Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Beatriz Machado de Almeida Internato – 10º semestre 1 INTRODUÇÃO Quadro de abdome agudo decorrente de um insulto inflamatório do tecido pancreático por autodigestão, com envolvimento variável dos tecidos peripancreáticos e possíveis repercussões sistêmicas. ETIOLOGIA • Biliar (40-50%). • Alcoólica (10-40%). • Hipertrigliceridemia (1-4% dos quadros agudos). • Hipercalcemia (hiperparatireoidismo primário). • Pós-colangiopancreatografia retrógrada endoscópica – CPRE (3-25% dos casos). • Medicamentosa: ex. anti-hipertensivos, corticoide, hormônios esteroidais. • Pós infecciosa: virais, bacterianas, fúngicas, parasitárias. • Outras: associada a doenças vasculares, associada a malformações congênitas, mutações genéticas, trauma, disfunção do esfíncter de Oddi, cisto de colédoco, pós-biópsia pancreática, pólipo de vesícula biliar, autoimune, acidente escorpiônico, neoplasias (tumores periampulares; IPMN). • Idiopática (10-25% dos casos). APRESENTAÇÃO CLÍNICA ANAMNESE EPIDEMIOLOGIA: • Incidência de 5-35 casos por 100.000 pessoas. • A mortalidade média é de 3-17%. • A forma leve do quadro é a mais comum. • A forma grave é menos frequente (10-20%), independente da causa, podendo atingir de 25- 45% de morbimortalidade. • Cerca de 21% apresentam episódios recorrentes de pancreatite e, desses, 8% evoluem com pancreatite crônica. • Tabagismo é um fator de risco independente para pancreatite aguda e crônica. • Colelitíase e etilismo constituem 80% das etiologias da pancreatite aguda. QUADRO CLÍNICO • Dor abdominal: o Contínua em andar superior do abdome, tipo barra com irradiação para o dorso. o Alívio em assumir ̈ posição de prece maometana¨. o A característica evolutiva da dor pode sugerir a etiologia subjacente de pancreatite. ❖ Pancreatite biliar: dor bem localizada de início súbito, atingindo intensidade máx. em 10-20 min. ❖ Pancreatite alcoólica/metabólica: dor surda, mal localizada, de início gradual. • Náuseas e vômitos. SINAIS DE GRAVIDADE: SÍNDROME DA RESPOSTA INFLAMATÓRIA SISTÊMICA • Febre alta (>= 38,5ºC). • Taquicardia e hipotensão, podendo evoluir para choque hipovolêmico mais distributivo. Até 5-10% dos pacientes com pancreatite aguda grave podem apresentar apenas hipotensão e síndrome da resposta inflamatória sistêmica, sem o quadro álgico típico. • Taquipneia (podendo evoluir para síndrome do desconforto respiratório agudo). • Rebaixamento do nível de consciência. FATORES DE RISCO: • Histórico de litíase biliar. • Histórico de etilismo crônico. • Libação alcóolica. • Hipercalcemia. • Hipertrigliceridemia (triglicerídeos >1.000mg/ml). • Uso de medicamentos pancreatotóxicos. • Trauma abdominal. • Hipovolemia. PANCREATITE AGUDA Beatriz Machado de Almeida Internato – 10º semestre 2 • Procedimento intervencionista recente na árvore biliar (principalmente CPRE). EXAME FÍSICO: • Dor à palpação abdominal. • Icterícia: achado incomum que sugere coledocolitíase ou edema de cabeça de pâncreas. • Taquicardia, taquipneia. • Hipotensão. • Febre. • Rebaixamento do nível de consciência. • Redução do MV abolido em base esquerda por derrame pleural. • Sinais de irritação peritoneal podem estar presentes. • Distensão abdominal com peristalse débil por íleo paralítico secundário ao processo inflamatório intra-abdominal. • Retinopatia de Purtscher: perda súbita da visão. Rara complicação da pancreatite. ❖ Sinal de Grey-Turner: equimose em flancos. ❖ Sinal de Cullen: equimose periumbilical. ❖ Sinal de Fox: equimose em base de pênis. • Necrose de gordura subcutânea (paniculite). • Xantomas e xantelasmas: sugerem etiologia hiperlipidêmica. • Aumento de parótidas: sugere etiologia alcoólica. ABORDAGEM DIAGNÓSTICA CONSIDERAÇÕES INICIAIS O diagnóstico de pancreatite aguda exige a presença de dois entre três critérios diagnósticos: • Quadro clínico sugestivo: dor epigástrica ou em andar superior de abdome, em faixa ou barra, persistente, com irradiação para o dorso. • Amilase e/ou lipase maior que três vezes o limite superior da normalidade. • Exame de imagem sugestivo de pancreatite aguda: ex – TC/RNM. EXAMES LABORATORIAIS • Hemograma: pode apresentar leucocitose com desvio à esquerda e aumento da Hb e Ht. • Eletrólitos (incluindo cálcio): distúrbios hidroeletrolíticos são muito comuns, principalmente devido aos vômitos repetidos e a perda volêmica para o 3º espaço, assim como o consumo de cálcio pelo próprio processo fisiopatológico. Alterações mais comuns: hiponatremia, hipocalemia e hipocalcemia. • Ureia e creatinina: comumente alterados em vigência de choque e quadros de sequestro líquido grave para o 3º espaço, configurando injúria aguda pré-renal, podendo evoluir para necrose tubular aguda, caso reposição volêmica seja insuficiente para restaurar perfusão renal. • Glicemia. • Amilase e lipase: elevação maior que 3x o limite superior é critério diagnóstico. Lipase >450 e amilase >500 são limiares que apresentam maior especificidade. Amilase sérica: eleva-se em 6-12 horas após início do quadro e mantém-se positiva por até 3-5 dias. Lipase sérica: eleva-se em 4-8 horas após o início do quadro e mantém-se positiva por 8-14 dias. As enzimas pancreáticas não são marcadoras de prognóstico ou gravidade. • Hepatograma: alterações sugestivas de pancreatite biliar incluem aumento de transaminases, enzimas canaliculares e hiperbilirrubinemia com predomínio de direta, caracterizando colestase pela litíase biliar. TGP (ALT) >150 é um limiar que apresenta maior especificidade de pancreatite biliar. • Proteína C reativa: se >150mg/dl sugere pancreatite aguda grave. • Desidrogenase lática (LDH). • Lactato. • Gasometria arterial: quadros mais leves, na presença de vômitos, apresentam-se com alcalose metabólica. Quadros mais graves com disfunção renal e síndrome da resposta inflamatória sistêmica se apresentam com acidose metabólica nos quadros de maior gravidade. • Proteínas totais e albumina sérica. • Na ausência de etiologia óbvia, solicita-se ainda triglicérides e IgG 4. Beatriz Machado de Almeida Internato – 10º semestre 3 EXAMES DE IMAGEM Não estão indicados de rotina. Reserva-se aos casos duvidosos, em que os critérios diagnósticos não estão fechados, ou na presença de qualquer sinal de gravidade, em que o exame de imagem apresenta importância na avaliação prognóstica e na adoção de medidas terapêuticas. RADIOGRAFIA SIMPLES DE ABDOME E TÓRAX: • Pode ser indicada na exclusão de outras causas de abdome agudo, embora não apresente nenhuma alteração específica para pancreatite. • Achados: distensão de alças, alça sentinela (delgado) ou sinal do cut-off (cólon distal); elevação de hemicúpula diafragmática, derrame pleural, atelectasia basal, infiltrado pulmonar ou síndrome da angústia respiratória aguda. ULTRASSONOGRAFIA ABDOMINAL: • Importante exame para diagnóstico diferencial bem como definição etiológica para quadros biliares. Deve ser realizada à admissão. • Pode revelar aumento difuso do pâncreas e a presença de cálculos biliares na vesícula e no ducto biliar comum. • Líquido peripancreático pode ser revelado como coleção anecoica. TC DE ABDOME COM CONTRASTE: • Pode demonstrar aumento focal ou difuso do pâncreas com edema intersticial importante. • A falta de captação de contraste indica as áreas de necrose pancreática. • Litíase biliar pode eventualmente ser detectada. RNM DE ABDOME COM COLANGIOPANCREATO RESSONÂNCIA: • Exame mais sensível para o diagnóstico precoce de pancreatite e para a detecção de necrose pancreática e complicações. • Para o diagnóstico de coledocolitíase, é comparável à CPRE. • Alternativa à TC em pacientes que não devem ser expostos à radiação (ex. gestantes) e para avaliação de necrosepancreática em pacientes com insuficiência renal (com contraindicação de uso de contraste na TC). MARCADORES DE PIOR PROGNÓSTICO • PCR >150mg/dl em 48 horas. • APACHE II>= 8. • Escore de Ranson >=3. • Idade >75 anos. • Obesidade. • Falência de órgãos >48 horas. • Sinais de hemoconcentração: aumento de ureia e hematócrito (>44%). DEFINIÇÕES DE ATLANTA REVISADAS QUANTO À GRAVIDADE • Leve: sem falência orgânica ou complicações locais ou sistêmicas. • Moderada: falência de órgãos que se resolve em 48 horas e/ou complicações locais ou sistêmicas. • Grave: falência de órgãos sustentada por mais de 48 horas. QUANTO À APRESENTAÇÃO • Pancreatite intersticial edematosa: compreende 85% dos casos. Caracterizada pelo aumento focal ou difuso do pâncreas sem a presença de necrose. Forma geralmente mais branda, com resolução na maioria dos casos na 1º semana. • Pancreatite necrosante: compreende 15% dos casos. É a forma com pior prognóstico. Caracterizada por inflamação com consequente necrose de tecido pancreático ou peri. QUANTO ÀS FASES DA DOENÇA • Fase inicial: cursa com síndrome da resposta inflamatória sistêmica intensa. A falência de órgãos é o principal determinante de gravidade. Geralmente se encerra na 1º semana, embora possa se estender até o final da 2º semana. Beatriz Machado de Almeida Internato – 10º semestre 4 • Fase tardia: caracterizada pela persistência de sinais inflamatórios ou aparecimento de complicações locais. Só ocorre na pancreatite moderada a grave. A falência de órgãos continua sendo o principal determinante de gravidade. QUANTO ÀS COMPLICAÇÕES • Coleções peripancreáticas agudas (<4 semanas). • Coleções necróticas agudas (<4 semanas). • Pseudocisto (>4 semanas). • Necrose pancreática murada ou isolada – walled- off (>4 semanas). • Necrose infectada. • Trombose venosa portoespleomesentérica. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL • Doença ulcerosa péptica ou dispepsia. • Colangite. • Coledocolitíase. • Colecistite aguda. • Apendicite aguda. • Obstrução intestinal. • Perfuração de víscera oca. • Doença renal à direita: principalmente nefrolitíase e pielonefrite. • Hepatite aguda. • Isquemia mesentérica aguda. • Cetoacidose diabética. • Outras: Macroamilasemia; Doenças de glândula salivar; Síndrome de Gullo; SCA. ABORDAGEM TERAPÊUTICA CONDUTA GERAL • Todos os pacientes devem ser admitidos para analgesia, hidratação e acompanhamento, bem como para avaliação de antibioticoterapia e proposta de debridamento cirúrgico. • Pacientes com critérios de gravidade ou com score prognóstico indicativo de pancreatite grave devem ser monitorados em terapia intensiva. • Em linhas gerais, o tratamento se baseia em suporte clínico. • O uso rotineiro de profilaxia para hemorragia digestiva não é indicado. ❖ Hidratação: endovenosa com taxa de 5- 10mL/kg/hora com cristaloides (solução salina isotônica ou solução de ringer lactato – primeira escolha) para todos os pacientes, exceto pacientes cardiopatas e renais crônicos, para o quais a taxa de infusão deve ser individualizada. ❖ Analgesia: utiliza-se desde analgésicos não narcóticos até os derivados de opioides, de acordo com a intensidade da dor. A via preferencial de administração é a intravenosa. ❖ Correção de distúrbios hidroeletrolíticos: correção de hipocalcemia e hipomagnesemia. ❖ Nutrição: nos quadros leves, a dieta oral pode ser mantida se adequado controle álgico, independentemente dos níveis de lipase/amilase. Na impossibilidade de ingestão por VO, a nutrição enteral é preferencial em relação à parenteral, devendo ser iniciada precocemente (24-72h da admissão) se tolerada. ❖ Antibioticoterapia: até 20% dos doentes com pancreatite aguda podem desenvolver uma infecção extrapancreática. O uso de antibiótico profilático não é indicado, independentemente do tipo, extensão da necrose ou gravidade da pancreatite. Indicação – suspeita de infecção. Deve ser iniciada prontamente com esquema empírico inicial: a maioria das infecções é monomicrobiana (geralmente por E.coli, Enterobacter cloacae, Enterococcus faecalis, bacteroides fragilis, Klebsiella). Deve ser realizada por 3-4 semanas, ajustando-se conforme a resposta clínico-laboratorial. Esquema: Meropeném 1g EV de 8/8h (primeira escolha). Ciprofloxacino 400 mg EV de 12/12 horas + Metronidazol 500 mg EV de 8/8 horas. COMPLICAÇÕES • Coleções líquidas agudas. • Pseudocisto. • Coleções necróticas agudas. • Necrose pancreática murada ou isolada. • Necrose infectada. • Trombose venosa portoesplenomesentérica. • Complicações sistêmicas.
Compartilhar