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DISTÚRBIOS DO SISTEMA REPRODUTIVO E DO TRATO URINÁRIO UNIDADE I ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS Elaboração Alexandre Ferreira Rossato Atualização Laíza Sartori de Camargo Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................. 4 UNIDADE I ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS ...............................7 CAPÍTULO 1 CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA REPRODUTOR E CICLO ESTRAL DE CADELAS ................................................ 7 CAPÍTULO 2 CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA REPRODUTOR E CICLO ESTRAL DE GATAS .................................................... 17 CAPÍTULO 3 ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO E ADQUIRIDAS .............................................................................................. 20 REFERÊNCIAS ...............................................................................................................................................28 4 INTRODUÇÃO Dentro de um contexto social, os animais de companhia tornaram-se personagens importantes devido à proximidade com o homem que vem sendo construída durante milhares de anos dentro da sociedade. Com o passar do tempo, houve a necessidade de um esforço na manutenção de animais com padrões raciais adequados às várias práticas, pois determinadas raças foram adaptadas para servirem de companhia, para esporte, caça ou guarda. Elas são nossos pets, membros da família muito comum atualmente, ou companheiros para esporte, caça ou guarda. Sendo assim, a manutenção da capacidade reprodutiva é, em muitos casos, de grande importância para essas espécies, tendo em vista, a genética e o valor zootécnico do animal em questão. Os achados clínico-reprodutivos, em resposta às desordens da fisiologia reprodutiva, são queixas frequentes nas clínicas de pequenos animais. É necessário identificar tais afecções e buscar alternativas, quando possível, para mantê-los na reprodução e não apenas excluí-los da vida reprodutiva. Enfermidades nos órgãos reprodutivos de cães e gatos têm variados graus de morbidade e mortalidade. O manejo reprodutivo deve enfatizar o incremento da eficiência reprodutiva, a redução da idade ao primeiro parto, o aumento da fertilidade e da prolificidade, a redução do período de serviço e consequentemente, do intervalo entre partos, a sobrevivência das crias ao desmame e o desmame precoce. As alterações reprodutivas podem apresentar consequências variadas, que se estendem desde a ausência de sinais clínicos, comprometendo somente a fertilidade do animal e passando despercebidas ao proprietário, até manifestações clínicas agudas, que podem levar à morte. O sistema reprodutor de fêmeas é composto por vulva, vestíbulo, vagina, útero (cérvix e cornos uterinos), ovários e glândulas mamárias. Em machos, o trato reprodutor é composto por prepúcio, pênis (que em cães e gatos tem o osso peniano), próstata e, em felinos, próstata e glândula bulbouretral, bolsa testicular e testículos. Já com relação às afecções do sistema urinário, são frequentes na rotina clínica na espécie canina e têm menor ocorrência em felinos (BARSANTI, 2006). Sabe-se que o sistema urinário é responsável pela filtragem do sangue e que as substâncias indesejáveis são acumuladas e expelidas ao meio externo. Portanto, é um ambiente estéril, exceto a uretra distal, em que há presença de micro-organismos residentes. Além disso, este sistema está diretamente relacionado às funções nervosas, que regulam seu grau de funcionamento em função de respostas hormonais e do teor de hidratação do organismo. 5 INTRODUÇÃO Um conjunto de órgãos e glândulas forma o sistema urinário. Esse sistema é a principal via do organismo de eliminação dos resíduos, pois tem a capacidade de remover quase todos os resíduos do sangue e transportá-los para fora do organismo. Também, por meio dele, diferentes atividades fisiológicas acontecem, promovendo filtragem dos componentes microscópicos do sangue, eliminando produtos metabólicos, toxinas e outros componentes que são carregados pelo sistema circulatório. Durante seu funcionamento, o organismo realiza atividades metabólicas que demandam transformações químicas que podem produzir substâncias tóxicas ou mesmo desnecessárias ao organismo. Essas substâncias são conduzidas ao sistema circulatório pelo sangue e passam por todo o organismo. Caso estas substâncias nocivas se acumulem, as funções de órgãos e tecidos são prejudicadas a nível celular, perturbando a homeostasia do organismo. Os órgãos urinários são definidos como: rins, ureteres, vesícula urinária (bexiga) e uretra. Os rins respondem a distúrbios hídricos, eletrolíticos e acidobásicos, alterando especificamente a taxa de reabsorção ou secreção destas substâncias, regulando a volume de líquido corporal. Também funcionam como órgão endócrino, secretam eritropoietina, envolvida na hematopoiese renina, que interage na regulação da secreção de aldosterona pelo córtex adrenal e de hormônios (eritropoietina, gastrina, renina, vitamina D3) e gliconeogênese. Além disto, realizam outras funções não menos importantes, tais como: excreção de produtos de degradação do metabolismo (ureia, creatinina), excreção de substâncias químicas , como por exemplo os fármacos, regulação da pressão arterial, secreção, metabolização e excreção. As doenças renais em cães e gatos são causadas por desordens de etiologia variada que induzem alterações estruturais e funcionais dos rins. Muitas destas doenças resultam do impedimento do fluxo normal de urina do rim para a bexiga, sendo a obstrução uma das condições mais comuns em urologia. Em concordância com todas as informações aqui levantadas, é reconhecível a importância de ambos os sistemas. O sistema reprodutor vem sendo cada vez mais ressaltado, visando a melhoria do desempenho dos animais com o intuito de se obterem conhecimentos para diagnosticar, prevenir e tratar os distúrbios reprodutivos. Quanto ao trato urinário, esse baseia-se em uma das principais vias de manutenção da homeostase, garantindo um ambiente celular saudável, livre de componentes desnecessários ou mesmo prejudiciais. Nesse sentido, deve-se observar a sensibilidade destes órgãos ao desenvolvimento de afecções, visto que qualquer via que prejudique seu funcionamento, comprometerá de forma severa e generalizada todo o organismo. Assim, salienta-se a necessidade de haver uma maior compreensão do funcionamento fisiológico, morfológico normal e com alterações destes sistemas. 6 INTRODUÇÃO Objetivos » Promover a conscientização dos profissionais que lidam com o atendimento ao paciente portador dos distúrbios da reprodução canina e felina e dos distúrbios do trato urinário. » Auxiliar os profissionais clínicos a lidarem com alguns aspectos da nefrologia. » Identificar afecções do trato reprodutor e urinário. » Melhorar o diagnóstico, a prevenção e o tratamento de distúrbios renais e reprodutivos em cães e gatos. 7 UNIDADE I ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS CAPÍTULO 1 CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA REPRODUTOR E CICLO ESTRAL DE CADELAS Todos os seres vivos têm um tempo limitado de vida: nascem, crescem, envelhecem e morrem. No caso dos animais, a reprodução envolve a união de dois seres de sexos diferentes, o macho e a fêmea. Se pensarmos em sobrevivência de qualquer espécie o sistema reprodutor é considerado o mais importante. De forma geral, o sistema reprodutor da fêmea fornece um local para a concepção, o desenvolvimento e a eventual liberação de uma cria viável. Já a função do macho, basicamente será a de transportar dos espermatozoides. O sistema reprodutivo das fêmeas constitui-se de ovários, tubas uterinas, cornos e corpo uterino, cerviz, vagina, vestíbulo evulva. Nas cadelas, o ovário é envolvido pela bolsa ovariana, composta predominantemente de tecido adiposo. As estruturas internas são sustentadas pelo ligamento largo: » mesovário, que sustenta o ovário; » mesossalpinge, que ancora o oviduto e; » mesométrio, que mantém o útero. Fisiologicamente, a reprodução da fêmea envolve o efeito integrado dos hormônios sobre o ovário, útero e glândula mamária, de modo que ocorra fertilidade para a produção de neonatos viáveis. Os hormônios influenciam no comportamento da fêmea, no desenvolvimento folicular ovariano, na maturação do oócito, na ovulação, na função do corpo lúteo e na manutenção da gestação, bem como no parto e na lactação. 8 UNIDADE I | ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS Mas quais hormônios? Como funciona a neuroendocrionologia? É necessário estarmos a par do que é normal, para compreender e identificar anormalidades. De maneira geral os hormônios se originam de glândulas endócrinas e nervos, os hormônios da reprodução podem se originar do hipotálamo, hipófise, gônadas, útero e placenta. Os hormônios-base envolvidos na fisiologia da reprodução de fêmeas são: » GnRh produzido e liberado pelo hipotálamo, sendo o hipotálamo o centro de controle neural dos hormônios da reprodução. » Ocitocina produzida pelo hipotálamo (núcleo paraventricular). » Ocitocina liberada pela hipófise posterior. » FSH e LH liberados pela hipófise anterior. » Prolactina liberada pela hipófise anterior. » Progesterona e estrógeno produzidos e liberados pelo ovários. Em um breve resumo, os hormônios da reprodução de modo geral podem causar: » liberação de outros hormônios; » estimulação das gônadas; » promoção sexual; » manutenção da gestação; » luteólise (destruição do corpo lúteo) (SENGER, 2003). O sistema reprodutivo do macho foi dividido de acordo com a localização anatômica, as funções desempenhadas e as doenças que podem acometê-lo. Logo, foi dividido em três partes principais: » o escroto ou bolsa testicular e testículos; » as glândulas sexuais acessórias, como próstata em cães e próstata e glândula bulbouretral em felinos e; » o pênis e o prepúcio. Os hormônios envolvidos na reprodução de machos são: » GnRH, produzido e liberado pelo hipotálamos. » LH, produzido e liberado pela hipófise anterior. » Testosterona, produzida pelos testículos, pelas células de Leydig. 9 ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS | UNIDADE I Como foi definido por SENGER (2003), no macho adulto, o GnRH, LH e testosterona são liberados em pulsos que ocorrem em diversas horas. O hormônio folículo-estimulante (FSH) é liberado em pulsos menores de longa duração. Os espermatozoides são produzidos pelos testículos pelo processo denominado espermatogênese que se inicia entre os 5 e os 9 meses de idade, dependendo da espécie e do porte do animal. As células de Leydig são equivalentes à teca interna dos folículos das fêmeas, e as células de Sertoli são equivalentes às células da granulosa do folículo. Com relação às enfermidades do sistema reprodutor de cães e gatos, elas são comuns na medicina veterinária, podendo ocasionar um quadro de infertilidade transitório ou permanente tanto nas fêmeas como nos machos. Essas alterações reprodutivas podem ser desencadeadas e não apresentar sinais clínicos aparentes ou até mesmo, sinais clínicos agudos. Isso faz com que o tutor não detecte alguma alteração ou enfermidade no animal, não o levando a tempo para uma consulta ao médico veterinário, para um possível diagnóstico. Muitas vezes, a consequência é a morte do animal por falta de tratamento ou pela instituição de tratamento tardio. Por isso, o médico veterinário deve sempre atentar-se para a anamnese, histórico do animal, realizar exames físicos e solicitar os exames laboratoriais. Desse modo, ao se atentar a pequenos detalhes, esse profissional conseguirá detectar a enfermidade de maneira precoce e conseguirá torná-la reversível, na maioria das vezes. O ciclo estral ou cio é o período compreendido entre dois estros, com duração variável de acordo com cada espécie. Apresenta fases bastante evidentes e modificação tanto das genitálias quanto no comportamento dos animais, representando mudanças fisiológicas induzidas pelos hormônios reprodutivos. O ciclo estral é controlado pela integração de hormônios como: FSH, LH, estrógeno e progesterona. Esses são os hormônios mais comuns entre as espécies, porém seus efeitos e suas secreções variam conforme a espécie. Essas diferenças provocam transformações na extensão das fases luteínica e folicular do ciclo, causando diferenças na duração do cio, conforme será descrito a seguir. O início do ciclo reprodutivo nos cães não é bem definido, pois pode variar de fêmea para fêmea. Mas há grandes variações entre raças. Geralmente, a maturidade sexual das cadelas é atingida por volta de sete a oito meses de idade. 10 UNIDADE I | ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS Há uma diferença no início do estro entre animais de pequeno e grande porte, conforme mostrado no gráfico abaixo: Figura 1. Relação entre tamanho da cadela a início da puberdade. Fonte: elaborada pela autora. As raças de porte pequeno têm a sua puberdade mais cedo, em torno de seis a sete meses quando comparadas com cadelas de raças de grande porte, que iniciam seu ciclo reprodutivo dos nove aos doze meses de idade. Os primeiros ciclos da cadela podem ter intervalos menores ou maiores, se apresentarem de forma silenciosa, sem aparecimento evidente ao tutor, até que se estabeleça a normalidade. O mais comum é um intervalo de seis meses. Desta forma, também é importante a experiência do tutor para que haja identificação do início do estro na fêmea. Entretanto, o ciclo estral das cadelas tem características singulares, distintas de outras espécie, inclusive da gata. A cadela é monoéstrica com fase luteínica que semelhante em cadelas não gestantes e gestantes. Apresenta, ainda, um período prolongado de quiescência, silenciamento do útero, intitulado anestro, o qual é obrigatório nesta espécie, o qual se encerrará após o surgimento de novo ciclo. Assim, devem ser estabelecidos protocolos para a identificação dos estágios do ciclo estral na cadela com o intuito de se identificar o melhor período para haver a cobertura natural ou inseminação artificial, o que não é observado em outras espécies. O protocolo mais comum para identificação do ciclo estral é a realização da citologia vaginal com auxílio de escova ginecológica ou suabe estéril, aplicado em lâmina de vidro e fixado normalmente com panótico rápido. Este exame complementar pode ser 11 ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS | UNIDADE I utilizado para identificar a fase do ciclo estral, identificar a presença de massas, tumores que podem esfoliar, como por exemplo o tumor venéreo transmissível que veremos mais adiante. Esta técnica será amplamente utilizada dentro da reprodução, afecções ou biotecnologias da reprodução em cadelas e gatas. A citologia vaginal é realizada normalmente com o animal em estação como demonstrado na imagem abaixo (figura 2). A citologia vaginal em cadelas deve ser iniciada em uma posição de cerca de 45º graus, o suabe ou escova ginecológica provavelmente irão bater no teto da parede vaginal, e então deverá seguir o suabe cranialmente, neste momento sem haver angulação do suabe, como se fosse paralelo ao animal em direção cranial, como demonstrado na sequência de imagens abaixo. A citologia deve ser realizada no fundo de vagina, ou seja, deve haver progressão significativa do suabe ou escova, como simulado na última imagem. Para que vocês tenham mais segurança na execução desta técnica, é possível prever o quanto deve entrar o suabe, simulado a entrada da haste no animal (última imagem), assim vocês poderão saber o comprimento da hasteque deverá ficar fora da fêmea. É importante realizar no fundo de vagina, visto que as células que indicarão a fase do ciclo estral são provenientes deste local, e não da parte inicial da vagina. Figura 2. Citologia vaginal sendo realizada em cadelas Fonte: elaborada pela autora. 12 UNIDADE I | ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS Após a realização da citologia vaginal e deposição do material (células) em lâmina de vidro devidamente identificadas, é necessário corá-las para leitura e interpretação dos dados. O panótico rápido é uma coloração de valor acessível aos clínicos, rápida e segura na interpretação da leitura das lâminas. É necessário seguir uma ordem correta, ou seja, da coloração mais clara (azul), passando pela rósea e, por fim, a coloração roxa. Este procedimento deve ser realizado assim que for feita a citologia vaginal, sendo necessário submergir as lâminas no corante, cerca de 10 segundos em cada corante e, ao fim, lavar de maneira cuidadosa e sutil em água corrente. Figura 3. Corante utilizado comumente na fixação e coloração de citologia vaginal de cadelas e gatas – Panótico rápido. Fonte: www.laborclin.com.br/panotico-rapido/. É fundamental ter conhecimento vasto do ciclo estral das cadelas e gatas. Nas cadelas o ciclo estral pode ser dividido em quatro fases: anestro, proestro, estro e diestro. No entanto, como haverá outra disciplina focada apenas na fisiologia da reprodução de cães e gatos, aqui disponibilizarei apenas um breve resumo, com indicações ao final de leitura complementar. 1.1. Proestro Na fase de proestro, a cadela apresenta uma alta concentração de estrógeno sérico, sendo liberado pelos ovários. O proestro dura, em média, nove dias, mas pode variar entre três e 21 dias. Esta fase é conhecida por ser o momento em que, normalmente, as cadelas liberam uma secreção sanguinolenta. Esta secreção sanguinolenta se origina da diapedese eritrocitária oriunda da ruptura dos vasos supepiteliais endometriais miscigenado com a secreção das glândulas holócrinas uterinas. 13 ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS | UNIDADE I Durante esse período, clinicamente a fêmea apresenta a vulva edemaciada e hipertrofiada, a cérvix está dilatada, o endométrio encontra-se espessado e há um aumento na atividade glandular e no crescimento dos ductos e túbulos da glândula mamária. Essas alterações são causadas pelo aumento da concentração de estrógeno sérico nessa fase. A manifestação comportamental da fêmea caracteriza-se pela atração do macho, apesar dela ainda não se mostrar receptiva a ele. Pode ficar agressiva, rosnar, mostrar os dentes e até tentar mordê-lo. Ainda, as fêmeas podem mostrar-se irrequietas e desobedientes, com polidipsia e poliúria compensatória. Com relação ao proestro, aumento da concentração de estrógeno endócrino, a título de didática, eu gostaria que vocês pensassem da seguinte maneira: O estrógeno elevado resulta no edema de mucosa, fundo de vagina, vulva, ou seja, o sistema reprodutor como um todo. Desta forma, não haveria espaço ou conforto para a fêmea e o macho para que haja a introdução do pênis e consequente aumento do bulbo peniano devido ao edema presente em vulva e vagina. Coloquei de maneira didática esse exemplo para que vocês possam relacionar os eventos fisiológicos com o que ocorre na prática e que o tutor irá relatar para vocês, pois nós, como médicos veterinários, devemos saber além do que acontece na prática e compreender o motivo dos acontecimentos. Durante esta fase, os gametas femininos, conhecidos como oócitos, estão crescendo e se preparando para a realização da ovulação. Figura 4. Vulva edemaciada na cadela na fase de proestro. Fonte: Crusco (2018). 14 UNIDADE I | ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS A citologia vaginal nesta fase será com predomínio de células superficiais, devido às altas concentrações de estrógeno, hemácias provenientes da secreção sanguinolenta e ausência de leucócitos no INÍCIO do proestro. 1.2. Estro O estro é a fase de receptividade sexual, também conhecida como cio, que é caracterizada pelo ápice de estrógeno liberado no proestro, consequente diminuição nos níveis de deste hormônio e um aumento nos níveis de progesterona, pela luteinização dos folículos. Esse evento ocorre nas cadelas, pois em outras espécies, há o aumento da progesterona apenas na gestação, com a formação do corpo lúteo, responsável pela produção e liberação de progesterona, porém essa é uma peculiaridade das cadelas que vocês não devem se esquecer, pois podemos utilizar a dosagem de progesterona para adquirir diversas informações sobre o status reprodutivo do nosso paciente. Verifica-se nessa fase a liberação de um corrimento de cor clara. Esse período dura em média nove dias. Após cerca de dois ou três dias do início do estro, ocorre a ovulação. Figura 5. Fase estral. Aqui a cadela começa a aceitar a presença do macho e com consequente acasalamento. Tem duração média de seis dias. Fonte: Crusco (2018). Na presença do macho, a cadela dirige a região posterior em sua direção, abaixa o dorso e eleva a região pélvica, exibe a região perineal e ondula a cauda para um dos lados. A vulva pode se encontrar levemente edemaciada e a secreção vaginal já não se apresenta mais sanguinolenta na maioria dos casos, havendo exceção entre animais. A secreção neste momento pode ser transparente e incolor, ou ainda, amarelo-palha. A citologia vaginal revela mudanças características de acordo com a fase do ciclo estral, as fêmeas apresentam 90% de células epiteliais superficiais. 15 ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS | UNIDADE I 1.3. Diestro Finalmente, a fase após o cio da cadela, na qual ela não é mais receptiva ao macho, trata-se do diestro. Nesse período, cuja duração média é de 75 dias, detectam-se os níveis máximos de progesterona, ou seja, esta é a fase luteínica. E ainda verifica-se, um corrimento mais mucoso com diminuição do tamanho da vulva e a volta do comportamento tranquilo da fêmea. A duração do diestro baseia-se na função lútea e é similar tanto para cadelas gestantes quanto para as não gestantes. Quando houver gestação, o útero responderá ao aumento da concentração de progesterona mantendo a estrutura glandular e a vascularização adequadas. Uma doença que pode ocorrer nesta fase é a pseudogestação. Esta alteração – que ocorre na ausência de fecundação – é, na verdade, fisiológica. Os sintomas começam a aparecer de seis a oito semanas após o estro. A citologia vaginal do diestro é caracterizada por células parabasais pequenas, raros neutrófilos e pequeno número de bactérias que compõem a microbiota vaginal. 1.4. Anestro O anestro é um período de total inatividade sexual. As alterações que ocorrem durante esse período são basicamente uterinas, já que este órgão se encontra em processo de involução após os efeitos da prenhez ou pseudogestação. A completa involução uterina pode durar 120 dias num ciclo sem gestação e 140 dias num ciclo com gestação, o que pode explicar o longo período de intervalo interestral em cadelas normais. Durante anos, o anestro foi considerado uma fase de repouso no ciclo reprodutivo da cadela, porém nem a hipófise nem os ovários encontram-se quiescentes nesse período. Dentre os aspectos endocrinológicos do anestro em cadelas, observa-se que não há liberação ou circulação insuficiente de gonadotrofinas, mesmo se encontrando em baixos níveis nesse período. Ainda assim, há a responsividade dos ovários às gonadotrofinas. No início e meio do anestro, as concentrações de estradiol e progesterona encontram-se basais, havendo elevação do estradiol no final dele. A concentração de FSH encontra- se basal no início e meio do anestro, apresentando aumento no final desse período. O surgimento episódico de LH pode ser detectado durante o anestro, apresentando maior intensidadeno final do mesmo. 16 UNIDADE I | ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS Para compreensão do ciclo estral de cadelas, assim como de todo o mecanismo fisiológico, recomendo a leitura dos seguintes artigos em português: » Controle do ciclo estral em cadelas, escrito por Lúcia Daniel Machado da Silva (2016). Referência: Rev. Bras. Reprod. Anim., Belo Horizonte, v.40, n.4, pp.180- 187, out./dez. 2016. Disponível em: www.cbra.org.br. Acesso em: 31 dez. 2021. » Aspectos da fisiologia reprodutiva da cadela, escrito por Lúcia Daniel Machado da Silva e David Baruc Cruvinel Lima. Referência: Anais do IX Congresso Norte e Nordeste de Reprodução Animal (CONERA 2018); Belém, PA, 10 a 12 de setembro de 2018.Endocrinologia reprodutiva e controle da fertilidade da cadela, escrito por Érika C.S. Oliveira, Antônio de Pinho Marques Jr. Referência: Rev Bras Reprod Anim, Belo Horizonte, v.30, n.1/2, pp.11-18, jan./jun. 2006. Disponível em: www. cbra.org.br. Acesso em: 31 dez. 2021. http://www.cbra.org.br http://www.cbra.org.br http://www.cbra.org.br 17 CAPÍTULO 2 CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA REPRODUTOR E CICLO ESTRAL DE GATAS Com relação à ciclicidade e fisiologia da reprodução em gatas, falaremos de maneira resumida, pois há uma disciplina voltada exclusivamente para esses temas. O ciclo da gata é descrito como sendo um poliéstrico sazonal, com fotoperíodo positivo, como ovulação induzida pelo coito, ou seja a gata doméstica irá ciclar várias vezes em um determinado período do ano. No caso das gatas será nos períodos de maior luminosidade (primavera-verão), porém, como o Brasil é um país extenso, essa característica pode alternar visto que as horas de sol/dia no Norte e Nordeste não se alteram bruscamente como ocorre no extremo sul do País. Ou seja, gatas que vivem nessas regiões, assim como no Equador até o Trópico de Câncer podem ciclar a maior parte do ano, assim como em outras regiões de clima tropical. De maneira resumida, as gatas domésticas têm mais de um ciclo reprodutivo por ano (poliéstrico) e nos períodos de dias mais longos (sazonais de dias longos). Em média, são necessárias 14h de luz/dia para ativação do eixo hipotalâmico-hipofisário. Há autores que afirmam que a maior atividade sexual destes animais ocorre no final do inverno e se estende até o final do verão, passando geralmente por um período prolongado de anestro no final do outono e início do inverno. Volto a repetir, dependendo da região e clima onde estão habitando, há influência da quantidade de luz naquele período e as fêmeas felinas atingem a puberdade com idade entre 4 e 12 meses ou ainda entre 3 e 12 meses. A puberdade dessas fêmeas ocorre quando atingem entre 2,3 e 3,2kg, ou seja, entre 5 e 10 meses. Raças de ist curto alcançam puberdade com peso corporal inferior a raças de ist longo. Após o início da puberdade, o ciclo apresenta duração de 21 dias e pode se alterar de acordo com a ovulação ou não. O ciclo tem duração média de 14 a 21 dias e apresentar cio no final da amamentação. Há uma particularidade em especial, que é a presença do interestro, o qual veremos mais à frente de maneira resumida. Outra particularidade desta espécie é a ovulação induzida. Mas o que significa ovulação induzida? A ovulação nestas espécies ocorre por estímulo mecânico da cópula, em alguns casos, pode ocorrer por meio de estimulação sequenciada de citologia vaginal. Este estímulo mecânico fará com que haja a liberação de LH na hipófise, de maneira muito resumida, acarretando no processo da ovulação. 18 UNIDADE I | ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS 2.1. Proestro A primeira fase do ciclo estral, o proestro, é algumas vezes desconsiderada por ser muito curta ou pouco observada. Geralmente essa fase não é detectada. A duração dessa fase está entre 12 a 72 horas, média de 48 horas. As gatas apresentam mudanças comportamentais, podendo esfregar a cabeça contra objetos, ser dóceis e uma secreção mucosa poderá sair da vulva. Os machos aproximam-se, mas ainda não conseguem efetuar a monta. 2.2. Estro A gata inicia o estro no pico do estradiol circulante diferentemente da cadela que inicia com o decréscimo dele. Devido a isso, as mudanças de comportamento observadas no proestro intensificam-se e é nesse momento que a gata permite a cópula. A duração do estro é de cerca de 3 a 20 dias. Durante esse período, a gata altera seu comportamento e chama o macho, exibindo lordose, demonstrando mais afeto pelos donos, podendo perder o apetite, ocorrendo também, o desvio da cauda para um dos lados e mostrando desejo de copular. A cópula produz impulsos na região vulvar- vaginal, causando a secreção do GnRH pelo hipotálamo. Este hormônio leva à secreção do hormônio luteinizante (LH) resultando em ovulação de 24 a 50 horas após o coito. 2.3. Interestro O interestro é o intervalo entre um estro não ovulatório e o próximo ciclo estral. Esse período é observado a intervalos de 10 a 14 dias, em que a fêmea não exibe sinais físicos ou comportamentais de atividade sexual. O interestro corresponde a uma aparente quiescência ovariana e uterina. Entretanto, o ovário está se preparando para um novo crescimento folicular e, subsequentemente, novo ciclo estral. 2.4. Anestro O anestro caracteriza-se como o período de inatividade sexual, essa é a ausência de ciclo e costuma ocorrer nos meses de dias curtos, geralmente no inverno. Nessa fase os ovários estão pequenos apresentando folículos em sua superfície de 0,5 mm de diâmetro em média e não são observadas evidências de atividade uterina e ovariana. Neste período, a fêmea rejeita a aproximação do macho exibindo também comportamentos agressivos na tentativa de liberta-se de uma monta indesejada. 19 ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS | UNIDADE I 2.5. Diestro O diestro, também conhecido por fase lútea, quando seguido de gestação tem duração de 62 a 71 dias. Na ocorrência de ovulação não seguida de gestação, o diestro irá se apresentar como pseudogestação, durando de 25 a 45 dias. Esta fase não está associada a alterações no comportamento nem se observa sinais clínicos significativos, exceto um período prolongado sem sinais de estro. 20 CAPÍTULO 3 ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO E ADQUIRIDAS 3.1. Características do sistema reprodutor Agora que relembramos o que é fisiológico nestas espécies, iniciaremos os tópicos relacionados às desordens reprodutivas que podemos encontrar na rotina clínica. O aparelho reprodutor das fêmeas pode ser acometido por diversas afecções, dentre elas: vaginite, hiperplasia vaginal, piometra, mastite, neoplasia mamária, pseudociese, distocia, tetania puerperal. Dentre as enfermidades que acometem o trato reprodutivo da cadela, a piometra é um quadro clínico patológico mais comum em cadelas e gatas não castradas e também naquelas que recebem contraceptivo. A doença ocorre derivada de uma infecção bacteriana que se aloja no útero. Problemas hormonais e utilização de anticoncepcionais e predisposição genética estão entre os responsáveis por desencadear este tipo de infecção uterina. No entanto, estes são apenas os fatores mais comuns que levam as cadelas a desenvolverem piometra. Cadelas que apresentam uma suposta infertilidade, na maioria das vezes, são submetidas a um manejo reprodutivo errado, não apresentando inabilidade para conceber. Ao se tentar fazer uma abordagem clínica da infertilidade, é preciso avaliar as queixas dos proprietários. Muitas vezes, o que representa um problema para eles não representa uma anormalidade na função endocrinológica ou mesmo no comportamento. Outro ponto muito importante é que, antes mesmo de examinar uma cadela que supostamente possa estar infértil, deve-se primeiramente fazer uma avaliação do macho pois esta avaliação é muito mais simples do que a da cadela. Depois de realizado todo o exame no macho e se nada for encontrado, pode-se proceder para aavaliação da fêmea, analisando-se o histórico completo, considerando não somente o histórico reprodutivo mas também informações sobre o ambiente em que a cadela vive, vacinações, medicações e, ainda, histórico de viagens. A etapa seguinte consistirá no exame físico, devendo-se fazer uma avaliação geral antes de chegar ao trato reprodutivo. Preferencialmente, a cadela deverá ser examinada alguns dias ou semanas antes do início do proestro, para que se possa fazer um planejamento do manejo do ciclo. Se a cadela estiver em proestro ou estro, a avaliação da função ovariana será baseada na determinação do tempo de ovulação. 21 ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS | UNIDADE I Dentre as inúmeras anomalias de formação e desenvolvimento de origem hereditárias ou congênitas, podemos destacar: (I) agenesia uterina, (II) síndrome do ovário remanescente e; (III) cisto ovariano. Na maioria das vezes, são alterações compatíveis com a vida. 3.2. Agenesia e aplasia uterina As anomalias de desenvolvimento do útero canino ou felino são raras. A agenesia unilateral é um distúrbio de caráter hereditário e é possivelmente afetada por genes recessivos. Pode ser definida como agenesia total ou agenesia parcial. A primeira ocorre quando há ausência dos cornos e isso faz com que a fêmea fique impossibilitada para a gestação; porém, a aplasia uterina também pode existir, como demonstrado na imagem abaixo e pode gerar infertilidade em fêmeas e pode ser um achado de necrópsia ou diagnosticada apenas no momento da ovariohisterectomia Figura 6. Aplasia segmentar do corpo do útero com hidrometra nos segmentos craniais. Fonte: Almeida et al. (2010). A agenesia unilateral se desenvolve quando um ducto paramesonéfrico não se forma, resultando em um útero com uma única tuba uterina. Com isso, uma pequena banda fibromuscular pode estar presente no local. Essa anomalia pode estar acompanhada de agenesia renal unilateral devido ao não desenvolvimento do ducto mesonéfrico no mesmo lado. Já a agenesia parcial ou ainda, unilateral, ocorre quando há falta de um segmento do corno uterino. Essa malformação é conhecida como útero unicorno. Nessa condição, há chances da fêmea se reproduzir pelo corno uterino oposto, porém dando à luz uma quantidade menor de filhotes, o que impacta na fertilidade dela. O diagnóstico dessa enfermidade geralmente consiste em um achado acidental em laparotomias/celiotomias exploratórias, ovariohisterectomia (OH) ou em necropsias, já que os sinais clínicos dificilmente estão presentes. 22 UNIDADE I | ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS 3.3. Síndrome do ovário remanescente (SOR) Esta síndrome é caracterizada pela remoção incompleta do ovário através do procedimento de ovariohisterectomia em cadelas e gatas. Foi reportada a primeira vez em humanos em 1962 por Kaufmann, e em pequenos animais foi realizada uma descrição por Pearson de 12 animais com a síndrome (SONTAS, 2007). Com isso, parte do tecido remanescente é revascularizado, tornando-se funcional, pois a parte funcional é das gônadas, ou seja, os ovários, responsáveis pela liberação hormonal, principalmente de estrógeno e progesterona, que conduz o ciclo estral. Trata-se de uma anomalia cuja causa não é originária da condição patológica mas, infelizmente, de erros relacionados à performance do cirurgião veterinário e dificuldades da técnica de OH. Dessa forma, está relacionada à uma complicação pós-cirúrgica. Os sinais clínicos em cadelas e gatas com a síndrome do ovário remanescente são identificados em animais já castrados, porém apresentando os mesmos sintomas daqueles relacionados aos típicos sintomas clínicos de proestro ou estro. Geralmente os animais retornam ao médico veterinário por apresentarem retorno ao estro em período variável entre a cirurgia e o reaparecimento dos sinais clínicos. Os aparecimentos dos sinais clínicos podem se dar 3 meses ou até 5 anos após o procedimento cirúrgico. Os tutores relatam a atração por cães machos e um certo interesse por parte da fêmea em acasalar. Machos podem também sentir-se atraídos pelas fêmeas com SOR. Isso ocorre porque o tecido ovariano residual funciona em ciclos similares aos tecidos normais. As cadelas podem ter edema de vulva, algumas cadelas podem apresentar estro persistente, porém tem uma maior frequência, a duração normal do estro e do proestro. O tratamento de escolha para esta síndrome é realizar uma laparotomia exploratória e com isso, encontrar o tecido remanescente e fazer a remoção total. Muitos cirurgiões preferem fazer este procedimento na fase de estro porque os folículos ovarianos tornam- se mais facilmente identificáveis. A imagem abaixo revela um felina sendo submetida a um novo procedimento por vídeo cirurgia de OH para retirada de ovário remanescente. 23 ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS | UNIDADE I Figura 7. Apresentação de um ovário remanescente em uma gata com SOR submetida a OH convencional. Fonte: Finger et al. (2009). 3.4. Cisto Ovariano Os cistos podem estar localizados no interior dos ovários e/ou no exterior do órgão, chamados paraovarianos. Trata-se de uma afecção que pode causar subfertilidade ou infertilidade em cadelas e gatas. O cisto ovariano é definido como estruturas repletas de líquidos com localização dentro dos ovários, podem ser únicos ou múltiplos, unilaterais ou bilaterais. Os sinais clínicos estão relacionados com o tipo de cisto ovariano, os mais frequentes são os cistos foliculares ou luteais, pois irão diferir em cada um desses tipos. Quando apresenta sinais clínicos, esses são identificados como: o prolongamento de pró- estro e estro e/ou atração por machos devido a grande descarga de estrógenos realizada pelos cistos. Cistos ovarianos são mais frequentes em cadelas do que em gatas. Um dos parâmetros para o diagnóstico de cisto ovariano é analisar a dimensão das estruturas que estão dentro do ovário por exame ultrassonográfico. Quando surgem estruturas foliculares com diâmetro superior ao dos folículos maduros, deve-se considerá- los como cistos foliculares. Nesse sentido, considera-se que, se houver qualquer outra estrutura maior do que 8,0 mm de diâmetro nos ovários durante o proestro ou durante o estro antes das ovulações ou ainda, não importando o tamanho mais que esteja no final do estro, no diestro ou no anestro, essas estruturas serão classificadas como cistos ovarianos. 24 UNIDADE I | ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS A classificação dos cistos ocorre pela similaridade aos folículos de Graaf que, por suas características, apresentam parede delgada envolta por uma camada de células da granulosa. A ocorrência e formação desses cistos se dá pelas hipóteses: » quando o hormônio luteinizante chega ao seu pico e não é capaz de estimular todos os folículos dominantes; » quando a responsividade dos receptores de LH, que estão presentes no folículo são muito baixas. » quando ocorre o uso de esteroides sexuais para indução de abortamento e supressão do estro. Para o médico veterinário é muito importante conhecer a atividade folicular ovariana nas suas diferentes fases do ciclo estral e a formação de corpo lúteo. Desse modo, durante um exame, não haverá a possibilidade do profissional se confundir entre o que são folículos e corpo lúteo e cistos. Na maioria dos casos, os cistos ovarianos têm diâmetros que medem de 0,2 a 4,0 cm. Ao fazer uma classificação dos cistos, podemos dizer que os luteinizados são estruturas envoltas por um tecido luteal, com o espessamento de sua parede. Já os cistos epiteliais, também conhecidos como cistos germinativos, têm sua origem na superfície ovariana, possuindo tamanho inferior a 5 mm e normalmente, sem relevância clínica. Os cistos foliculares têm a capacidade de produzir grandes concentrações de estrógeno, o que resulta em um estro prolongadoe, como consequência, a fêmea apresenta sinais clínicos de edema de vulva. Exibe secreção vaginal sanguinolenta, hiperplasia vaginal, hiperplasia endometrial cística e alterações no ciclo estral associadas ou não a infertilidade. Assim, o excesso desses estímulos hormonais poderá desencadear o desenvolvimento de piometra nessas fêmeas. Os cistos foliculares devem ser diferenciados de SOR, split cio, aplicação exógeno de estrógenos, tumor venéreo transmissível e tumor das células da granulosa. Já os cistos luteinizados, menos frequentes na rotina clínica, apresentam uma predominância em produzir a progesterona. Trata-se de estruturas caracterizadas como: arredondadas, císticas, com parede espessa ecogênica ou hipoecogênica. Os sinais clínicos podem ser anestro persistentes e devem se diferenciar de intervalos interestrais, aplicação exógena, tumores das células da granulosa, hipotireoidismo, cio silencioso e anormalidades cromossômicas. Além dos cistos luteinizados não demonstrarem sinais clínicos, eles apresentam algumas semelhanças quando comparados com os cistos foliculares. Isso faz com que um exame 25 ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS | UNIDADE I ultrassonográfico apenas não seja o suficiente para o diagnóstico. Logo, caberá ao médico veterinário solicitar um exame de dosagem hormonal de estrógeno e progesterona plasmática, o que poderá auxiliar no diagnóstico. Quadro 1. Principais diferenças entre cisto folicular e luteal. CISTO FOLICULAR CISTO LUTEAL Mais frequentes - >1cm Raros Proestro/Estro persistente (>6 sem) Anestro persistente Intervalos interestrais curtos Progesterona >2ng/mL Alterações hematológicas Citologia vaginal: ANESTRO Alterações dermatológicas Estrógeno >20pmol/L (20ºd) Citologia vaginal: ESTRO Fonte: elaborada pela autora. A presença desses cistos e dos hormônios que eles produzem (estrógeno e progesterona) fará com que não apenas o sistema reprodutor seja afetado, mas também outros órgãos sejam acometidos, levando a dermatopatias associadas ao hiperestrogenismo, cujos sinais clínicos mais evidentes serão: alopecia, rarefação pilosa, hiperpigmentação, pápulas e pústulas pelo corpo, além disso o hiperestrogenismo pode levar a aplasia de medula óssea. Chamamos a atenção para a inclusão do hiperestrogenismo como diagnóstico diferencial nesses casos clínicos. Outro tipo de cisto são os de rete ovarii, formados de uma estrutura embrionária remanescente com ocorrência a partir da dilatação da rede tubular, que têm sua localização medular próximo a região do hilo do ovário. Estes cistos, quando grandes, podem causar transtornos ao animal, podendo comprimir o tecido ovariano. Os cistos epiteliais de estruturas subsuperficiais e os cistos da rete ovarii não produzem hormônios. Todavia, eles podem substituir o tecido, comprometendo a função gonadal. Como mencionado anteriormente, alguns cistos ovarianos são produtores de hormônios e logicamente, esses hormônios são capazes de produzir alterações clínicas nas fêmeas, já que esta produção hormonal não é fisiológica. Um fato muito importante a ser relatado é que os cistos não produzem apenas um tipo de hormônio. Normalmente, eles produzem tanto estrógeno quanto progesterona e a produção de cada hormônio varia de acordo com o cisto. 26 UNIDADE I | ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS Para um diagnóstico de cisto ovarino, deve-se realizar uma anamnese bem completa, incluindo históricos de alterações clínicas associadas ao exame de ultrassom. Neste exame, deve-se observar as características do cisto folicular como: » parede delgada e com conteúdo liquido no seu interior; » se apresentam estruturas circulares, homogêneas, hipoecogênicas e com parede delgada; » se há a presença de um único cisto ou de múltiplos e; » se acometeu um ovário ou ambos. Figura 8. Ultrassom evidenciando a presença de um único cisto no ovário. Fonte: Pinel (2018). Figura 9. Ultrassom evidenciando múltiplos cistos no ovário. Fonte: Fleury (2018). 27 ANATOMIA E CICLO ESTRAL, ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO EM CADELAS E GATAS | UNIDADE I Quando diagnosticados os cistos ovarianos, pode-se pensar em duas formas principais de tratamento. A primeira forma é para quando o animal não é voltado para a reprodução e como essas mudanças estão provocando alterações clínicas. O mais indicado nesse caso, é a OH. A segunda forma de tratamento é quando o animal é voltado para a reprodução, assim utilizam-se alguns tratamentos hormonais como aspiração cística e indução de luteólise, quando os cistos são luteinizados, porém, pode haver recidiva. Os cistos paraovarianos surgem dos ductos paramesonéfricos ou ductos e túbulos mesonéfricos. Os cistos periovarinos têm a denominação de formação de folículos fora do ovário, podendo estar localizados no mesovário, na fímbria ou na tuba uterina. Podem alcançar vários centímetros de diâmetro, além de conter ou não hormônios estrogênicos. Tabela 1. Diversos tipos de cistos e suas localizações no sistema reprodutivo de cadelas e gatas. Cistos Origem Espécie Intraovariano Rete ovarii cística Tubulo mesonéfrico Cadela e Gata Estrutura de subsuperficie epitelial Invaginação normal do epitelio ovariano Cadela Cistoadenoma, Cistoadenocarcinoma Rete ovarii, estrutura da subsuperficie epitelial, superficie epitelial Cadela e Gata Paraovariano Cistos dos ductos mesonéfricos Ductos mesonéfricos Cadela Uterino Cisto de inclusão da serosa Mesotélio da serosa Cadela Adenomiose Endométrio Cadela e Gata Hiperplasia endometrial cística Endométrio/Endometrite Cadela e Gata Fonte: Sapin et al. (2017) 28 REFERÊNCIAS ABRAHAM, L.; BECK, C.; SLOCOMBE, R.F. Renal dysplasia and urinary trat infection in a Bull Mastiff Puppy. Australian Vet. J., v.81, pp.336- 339, 2003. AGUIAR, L.; MADEIRA, V.H. L.; SILVA JR., F.X.; SILVA, F. M. O.; MONTEIRO, C.L.B.; SILVA,T.F.P., MATTOS, M.R.F.; SILVA, L.D.M. 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