três práticas que representam pressupostos psicopedagógicos diferentes. Caso trabalhe numa escola que se considera inclusiva ou que acolhe alunos com NEE poderá ser útil a sua experiência neste particular. Caso contrário, juntos iremos procurar pensar nas melhores alternativas para tornar a sua escola inclusiva. Vamos a isso? Objectivos Ao completar esta unidade, você será capaz de: Definir educação especial, integração e educação inclusiva; Identificar as vantagens e as inconveniências de cada tipo de educação; Descrever os processos que levaram à afirmação do ideal da escola inclusiva; Descrever as mudanças que a prática da educação inclusiva impõe à escola e aos seus membros. 42 Lição no 1: Educação Especial, Integração e Inclusão Introdução Nesta lição focalizam-se as principais práticas de atendimento para alunos com necessidades educativas especiais: Educação Especial; Integração e Inclusão. Será dedicada alguma atenção ao estudo da proposta de actuação defendida pela lei 6/92. Assim, aconselhamos que tenha por perto este documento, assim como a Declaração de Salamanca, pois este último será bastante útil para ajuda-lo a definir as características duma escola inclusiva. Objectivos Ao terminar o estudo desta lição, deverá ser capaz de: Identificar a evolução dos cuidados dispensados à educação de pessoas portadoras de necessidades educativas especiais; Definir educação especial, integração e inclusão; Estabelecer diferenças entre as principais categorias do atendimento das necessidades educativas especiais: educação especial; integração e inclusão. Terminologia Necessidades Educativas Especiais, Educação Especial, Integração, Inclusão. 43 1.1. A resposta da escola para os alunos com necessidades educativas especiais Lembra-se do conceito de NEE apresentado na unidade passada? Se sim, há-se notar que no grupo de alunos com NEE podemos colocar muitas pessoas, com dificuldades de origem diversa. Assim como as dificuldades que originam as NEE são diversas, podemos também encontrar diferentes formas de dar resposta a estas dificuldades. Pare e pense: que propostas avançaria para o atendimento de um aluno com uma necessidade educativas qualquer, que conhece ou do qual tenha ouvido falar? Com a democratização do processo de escolarização, a sociedade colocou-se o problema do tipo de educação que se deve dispensar aos alunos com NEE. Ao longo do tempo e, dependendo da latitude geográfica, cada povo foi construindo as próprias respostas para esta questão. O corolário desta situação é a multiplicidade de modelos de resposta que a sociedade atribui a este problema. Assim, na situação actual, não temos uma resposta única, o que quer dizer que assistimos a inúmeras práticas de atendimento dispensado às pessoas com necessidades educativas especiais. Isto depende, como se pode depreender, de razões socioculturais, históricas, económicas e tem a ver com o grau de severidade da necessidade educativa especial do sujeito. Qual é a resposta correcta? Qual é a diferença entre as várias respostas? Qual tem sido a resposta dada pelo sistema educativo moçambicano? 1.1.1. Educação Especial Já ouviu falar de educação especial? E de escola/ensino especial? A que se refere? Quem frequenta uma escola especial? Quando pela primeira vez passou-se a considerar seriamente a possibilidade de educação de pessoas com NEE severas (pensemos nos casos de surdos, mudos, 44 invisuais, alunos com atraso mental grave, etc.) surgiu a chamada educação especial. É comum datar-se o início da educação especial nos finais do século XVIII.9 Entretanto, estudiosos da história da pedagogia especial (ex. Bautista, 1993; Arcomano; 2012) apontam, entre outros, os seguintes personagens/eventos como precursores deste movimento: O frade Pedro Ponce de León (1509 – 1584), autor de um audaz e bem-sucedido projecto de educação de 12 crianças surdas no Monastério de Oña. Ponce de León escreveu ainda o livro Doctrina para los mudo-surdos e é reconhecido por certos autores como o iniciador do ensino para os surdos e criador do método oral. Juan Pablo Bonet (1579 – 1633) publicou o livro Reducción de la letras y arte de enseñar a hablar a los mudos em 1629. Outro religioso, o abade Charles Michel de l’Epée (1712 – 1789), é creditado como o criador da primeira escola pública para surdos, em 1755, mais tarde convertida no Instituto Nacional de Surdo-mudos. Philippe Pinel (1745 – 1826) dedicou-se ao tratamento médico de atrasados mentais e escreveu importantes tratados a respeito. O livro de Voisin Aplication de la philosophie du cerveau à l’étude des enfants qui nécessitent une éducation spéciale publicado em 1830 propunha o tipo de educação necessária a crianças com atraso mental. Esquirol (1722 - 1840) escreveu o Dictionnaire des sciences médicales, no qual estabelecia a diferença entre o “idiotismo” e a demência. Seguin (1812 – 1836) elaborou um método para educação de crianças “idiotas” a que denominou método fisiológico. É considerado o primeiro autor de Educação Especial. 9Com efeito, durante o século antecedente os deficientes mentais eram internados em orfanatos, manicómios, prisões e outros tipos de instituições indiscriminadamente dedicadas aos delinquentes, idosos, pobres, e outros marginalizados. 45 Itard (1774 – 1836) dedicou seis anos da sua vida à educação do famoso garoto selvagem encontrado na selva de Aveyron10. É também um dos autores creditado como pai da educação especial. Em 1784, Valentin Haüy (1745 – 1822) criou em Paris um instituto para crianças cegas. Louis Braille (1806 – 1852), ex-pupilo de Valentin e posteriormente professor no instituto formado por este, foi o fundador do sistema de escrita para invisuais mundialmente adoptado: o braille. Já havia ouvido falar de algum destes nomes? Em que ocasiões? Conhece outro nome importante na história da educação especial? O que terá feito tal sujeito? No último século, com a introdução da escolaridade obrigatória e consequente expansão da escolarização básica, os princípios Fordistas e Tayloristas da divisão do trabalho são aplicados à educação. Nasce assim uma pedagogia diferente, a educação especial institucionalizada, baseada na psicometria11, com particular realce par ao quociente de inteligência. O que vem a ser, essencialmente, a educação especial? (…) conjunto de recursos que a escola e as famílias devem ter ao seu dispor para poderem responder mais eficazmente às necessidades de um aluno com necessidades educativas especiais, recursos esses que, de uma forma interdisciplinar, irão permitir desenhar um ensino cuidadosamente planeado, orientado para as capacidades e as necessidades individuais desse aluno. Desta forma, a educação especial não é, ao contrário do que é habitual ler-se e ouvir-se nos meios académicos e nas escolas, uma educação paralela ao ensinoregular. Ensino especial, como muitos erradamente continuam a querer chamar-lhe. É, como já o disse, um conjunto de recursos especializados que se constituem como condição fundamental 10 Para maiores esclarecimentos sobre a história desta criança sugere-se uma breve pesquisa na internet sob o título “O garoto selvagem” ou “o selvagem de Aveyron”. Caso o seu centro de recursos disponha de material audiovisual para este módulo, poderá informar-se sobre a existência do filme “O garoto selvagem”, editado nos anos 70 na França. 11 Área da psicologia que pode ser definida como conjunto de técnicas utilizadas para medir, de forma adequada e comprovada experimentalmente, um conjunto de comportamentos que se deseja estudar. Termo psicometria deriva do grego psyké, alma e metron, medida e medição. 46 para uma boa prestação de serviços educativos para os alunos com necessidades educativas especiais (Correia, 2008: 19). Em termos mais simples, quando falamos de educação especial referimo-nos àquelas instituições de ensino reservadas exclusivamente para alunos com necessidades educativas especiais, geralmente agrupados segundo um critério de deficiência, de tal sorte que podemos ter uma escola para alunos cegos (pensemos no Instituto de Invisuais, na cidade da Beira, por exemplo), ou surdos e/ou mudos, etc. Esta é opção educativa prescrita pela lei-quadro do sistema educativo moçambicano (vide art. 28-29 lei 6/92). Neste documento utiliza-se a terminologia “ensino especial” e caracteriza-se como a modalidade de educação de crianças e jovens com deficiências físicas, sensoriais e mentais ou de difícil enquadramento escolar e que realiza-se, de princípio, através de classes especiais dentro das escolas regulares. Pare e pense: conhece alguma escola especial? Fale-nos sobre ela. 1.1.2. A Integração Outro termo importante quando falamos em modalidades de atendimento de alunos com NEE é a integração. Já ouviu falar dele? Sabe o que significa? Se não tiver uma ideia clara, comece pensando no significado do termo integrar, no sentido geral. A primeira resposta da escola para alunos com NEE na escola considerada normal (escola regular) foi a integração, que significa, literalmente, abrir as portas da escola regular para os alunos com NEE (lembre-se que antes os alunos com NEE só podiam frequentar as escolas especiais). Com efeito, em 1959 a Dinamarca incluía na sua legislação o conceito de “normalização”, entendido como a possibilidade de o deficiente mental desenvolver um tipo de vida tão normal quanto possível. Na década de 70, este conceito espalhou-se por toda a Europa e América do Norte, dando origem à substituição de práticas de educação segregadoras por práticas e experiências integradoras (por exemplo, em 1975, o Congresso dos Estados Unidos publicou a Public Law 94-142, “The Education for All Handicapped Children Act”). 47 Do ponto de vista filosófico, o princípio de normalização liga-se à ideia de meio menos restritivo (ou não restritivo)12.Do ponto de vista pedagógico, liga-se à ideia de individualização, segundo a qual o atendimento a dar ao aluno com necessidades educativas especiais deve ajustar-se às características e necessidades de cada um. A integração escolar pode ser definida como um processo que se propõe a unificar a educação regular e a educação especial tendo em vista oferecer um conjunto de serviços a todas as crianças, com base nas suas necessidades de aprendizagem (Birch; 1974 citado por Bautista; 1993: 28). A integração não se propõe como uma simples colocação física do aluno com NEE num meio menos restritivo. Ela pressupõe a participação efectiva desta nas actividades escolares. Entretanto, existem diferentes situações e/ou modalidades de integração. Por exemplo, tem sido proposta uma gradação de graus de integração que vão da física, passando pela funcional, social até à integração na sociedade. E você, como professor, o que acha da ideia de integrar alunos com NEE numa sala/turma concebida normalmente para alunos sem NEE? Já se viu nessa situação? Que lições tirou dessa experiência? A seu tempo, esta atitude representava um grande ganho. De facto, pela primeira vez os alunos com necessidades educativas especiais podiam frequentar a mesma escola com os alunos ditos normais ou sem NEE. Entretanto, o facto de ser uma prática recente associada à possibilidade de existência de diversos graus tornou difícil a prossecução dos objectivos a que a integração se propunha. De facto, em geral apenas o aluno dito problemático devia preparar-se para adequar-se ao ritmo e rigor da escola regular e nunca o contrário. Portanto, frequentemente a presença de um aluno com NEE dentro de uma classe regular não era vista como um recurso que podia ser aproveitado pela turma da qual fazia parte. Era antes, motivo de frustração para o aluno, o qual enfrentava dificuldades para seguir o ritmo de aprendizagem dos demais colegas, 12 Ou meio mais normal possível, de acordo com as características do aluno. Dai a ideia de normalização, isto é, passar de uma escola especial para um meio escolar mais normal. 48 particularmente quando apresentasse necessidades educativas severas (pense no caso de um aluno surdo colocado numa turma de alunos e professores ouvintes. Como se sairia este aluno?). Esta prática tinha como consequência directa o elevado índice de insucesso escolar dos estudantes com necessidades educativas especiais. Apresentou-se então a necessidade de pensar num novo modelo de convivência sadia e proveitosa entre os alunos com necessidades educativas especiais e os demais: a inclusão. 1.1.3. Inclusão Se prestou atenção desde a primeira unidade certamente notou que da exclusão social a que estavam voltados os indivíduos com deficiência nos primeiros séculos passaram gradualmente a ganhar algum respeito, tendo até ganho o direito de terem escolas feitas para si: as escolas especiais. Um passo mais decisivo foi feito com o movimento da integração. Entretanto, a integração mostrou algumas fraquezas. Em sua opinião, o que pode ser feito para melhorar a integração? Pense, por exemplo, inspirado em situações que vive na sua escola. Enquanto a integração tem por alvo os alunos deficientes13, que são uma parte daqueles com NEE, a inclusão refere-se às várias práticas de resposta individualizada realizadas sobre todos os vários tipos de necessidades educativas de todos os alunos com NEE. Uma escola inclusiva é, assim, uma escola onde toda a criança é respeitada e encorajada a aprender até ao limite das suas capacidades. Podemos encontrar os primeiros sinais da inclusão no movimento “Regular Education Initiative (REI)”14. Este movimento defendia a adaptação da classe regular por forma a tornar possível ao aluno a aprendizagem nesse ambiente e desafiava os estudiosos a encontrarem formas de atender o maior número de alunos na classe regular, encorajando os serviços de educação especial e outros serviços especializados e associarem-se ao ensino regular. A inclusão pode ser definida como uma filosofia, e mais precisamente, como uma 13 Os quais devem ser integrados ou integrar-se na turma regular 14 (Iniciativa da Educação Regular /ou Iniciativa Global de Educação), fundado pela então Secretária de Estado para a Educação Especial do Departamento de Educação dos EUA, Madeleine Will, em 1986. 49 filosofia de educação que promove a educação de todos os alunos dentro da escola regular (Florian, 2003). Smith et al (2001), citados por Correia (2008: 11), definem a inclusão como a inserção física, social e académica na classe regular do aluno com necessidades educativas especiais durante uma grande
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