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Autora: Profa. Maria Inês Rosselli Puccia Colaboradoras: Profa. Renata Guzzo Profa. Raquel Machado Coutinho Profa. Romilda Iyakemi Ribeiro Política de Atenção à Saúde do Adulto EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Professora conteudista: Maria Inês Rosselli Puccia Professora titular do curso de Enfermagem da Universidade Paulista (UNIP), Maria Inês Rosselli Puccia é enfermeira graduada pela Escola Paulista de Medicina, especialista e mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Púbica da Universidade de São Paulo e doutora em Ciências pelo Programa Interunidades de Enfermagem, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP). Atualmente, é coordenadora da disciplina Políticas de Atenção à Saúde do Adulto, além de docente das disciplinas: Práticas Gerencias em Saúde Coletiva, Práticas Gerenciais em Saúde Hospitalar, Políticas de Atenção em Saúde da Mulher, Propedêutica e Processo de Cuidar em Saúde da Mulher, além de orientar estágios supervisionados. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) P977p Puccia, Maria Inês Rosselli. Política de Atenção à Saúde do Adulto. / Maria Inês Rosselli Puccia. – São Paulo: Editora Sol, 2017. 128 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXIII, n. 2-104/17, ISSN 1517-9230. 1. Saúde do adulto. 2. Políticas de saúde. 3. Sistemas de informação em saúde. I. Título. CDU 614 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Talita Lo Ré Marcilia Brito EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Sumário Política de Atenção à Saúde do Adulto APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL ................................................................................................................9 2 ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE .......................................................................................... 10 2.1 Sistema previdenciário e a assistência médica ........................................................................ 10 2.2 Do sanitarismo campanhista à promoção da saúde ............................................................ 15 2.3 Reforma Sanitária e VIII Conferência Nacional de Saúde ................................................... 18 2.4 Sistema Único de Saúde (SUS)........................................................................................................ 19 2.4.1 Princípios do SUS .................................................................................................................................... 20 2.4.2 Participação e controle social no SUS ............................................................................................ 21 2.4.3 Normas Operacionais Básicas do SUS (NOB) e Normas Operacionais de Assistência à Saúde (Noas)............................................................................................................................. 22 2.4.4 Pacto pela Saúde ..................................................................................................................................... 23 2.4.5 Decreto n.º 7.508 ..................................................................................................................................... 26 3 MODELOS TECNO-ASSISTENCIAIS PARA OPERACIONALIZAÇÃO DO SUS ................................ 28 3.1 Atenção Primária à Saúde ................................................................................................................ 28 3.2 Estratégia de Saúde da Família ....................................................................................................... 32 3.3 Núcleos de Apoio à Saúde da Família .......................................................................................... 36 4 OS PERFIS DE REPRODUÇÃO SOCIAL E OS PERFIS DE SAÚDE-DOENÇA .................................. 37 4.1 Estrutura social e o processo saúde-doença ............................................................................. 37 4.2 Relatório Flexner e o modelo biomédico .................................................................................... 41 4.3 Multicausalidade da doença ............................................................................................................ 44 4.4 Determinação social da saúde ........................................................................................................ 47 Unidade II 5 PROGRAMAS PÚBLICOS DE CONTROLE DAS DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS: DIABETES MELLITUS E HIPERTENSÃO ARTERIAL ................................................ 55 5.1 Condições crônicas ............................................................................................................................. 56 5.1.1 Fatores de risco para as condições crônicas ................................................................................ 58 5.1.2 Tabagismo .................................................................................................................................................. 58 5.1.3 Sedentarismo ............................................................................................................................................ 59 5.1.4 Alimentação inadequada ..................................................................................................................... 61 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 5.1.5 Uso abusivo do álcool ........................................................................................................................... 64 5.2 Atenção às doenças crônicas não transmissíveis .................................................................... 64 5.3 Atenção às pessoas com doenças crônicas na consulta de enfermagem .................... 69 5.4 Educação para o autocuidado à pessoa com doença crônica ........................................... 83 6 SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE .............................................................................................. 89 6.1 Sistema de Cadastramento de Usuários do Sistema Único de Saúde (Cadsus).......... 91 6.2 Classificação Internacional de Doenças (CID-10) .................................................................. 92 6.3 Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) ..................................................92 6.4 Sistema de Informação de Atenção Básica (Siab) ................................................................... 92 6.5 Sistema de Informação sobre Agravos de Notificação (Sinan) ........................................ 93 6.6 Sistemas de informação na saúde na mulher .......................................................................... 94 6.7 Sistema de Informação Ambulatorial do SUS (Siasus) ......................................................... 94 6.8 Sistema de Informação Hospitalar do SUS (Sihsus e e-SUS) ............................................. 94 6.9 Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) .............................................................................................................................. 95 6.10 Rede Interagencial de Informações para a Saúde (Ripsa) ................................................. 98 7 SAÚDE MENTAL E PSIQUIÁTRICA NA SAÚDE DO ADULTO .............................................................. 99 7.1 Saúde mental e doença mental...................................................................................................... 99 7.2 Políticas de atenção em saúde mental ......................................................................................100 7.3 Rede de Atenção Psicossocial e recursos existentes para a assistência .....................101 7.4 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) ....................................................................................105 7.5 Demais serviços que integram a Rede de Atenção Psicossocial .....................................106 8 O PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE MENTAL ............................................................................107 8.1 Técnico de Referência e Projeto Terapêutico Singular ........................................................107 8.2 Processo de cuidar em Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental ..............................109 7 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 APRESENTAÇÃO A política de atenção à saúde implementada em nosso país a partir da nova Constituição Federal de 1988 estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado” (BRASIL, 1978), garantindo o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Partindo desse princípio, a atenção à saúde do adulto atua na promoção dos cuidados primários da população adulta, buscando reduzir os riscos relacionados às doenças crônico-degenerativas, particularmente a hipertensão arterial e o diabetes mellitus. Elaboramos este material para que os alunos de Enfermagem possam compreender a organização do sistema de saúde no Brasil, com ênfase na atenção à saúde do adulto, desenvolvida no nível da Atenção Básica em Saúde, por meio da Estratégia de Saúde da Família. O Ministério da Saúde tem investido em diretrizes que orientam a reorganização das Redes de Atenção à Saúde e as linhas de cuidado às doenças crônicas, com o intuito de garantir a prevenção desses agravos, assim como o diagnóstico e o tratamento precoces. Entende-se que este campo de atenção oferece autonomia de ação aos enfermeiros e, portanto, exige um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes para que esses profissionais sejam absorvidos pelo mercado de trabalho. Além disso, esta disciplina tem como objetivo a aquisição de conceitos básicos dessas áreas a fim de capacitar o aluno a compreender e a relacionar os conhecimentos específicos em sua área de atuação, bem como desenvolver adequadamente o raciocínio clínico e crítico, indispensáveis para a tomada de decisões seguras e eficazes. INTRODUÇÃO As doenças do aparelho circulatório são as principais causas de morte no Brasil. No total, foram 340 mil óbitos registrados em 2014 de acordo com dados do Ministério da Saúde; as principais doenças desse grupo incluem o acidente vascular cerebral (AVC) e o infarto agudo do miocárdio. Nas últimas décadas, o perfil dos óbitos no Brasil mudou bastante. A melhoria no acesso a serviços de saneamento fez com que diminuísse o número de mortes provocadas por doenças infecciosas e transmissíveis. Houve, no entanto, um aumento no número dos falecimentos ocasionados por doenças crônicas ou ligadas a causas externas, como acidentes de trânsito e violência. Portanto, de acordo com as informações disponibilizadas pelos diversos sistemas do Ministério da Saúde, discutiremos sobre as doenças prevalentes na população adulta, inclusive os agravos relacionados à saúde mental. Analisaremos ainda o sistema de saúde no Brasil e a Estratégia de Saúde da Família como os eixos estruturantes das ações de promoção e prevenção com base nos determinantes sociais de saúde. Discutiremos também a estratificação de riscos, o diagnóstico e a instituição de tratamento precoces propostos para o nível da Atenção Básica em Saúde. De acordo com o princípio da integralidade e com a diretriz da humanização do atendimento, será abordada a Política de Atenção em Saúde Mental, buscando compreender os serviços e recursos que 8 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 integram a Rede de Atenção Psicossocial, bem como as estratégias assistenciais em regime aberto, por meio de serviços de base comunitária que objetivam reinserir o indivíduo com transtornos mentais na sociedade. Assim, a disciplina Políticas de Atenção à Saúde do Adulto tem como proposta a compreensão das dinâmicas político-assistenciais no âmbito da saúde pública, bem como o desenvolvimento da assistência de enfermagem fundamentada na epidemiologia e nas ações de promoção e prevenção em saúde. Esperamos que, após o estudo deste livro-texto, seja possível compreender as atribuições do enfermeiro em relação ao cuidado integral da saúde da população adulta, de modo a melhorar a qualidade de vida das pessoas da comunidade sob a responsabilidade desse profissional. Boa leitura! 9 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO Unidade I 1 POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL As ações de saúde e os atendimentos realizados no cotidiano dos serviços de saúde seguem diretrizes de organização que são determinadas por uma importante política de saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS). Para que possamos compreender o SUS como principal política de saúde atual, é preciso conhecer os determinantes históricos envolvidos no processo de organização do sistema de saúde brasileiro. Isso porque o setor de saúde sofreu influências políticas, sociais e econômicas, internas e externas, desde o descobrimento do Brasil até os momentos atuais. Tais influências deixaram impressas diferentes concepções sobre o tema, a depender das necessidades e interesses por parte da população, dos trabalhadores e dos gestores dos serviços de saúde e, principalmente, das políticas sociais adotadas pelos governos. É importante compreender que a política de saúde é uma política pública, classificada como política social ou de proteção social. Ou seja, é uma política social que está inserida no conjunto das políticas públicas que asseguram à população o exercício de direito de cidadania, tais como: Educação, Trabalho, Assistência Social, Previdência Social, Justiça, Agricultura, Saneamento, Habitação Popular e Meio Ambiente, entre outras. As políticas públicas representam um conjunto de disposições, medidas e procedimentos que traduzem a orientação política do Estado e regulam as atividades governamentais relacionadas às tarefas de interesse público, atuando e influindo sobre a realidade econômica, social e ambiental. Variam de acordo com o grau de diversificação da economia, com a natureza do regime social, com a visão dos governantes sobre o papel do Estado no conjunto da sociedade, e com o nível de atuação dos diferentes grupos sociais (partidos, sindicatos,associações de classe e outras formas de organização da sociedade) (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1986). Política Pública é a forma de efetivar direitos, intervindo na realidade social. Ela é o principal instrumento utilizado para coordenar ações e programas públicos. Por exemplo, pouco adianta estar escrito na Constituição Federal e em outras leis que a moradia, a saúde e a educação são direitos dos cidadãos se não houver políticas públicas concretas que efetivem esses direitos. Ela deve ainda ser resultado de um compromisso público entre o Estado e a sociedade, com o objetivo de modificar uma situação em uma área específica, promovendo a igualdade. Se não houver políticas concretas para a efetivação e garantia dos direitos, eles ficam apenas no plano das intenções e não se efetivam [...] (UNIVERSIDADE ABERTA DO SUS, 2013, p. 11). 10 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I Observação Para tornar-se concreta, a política pública tem que se traduzir em um plano de ações composto de programas e projetos. Portanto, a política de saúde, que atualmente é efetivada por meio do SUS, representa um direito de todo o cidadão brasileiro, cabendo ao Estado formular ações, projetos e estratégias para que as pessoas tenham acesso aos serviços e aos programas de saúde. Saiba mais A Constituição Federal de 1988 é conhecida como Constituição Cidadã. Leia os artigos 196 a 200, na Seção II, que tratam especificamente sobre o tema da saúde. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: 1988. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 28 jun. 2017. 2 ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE 2.1 Sistema previdenciário e a assistência médica O direito universal à saúde somente passou a ser garantido à população brasileira a partir da Constituição de 1988, mais precisamente quando o SUS passou a ser implementado nos municípios e estados da federação, após sua regulamentação pelas Leis Orgânicas da Saúde – Lei n.º 8.080/90 (BRASIL, 1990a) e Lei n.º 8142/90 (BRASIL, 1990b). Antes de 1988, o direito ao acesso aos serviços e programas de atendimento à saúde pública somente poderia ser exercido pelos cidadãos (incluindo seus dependentes) que contribuíssem com o Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social, o extinto Inamps. Essas pessoas necessariamente teriam que manter vínculo empregatício formal, de acordo com o estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Entende-se que por meio dessa política social, vigente à época, o acesso à saúde era excludente, na medida em que somente aqueles que contribuíssem mensalmente com uma parte dos seus rendimentos poderiam ser atendidos nos hospitais e ambulatórios do Inamps. Também não era gratuito, pois o trabalhador deveria comprovar o pagamento mensal para ter esse direito, por meio da apresentação da carteirinha de vinculação com o instituto atualizada. 11 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO O Inamps, uma autarquia federal, foi criado em 1977, pela Lei n.º 6.439, que instituiu o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas). O Sinpas constituiu-se em um novo modelo para o sistema previdenciário, numa transição até o atual Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Com o Sinpas, a assistência médica aos segurados foi atribuída ao Inamps e a gestão financeira, ao Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (Iapas), permanecendo a cargo do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) a concessão de benefícios como aposentadoria, pensão, licença- maternidade, auxílio-doença, entre outros. As atribuições do Inamps foram gradativamente sendo assumidas pelo SUS, por meio das instâncias de gestão municipais, estaduais e federal, até sua extinção em 1993. Seus 16 anos de existência correspondem ao período em que o país transitou de um sistema de saúde segmentado, voltado principalmente para a prestação de serviços médico-hospitalares a clientelas previdenciárias, nos marcos da ideia meritocrática de seguro social, para um sistema de saúde desenhado para garantir o acesso universal aos serviços e ações de saúde, com base no princípio da seguridade social. Nesse período, representou também um espaço institucional privilegiado onde se ensaiaram propostas de mudança do sistema, tornando-se uma das principais arenas setoriais onde se disputou e decidiu a agenda de reformas que mobilizou o país ao longo da década de 1980, dando-lhe uma nova configuração institucional e novo padrão de políticas sociais, especialmente na área da saúde (FLEURY; CARVALHO, 2009). Observação As políticas de saúde implementadas no início do século XX se originaram da política previdenciária, na forma de benefício de assistência médica e farmacêutica para os trabalhadores assalariados sob regime da CLT. A política previdenciária de saúde teve origem na criação das primeiras instituições de proteção social, a Caixa de Aposentadoria e Pensões (CAPs), instituídas pela Lei Eloy Chaves em 1923. Lembrete Políticas previdenciárias e de saúde são políticas de proteção social e sofrem influências políticas, sociais e econômicas (internas e externas) do momento histórico em que estão inseridas. A produção de capital do país no início do século XX advinha da exportação agrícola, particularmente da monocultura do café. A acumulação de riquezas e o intenso movimento imigratório de europeus, que contribuiu com mão de obra especializada, propiciaram o início da industrialização do país, um novo segmento para a produção de riquezas. 12 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I No entanto, a fragilidade dos direitos trabalhistas, as condições de trabalho insalubres e a história de luta dos imigrantes por direitos sociais na Europa geraram grandes movimentos grevistas na década de 1920. Observação As políticas de saúde podem ser resumidas em dois modelos: o sanitarismo campanhista e a medicina previdenciária de atenção à doença – das CAPs e dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) destinados aos trabalhadores organizados. Dessa forma, a criação da CAPs se deu no contexto das reivindicações operárias, em janeiro de 1923, como resposta dos empresários e do Estado a uma crescente mobilização em prol de garantias trabalhistas, como férias, jornada de trabalho definida, pensão ou aposentadoria e melhores condições de trabalho. Saiba mais Por meio do filme Políticas de Saúde no Brasil você compreenderá o SUS e os determinantes políticos, econômicos e sociais envolvidos em cada recorte histórico apresentado neste livro-texto. POLÍTICAS de saúde no Brasil. Dir. Renato Tapajós. Brasil: Tapiri Cinematográfica, 1992. 61 minutos. No sistema da CAPs, estabelecido pela lei Eloy Chaves, não havia participação do Estado na gestão dos fundos, cujos recursos provinham de três fontes de receita: dos empregados (maior percentual), das empresas e dos consumidores dos serviços dessas empresas. Os valores recolhidos eram depositados diretamente na conta bancária da CAP que, além das aposentadorias e pensões, também garantia serviços funerários, médicos e farmacêuticos. Portanto, havia uma CAP para cada segmento produtivo (ferroviários, comerciários, têxteis, químicos, portuários etc.). “Em 1930, o sistema já abrangia 47 caixas, com 142.464 segurados ativos, 8.006 aposentados, e 7.013 pensionistas” (POLIGNANO, 2001). Mais adiante, o cenário econômico caracterizado pela crise do café, em 1929, imprimiu novos rumos para a produção de capital nacional, os quais implicaram novos padrões de uso do poder no Brasil. Já no cenário político, houve a revolução de 1932 e a eleição de Getúlio Vargas como presidente (e a consequenteimplantação do Estado Novo). A era Vargas foi marcada por mudanças trabalhistas importantes, por um lado, para aquecer a economia e, por outro, para garantir o apoio dos trabalhadores ao governo. 13 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO As Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs) foram então substituídas pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs). Nesses institutos os trabalhadores eram organizados por categoria profissional (marítimos, comerciários, bancários) e não por empresa. A principal diferença entre as CAPs e os IAPs fundamentava-se no papel do Estado, que passou a exercer controle na gestão dos institutos, sobretudo quanto aos recursos financeiros. Os IAPs foram criados de acordo com a capacidade de organização, mobilização e importância da categoria profissional em questão. Destaca-se que os recursos advindos do regime de capitalização dos IAPs foram fundamentais para o desenvolvimento econômico nacional, na medida em que serviram como fonte de financiamento de obras e investimentos da máquina estatal. Ou seja, foi a partir de então que a previdência social assumiu importância como instrumento de ação política eleitoreira e econômica. Observação As CAPs e os IAPs deram início ao sistema previdenciário brasileiro, no qual se inseriu a assistência à saúde por meio de um modelo médico assistencial privativista. Nesse contexto, regulamentou-se a Justiça do Trabalho em 1939 e, em 1943, foi homologada a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). São promulgadas as leis trabalhistas, que procuram estabelecer um contrato capital-trabalho, garantindo direitos sociais ao trabalhador. Ao mesmo tempo, cria-se a estrutura sindical do estado. Estas ações transparecem como dádivas do governo e do estado, e não como conquista dos trabalhadores. O fundamento dessas ações era manter o movimento trabalhista contido dentro das forças do estado (POLIGNANO, 2001, p. 9). A partir de 1945 houve um aumento considerável da demanda por atendimento em saúde, o que mobilizou os institutos a aumentar a rede de serviços que majoritariamente desenvolviam ações curativas por meio do modelo de atenção médica adotado. Obviamente, os custos das ações de saúde nesse sistema previdenciário aumentaram progressivamente, exigindo adoção de medidas e estratégias por parte do governo e da sociedade civil. Entre as décadas de 1950 e 1960 empresas privadas de saúde, por meio da medicina de grupo, se expandiram nos centros metropolitanos, seguidas posteriormente das cooperativas de saúde (PEREIRA FILHO, 1999). Observação Acentua-se, portanto, o componente de assistência médica, em parte por meio de serviços próprios, mas, principalmente, por meio da compra de serviços do setor privado. 14 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I E foi nesse contexto que, finalmente, o Brasil passou a contar com um ministério exclusivo para a saúde em 1953, o Ministério da Saúde. Vale destacar que até aquele momento, a saúde caminhava sob a gestão do Ministério da Segurança Pública e da Educação. Essa nova política elevou os custos das ações de saúde dentro do sistema previdenciário, em grande parte também atribuídos ao modelo de atenção adotado, o modelo biomédico (que será abordado mais adiante). A crescente especialização médica e o foco de atenção na doença, com ênfase nas ações curativas, passaram a exigir inovações tecnológicas, aumentando a produção de materiais médico-hospitalares e abrindo horizontes promissores para a indústria farmacêutica. Assim, a saúde passa a ser um campo altamente lucrativo para a iniciativa privada, representada, à época, pelo capital estrangeiro (o que também foi de grande interesse para o governo, que criou facilidades para a entrada das empresas multinacionais do setor). As consequências dessa política privatizante apareceram rapidamente, erodindo a capacidade gestora do sistema e reforçando sua irracionalidade. De um lado, a baixa capacidade de controle sobre os prestadores de serviço contratados ou conveniados, já que cada paciente era considerado como “um cheque em branco”, tendo a previdência que pagar as faturas que lhe eram enviadas, após a prestação dos serviços. De outro, era quase impossível um planejamento racional, já que os credenciamentos não obedeciam a critérios técnicos, mas a exigências políticas (FLEURY; CARVALHO, 2009). A situação se agrava após o golpe militar e em 1966 é criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que unificou todos os IAPs nesse único órgão. Também consolidou-se a política da contratação do setor privado de saúde para prestação de serviços para o INPS. Progressivamente, foram desativados e/ou sucateados os serviços hospitalares próprios da previdência, ao mesmo tempo em que se ampliou o número de serviços privados credenciados e/ou conveniados. Os custos do sistema se elevaram extraordinariamente, tanto em razão da política vigente quanto em razão do modelo de atenção adotado, que exigia cada vez maior incorporação tecnológica, com insuficiência de recursos, leitos e pessoal. A ineficiência da gestão possibilitava fraudes e controle inadequado dos processos de trabalho que pioravam ainda mais a insuficiência de verbas. Por outro lado, havia a crise econômica. O desemprego crescente significava menor entrada de recursos financeiros para o sistema previdenciário, na medida em que somente os trabalhadores formais e ativos poderiam contribuir. Entretanto, o número de beneficiários e usuários da assistência médica aumentava cada vez mais. Assim, intensificaram-se os esforços de racionalização técnica e financeira do sistema (FLEURY; CARVALHO, 2009). Observação Simplificando, pode-se dizer que as CAPs, criadas em 1923, se transformaram em IAPs na década de 1930, que, por sua vez, em 1966, deram origem ao INPS. 15 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO O modelo da medicina previdenciária de atenção à doença das CAPs, IAPs e INPS, destinados aos trabalhadores organizados, entra em grave crise na década de 1970, época marcada pela elevação constante da cobertura do sistema com a entrada de novos segmentos de trabalhadores (como os rurais, os autônomos e os empregados domésticos). Isso exigiu aumento de serviços médico-hospitalares e, consequentemente, elevou ainda mais os custos. Foram várias as iniciativas e estratégias adotadas como forma de superar os limites e dificuldades do sistema até que fosse criado o Inamps. Lembrete O Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas) incluía: o Iapas (órgão responsável pela gestão financeira); o Inamps (instituto responsável pela assistência médica aos segurados); e o INPS (órgão responsável pela concessão de benefícios, como aposentadorias, pensões, auxílio doença etc.). 2.2 Do sanitarismo campanhista à promoção da saúde Atente-se que até o momento foi apresentada a política de atenção à saúde do sistema previdenciário. Agora serão discutidas as políticas voltadas ao controle de doenças e endemias. No início do século XX o Brasil era um país agrário e epidemias ameaçavam a política agroexportadora. Os produtos exportados, especialmente o café, seguiam para a Europa em navios e as questões sanitárias eram um grande desafio a ser vencido: buscava-se evitar que os produtos chegassem deteriorados ao seu destino e que os tripulantes dos navios ficassem doentes ou fossem acometidos por doenças infecciosas graves (como varíola, peste, tuberculose e hanseníase). Muitos países rejeitavam os produtos e osnavios brasileiros ao chegarem nos portos de destino, o que trouxe sérias repercussões para a economia agroexportadora nacional. Cabe destacar o início do processo de urbanização e de industrialização em que os grandes aglomerados urbanos, nasregiões centrais, das cidades, os cortiços e a pobreza representavam ameaças à saúde pública, que buscava controlar as epidemias. Assim, a questão social era tratada como caso de polícia. Nesse momento, a saúde pública estava sob gestão executiva da segurança pública e o principal objetivo da política de saúde era a melhoria das condições sanitárias, a fim de erradicar ou controlar doenças e garantir a circulação de mercadorias nas estradas e nos portos. Várias estratégias foram desenvolvidas, como o programa de saneamento do Rio de Janeiro e o combate à febre amarela em São Paulo, cabendo destaque aos trabalhos desenvolvidos pelos médicos sanitaristas Emílio Ribas, em São Paulo, e Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, que foi nomeado para a Diretoria Geral de Saúde Pública e posteriormente sucedido pelo iminente Dr. Carlos Chagas, após sua morte. 16 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I Nessa época foi instituída a vacinação obrigatória contra a varíola, fato que gerou um movimento popular conhecido como a Revolta da Vacina (FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, 2005). No Brasil, o uso de vacina contra a varíola foi declarado obrigatório para crianças em 1837 e para adultos em 1846. Mas essa resolução não era cumprida, até porque a produção da vacina em escala industrial no Rio só começou em 1884. Então, em junho de 1904, Oswaldo Cruz motivou o governo a enviar ao Congresso um projeto para reinstaurar a obrigatoriedade da vacinação em todo o território nacional. Apenas os indivíduos que comprovassem ser vacinados conseguiriam contratos de trabalho, matrículas em escolas, certidões de casamento, autorização para viagens etc. Após intenso bate-boca no Congresso, a nova lei foi aprovada em 31 de outubro e regulamentada em 9 de novembro. Isso serviu de catalizador para um episódio conhecido como Revolta da Vacina. O povo, já tão oprimido, não aceitava ver sua casa invadida e ter que tomar uma injeção contra a vontade: ele foi às ruas da capital da República protestar (FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, 2005). As campanhas sanitárias para controle de endemias urbanas e rurais, bem como as ações médicas, tinham caráter repressivo, caracterizando, assim, o modelo de atenção à saúde denominado “sanitarismo campanhista”. Esse modelo campanhista perdurou até os anos 1960. A febre amarela foi erradicada no Rio de Janeiro e o Brasil passou a produzir produtos profiláticos, como medicamentos e vacinas para uso em massa, com o intuito de controlar as endemias e epidemias. Observação A assistência hospitalar pública destinava-se ao abrigo e o isolamento de portadores de hanseníase, tuberculose e psicoses. As Santas Casas de Misericórdia destinavam-se aos indigentes. Gradativamente, com o controle das epidemias nas grandes cidades brasileiras e em razão de a agricultura ser a atividade hegemônica da economia da época, o modelo campanhista deslocou sua ação para o campo e para o combate das denominadas endemias rurais. Esse modelo de atuação foi amplamente utilizado pelas Superintendências de Campanhas de Saúde Pública (Sucam) no combate a diversas endemias (doença de Chagas, esquistossomose e outras), sendo tal órgão posteriormente incorporado à Fundação Nacional de Saúde. Portanto, o sistema de saúde brasileiro, até a década de 1990, caracterizou-se pela separação entre as ações preventivas e as ações de assistência à saúde. 17 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO Lembrete As políticas de saúde podem ser classificadas segundo dois modelos: o sanitarismo campanhista e o modelo da medicina previdenciária de atenção à doença das CAPs e IAPs destinados aos trabalhadores organizados. Durante a década de 1960, houve o amplo debate realizado em várias partes do mundo, visando superar essa orientação predominantemente centrada no controle das doenças que negligenciava a determinação econômica e social da saúde (BRASIL, 2002). No início da década de 1970 a ONU enviou um grupo de especialistas da Organização Mundial da Saúde à China Nacionalista para uma missão de observação. Durante essa viagem eles tomaram conhecimento de uma série de ações voltadas para a melhoria das condições de saúde, ações essas que vinham sendo desenvolvidas desde 1965 com base em atividades de natureza comunitária, tais como: • organização da comunidade local; • atenção aos idosos; • ajuda às escolas e serviços em geral; • organização da população para cuidar da saúde ambiental; • realização de cuidados preventivos e tratamentos, incluindo o uso de ervas medicinais; • apoio à manutenção da ordem social no tráfego, no policiamento e nos incêndios; • promoção de campanhas de saúde em todos os níveis. Essa experiência está descrita em dois importantes relatórios: inicialmente, no Relatório Lalonde: uma Nova Perspectiva na Saúde dos Canadenses (1974) e, posteriormente, no Relatório EPP: Alcançando Saúde Para Todos (1986) (BRASIL, 2002). Abriu-se então uma nova perspectiva para a organização dos sistemas de saúde no mundo que culminou na realização da Conferência de Alma-Ata (1978), em que foi consagrada a estratégia de Atenção Primária de Saúde. Um ano antes, aconteceu a 30ª Assembleia Mundial de Saúde da ONU, que definiu a proposta Saúde para Todos no Ano 2000. Essas conferências originaram um amplo debate mundial em torno do tema da promoção da saúde, que ganhou destaque especial na Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde (1986) com a promulgação da Carta de Ottawa. Essa conferência foi sucedida por uma série de declarações internacionais periodicamente formuladas nas conferências realizadas sobre o tema da promoção da saúde (BRASIL, 2002). 18 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I 2.3 Reforma Sanitária e VIII Conferência Nacional de Saúde A despeito da importante crise econômica, política e sanitária vivenciada à época, o Brasil não ficou alheio a esse debate internacional. Diversos setores da sociedade brasileira (das áreas de saúde, educação, assistência social, universidades, estudantes, profissionais da saúde e população como um todo), em plena ditadura militar, deram início a um movimento em prol dos serviços públicos de saúde, que ficou conhecido como Movimento da Reforma Sanitária Brasileira. Dentre os objetivos desse movimento, destaca-se a necessidade de repensar o sistema de saúde brasileiro de forma a reverter a tendência de dicotomia entre as ações preventivas e curativas, o atendimento excludente prestado pelo sistema previdenciário de assistência à saúde (que somente prestava cuidados aos contribuintes) e a crescente centralização do sistema de saúde por meio das estruturas do Inamps (ARCHANJO; ARCHANJO; SILVA, 2007). A Reforma Sanitária propõe, ao final da década de 1970, um sistema de saúde que unifique as ações presentes no Ministério da Saúde e no Ministério da Previdência e Assistência Social, garantindo a integralidade entre as atividades preventivas e curativas. Reivindicou também universalidade do sistema, maior autonomia dos municípios, bem como a participação popular na fiscalização e na formulação das políticas de saúde (ARCHANJO; ARCHANJO; SILVA, 2007). Por outro lado, esse movimento fez, por quase 10 anos, duras críticas ao modelo hegemônico de cuidado centrado na doença, incorporando as propostas defendidas na Conferência de Alma-Ata e, posteriormente, na Conferência de Ottawa (ARCHANJO; ARCHANJO; SILVA, 2007). Então, em 1986, cerca de 5 mil representantes de diversos segmentos de interesse em saúde se reuniram em Brasília para a VIII Conferência Nacional de Saúde. Observação Nessa conferência todo o ideário da Reforma Sanitária foi incorporado a um relatório final que esboçou o novo sistema de saúde brasileiro. A realização da VIII Conferência Nacional de Saúde consagrou umaconcepção ampliada de saúde e o princípio da saúde como direito universal e como dever do Estado; princípios esses que seriam plenamente incorporados na Constituição de 1988. Em seu sentido mais abrangente, a saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida, a saúde não é um conceito abstrato. Define-se no contexto histórico de determinada sociedade e num 19 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO dado momento de seu desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em suas lutas cotidianas (BRASIL, 1986, p. 4). Observação Em 1987 foram criados os Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde (SUDS), uma transição entre a assistência médica previdenciária e o SUS. A nova Constituição Federal, promulgada a 3 de outubro de 1988, instituiu o SUS, cuja formatação final e regulamentação ocorreram mais tarde por meio das Leis n.o 8.080 e n.o 8.142, ambas de 1990 (BRASIL, 1990a; BRASIL, 1990b). A Constituição Cidadã estabelece: [...] a saúde como “Direito de todos e dever do Estado” e apresenta, na sua Seção II, como pontos básicos: “as necessidades individuais e coletivas são consideradas de interesse público e o atendimento um dever do Estado; a assistência médico-sanitária integral passa a ter caráter universal e destina-se a assegurar a todos o acesso aos serviços; estes serviços devem ser hierarquizados segundo parâmetros técnicos e a sua gestão deve ser descentralizada”. Estabelece, ainda, que o custeio do Sistema deverá ser essencialmente de recursos governamentais da União, estados e municípios, e as ações governamentais submetidas a órgãos colegiados oficiais, os Conselhos de Saúde, com representação paritária entre usuários e prestadores de serviços (VERDI; DA ROS; CUTOLO, 2010, p. 6). 2.4 Sistema Único de Saúde (SUS) A criação do SUS se deu com a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes” (BRASIL, 1990a). A primeira lei orgânica do SUS detalha os objetivos e as atribuições; os princípios e as diretrizes; a organização, a direção e a gestão; a competência e as atribuições de cada nível (federal, estadual e municipal); a participação complementar do sistema privado; os recursos humanos; o financiamento e a gestão financeira; e o planejamento e o orçamento. Logo em seguida, a Lei n.º 8.142, de 28 de dezembro de 1990, dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros (BRASIL, 1990b). Ela também institui os Conselhos de Saúde e confere legitimidade aos organismos de representação de governos estaduais – Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e municipais Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Finalmente estava 20 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I criado o arcabouço jurídico do Sistema Único de Saúde, mas novas lutas e aprimoramentos ainda seriam necessários (BRASIL, 1990b). Lembrete O SUS é um sistema público financiado com recursos arrecadados por meio dos impostos pagos pela população. O setor privado participa de forma complementar, mediante contratos e convênios. 2.4.1 Princípios do SUS A figura a seguir apresenta os princípios e as diretrizes do SUS: Universalidade Equidade Integralidade Regionalização e hierarquização Participação popular Descentralização e comando único Princípios do Sistema Único de Saúde (Diretrizes organizativas) (Princípios Doutrinários) Figura 1 – Princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde • Universalidade: deve atender a todos, sem distinções, de acordo com suas necessidades e sem cobrar nada ou levar em conta o poder aquisitivo ou, ainda, se a pessoa contribui ou não com a Previdência Social (BRASIL, 1990a). • Equidade: oferecer os recursos de saúde de acordo com as necessidades de cada indivíduo/ serviço/comunidade; identificar as diferenças entre grupos populacionais, trabalhando para cada necessidade diferente, oferecendo mais a quem mais necessita, diminuindo as desigualdades (BRASIL, 1990a). • Integralidade: a pessoa deve ser tratada como um todo, isto é, não pode ser dividida. Isso quer dizer que as ações de saúde devem estar voltadas, ao mesmo tempo, para o indivíduo e para a comunidade; para a prevenção de doenças, a promoção da saúde e para o tratamento, sempre respeitando a dignidade humana (BRASIL, 1990a). • Participação popular (ou controle social): o SUS é democrático porque tem mecanismos para assegurar o direito de participação de todos os segmentos envolvidos com o sistema – governos, prestadores de serviços, trabalhadores de saúde e, principalmente, os usuários dos serviços, as comunidades e a população (BRASIL, 1990a). 21 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO • Regionalização e hierarquização: os serviços devem ser organizados em níveis de complexidade tecnológica crescente, dispostos numa área geográfica delimitada e com a definição da população a ser atendida (BRASIL, 1990a). • Descentralização político-administrativa: comando único e atribuições próprias nas três esferas de governo (federal, estaduais e municipais), mas a gestão é municipal (municipalização) e o repasse de recursos deve ser realizado diretamente de um fundo para o outro fundo, entre cada uma das instâncias de governo (BRASIL, 1990a). 2.4.2 Participação e controle social no SUS O direito da sociedade de participar da gestão da saúde está assegurado na Constituição Federal de 1988. Esse direito foi posteriormente regulamentado pela Lei nº 8.142/90 que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde (BRASIL, 1990b). A participação e o controle social no SUS são efetivados mediante duas instâncias colegiadas: as Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde. De acordo com a Lei nº 8.142/90 de 28 de dezembro de 1990: §1º- A Conferência de Saúde reunir-se-á a cada 4 anos com a representação dos vários segmentos sociais, para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes, convocada pelo Poder Executivo ou, extraordinariamente, por este ou pelo Conselho de Saúde (BRASIL, 1990b, p. 2). O Conselho de Saúde, órgão colegiado composto de representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, em caráter permanente e deliberativo, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo (BRASIL, 1990b). A representação dos usuários deverá ser paritária (50%) em relação ao conjunto dos demais segmentos, ou seja, 25% de participação dos profissionais da saúde e 25% de participação dos representantes do governo e prestadores de serviço. As Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde têm sua organização e normas de funcionamento definidas em regimento próprio, aprovado pelo respectivo Conselho (BRASIL, 1990b). Para entender melhor o SUS, é importante conhecer suas principais bases legais: • Constituição Brasileira de 1988. • Lei n.º 8.080/90. 22 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /07/ 20 17 Unidade I • Lei n.º 8.142/90. • Normas Operacionais Básicas (NOB) e Normas Operacionais de Assistência à Saúde (Noas). • Códigos de Saúde dos Estados e Municípios. • Pacto pela Saúde. • Decreto n.º 7.508 de 28 de junho de 2011. 2.4.3 Normas Operacionais Básicas do SUS (NOB) e Normas Operacionais de Assistência à Saúde (Noas) A operacionalização do SUS é definida por meio de diferentes portarias do Ministério da Saúde. Assim, logo após a implantação do SUS, algumas normas foram deliberadas com o intuito de melhor organizar o repasse financeiro e a descentralização da gestão do sistema, de forma complementar às leis orgânicas da saúde. Dessa forma, as NOB representam instrumentos que orientam o processo de implantação do SUS, definindo as competências de cada esfera de governo e as condições necessárias para que estados e municípios possam assumir as responsabilidades e as prerrogativas dentro do Sistema. Dividem-se em (SCATENA; TANAKA, 2011): • NOB 91: normalização de mecanismos de financiamento do SUS – repasse, acompanhamento, controle e avaliação dos recursos financeiros do Inamps para os municípios e/ou estados, mecanismos esses considerados como fator de incentivo ao processo de descentralização. • NOB 01/92: inclui consensos entre diferentes instâncias participativas do SUS, com destaque para Conass e Conasems representando interesses e expectativas diversos e ressaltando o caráter processual da construção do SUS, em especial, no que diz respeito aos elementos constitutivos da descentralização. • NOB 01/93: é a primeira a ser editada como portaria do Ministério da Saúde e a definir o gerenciamento do processo de descentralização nos três níveis de governo por meio das Comissões Intergestores Tripartite, das Comissões Intergestores Bipartites e dos Conselhos Municipais, bem como definir as condições de gestão para municípios (incipiente, parcial e semiplena) e estados (parcial e semiplena), buscando exatamente contemplar os diferentes estágios em que se encontravam estados e municípios em relação à descentralização. No entanto, avançou pouco no que diz respeito ao financiamento, mantendo basicamente as disposições das normas anteriores. • NOB 96: essa norma propôs, modificou e implantou diferentes aspectos da gestão do SUS, como o reordenamento do modelo de atenção à saúde com base na incorporação do modelo epidemiológico ao modelo clínico; também instituiu a Programação Pactuada e Integrada (PPI), como o instrumento essencial de reorganização do modelo de atenção e da gestão do SUS de alocação dos recursos; definiu as transferências de recursos fundo a fundo para a 23 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO assistência ambulatorial e hospitalar, com destaque para a criação do Piso da Atenção Básica (PAB) com base em um valor per capita anual; determinou, finalmente, as condições de gestão para os municípios (Plena da Atenção Básica e Plena do Sistema) e para os estados (Avançada do Sistema e Plena do Sistema), relacionando responsabilidades, requisitos e prerrogativas. • Noas 01/2001 e 2002: os municípios precisavam ter a capacidade gerencial e política de cuidar da saúde de sua população, por meio dos serviços possíveis existentes em seu território e comprando fora os não existentes. Então, o Ministério da Saúde, por meio dessas normas operacionais de assistência à saúde, ampliou as responsabilidades dos municípios na atenção básica e estabeleceu o processo de regionalização; definiu ainda os valores de recursos destinados ao custeio da assistência de alta complexidade para cada estado e estabeleceu o pagamento de um valor fixo por metas estabelecidas, buscando fortalecer a capacidade de gestão do SUS. 2.4.4 Pacto pela Saúde Em 2006, após quase duas décadas do processo de institucionalização do Sistema Único de Saúde, sua implantação e implementação ampliaram o contato do sistema com a realidade social, política e administrativa do País, respeitando as especificidades regionais, tornando-se mais complexo. Diante disso, os gestores foram sendo colocados à frente de desafios para superar a fragmentação das políticas e dos programas de saúde, além das dificuldades orçamentárias, de forma a garantir o acesso da população aos serviços com qualidade e resolutividade, por meio da organização de uma rede regionalizada e hierarquizada. Frente a esta necessidade, o Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), pactuaram responsabilidades entre os três gestores do SUS no campo da gestão do sistema e da atenção à saúde. O documento a seguir contempla o pacto firmado entre os três gestores do SUS a partir de uma unidade de princípios que, guardando coerência com a diversidade operativa, respeita as diferenças loco-regionais, agrega os pactos anteriormente existentes, reforça a organização das regiões sanitárias instituindo mecanismos de cogestão e planejamento regional, fortalece os espaços e mecanismos de controle social, qualifica o acesso da população à atenção integral à saúde, redefine os instrumentos de regulação, programação e avaliação, valoriza a macro função de cooperação técnica entre os gestores e propõe um financiamento tripartite que estimula critérios de equidade nas transferências fundo a fundo (BRASIL, 2006b). Observação O Pacto pela Saúde foi dividido em Pacto pela Vida, Pacto de Gestão e Pacto em Defesa, efetivando acordos entre as três esferas de gestão do SUS. 24 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I Por meio da Portaria n.º 399, de 22 de fevereiro de 2006, foi divulgado o Pacto pela Saúde 2006 e foram aprovadas as suas diretrizes operacionais para a consolidação do SUS. Posteriormente, em 3 de novembro de 2009, a Portaria n.º 2.669, estabeleceu novas prioridades, objetivos, metas e indicadores de monitoramento e avaliação do Pacto pela Saúde nos componentes pela Vida e de Gestão (BRASIL, 2006b). Quadro 1 – Pacto pela saúde de acordo com a Portaria n.º 399/GM de 2006 e a Portaria n.º 2.669/GM de 2009 Pacto pela Saúde Pacto em Defesa do SUS Pacto de Gestão do SUS Pacto pela Vida Ações articuladas que visam reforçar o SUS como política de Estado. Responsabilidades explicitadas dos gestores das três esferas do governo, segundo as diferenças locais e regionais Compromissos sanitários derivados da análise da situação de saúde e das prioridades definidas nacionalmente Adaptado de: Brasil (2006b); Brasil (2009). O Pacto pela Vida definiu compromissos entre os gestores do SUS em torno de prioridades que apresentassem impacto sobre a situação de saúde da população. As prioridades foram expressas em metas municipais, regionais, estaduais e nacionais, no termo de compromisso de gestão. Prioridades, metas e monitoramento de indicadores Fortalecimento da Atenção Básica em SaúdeCâncer de mama e de colo de útero Mortalidade infantil e materna Promoção da saúde Saúde do idoso Doenças emergentes e endemias Pacto pela Vida Saúde do trabalhador Pessoas com deficiências Pessoas em situação de violência Saúde do homem Saúde mental Portaria n.º 399/GM de 2006 Portaria n.º 2.669/GM de 2009 Figura 2 - Prioridades do Pacto pela Vida 25 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO O Pacto em Defesa do SUS previu ações concretas e articuladas pelos três níveis federativos no sentido de reforçar o Sistema como política de Estado. Estabeleceu como prioridades a repolitização da saúde e a promoção da cidadania, com o objetivo de implementar um projeto permanente de mobilização social e de garantir o aumento do financiamento da saúde, além de elaborar e divulgar a Carta dos Usuários do SUS e também regulamentara Emenda Constitucional 29 como determinante para a reestruturação do financiamento do sistema (BRASIL, 2006b). O Pacto de Gestão do SUS definiu as responsabilidades dos gestores, explicitando o que cada um deveria realizar e reconhecendo as grandes diferenças locais e regionais. Os gestores do SUS são os representantes de cada esfera de governo designados para o desenvolvimento das funções do Executivo na saúde: na esfera nacional, o ministro da Saúde (Ministério da Saúde); na esfera estadual, o secretário de Estado da Saúde (Secretaria Estadual de Saúde); e, na esfera municipal, o secretário municipal de Saúde (Secretaria Municipal de Saúde) (BRASIL, 2006b). Apresentou como principais diretrizes para a gestão do SUS: 1 – responsabilidades gerais; 2 – regionalização; 3 – planejamento e programação pactuada integrada (PPI); 4 – regulação da atenção à saúde e assistencial; 5 – participação e controle social; 6 – gestão do trabalho; 7 – educação em saúde. Observação PPI é um instrumento de planejamento que define e quantifica as ações de saúde para a população residente em cada território, segundo as definições da Comissão Intergestores Regional. A implantação desse pacto, nas suas três dimensões – Pacto pela Vida, Pacto de Gestão e Pacto em Defesa do SUS – possibilita a efetivação de acordos entre as três esferas de gestão do SUS para a reforma de aspectos institucionais vigentes, promovendo inovações nos processos e instrumentos de gestão que visam a alcançar maior efetividade, eficiência e qualidade de suas respostas e, ao mesmo tempo, redefine responsabilidades coletivas por resultados sanitários em função das necessidades de saúde da população e na busca da equidade social (BRASIL, 2006b). 26 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I Pacto em Defesa do SUS Pacto de Gestão Pacto pela Vida 11 prioridades – 41 objetivos 43 indicadores 7 eixos de responsabilidades 11 indicadores Monitoramento e avaliação do Pacto pela Saúde Figura 3 - Monitoramento e avaliação do Pacto pela Saúde 2.4.5 Decreto n.º 7.508 Esse decreto, regulamentado em 28 de junho de 2011, é uma complementação da Lei n.º 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, além de outras providências. (BRASIL, 2011a). • Região de saúde: compreendida como espaço geográfico contínuo constituído por agrupamentos de municípios limítrofes, delimitado com base em identidades culturais, econômicas e sociais e de redes de comunicação e infraestrutura de transportes compartilhados, com a finalidade de integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e serviços de saúde. Para ser instituída, a região de saúde deve conter, no mínimo, ações e serviços de: atenção primária; urgência e emergência; atenção psicossocial; atenção ambulatorial especializada e hospitalar; e vigilância em saúde. Do ponto de vista do planejamento, é importante destacar que as regiões de saúde serão referência para as transferências de recursos entre os entes federativos (BRASIL, 2011a). • Contrato organizativo da ação pública da saúde: acordo de colaboração firmado entre os entes federativos com a finalidade de organizar e integrar as ações e serviços de saúde na rede regionalizada e hierarquizada, com a definição de responsabilidades, indicadores e metas de saúde, critérios de avaliação de desempenho, recursos financeiros que serão disponibilizados, forma de controle e fiscalização de sua execução e demais elementos necessários à implementação integrada das ações e serviços de saúde (BRASIL, 2011a). O acordo de colaboração entre os entes federativos para a organização da rede interfederativa de atenção à saúde será firmado por meio de Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde. 27 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO O objeto do Contrato Organizativo de Ação Pública da Saúde é a organização e a integração das ações e dos serviços de saúde, sob a responsabilidade dos entes federativos em uma Região de Saúde, com a finalidade de garantir a integralidade da assistência aos usuários (BRASIL, 2011a). • Mapa da saúde: descrição geográfica da distribuição de recursos humanos e de ações e serviços de saúde ofertados pelo SUS e pela iniciativa privada, considerando-se a capacidade instalada existente, os investimentos e o desempenho aferido com base nos indicadores de saúde do sistema (BRASIL, 2011a). • Rede de atenção à saúde: conjunto de ações e serviços de saúde articulados em níveis de complexidade crescente, com a finalidade de garantir a integralidade da assistência à saúde (BRASIL, 2011a). “[...] a integralidade da assistência à saúde se inicia e se completa na Rede de Atenção à Saúde, mediante referenciamento do usuário na rede regional e interestadual, conforme pactuado nas Comissões Intergestores” (BRASIL, 2011a). • Portas de entrada: serviços de atendimento inicial à saúde do usuário no SUS (BRASIL, 2011a). • Comissões intergestores: instâncias de pactuação consensual entre os entes federativos para definição das regras da gestão compartilhada do SUS (BRASIL, 2011a). • Serviços especiais de acesso aberto: serviços de saúde específicos para o atendimento da pessoa que, em razão de agravo ou de situação laboral, necessita de atendimento especial (BRASIL, 2011a). • Protocolo clínico e diretriz terapêutica: documento que estabelece critérios para o diagnóstico da doença ou do agravo à saúde; o tratamento preconizado, com os medicamentos e demais produtos apropriados, quando couber; as posologias recomendadas; os mecanismos de controle clínico; e o acompanhamento e a verificação dos resultados terapêuticos, a serem seguidos pelos gestores do SUS (BRASIL, 2011a). Saiba mais Sobre a organização do SUS, leia o Decreto n.º 7.508, de 28 de junho de 2011. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Decreto Federal n.º 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei Federal n.º 8.080, de 19.09.1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde (SUS), o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa. Brasília, 2011d. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7508.htm>. Acesso em: 16 jun. 2017. 28 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I Por fim, o financiamento das ações de saúde está dividido em seis blocos distintos para a aplicação dos recursos: • Atenção Básica: mediante um componente fixo definido pelo PAB e um componente variável, baseado no histórico de utilização dos recursos na saúde do munícipio em questão; • Média e Alta Complexidade da Assistência. • Vigilância em Saúde: por meio do componente vigilância e promoção da saúde e vigilância sanitária. • Assistência Farmacêutica: Componentes Básico, Especializado e Estratégico. • Gestão, por meio dos componentes: — regulação, controle, avaliação e auditoria. — planejamento e orçamento. — programação. — regionalização. — participação e controle social. — gestão do trabalho. — educação na saúde. — incentivo à implementação de políticas específicas. • Investimentos na Rede de Serviços de Saúde: os recursos financeiros a serem transferidos por meio do Bloco de Investimentos na Rede de Serviços de Saúde destinar-se-ão, exclusivamente, às despesas de capital, como obras (construção, reforma e ampliação) e equipamentos (mobiliário, veículos, instrumentais) (BRASIL, 2009a). 3 MODELOS TECNO-ASSISTENCIAIS PARA OPERACIONALIZAÇÃO DO SUS 3.1 Atenção Primária à Saúde A maneira pela qual as ações de saúde (promoção, prevenção, tratamento, recuperação e reabilitação) são desenvolvidas pelos serviços de saúde é conhecida como modelos de atenção à saúde. Esses modelos sãoinfluenciados por diferentes concepções sobre a política de saúde (VERDI; DA ROS; CUTOLO, 2010). Essas diferentes concepções influenciam as práticas, que podem ser melhores ou piores em termos de eficiência, custos, acesso aos serviços e qualidade do atendimento. Ao analisarmos a organização 29 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO da saúde no Brasil, identificamos que ao longo da história predominaram alguns modelos de atenção à saúde como o da saúde pública campanhista e o modelo médico assistencial privatista da assistência médica previdenciária. Por outro lado, tanto a formação quanto a prática dos profissionais de saúde sempre estiveram orientadas para a atenção à doença, ao indivíduo, ao uso intensivo de tecnologias de diagnóstico e terapêutica, sendo o hospital o local de preferência para o cuidado. Denomina-se esse modo hegemônico de produção do cuidado de modelo biomédico, um modelo fortemente influenciado pelo modelo flexneriano e articulado aos interesses econômicos do mercado de saúde, não necessariamente atendendo aos interesses e necessidades da população. A partir da Conferência de Alma-Ata novos paradigmas para a organização dos sistemas de saúde são debatidos e experimentados por diversos países, dentre os quais o Brasil. Essa conferência definiu a estratégia de cuidados primários em saúde, um novo conceito para o cuidado e intervenção em saúde. Enuncia em seu bojo, ao tecer considerações sobre os cuidados primários de saúde, que estes constituem a chave que permitirá que todos os povos do mundo atinjam um nível de saúde que lhes permita levar uma vida social e economicamente produtiva, representando o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde. E, como tal, devem ter em vista os principais problemas de saúde da comunidade, proporcionando serviços de proteção, prevenção, cura e reabilitação, conforme suas necessidades (BRASIL, 2002, p. 33). Dessa forma, a prevenção e a promoção de saúde passam a ser incorporadas ao rol das ações de saúde e, no Brasil, em pleno movimento da Reforma Sanitária e posteriormente durante todo o processo de implantação do SUS, gestores, trabalhadores, usuários e sociedade civil são desafiados a repensar a forma de praticar e utilizar a saúde. O modelo biomédico é então fortemente questionado, e gradativamente vão sendo propostos novos referenciais para o cuidado e a organização dos serviços de saúde, tendo como ponto de partida a manutenção da saúde e a atenção mais ampla à coletividade de acordo com os diferentes determinantes sociais do processo de saúde-doença. As ações de promoção, proteção, prevenção, recuperação e reabilitação em saúde ganham espaço no contexto das práticas de educação sanitária, de vigilância e de assistência à saúde. O modelo epidemiológico de risco e o modelo de vigilância da saúde passam a ser incorporados na prática cotidiana da atenção em saúde. “A vigilância da saúde, como eixo estruturante de gestão local, parte do sentido de território, da identificação dos riscos e seus determinantes e condicionantes, e do planejamento das ações de cuidado” (VERDI; DA ROS; CUTOLO, 2010, p. 65). Então, em 1994, é lançado o Programa de Saúde da Família, uma estratégia para reorganização do foco de atendimento à população, buscando modificar um modelo assistencial de reabilitação para um modelo de prevenção. 30 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I Primeiramente, antes de explicitar as bases de organização da Estratégia de Saúde da Família, é necessário compreender que essa inciativa se insere no contexto da Atenção Primária da Saúde (APS). A divisão de um sistema de saúde em níveis de complexidade de atenção foi definida no Relatório Dawson, em 1920, na Grã-Bretanha. Embora muito antigo, guarda grandes semelhanças com o que atualmente está proposto. Sir Dawson dividiu um sistema de saúde em três níveis: primário, composto de generalistas em comunidades; secundário, com especialistas atuando em ambulatórios; terciário, com especialistas vinculados à atenção hospitalar (VERDI; DA ROS; CUTOLO, 2010). Essa é, portanto, uma proposta de hierarquização dos serviços de saúde em níveis de atenção, tal como proposto na Lei Orgânica da Saúde. Ou seja, um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema, de forma a viabilizar a referência e a contrarreferência entre os serviços e níveis de atenção. Dessas concepções, apreende-se como principal eixo de organização desse sistema hierarquizado, o nível primário como o ponto de primeiro contato dos indivíduos e das comunidades com o sistema de saúde. Segundo a Organização Mundial da Saúde, os sistemas de saúde deveriam ser organizados segundo duas metas prioritárias para alcançar um ótimo nível de saúde: primeiramente, otimizar a saúde da população, com base no conhecimento das causas das enfermidades e no manejo adequado das doenças, buscando maximizar a saúde. Em segundo lugar, minimizar as desigualdades entre subgrupos populacionais, por meio do acesso aos serviços. Considerando-se as desigualdades sociais e iniquidades de saúde, a Organização Mundial da Saúde adotou um conjunto de princípios norteadores dos sistemas de saúde, expressos na Carta de Liubliana. Esse documento estabeleceu que os sistemas de saúde devem preservar a dignidade humana, garantir a equidade, a solidariedade e a ética profissional. Além disso, devem garantir a proteção e a promoção da saúde, com foco na qualidade e buscando a melhor relação custo-efetividade, através de financiamento sustentável. Recomenda, também, que os sistemas de saúde sejam direcionados para atenção primária e destaca, ainda, que as pessoas devem ser incentivadas ao autocuidado, para que adquiram a responsabilidade por sua própria saúde. Essas recomendações foram adotadas pela Comunidade Europeia em 1996 (STARFIELD, 2002). Segundo Starfield (2002), o modelo de atenção com forte base em Atenção Primária à Saúde (APS) é mais eficiente, mais equânime e mais barato, mesmo em situações de grande iniquidade social. Metade dos diagnósticos realizados em APS correspondem a 32 problemas de saúde mais comuns e mais frequentemente apresentados pela população. Os especialistas em APS conhecem muito sobre problemas comuns – simples ou complexos, mas comuns. A APS contará com profissionais eficientes que poderão resolver 85% dos problemas da população sob sua responsabilidade, de forma humanizada, qualificada e orientados a partir da realidade local (STARFIELD, 2002). 31 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO A Atenção Primária é entendida como: A oferta de serviços de atenção à saúde integrados e acessíveis por meio de clínicos que sejam responsáveis por atender a uma grande maioria de necessidades pessoais de atenção à saúde, desenvolvendo uma parceria constante com os pacientes e trabalhando no contexto da família e da comunidade (DONALDSON et al., 1996, apud STARFIELD, 2002, p. 38). A APS tem como características fundamentais (STARFIELD, 2002): • Primeiro contato para garantir a acessibilidade: a APS deverá ser a “porta de entrada” para o sistema de saúde. A unidade de saúde deve ser o local preferencial para atendimento das necessidades de saúde. A unidade deve ser de fácil acesso e disponível. • Responsabilidade pela população: é a responsabilidade do serviço de saúde por toda a população do território ao longo do tempo, independentemente da presença ou ausência de doença e da procura pela unidade. É fundamental que a população identifique o serviço como o “seu” recurso frente às necessidades em saúde. Portanto, deveráexistir uma regularidade de atenção e vigilância contínua sobre os riscos à saúde. • Integralidade: representada pela integração do biopsicossocial. É a capacidade que a equipe de saúde tem de lidar com os problemas de saúde que surgem na população sob sua responsabilidade. As equipes devem reconhecer adequadamente problemas de todos os tipos, sejam eles de ordem funcional, orgânica ou social. • Coordenação: assistência compartilhada entre os demais serviços e equipes do sistema de saúde. A APS centralizará as informações sobre a pessoa sob cuidado. Será responsável pela continuidade da atenção, por parte dos profissionais, ou por seus registros, para o reconhecimento da evolução dos problemas em consultas subsequentes, ao longo da vida dos indivíduos e de suas famílias. • Longitudinalidade: implica uma relação de corresponsabilização de atenção aos indivíduos em seus ciclos de vida, quer seja na proteção e na promoção da saúde, quer no tratamento de suas demandas clínicas. A essência da Longitudinalidade é uma relação pessoal ao longo do tempo, independentemente do tipo de problemas de saúde, ou até mesmo da presença de um problema de saúde, entre um paciente e uma equipe de saúde. Essa relação, por consequência, gera vínculo, responsabilização, confiança e otimização da resolubilidade (STARFIELD, 2002, p. 62). 32 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I 3.2 Estratégia de Saúde da Família Essa maneira de pensar a saúde foi gradativamente sendo incorporada ao Sistema Único de Saúde, levando o Ministério da Saúde a lançar o Programa de Saúde da Família (PSF), em 1994, como opção operacional de implantação e consolidação da atenção primária em saúde no Brasil. Posteriormente, em 1997, o Ministério da Saúde promoveu a mudança de programa para Estratégia de Saúde da Família (ESF), com vistas à reorganização do modelo de atenção (VERDI; DA ROS; CUTOLO, 2010). “O PSF deixou de ter as limitações de um programa focal, setorial e expandiu limites, mudou a forma de ver o cuidado em saúde, reorganizou a APS e consolidou os princípios do SUS, portanto não poderia mais ser lido como um programa” (VERDI; DA ROS; CUTOLO, 2010, p. 68). Em 2006, o Ministério da Saúde, mediante a Portaria n.º 648, de 28 de março, aprova a Política Nacional de Atenção Básica (BRASIL, 2006c). A partir de então, a atenção primária em saúde passa a ser compreendida de uma forma mais ampla como atenção básica. Em 2011, o Ministério da Saúde lançou uma nova edição da Política Nacional de Atenção Básica, por meio da Portaria n.º 2.488, de 21 de outubro de 2011, buscando consolidar uma atenção básica mais fortalecida e ordenadora das Redes de Atenção em Saúde (BRASIL, 2012a). A atenção básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte na situação de saúde e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades. É desenvolvida por meio do exercício de práticas de cuidado e gestão, democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios definidos, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações. Utiliza tecnologias de cuidado complexas e variadas que devem auxiliar no manejo das demandas e necessidades de saúde de maior frequência e relevância em seu território, observando critérios de risco, vulnerabilidade, resiliência e o imperativo ético de que toda demanda, necessidade de saúde ou sofrimento devem ser acolhidos (BRASIL, 2012a, p. 19). A Atenção Básica enquanto uma estratégia de organização do modelo assistencial tem como fundamentos e diretrizes: • território adstrito, de forma a intervir sobre os determinantes de saúde com equidade; • acesso universal e contínuo a serviços de saúde de qualidade e resolutivos, caracterizados como a porta de entrada aberta e preferencial da rede de atenção (RA); 33 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO As RAS constituem-se em arranjos organizativos formados por ações e serviços de saúde com diferentes configurações tecnológicas e missões assistenciais, articulados de forma complementar e com base territorial, e têm diversos atributos, entre eles, destaca-se a atenção básica estruturada como primeiro ponto de atenção e principal porta de entrada do sistema, constituída de equipe multidisciplinar que cobre toda a população, integrando, coordenando o cuidado e atendendo às suas necessidades de saúde (BRASIL, 2012a, p. 25). • adscrever os usuários e desenvolver relações de vínculo e responsabilização entre as equipes e a população adscrita, garantindo a continuidade das ações de saúde e a longitudinalidade do cuidado; • coordenar a integralidade em seus vários aspectos integrando as ações programáticas e a demanda espontânea; articulando ações de promoção à saúde, prevenção de agravos, vigilância à saúde, tratamento e reabilitação, por meio de ações intersetoriais e da interdisciplinaridade da equipe de saúde; • participação e autonomia dos usuários na construção do cuidado a sua saúde e das pessoas e coletividades do território. De acordo com as Portarias n.º 648 de 2006 (BRASIL, 2006c) e n.º 2.488 de 2011 (BRASIL, 2011a), o Ministério da Saúde estabeleceu que as Equipes de Saúde da Família devem: • planejar ações que produzam impacto sobre as condições de saúde da população em sua área de abrangência, orientadas por um diagnóstico participativo, capaz de identificar a realidade local e o potencial da comunidade na resolução dos problemas de saúde; • conceber saúde como um processo de responsabilidade compartilhada entre vários setores institucionais e a participação social, o que implica buscar parceria intersetorial e conscientização dos indivíduos como sujeitos no processo de vigilância à saúde; • pautar suas ações entendendo a família como espaço social e respeitando suas potencialidades e limites socioeconômicos e culturais, e buscar, nesse contexto, estratégias que otimizem as abordagens médicas e terapêuticas tradicionais. Assim, são atribuições comuns a todos os profissionais que compõem as equipes de saúde da família: • participar do processo de territorialização e mapeamento da área de atuação da equipe, identificando grupos, famílias e indivíduos expostos a riscos e vulnerabilidades; • manter atualizado o cadastramento das famílias e dos indivíduos no sistema de informação e utilizar, de forma sistemática, os dados para a análise da situação de saúde da população, priorizando as situações a serem acompanhadas no planejamento local; 34 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I • realizar o cuidado da saúde da população adscrita, prioritariamente no âmbito da unidade de saúde, e quando necessário no domicílio e nos demais espaços comunitários (escolas, associações, entre outros); • realizar ações de atenção à saúde conforme a necessidade de saúde da população local, bem como as previstas nas prioridades e protocolos da gestão local; • garantir a atenção à saúde buscando a integralidade por meio da realização de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde e prevenção de agravos; e da garantia de atendimento da demanda espontânea, da realização das ações programáticas, coletivas e de vigilância à saúde; • participar do acolhimento dos usuários realizando a escuta qualificada das necessidades de saúde, procedendo a primeira avaliação (classificação de risco, avaliação de vulnerabilidade, de informações e sinais clínicos) e identificaçãodas necessidades de intervenções de cuidado, proporcionando atendimento humanizado, responsabilizando-se pela continuidade da atenção e viabilizando o estabelecimento do vínculo; • realizar busca ativa e notificar doenças e agravos de notificação compulsória e de outros agravos e situações de importância local; • responsabilizar-se pela população adscrita, mantendo a coordenação do cuidado mesmo quando essa necessita de atenção em outros pontos de atenção do sistema de saúde; • praticar cuidado familiar e dirigido a coletividades e grupos sociais, visando propor intervenções que influenciem os processos de saúde-doença dos indivíduos, das famílias, das coletividades e da própria comunidade; • realizar reuniões de equipes a fim de discutir em conjunto o planejamento e a avaliação das ações da equipe, com base na utilização dos dados disponíveis; • acompanhar e avaliar sistematicamente as ações implementadas, visando à readequação do processo de trabalho; • garantir a qualidade do registro das atividades nos sistemas de informação na Atenção Básica; • realizar trabalho interdisciplinar e em equipe, integrando áreas técnicas e profissionais de diferentes formações; 35 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO • realizar ações de educação em saúde à população adstrita, conforme planejamento da equipe; • participar das atividades de educação permanente; • promover a mobilização e a participação da comunidade, buscando efetivar o controle social; • identificar parceiros e recursos na comunidade que possam potencializar ações intersetoriais; • realizar outras ações e atividades a serem definidas de acordo com as prioridades locais (BRASIL, 2012a, p. 43). Como atribuições específicas do enfermeiro, destacam-se: • realizar atenção à saúde aos indivíduos e às famílias cadastradas nas equipes e, quando indicado ou necessário, no domicílio e/ou nos demais espaços comunitários (escolas, associações etc.), em todas as fases do desenvolvimento humano: infância, adolescência, idade adulta e terceira idade; • realizar consulta de enfermagem, procedimentos, atividades em grupo e conforme protocolos ou outras normativas técnicas estabelecidas pelo gestor federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal, observadas as disposições legais da profissão, solicitar exames complementares, prescrever medicações e encaminhar, quando necessário, usuários a outros serviços; • realizar atividades programadas e de atenção à demanda espontânea; • planejar, gerenciar e avaliar as ações desenvolvidas pelos ACS em conjunto com os outros membros da equipe; • contribuir, participar e realizar atividades de educação permanente da equipe de enfermagem e outros membros da equipe e participar do gerenciamento dos insumos necessários para o adequado funcionamento da UBS (BRASIL, 2012a, p. 46). Para o adequado funcionamento da Estratégia Saúde da Família, são apontados alguns requisitos necessários: • a existência de equipe multiprofissional (equipe saúde da família) composta de, no mínimo, médico generalista ou especialista em saúde da família ou médico de família e comunidade, enfermeiro generalista ou especialista em saúde da família, auxiliar ou técnico de enfermagem 36 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I e agentes comunitários de saúde, podendo acrescentar a esta composição, como parte da equipe multiprofissional, os profissionais de saúde bucal: cirurgião dentista generalista ou especialista em saúde da família, auxiliar e/ou técnico em Saúde Bucal; • cobertura de ACS de 100% da população cadastrada, com um máximo de 750 pessoas por ACS e de 12 ACS por equipe de Saúde da Família, não ultrapassando o limite máximo recomendado de pessoas por equipe; • número de pessoas por equipe: cada equipe de saúde da família deve ser responsável por, no máximo, 4.000 pessoas, sendo a média recomendada de 3.000 pessoas, respeitando critérios de equidade para esta definição. Recomenda-se que o número de pessoas por equipe considere o grau de vulnerabilidade das famílias daquele território, sendo que quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deverá ser a quantidade de pessoas por equipe; • cadastramento em única equipe: cadastramento de cada profissional de saúde em apenas 01 (uma) ESF, exceção feita somente ao profissional médico que poderá atuar em no máximo 02 (duas) ESF e com carga horária total de 40 (quarenta) horas semanais; • carga horária de 40 (quarenta) horas semanais para todos os profissionais de saúde membros da equipe de saúde da família, à exceção dos profissionais médicos, cuja jornada é descrita no próximo inciso. A jornada de 40 (quarenta) horas deve observar a necessidade de dedicação mínima de 32 (trinta e duas) horas da carga horária para atividades na equipe de saúde da família podendo, conforme decisão e prévia autorização do gestor, dedicar até 08 (oito) horas do total da carga horária para prestação de serviços na rede de urgência do município ou para atividades de especialização em saúde da família, residência multiprofissional e/ou de medicina de família e de comunidade, bem como atividades de educação permanente e apoio matricial (BRASIL, 2012a, p. 55). 3.3 Núcleos de Apoio à Saúde da Família Os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) integram a Atenção Básica em Saúde com o intuito de ampliar e qualificar as ações da Atenção Básica em Saúde. Os profissionais especialistas que compõem os NASF atuam de forma integrada às equipes da ESF no cuidado e na atenção a indivíduos, famílias e comunidades dos territórios adscritos. No entanto, não estabelecem demandas de atendimento individuais com livre acesso em unidades físicas independentes. Todas as atividades das equipes dos NASF são realizadas nas unidades básicas de saúde, no domicílio ou nos espaços comunitários, de acordo com planejamento e priorização compartilhada com as respectivas equipes de ESF sob responsabilidade do NASF. 37 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO Devem, a partir das demandas identificadas no trabalho conjunto com as equipes e/ou Academia da Saúde, atuar de forma integrada à Rede de Atenção à Saúde e seus serviços (CAPs, Cerest, Ambulatórios Especializados etc.), além de outras redes como Suas, redes sociais e comunitárias (BRASIL, 2012a, p. 69) A composição dos NASF será definida pelos gestores municipais e poderão integrá-los os seguintes profissionais: médico acupunturista; assistente social; profissional/professor de educação física; farmacêutico; fisioterapeuta; fonoaudiólogo; médico ginecologista/obstetra; médico homeopata; nutricionista; médico pediatra; psicólogo; médico psiquiatra; terapeuta ocupacional; médico geriatra; médico internista (clínica médica); médico do trabalho; médico veterinário; profissional com formação em arte e educação (arte educador); e profissional de saúde sanitarista, ou seja, profissional graduado na área de saúde com pós-graduação em saúde pública ou coletiva ou graduado diretamente em uma dessas áreas (BRASIL, 2012a). Lembrete Os modelos de atenção à saúde refletem diferentes concepções sobre saúde, assim como a forma de atender as necessidades da população ou simplesmente de tratar as doenças. 4 OS PERFIS DE REPRODUÇÃO SOCIAL E OS PERFIS DE SAÚDE-DOENÇA Desde o princípio da história da humanidade, a saúde e a doença estavam relacionadas a diferentes formas de os povos e as civilizações compreenderem e manejarem a realidade e os fenômenos que os rodeavam. Lutando por sua sobrevivência, os homens primitivos buscavam alimentos e precisavam se defender contra ameaças do meio e agressores. Eram nômades, viviam em agrupamentos ou tribos e, sucintamente, pode-se dizer que entendiam a doença como algo vinculado à vontadedos deuses. Sabe-se hoje que os problemas de saúde e as doenças estavam relacionados, basicamente, com a forma como as pessoas viviam nessas pequenas comunidades: por exemplo, a forma de obtenção de água, a comida, a busca pela melhoria do meio ambiente físico e as técnicas utilizadas para o alívio do sofrimento, da incapacidade e do desamparo. Assim, a história da medicina e da saúde pública se constituiu com base nas diferentes formas que as civilizações encontraram para solucionar tais problemas. 4.1 Estrutura social e o processo saúde-doença Muitas crenças e práticas religiosas associavam a limpeza com a religiosidade. Por exemplo, em 3000 a.C., a civilização Harappa, que vivia às margens do rio Ravi, já possuía casas com tijolos e salas de banho; as ruas eram largas, pavimentadas e drenadas por esgotos cobertos (DIMITROV, 2000). Contudo tais cuidados não foram suficientes para impedir a proliferação de doenças e, por um longo período, as epidemias foram consideradas uma repreensão divina em consequência da perversidade humana. 38 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I Entretanto, para alguns persistia a ideia de que as doenças poderiam advir do clima e do ambiente. Na Grécia, por exemplo, entre os séculos V e IV a.C., já se identificavam as primeiras tentativas de teoria científica sobre as causas das doenças (DIMITROV, 2000). A primeira descrição de doença transmissível foi feita por Hipócrates (460-370 a.C.). Ele foi o autor do livro Ares, Águas e Lugares, em que trata da relação causal entre fatores do meio físico e doença; nessa obra ainda estão as primeiras concepções sobre os conceitos de doenças endêmicas e epidêmicas (DIMITROV, 2000). Hipócrates relacionou fatores essenciais para a endemicidade local, tais como clima, solo, água, modo de vida e nutrição, mas se destacou pela descrição da relação entre os humores do corpo e as doenças: os quatro elementos chineses que compõem a natureza (água, terra, fogo e ar), segundo sua concepção, estavam associados, respectivamente, à glândula pituitária (fleuma), ao estômago (bile negra), ao fígado (bile amarela) e ao coração (sangue). Veja o quadro. Quadro 2 – Associação entre cada um dos humores, elementos e órgãos, segundo a medicina hipocrática Humores Elementos Órgãos Bile amarela Fogo Fígado Bile negra Terra Baço Flegma Água Cérebro Sangue Ar Coração Fonte: Castro e Landeira-Fernandez (2011, p. 803). Na Roma antiga os engenheiros, administradores e construtores de sistemas de esgotos e banhos, de abastecimento de água, de instalações sanitárias, entre outras, deixaram um importante legado para o mundo e para a história da humanidade em termos de medidas de saneamento básico (DIMITROV, 2000). Por outro lado, foi nesse período que se instituiu o ideário dicotômico de “medicina para ricos” e “medicina para pobres”. Nessa época, a prática da medicina geralmente ficava a cargo dos sacerdotes, que assistiam os nobres da sociedade. No entanto, a um outro tipo de medicina era praticada por escravos e homens livres, a chamada medicina popular, associada aos pobres. É no Egito que surgem os primeiros médicos especialistas: oculistas, dentistas, cirurgiões e os que tratavam doenças do estômago. Aqui, fatores naturais já são interpretados como causas das doenças, mas ainda existe uma forte ênfase na superstição. Nesse contexto, a civilização egípcia contribuiu com o seu mais importante legado: a primeira farmacopeia da humanidade (DIMITROV, 2000). Já na Idade Média, após a desintegração do mundo greco-romano e com as invasões bárbaras, ocorre o declínio da cultura urbana e da prática da saúde pública, amplamente desenvolvidas pelas civilizações anteriores. Muito se perde ao longo do tempo e o que resta como acervo fica preservado em 39 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO Constantinopla, a sede da cultura médica da Europa. O Império Bizantino conservou muito da tradição e da cultura de Roma, que foram difundidas para árabes e povos do Oeste (DIMITROV, 2000). Entretanto, o Ocidente ficou condenado à Idade das Trevas (500-1000 d.C.). Nesse período, a doença passou a ser enfrentada com paganismo e com a religião cristã, e o adoecimento foi atribuído a uma forma de punição por pecado, por possessão de demônio ou, ainda, feitiçaria. As técnicas terapêuticas resumiam-se a orações e invocações de santos, e o fortalecimento do corpo físico tinha por propósito a resistência às investidas do demônio. No início da Idade Média os médicos eram, em geral, clérigos que se dedicavam à caridade; somente a partir do século XI os leigos começaram a entrar na profissão. Mais uma vez, estabelece-se a separação entre “medicina para pobres” e “medicina para ricos”. Verifica-se, também, a dicotomia entre médicos e cirurgiões, com estes últimos situados num nível inferior na escala social. Por se considerar que as doenças têm origens externas e, portanto, exigem isolamento e reclusão de enfermos, surgem os primeiros hospitais urbanos no Oriente do século IX. Em 1283, no Cairo, foi implantado um hospital com diretor, corpo médico e enfermeiros. Por outro lado, no Ocidente, os hospitais tiveram origem com a Igreja e suas ordens monásticas. Os monges que tratavam seus companheiros serviam de exemplo para os leigos, desenvolvendo um tipo de enfermagem (DIMITROV, 2000). A partir do século XIII, a municipalidade começou a assumir sua responsabilidade pelos hospitais e, no final do século XV, já se formava uma rede de hospitais na Europa (Inglaterra, Paris, Florença etc.). No entanto, o avanço da clínica e dos conceitos da causalidade das doenças começa a ser verificado apenas na Idade Moderna. O Renascimento contribui enormemente para os avanços da saúde pública por meio do salto qualitativo da ciência e da efervescência cultural que esse movimento suscitou à época. Entre as novas ideias correntes, algumas se destacavam: o universo deixa de ser aceito como obra do sobrenatural; o espírito crítico do homem torna-se mais aguçado; a ciência experimental e a observação contribuem com explicações racionais para os fenômenos da natureza; e verdades racionais deveriam ser sempre comprovadas na prática (empirismo). Destacam-se na medicina os seguintes estudiosos (DIMITROV, 2000): • Miguel Servet (1511-1553) e William Harvey (1578-1657): responsáveis pelo estudo do mecanismo da circulação sanguínea. • André Vesálio (1514-1590): fundador da anatomia moderna. • Ambroise Paré (1509-1564): nome fundador da cirurgia, usou bálsamo no tratamento de feridas por arma de fogo (no lugar de óleo fervente) e promoveu ligaduras dos vasos sanguíneos nas amputações; acreditava em seres ocultos na falta de melhor interpretação de suas indagações. 40 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I A Teoria Miasmática é adotada para explicar o contágio de doenças e perdura até a primeira metade do século XIX, quando é substituída pela Bacteriologia. Observação Segundo a Teoria Miasmática, condições sanitárias ruins criavam um estado atmosférico local, infectando o meio e, consequentemente, levando a doenças infecciosas e a surtos epidêmicos. Com base em estudos sobre o funcionamento do corpo e alterações anatômicas sofridas durante a doença, os cientistas passam a compreender melhor os sinais e sintomas das doenças, relacionando-as e agrupando-as segundo características comuns (DIMITROV, 2000). O final da Idade Moderna é marcado por movimentos revolucionários: há a Revolução Francesa (1789) e a Revolução Industrial, na Inglaterra (1760-1850). No contexto da economia política, surgem doutrinas para justificar e regular a ordem que se estabelecia, destacando-se o materialismo histórico e a teoria da mais-valia, de Marx e Engels. Observação Na Idade Contemporânea amplia-sea concepção sobre o processo saúde e doença com base na multicausalidade e, posteriormente, na determinação social. A medicina social ressurge por meio dos revolucionários ligados aos movimentos políticos do final do século XVIII e início do século XIX. Fatores externos como causas da doença passam a ser minimizados e cedem espaço para o contexto social, para as condições de vida e de trabalho (saúde e higiene do trabalho e medicina ocupacional). Nesse período, surgiram serviços públicos de saúde, melhores condições para a classe trabalhadora, com melhorias nas condições salariais/ econômicas, habitações melhores, projetos de saneamento e urbanização, empoderamento das classes populares, ampliação da democracia; questões que significam promoção da saúde e prevenção de doenças, bem como a ampliação da qualidade de vida (VERDI; DA ROS; CUTOLO, 2010, p.15). Rudolf Ludwig Karl Virchow (1821-1902), médico alemão, antropólogo e político liberal, explicou a ocorrência da epidemia de tifo na Alemanha com base em causas sociais e políticas, sem conhecer as bactérias e os antibióticos. Foi reconhecido como o pai da patologia moderna (VERDI; DA ROS; CUTOLO, 2010). Ao final do século XIX, a epidemiologia se consagra como ciência, unindo o saber clínico, o método numérico e o engajamento social. 41 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO Observação O processo saúde-doença é definido por uma concepção biomédica e também segundo o modelo de determinação social da doença (ou seja, esses são dois modelos conceituais em saúde). A formulação unicausal das doenças perdurou até o início do século XX, quando foi adotado o modelo de multicausalidade. Esse, em meados do século XX, é substituído pelo modelo ecológico de Leavell e Clark, o qual, por sua vez, dá lugar à determinação social da doença (ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999). Quadro 3 – Síntese da evolução do conceito de saúde-doença Antiguidade A doença era atribuída a causas externas cuja explicação se baseava em fatores sobrenaturais. A cura era mediada pela fé e pela religiosidade praticada pelos sacerdotes. Grécia Antiga Teoria Hipocrática dos humores do corpo associados aos quatro elementos (ar, água, terra e fogo), atribuindo as causas das doenças a fatores ambientais. Idade Média Sob forte influência do cristianismo, a doença toma sentido místico religioso (castigo), e a cura é buscada por meio de poderes miraculosos (relíquias, amuletos, água benta e exorcismo). Renascimento Teoria Miasmática que associava a ocorrência de doenças às partículas invisíveis, os miasmas. Posteriormente surge a Teoria Social da Medicina, explicando algumas doenças em função das condições de vida e de trabalho. Século XIX A Bacteriologia revoluciona as descobertas e muda o conceito de doença com base nas descobertas de Louis Pasteur e Robert Koch. Teoria da Unicausalidade: para cada doença um agente causador. Século XX A Teoria da Multicausalidade advém da insuficiência da teoria unicausal da doença, propondo a formulação de explicações multicausais. No entanto, pode-se reconhecer seu caráter biologicista e a-histórico, numa concepção reducionista do social. Fonte: Verdi, Da Ross e Cutolo (2010, p. 17). Lembrete Os modelos de atenção à saúde refletem diferentes concepções sobre saúde, assim como a forma de atender as necessidades da população ou simplesmente a maneira de tratar as doenças. 4.2 Relatório Flexner e o modelo biomédico Abraham Flexner foi inicialmente graduado em Artes e Humanidades pela Universidade Johns Hopkins em 1886. Após a graduação, iniciou carreira como professor e fundou em 1890 seu próprio colégio. Matriculou-se na Escola de Graduados de Harvard, concluindo seus estudos de pós-graduação em 1906 e, a partir de então, dedicou-se ao estudo sobre educação médica nos Estados Unidos e no Canadá, visitando inúmeras escolas de medicina. Com base nas visitas e análises realizadas, publicou, em 1910, o famoso Relatório Flexner (PAGLIOSA; DA ROS, 2008). 42 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I Um processo de avaliação realizado por um único especialista, por meio de “uma volta pelos laboratórios” “em umas poucas horas” e sem a utilização de qualquer instrumento de coleta de dados padronizado e validado, é definido, de forma jocosa, pelos pesquisadores que trabalham com avaliação de programas como um mero “passeio de mãos nos bolsos” pelo local avaliado. Pois foi esta avaliação que se transformou no principal, e praticamente único, instrumento para a acreditação das escolas médicas nos Estados Unidos e Canadá, com implicações diretas em todo o mundo ocidental durante a primeira metade do século XX (PAGLIOSA; DA ROS, 2008, p. 494). Flexner propõe a instalação de uma nova ordem para a reconstrução do modelo de ensino médico, o qual recomenda que seja realizado fundamentalmente no hospital, local privilegiado para estudar as doenças. Para ele, os estudos devem ser focados na doença de forma individual e concreta, como um processo natural e biológico. Suas afirmações são notadamente positivistas, especialmente quando considera que o social, o coletivo, o público e a comunidade não são relevantes para o ensino médico e não são considerados implicados no processo de saúde-doença (PAGLIOSA; DA ROS, 2008). Os hospitais se transformam na principal instituição de transmissão do conhecimento médico e de enfermagem durante todo o século XX; estabelece-se o modelo hospitalocêntrico. Às faculdades resta o ensino de laboratório nas áreas básicas (anatomia, fisiologia e patologia) e a parte teórica das especialidades. As críticas ao modelo ainda hegemônico da educação médica, o modelo proposto por Flexner há quase cem anos, estão finalmente sendo seriamente consideradas. Independentemente dos interesses e motivações envolvidos, abre-se a oportunidade de considerar novas e antigas questões relacionadas à educação médica, mas que envolvem fundamentalmente questões muito mais amplas, como as concepções de saúde-doença, os modelos de atenção em saúde e as políticas públicas para o setor, entre outras. A participação de amplos setores neste processo – profissionais, estudantes, instituições representativas da categoria, instâncias reguladoras e o controle social – pode garantir que as transformações, de fato, contribuam para a formação de médicos que desempenhem suas atividades profissionais considerando as multidimensões das pessoas que necessitam de cuidados de saúde e desenvolvam suas ações abordando toda a amplitude do processo da saúde e da doença e seus determinantes (PAGLIOSA; DA ROS, 2008, p. 498). Observação O modelo flexneriano influenciou a organização do sistema de saúde no Brasil e no mundo. Atualmente, o modelo biomédico assume as propostas de Flexner na formação e na atenção à saúde. 43 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO Quadro 4 – Características do modelo flexneriano Positivismo Tem a verdade científica. Fragmentação/ especialização Ensino com ênfase na anatomia, estudando segmentos do humano, dando origem às múltiplas especialidades médicas. Mecanicismo Considera o corpo humano como uma máquina. Biologicismo As doenças são causadas sempre por um agente causal (biológico, físico ou químico). Tecnificação Centraliza os processos de diagnóstico e cura nos procedimentos e equipamentos tecnológicos. Individualismo Focaliza no indivíduo, negando os grupos sociais e a comunidade. Curativismo Dá ênfase à cura das doenças, em detrimento da promoção da saúde e da prevenção das doenças. Hospitalocêntrico O melhor ambiente para tratar as doenças é o hospital, porque tem todos os exames acessíveis e nele a administração dos medicamentos se dá nas horas certas. Fonte: Verdi, Da Ros e Cutolo (2010,p.18). Concluindo, o modelo biomédico centraliza a atenção em saúde no profissional médico, na doença, no tratamento e na cura, destinando um papel secundário aos demais profissionais de saúde, às ações de promoção e prevenção de caráter coletivo e comunitário. Desconsidera ainda o papel das ciências humanas no contexto da saúde, assim como as práticas da homeopatia e acupuntura, caracterizadas como não científicas. Esse modelo, por meio de uma posição autoritária e unidisciplinar, mantém relação intrínseca com os interesses lucrativos do complexo médico-industrial na medida em que intensifica o uso de recursos de apoio diagnósticos e terapêutico, como exames, medicamentos, procedimentos altamente especializados e internações hospitalares, movimentando, assim, capital empresarial e industrial (VERDI; DA ROS; CUTOLO, 2010). Observação Esse modelo nega a saúde pública e, portanto, não corresponde aos princípios e diretrizes do SUS. Pergunta-se, então, de que maneira é possível atender as necessidades de saúde da população, se não for por meio desses importantes recursos tecnológicos e terapêuticos? Não se trata de negar a importância do desenvolvimento tecnológico e científico no campo da saúde. Tais recursos são de grande valia para o tratamento, a cura e a reabilitação de doenças, conferindo maior sobrevida e qualidade de vida para as pessoas enfermas. Os indicadores de saúde refletem grandes avanços nesse sentido, particularmente no que se refere ao aumento da expectativa de vida. 44 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I No entanto, é preciso compreender o processo saúde-doença de uma outra forma, mais ampla e mais dinâmica. Lembrete O processo saúde-doença é, então, definido por uma concepção biomédica e também, segundo o modelo de determinação social da doença, ou seja, estes são dois modelos conceituais em saúde. Virchow foi o precursor da medicina social. Ele “afirmava que as pessoas adoecem e morrem em função do jeito que vivem. E este jeito de viver é determinado social-cultural e economicamente (caracterizando o contexto de aparecimento da doença)” (VERDI; DA ROS; CUTOLO, 2010, p. 19). Os pressupostos da medicina social acabam sendo suplantados pelas descobertas dos bacteriologistas Robert Koch e Louis Pasteur, no final do século XIX, quando esses cientistas estabelecem noções básicas sobre microbiologia que explicariam novos conceitos envolvendo o processo saúde-doença, isso tudo com base na bacteriologia. É quando ascende a Teoria da Unicausalidade e se estabelece um amplo debate no campo da prática e da educação em saúde pública com relação aos enfoques biológico e social do processo saúde-doença. Apesar da preponderância do enfoque médico biológico na conformação inicial da saúde pública como campo científico, em detrimento dos enfoques sociopolíticos e ambientais, observa-se, ao longo do século XX, uma permanente tensão entre essas diversas abordagens. A própria história da OMS oferece interessantes exemplos dessa tensão, observando-se períodos de forte preponderância de enfoques mais centrados em aspectos biológicos, individuais e tecnológicos, intercalados com outros em que se destacam fatores sociais e ambientais. A definição de saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não meramente a ausência de doença ou enfermidade, inserida na Constituição da OMS no momento de sua fundação, em 1948, é uma clara expressão de uma concepção bastante ampla da saúde, para além de um enfoque centrado na doença (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007, p. 80). 4.3 Multicausalidade da doença Após a Segunda Guerra Mundial, as explicações unicausais começam a enfraquecer diante da transição epidemiológica, caracterizada pelo aumento da incidência, prevalência e mortalidade por doenças crônico-degenerativas. Embora as doenças infectoparasitárias sejam importantes do ponto de vista da saúde pública, o modelo unicausal passa a criar lacunas explicativas sobre os fatores associados às doenças e agravos, a exemplo da tuberculose. Nesse caso, considerando-se a história natural da doença, a exposição ao agente etiológico – mycobaterium tuberculosis, é insuficiente para o estabelecimento da doença, que cada vez mais se mostra associada ao estilo de vida, a fatores ambientais, entre outros. 45 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO Leavell e Clarck, em 1976, sistematizaram os conceitos de promoção, prevenção, cura e reabilitação dentro de um modelo explicativo do processo saúde-doença denominado história natural da doença e apresentaram a aplicação de medidas preventivas (ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999). Interação de agentes da doença, fatores ambientais e hospedeiro humano Estímulo-doença Patogenia precoce Patologia precoce Interação entre reações do hospedeiro e o estímulo doença Fase subclínica Período pré-patogênico Período patogênico Patologia avançada Horizonte clínico (sinais e sintomas) Cura sem manifestações clínicas Cura com defeito Cura completa Sinais Estado crônico Defeito Morte Graus variáveis de incapacitação Estímulo-doença estabelecido pode: 1 – Ser eliminado ou destruído 2 – Permanecer sem aumento 3 – Aumentar por multiplicação ou por agravamento de carência Figura 4 - Representação esquemática da história natural da doença Assim, a explicação de doenças associadas a múltiplos fatores de risco favoreceu o desenvolvimento dos modelos multicausais. Proposto por Leavell e Clark (1976), esse modelo considera a interação, o relacionamento e o condicionamento de três elementos fundamentais da chamada “tríade ecológica”: o ambiente, o agente e o hospedeiro. A doença seria resultante de um desequilíbrio no autorregulações existente no sistema (BRASIL, 2014, p. 28). A análise dos diferentes fatores relacionados a uma determinada doença, segundo o modelo multicausal, requer a utilização da estatística nos métodos de investigação, assim como nas características do meio ambiente (o domicílio e a comunidade). Em razão da relevância de tais fatores na prevenção de doenças, o modelo multicausal possibilita a intervenção sobre a evolução da doença, propondo controle sobre o ciclo evolutivo da doença, mesmo antes das manifestações clínicas (pré-patogênese) (FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, 2017). 46 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I Na prevenção primária, ao sujeito que não apresenta doenças ou sofrimento, são feitas intervenções de promoção da saúde ou de proteção, como as imunizações. Na prevenção secundária, o sujeito também não apresenta sintomas, e faz-se uma intervenção à procura de doença (rastreamentos). E, na prevenção terciária, o sujeito encontra-se doente e a intervenção é para prevenir complicações (por exemplo: o exame sistemático dos pés em pessoas com diabetes) (BRASIL, 2014, p. 28). Quadro 5 - Fases e níveis de prevenção na história natural da doença PERÍODO PRÉ-PATOGÊNICO PERÍODO PATOGÊNICO Patogenia precoce Patologia precoce Patologia avançada Defeito Educação geral em saúde. Bons padrões de nutrição ajustados às diferentes fases da vida. Habitação e vestuário adequados. Condições satisfatórias de trabalho e recreação. Atenção para o desenvolvimento da personalidade. Educação sexual e aconselhamento. Aconselhamento genético. Imunizações específicas. Profilaxia medicamentosa. Saneamento ambiental. Proteção contra riscos ocupacionais. Proteção contra acidentes. Nutrientes específicos. Proteção contra carcinógenos. Não exposição a alérgicos, substâncias tóxicas ou venenosas. Meios de proteção individual: botas, telagem, repelentes etc. Exames médicos periódicos, gerais ou dirigidos. Busca e exame de comunicantes. Levantamentos ocasionais. Tratamentoadequado. Métodos educativos relativos à importância do diagnóstico precoce e aos meios para torná-lo possível. Tratamento adequado. Busca de casos. Provisão de recursos hospitalares e comunitários para aprimoramento e educação, visando ao máximo aproveitamento da capacidade remanescente. Educação do público e dos empregadores para inclusão dos reabilitados. Ocupação seletiva. Laborterapia. Instituições para manutenção e tratamento de doentes crônicos. Campanhas contra o preconceito. 1° Nível Promoção da Saúde 2° Nível Proteção Específica 3° Nível Diagnóstico e Tratamento Precoces 4° Nível Limitação da Incapacidade 5° Nível Reabilitação Fase de prevenção primária Fase de prevenção secundária Fase de prevenção terciária Adaptado de: Rouquayrol e Almeida Filho (1999). Segundo alguns especialistas, o modelo multicausal avançou no conhecimento dos fatores condicionantes da saúde e da doença, mas, ao tratar todos os elementos da mesma forma (ou seja, naturalizar as relações entre o ambiente, o hospedeiro e o agente), desconsiderou a importância 47 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO de fatores sociais, históricos e culturais e o impacto destes na ocorrência das doenças (FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, 2017). Observação A Conferência de Alma-Ata, no final dos anos 1970, e as atividades inspiradas no lema “Saúde para todos no ano 2000” recolocam em destaque o tema dos determinantes sociais. 4.4 Determinação social da saúde Mas é com o debate sobre as Metas do Milênio, em 2005, que os determinantes sociais se afirmam e, então, é criada a Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde (DSS) da organização Mundial da Saúde (OMS). Nas últimas décadas, houve um avanço significativo nos estudos das relações entre a maneira como se organiza e se desenvolve uma determinada sociedade e a situação de saúde de sua população (ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 1999). Com base nos DSS, são analisadas as iniquidades em saúde socialmente injustas e desnecessárias e, para sua superação, são propostas intervenções sobre grupos populacionais vulneráveis. Os DSS consideram o meio ambiente no qual a pessoa vive e trabalha, além de fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais associados aos problemas de saúde e fatores de risco, tais como moradia, alimentação, escolaridade, renda e emprego. [...] o adoecimento e a vida saudável não dependem unicamente de aspectos físicos ou genéticos, mas são influenciados pelas relações sociais e econômicas que engendram formas de acesso à alimentação, à educação, ao trabalho, renda, lazer, e ambiente adequado, entre outros aspectos fundamentais para a saúde e a qualidade de vida (CARVALHO; BUSS, 2008, p. 151). Partindo-se do referencial de que a saúde está condicionada a fatores individuais e é socialmente determinada pelo estilo de vida, pelo suporte social e comunitário, pelas condições de vida e de trabalho, além de fatores socioeconômicos, culturais e ambientais, o cuidado em saúde resultaria de intervenções no sentido de minimizar os diferenciais de DSS originados pela posição social dos indivíduos e grupos. Diversos modelos procuraram esquematizar a trama de relações entre os fatores geradores das iniquidades e os impactos provocados sobre a saúde e a qualidade de vida dos indivíduos. Um dos principais é o modelo de Dahlgren e Whitehead (CARVALHO; BUSS, 2008). Os DSS estão organizados por níveis de abrangência em distintas camadas: a mais próxima referindo-se aos aspectos individuais e a mais distante aos macrodeterminantes. 48 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I Co nd içõ es s ocio econô micas, culturais e ambientais gerais Es tilo de v ida dos indivíduos Re des socia is e comunitárias Produção agrícola e de alimentos Educação Ambiente de trabalho Desemprego Habitação Água e esgoto Serviços sociais de saúde Condições de vida e de trabalho Idade, sexo e fatores hereditários Figura 5 – Determinantes sociais: modelo de Dahlgren e Whitehead, 1991 A produção da saúde aconteceria pela organização de um contínuo de ações capazes de transformar positivamente os elementos que constroem os nossos modos de viver, desde um nível de governabilidade mais próximo ao sujeito até aquele mais distante, que corresponde às políticas macroeconômicas, culturais e ambientais estruturantes da sociedade. Os determinantes distais são as condições socioeconômicas, culturais e ambientais em que as pessoas, suas famílias e as redes sociais estão inseridas, são o desenvolvimento e a riqueza de um país, uma região ou um município, e a forma como essa riqueza é distribuída, resultando em distintas condições de vida de uma dada população. Os determinantes intermediários são representados pelas condições de vida e de trabalho, o acesso à alimentação, à educação, à produção cultural, ao emprego, à habitação, ao saneamento e aos serviços de saúde (e a forma como se organizam). E os determinantes proximais são aqueles relacionados às características dos indivíduos, que exercem influência sobre seu potencial, sua condição de saúde (idade, sexo, herança genética) e suas relações, formais e informais, de confiança, de cooperação, de apoio nas famílias, na vizinhança e nas redes de apoio, onde acontecem as decisões dos comportamentos e estilos de vida, determinados socialmente pela interação de todos os níveis aqui apresentados (BRASIL, 2014, p. 28). 49 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO Co nd içõ es s ocio econô micas, culturais e ambientais gerais Es tilo de v ida dos indivíduos Re des socia is e comunitárias Produção agrícola e de alimentos Educação Ambiente de trabalho Desemprego Habitação Água e esgoto Serviços sociais de saúde Condições de vida e de trabalho Idade, sexo e fatores hereditários Intersetorialidade Participação Social Distais Intermediários Proximais Intervenções sobre os DSS baseadas em evidências e promotoras da equidade em saúde Figura 6 – Determinantes sociais: modelo adaptado de Dahlgren e Whitehead Portanto, pode-se afirmar que nos dias atuais o processo saúde-doença fundamenta-se na análise e compreensão dos DSS. O processo de trabalho na Estratégia de Saúde da Família fundamenta-se na análise, compreensão e intervenção sobre os DSS. Dessa forma, o modelo de atenção vigente é o modelo de Vigilância da Saúde, que tem por sujeitos da atenção os cidadãos, de acordo com o seu meio e estilo de vida, buscando atuar sobre os danos, riscos, necessidades e determinantes dos modos de vida e de saúde (condições de vida e de trabalho). Nesse modelo são utilizadas tecnologias de comunicação social, de planejamento, programação local, situacional, além de tecnologias assistenciais da atenção primária em saúde. São priorizadas as políticas públicas saudáveis, ações intersetoriais para a promoção, prevenção e recuperação da saúde, tanto no campo individual como coletivo. Saiba mais Para conhecer mais sobre o tema dos determinantes sociais de saúde, acesse o portal Determinantes Sociais da Saúde: <http://dssbr.org/site/>. A Portaria n.º 3.252/GM/MS, de 22 de dezembro de 2009, estabelece as diretrizes de execução da Vigilância em Saúde no SUS, definindo como seu objetivo: [...] a análise permanente da situação de saúde da população, articulando-se num conjunto de ações que se destinam a controlar determinantes, riscos e danos à saúde de populações que vivem em determinados territórios, garantindo a integralidade da atenção, o que inclui tanto a abordagem individual como coletiva dos problemas de saúde (BRASIL, 2009c). 50 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 2017 Unidade I Resumo As ações de saúde e os atendimentos realizados no cotidiano dos serviços de saúde seguem diretrizes de organização que são determinadas por uma importante política de saúde, o SUS. O SUS está fundamentado nos princípios da universalidade, integralidade, equidade, descentralização e comando único, regionalização e hierarquização, além do controle social das ações, programas e serviços de atendimento. Esse sistema foi implementado em 1990, por meio das Leis n.º 8.080 e 8.142, que resultaram de um intenso movimento sanitário de caráter político e social, denominado Reforma Sanitária. Tal processo ocorreu entre o final da década de 1970 e os anos 1980, concomitantemente ao processo de redemocratização do país e da reforma da Constituinte. A Constituição de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã, estabeleceu a “saúde como um direito de todos e um dever do Estado”, ampliando a cobertura do serviço público de saúde para todos os cidadãos. Para entender melhor o SUS, é importante conhecer suas principais bases legais: a Constituição Brasileira de 1988; as leis n.º 8.080/90 e n.º 8.142/90; as Normas Operacionais Básicas (NOB) e Normas Operacionais de Assistência à Saúde (Noas); os Códigos de Saúde dos estados e municípios; o Pacto pela Saúde; e o Decreto n.º 7.508, de 28 de junho de 2011. Esses dispositivos legais estabelecem as bases para a operacionalização de um modelo assistencial fundamentado na vigilância da saúde em substituição ao modelo biomédico resultante da política de saúde previdenciária que vigorou por mais de 60 anos antes do SUS – desde as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs), dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) até o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e o Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (Inamps). Esse modelo é ainda hoje adotado por vários países, inclusive pelo Brasil, e se caracteriza por ações focadas na doença, no tratamento e na cura, com caráter individual e curativo, centralizadas no profissional médico. O modelo biomédico destina papel secundário aos demais profissionais de saúde e às ações de promoção e prevenção de caráter coletivo e comunitário, gerando altos custos e alta incorporação tecnológica no cuidado à saúde. 51 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO Desde o final da década de 1960 a OMS passou a questionar e propor novas estratégias para a organização dos sistemas de saúde, isso com base em conferências de saúde como a Conferência de Alma-Ata (que propôs os cuidados primários em saúde), a Conferência de Ottawa (que destacou as ações de promoção em saúde), assim como outras conferências sobre o tema com o intuito de garantir saúde para todos no ano 2000. Durante tal período, o amplo debate realizado em várias partes do mundo objetivou superar essa orientação predominantemente centrada no controle das doenças e que negligenciava a determinação econômica e social da saúde. Então, o processo saúde e doença passa a ser analisado à luz dos determinantes sociais que possibilitam uma melhor compreensão sobre os problemas que afetam a saúde, assim como ampliam as estratégias de intervenção e cuidados. Os determinantes sociais da saúde consideram o meio ambiente no qual a pessoa vive e trabalha, além de fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais associados aos problemas de saúde e fatores de risco (tais como moradia, alimentação, escolaridade, renda e emprego). O cuidado em saúde pressupõe, então, a organização de um contínuo de ações capazes de transformar positivamente os elementos que interferem no modo de viver das pessoas. Assim, a Estratégia de Saúde da Família fundamenta-se em análise, compreensão e intervenção sobre os determinantes sociais da saúde, com o intuito de fortalecer as ações da Atenção Básica em Saúde, buscando modificar o tradicional modelo assistencial biomédico para o modelo de vigilância da saúde, que tem por sujeitos da atenção os cidadãos de acordo com o seu meio e estilo de vida, buscando atuar sobre os danos, riscos, necessidades e determinantes das condições de vida e de trabalho. Exercícios Questão 1. A figura a seguir reúne os Princípios e as Diretrizes Organizativas do Sistema Único de Saúde (SUS). 52 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I Universalidade Equidade Integralidade Regionalização e hierarquização Participação popular Descentralização e comando único Princípios do Sistema Único de Saúde (Diretrizes organizativas) (Princípios Doutrinários) Figura 7 – Princípios e Diretrizes do Sistema Único de Saúde Com relação aos Princípios Doutrinários do SUS, analise as afirmativas a seguir: I – Princípio da Universalidade. II – Princípio da Equidade. III – Princípio da Integralidade. a. Tratar a pessoa como um todo, isto é, não pode ser dividida. Isso quer dizer que as ações de saúde devem estar voltadas, ao mesmo tempo, para o indivíduo e para a comunidade, para a prevenção de doenças, a promoção da saúde e para o tratamento, sempre respeitando a dignidade humana (BRASIL, 1990a). b. Oferecer os recursos de saúde de acordo com as necessidades de cada indivíduo/serviço/ comunidade. Identificar as diferenças entre grupos populacionais, trabalhando para cada necessidade diferente, oferecendo mais a quem mais necessita, diminuindo as desigualdades (BRASIL, 1990a). c. Atender a todos, sem distinções, de acordo com suas necessidades, e sem cobrar nada, sem levar em conta o poder aquisitivo ou se a pessoa contribui ou não com a Previdência Social (BRASIL, 1990a). Assinale a alternativa que reúne todas as correlações corretas: A) I-a; II-b; III-c. B) I-c; II-b; III-a. C) I-b; II-a; III-c. D) I-a; II-c; III-b. 53 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 POLÍTICA DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADULTO E) I-b; II-c; III-a. Resposta correta: alternativa B. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: estando correta a alternativa B, todas as demais estão incorretas. B) Alternativa correta. Justificativa: o Princípio da Universalidade estabelece que o SUS deve atender a todos sem distinções, de acordo com suas necessidades, sem cobrar nada, sem levar em conta o poder aquisitivo nem o fato de a pessoa contribuir ou não com a Previdência Social. O Princípio da Equidade estabelece que o SUS deve oferecer os recursos de saúde de acordo com as necessidades de cada indivíduo/serviço/comunidade e deve identificar as diferenças entre os grupos populacionais, trabalhando para cada necessidade diferente e oferecendo mais aos mais necessitados para reduzir as desigualdades. O Princípio da Integralidade estabelece que no SUS a pessoa deve ser tratada como um todo, ou seja, que as ações de saúde devem estar voltadas, ao mesmo tempo, para o indivíduo e para a comunidade, para a prevenção de doenças, a promoção da saúde e para o tratamento, respeitada sempre a dignidade humana. C) Alternativa incorreta. Justificativa: estando correta a alternativa B, todas as demais estão incorretas. D) Alternativa incorreta. Justificativa: estando correta a alternativa B, todas as demais estão incorretas. E) Alternativa incorreta. Justificativa: estando correta a alternativa B, todas as demais estão incorretas. Questão 2. A figura a seguir reúne os Princípios e as Diretrizes Organizativas do Sistema Único de Saúde (SUS). 54 EN F - Re vi sã o: T al ita - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 4/ /0 7/ 20 17 Unidade I Universalidade Equidade Integralidade Regionalização e hierarquização Participação popular Descentralização e comando único Princípios do Sistema Único de Saúde (Diretrizes organizativas) (Princípios Doutrinários) Figura 8 – Princípios e Diretrizesdo Sistema Único de Saúde Com relação às Diretrizes Organizativas do SUS, analise as afirmativas a seguir: I – Participação popular (participação da comunidade ou controle social). II – Regionalização e hierarquização. III – Descentralização político-administrativa e comando único. a. Os serviços devem ser organizados em níveis de complexidade tecnológica crescente e dispostos numa área geográfica delimitada, com definição da população a ser atendida. b. Embora deva haver comando único e atribuições próprias nas três esferas de Governo (federal, estadual e municipal), a gestão deve ser municipal (municipalização) e o repasse de recursos, realizado de um fundo direto para o outro fundo, entre cada uma das instâncias de Governo. c. Sendo democrático, o SUS possui mecanismos para assegurar o direito de participação de todos os segmentos envolvidos – Governos, prestadores de serviços, trabalhadores de saúde e usuários de seus serviços – comunidades e população em geral. Assinale a alternativa que reúne todas as correlações corretas: A) I-a; II-b; III-c. B) I-c; II-b; III-a. C) I-b; II-a; III-c. D) I-b; II-c; III-a. E) I-c; II-a; III-b. Resolução desta questão na plataforma.