Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Eletromagnetismo I Cap. 2: Eletrostática 2.2: Fluxo, lei de Gauss e divergência do campo elétrico Prof. Marcos Menezes Instituto de Física - UFRJ 2.2 – Fluxo, lei de Gauss e divergência do campo elétrico 2.2.1 – Fluxo e lei de Gauss Já vimos que o fluxo de um campo vetorial 𝐄 através de uma superfície 𝑆 é definido por uma integral de superfície: Φ𝐸 𝑆 = න 𝑠 𝐄 ⋅ 𝑑𝑨 = න 𝑠 𝐄 ⋅ ෝ𝒏𝑑𝐴 • Para superfícies fechadas, o vetor unitário normal ෝ𝒏 deve apontar para fora em todos os pontos. • Para superfícies abertas, o sentido de ෝ𝒏 deve ser especificado. Interpretação física (simples): O fluxo é proporcional à quantidade de linhas de campo que atravessam 𝑆 Exemplo: Campo elétrico uniforme (𝐄 não depende da posição) e superfícies planas Φ𝐸 𝑆 = න 𝑠 𝐄 ⋅ 𝑑𝑨 = 𝐄 ⋅ න 𝑠 ෝ𝒏𝑑𝐴 = 𝐄 ⋅ ෝ𝒏 𝐴 Intuitivamente, esperamos que o fluxo de campo elétrico através de uma superfície fechada 𝑆 seja proporcional à quantidade total de carga no interior de 𝑆: A lei de Gauss, em sua forma integral, expressa a relação matemática entre essas duas quantidades. Demonstração (no contexto da Eletrostática) Vamos começar calculando o fluxo do campo produzido por uma carga puntiforme (na origem) através de uma superfície fechada 𝑆 de forma arbitrária (conhecida como superfície gaussiana): Φ𝐸 𝑆 = ර 𝑆 𝐄 ⋅ 𝑑𝑨 = ර 𝑆 1 4𝜋𝜀0 𝑞 𝑟2 ො𝒓 ⋅ 𝑑𝑨 = 𝑞 4𝜋𝜀0 ර 𝑆 ො𝒓 𝑟2 ⋅ 𝑑𝑨 Já discutimos o cálculo dessa integral no capítulo 1. Aplicando o teorema de Gauss, podemos reescrevê-la como uma integral de volume na região delimitada por 𝑆 : ර 𝑆 ො𝒓 𝑟2 ⋅ 𝑑𝑨 = න 𝑽 𝛁 ⋅ ො𝒓 𝑟2 𝑑𝑣 = න 𝑽 4𝜋 𝛿3 𝒓 𝑑𝑣 = ቊ 4𝜋, se 𝑞 está 𝐝𝐞𝐧𝐭𝐫𝐨 de 𝑆 0, se 𝑞 está 𝐟𝐨𝐫𝐚 de 𝑆 Portanto: Φ𝐸 𝑆 = ර 𝑆 𝐄 ⋅ 𝑑𝑨 = ቐ 𝑞 𝜀0 , se 𝑞 está 𝐝𝐞𝐧𝐭𝐫𝐨 de 𝑆 0, se 𝑞 está 𝐟𝐨𝐫𝐚 de 𝑆 Note que o resultado é consistente com a nossa expectativa baseada no conceito de linhas de campo! Finalmente, pelo princípio da superposição, o fluxo produzido por uma coleção de cargas é dado pela soma dos fluxos produzidos por cada carga. Apenas cargas no interior de 𝑆 contribuirão para o fluxo total, de forma que: Φ𝐸 𝑆 = ර 𝑆 𝐄 ⋅ 𝑑𝑨 = 𝑖 ර 𝑆 𝐄𝑖 ⋅ 𝑑𝑨 = 𝑖 𝑞𝑖 𝜀0 ර 𝑆 𝐄 ⋅ 𝑑𝑨 = 𝑄𝑖𝑛𝑡 𝑆 𝜀0 onde 𝑄𝑖𝑛𝑡 𝑆 é a carga total no interior de 𝑆. Esta é a lei de Gauss em forma integral e a primeira das quatro equações de Maxwell! 2.2.2 – A divergência do campo elétrico Vamos agora obter uma forma diferencial para a lei de Gauss. Note que a carga total pode ser expressa como: 𝑄𝑖𝑛𝑡 𝑆 = න 𝒱 𝜌 𝒓 𝑑𝑣 onde 𝜌 𝒓 é a densidade volumétrica de carga no ponto 𝒓 e 𝒱 é a região delimitada por 𝑆. OBS: Note que 𝜌 𝒓 é bem definida mesmo para distribuições contínuas em 1D ou 2D e para distribuições discretas. Basta utilizarmos funções delta para expressá-las apropriadamente! Com isso, a lei de Gauss fica: ර 𝑆 𝐄 𝒓 ⋅ 𝑑𝑨 = න 𝒱 𝜌 𝒓 𝜀0 𝑑𝑣 Como este resultado deve valer para qualquer volume 𝑉, concluímos que os integrandos devem ser iguais: ර 𝑆 𝐄 𝒓 ⋅ 𝑑𝑨 = න 𝑉 𝛁 ⋅ 𝐄 𝒓 𝑑𝑣 න 𝑉 𝛁 ⋅ 𝐄 𝒓 𝑑𝑣 = න 𝑉 𝜌 𝒓 𝜀0 𝑑𝑣 e portanto: Aplicando o teorema de Gauss ao lado esquerdo, obtemos: 𝛁 ⋅ 𝐄 = 𝜌 𝜀0 Esta é a lei de Gauss em forma diferencial. Note que ela expressa diretamente o valor da divergência do campo em termos da densidade volumétrica de carga! Cálculo alternativo De forma alternativa, podemos calcular a divergência do campo diretamente a partir de sua expressão em termos da densidade volumétrica de carga. Na aula passada, vimos que, pelo princípio da superposição: onde . Note que a integral foi estendida à todo o espaço levando em conta que 𝜌 = 0 fora da distribuição de cargas. Cálculo alternativo Tomando a divergência: Note que a derivada atua apenas sobre expressões que dependem de 𝒓. Por outro lado, já vimos que: em acordo com o cálculo anterior. Portanto: Exemplo: Cálculo da densidade volumétrica de carga a partir do campo elétrico (a) Podemos calcular 𝜌 a partir da divergência de 𝐄: 𝜌 𝒓 = 𝜀0𝛁 ⋅ 𝐄 = 𝜀0 1 𝑟2 𝜕 𝜕𝑟 𝑟2𝐸𝑟 = 𝜀0 1 𝑟2 𝜕 𝜕𝑟 𝑟2𝑘𝑟3 = 5𝜀0𝑘𝑟 2 Note que 𝜌 depende apenas de 𝑟, como consequência da simetria esférica do problema. (b) Solução 1: Podemos integrar diretamente 𝜌 para encontrar a carga: 𝑄 = න 𝑉 𝜌(𝒓) 𝑑𝑣 = න 0 𝑅 𝑟2𝑑𝑟න 0 𝜋 sen 𝜃 𝑑𝜃න 0 2𝜋 𝑑𝜑 𝜌(𝑟) Note que usamos mais uma vez a simetria esférica para fazer as integrações em 𝜃 e 𝜑. = න 0 𝑅 4𝜋𝑟2𝑑𝑟 𝜌(𝑟) = න 0 𝑅 4𝜋𝑟2𝑑𝑟 5𝜀0𝑘𝑟 2 = 4𝜋𝜀0𝑘𝑅 5 Solução 2: Podemos utilizar a lei de Gauss na forma integral para encontrar a carga no interior da esfera. Utilizando a superfície esférica 𝑆 de raio 𝑅 que define a sua borda, temos: 𝑄 = 𝜀0ර 𝑆 𝐄 ⋅ 𝑑𝑨 = 4𝜋𝜀0𝑘𝑅 5 = 𝜀0ර 𝑆 𝑘𝑅3ො𝐫 ⋅ 𝑑𝐴 ො𝐫 = 𝜀0𝑘𝑅 3ර 𝑆 𝑑𝐴 = 𝜀0𝑘𝑅 34𝜋𝑅2 2.2.3 – Aplicações da lei de Gauss Como vimos no curso de Física 3, a forma integral da lei de Gauss é muito útil para a obtenção de campos elétricos produzidos por distribuições de carga com alta simetria. Vamos recordar alguns exemplos. Exemplo 1: Esfera isolante com densidade não-uniforme (simetria esférica) OBS: 𝜌0 é uma constante positiva e 𝑅 é o raio da esfera. Como 𝜌 depende apenas da distância 𝑟 até o centro, as contribuições de elementos de carga em posições opostas com relação a 𝑂𝑃 resultam em um campo que aponta ao longo da direção radial: Da mesma forma, o módulo do campo deve depender apenas da distância 𝑟, uma vez que podemos aplicar o mesmo raciocínio para qualquer eixo que passa pelo centro da esfera. Com isso, podemos dizer que o campo elétrico produzido pela esfera tem a forma: 𝐄 = 𝐸 𝑟 ො𝐫 (simetria esférica) Escolhendo uma superfície gaussiana 𝑺 na forma de uma esfera de raio 𝑟 concêntrica à esfera carregada, podemos calcular o fluxo de 𝐄 através de 𝑆 em termos de 𝐸(𝑟): Φ𝐸 𝑆 = ර 𝑆 𝐄 ⋅ 𝑑𝑨 = ර 𝑆 𝐸 𝑟 ො𝐫 ⋅ 𝑑𝐴 ො𝐫 = 𝐸 𝑟 ර 𝑆 𝑑𝐴 = 𝐸 𝑟 4𝜋𝑟2 onde utilizamos que 𝐸(𝑟) é constante sobre a superfície 𝑆, de forma que pode ser retirado da integral. Note que o vetor 𝐄 não é constante sobre 𝑆! Explorando agora o lado direito da lei de Gauss, vamos calcular a carga total no interior de 𝑆. Para isso, devemos distinguir as regiões dentro e fora da esfera. Substituindo na lei de Gauss, encontramos: (i) Fora da esfera 𝑟 > 𝑅 : 𝑄𝑖𝑛𝑡 𝑆 = න 𝑉 𝜌(𝐫) 𝑑𝑣 = න 0 𝑅 𝜌 𝑟 4𝜋𝑟2𝑑𝑟 = න 0 𝑅 𝜌0 𝑟 𝑅 4𝜋𝑟2𝑑𝑟 = 𝜌0𝜋𝑅 3 ≡ 𝑄 𝐸 𝑟 4𝜋𝑟2 = 𝑄 𝜀0 Φ𝐸 𝑆 = 𝑄𝑖𝑛𝑡 𝑆 𝜀0 → 𝐸 𝑟 = 1 4𝜋𝜀0 𝑄 𝑟2 Note que o campo se reduz ao de uma carga puntiforme contendo toda a carga da distribuição. Como já vimos na aula passada (exemplo da casca esférica), este comportamento é típico da simetria esférica. Substituindo na lei de Gauss, encontramos: (ii) Dentro da esfera 𝑟 ≤ 𝑅 : 𝑄𝑖𝑛𝑡 𝑆 = න 𝑉 𝜌(𝐫) 𝑑𝑣 = න 0 𝑟 𝜌 𝑟′ 4𝜋𝑟′2𝑑𝑟′ = න 0 𝑟 𝜌0 𝑟′ 𝑅 4𝜋𝑟′2𝑑𝑟′ = 𝜌0𝜋𝑟 4 𝑅 = 𝑄 𝑟 𝑅 4 𝐸 𝑟 4𝜋𝑟2 = 𝑄 𝜀0 𝑟 𝑅 4 Φ𝐸 𝑆 = 𝑄𝑖𝑛𝑡 𝑆 𝜀0 → 𝐸 𝑟 = 1 4𝜋𝜀0 𝑄 𝑅4 𝑟2 Note que nesta região o módulo do campo cresce com a distância. Isto tipicamente ocorre em regiões onde há de fato carga presente. Por que? Graficamente: Note que o campo elétrico é contínuo na superfície (𝑟 = 𝑅), ao contrário do que vimos no exemplo da casca esférica na aula passada. Por que? Exemplo 2: Cilindro isolante com densidade não-uniforme (simetria cilíndrica) OBS: O raio do cilindro vale 𝑅. Encontre também o campo no lado de fora do cilindro. Empregando um raciocínio semelhante ao do exemplo anterior, vemos que o campo elétrico produzido pelo cilindro deve apontar perpendicularmente ao seu eixo e seu módulo deve depender apenas da distância 𝑠 até ele. Com isso, o campo elétrico tem a forma: 𝐄 = 𝐸 𝑠 ො𝐬 (simetria cilíndrica) Escolhendo uma superfície gaussiana 𝑆 na forma de um cilindro de raio 𝑠 e comprimento 𝑙, incluindo suastampas, podemos calcular o fluxo: Φ𝐸 𝑆 = ර 𝑆 𝐄 ⋅ 𝑑𝑨 = න 𝑠𝑢𝑝. 𝑙𝑎𝑡 𝐄 ⋅ 𝑑𝑨 +න 𝑡𝑎𝑚𝑝𝑎𝑠 𝐄 ⋅ 𝑑𝑨 A contribuição vinda das tampas é nula, pois o campo nelas é perpendicular à ෝ𝐧. Com isso: Φ𝐸 𝑆 = ර 𝑆 𝐄 ⋅ 𝑑𝑨 = න 𝑠𝑢𝑝. 𝑙𝑎𝑡 𝐄 ⋅ 𝑑𝑨 = න 𝑠𝑢𝑝. 𝑙𝑎𝑡 𝐸(𝑠)ො𝐬 ⋅ 𝑑𝐴ො𝐬 = 𝐸(𝑠)න 𝑠𝑢𝑝. 𝑙𝑎𝑡 𝑑𝐴 = 𝐸 𝑠 2𝜋𝑠 𝑙 onde utilizamos que 𝐸(𝑠) é constante sobre a superfície lateral. Explorando agora o lado direito da lei de Gauss, vamos calcular a carga total no interior de 𝑆. Para isso, devemos distinguir as regiões dentro e fora do cilindro. Substituindo na lei de Gauss, encontramos: (i) Fora do cilindro 𝑠 > 𝑅 : 𝑄𝑖𝑛𝑡 𝑆 = න 𝑉 𝜌(𝐫) 𝑑𝑣 = න 0 𝑅 𝑑𝑠න 0 2𝜋 𝑠 𝑑𝜃න 0 𝑙 𝑑𝑧 𝜌 𝑠 = 2𝜋𝑙 න 0 𝑅 𝑠 𝑑𝑠 𝜌 𝑠 = 2𝜋𝑙𝑘𝑅3 3 ≡ 𝜆𝑙 𝐸 𝑠 2𝜋𝑠 𝑙 = 𝜆𝑙 𝜀0 Φ𝐸 𝑆 = 𝑄𝑖𝑛𝑡 𝑆 𝜀0 → 𝐸 𝑠 = 1 2𝜋𝜀0 𝜆 𝑠 Como você pode verificar (ver problema 2.13), este é o mesmo campo produzido por um fio retilíneo fino, infinito, uniformemente carregado com uma densidade linear de carga 𝜆. Este é um resultado típico da simetria cilíndrica. Substituindo na lei de Gauss, encontramos: (ii) Dentro do cilindro 𝑠 < 𝑅 : 𝑄𝑖𝑛𝑡 𝑆 = න 𝑉 𝜌(𝐫) 𝑑𝑣 = 2𝜋𝑙 න 0 𝑠 𝑠′ 𝑑𝑠′ 𝜌 𝑠′ = 2𝜋𝑙𝑘𝑠3 3 ≡ 𝜆𝑙 𝑠 𝑅 3 𝐸 𝑠 2𝜋𝑠 𝑙 = 𝜆𝑙 𝜀0 𝑠 𝑅 3 Φ𝐸 𝑆 = 𝑄𝑖𝑛𝑡 𝑆 𝜀0 → 𝐸 𝑠 = 1 2𝜋𝜀0 𝜆 𝑅3 𝑠2 Novamente, obtivemos um campo cujo módulo aumenta com a distância numa região onde há cargas. Referências básicas • Griffiths (3ª edição) – cap.2 • Purcell – cap. 1 Leitura adicional • Ler sobre a simetria planar no livro-texto (exemplos 2.4 e 2.5) • Exercícios resolvidos: ver notas de aula e gravações do curso de Física 3
Compartilhar