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1 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 3 2 O NASCIMENTO DA SEXOLOGIA 4 2.1 O nascimento da sexologia no Brasil 8 3 DIFERENÇAS ENTRE GÊNERO, SEXO E SEXUALIDADE 11 4 SEXUALIDADE NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA 14 4.1 Período infantil 15 4.2 Período juvenil 17 4.3 Puberdade e adolescência 18 4.4 Manifestações da sexualidade na idade adulta 21 4.5 Sexualidade na terceira idade 21 5 A SEXUALIDADE NO CICLO DE VIDA 22 6 O PAPEL DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO SEXUAL 27 7 QUESTÕES DE GÊNERO E PROBLEMAS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS 31 8 DISFUNÇÕES SEXUAIS 34 9 ASPECTO BIOLÓGICO QUE ENVOLVE A SEXUALIDADE 37 10 ASPECTO PSICOLÓGICO QUE ENVOLVE A SEXUALIDADE 39 11 BIBLIOGRAFIA 41 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 O NASCIMENTO DA SEXOLOGIA Fonte: pixabay.com A sexologia é uma ciência que resolve o problema do comportamento sexual humano. Envolve não apenas o comportamento sexual em si, mas também sexo e todos os fatores relacionados ao sexo, incluindo fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais. É no cenário de empoderamento do saber médico enquanto agente da normalização que, segundo o sociólogo francês André Béjin (1987a) nasce a sexologia ou a ciência sexual. Para este autor ela teve na verdade dois nascimentos. O primeiro, na segunda metade do século XIX quando a preocupação se voltava mais para a nosografia do que para a terapêutica e a centralidade estava nas doenças venéreas, na psicopatologia da sexualidade e no eugenismo. Bozon (2004 apud GARCIA, 2007) acrescenta que o objetivo da primeira sexologia consistia claramente no controle dos desvios sexuais conhecidos como perversões. Segundo Béjin (1987a) a segunda sexologia, ou sexologia atual, nasce após a Primeira Guerra mundial. Apresenta como marcos deste nascimento os estudos do psicólogo William Reich sobre a potência orgástica em 1922 e a publicação do primeiro livro do entomólogo Alfred Kinsey sobre o comportamento sexual masculino. Para este autor, diferentemente da primeira sexologia, a segunda “circunscreve e define como seu problema central o orgasmo” afirma GARCIA, (2007). 5 No mesmo sentido, a análise de Bozon (2004 apud GARCIA, 2007) destaca que no nascimento da segunda sexologia, há uma mudança de paradigma que passa da noção de perversão para a noção de disfunção. Ele acrescenta que há uma terceira sexologia, que denomina contemporânea, e que se estabeleceu a partir dos anos 60 com Masters & Johnson atribuindo o funcionamento sexual normal como correspondente a um ato que satisfaça aos dois parceiros. Apesar de não a classificar como sexologia contemporânea, Béjin também reconhece na terapia de Masters & Johnson o paradigma das terapias sexuais atuais. Tanto Bozon quanto Béjin, concordam que a partir desta mudança de objeto da sexologia nasce a figura do sexólogo e da terapia sexológica. Esta terapia vai se introduzir num campo que até então, era domínio da psicanálise. Segundo GARCIA (2007) ressalta, porém Béjin que, ao definir como seu objeto central o orgasmo e sua norma fundamental – o orgasmo ideal, na realidade a sexologia moderna substituiu a oposição marcada entre normalidade e anormalidade da primeira sexologia, por um contínuo da disfunção. Para este autor tal fato representa um aumento da clientela potencial dos sexólogos (que compreendia originalmente os grandes pervertidos e portadores de doenças venéreas), pois, “face à norma exigente do celeste orgasmo, somos todos a partir daí disfuncionantes sexuais virtuais ou atuais” (p. 228). Conforme GARCIA (2007), Béjin (1987b) ainda destaca que o avanço tecnológico que permitiu o acesso à informação pelos meios de comunicação de massa, provocou a origem da queixa sexual (insatisfação em não atingir o “auge ideal”) e, por consequência, o nascimento de uma enorme demanda aos terapeutas sexuais, na medida em que as pessoas, principalmente as mulheres, passaram a considerar que tinham problemas funcionais em relação à sexualidade. Tal contexto, segundo o autor, favoreceu a emergência e o fortalecimento do poder sexológico. “A tecnocracia sexológica não se desenvolve apesar da democracia, mas graças a ela” (p. 246). Segundo GARCIA (2007), neste contexto proliferam as clínicas do orgasmo e os sexólogos passam a uma posição dominante no mercado das terapias sexuais. Os sexólogos consolidam sua posição tecendo uma dupla rede, discursiva e institucional com a implantação no ensino de segundo grau e por vezes até do primeiro da educação sexual que muitas vezes consiste apenas na inculcação da vulgata sexológica do momento. Invadem o mundo editorial, de um modo geral os meios de comunicação em massa, contribuindo para 6 sensibilizar o público para as disfunções menores e para moldar os idioletos sexuais sobre o dialeto sexológico. (1987, p. 232 apud GARCIA, 2007). A antropóloga e pesquisadora do Centro Latino Americano em sexualidade e direitos humanos (CLAM) Fabíola Rohden (2007 apud GARCIA, 2007), em seu trabalho intitulado “O gênero na ciência do sexo: dos fundamentos às intervenções”, faz uma retrospectiva da história da sexologia, aborda a questão da medicalização da sexualidade e o panorama da ciência da sexologia atual – século XXI. Ela propõe em seu trabalho outra análise da história da sexologia - a de que há duas abordagens: a da “sexologia científica”, calcada nos parâmetros metodológicos da ciência e na prática e autoridade médicas, e outra, de uma “sexologia humanista”, mais enraizada nos saberes psicológicos e centrada no reconhecimento da sexualidade como foco de realização pessoal, autoconhecimento e satisfação individual, que teve impacto a partir da década de 1970. Para sua análise, Rohden se fundamenta na obra “Disorders of desire” da socióloga norte-americana Jane Irvine (2005 apud GARCIA 2007), obra que tem como foco as décadas de 1940 a 1980 e na qual a autora demonstra como o campo da sexologia se constituiu nos Estados Unidos, sofrendo um processo de rápida institucionalização no século XX. Segundo GARCIA (2007), ao longo de sua análise do contexto atual da sexologia, inspirada em vários autores, Rohden elabora diversas reflexões entre as quais se destaca: O desenvolvimento das tecnologias associadas à reprodução e, principalmente, a pílula anticoncepcional, em meados do século XX, foram precursores da nova farmacologia do sexo; GARCIA (2007). Uma mesma linha ligaria a pílula, tida como liberadora da sexualidade feminina das consequências reprodutivas, e o Viagra, suposta garantia da satisfação sexual masculina; GARCIA (2007). A centralidade anatômico-fisiológica e a consequente circunscrição da sexualidade à função genital, também serviu de guia para as primeiras investidas farmacológicas no tratamento da disfunçãosexual feminina; GARCIA (2007). A medicalização da sexualidade feminina inaugura a nova era das disfunções sexuais que leva à explosão no crescimento de clínicas para tratar a disfunção sexual feminina; GARCIA (2007). 7 A disfunção sexual feminina configura um caso clássico de tática de promoção de uma nova doença pela indústria farmacêutica e outros agentes da medicalização; GARCIA (2007). A representação da instabilidade corporal chega agora ao corpo masculino e ameaça a noção de homem “naturalmente potente ”; GARCIA (2007). O que prevalece é uma redução da experiência sexual e da subjetividade dos homens à norma antômico-fisiológica da ereção, vista apenas no contexto das relações heterossexuais; GARCIA (2007). O que assistimos, quando finalmente a sexualidade das mulheres passa a ser tratada para além da reprodução, parece ser uma redução, em diferentes vias, da sexualidade feminina a um suposto modelo masculino; GARCIA (2007). Poucas pesquisas têm estimulado as mulheres a descreverem suas experiências a partir do próprio ponto de vista, o que mostraria as evidentes diferenças entre a sexualidade masculina e feminina; GARCIA (2007). O emprego da testosterona (hormônio masculino) para tratar o desejo sexual hipoativo das mulheres indica que, para ter uma sexualidade satisfatória as mulheres precisariam recorrer ao que física e simbolicamente representaria um processo de masculinização, na medida em que somente se aproximando mais da economia corporal masculina é que chegariam mais perto da tão propagada satisfação sexual, GARCIA (2007). Ao finalizar sua análise a autora afirma: O que se conclui analisando a trajetória de construção da disfunção sexual masculina e feminina, para além de considerações mais gerais a respeito do complexo processo de medicalização da sociedade, é uma marcada referência aos estereótipos de gênero que estão tanto presentes nas preconcepções defendidas pelos pesquisadores quanto naquilo que é retransmitido à sociedade na fase de promoção de um novo diagnóstico e tratamento. [...] A dúvida é se o novo modelo proposto não acaba também ratificando determinadas normas de gênero. A ideia de que a sexualidade feminina é mais complexa, de que as mulheres são mais permeáveis aos aspectos subjetivos ou emocionais, de que a excitação física seria secundária podem estar mais uma vez reforçando uma determinada imagem do feminino associada às representações herdadas pelo menos desde o século XIX de 8 um contraste radical entre os gêneros que encobre tensões políticas bem mais amplas. (ROHDEN, 2007, p. 29 apud GARCIA (2007). Sintetizados os nascimentos da clínica e da sexologia ocidental, torna-se fundamental contextualizar o seu surgimento no Brasil. 2.1 O nascimento da sexologia no Brasil Segundo os antropólogos Sérgio Carrara e Jane Russo (2002 apud GARCIA, 2007) o início da psicanálise e da sexologia, no Brasil, se situa na década de 1920 e seu florescimento se dá ao longo das décadas de 1930 e 1940, sendo os discursos especializados sobre sexo articulados, sobretudo por médicos ligados às especialidades da medicina legal, psiquiatria, eugenia, higiene ou ginecologia. Dois médicos podem ser, segundo estes autores, considerados os primeiros sexólogos do Brasil: o gaúcho Hernani de Irajá e o carioca José de Albuquerque, sendo que nenhum dos dois pertencia às prestigiosas academias ou sociedade médicas brasileiras, às quais se opunham. As décadas de 30 e 40 também foram cenários do recrudescimento da divulgação de inúmeros trabalhos sobre sexo, escritos por outros especialistas e, principalmente, pela tradução e publicação de obras de autores europeus e norte- americanos que hoje são considerados fundadores dessa disciplina. A sexologia atraía sobre si suspeita de imoralidade e seus cultores nem sempre escapavam ao estigma de perversos ou pervertidos, embora a anatomia e a fisiologia dos órgãos sexuais imprimissem a aura de cientificidade à nova disciplina. (CARRARA e RUSSO, 2002 apud GARCIA, 2007). 9 Fonte: pixabay.com A estratégia utilizada pelas editoras brasileiras para apresentarem a literatura sobre sexualidade sem correrem o risco de serem acusadas de licenciosas, era apresentar os livros de sexologia como o resultado de disciplinas mais respeitáveis, a medicina, por exemplo. Para Carrara e Russo, só na década de 30 surgem os primeiros profissionais que se autodesignavam como sexólogos e psicanalistas e que trabalhariam em prol da constituição de disciplinas específicas. Aludem os autores que os sexólogos ocupavam posição marginal e que dificilmente partilhavam das mesmas editoras que publicavam os livros de médicos com maior prestígio. Enquanto editoras de prestígio como a José Olympio preferissem os autores católicos, editoras com tendências marxistas como a Calvino, ou dirigidas por judeus, como a Guanabara, reservaram espaço maior para a literatura sobre sexualidade, considerada perigosa do ponto de vista dos católicos. (CARRARA, S e RUSSO, J. 2002 apud GARCIA, 2007) Em sua dissertação de mestrado intitulada “A difusão da sexologia no Brasil na primeira metade do século XX: um estudo sobre a história de Hernani de Irajá” a psicóloga Sabrina Pereira Paiva (2002 apud GARCIA, 2007) analisa a constituição da sexologia no Brasil na primeira metade do século XX, centrada sobre o exame da tradução desse discurso para o público “leigo”, através da análise dos escritos do sexólogo Hernani de Irajá. 10 Segundo GARCIA (2007), a autora conclui ao final de seu trabalho que, no caso brasileiro, as transformações começaram a se fazer presentes a partir de fins do século XIX e início do seguinte, quando se presenciou um intenso movimento civilizador de busca de formação de uma identidade nacional. A identidade brasileira foi marcada, naquele momento, por concepções majoritariamente negativas, tendo o sexo funcionado como polo aglutinador dessas características identitárias. Desse modo, destaca-se que o século XX assistiu à corporificação de concepções médicas sobre o sexo, com a criação de novas especialidades, aumento de cursos sobre sexologia, publicação de periódicos sobre o assunto, entre outras coisas. A reflexão sobre a disseminação para o público leigo do discurso científico sobre sexo foi vista como parte fundamental do processo civilizador, na medida em que se buscava a adoção de determinados comportamentos adequados a uma nação moderna. Os escritos de Hernani de Irajá são extremamente representativos da tensão entre a pretensão científica e a preocupação com a recepção por um público consumidor não especializado, na medida em que oscila entre a coloquialidade e a expressão erudita, estando sempre polvilhado de exemplos e conselhos normativos voltados para a educação sexual da família. (2002, p.1 apud GARCIA 2007). As temáticas das mudanças no campo das representações sociais sobre sexualidade também foram estudadas pela historiadora Roselane Neckel (2004 apud GARCIA, 2007), que ao analisar revistas masculinas e femininas da década de 1970, concluiu que no final dos anos 60 e durante os anos 70 houve um aumento de publicações de revistas de comportamento, com artigos que orientavam seus leitores em torno da sexualidade e do relacionamento conjugal diante das mudanças advindas da “revolução sexual”. Observou que informações para alcançar a adequação sexual eram apontadas como indicativo de felicidade conjugal. Para a autora, estas revistas foram responsáveis pela divulgação dos discursos científicos, ao publicizar aspectos da vida íntima, antes restritos aos especialistas. Conforme GARCIA, (2007) neste mesmo movimento, é em 19809 que a Sexologia é reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina como especialidade médica (resolução 1019/80, referendada pela resolução 1441, de 12/08/1994)e em 1986 é criada a SBRASH (Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana), a partir do Comitê Nacional de Sexologia da FEBRASGO (Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia). A SBRASH mantém congressos bianuais e a Revista Brasileira de Sexualidade Humana, publicação semestral. Em Conferência proferida em Curitiba, na 1ª Jornada Sul-Brasileira de Sexualidade Humana, em 1992 o médico ginecologista e à época presidente da 11 Federação Latino-Americana de Sociedades de Sexologia e Educação Sexual, Ricardo C. Cavalcanti (apud GARCIA, 2007) afirmou: Houve época que se afirmava que 90% dos problemas sexuais eram de causa psicológica, enquanto outros grupos defendiam que 90% dos problemas eram de causa orgânica. E nesta luta entre psicologistas e organicistas quem perdia era o ser humano. Perpetuava-se e, infelizmente ainda hoje se perpetua o mito do fracionamento do homem. É irrelevante medir com a fita métrica de suas preferências o que é orgânico e o que é psicológico. Melhor seria que medissem o que é humano... (GARCIA, 2007) Conforme GARCIA, (2007) Cavalcanti destaca a ocorrência do primeiro Encontro Nacional de Sexologia, em maio de 1983, em São Paulo. Sublinha que o ano de 1985 foi marcado pelo movimento da criação de uma sociedade sexológica multidisciplinar que abrigasse não apenas médicos e psicólogos, mas também sociólogos, antropólogos, educadores – todos que estivem interessados no estudo da sexologia. Destaca ainda a luta dos ginecologistas e sexólogos Nelson Vitiello e Paulo Canela na criação da Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana. Segundo Cavalcanti, durante o V encontro Nacional de Sexualidade Humana, em Gramado, Rio Grande do Sul em maio de 1985, ocorreu a Assembleia de Fundação da Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana – SBRASH, cujo primeiro Congresso foi realizado no Rio de Janeiro, em maio de 1989. 3 DIFERENÇAS ENTRE GÊNERO, SEXO E SEXUALIDADE 12 Fonte: pixabay.com Primeiramente, é preciso entender a importância de separar cada conceito e conhecer seu significado. Num segundo momento, cabe compreender que esses conceitos podem ser pensados em conjunto, ou seja, a pessoa pode ter tal sexo, seguir tal orientação sexual e se entender com tal gênero, afirma BARROSO, 2018. O sexo pode ser determinado pela questão biológica (Figura 1). Nesse sentido, o foco de análise é o corpo do indivíduo. A mulher seria aquela que nasce com órgão sexual feminino, e o homem, aquele que nasce com órgão sexual masculino. Bourdieu (1999, p. 20 apud BARROSO, 2018) afirma que: A diferença biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo masculino e o corpo feminino, e, especificamente, a diferença anatômica entre os órgãos sexuais, pode ser vista como justificativa natural da diferença socialmente construída entre os gêneros e, principalmente, da divisão social do trabalho. Segundo BARROSO, (2018) essa seria uma divisão geral, que poderia ser considerada a partir do nascimento do indivíduo. Assim, logo que o bebê nasce, uma olhada rápida em seu corpo faz com que o médico reconheça as suas características físicas, enquadrando-o como homem ou mulher. Figura 1 - Fonte: Soleil Nordic/Shutterstock.com 13 Mas até mesmo a biologia e a noção de natureza desafia a pensar o que é sexo. Afinal, ainda que haja uma aparente definição biológica e cromossômica dos sexos, é preciso lembrar que alguns dos indivíduos podem nascer na condição de intersexo. É o que explica Santos (2013, p. 4 apud BARROSO, 2018): Os seres humanos são meticulosamente medidos e regulados, desde o interior ao exterior, de modo a que ninguém fique fora das reconhecidas categorias “homem” e “mulher”. Contudo, existem pessoas cujas características sexuais primárias ou secundárias não preenchem os requisitos médicos ou/e sociais passíveis de integração num desses dois grupos. Por vezes, quando do nascimento, o sexo genital pode suscitar dúvidas: o órgão erétil pode ser demasiado grande para um clitóris “normal” ou demasiado pequeno para um pênis “normal”; a genitália pode ser anatomicamente do sexo feminino, mas os lábios vaginais envolverem testículos; ou, por outro lado, parecer ter um pênis e apresentar vagina. Mas não só no nascimento se encontram ambiguidades. O que no início parecia ser “normal” pode revelar posteriormente discrepâncias nos órgãos genitais e/ou nas características sexuais secundárias. BARROSO, (2018). Para além do reconhecimento do corpo como definidor do sexo no momento do nascimento, também cabe enfatizar que o próprio corpo pode ser modificado, construído e redefinido com o passar dos anos na vida de um indivíduo. O outro pilar dessa discussão é a sexualidade. Para Toneli (2012, p. 152 apud BARROSO, 2018), “A sexualidade é da ordem do indivíduo. Diz respeito aos prazeres e às fantasias ocultos, aos excessos perigosos para o corpo e passou a ser considerada como a essência do ser humano individual e núcleo da identidade pessoal”. Desse modo, para compreender o conceito de sexualidade, você deve levar em consideração as relações estabelecidas pelo indivíduo que definem sua orientação sexual. Como diz Dall'Agnol (2003, p. 28 apud BARROSO, 2018), a orientação sexual pode ser identificada na “[...] adoção de comportamentos bissexuais, heterossexuais e homossexuais”. Ou seja, o indivíduo pode sentir desejo por pessoas do mesmo sexo que ele, por pessoas do sexo oposto ao dele, ou mesmo ter desejo por pessoas do mesmo sexo que ele e do sexo oposto. Ainda cabe lembrar que é possível que o indivíduo seja assexuado. Isso quer dizer que ele não tem desejo de se relacionar sexualmente com outra pessoa. Por último, você deve atentar ao conceito de gênero. Para a definição desse conceito, também é relevante pensar qual é o sexo e qual é a sexualidade do indivíduo. Por isso, Butler (1990, p. 7 apud BARROSO, 2018) propõe a definição a seguir: O gênero pode também ser designado como o verdadeiro aparato de produção através do qual os sexos são estabelecidos. Assim, o gênero não 14 está para a cultura como o sexo para a natureza; o gênero é também o significado discursivo/cultural pelo qual a “natureza sexuada” ou o “sexo natural” é produzido e estabelecido como uma forma “pré-discursiva” anterior à cultura, uma superfície politicamente neutra sobre a qual a cultura age. BARROSO (2018). Ou seja, é por meio do gênero que o indivíduo se expressa no mundo, e essa expressão perpassa seu corpo e seus desejos. Scott (1990, p. 14 apud BARROSO, 2018) ainda reforça que gênero é “[...] um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é um primeiro modo de dar significado às relações de poder”. Nesse sentido, o gênero confere identidade ao indivíduo, fazendo com que ele se relacione com o grupo social por meio da identidade que considera legítima para si. 4 SEXUALIDADE NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA Fonte: diariodonordeste.verdesmares.com.br Segundo PEREIRA, (2014) se é indiscutível que os esteroides gonadais desempenham um papel particularmente importante na diferenciação psicossexual do indivíduo, especialmente na puberdade, quando reforçam a identidade sexual e os padrões de comportamento, a identificação de género não é apenas determinada pelas hormonas gonadais. É fundamental o processo de aprendizagem que se desenvolve durante os primeiros anos de vida. Na verdade, a identidade de género – 15 eu sou homem ou sou mulher – está completamente estabelecida até aos 24 meses de idade. O desenvolvimento sexual é um processo mais lento, que se estende pela idade infantil e juvenil até atingir, no final da adolescência, a maturação sexual e reprodutora completa. 4.1 Período infantil A diferenciação psicossexual desenvolve-se logo após o nascimento, embora os psicanalistas gostem de pensarque se iniciou ainda mais cedo, na vida fetal. A infância vai ser um período riquíssimo na aprendizagem dos afetos, fundamental para a estruturação da vida relacional da criança, incluindo a sua sexualidade. Tanto a mãe como o pai vão atribuindo ao bebê um género sexual, que quase sempre corresponde ao sexo anatómico. Esta atribuição projetada sobre o bebê, em parte consciente, em parte inconsciente, vai deixar marcas fundas na construção da sua identidade de género (Coimbra, 1996 apud PEREIRA, 2014). Depois do nascimento, produz-se uma diminuição dos níveis circulantes de hCG (Human Chorionic Gonadotropin) e de esteroides de origem placentária, com um aumento da resposta à secreção pulsátil de GnRH (Gonadotropin Releasing Hormone), o que origina fortes descargas episódicas de gonadotrofinas até aos seis meses de vida nos rapazes e até ao um ano nas meninas. Curiosamente, os níveis de esteroides gonadais circulantes, não placentários, também aumentam neste período, afirma PEREIRA, (2014). 16 Fonte: ninguemcrescesozinho.com.br De acordo com PEREIRA, (2014) tanto no sexo masculino como feminino, após o primeiro ano de vida dá-se a inibição do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal, ou porque se intensifica o efeito inibitório do SNC ou porque aumenta a sua sensibilidade a esse efeito inibitório. Como resultado, o gerador hipotalâmico pulsátil de GnRH diminui de amplitude e frequência. Diminui também a sensibilidade das gonadotrofinas hipofisárias à ação da hormona. Os níveis circulantes de gonadotrofinas e de esteroides sexuais passam a ser muito baixos, o que vai caracterizar toda a infância. O facto da inibição do eixo persistir, mesmo na ausência de gónadas, faz pensar que o papel do mecanismo inibitório dos esteroides sexuais sobre o eixo é muito pouco importante neste período, ao contrário do que acontecia no período fetal. Segundo PEREIRA, (2014) entre os 12 e os 24 meses, a criança começa a dar atenção cada vez maior ao mundo que a rodeia, criando o sentimento de haver dois sexos, e dela própria pertencer só a um deles. Ao mesmo tempo consolida a ideia de que existe uma geração de grandes, a dos pais, e uma geração de pequenos, a dela própria. Progressivamente começa a gostar do seu corpo, a mostrá-lo, a obter prazer com ele, nomeadamente com a manipulação do pénis para práticas masturbatórias. Gostam de brincar aos pais e às mães, brincar ao escuro. Dão-se os primeiros jogos sexuais. Muitas dessas condutas são censuradas, porque não são socialmente aprovadas. É a primeiro contato com a realidade social. Mas o desenvolvimento 17 psicossexual não para, não se interrompe. E a criança vai descobrindo novos sentimentos, como a ternura e o carinho. Surge o interesse pela atividade física, a curiosidade intelectual, o desenvolvimento das faculdades mentais. Torna-se assim possível a escolarização, afirma PEREIRA, (2014). 4.2 Período juvenil Segundo PEREIRA, (2014) entre os seis anos e a chegada da puberdade, continua a inibição do eixo hipotálamohipófise-gonadal, com baixa atividade do gerador hipotalâmico pulsátil de GnRH e com baixos níveis circulantes de gonadotrofinas e esteroides sexuais. Neste período, os mecanismos de controlo hipotálamo-hipofisário são cerca de cinco vezes superiores aos da idade adulta. Mas neste período, tanto nos rapazes como nas meninas, inicia-se a adrenarquia, ou seja, o processo de maturação da glândula suprarrenal, que é independente da produção de ACTH (Adrenocorticotropic Hormone) e de LH (Luteinizing Hormone) e que tem como consequência o aumento da produção de androgénios. Como o aumento de esteroides suprarrenais é anterior à puberdade, chegou a postular-se que estes poderiam facilitar a maturação do eixo hipotálamo- hipófise-gonadal e contribuir para a chegada da mesma. Grande número de estudos clínicos indica que os dois fenómenos são independentes e que cada um deles pode ser ativado sem o outro (ap. Grumbach et al., 1990 apud PEREIRA, 2014). Sendo assim, os níveis normais de esteroides suprarrenais não exercem um papel fundamental na chegada da puberdade, só intervindo para estimular o crescimento dos pelos púbicos e axilares. 18 Fonte: wordpress.com É na idade juvenil que se dá a maturação do SNC e dos nervos periféricos, o que permite uma maior capacidade intelectual e a realização de movimentos físicos cada vez mais coordenados. O crescimento longitudinal do corpo, a partir dos seis anos e até à pré-adolescência, torna-se relativamente constante, com um incremento de cerca de seis centímetros por ano, tanto no rapaz como na rapariga. O aumento da estatura acompanha-se de um aumento de peso de cerca de 3-3.5 kg por ano (Frisch e Révelle, 1990 apud PEREIRA, 2014). O tecido linfático do timo, do baço e de outras localizações viscerais atinge, durante este período, o seu máximo desenvolvimento, excedendo mesmo o que irá existir na idade adulta. O período juvenil é o da idade escolar. Descobre o entusiasmo, a amizade e o companheirismo. Há uma clara atenuação do interesse pelos colegas do sexo oposto. Em breve virá a tempestade da adolescência. 4.3 Puberdade e adolescência De acordo com PEREIRA, (2014) a puberdade é o período de desenvolvimento fisiológico durante o qual aparece a fertilidade e o corpo começa a adquirir os caracteres sexuais secundários. Definem-se, afinal, as diferenças somáticas essenciais entre o género masculino e feminino. No processo contínuo do desenvolvimento corporal, a puberdade masculina é marcada pelo aparecimento das 19 primeiras ejaculações noturnas (na rapariga pela menarca). A idade da chegada da puberdade é variada, geralmente mais tarde no sexo masculino do que no feminino, situando-se entre os 12-14 anos no rapaz e os 11-15 anos na rapariga. Entre os fatores que contribuem para essa variabilidade conhecem-se os genéticos, nutritivos, económicos, sociais. A puberdade marca o fim da infância e o início da adolescência. Fonte: pixabay.com A adolescência deve ser considerada o verdadeiro período de transição entre o estado juvenil e a idade adulta, onde, para além de se desenvolverem os caracteres sexuais secundários e haver uma clara aquisição da capacidade de procriar, se intensifica o crescimento corporal e têm lugar profundas modificações psicológicas. O seu começo coincide com a puberdade. O seu termo varia de acordo com os critérios físicos, mentais, emocionais, culturais e sociais que definem a adultícia, mas habitualmente situa-se entre os 18 e os 20 anos, afirma PEREIRA, (2014). Alguns autores defendem existir um período pré-puberal, que se inicia pelos 12 anos nos rapazes e pelos 10 anos nas raparigas. Nesse período começa a haver uma diminuição progressiva do efeito inibitório do SNC sobre o gerador hipotalâmico pulsátil de GnRH e sobre a libertação de gonadotrofinas. Daí resulta um progressivo aumento, geralmente noturno, da amplitude dos pulsos de GnRH e de gonadotrofinas, com o consequente aumento da libertação de esteroides sexuais pelas gónadas (Conte e Grumbach, 1994 apud PEREIRA, 2014). 20 As modificações físicas da puberdade são o resultado da crescente e uma fortíssima ativação do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal, com aumento da produção de FSH (Follicle-Stimulating Hormone) e de LH e a ativação da produção dos esteroides sexuais. São estes que induzem o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários e a aquisição da capacidade reprodutora, com o aparecimento da espermatogénese (ou das ovulações, na rapariga). Os mecanismos que levam à estimulação do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal devem-se não só à acentuada diminuição da inibição que o SNC estava a exercer sobre o gerador hipotalâmico pulsátil de GnRH, como também à diminuição da sensibilidade do eixo hipotálamo- hipófise ao efeito inibidor dos esteroidesgonadais. A dupla ação desses mecanismos vai produzir um aumento da amplitude e frequência dos pulsos hipotalâmicos de GnRH. Se na pré-puberdade e no início da puberdade há uma associação clara entre o sono e a libertação pulsátil da hormona, gradualmente a sua produção estende-se a todo o dia, adquirindo os padrões pulsáteis da idade adulta, ou seja, cerca de um pulso cada 90 minutos. Também, de início, a produção hipofisária de FSH e de LH é exclusivamente noturna, mas pouco a pouco adquire os padrões pulsáteis do adulto, bastantes constantes no sexo masculino e fortemente variáveis ao longo do ciclo ovárico feminino, afirma PEREIRA, (2014). Para PEREIRA, (2014) a dessensibilização do hipotálamo e da hipófise ao efeito negativo dos esteroides sexuais, determina um novo equilíbrio de retrocontrolo, que perdurará durante toda a idade adulta. Nas raparigas, com a puberdade, estabelece-se um retrocontrolo positivo entre estrogénios e LH, que se dá diretamente a nível hipofisário. Para isso acontecer é necessário que a hipófise esteja exposta a elevadas concentrações de GnRH, mecanismo indispensável para que surja a menarca e comecem as ovulações. Nos rapazes esse retrocontrolo positivo entre androgénios e LH não acontece. Para além das modificações pubertárias sobre o eixo hipotálamo-hipófise- gonadal, outras glândulas endócrinas igualmente aumentam a sua atividade. É o caso da tiroideia, com uma atividade aumentada de tiroxina e de TBG (Thyroxine Binding Globulin), e o caso das glândulas suprarrenais, que aumentam a sua produção de esteroides contribuindo para o desenvolvimento dos pelos axilares e púbicos, afirma PEREIRA, (2014). 21 4.4 Manifestações da sexualidade na idade adulta O comportamento sexual de um indivíduo está frequentemente relacionado a toda a sua história de vida passada e depende principalmente de como a família trata o desempenho sexual. A maturidade sexual vem aos 30 anos, porém acompanhada com os preconceitos e a educação sexual recebidos. As mulheres tendem a sofrer pressão social na busca do orgasmo, enquanto os homens podem ser “obrigados” a proporcionar orgasmo a suas/ seus parceiras (os) sexuais. A disfunção sexual pode se tornar mais evidente devido a problemas como a ejaculação precoce e a disfunção erétil. Por outro lado, as mulheres que são educadas sob repressão sexual podem desenvolver vaginismo (dor durante a relação sexual, geralmente causada por medo e estresse excessivo) e dispareunia (dor intensa durante a relação sexual e imediatamente após o comportamento). Nesse estágio, a terapia sexual pode ajudar muito os casais e parceiros. 4.5 Sexualidade na terceira idade Fonte: sexplicando.com Segundo VITIELLO; et al., (1993) reconhecer que, mesmo sem manifestar-se de maneira exuberante, o potencial para o exercício da sexualidade existe enquanto durar a vida humana, por mais longa que ela seja. Mesmo em se considerando as 22 naturais diferenças, os idosos sadios apresentam (ou ao menos deveriam apresentar) conservado seu potencial de resposta sexual. As limitações ocorrem por desconhecimento de que a sexualidade, embora com certas diferenças, pode ser prazerosamente exercida em qualquer idade, e que embora as características da resposta sexual se alterem, permanecem presentes durante toda a vida. Os homens, por exemplo, apresentam episódios mais espaçados de desejo, com ereções mais demoradas e menos firmes, que permitem, no entanto, uma cópula perfeitamente satisfatória. A região dos genitais, e a pele em torno deles, afirma-se como principal zona erógena, ocorrendo ainda uma mais rápida perda de ereção após a ejaculação. As mulheres, após a menopausa, apresentam lubrificação vaginal menos intensa e de mais demorado aparecimento, evento este simplesmente corrigido com o uso de lubrificantes locais. Os orgasmos, embora mais curtos, têm a mesma intensidade daqueles experimentados pelas mulheres mais jovens, afirma VITIELLO; et al., (1993). De acordo com VITIELLO; et al., (1993) podemos concluir não haver qualquer motivo fisiológico para que se apague a sexualidade com o avançar da idade a que, respeitando-se as alterações referidas, a prática da atividade sexual pode ser tão gratificante na velhice quanto na juventude ou na idade adulta. 5 A SEXUALIDADE NO CICLO DE VIDA Fonte: acertodecontas.br 23 Todos, homens e mulheres, nascem com seu sexo, o que é biológico. O sexo os define e classifica a partir de características fisiológicas e fenotípicas aparentes no corpo. Porém, a sexualidade é um conceito diferente, que vai sendo desenvolvido ao longo de toda a vida, desde a infância. Portanto, não é algo natural, e sim fruto de uma produção social: “A sexualidade não é apenas uma questão pessoal, mas é social e política [...] a sexualidade é ‘aprendida’, ou melhor, é construída, ao longo de toda a vida, de muitos modos, por todos os sujeitos” (LOURO, 2000, p. 5 apud BES, 2019). Entender o conceito de sexualidade é o primeiro passo para perceber que o mundo estabeleceu padrões e papéis sociais para homens e mulheres devido ao seu sexo, priorizando, nesse caso, as relações heterossexuais como norma. Isso fez com que, ao longo dos últimos séculos, falar sobre sexo ou sexualidade se tornasse um grande tabu, fato que não impediu que a sociedade se esforçasse por regular, controlar, manipular e conter todo e qualquer comportamento sexual desviante do padrão socialmente aceito. Bee e Boyd (2011, p. 279 apud BES, 2019) esclarecem que “Geralmente, sexo é reservado para os aspectos biológicos de masculinidade e feminilidade. Em contraste, gênero se refere aos aspectos psicológicos e sociais de masculinidade e feminilidade”. Foucault (2011, p. 34 apud BES, 2019), ao analisar a história da sexualidade humana, argumenta que nos colégios do século XVIII: [...] o espaço da sala, a forma das mesas, o arranjo dos pátios do recreio, a distribuição dos dormitórios (com ou sem separação, com ou sem cortina), os regulamentos elaborados para a vigilância do recolhimento e do sono, tudo fala da maneira mais prolixa da sexualidade das crianças (BES, 2019). Segundo apud BES, (2019), o autor destaca que já no século XVIII era perceptível que a sexualidade entre as crianças era ativa e se manifestava, devendo ser controlada e vista como um problema público. Esse problema foi reforçado pelas questões religiosas e jurídicas, que classificam e tratam os temas da sexualidade sob a lógica do pecado e da perversão e do lícito e ilícito, noções ainda muito presentes na sociedade contemporânea. Mas o fato é que, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais: Orientação Sexual (BRASIL, 1997, p. 291 apud BES, 2019), “[...] as manifestações da sexualidade afloram em todas as faixas etárias. Ignorar, ocultar ou reprimir são respostas habituais dadas por profissionais da escola, baseados na ideia de que a sexualidade é assunto para ser lidado apenas pela família”. 24 Conforme BES, (2019) a ênfase aqui é o fato de a sexualidade se encontrar manifesta desde a infância, bem como o fato de que o sistema educacional brasileiro deve contribuir com sua parcela de responsabilidade para que exista de fato uma educação sexual das crianças e adolescentes. Tal educação deve promover conhecimentos sobre os cuidados dos alunos consigo mesmos e desenvolver o respeito pela diversidade. A sexualidade dos indivíduos começa desde os primeiros dias de vida, por meio dos contatos com a mãe e das primeiras sensações de prazer (ao mamar, por exemplo). Dessa forma, “[...] assim como a inteligência, a sexualidade será construída a partir das possibilidades individuais e de sua interação com o meio e a cultura” (BRASIL, 1997, p. 296 apud BES, 2019). Você também deve notar que a sexualidade, por se tratar de uma produção social e cultural, está associada ao universodas interações que o indivíduo vivencia durante as etapas de sua vida. Veja: Os adultos reagem, de uma forma ou de outra, aos primeiros movimentos exploratórios que a criança faz na região genital e aos jogos sexuais com outras crianças. As crianças recebem então, desde muito cedo, uma qualificação ou “julgamento” do mundo adulto em que estão imersas, permeado de valores e crenças atribuídos à sua busca de prazer, os quais estarão presentes na sua vida psíquica (BRASIL, 1997, p. 296 apud BES, 2019). No início do século XX, o psicanalista Sigmund Freud desenvolveu uma teoria que afirma que todos os seres humanos possuem uma libido, uma pulsão sexual básica que se manifesta desde a infância. Segundo Bee e Boyd (2011, p. 36 apud BES, 2019): [...] em um recém-nascido, a boca é a parte mais sensível do corpo, portanto a energia libidinal é focalizada lá. O estágio é chamado de estágio oral. À medida que o desenvolvimento neurológico progride, o bebê tem mais sensação no ânus (daí o estágio anal) e posteriormente nos órgãos genitais (estágio fálico e, eventualmente, o genital, BES, 2019). As teorias de Freud costumam ser estudadas por se referirem às crianças pequenas e romperem com a ideia naturalizada de que elas estariam completamente alheias a qualquer manifestação de ordem sexual. O interessante é que o autor não se utiliza de marcadores de sexo para suas formulações do que viria a ser a libido do homem ou da mulher, especificamente, afirma BES, (2019). Paniagua e Palacios (2008 apud BES, 2019), ao referirem-se aos aspectos da sexualidade presentes na rotina das escolas infantis, comentam que deve ser 25 valorizada a convivência entre ambos os sexos na educação infantil. Além disso, devem ser abertas possibilidades que permitam quebrar as normas sexistas construídas para o brincar, por exemplo, pois se constituíram brincadeiras “de menina” ou “de menino” no interior da escola. Em relação às condutas sexistas, porém, os autores advertem que “[...] pode acontecer que os pais e as mães das crianças da classe tenham comportamentos estereotipados e sexistas, e por isso seria igualmente negativo fazer uma crítica direta sobre a conduta e o modo de vida de seus pais” (PANIAGUA; PALACIOS, 2011, p. 90 apud BES, 2019). De acordo com BES, (2019) intervenção nesses aspectos da sexualidade na educação infantil deve ser sutil e constante, já que são aspectos da constituição da cultura das famílias. Como você sabe, ainda existem muitos marcadores sexistas na escola. É o caso da utilização de cores associadas aos meninos e às meninas e da proposição de brincadeiras e brinquedos mais ou menos apropriados de acordo com o sexo biológico. Isso deve ser problematizado, uma vez que produz ações preconceituosas em relação àqueles que não se adequam a tais comportamentos. Um exemplo disso é o das meninas que gostam de jogar futebol e que, além disso, possuem habilidade nesse esporte. Essas meninas podem sofrer preconceitos e bullying de seus colegas, meninos e meninas, quando não existe a intervenção dos professores em relação à questão. Nos playgrounds da educação infantil, normalmente ocorre a divisão dos espaços: os meninos ficam associados com os brinquedos mais movimentados e dinâmicos, enquanto as meninas condicionam-se à casinha e seus acessórios (pias, fogões, geladeira e panelinhas), como se ambos, meninas e meninos, não pudessem vivenciar as mesmas experiências, afirma BES, (2019). É na puberdade que as maiores transformações hormonais e físicas ocorrem no corpo e colocam em xeque a sexualidade de meninos e meninas devido às grandes diferenças entre eles. Bee e Boyd (2011, p. 125 apud BES, 2019) alertam que: [...] a maioria das meninas adquire um tipo físico endomórfico ou um pouco flácido, culturalmente indesejável, como resultado da puberdade. Portanto, meninas de desenvolvimento precoce devem ter mais problemas de ajustamento do que meninas de desenvolvimento médio ou tardio. Similarmente, a puberdade proporciona à maioria dos meninos um tipo físico mesomórfico, ou magro e muscular, culturalmente admirado. BES, (2019) 26 Segundo BES, (2019) as diferenças na constituição física adquirida na puberdade podem causar desconforto e diminuir a autoestima. Também podem ocasionar estágios de depressão entre os adolescentes, que, em alguns casos, não sabendo lidar com seus hormônios em expansão, manifestam atitudes agressivas, explosivas e mesmo violentas no interior das escolas que frequentam. A educação sexual na escola pode contribuir também para amenizar tais circunstâncias e promover melhor aceitação de si e dos outros colegas de classe nessa fase da vida. A adolescência na contemporaneidade: [...] é a fase de novas descobertas e novas experimentações, podendo ocorrer as explorações da atração e das fantasias sexuais com pessoas do mesmo sexo e do outro sexo. A experimentação dos vínculos tem relação com a rapidez e a intensidade da formação e da separação de pares amorosos entre os adolescentes (BRASIL, 1997, p. 296 apud BES, 2019). A educação sexual deve procurar entender as particularidades de cada fase da vida dos alunos, respeitando sua constituição e a identidade de gênero que tenham assumido para si. Essas ideias, porém, chocam-se com os modelos historicamente construídos e aceitos como normais, que você viu anteriormente. Dessa forma, segundo César (2009, p. 49 apud BES, 2019), é necessário desestabilizar o conhecimento existente, propondo o entendimento de que “[...] sexualidade, educação sexual e diversidade sexual se referem a práticas de liberdade, na medida em que os limites de nosso pensamento deverão ser transcendidos em nome de outras possibilidades tanto de conhecer como de amar”. De acordo com BES, (2019) como você pode perceber, para trabalhar com as temáticas da educação sexual, você precisa revisitar seus próprios conceitos sobre os temas, visando a ampliar o seu olhar sobre eles e, em alguns casos, até mesmo trabalhar com algum tipo de preconceito que possa constituí-lo. 27 6 O PAPEL DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO SEXUAL Fonte: pixabay.com Segundo FORECHI, (2021) quando falamos nos meios de comunicação como produtores de conhecimento e como artefatos pedagógicos, dentro da perspectiva das pedagogias culturais, logo pensamos nos meios de comunicação de massa, especialmente na televisão e nos jornais. Porém, devemos considerar que os meios de comunicação que influenciam os processos educativos não se limitam a esses, ligados a grandes conglomerados de mídia, em sua maioria, e disponíveis para públicos muito ampliados. Meios de comunicação podem ser tidos, no contexto em que tratamos de sua relação com a educação, como artefatos que transmitem alguma informação. Assim, um jornal, um mural ou uma cartilha são meios de comunicação. Mas, aqui, vamos falar especialmente dos meios de comunicação de massa, por consideramos sua abrangência e seu potencial pedagógico na sociedade contemporânea. Além desses, temos que considerar as mídias digitais, que envolvem, entre outras, as redes sociais digitais, os vlogs, os blogs, os canais de vídeo e as plataformas de produção e distribuição de podcast, afirma FORECHI, (2021). Para FORECHI, (2021) diferentes temas podem ser trabalhados pedagogicamente utilizando-se os meios de comunicação. Alguns deles, no entanto, ocupam lugar de destaque nos meios de comunicação de massa e nas mídias sociais 28 na internet, devido a sua multiplicidade de abordagens e a seu caráter multidisciplinar. Apesar de já constar como obrigatória nos currículos escolares, a educação sexual ainda é um tema considerado do âmbito da vida privada e há, por conta disso, diversos conflitos sobre sua abordagem, inclusive questionando se realmente deve ser discutido nas escolas. Quando falamos, no entanto, da mídiacomo uma pedagogia cultural, estamos nos referindo ao modo como as mídias ensinam e contribuem para consolidar valores, modos de ser, ideologias, identidades e conceitos por meio de suas mensagens e de sua penetração na sociedade. As narrativas midiáticas veiculam saberes e representações sociais na sociedade. Douglas Kellner (2001 apud FORECHI, 2021) afirma que há uma cultura de imagens e sons veiculada pela mídia e que domina o tempo de lazer das pessoas, fornecendo material que as ajudam a moldar suas personalidades. Nesse sentido, a cultura da mídia, segundo Kellner (2001 apud FORECHI, 2021), é um terreno de disputa marcado por uma pluralidade de discursos e espetáculos, que se afastam das ou dialogam com as diferentes culturas da sociedade. As narrativas midiáticas, portanto, tanto podem ser facilitadoras da circulação de discursos educativos, livres de preconceitos ou estereótipos, quanto podem ser disseminadoras de modos conservadores de viver em sociedade, reproduzindo representações estereotipadas e preconceituosas de pessoas ou grupos de pessoas. Delton Felipe e Samilo Takara (2020, documento on-line apud FORECHI, 2021) destacam que um dos papéis da mídia, como terreno de disputa por representações, é “[...] dar lugar à pluralidade de vozes sociais, expressando a multiplicidade de formas culturais e incluindo os que parecem viver à margem da sociedade”. Esse campo midiático, ainda segundo os autores, é responsável por contribuir para “[...] a definição de papéis e da afirmação de valores e sentidos na sociedade” (FELIPE; TAKARA, 2020, documento on-line apud FORECHI, 2021). Para além das análises de produtos midiáticos, como fazem Felipe e Takara (2020 apud FORECHI, 2021), é possível pensar a sexualidade em sua relação com as narrativas midiáticas a partir de processos psicológicos que se difundem na coletividade para compreender o papel estratégico das mídias. Paulo Roberto Carvalho (2010 apud FORECHI, 2021) destaca que, na televisão, toda a discussão 29 sobre sexualidade contemporânea vem acompanhada de conteúdo com apelo erótico, distribuído em diferentes canais. Partindo da análise de peças publicitárias inseridas nos intervalos das novelas, o autor destaca que há modelos de relacionamento sexual e amoroso sempre veiculados e que esses, ao serem instituídos como legítimos, apagam outras formas de manifestações que não se encontram contempladas pelas regras consideradas válidas. Para Carvalho (2010 apud FORECHI, 2021), há várias implicações sobre esses modelos de sexualidade impostos pela mídia. Uma delas seria o que se fala sobre sexualidade na sociedade, pois é a partir dessa fala que as pessoas buscam subsídios para viverem suas sexualidades. Segundo FORECHI, (2021) atualmente, os meios de comunicação tradicionais (TV, rádio, jornais) já não podem mais ser considerados os únicos a produzirem representações da realidade por meio de suas narrativas. Temos que considerar os diferentes meios disponíveis no ambiente digital, incluindo portais e sites especializados em temas como sexualidade e gênero. Com isso, o acesso à informação é ampliado, tornando a busca de informações mais fácil. Isso não significa, no entanto, qualquer tipo de garantia sobre a qualidade do conteúdo disponibilizado. As redes sociais são espaços por onde circulam informações de diferentes naturezas, e é por meio delas, muitas vezes, que adolescentes e jovens obtêm “respostas” para as questões envolvendo sexualidade. Nesse sentido, devemos considerar que, ao falarmos em meios de comunicação, estamos nos referindo a uma diversidade de suportes e artefatos. Clay Shirky (2011 apud FORECHI, 2021) acredita ser necessária uma nova conceituação para a palavra “mídia”, que inclua outros produtores que não os profissionais da comunicação. Henri Jenkins (2011 apud FORECHI, 2021) é outro autor que acredita haver um novo conjunto de regras que devem ser consideradas quando pensamos em processos midiáticos. Outra questão importante a se considerar quando falamos de sexualidade e o papel das mídias é que não faz sentido mais separar mídia pública de mídia privada. Segundo Shirky (2011 apud FORECHI, 2021), o que temos hoje é um tipo de mídia de mão dupla que parece deslizar de uma para outra. Ele menciona, por exemplo, um livro que pode estimular uma discussão pública em inúmeros lugares simultaneamente (SHIRKY, 2011 apud FORECHI, 2021). 30 Assim, pensar o papel dos meios de comunicação na produção de narrativas sobre sexualidade não pode ocorrer sem que se leve em consideração esse novo ambiente comunicacional, que provoca mudanças, inclusive, na dinâmica das mídias de massa. Algumas iniciativas têm sido desenvolvidas no sentido de qualificar profissionais da comunicação para lidar com temas que se relacionam à sexualidade, afirma FORECHI, (2021). Fabbri Jr. e Ormanezi (2018 apud FORECHI, 2021) destacam a ausência de uma disciplina voltada para questões de sexualidade e gênero nos currículos formativos de profissionais de comunicação, especialmente de jornalistas. Eles apontam algumas iniciativas, porém, que se voltam para essa formação, como, por exemplo, um curso de extensão denominado “Gênero, discurso e mídia: da reflexão à cobertura jornalística”, oferecido pela Universidade Estadual de Campinas, e que foi inspirado em um curso com a mesma temática, oferecido na Universidade de Paris. Segundo FORECHI, (2021) existem, ainda, outras iniciativas não ligadas a instituições de ensino e que utilizam a mídia para oferecer subsídios a jornalistas sobre como exercer de forma mais consistente coberturas sobre a temática da sexualidade. Um bom exemplo é o material denominado “Minimanual de Jornalismo Humanizado”, produzido pelo portal Think Olga, voltado para as boas práticas de profissionais da comunicação. 31 7 QUESTÕES DE GÊNERO E PROBLEMAS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS Fonte: pixabay.com Segundo BARROSO, (2018) alguns dos grupos sociais que se sentem discriminados se articulam por meio dos movimentos sociais a fim de explicitar seus problemas e demandar uma nova interpretação da realidade. Ainda que esses grupos tenham pautas em comum, isso não quer dizer que não haja subgrupos com pautas específicas. Você deve ter em mente que os movimentos sociais não são necessariamente homogêneos. A seguir, você vai ver alguns pontos de suas lutas e demandas. Primeiramente, você deve estar familiarizado com o conceito de movimentos sociais. Segundo Gohn (2011, p. 333–334 apud BARROSO, 2018): Uma das premissas básicas a respeito dos movimentos sociais é: são fontes de inovação e matrizes geradoras de saberes. Entretanto, não se trata de um processo isolado, mas de caráter político-social. Por isso, para analisar esses saberes, deve-se buscar as redes de articulações que os movimentos estabelecem na prática cotidiana e indagar sobre a conjuntura política, econômica e sociocultural do país quando as articulações acontecem. Essas redes são essenciais para compreender os fatores que geram as aprendizagens e os valores da cultura política que vão sendo construídos no processo interativo. BARROSO, (2018). Assim, é por meio dessas redes que os grupos se mobilizam e articulam suas demandas em lutas políticas para conseguirem que a discriminação sofrida seja 32 enquadrada como crime. Esse é um dos meios de inibir novas discriminações relacionadas ao gênero, mas também de visibilizar os casos de discriminação para que a sociedade reflita sobre essa situação, afirma BARROSO, (2018). Em relação à condição da mulher na sociedade, Pinto (2003 apud BARROSO, 2018) destaca três momentos de articulação na luta contra a discriminação, especialmente no Brasil: a luta pelo voto e pelos direitos políticos; a discussão sobre a sexualidade e as relações de poder; e os processos de institucionalizaçãoe discussão das diferenças intragênero no processo de redemocratização. No entanto, essa luta ainda não atingiu todos os seus objetivos e segue na busca por igualdade de condições entre os gêneros. Com relação a essa luta, Pedro e Guedes (2010, p. 8 apud BARROSO, 2018) evidenciam algumas conquistas legislativas dos movimentos feministas brasileiros, mas também ressaltam os desafios ainda presentes: A criação da Lei Maria da Penha (11.240/06) possibilitou o esclarecimento perante a definição do que seria violência. Até então, entendia-se por violência apenas agressões que deixassem marcas visíveis, como hematomas ou feridas. Nesta Lei se discorre sobre as diversas formas da violência: caráter físico, psicológico, sexual, moral ou patrimonial. É, portanto, uma lei na qual a compreensão da violência refere-se a tudo aquilo que fere a integridade da pessoa. […] cabe, enfim, considerar que as políticas de gênero não ultrapassam os movimentos sociais, ao contrário mostram a importância da atuação desses movimentos no que tange ao protagonismo dos sujeitos sociais. Apesar das grandes conquistas femininas no último século, sobretudo estas legais que apresentamos, ainda há muito que fazer para que se finde o quadro de submissão feminina. É fundamental que o Estado invista cada vez mais nas Políticas Públicas voltadas para mulheres, e que o protagonismo do movimento feminista amplie a presença das mulheres na cena pública na luta pela garantia de direitos conquistados e ampliação de novos direitos. BARROSO, (2018). Outro grupo que também se organiza para lutar por seus direitos, uma vez que sofre discriminação pela condição de gênero, constitui o movimento LGBT. Esse movimento tem como uma de suas principais demandas o combate à homofobia e a defesa da diversidade sexual. Sobre esse conceito, veja o que fala Vianna (2015, p. 6 apud BARROSO, 2018): A utilidade do conceito de diversidade sexual refere-se, portanto, à legitimidade das múltiplas formas de expressão de identidades e práticas da orientação sexual e expressões das identidades de gênero. […] A palavra diversidade tem, portanto, muitos significados, politicamente construídos e dirigidos a problemáticas muito diferentes e às vezes até contraditórias da discriminação. […] Assim, utilizo a palavra diversidade por fazer parte do contexto analisado, mas ela está teoricamente embasada no conceito de diferença/desigualdade, voltado para o exame de um quadro extremamente 33 complexo, no qual se articularam demandas LGBT para a educação pública com movimentos internacionais, com mudanças na sociedade, com o fomento da produção de conhecimento sobre o tema, articulando o direito à educação com as temáticas de diversidade sexual, raça, geração, gênero e com pressões de agências multilaterais e organismos multinacionais. BARROSO, (2018). Conforme BARROSO, (2018) como enfatizado, o movimento LGBT ainda traz discussões específicas, como as questões de transexuais, lésbicas e homens que fazem sexo com outros homens, o que demanda ações específicas da área de saúde. De forma geral, as demandas da população LGBT têm ganhado visibilidade, mas ainda há muito a se fazer na sociedade contemporânea. Os problemas contemporâneos relacionados à questão de gênero têm ganhado espaço na arena das políticas públicas tanto no nível nacional como no nível internacional. No entanto, todo esse movimento ainda é apenas o começo de uma mobilização social que precisa continuar para modificar formas de pensar que incidem no preconceito, na discriminação e na violência de gênero. Por fim, lembre-se de que “[...] o preconceito é a valoração negativa que se atribui às características da alteridade. Implica a negação do outro diferente e, no mesmo movimento, a afirmação da própria identidade como superior/ dominante” (BANDEIRA; BATISTA, 2002, p. 138 apud BARROSO, 2018). Por isso, considere que, na reflexão sobre gênero, está em jogo o questionamento das relações de poder estabelecidas na sociedade há muito tempo. Assim, a mudança de pensamento não é simples, rápida nem automática. Contudo, é fundamental iniciá-la e refletir sobre os problemas contemporâneos. 34 8 DISFUNÇÕES SEXUAIS Fonte: terapiando.com.br Segundo o DSM-5, (2014) as disfunções sexuais incluem ejaculação retardada, transtorno erétil, transtorno do orgasmo feminino, transtorno do interesse/excitação sexual feminino, transtorno da dor gênito- -pélvica/penetração, transtorno do desejo sexual masculino hipoativo, ejaculação prematura (precoce), disfunção sexual induzida por substância/medicamento, outra disfunção sexual especificada e disfunção sexual não especificada. As disfunções sexuais formam um grupo heterogêneo de transtornos que, em geral, se caracterizam por uma perturbação clinicamente significativa na capacidade de uma pessoa responder sexualmente ou de experimentar prazer sexual. Um mesmo indivíduo poderá ter várias disfunções sexuais ao mesmo tempo. Nesses casos, todas as disfunções deverão ser diagnosticadas. De acordo com DSM-5, (2014) o julgamento clínico deve ser utilizado para determinar se as dificuldades sexuais são resultado de estimulação sexual inadequada; mesmo nessas situações ainda pode haver necessidade de tratamento, embora o diagnóstico de disfunção sexual não seja aplicável. Esses casos incluem, mas não se limitam a, condições nas quais a falta de conhecimento sobre estimulação eficaz impede a experiência de excitação ou de orgasmo. 35 Conforme DSM-5, (2014) os subtipos são usados para designar o início da dificuldade. Em muitos indivíduos com disfunções sexuais, o momento de início do quadro poderá indicar etiologias e intervenções diferentes. Ao longo da vida refere-se a um problema sexual que está presente desde as primeiras experiências sexuais, e adquirido aplica-se aos transtornos sexuais que se desenvolvem após um período de função sexual relativamente normal. Generalizado refere-se a dificuldades sexuais que não se limitam a certos tipos de estimulação, situações ou parceiros, e situacional aplica-se a dificuldades sexuais que ocorrem somente com determinados tipos de estimulação, situações ou parceiros. Afirma o DSM-5, (2014) que além dos subtipos ao longo da vida/adquirido e generalizado/situacional, inúmeros fatores devem ser considerados durante a avaliação de uma disfunção sexual, tendo em vista que poderão ser relevantes para a etiologia e/ou tratamento e contribuir, em maior ou menor grau, para a disfunção nos indivíduos: 1) fatores relacionados ao parceiro (p. ex., problemas sexuais; estado de saúde); 2) fatores associados ao relacionamento (p. ex., falta de comunicação; discrepâncias no desejo para atividade sexual); 3) fatores relacionados a vulnerabilidade individual (p. ex., má imagem corporal; história de abuso sexual ou emocional), comorbidade psiquiátrica (p. ex., depressão, ansiedade) ou estressores (p. ex., perda de emprego, luto); 4) fatores culturais ou religiosos (inibições relacionadas a proibições de atividade sexual ou prazer; atitudes em relação à sexualidade); e 5) fatores médicos relevantes para prognóstico, curso ou tratamento. De acordo com DSM-5, (2014) o julgamento clínico sobre o diagnóstico de disfunção sexual deve levar em consideração fatores culturais que possam influenciar expectativas ou criar proibições sobre a experiência do prazer sexual. O envelhecimento pode estar associado a redução na resposta sexual normal para o período. Segundo o DSM-5, (2014) a resposta sexual tem uma base biológica essencial, embora, em geral, seja vivenciada em um contexto intrapessoal, interpessoal e cultural. Portanto, a função sexual envolve uma interação complexa entre fatores biológicos, socioculturais e psicológicos. Em muitos contextos clínicos, não se conhece com exatidão a etiologia de um determinado problema sexual. Não obstante,o diagnóstico de uma disfunção sexual requer a exclusão de problemas que são mais bem explicados por algum transtorno mental não sexual, pelos efeitos de uma 36 substância (p. ex., droga ou medicamento), por uma condição médica (p. ex., devido a alguma lesão no nervo pélvico) ou por perturbação grave no relacionamento, violência do parceiro ou outros estressores. Conforme DSM-5, (2014) nos casos em que a essência da disfunção sexual for explicável por outro transtorno mental não sexual (p. ex., transtorno depressivo ou transtorno bipolar, transtorno de ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno psicótico), deve-se, então, diagnosticar apenas o outro transtorno mental. Problemas que forem mais bem explicados pelo uso, abuso ou descontinuação de um medicamento ou substância devem ser diagnosticados como disfunção sexual induzida por substância/medicamento. Nos casos em que a disfunção for atribuível a outra condição médica (p. ex., neuropatia periférica), o indivíduo não deve receber um diagnóstico psiquiátrico. Se perturbação grave do relacionamento, violência do parceiro ou outros estressores significativos explicarem melhor as dificuldades sexuais, não se aplica o diagnóstico de uma disfunção sexual; deve-se registrar um código adequado V ou Z para o problema do relacionamento ou para os estressores. Em muitos casos, é impossível estabelecer uma relação etiológica precisa entre alguma outra condição (p. ex., condição médica) e uma disfunção sexual. De acordo com DSM-5, (2014), segue: Ejaculação Retardada Critérios Diagnósticos 302.74 (F52.32) Transtorno Erétil Critérios Diagnósticos 302.72 (F52.21) Transtorno do Orgasmo Feminino Critérios Diagnósticos 302.73 (F52.31) Transtorno do Interesse/Excitação Sexual Feminino Critérios Diagnósticos 302.72 (F52.22) Transtorno da Dor Gênito-pélvica/Penetração Critérios Diagnósticos 302.76 (F52.6) Transtorno do Desejo Sexual Masculino Hipoativo Critérios Diagnósticos 302.71 (F52.0) Ejaculação Prematura (Precoce) Critérios Diagnósticos 302.75 (F52.4) 37 9 ASPECTO BIOLÓGICO QUE ENVOLVE A SEXUALIDADE Fonte: terapiaesexualidade.files.wordpress.com Segundo MELO; et al., (2005) quando a literatura se reporta ao aspecto biológico que envolve a sexualidade, há predominância da abordagem do funcionamento dos órgãos genitais e da fisiologia da resposta sexual humana. Kaplan afirma que para o funcionamento sexual adequado, é primordial a integridade dos órgãos genitais. Porém, Hogan ressalta que a integridade dos sistemas nervoso central, endócrino e vascular é tão importante quanto a dos órgãos genitais. Com isso, no que diz respeito ao aspecto biológico, é importante relacionar o quadro patológico geral do cliente às drogas utilizadas no tratamento e os achados do exame físico à sexualidade do cliente. A doença e sua terapêutica, ao comprometer um ou mais sistemas do organismo, pode ter influência em uma ou mais fases da resposta sexual humana compreendidas como fases genitais que se dividem em quatro estágios: excitação, platô, orgasmo e resolução, afirma MELO; et al., (2005). De acordo com MELO; et al., (2005) em 1979, foi apresentada uma compreensão significativa dessas fases, que ficaram conhecidas como fases biológicas da resposta sexual humana, contemplando: desejo, excitação e orgasmo, as quais, apesar de serem fases distintas, estão interligadas entre si. Fundamentado nessas fases, surge o conceito de disfunção sexual que consiste em qualquer desajuste, total ou parcial, que ocorra em uma dessas fases. A fase do desejo é 38 caracterizada como um "comportamento encoberto", ou seja, subjetivo. Porém, a Enfermagem, deve compreender que se trata de dado subjetivo, mas diretamente relacionado ao aspecto biológico. Logo, na entrevista, é importante que seja abordado não só o interesse da pessoa em participar de atividade sexual, mas também a sensação de se sentir ou não desejável pelo outro, pois aquele que não se sente desejável, dificilmente conseguirá despertar o desejo sexual no outro. Vale ressaltar que ao referir à atividade sexual, estamos abordando a relação sexual e a masturbação e recomendamos que o enfermeiro, ao coletar esses dados, não use a palavra desejável e, sim, atraente e/ou sensual, afirma MELO; et al., (2005). Porém, o fato de sentir-se ou não desejável está relacionado com a autoimagem que, por sua vez, está relacionado ao aspecto psicológico que envolve a sexualidade. Em face dessas considerações, temos que admitir que há uma grande dificuldade em avaliar as consequências das doenças físicas sobre a sexualidade, não tendo como delimitar "até onde vai a ação direta da doença ou onde começa a manifestação psicológica", afirma MELO; et al., (2005). Conforme MELO; et al., (2005) na fase da excitação, se o sujeito for homem, deve-se questionar problemas relacionados ao alcance ou manutenção da ereção. No caso da mulher, a investigação centraliza-se na lubrificação vaginal e na presença de dispareunia. Considerando que essa fase se caracteriza por um fenômeno vasocongestivo e, também, reflexo nos homens, um distúrbio do sistema cardiovascular e/ ou do sistema nervoso podem, certamente, comprometer a excitação masculina e feminina. Sendo assim, a Enfermagem diante de distúrbios dessa natureza deve orientar o cliente sobre as possíveis complicações da doença. De acordo com MELO; et al., (2005) quanto à fase do orgasmo, deve ser questionada a capacidade de atingir a satisfação sexual, manifestada pela sensação de prazer sexual e, no caso dos homens, também a percepção em atingir o prazer muito rápido. Com relação à mulher, é importante, ainda, investigar a vida reprodutiva e ginecológica, com dados a respeito da história menstrual, gravidez, aborto e frequência a consultas ginecológicas. Além da coleta de dados sobre as três fases da resposta sexual, relacionando os dados com os do exame físico, sugerimos que seja questionada a percepção do cliente a respeito de alguma limitação do estado de saúde ou do tratamento na sua 39 vida sexual, a fim de completar todas as possíveis alterações e para facilitar a investigação, é desejável que se faça uma comparação da resposta sexual, antes e após a mudança do estado de saúde, se for o caso, ou desde a época em que se iniciaram suas atividades sexuais até o aparecimento da alteração, afirma MELO; et al., (2005). 10 ASPECTO PSICOLÓGICO QUE ENVOLVE A SEXUALIDADE Fonte: pixabay.com Conforme MELO; et al., (2005) considerando-se o aspecto psicológico, Hogan orienta que devem ser avaliadas as alterações na autoimagem sexual, sendo esta definida como a imagem que temos de nós próprios como homens e mulheres, influenciados pela imagem corporal. Kolodny et al. (apud MELO; et al., 2005) salientam que, mediante uma modificação negativa na autoimagem, principalmente, decorrente de processos patológicos ou terapêuticos, pode ocorrer um sentimento de inferioridade, por se sentir feia ou diferente das outras pessoas. Segundo MELO; et al., (2005) sendo assim, é importante investigar a respeito das alterações físicas, decorrentes do processo patológico e terapêutico, vivenciadas atualmente e a interferência dessas alterações na vida sexual, pois sabe-se que um distúrbio da imagem corporal está diretamente relacionado à autoestima que, por sua 40 vez, também influencia a sexualidade. A abordagem das práticas e hábitos sexuais pode contemplar tanto os aspectos biológicos quanto o psicológico que envolvem a sexualidade. Se o enfoque for a avaliação de riscos de se adquirir doenças através da relação sexual, comprometendo a integridade dos órgãos genitais, trata-se de como aspecto biológico que envolve a sexualidade. Porém, se a avaliação se centralizar no comportamento da pessoa diantedas suas atividades sexuais, refere-se ao aspecto psicológico. De um modo geral, a literatura, a respeito de práticas e hábitos sexuais, engloba a investigação sobre a parceria sexual, especificando, se caracteriza uma parceria fixa ou não, o número de parceiros por ano e, principalmente, o uso de métodos contraceptivos e de proteção física, afirma MELO; et al., (2005). Conforme MELO; et al., (2005) sabe-se que o uso da camisinha é um hábito que deve ser praticado por todos; portanto, cabe à Enfermagem exercer sua prática educativa, no que diz respeito à orientação do uso desse método. Ressaltamos que, durante a assistência de enfermagem a pacientes portadores de distúrbios onco- hematológicos, que caracterizam uma população em que o uso da camisinha é essencial, devido ao comprometimento de sua imunidade, observamos que essa prática não está se efetuando, em parte importante dessa clientela que tem vida sexual ativa. Esse fato nos remete à necessidade de identificar tais hábitos, para se reforçar ou introduzir ações educativas de promoção à saúde e prevenção de doenças à população e à clientela de pacientes imunossuprimidos em especial, afirma MELO; et al., (2005). 41 11 BIBLIOGRAFIA BARROSO, Priscila Farfan. ESTUDOS CULTURAIS E ANTROPOLÓGICOS, 2018. BES, Pablo Rodrigo. SOCIEDADE, CULTURA E CIDADANIA, 2019. FORECHI, Marcilene. A sexualidade nos meios de comunicação, 2021. GARCIA, Olga Regina Zigelli. Sexualidades femininas e prazer sexual: uma abordagem de gênero, 2007. MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO DE TRANSTORNOS MENTAIS - DSM-5, 2014 MELO, Alexandra de Souza; CARVALHO, Emília Campos de. A ABORDAGEM DA SEXUALIDADE HUMANA NA COLETA DE DADOS EM ENFERMAGEM: DESAFIO PARA ENFERMEIROS, 2005 PEREIRA, Nuno Monteiro. Sexualidade na infância e adolescência, 2014. VITIELLO Nelson; CONCEIÇÃO, Isméri Seixas Cheque. Manifestações da Sexualidade nas Diferentes Fases da Vida. 1993
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