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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS 
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL 
PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A integração da política de saúde mental com a 
atenção primária em saúde: uma avaliação 
 
 
 
 
 
 
 
Valéria Debórtoli de Carvalho Queiroz 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2016 
 
 
 ii 
 
 
 
 
 
 
 
Valéria Debórtoli de Carvalho Queiroz 
 
 
 
 
 
 
A integração da política de saúde mental com a atenção primária em saúde: uma 
avaliação 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação 
em Serviço Social da Escola de Serviço Social da 
Universidade Federal do Rio de Janeiro como 
requisito parcial para a obtenção do título de 
Doutor em Serviço Social 
 
 
 
 
Orientador: Prof. Doutor Eduardo Mourão 
Vasconcelos 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
Abril de 2016 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
iii 
 
 
 
 
Valéria Debórtoli de Carvalho Queiroz 
 
 
 
 
 
A integração da política de saúde mental com a atenção primária em saúde: uma 
avaliação 
 
 
 
 
 
 
 
 
Banca Examinadora 
 
______________________________________________ 
 
Prof. Doutor Eduardo Mourão Vasconcelos (orientador) 
 
_____________________________________________ 
 
Prof. Doutor Marcos José de Oliveira Duarte 
 
______________________________________________ 
 
Profª. Doutora Maria Paula Cerqueira Gomes 
 
______________________________________________ 
 
Profª. Doutora Rosana Teresa Onocko Campos 
 
________________________________________________ 
 
Profª. Doutora Rita de Cássia Cavalcante Lima 
 
 
 
Rio de Janeiro, 20 de abril de 2016 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
iv 
 
RESUMO 
 
 
 
Esta tese buscou avaliar a integração da política de saúde com a atenção primária em 
saúde em Aracaju (SE), Sobral (CE) e Belo Horizonte (MG). O objetivo foi evidenciar 
quais elementos estariam implicados na construção do trabalho intersetorial capaz de 
fortalecer o processo de reforma psiquiátrica em curso no país e assegurar a assistência 
em saúde mental de base comunitária e territorial. A partir de uma criteriosa revisão 
histórica e teórica e com base na abordagem dialética, foi possível perceber que as 
variáveis históricas, sociais e políticas repercutem de forma direta no processo de 
implantação, organização e execução da política de saúde que, por conseguinte, 
influencia o formato da rede de atenção em saúde. A rede de atenção psicossocial 
necessita estar articulada com a Atenção Primária em Saúde (APS) e com as demais 
políticas sociais para ter impacto positivo no processo de reabilitação psicossocial. O 
universo pesquisado e a organização da rede assistencial disponível em cada município 
evidenciaram como diferencial o compromisso assumido pelos gestores municipais no 
sentido de buscar garantir o cuidado em saúde mental em todos os níveis de atenção em 
saúde, por meio do processo de articulação da rede de atenção psicossocial com a APS. 
Nesse sentido, destaca-se o matriciamento, que tem sido utilizado como uma ferramenta 
eficaz, capaz de fortalecer o processo de integração da rede de saúde e de 
corresponsabilização dos casos de saúde mental na APS. 
 
Palavras-chave: Saúde mental. Atenção Primária em Saúde. Matriciamento. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
v 
 
ABSTRACT 
 
 
 
This thesis aimed to evaluate the integration of health policy with primary health care in 
Aracaju (SE), Sobral (CE) and Belo Horizonte (MG), Brazil. The goal was to 
demonstrate which elements were involved in the development of intersectoral work 
used for strengthening the ongoing psychiatric reform process in Brazil and to ensure 
the community and territorial mental health care. From a careful historical and 
theoretical review and based on the dialectical approach, results showed that the 
historical, social and political variables reverberate directly in the implementation and 
organization of that health policy, which in turn influences the health care network 
format. The psychosocial care network has to be associated with the primary health care 
and other social policies so that it has a positive impact on the psychosocial 
rehabilitation process. The research universe and the organization of each city care 
network highlighted the municipal managers’ commitment in order to ensure mental 
health care in all health care levels through the combination of the psychosocial care 
network with the primary health care. Thus, special attention is given to the process of 
creating “a matrix support work dispositive” as an effective tool for strengthening the 
health system integration and the co-responsibility in cases of mental health during 
primary health issues within the primary health care network. 
 
Keywords: Mental health. Primary health care. Matrix creation process. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
vi 
 
SUMÁRIO 
INTRODUÇÃO 16 
1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL 22 
1.1 UM PANORAMA DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL 22 
1.2 A POLÍTICA DE SAÚDE NOS ANOS DE 1930 A 1964 23 
1.3 A POLÍTICA DE SAÚDE NO REGIME AUTOCRÁTICO 24 
1.3.1 Os governos militares e a política de saúde: uma breve retrospectiva 24 
1.3.2 O Governo Figueiredo e o Movimento de Reforma Sanitária 29 
1.4 O SUS: UMA NOVA PERSPECTIVA PARA A SAÚDE PÚBLICA 
BRASILEIRA 
33 
1.5 A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA 34 
1.6 O NEOLIBERALISMO COMO ALTERNATIVA AO WELFARE STATE 37 
1.7 REFLEXOS DO NEOLIBERALISMO NO SUS: A 
UNIVERSALIZAÇÃO VERSUS FOCALIZAÇÃO 
43 
1.8 O SUBFINANCIAMENTO DO SUS E SEUS REFLEXOS NA FORMA 
DOS SERVIÇOS PRESTADOS 
47 
 
2 VÍNCULOS ENTRE A ATENÇÃO PRIMÁRIA EM SAÚDE E A 
SAÚDE MENTAL 
54 
2.1 O CONCEITO DE APS NO CONTEXTO INTERNACIONAL 54 
2.2 O CONCEITO DE APS NOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO 57 
2.3 A TENTATIVA DE FORTALECER A APS NO BRASIL 58 
2.4 O PROGRAMA AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE (PACS) E O 
PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA (PSF) COMO ESTRATÉGIAS 
PARA O FORTALECIMENTO DA APS NO BRASIL 
62 
2.5 A INTEGRALIDADE COMO FERRAMENTA DA POLÍTICA DE 
SAÚDE 
67 
2.6 A INTERSETORIALIDADE: UMA QUESTÃO PRIMORDIAL PARA A 
POLITICA DE SAÚDE 
70 
2.6.1 A intersetorialidade: um desafio a ser superado 73 
2.7 A IMPORTÂNCIA DO TERRITÓRIO PARA A POLÍTICA DE SAÚDE 82 
 
 
vii 
 
2.8 O LUGAR DA SAÚDE MENTAL NA APS 85 
2.9 O APOIO MATRICIAL OU MATRICIAMENTO: UMA FERRAMENTA 
ESSENCIAL PARA A POLÍTICA DE SAÚDE 
91 
2.9.1 O apoio matricial ou matriciamento na saúde mental 94 
2.9.2 A ferramenta apoio matricial ou matriciamento 97 
2.10 O FINANCIAMENTO DA APS E DA SAÚDE MENTAL 
 
105 
3 OBJETIVO E METODOLOGIA 109 
3.1 OBJETIVO GERAL 109 
3.1.1 Objetivos específicos 109 
3.2 A ESCOLHA DOS MUNICÍPIOS PESQUISADOS 109 
3.3 ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA 110 
3.4 PROCEDIMENTOS PARA A COLETA DE DADOS 113 
3.5 DOS SUJEITOS DA PESQUISA 114 
3.6 O PROCESSO DE ANÁLISE DA COLETA DE DADOS 115 
 
4 NA ROTA DE UMA NOVA CONCEPÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE 
E DE SAÚDE MENTAL: A EXPERIÊNCIA DE ARACAJU (SE), 
SOBRAL (CE) E BELO HORIZONTE (MG) 
117 
4.1 BREVE CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE ARACAJU 117 
4.1.1 A política de saúde em Aracaju 118 
4.1.2 A Atenção Primária em Aracaju 124 
4.1.3 A Saúde Mental em Aracaju 127 
4.2 UMA BREVE CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE SOBRAL 
(CE) 
134 
4.2.1 A Política de Saúde em Sobral 135 
4.2.2 A Atenção Primária em Sobral 139 
4.2.3 A saúde mental em Sobral 144 
4.3 UMA BREVE CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE BELO 
HORIZONTE 
149 
4.3.1 A política de saúde de Belo Horizonte 150 
 
 
viii 
 
4.3.2 A Atenção Primária em Belo Horizonte 154 
4.3.3 A Saúde Mental em Belo Horizonte 164 
 
5 A ARTICULAÇÃO ENTRE APS E SAÚDE MENTAL EM ARACAJU 
(SE), SOBRAL (CE) E BELO HORIZONTE (MG): A ANÁLISE DAS 
ENTREVISTAS 
172 
5.1 DESAFIOS MAIS GLOBAIS DA POLÍTICA DE SAÚDE E SAÚDE 
MENTAL E SEUS REFLEXOS NA APS172 
5.2 A REDE DE SAÚDE MENTAL, AS AÇÕES EM COMUM COM A APS 
E SEUS PRINCIPAIS DESAFIOS ASSISTENCIAIS 
179 
5.3 INTERSETORIALIDADE 202 
5.4 MATRICIAMENTO OU APOIO MATRICIAL 213 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 223 
REFERÊNCIAS 231 
APÊNDICES 279 
APÊNDICE A MARCOS NORMATIVOS 279 
APÊNDICE B TERMO DE CONSENTIMENTO LIBRE E ESCLARECIDO 287 
APÊNDICE C ROTEIRO DAS ENTREVISTAS COM OS GESTORES 288 
APÊNDICE D ROTEIRO DAS ENTREVISTAS COM OS 
TRABALHADORES 
289 
APÊNDICE E COMPILAÇÃO DE DADOS 290 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ix 
 
Agradecimentos 
 
 
 A Deus a oportunidade da vida e de aprender cotidianamente. 
 Aos meus pais pela oportunidade da existência, pelo amor, carinho e dedicação. 
Em especial, pelo apoio e motivação durante a elaboração de minha tese. As minhas 
irmãs que sempre estiveram apoiando-me durante esta longa jornada. 
 Ao meu esposo, amigo e companheiro inseparável. Agradeço pelo estímulo, 
paciência, companheirismo e carinho. Amo você! 
 Ao meu filho Rafael que coloriu a minha vida, trazendo alegrias e realizações. 
Amo você! 
 Ao Eduardo por acreditar em meu sonho, por me acolher desde o nosso primeiro 
encontro. Como também por ter me acompanhado durante todo o percurso de minha 
pós-graduação, orientando os meus estudos dando-me asas. 
 Ao Domingos Sávio pela sua generosidade por compartilhar comigo seus 
conhecimentos no processo inicial deste trabalho. 
 A Sandra Fortes por dividir seus conhecimentos sobre saúde mental e APS, 
auxiliando-me em minha caminhada investigatória. 
 Agradeço às indicações bibliográficas, às discussões/contribuições teóricas e 
também à disponibilidade dos professores que participam da banca de qualificação desta 
tese: Profª. Drª. Lígia Giovannela, Prof. Dr Pedro Gabriel, Profª. Drª Rita de Cássia 
Cavalcante Lima. 
Agradeço o diálogo franco e amistoso, às discussões/contribuições teóricas e 
também à disponibilidade dos professores que participam da banca de defesa desta tese: 
Profª. Drª. Rita de Cássia Cavalcante, Prof. Dr Marcos José de Oliveira Duarte, Profª. 
Drª Maria Paula Cerqueira Gomes e Profª. Drª Rosana Teresa Onocko Campos. 
 A Profª. Drª Ludmila Cavalcante Fontenelle pelo seu carinho, por todo o 
processo de aprendizado, o carinho e paciência. 
 Aos profissionais entrevistados que contribuíram de forma significativa para a 
realização desta tese e para o meu amadurecimento profissional e intelectual. 
 As Secretarias de Saúde dos municípios pesquisados, que foram receptivos a 
minha temática de estudo, viabilizando a conclusão desta tese. 
 Aos meus amigos que sempre estiveram por perto me apoiando. 
 
 
 
 
 
x 
 
LISTA DE ILUSTRAÇÃO 
 
Figura 2.1 – Pontos de Atenção da RAPS 95 
Figura 2.2 – Apoio Matricial 99 
Figura 2.3 – O papel dos matriciadores 101 
Figura 4.1: Modelo Tecnoassistencial de saúde em Aracaju 120 
Figura 4.2: Polos da Rede de Atenção Primária em Aracaju 125 
Figura 4.3 Linha do Tempo da Saúde Mental de Aracaju 130 
Figura 4.4: Rede Ampliada de Saúde Mental em Aracaju 131 
Figura 4.5: Configuração da Rede de Atenção Psicossocial de Aracaju 134 
Figura 4.6: Dilema das Equipes de Saúde da Família 140 
Figura 4.7: Mapa de Sobral e suas sub-regiões de saúde 141 
Figura 4.8: RAISM de Sobral 148 
Figura 4.9: Os distritos sanitários de Belo Horizonte 152 
Figura 4.10: Organização da política de saúde em Belo Horizonte 153 
Figura 4.11: Territórios de saúde no SUS–BH 157 
Figura 4.12: Atenção Primária e Vigilância em Saúde 158 
Figura 4.13: Evolução da cobertura das EqSF em BH (2005-2013) 163 
Figura 4.14: Evolução do número de Equipes de Saúde da Família 
(2008-2013) 
163 
Figura 4.15: Rede de Saúde Mental de Belo Horizonte 171 
Figura 5.1: Rede de Atenção à Saúde 178 
 
 
 
 
 
xi 
 
LISTA DE TABELAS 
 
Tabela 1.1: Distribuição de generalistas e especialistas, segundo Grandes Regiões 
– Brasil (2013) 
51 
Tabela 4.1: Evolução do número de Equipes de Saúde da Família e a cobertura 
realizada nos anos iniciais de implantação da ESF 
123 
Tabela 4.2: Estabelecimentos públicos de saúde de Aracaju 127 
Tabela 4.3: Evolução do número de CAPS por tipo no Brasil 2002-2010 131 
Tabela 4.4: Rede substitutiva de serviços de saúde mental em Aracaju 133 
Tabela 4.5: Estabelecimentos públicos de saúde de Sobral (CE) 144 
Tabela 4.6: Distribuição das unidades (próprias, conveniadas, contratadas) 
SUS/BH segundo tipologia 
160 
Tabela 4.7: Contingente dos Recursos Humanos por vínculo em Belo Horizonte 162 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
xii 
 
LISTA DE QUADROS 
 
 
Quadro 4.1: Objetivos da Secretaria de Saúde de Sobral (CE) 137 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
xiii 
 
LISTA DE SIGLAS 
AB 
ABRASCO 
ACE 
ACS 
ADS 
AIH 
AIS 
AM 
APS 
ASB 
ASPS 
BPC 
CAPS 
CAPSad 
CAPSi 
CDS 
CEBES 
CEM 
CEO 
CER 
CERSAM 
CERSAMi 
CERSAM-AD 
CEPS 
CESM 
CMS 
CNRS 
CONASP 
CPAs 
CR 
CRAS 
CREAS 
DAPES 
EqCR 
EqAM 
EqSF 
ESFVS 
FHEMIG 
FMI 
FMS 
FUNASA 
GF 
IAPs 
IDH 
IDHM 
INAMPS 
INPS 
INSS 
IVS 
LC 
Atenção Básica 
Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva 
Agente de Combate a Endemias 
Agente Comunitário de Saúde 
Áreas Descentralizadas de Saúde 
Autorização de Internação Hospitalar 
Ações Integradas de Saúde 
Apoio Matricial 
Atenção Primária em Saúde 
Auxiliar em Saúde Bucal 
Ações e Serviços Públicos de Saúde 
Benefício de Prestação Continuada 
Centro de Reabilitação Psicossocial 
Centro de Reabilitação Psicossocial álcool e drogas 
Centro de Reabilitação Psicossocial infanto-juvenil 
Conselho de Desenvolvimento Social 
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde 
Centro de Especialidades Médicas 
Centro de Especialidade Oral 
Compensação das Especificidades Regionais 
Centro de Referência em Saúde Mental 
Centro de Referência em Saúde Mental Infância 
Centro de Referência em Saúde Mental Álcool e Drogas 
Centro de Educação Permanente em Saúde 
Coordenação Geral de Saúde Mental 
Conselho Municipal de Saúde 
Comissão Nacional de Reforma Sanitária 
Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária 
Caixas de Aposentadoria e Pensões 
Consultório na Rua 
Centro de Referência em Assistência Social 
Centro de Referência Especializado em Assistência Social 
Departamento de Ações Programáticas Estratégias 
Equipes de Consultório de Rua 
Equipe de Apoio Matricial 
Equipe de Saúde da Família 
Escola de Formação em Saúde da Família Visconde Sabóia 
Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais 
Fundo Monetário Internacional 
Fundo Municipal de Saúde 
Fundação Nacional de Saúde 
Governo Federal 
Institutos de Aposentaria e Pensões 
Índice de Desenvolvimento Humano 
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal 
Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social 
Instituto Nacional de Previdência Social 
Instituto Nacional de Seguro Social 
Índice de Vulnerabilidade em Saúde 
Lei Complementar 
 
 
xiv 
 
LOAS 
MEC 
MINC 
MPAS 
MRS 
MRSB 
MS 
MT 
MTE 
NAPS 
NASF 
NEU 
NOAS 
NOB 
OMS 
ONG 
ONU 
OPAS 
PA 
PAB 
PACS 
PAD 
PAM 
PEC 
PIB 
PACS 
PMS 
PMAQ-AB 
 
PNAB 
PNACS 
PNAS 
PNH 
PNM 
PTS 
PPI 
PRH 
PROESF 
PS 
PSB 
PSE 
PSF 
PVC 
RAPS 
RAS 
RAISM 
RCB 
RD 
REAE 
REAP 
REMANE 
Lei Orgânica da Assistência Social 
Ministério da Educação e Cultura 
Ministério da Cultura 
Ministério da Previdência e Assistência Social 
Movimento de Reforma Sanitária 
Movimento de Reforma Sanitária Brasileira 
Ministério da Saúde 
Ministério do Trabalho 
Ministério do Trabalho e do Emprego 
Núcleos de Atenção Psicossocial 
Núcleo de Apoio à Saúde da Família 
Núcleos de Educação em Urgência 
Norma Operacional Básica da Assistência Social 
Norma Operacional Básica 
Organização Mundial de Saúde 
Organização não GovernamentalOrganização das Nações Unidas 
Organização Pan-Americana da Saúde 
Pronto Atendimento 
Piso de Atenção Básica 
Programa Agente Comunitário de Saúde 
Programa de Assistência Domiciliar 
Postos de Assistência Médica 
Projeto de Emenda Constitucional 
Produto Interno Bruto 
Programa de Agentes Comunitários de Saúde 
Plano Municipal de Saúde 
Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção 
Básica 
Política Nacional de Atenção Básica 
Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde 
Política Nacional de Assistência Social 
Política Nacional de Humanização 
Política Nacional de Medicamentos 
Projeto Terapêutico Singular 
Programação Pactuada e Integrada 
Programa Anual de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica 
Programa de Consolidação e Expansão da Saúde da Família 
Posto de Saúde 
Programa de Saúde Bucal 
Programa Saúde nas Escolas 
Programa Saúde da Família 
Programa de Volta para Casa 
Rede de Atenção Psicossocial 
Rede de Atenção à Saúde 
Rede de Atenção Integral em Saúde Mental 
Receita Corrente Bruta 
Redução de Danos 
Rede de Atenção Especializada 
Rede de Atenção Psicossocial 
Relação Nacional de Medicamentos Essenciais 
 
 
xv 
 
RMBH 
RMSF 
RS 
SAS 
SENAE 
SES 
SIAB 
SID 
SILOS 
SINPAS 
SISREDE 
SMSA 
SMS 
SRT 
SSASS 
SUDS 
SUS 
TC 
TCM 
TMSP 
TSB 
UA 
UBS 
UIPHG 
UNIFEC 
UPA 
US 
WONCA 
Região Metropolitana de Belo Horizonte 
Residência Médica em Saúde da Família 
Regiões de Saúde 
Secretaria de Atenção à Saúde 
Secretaria Nacional de Economia Solidária 
Secretaria Estadual de Saúde 
Sistema de Informações da Atenção Básica 
Secretaria da Identidade e da Diversidade 
Sistemas Locais de Saúde 
Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social 
Sistema de Gestão de Saúde em Rede 
Secretaria Municipal de Saúde 
Secretaria Municipal de Saúde 
Serviço de Residência Terapêutica 
Secretaria de Saúde e Ação Social de Sobral 
Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde 
Sistema Único de Saúde 
Terapia Comunitária 
Transtorno Mental Leve ou Comum 
Transtorno Mental Severo e Persistente 
Técnico em Saúde Bucal 
Unidade de Acolhimento 
Unidade Básica de Saúde 
Unidade de Internação em Hospital Geral 
Fundo das Nações Unidas para a Infância 
Unidade de Pronto Atendimento 
Unidade de Serviço 
World Organization of Family Doctor 
 
 
 
 
 
 
 
 
16 
 
Introdução 
 
A saúde mental é um tema muito caro à minha pessoa. O meu primeiro contato 
profissional com a temática ocorreu na Casa de Saúde de Volta Redonda (RJ). Naquela época, 
o município estava estruturando a rede de atenção psicossocial (RAPS) e o hospital 
psiquiátrico deveria ser fechado, o que impulsionou o poder público a criar os serviços 
substitutivos de base territorial e comunitária. No processo de expansão e diversificação dos 
dispositivos assistenciais em saúde mental de base territorial e comunitária, eu tive a 
oportunidade de atuar, também, em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). As 
experiências profissionais acumuladas nesses dois trabalhos suscitaram em mim muitas 
reflexões, impulsionando-me a pesquisar sobre saúde mental. 
No campo familiar, o tema saúde mental esteve presente na minha vida desde a 
infância, com o diagnóstico de um ente querido muito próximo. O convívio diário com 
alguma pessoa com transtorno mental faz parte da vida de muitas pessoas, pois, em termos 
estatísticos, de acordo com a Política Nacional de Saúde Mental (PNSM) (BRASIL, 2009), 
3% da população geral sofrem com transtornos mentais severos e persistentes, 6% apresentam 
transtornos psiquiátricos graves, decorrentes do uso de álcool e outras drogas, e 12% da 
população necessitam de algum atendimento em saúde mental contínuo ou eventual. 
As vivências experimentadas em meu mestrado em Serviço Social, junto ao Programa 
de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), 
evidenciaram o esgotamento da RAPS de Juiz de Fora (MG), que ficou restrita aos parcos 
dispositivos desinstitucionalizantes. A pesquisa constatou que um grande número de usuários 
permanecia nos CAPS mesmo já em condição de alta e os usuários apresentavam uma grande 
dependência em relação ao CAPS. A dinâmica de trabalho e de atendimento desenvolvida no 
CAPS era muito próxima da rotina hospitalocêntrica. A ausência da estruturação de uma porta 
de saída para o serviço impedia o acompanhamento sistemático dos casos graves devido à 
sobrecarga de atividades. Ao mesmo tempo, a assistência prestada era restrita aos parcos 
dispositivos assistenciais, pois não foi estabelecido um trabalho intersetorial com a saúde e 
muito menos com as demais políticas públicas. 
Sabe-se que os CAPS são serviços especializados da rede de saúde mental que devem 
prestar atenção integral aos usuários com sofrimento severo e persistentes. São funções dos 
CAPS: articular e organizar a demanda da rede de cuidados em saúde mental; desempenhar o 
papel de regulador da porta de entrada da rede assistencial; coordenar as atividades de 
supervisão de unidades hospitalares psiquiátricas; supervisionar e capacitar as equipes de 
 
 
17 
 
atenção básica, serviços e programas de saúde mental. Dessa forma, esse dispositivo 
desempenha um papel de suma importância na RAPS, embora perca sua finalidade à medida 
que não se articula com a Atenção Primária em Saúde (APS). 
A proposta da reforma psiquiátrica em curso no país ultrapassa a saída dos indivíduos 
com transtorno mental dos hospitais psiquiátricos. Seu objetivo maior, sob meu ponto de 
vista, é libertar esses sujeitos da lógica manicomial que cerceia as subjetividades. Para isso, 
propõe que sejam desenvolvidas ações em conjunto com as demais políticas sociais. À 
medida que os CAPS não conseguem prestar uma assistência de qualidade, o serviço passa a 
atuar de forma bastante semelhante aos hospitais psiquiátricos, criando uma CAPS-
dependência. Foi justamente por constatar essa realidade em Juiz de Fora que surgiu o meu 
interesse em investigar e aprofundar os meus estudos sobre essa questão no doutorado. 
Na atual conjuntura de amadurecimento do processo de reforma psiquiátrica em curso 
no país, é fundamental que a política de saúde mental estabeleça uma relação de 
corresponsabilização dos casos de saúde mental com a APS. As ações entre a saúde mental e a 
APS devem ser capazes de promover o cuidado e promover a inclusão social tal como 
preconizado na Lei 10.216/2001. 
A política de saúde mental deve ser planejada de forma contínua a fim de assegurar o 
direito de alta nos CAPS, sem gerar desassistência, desamparo e sofrimento. Dessa forma, os 
municípios precisam que os serviços de saúde estejam organizados dentro de uma rede 
articulada de serviços. Nessa perspectiva, Severo (2009) faz uma crítica à precariedade da 
RAPS em alguns municípios e afirma que a RAPS é o único espaço que promove a 
sociabilidade dos usuários, ocasionando uma dependência destes em relação ao serviço, 
gerando a cronificação do usuário e da própria rede. O usuário fica dependente do CAPS e o 
CAPS perde a sua capacidade de atender adequadamente aos usuários, em virtude da 
demanda excessiva. 
A RAPS foi pensada com o intuito de libertar os sujeitos da lógica manicomial que 
molda as escolhas e os projetos de vida, dando chances reais de reinserção social e de 
construção de projetos pessoais. Não deixar a RAPS cronificar tem sido um grande desafio 
para os trabalhadores do campo da saúde mental. 
Para explicar a escolha desta temática, recorro ao que Arbex (2013) denominou de 
holocausto brasileiro. Para a autora, por muitos anos as pessoas em sofrimento psíquico foram 
enclausuradas, excluídas e sofreram várias formas de maus tratos. Acredito na capacidade da 
atual política de saúde mental em assegurar o cuidado no território por meio dos dispositivos 
 
 
18 
 
substitutivos. Entretanto, é preciso estabelecer o trabalho intersetorialcom todas as políticas 
sociais governamentais e não governamentais a fim de dar sustentação à reforma psiquiátrica. 
O passado recente da assistência psiquiátrica no Brasil reiterou que o tratamento asilar 
foi inócuo e desumano. Para Rotelli (2001), os hospitais psiquiátricos são espaços de troca 
zero, devido aos mecanismos de atenção destinados aos usuários uma vez que sequestram 
toda e qualquer possibilidade de trocas afetivas e/ou materiais. 
Na busca de superar o passado e de resgatar a cidadania desses sujeitos, a atual política 
de saúde mental elegeu o território como o seu ponto de partida e propõe uma ação ousada de 
compartilhar o cuidado e a atenção do usuário da saúde mental com a APS. A atenção 
psicossocial está pautada em práticas territoriais, pois objetiva fomentar a cidadania e a 
capacidade de autonomia dos sujeitos em sofrimento psíquico. Por isso, prevê a ampliação da 
rede de cuidado em saúde mental, por meio do estabelecimento de outras parcerias no âmbito 
da própria rede de saúde, como é o caso do compartilhamento do cuidado com a APS. 
O processo de territorialização das ações em saúde tem estimulado que a APS e a 
saúde mental estabeleçam uma relação muito próxima, pois, no dia a dia, os profissionais das 
EqSF têm recebido uma demanda crescente de cuidado em saúde mental. Conforme 
demonstra o estudo de Andreoli (2007), 56% das equipes de saúde da família referiram 
realizar “alguma ação de saúde mental”. As equipes de PSF apresentam-se como um recurso 
estratégico para o enfrentamento de agravos vinculados ao uso abusivo de álcool, drogas e 
diversas formas de sofrimento psíquico, por sua proximidade com famílias e com a 
comunidade. 
Desde 2001, o Ministério da Saúde tem buscado promover a articulação entre a 
atenção psicossocial e a APS, quando foi firmada uma parceria entre a Coordenação Geral de 
Saúde Mental e o Departamento de Atenção Básica para discutir um Plano Nacional de 
Inclusão das Ações de Saúde Mental na Atenção Básica, que foi pautado basicamente em dois 
aspectos: o apoio matricial e a formação em serviços de saúde na área de saúde mental 
(BRASIL, 2001). 
Para a política de saúde mental, é fundamental que os serviços estejam articulados no 
território, sendo capazes de ajudar na construção de novas subjetividades que possibilitem 
reinventar a vida em todos os aspectos do seu cotidiano, isto é, um cotidiano no qual a loucura 
foi privada de conviver. É o que Lobosque (2007, p. 37) salienta “[...] de buscar para a 
loucura algum cabimento na cidade – o que exige uma reinvenção da cidade mesma, assim 
como outro pensamento da loucura”. Construir o espaço para a loucura/diversidade no 
 
 
19 
 
território é o desafio que foi colocado pela reforma psiquiátrica. Por isto, é fundamental que o 
serviço esteja articulado em rede, sendo capaz de ofertar um leque diversificado de assistência 
para cada sujeito. 
O resultado de minha pesquisa no mestrado evidenciou uma ausência de diálogo entre 
a saúde mental e os demais níveis de atenção em saúde. Esse fato contribuiu para que a RAPS 
de Juiz de Fora atuasse de forma isolada, impondo aos usuários da saúde mental uma rotina de 
atendimento ambulatorial. Além disso, a falta de portas de saída para o usuário estabilizado 
compromete a qualidade da prestação da assistência em saúde mental de forma geral. 
Diante desse cenário, interessei-me em investigar a integração entre a política de saúde 
mental e a APS em outras cidades brasileiras, ou seja, como tem sido o compartilhamento do 
cuidado entre a saúde mental e a APS. 
Sendo assim, o desenvolvimento desta tese buscou responder a dois questionamentos 
básicos que direcionaram o estudo realizado: a) avaliar a ação intersetorial entre a política de 
saúde mental e a APS nos municípios; e b) analisar os fatores limitadores e facilitadores para 
a integração entre a política de saúde mental e a APS. 
Logo, esta investigação refere-se à avaliação em um estudo comparativo de casos da 
implementação da integração entre a política de saúde mental e a APS quanto à criação da 
rede de cuidados integral e intersetorial nos municípios de Aracaju (SE), Sobral (CE) e Belo 
Horizonte (MG). A pesquisa foi de natureza intencional, descritiva e qualitativa tendo sido 
realizada com 22 profissionais que atuavam na saúde mental e na APS dos municípios de 
Aracaju (SE), Sobral (CE) e Belo Horizonte (MG). Como técnica de coleta de dados, foi 
utilizado o diário de campo para realizar os registros das observações consideradas relevantes. 
Também recorri à técnica da entrevista semi-estruturada com os profissionais que atuavam 
nos CAPS em suas diversas modalidades, nos hospitais psiquiátricos, nas urgências 
psiquiátricas, nas residências terapêuticas, na coordenação dos serviços de saúde mental, nos 
postos de saúde e na coordenação da APS. Para fazer o perfil de cada município, recorri a 
fontes bibliográficas primárias e secundárias, a fim de evidenciar o processo de consolidação 
da reforma psiquiátrica nos municípios e como foi elaborada/estruturada a RAPS. 
O custeio para a realização desta tese foi misto. Uma pequena parte foi financiado pela 
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), durante 18 meses. 
O restante foi custeado com recursos próprios, implicando num esforço enorme para a sua 
realização e ao mesmo tempo limitando minha permanência em cada município por no 
 
 
20 
 
máximo uma semana, fato este que pode ter gerado alguma limitação no processo de 
aproximação com a realidade. 
No Capítulo 1, apresento a contextualização da política de saúde, fazendo um 
panorama desde os anos de 1930 até a atualidade, buscando evidenciar a influência que o 
movimento de reforma sanitária exerceu/exerce no processo de criação do Sistema Único de 
Saúde (SUS). Saliento a importância do movimento de reforma psiquiátrica que questionou 
severamente o tratamento asilar e defendeu a assistência à pessoa com transtorno mental no 
território. Foi realizada uma reflexão a respeito da adoção do ideário neoliberal no Brasil, 
justamente no período de avanço das políticas sociais, evidenciando que tal opção foi nefasta 
para o processo de consolidação dos direitos sociais. 
No Capítulo 2, exponho os principais conceitos em nível internacional e nacional 
sobre a APS. Apresento as tentativas governamentais brasileiras de fortalecimento da APS, 
por meio do programa Agente Comunitário de Saúde e do Programa de Saúde da Família. 
Destaco, ainda, que a integralidade foi resgatada como o princípio norteador do SUS, a fim de 
aproximar as práticas preventivas das práticas assistenciais em saúde. Nesse sentido, discuto a 
necessidade de fortalecer a intersetorialidade na política de saúde para dar sustentação ao 
projeto de reforma psiquiátrica em curso no Brasil. Saliento que a APS e a política de saúde 
mental devem apropriar-se do território, estabelecendo vínculos com os usuários e 
reconhecendo os problemas cotidianos presentes na comunidade e como eles repercutem no 
processo de saúde/doença dos usuários. Exponho que o apoio matricial torna-se fundamental 
para que sejam estabelecidas técnicas de cuidado em comum a partir do compartilhamento 
dos casos e do processo de corresponsabilização entre as equipes da saúde mental e a APS, 
assegurando, de fato, o tratamento territorial. Além disso, abordo quais são as fontes de 
financiamento para a saúde mental e para a APS, evidenciando que os cortes orçamentários 
comprometem a qualidade da assistência prestada. 
No Capítulo 3, descrevo o percurso teórico-metodológico escolhido para a realização 
desta tese com a finalidade de atingir os objetivos propostos. 
No Capítulo 4, apresento os municípios pesquisados: Sobral (CE), Aracaju (SE) e Belo 
Horizonte (MG), descrevendo os antecedentes do processo de reforma psiquiátrica em cada 
município. Em seguida, apresento os fatores que motivaram os governantes a implantara 
RAPS em cada cidade, destacando a opção municipal em estabelecer o vínculo entre a política 
de saúde mental e a APS. Finalmente, apresento como a RAPS foi delineada em cada cidade. 
 
 
21 
 
No capítulo 5, exponho os resultados da pesquisa, os quais foram agrupados em quatro 
categorias de análise: 
a) a rede de saúde mental e as ações em comum com a APS: nesse eixo, analisei a 
maneira como foi estruturada a rede de saúde mental em parceria com a APS, a fim 
de detectar os seus pontos de interseção e se eles refletem na qualidade dos serviços 
prestados aos usuários, promovendo a melhoria do acesso às políticas sociais; 
b) intersetorialidade: o objetivo foi avaliar se o município conseguiu estruturar uma 
rede de atenção em saúde capaz de atender às demandas dos usuários. 
c) matriciamento: o meu intuito foi identificar o matriciamento como um instrumento 
de articulação entre a Saúde Mental e a Atenção Primária, identificando os avanços 
e analisando os entraves existentes; 
d) desafios atuais: minha intenção foi averiguar quais são os principais entraves que 
dificultam o fortalecimento da saúde mental e sua correlação com a APS no 
município. 
Finalmente, as considerações finais desta tese trazem reflexões e apontamentos para o 
fortalecimento da política de saúde mental, por meio do fortalecimento do vínculo com a 
APS. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
22 
 
1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL 
 
As políticas sociais brasileiras foram constituídas, principalmente, a partir da pressão 
das classes sociais sob o estado capitalista que ao reconhecê-las, implantava os dispositivos 
legais, a fim de minimizar a tensão capital versus trabalho. 
Queiroz (2009) ressalta a necessidade de se reconhecer historicamente o conteúdo das 
políticas sociais, considerando as condições objetivas do mundo do capital e as lutas sociais 
das classes trabalhadoras, pois as implantações das políticas sociais tiveram (e ainda têm) 
como pano de fundo as crises do sistema capitalista. Dessa forma, as políticas sociais, além de 
responder às demandas e às lutas das classes trabalhadoras, também visam minimizar os 
efeitos de outras políticas governamentais, indispensáveis ao processo de acumulação 
capitalista. 
 
1.1 UM PANORAMA DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL 
 
Até o século XVIII, a assistência médica prestada à população brasileira caracterizava-
se pela prática liberal, caritativa e filantrópica (BRAVO, 2007). A população recorria às 
Santas Casas de Misericórdia e a outras instituições de caridade. No século subsequente, 
algumas mudanças foram introduzidas à medida que o Estado assumia algumas iniciativas 
relativas à saúde pública 
 
foram criados e implementados os serviços e programas de saúde pública em nível 
nacional (central).À frente da Diretoria Geral de Saúde Pública, Oswaldo Cruz, ex-
aluno e pesquisador do Instituto Pasteur, organizou e implementou, 
progressivamente, instituições públicas de higiene e saúde no Brasil. Em paralelo, 
adotou o modelo das “campanhas sanitárias”, destinado a combater as epidemias 
urbanas e, mais tarde, as endemias rurais. (LUZ, 1991, p. 78) 
 
As ações do Estado no âmbito da política de saúde foram modificando-se de forma 
acentuada, conforme as relações capitalistas aprofundavam-se na sociedade brasileira. O 
movimento operário foi o grande articulador dessas modificações, pois passou a cobrar uma 
postura mais efetiva do estado no que diz respeito à saúde da população. 
Em 1923, foram criadas as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CPAs), que podem ser 
consideradas o embrião da previdência social brasileira. Com financiamento tripartite (União, 
empresas e empregados), as CPAs tinham como objetivo fundamental oferecer assistência 
médica-curativa, medicamentos, aposentadorias por tempo de serviço, velhice ou invalidez e 
pensão aos trabalhadores e seus dependentes. 
 
 
23 
 
1.2 A POLÍTICA DE SAÚDE NOS ANOS DE 1930 A 1964 
 
O primeiro governo de Getúlio Vargas promoveu o início da industrialização 
brasileira, incentivando o crescimento do trabalho formal. Assim, para garantir a manutenção 
e a reprodução da força de trabalho urbana e fabril e, a fim de assegurar a acumulação 
capitalista, o Estado criou um sistema previdenciário nacional: os Institutos de Aposentaria e 
Pensões (IAPs). Desse período em diante, o Estado passou a ser o principal agente propulsor 
da política de saúde. Entretanto, seu compromisso restringia-se à prestação da assistência de 
saúde aos trabalhadores formais. A esse processo Santos (1978, p.75) denominou “cidadania 
regulada”. 
Segundo Bravo (2007), a política de saúde, nesse período, foi organizada em dois 
subsetores: o de saúde pública e o de medicina preventiva. A medicina preventiva expandiu-
se com a criação dos IAPs, que possibilitaram a ampliação da cobertura de saúde a várias 
categorias profissionais e aos seus beneficiários. Cabe salientar que os beneficiários dos IAPs 
tinham acesso diferenciado à política de saúde (MONNERAT; SENNA, 2007; PESSINI; 
BARCHIFANTAINE, 2003). No entanto, os benefícios dos IAPs ofertados aos trabalhadores 
não eram uniformes, mas variavam de acordo com o regulamento de cada IAP. Marques 
(2010) salienta que os IAPs foram constituídos como entidades autárquicas, vinculadas ao 
Estado por meio do Ministério do Trabalho (MT), fato que contribuiu para que a previdência 
se tornasse um instrumento de incorporação controlada da classe trabalhadora. 
Duas eram as formas de organização da política de saúde, nesse período: a) a saúde 
pública, que estava sob a incumbência do governo federal, embora as ações preventivas 
fossem executadas pelos estados e municípios; estes centralizavam suas ações objetivando 
ofertar as condições sanitárias mínimas para a população urbana; b) a medicina 
previdenciária, realizada por médicos conveniados aos IAPs. É importante ressaltar que, 
somente a partir de 1966, o subsetor de medicina previdenciária superou o de saúde pública. 
Além disso, os trabalhadores informais, em caso de adoecimento, somente poderiam recorrer 
às instituições caritativas. 
A expansão dos IAPs não foi acompanhada pela ampliação da oferta de serviços 
próprios de saúde, embora a demanda por atendimento médico fosse crescente. Assim, a 
alternativa encontrada foi a contratação de serviços médicos privados, consequentemente, 
 
os serviços de saúde dos IAPS eram complementados ou totalmente constituídos, 
por prestadores privados de saúde. Tal fato potencializou a construção de reformas 
de ampliação de hospitais particulares. (MARQUES, 2010, p. 27-28) 
 
 
24 
 
Conforme salienta Bravo (2007), o atendimento hospitalar privado no país foi 
estruturado a partir de 1950. Nessa época, já havia uma forte sinalização de formação dos 
aglomerados médicos privados, pois o setor privado exercia forte pressão no Estado para a 
compra de serviços médicos privados. Entretanto, 
 
as formas de compra dos serviços médicos a terceiros aparecem como minoritárias e 
pouco expressivas no quadro geral da prestação da assistência médica pelos 
institutos. Esta situação vai ser completamente diferente no regime que se instalou 
no país após 1964. (BRAVO, 2007, p. 93) 
 
 É importante destacar que a corporação médica ligada aos interesses capitalistas era 
bastante organizada e pressionava o Estado para promover a privatização da saúde. 
Entretanto, apesar das pressões, a assistência médica previdenciária, até 1964, era fornecida 
basicamente pelos serviços próprios dos IAPs. 
 
1.3 A POLÍTICA DE SAÚDE NO REGIME AUTOCRÁTICO 
 
1.3.1 Os governos militares e a política de saúde: uma breve retrospectiva 
 
Durante o governo militar, a perda de direitos políticos e sociais agravou a questão 
social e, para contê-la, o Estado utilizou o binômio repressão-assistência. Contraditoriamente, 
na vigência dos regimes autocráticos ocorreu um significativoincremento das políticas 
assistenciais no país. Tais políticas desenvolveram-se de forma burocratizada e moderna com 
o intuito de aumentar o poder de regulação do Estado sobre a sociedade civil. A ampliação da 
política assistencial foi implementada ao mesmo tempo em que o Estado ampliava o seu 
aparato repressivo aos setores oposicionistas ao regime ditatorial. 
A unificação dos IAPs ocorreu com a criação do Instituto Nacional de Previdência 
Social (INPS), em 1966, que passou a ser responsável pela prestação da assistência médica a 
todos os trabalhadores contribuintes. Coube ao INSS a concentração de todas as contribuições 
previdenciárias, a gestão das aposentadorias, das pensões e a assistência médica a todos os 
trabalhadores formais. A previdência social tornou-se o principal órgão de financiamento de 
serviços de saúde e, concomitantemente, houve a ampliação da cobertura assistencial para os 
trabalhadores formais. Em contrapartida, nesse período, a saúde pública sofreu um declínio, 
 
ficou relegada a segundo plano, tornou-se uma máquina ineficiente, cuja atuação 
restringia-se a campanhas de baixa eficácia. A carência de recursos - que não 
chegavam a 2%do PIB - colaborava com o quadro de penúria e decadência, com 
 
 
25 
 
graves consequências para a saúde da população. (ESCOREL; NASCIMENTO; 
EDLER 2005, p. 60) 
 
Para Fleury (2010, p. 65), o sistema de proteção social no período autocrático 
obedeceu a quatros linhas fundamentais: 
 
a) a centralização e a concentração do poder em mãos da tecnocracia, com a 
retirada dos trabalhadores do jogo político e da administração das políticas 
sociais; 
b) o aumento de cobertura, incorporando, precariamente, grupos antes 
excluídos, as empregadas domésticas, os trabalhadores rurais e os 
autônomos; 
c) a criação de fundos e contribuições sociais como mecanismo de 
autofinanciamento dos programas sociais (FGTS, PIS-Pasep, Funsocial, 
FAS, Salários-Educação); 
d) a privatização dos serviços sociais (em especial a educação universitária e 
secundária e a atenção hospitalar). 
 
A saúde pública direcionada aos cidadãos sem vínculo empregatício continuava 
ineficiente e residual. No entanto, uma parcela significativa da população dependia dela a fim 
de repor suas condições de trabalho. Como solução para essa questão, o governo ampliou a 
cobertura para os segmentos populacionais marginalizados mediante a compra de serviços 
privados. Com essa medida, o Estado optou pela ampliação da oferta de serviços médico-
hospitalares mediante contrato com a iniciativa privada. Castro e Fausto (2012, p. 176) 
esclarecem que, na política de saúde, prevaleceu 
 
uma dualidade na organização das ações e dos serviços do sistema de saúde, com 
práticas realizadas de forma dicotomizadas: de um lado, as de caráter social, 
sanitarista ou de saúde pública; de outro, as ligadas à prestação de cuidados aos 
indivíduos. 
 
O governo do General Médici (1970-1974) caracterizou-se por ser o mais opressor 
dentre todos os governos militares. No entanto, mesmo sob forte repressão política e social, o 
governo contou com uma base de sustentação vigorosa devido ao alto crescimento econômico 
do país: cerca de 12% ao ano. Nesse período, várias obras de infraestrutura foram executadas 
por meio de empréstimos externos, possibilitando a abertura de milhões de empregos país 
afora. Contudo, a taxa de inflação permanecia alta e esse fato contribuiu para que os 
benefícios trazidos pelo desenvolvimento acelerado não diminuíssem a pobreza. Ao contrário, 
verificou-se uma concentração de renda ainda maior. 
A crescente desigualdade social e o aumento da pobreza colaboraram para que uma 
grande parcela da população permanecesse na informalidade e, por isso, não tivesse acesso à 
 
 
26 
 
política de saúde e previdenciária. Esses trabalhadores sobreviviam à margem das políticas 
sociais e, dessa forma, recorriam às Santas Casas de Misericórdia. 
Para Júnior e Júnior (2006, p. 14), a política de saúde, dos anos 70, foi polarizada 
 
entre as ações de caráter coletivo, como os programas contra determinados agravos, 
vacinação, vigilância epidemiológica e sanitária, a cargo do Ministério da Saúde e, a 
assistência médica individual centrada no INPS, [...]. A assistência médica 
individualizada passou a ser dominante e a política privilegiou a privatização dos 
serviços e estimulou o desenvolvimento das atividades hospitalares. 
 
A expansão do número de leitos e da cobertura da assistência médica previdenciária 
ocorreu por meio da compra de serviços médico-hospitalares da rede privada, pois a saúde 
pública estava voltada para as ações específicas e os recursos eram escassos. A remuneração 
dos serviços médicos prestados pela rede privada aos previdenciários era feita mediante 
Unidade de Serviço (US). Para Marques (2010, p. 30), essa 
 
forma de remuneração resultou em uma fonte incontrolável de corrupção. Além da 
remuneração por US, o INPS financiou a construção de hospitais privados sem 
previsão de recuperação dos investimentos. 
 
Para os autores Castro e Fausto (2012), a contratação de serviços privados de saúde 
pela previdência deu-se com o objetivo expandir a oferta dos serviços de saúde. Desse modo, 
foram assinados vários convênios e credenciados novos prestadores de serviços. Por 
conseguinte, o processo de capitalização da medicina privada no país deu-se com o incentivo 
do Estado, que foi o seu principal articulador. 
A partir desse período, predominou a assistência médica individualizada, especializada 
e curativa. Além disso, a articulação do setor privado com o Estado favoreceu a expansão do 
parque hospitalar e farmacêutico. Segundo Bravo (2007, p. 94 apud OLIVEIRA; TEIXEIRA, 
1986), “houve a criação do complexo médico-industrial, responsável pelas elevadas taxas de 
acumulação de capital das grandes empresas monopolistas internacionais na área da produção 
de medicamentos e de equipamentos médicos”. 
À medida que se expandia o acesso à saúde, tornava-se mais nítida a clivagem entre os 
serviços ofertados pela iniciativa privada e os serviços públicos de saúde. Este fato ocasionou 
questionamentos no que tange a necessidade de melhorar a qualidade de saúde pública no 
país. 
Ao final do Governo Médici, o país vivenciava uma grave crise econômica decorrente 
da subordinação da política econômica ao mercado internacional. A desvalorização dos 
 
 
27 
 
principais produtos exportados pelo país, tais como o petróleo, o café, o açúcar e o algodão, 
contribuiu para um saldo negativo na balança comercial. Além disso, o salário mínimo perdeu 
seu poder de compra e a migração campo/cidade favoreceu o aumento da pobreza nas grandes 
cidades. 
Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), 
juntamente com o Conselho de Desenvolvimento Social (CDS), com o intuito de minimizar 
os efeitos negativos da crise econômica e da repressão e a fim de manter sua legitimação 
popular. A estratégia do governo era conter as insatisfações populares. Para tal, investiu em 
duas estratégias: a) a ampliação controlada dos espaços de reivindicações políticas; b) as 
políticas sociais de cunho paternalista e clientelista. A ausência de pessoas qualificadas para 
ocupar essas novas esferas institucionais contribuiu para que o Estado abrisse espaço para os 
segmentos organizados com ideários divergentes daqueles do regime autocrático. Esse fato 
permitiu que, aos poucos, os representantes do ideário da reforma sanitária penetrassem o 
corpo do Estado. 
Em 1976, foi fundado o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), cujos 
integrantes desempenharam um papel importante no processo de questionamento da política 
de saúde, apresentando sugestões para aperfeiçoá-la. Júnior e Júnior (2006, p. 15) salientam 
que a criação do CEBES significou 
 
o início da mobilização social que se convencionou chamar Movimento da Reforma 
Sanitária Brasileira– MRSB. O Movimento nasceu nos Departamentos de Medicina 
Preventiva e no Curso de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da 
Universidade de São Paulo (USP) e rapidamente se expandiu entre os profissionais 
de saúde [...] que preconizava um novo modelo assistencial que destacava a 
importância da assistência primária de saúde. 
 
A Lei 6.439, de 1977, instituiu o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social 
(SINPAS)
1
. Essa lei englobou o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), passando a 
ser responsável pelos benefícios previdenciários. O SINPAS teve como objetivo reestruturar 
as formas de concessão dos benefícios e dos serviços bem como reorganizar a gestão 
administrativa, financeira e patrimonial da previdência social. 
 
1
Segundo Leite (1978) o SINPAS abrangeu seis órgãos: 
a) o Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS), que prestava assistência 
médica aos beneficiários; 
b) o Instituto da Administração Financeira da Previdência Social (IAPAS), que se ocupava da arrecadação e 
da fiscalização das contribuições e da gestão dos recursos; 
c) Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), 
d) Legião Brasileira de Assistência (LBA), 
e) Central de Medicamentos (CEME); 
f) DATAPREV Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social. 
 
 
28 
 
Nesse contexto, coube ao INAMPS, autarquia federal vinculada ao MPAS e criada 
pelo desmembramento do INPS, a responsabilidade de prestar assistência à saúde a todos os 
brasileiros contribuintes em qualquer lugar no território nacional. Diante de tal incumbência, 
foram construídos grandes ambulatórios e alguns hospitais nos grandes centros urbanos. 
Entretanto, os altos investimentos demandados para a construção e ampliação da rede de 
atendimento fez com que o INAMPS passasse a contratar serviços de clínicas particulares e 
de entidades filantrópicas. 
É importante salientar que a ampliação da rede de assistência à saúde ocorreu, 
sobretudo, nos grandes centros urbanos onde residiam os trabalhadores contribuintes. Nas 
demais localidades permaneceram os vazios assistenciais, gerando muita desassistência em 
saúde. Mendes (2013, p. 28) retrata a dificuldade de acesso à saúde nessa época, pois 
 
antes do SUS vigia um Tratado de Tordesilhas da saúde que separava quem portava 
a carteirinha do Inamps e que tinha acesso a uma assistência curativa razoável das 
grandes maiorias que eram atendidas por uma medicina simplificada na atenção 
primária em saúde e com indigentes na atenção hospitalar. 
 
Outra atribuição do INAMPS foi a de realizar o financiamento e a gestão da 
assistência médica de todos os provedores de serviços médico-hospitalares conveniados. Para 
realizar a distribuição equitativa dos recursos, foram considerados dois fatores: o montante 
arrecadado pela contribuição e o número de beneficiários em cada estado. Assim, quanto mais 
próspera era a economia estadual, maior era a alocação de recursos a fim de suprir as 
necessidades assistenciais no campo da saúde. Souza (2002) ressalta que o INAMPS 
direcionava a maior parte dos recursos aos estados localizados nas regiões Sul e Sudeste, 
especialmente nas cidades de maior porte, por serem mais ricas. 
A centralização de poder no INAMPS contribuiu para que esse órgão se constituísse 
como a única esfera institucional capaz de traçar as diretrizes da política de saúde 
previdenciária. Gouveia e Palma (2003) criticaram a criação do INAMPS, uma vez que a 
saúde pública passou a ser uma atribuição do Ministério da Saúde (MS) e este não dispunha 
de recursos suficientes para realizar as ações de saúde coletiva essenciais para melhorar as 
condições de vida de toda a população. Os autores salientam que, na incumbência do MS, 
ficaram os programas de imunização e a vigilância sanitária e epidemiológica. Essa divisão de 
função provocou uma cisão na 
 
noção básica de integralidade entre as ações de promoção, prevenção, tratamento e 
reabilitação, que passaram a cindidas em diferentes ministérios. Com o rico 
INAMPS ficariam os hospitais, os ambulatórios e o cuidado médico curativo-
 
 
29 
 
individual, alçados a centro do sistema e tratados como um fim em si mesmo. 
(GOUVEIA; PALMA, 2003, p. 16) 
 
No que tange à atenção básica, Júnior e Júnior (2006, p.16) destacam que, desde 1977, 
o MS já percebia a importância da municipalização da saúde para “estruturar uma rede de 
serviços básicos dentro dos princípios da atenção primária, mas à época, nenhum passo 
concreto foi dado nesta direção”. Para os autores, o descaso para com a atenção básica pode 
ser explicado pela falta de recursos do MS para executá-la e pelo processo de privatização da 
saúde por meio da assistência previdenciária. 
 
1.3.2 O Governo Figueiredo e o Movimento de Reforma Sanitária 
 
 O governo Figueiredo (1979-1985) marcou a transição do período ditatorial para a 
abertura democrática e deu continuidade à implantação do programa social iniciado no 
Governo Geisel (II Plano Nacional de Desenvolvimento). 
Em 1979, foi criada a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva 
(ABRASCO). A ABRASCO desempenhou um papel ativo no Movimento de Reforma 
Sanitária Brasileira (MRSB) ao criar programas de pós-graduação em saúde coletiva e em 
saúde pública. Esses programas estenderam-se pelo país por meio de um convênio firmado 
entre o INAMPS e várias universidades. Consequentemente, o país passou a contar com 
gestores sanitários aptos para atuar no Sistema Nacional de Saúde (ESCOREL; 
NASCIMENTO; EDLER, 2005). 
Nesse mesmo ano, o CEBES tornou-se um órgão de consultoria técnica. Os técnicos 
trabalhavam em programas institucionais e nos ministérios, em Brasília. Uma grande 
conquista alcançada pela equipe foi a participação no 1º Simpósio de Política Nacional de 
Saúde da Comissão de Saúde da Câmara de Deputados, realizado em 1979. Nesse encontro, 
houve a aprovação do documento ‘A Questão Democrática na área da Saúde’, cujo relatório 
final foi elaborado por integrantes do CEBES em 1980. 
A aprovação desse documento foi um marco para os integrantes da RSB, pois ele 
continha: a formulação da proposta de criação do SUS e o reconhecimento do direito 
universal à saúde. Além disso, ele simbolizou a criação de um espaço estratégico capaz de 
alinhavar alianças políticas efetivas na defesa do ideário da Reforma Sanitária Brasileira 
(RSB). 
 
 
30 
 
Nos últimos anos da década de 1970 e no início dos anos 1980, os ideários do MRSB 
fortaleceram-se, pois seus atores conseguiram estabelecer articulações importantes com os 
movimentos sociais, com a sociedade civil e com os parlamentares. Os integrantes do MRSB 
defendiam a ampliação dos direitos de cidadania às camadas sociais marginalizadas pelo 
processo de acumulação capitalista. 
As pressões sociais e políticas para reformular a política de saúde estavam vivas; dessa 
forma; foi elaborado um amplo projeto de reordenamento do setor que, inicialmente, recebeu 
o nome de Pró-Saúde e mais tarde foi rebatizado de Prev-saúde. O Prev-saúde tinha os 
seguintes objetivos principais: a) fortalecer a APS; b) estabelecer a hierarquização das formas 
de atendimento por níveis de complexidade; c) promover a integração dos serviços; d) a 
regionalização dos atendimentos. 
Entretanto, o Prev-saúde nunca se concretizou, pois ele se estruturou em princípios 
adversos aos interesses corporativos predominantes na época. Segundo Marques (2010, p. 
34), 
as pressões contrárias ao Prev-saúde tinham três origens principais: I) A Associação 
Brasileira de Medicina de Grupos e Empresarial (ABRANGE), a qual representava a 
iniciativa privada; II) os interesses da área hospitalar privada, a grande beneficiária 
da política em vigor; III) os interesses do clientelismo político presente no processo 
de credenciamento de médicos e dentistas. 
 
Nos anos iniciais da décadade 1980, a crise Previdenciária agravou-se em decorrência 
do gasto excessivo com o pagamento de provedores privados e, também, pelo desvio de 
recursos para outras áreas. Em 1981, o governo, então, lançou o pacote da previdência a fim 
de conter a crise fiscal, promoveu o reajuste das alíquotas de contribuição, diminuiu os 
benefícios dos aposentados e realizou uma intervenção na área da assistência médica 
previdenciária em virtude dos gastos excessivos. Esse foi o contexto de criação do Conselho 
Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária (CONASP). 
O CONASP estava vinculado ao MPAS com a incumbência de organizar e 
racionalizar a assistência médica. Cabia a esse órgão o papel de 
 
sugerir critérios para alocação dos recursos previdenciários do setor saúde, 
recomendar políticas de financiamento e de assistência à saúde, bem como analisar e 
avaliar a operação e o controle da Secretaria de Assistência Médica da Previdência 
Social – em resumo, diminuir e racionalizar os gastos. (ESCOREL; 
NASCIMENTO; EDLER, 2005, p. 73) 
 
Mediante convênio entre o MPAS, o MS e o Ministério da Educação e Cultura (MEC), 
as Ações Integradas de Saúde (AIS) promoveram medidas descentralizadoras que trouxeram 
 
 
31 
 
avanços aos serviços de saúde, tais como o fortalecimento da rede básica ambulatorial, a 
articulação dos serviços públicos municipais e a contratação de recursos humanos. Entretanto, 
novamente os interesses do setor privado voltaram a permear o INAMPS, fraudando a 
emissão de Autorização de Internação Hospitalar (AIH). 
Nesse período, vários integrantes do MRSB inseriram-se na alta burocracia do Estado, 
especialmente nas áreas de saúde e previdência social. Os sanitaristas defendiam reformas na 
política de saúde a fim de melhorar e democratizar o atendimento à saúde, pois 
 
a política de saúde, adotada até então pelos governos militares, punha ênfase numa 
medicina de cunho individual e assistencialista, em detrimento de ações vigorosas 
no campo da saúde coletiva [...]. Além de privilegiar uma prática médica curativa, 
em detrimento de medidas de ações preventivas de interesse coletivo, a política de 
saúde acabou por propiciar um processo de corrupção incontrolável, por parte dos 
setores privados, que, na busca do superfaturamento, multiplicavam e desdobravam 
os atos médicos, optavam por internações mais caras, enfatizavam procedimentos 
cirúrgicos desnecessários. (ESCOREL; NASCIMENTO; EDLER, 2005, p. 67) 
 
Os atores envolvidos na MRSB articularam-se para questionar a crise enfrentada pelo 
setor de saúde, que, apresentando uma baixa eficácia na assistência médica e da cobertura dos 
serviços de saúde, não registrava melhoras na qualidade de saúde da população. O sistema de 
saúde continuava ineficiente a despeito dos altos custos de investimentos no modelo médico 
hospitalar, em tecnologia e em medicamentos, aumentando ainda mais as críticas à política de 
saúde em vigor. 
O MRSB defendeu a democratização da política de saúde em três frentes: na produção 
teórica, que resultou na construção do conceito de Saúde Coletiva; na atuação política de 
articulação em torno da questão da saúde e em favor da redemocratização do país; e, por fim, 
em um processo de conscientização e valorização da saúde como um direito universal e de 
natureza pública. 
Por meio do movimento sanitário, quer em nível local, quer em outras instâncias da 
saúde, foram colocadas em prática inúmeras experiências alternativas que objetivavam suprir 
a predominância do interesse privado sobre o público. 
O MRSB defendia 
 
a universalização da cobertura, a ampliação dos programas preventivos e o 
fortalecimento da atenção básica para a população de baixa renda, o aumento do 
controle sobre os provedores privados e a descentralização. (ARRETCHE, 2005, p. 
291) 
 
Os autores Borges (2012) e Paim (2009) salientam que o MRSB visava a superação do 
sistema de saúde vigente no Brasil visto que este apresentava as seguintes características: 
 
 
32 
 
insuficiência, má distribuição, descoordenação, inadequação, ineficiência, ineficácia, 
autoritarismo, centralização, corrupção e injustiça. 
É importante ressaltar que a classe média não teve uma atuação importante no 
processo de luta pelo fortalecimento da política de saúde e de criação do SUS. Tal processo 
ocorreu com o fim do INAMPS, pois o INPS estabeleceu convênios com as empresas 
privadas a partir de 1968. Dessa forma, segundo Ocké-Reis (2012, p. 24), “ocorreu a 
privatização do seguro social, o que, somado ao crescimento endógeno de mercado de planos, 
interditou o projeto estratégico do SUS, o projeto da reforma sanitária”. 
Para aumentar o debate tanto com a sociedade civil como com os parlamentares, as 
lideranças do MRSB utilizaram o método de ocupação de postos estratégicos no governo, 
marcando presença nos espaços de discussão da política de saúde e ampliando as discussões 
sobre saúde a todos os setores interessados. A concepção ampliada trazida pelo MRSB a 
respeito da política de saúde contribuiu para que essa área se desvinculasse de sua forma 
histórica caracterizada como centralizadora, autoritária, privatista, hospitalocêntrica, 
meritocrática e residual. A partir de então, a saúde
2
 passou a ser entendida como um direito de 
todos e dever do Estado. 
O ano de 1987 marcou a criação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde 
(SUDS), por meio de um convênio entre o INAMPS e os governos estaduais. Por meio desse 
convênio, vislumbrava-se que os estados, progressivamente, coordenassem o processo de 
municipalização da saúde. Os princípios fundamentais do SUDS eram: a universalização, a 
equidade, a descentralização, a regionalização, a hierarquização e a participação comunitária. 
Castro e Fausto (2012, p. 177) enfatizam que “a atenção primária em saúde era tratada como 
parte intrínseca às propostas para a reorganização dos serviços de saúde numa perspectiva 
sistêmica, abrangente e universal”. 
Para Castro (2012), é correto afirmar que o SUDS preocupou-se em redirecionar os 
recursos federais para os municípios, evitando que aqueles destinados à saúde fossem 
apropriados de forma clientelista, fato bastante comum na realidade brasileira, inclusive nos 
dias de hoje. 
 
2
 A saúde, em seu sentido mais abrangente, foi considerada como “resultante das condições de alimentação, 
habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e possa da 
terra e acesso a serviços de saúde”. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da 
produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida. A saúde não é conceito abstrato. 
Define-se no contexto histórico de determinada sociedade e num dado momento de seu desenvolvimento, 
devendo ser conquistada pela população em suas lutas cotidianas (Relatório final da VII Conferência Nacional 
de Saúde, Anais, 1987, p. 382). 
 
 
33 
 
 É importante correlacionar a criação do SUDS com a instalação, na Câmara dos 
Deputados, da Comissão Nacional de Reforma Sanitária (CNRS) na qual eram desenvolvidos 
os trabalhos da Constituinte. Santos (2009, p. 22) destaca a importância dessa comissão 
 
composta por representantes de todos os segmentos interessados na saúde: o do setor 
público e privado, dos setores sociais , de parlamentares, que debateu por quase um 
ano a formulação de uma proposta de um Sistema Único de Saúde, que subsidiou a 
Assembleia Constituinte na redação final do capítulo sobre a saúde na Constituição 
Federal de 1988. 
 
1.4 O SUS: UMA NOVA PERSPECTIVA PARA A SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA 
 
A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) originou-se das pressões dos movimentos 
sociais, dentre eles o de Reforma Sanitária, que criticou de forma contundente o modelo 
vigente de saúde porque este privilegiava as práticas curativas e a não integralidadedas ações 
de saúde. Além disso, os reformistas foram influenciados pela experiência do Welfare State
3
 
europeu que implementou políticas sociais universais e integrais (OCKÉ-REIS, 2012). 
Com a promulgação das Leis Orgânicas nº 8080 e nº 8142, de 1990, o SUS teve o seu 
arcabouço jurídico legal delineado, sendo normatizado o processo de descentralização 
administrativa e definidos os critérios de financiamento da política de saúde. Entretanto, as 
inovações mais radicais relativas ao modelo de atenção proposto pela legislação do SUS 
somente foram implementadas após a criação da Norma Operacional Básica nº 96, de 1996
4
. 
O SUS estabeleceu a universalidade do acesso aos serviços de saúde em todos os 
níveis (federal, estadual, municipal), sendo criado um comando único em cada esfera de 
governo. Por isso, o SUS é um sistema hierarquizado, descentralizado, integral e universal a 
todos os cidadãos brasileiros. 
O princípio constitucional da universalidade garantiu o direito à saúde, entendido 
como um dever do Estado, a todos os cidadãos. Além disso, resgatou uma dívida histórica 
com a sociedade brasileira que, por várias décadas, permitiu o acesso aos serviços de saúde 
somente para os segurados e contribuintes da previdência social. 
Vários foram os avanços obtidos com a criação do SUS, conforme evidencia Mendes 
(2013, p. 28) 
 
quase seis mil hospitais e mais de sessenta mil ambulatórios contratados, mais de 
dois bilhões de procedimentos ambulatoriais por ano, mais de onze milhões de 
internações hospitalares por ano, aproximadamente dez milhões de procedimentos 
 
3
 Estado de Bem-Estar Social (tradução nossa). 
4
 Mais informações a esse respeito estão contidas no Anexo 1. 
 
 
34 
 
de quimioterapia e radioterapia por ano, mais de duzentas mil cirurgias cardíacas por 
ano e mais de 150 mil vacinas por ano. O SUS pratica programas que são referência 
internacional, mesmo considerando países desenvolvidos, como o Sistema Nacional 
de Imunizações, o Programa de Controle de HIV/Aids e o Sistema Nacional de 
Transplantes de Órgãos que tem a maior produção mundial de transplantes 
realizados em sistemas públicos de saúde do mundo, 24 mil em 2012. O programa 
brasileiro de atenção primária à saúde tem sido considerado, por sua extensão e 
cobertura, um paradigma a ser seguido por outros países. Com esses processos o 
SUS tem contribuído significativamente para a melhoria dos níveis sanitários dos 
brasileiros. Entre 2000 e 2010, a taxa de mortalidade infantil caiu 40%, tendo 
baixado de 26,6 para 16,2 óbitos em menores de um ano por mil nascidos vivos. 
 
Entretanto, desde o período de sua formulação até os dias de hoje, o SUS tem 
enfrentado vários problemas correlacionados à adoção do ideário neoliberal no Brasil e que 
comprometem a concepção da política de saúde como universal. 
 
1.5 A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA 
 
Movimento científico-político-social, a reforma psiquiátrica brasileira teve inicio na 
década de 1950 nos países europeus e, no final da década de 1970, chegou ao Brasil. Os 
trabalhadores do campo da saúde mental denunciaram as péssimas condições de higiene, a 
violência e a mercantilização da loucura presente no interior dos manicômios privados 
espalhados por todo o território nacional. Esses trabalhadores defendiam o processo de 
desinstitucionalização da loucura e a superação do modelo asilar (AMARANTE, 1995). 
Sem dúvida alguma, o contexto político social de derrocada da autocracia militar e a 
reabertura do Estado aos princípios democráticos contribuíram de forma significativa para o 
fortalecimento da reforma psiquiátrica brasileira. Além disso, a realização da 8ª Conferência 
Nacional de Saúde, em 1986, da 1ª Conferência Nacional de Saúde Mental, em 1987, e, cinco 
anos mais tarde, da 2ª Conferência Nacional de Saúde Mental viabilizou a construção de 
novos caminhos para a saúde pública e para a saúde mental no país. 
As primeiras experiências no campo da saúde mental de cunho desinstitucionalizante 
surgiram, no Brasil, a partir da segunda metade dos anos 1980. Contudo, é importante 
destacar que a assistência em saúde mental estruturada em um modelo territorial e 
comunitário não é nova. Desviatt (1999) considera que essa concepção de assistência foi 
gestada após longas discussões de projetos e de proposições sobre o tema. 
No contexto internacional, a realização da Conferência Regional para a Reestruturação 
da Assistência Psiquiátrica, realizada em Caracas, em 1990, cumpriu um papel preponderante. 
Nessa Conferência, diferentes países da América Latina, incluindo o Brasil, comprometeram-
 
 
35 
 
se a promover a reestruturação da assistência psiquiátrica, a rever criticamente o papel 
hegemônico e centralizador do hospital psiquiátrico, a salvaguardar os direitos civis, a 
dignidade pessoal e os direitos humanos dos usuários, além de propiciar a sua permanência 
em seu meio comunitário. Signatário da “Declaração de Caracas”, o Brasil comprometeu-se a 
rever a assistência psiquiátrica prestada aos cidadãos. 
Entretanto, Gonçalves e Sena (2001, p. 50) afirmam que 
 
a desinstitucionalização não se restringe à substituição do hospital por um aparato de 
cuidados externos envolvendo prioritariamente questões de caráter técnico-
administrativo-assistencial como a aplicação de recursos na criação de serviços 
substitutivos. Envolve questões do campo jurídico-político e sociocultural. Exige 
que, de fato haja um deslocamento das práticas psiquiátricas para práticas de 
cuidado realizadas na comunidade. 
 
Ao longo dos anos 1990 e no início do século XXI, a Reforma Psiquiátrica ganhou 
folêgo e começou a materializar-se em serviços extra-hospitalares, com a função de substituir 
o atendimento hospitalar por todo o território nacional. Novos serviços em saúde mental 
foram normatizandos a partir de algumas definições administrativas e operacionais. 
A aprovação da Lei Federal nº 10.216/01 tem origem na “Lei Paulo Delgado”, que 
defendeu a extinção dos hospícios e a criação de serviços substitutivos comunitários e a 
regulamentação da internação psiquiátrica. Vale ressaltar que a “Lei Paulo Delgado” tramitou 
no Congresso Nacional por doze anos. 
Após a promulgação da Lei n.10.216/01, o Governo Federal criou uma série de novas 
leis e outras portarias
5
 para que o SUS ofereça uma rede de serviços de saúde mental 
articulada e efetiva em diferentes níveis de complexidade para atender as pessoas com 
transtorno mentais e com necessidades decorrentes do consumo de álcool e outras drogas, sem 
as quais a política de saúde mental fica insustentável. 
A RAPS é constituída por vários serviços substitutivos e territoriais tais como os 
CAPS, os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS), os Hospitais-Dia, os Centros de 
Convivência, o Serviço de Urgência e Emergência Psiquiátrica em Pronto-Socorro Geral, o 
Serviço de Residência Terapêutica (SRT), etc. 
O CAPS tem a função de prestar o acolhimento e a atenção às pessoas com transtornos 
mentais graves e persistentes, procurando preservar e fortalecer os laços sociais em seu 
território. São serviços de saúde municipais abertos, comunitários, que oferecem atendimento 
diário, que buscam realizar “o acompanhamento clínico e reinserção social” de seus usuários 
 
5
 Para mais informações sobre os marcos legais e jurídicos da saúde mental, consultar o Apêndice A desta tese. 
 
 
36 
 
“por meio de acesso ao trabalho, ao lazer, exercício de dos direitos civis e fortalecimento dos 
laços familiares e comunitários” (DELGADO et al, 2007, p. 59). 
É inquestionável que, nos últimos catorze anos, vários avanços foram logrados. 
Ampliou-se a cobertura do atendimento territorial em nível nacional
6
, houve uma 
diversificação da rede substitutiva por meio da criação dos Centros de Convivência, dos 
Consultóriosna Rua, das Equipes de Redução de danos e de iniciativas de inclusão social pelo 
trabalho. 
É importante ressaltar que, no ano de 2011, o SUS sofreu mudanças substanciais por 
meio do estabelecimento da estratégia da Rede de Atenção à Saúde (RAS). A RAS objetiva a 
formação de relações horizontais entre os pontos de atenção à saúde, tendo como seu núcleo 
fundamental a APS. No campo específico da saúde mental, a RAPS foi escolhida como uma 
das redes prioritárias, aumentando o percentual de investimento aplicado na saúde mental. 
Ao mesmo tempo, houve o fechamento de 7.449 leitos psiquiátricos
7
 que ofertavam 
serviços de baixa qualidade assistencial, de forma pactuada e programada, conforme prevê o 
Programa Anual de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica (PRH),
 
no período de 2010 a 
2013. O fechamento dos leitos hospitalares ocorreu, sobretudo, em hospitais de grande porte. 
Em contrapartida, houve a ampliação do número de leitos psiquiátricos em hospitais de menor 
porte. Essa mudança reafirma o compromisso da política de saúde mental, em curso no Brasil, 
que objetiva garantir a melhoria na qualidade da assistência prestada. Essa realidade também 
pode ser comprovada com a ampliação dos SRT nos estados em que houve o 
descredenciamento dos hospitais psiquiátricos. A nova rede de serviços, apesar de possuir 
ainda lacunas, possibilitou a interiorização da política de saúde mental em diversos 
municípios brasileiros antes desassistidos. 
Entretanto, os formuladores da política nacional de saúde mental, juntamente com os 
trabalhadores do campo, usuários e familiares perceberam que, para dar sustentabilidade ao 
processo de reforma psiquiátrica, torna-se necessário a construção de uma rede de atenção e 
assistência que ultrapasse a saúde mental e englobe, necessariamente, as demais políticas 
sociais. Nesse sentido, Amarante (2007) enfatiza que, para dar sustentação à reforma 
psiquiátrica, é imprescindível o fortalecimento do conceito ampliado de saúde, da clínica 
ampliada, do trabalho interdisciplinar e intersetorial e da noção de rede. 
A mudança operada pela atual política de saúde mental está intimamente 
correlacionada ao novo conceito de saúde-doença que passa a compreender a saúde não mais 
 
6
 Para mais informações, consultar: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/mentalemdados2011.pdf. 
7
 http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-09-03/sus-desativou-quase-13-mil-leitos-entre-2010-e-2014. 
 
 
37 
 
como ausência de doença, como uma produção social, sendo esta influenciada pelos fatores 
políticos, econômicos, sociais, culturais e cognitivos. Desta forma, a atenção integral ao 
indivíduo e a sua família necessita englobar as prática sanitárias e sociais (GIOVANELLA; 
LOBATO, 2002). As novas concepções de saúde coletiva sustentam-se no pilar promoção-
saúde-doença-cuidado e, com essa compreensão, pretendem impulsionar a construção de 
políticas públicas saudáveis e intersetoriais. 
No campo da saúde mental, os avanços foram enormes e apontam para o deslocamento 
do tratamento hospitalocêntrico para o territorial, colaborando para o amadurecimento da 
reforma psiquiátrica no país. No entanto, a expansão dos serviços territoriais por si só não 
assegura a sua natureza não-manicomial e não garante a prestação de serviços de qualidade. 
Portanto, apesar dos avanços logrados, o processo de reforma psiquiátrica deve ser contínuo e 
repleto de questionamentos e de inquietações para que a RAPS esteja em permanente 
reavaliação, evitando a cronificação da assistência. 
 
1.6 O NEOLIBERALISMO COMO ALTERNATIVA AO WELFARE STATE 
 
No âmbito internacional, a crise política e econômica
8
 que atingiu os países 
desenvolvidos, na década de 1970, favoreceu o avanço do neoliberalismo. A crise atingiu 
fortemente os países desenvolvidos, trazendo uma profunda recessão, com altas taxas de 
inflação associadas a baixos níveis de crescimento econômico. Sua expressão mais aguda foi 
o enfraquecimento das políticas Keynesianas
9
 que, por conseguinte, impôs cortes no 
orçamento das políticas sociais, enfraquecendo os direitos sociais. Esse fato estimulou um 
processo de reestruturação do capital que extrapolou o âmbito da produção e atingiu 
diretamente a vida dos trabalhadores. 
Ao colapsar os anos de ouro
10
 do capitalismo, as políticas sociais sofreram cortes 
severos em seu financiamento. Assim, as políticas sociais, que eram universais, passaram a 
 
8 Na metade da década de 1970, os países capitalistas desenvolvidos buscaram alternativas para conter a crise 
econômica ocorrida entre os anos 1974-1975. Esta crise ocasionou a “primeira recessão generalizada da 
economia capitalista internacional desde a Segunda Guerra Mundial” (NETTO, 1996, p. 90). 
9
 Segundo Vasconcelos, Eduardo (2008, p. 45), a partir da profunda crise econômica de 1929, e particularmente 
da II Guerra Mundial, se desenvolveram em vários países centrais a experiência de políticas Keynesianas, 
inspiradas nas ideias de Keynes, pelas quais o Estado intervém na economia com o propósito de manter o 
crescimento econômico, a demanda de trabalho, o controle do desemprego e/ou capacidade da compra do 
cidadão, pelo seguro-desemprego e demais benefícios sociais, e pela oferta de programas sociais estatais em 
habitação, infraestrutura, educação, saúde etc. esses modelos trabalhistas e social-democratas podia, incorporar 
inúmeras reivindicações dos trabalhadores e de aumentar a eficiência no processo de reprodução da força de 
trabalho, sem alterar significativamente a estrutura de poder econômico e social. 
10
 Termo utilizado por Eric Hobsbawn (2009). 
 
 
38 
 
ser seletivas e focalizadas, isto é, destinadas a grupos sociais mais específicos e 
vulnerabilizados. Essa mudança no perfil das políticas sociais correlaciona-se ao baixo 
crescimento do Estado e à diminuição de sua arrecadação tributária. A crise provocou, ainda, 
outro efeito: a diminuição do nível de emprego, que, por sua vez, ocasionou “um desequilíbrio 
entre os direitos adquiridos e a capacidade do Estado de mantê-los” (SADER, 2010, p. 38). 
Sem sombra de dúvida, a crise econômica afetou a capacidade financeira do Estado em prover 
os direitos sociais já consolidados, dando início ao que Sader (2010, p. 38) denomina de 
 
‘democracia restrita’, ou seja, de atendimento seletivo dos direitos e, sobretudo, um 
corte naqueles existentes. A palavra ‘governabilidade’ passou a ser incluída no 
vocabulário da nova versão do liberalismo, como categoria central, significando 
‘possibilidade’, ‘viabilidade’, ‘exequibilidade’, incluindo agora o filtro financeiro 
como critério de realização dos direitos. 
 
O sistema capitalista baseia-se em ciclos de expansão nos quais são criados novos 
mercados ou são aprofundados os existentes. Mas, os ciclos de crise são, também, inerentes 
ao sistema, por isso 
 
em todos os continentes registram-se crises financeiras, expressões localizadas da 
dinâmica necessariamente contraditória do sistema capitalista, e, crises, não só 
financeiras, fazem, também necessárias, parte da dinâmica capitalista – não existe 
capitalismo sem crise. São próprias deste sistema as crises cíclicas que, desde a 
segunda década do século XIX, ele vem experimentando regularmente. (NETTO, 
2012, p. 415) 
 
Como alternativa à crise, o ideário neoliberal estruturou-se sob o tripé: a) 
flexibilização da produção e das relações de trabalho; b) desregulamentação das relações 
comerciais e dos círculos financeiros; e c) privatização. Paulatinamente, vários governantes
11
 
adotaram o receituário neoliberal mundo afora. Todavia, considerando a conjuntura de cada 
estado-nação, a adoção desse ideário apresenta-se mais nefasta para a população à medida que 
enfraquece os direitos sociais e as políticas sociais. 
Nos países periféricos

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