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88 referência à língua de sinais; análise contrastiva das duas línguas; inserção de elementos visuais. Muitos materiais, hoje em dia, podem ser encontrados na internet e utilizados como material didático, como textos, fotos, imagens, gráficos, modelos de atividades, entre outros — enfim, é um novo universo de possibilidades que se desenha. No entanto, é importante lembrar que estamos pensando em materiais didáticos que precisam ser traduzidos de uma língua oral para uma língua gestual e que, além disso, as questões culturais e sociais dos surdos precisam ser consideradas. Por isso, é fundamental verificar a procedência e a viabilidade desses materiais. 10 A PEDAGOGIA BILÍNGUE A pedagogia bilíngue atua em processos relacionados ao ensino e à aprendizagem da linguagem, abordando os aspectos específicos desse processo pedagógico a partir da didática, da área educacional e dos mecanismos instrutivos que dialogam concomitantemente em duas línguas, ou seja, com o processo do bilinguismo no campo da educação (SOUZA, 2018). O interesse em questões relativas à pedagogia bilíngue é identificado por meio das inúmeras iniciativas sobre o ensino da língua de sinais no ensino regular em uma vertente da educação inclusiva. É importante destacar que a pedagogia bilíngue se baseia em princípios norteadores que são considerados elementares para a organização de todo o processo de ensino e aprendizagem do bilinguismo. Neste capítulo, você vai estudar esses princípios da pedagogia bilíngue, analisando a figura do professor como mediador da aprendizagem na perspectiva da diferença cultural e reconhecendo a importância da aprendizagem da língua de sinais por parte da sociedade. 89 10.1 Princípios da Pedagogia Bilíngue Para começar o estudo deste capítulo, é importante entender que o conceito de pedagogia se refere a um conjunto de técnicas, princípios, métodos e estratégias de educação e de ensino. Partindo dessa definição, a pedagogia é uma ciência que tem por objeto de estudo a educação e seus processos/técnicas mais eficientes para aperfeiçoar e estimular competências e habilidades nos indivíduos. Quanto ao conceito de bilíngue, consideramos que o que propõe Megale (2005, p. 2) que “[...] um indivíduo bilíngue é alguém que possui competência mínima em uma das quatro habilidades linguísticas (falar, ouvir, ler e escrever) em uma língua diferente de sua língua nativa”. Titone (1972 apud HARMES; BLANC, 2000, p. 7) também define bilinguismo, afirmando que é “a capacidade individual de falar uma segunda língua obedecendo às estruturas desta língua e não parafraseando a primeira língua”. Por fim, a definição mais comum é a de Barker e Prys (1998) e Li Wei (2000), que propõem que bilíngue se refere a indivíduos que possuem duas línguas. Na junção de ambos os conceitos, podemos entender que a pedagogia bilíngue diz respeito aos princípios, técnicas, métodos e estratégias utilizados na educação bilíngue. No conceito da pedagogia bilíngue que considera a língua de sinais, importa dizer que sua prática é embasada por princípios teóricos, que são: a inclusão, cujo ponto de vista é integrar a cultura surda por meio do ato educativo; o processo identitário, que organiza a dimensão individual para a dimensão social; relações de poder, nas quais se expressam as dimensões sociais da vida de um indivíduo. Partindo dos princípios destacados, você pode perceber que há uma lógica, cuja construção ocorre em etapas para a concretização de um processo pedagógico que envolve compreensão da ação educativa, destacando a diferença cultural e fixando o reconhecimento do ensino da língua de sinais no contexto social. 90 Para uma melhor compreensão da inserção dos princípios da pedagogia bilíngue em processos didático-pedagógicos, é necessário fazer uma alusão reflexiva ao processo de enaltecimento da cultura surda por meio da pedagogia bilíngue embasada em seus princípios elementares para o multiculuralismo, em que o avanço só é possível se todas essas etapas forem bem articuladas com o ato educativo na sociedade e com suas respectivas dinâmicas de pensamento teórico para viabilizar uma prática coerente com a promoção da educação bilíngue. Alguns autores entendem que a pedagogia bilíngue ou educação bilíngue, como alguns a chamam, concretiza-se, primeiramente, no espaço educacional, a fim de que a cultura surda efetivamente seja reconhecida e, logo, valorizada pela sociedade — considerando a escola como pressuposto imediato à inclusão no que se refere às diferenças culturais existentes na sociedade (SOUZA, 2018). A língua de sinais inserida nos conteúdos didáticos do ambiente escolar fundamenta a prática da educação bilíngue, na qual está o princípio da inclusão. Ou seja, com o ensino de Libras partindo da escola por meio atividades extraclasse, por exemplo, o aluno do ensino regular poderá adquirir interesse pelo assunto numa abordagem de interação a partir de estratégias de ensino. No princípio do processo identitário, a partir da inclusão, é produzido um pensamento a respeito da cultura surda em que assuntos relacionados a essa comunidade podem ser motivo de discussões entre os alunos. Nisso, o processo identitário da pessoa surda e de sua cultura pode ser mais explorado, despertando interesse nos aprendizes de uma segunda língua. Ainda no princípio do processo identitário, inserem-se temas como características de comportamento frente à interação dos surdos com os ouvintes ou entre outros surdos, além de outros assuntos que fazem parte do conjunto das características pertinentes que definem a realidade dos surdos. A língua brasileira de sinais é uma expressão do pensamento o surdo brasileiro. Durante muito tempo, os surdos foram considerados incapazes pelo fato de, entre outras inúmeras razões, a língua oral ter supremacia nas relações entre as pessoas. No entanto, esse pensamento presente na sociedade brasileira foi desprezado graças às diferenças culturais existentes no meio social, dentre as quais temos a cultura surda com sua especificidade, que têm se apropriado dos atos educativos do ensino bilíngue 91 em escolas de ensino regular, cursos livres, pastorais e outros segmentos religiosos cuja ideia inicial é fortalecer a comunicação entre surdos e ouvintes. Quanto ao princípio das relações de poder, pode-se dizer que a pedagogia bilíngue tem um viés de socialização, de interação e de integração da pessoa surda. Nesse cenário, temos a comunicação como fator primordial das relações que envolvem os surdos, pois a efetivação do ensino de duas línguas numa proposta de bilinguismo Libras/língua portuguesa e vice-versa leva a um enriquecimento nas relações sociais, em que fronteiras não terão mais espaço devido à comunicação entre surdos e ouvintes. As relações de poder se traduzem como, por exemplo, dependência de acesso a serviços públicos, informações básicas, ou seja, na dimensão da vida social, limitando-a ou até mesmo cerceando-a; com o ensino bilíngue, atinge-se o objetivo da quebra das barreiras da comunicação entre surdos/ ouvintes, trazendo um empoderamento à pessoa surda. Cabe destacar, ainda, que a pedagogia bilíngue, além de ter a base teórica pautada em seus próprios princípios, na prática, ocorre por meio de um processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem de acordo com as metodologias aplicadas na alfabetização tanto para crianças quanto para jovens e adultos. Assim, seu objeto principal consiste na interação com a língua por meio de habilidades, como a visuoespacial, a motora e a construtiva (SOUZA, 2018). O ensino bilíngue, assim, tem uma estrutura inicial em que o ponto de partida é o input linguístico de representações visuais ativadas com estímulos de imagens dos sinais e seus significados; passa por ativação da habilidade visuoespaciale da habilidade linguística; e chega à competência bilíngue (comunicação total ou comunicação semiótica em níveis básico, intermediário e avançado) (Figura 1). 92 A definição de indivíduo bilíngue como aquele que se comunica em outra língua, ainda que com pouca profundidade, mas estabelecendo uma comunicação, deve-se enfatizar que é simples e que tem apenas o intuito de destacar o mínimo de comunicação, já que, é preciso lembrar, a escrita dos surdos não tem a mesma estrutura da língua portuguesa — por exemplo, uma transcrição da Libras para língua escrita poderia criar a seguinte frase: “Eu ir hoje casa pai”. Nesse caso, há pouca apropriação da estrutura em si da língua portuguesa, mas há um processo de comunicação sendo realizado. O mesmo pode acontecer na relação do ouvinte com o surdo, em que esse tenta gestualmente realizar comunicação a partir de sinais conhecidos e apontamentos básicos agregados na mensagem a fim de garantir a comunicação. Obviamente, quando não se tem domínio da língua (fluência), o tempo da comunicação aumenta, pois não há objetividade nos termos utilizados, mas o mesmo ocorre com outras línguas no ato comunicativo. 93 Nesse contexto, também é importante destacar que a cultura surda faz parte da pluralidade brasileira, em que diferentes costumes, modos de ser, modos de se comunicar ou ainda de tradições e outras manifestações não nos separam, ao contrário, nos unem pela ideia da pluralidade num só lugar. Essa cultura está politicamente estabelecida, visto que a Libras passou a ser reconhecida por intermédio da Lei nº. 10.436, de 24 de abril de 2002, como língua de manifestação e expressão dos surdos, conforme artigos preliminares, a saber: Art. 1º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a língua brasileira de sinais — Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como língua brasileira de sinais — Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Art. 2º Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da língua brasileira de sinais — Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil. (BRASIL, 2002, documento on-line). 10.2 Questões Culturais, Identitárias e Bilinguismo A cultura surda e a proposta de educação bilíngue são duas questões que não se desassociam, não se separam, sempre caminham juntas, já que a prerrogativa do bilinguismo é a valorização da língua de sinais, da cultura, da comunidade e da identidade surdas. Karin Strobel (2009), em seu livro As imagens do outro sobre a Cultura Surda, aponta-nos oito artefatos que constituem o que ela define como cultura surda: 94 experiência visual; linguístico; familiar; literatura surda; vida social e esportiva; artes visuais; política e materiais. A experiência visual significa a utilização da visão para perceber o mundo ao seu redor. O surdo usa dessa experiência para ser, estar e se relacionar com o mundo à sua volta. O artefato linguístico traz um “aspecto fundamental” para a formação identitária do sujeito surdo. Segundo Strobel (2009), uma das principais marcas do povo surdo é a língua de sinais, por meio da qual os surdos vivem sua cultura, percebem o mundo em que vivem, captam as experiências visuais, transmitem o conhecimento que adquirem e se relacionam. Esses dois artefatos destacados, experiência visual e linguístico, são os pilares de uma proposta bilíngue. Quando utilizamos uma metodologia visual e ministramos as aulas em língua de sinais, estamos usando e valorizando esses dois artefatos culturais surdos. Para dar suporte à construção da(s) identidade(s) surda, além do contato precoce com a língua de sinais, outro fator importante é a identificação com um surdo adulto. Na proposta educacional bilíngue, o professor surdo ocupa um lugar de representação, ou seja, modelo linguístico, cultural, social, político e identitário para as crianças que frequentam a escola básica. Como apresentado anteriormente, cerca de 95% das crianças surdas são filhas de pais ouvintes, de modo que esse contato com surdos adultos é fundamental para o reconhecimento de suas características e para a construção de sua identidade. As crianças surdas constroem sua subjetividade a partir do contato com o outro, das relações que estabelecem com esse modelo de identificação em “espaços de interidentificação”. A escola bilíngue é um espaço propício para essa interidentificação, uma vez que facilita o encontro entre pares, descobertas, a subjetivação e as construções identitárias e culturais (MIRANDA; PERLIN, 2011). Perlin (2010) acrescenta que a identidade surda é construída dentro de uma cultura visual, corroborando com o que foi exposto. Em um espaço bilíngue, todas as representações surdas acontecem porque o espaço educacional foi pensado por e para surdos. É importante destacar que não defendemos uma separação entre surdos e ouvintes, pelo contrário, acreditamos que o trabalho em conjunto contribui para uma melhor harmonização das questões relacionadas ao ensinar e ao aprender. Quando há surdos na equipe de gestão de 95 uma escola bilíngue, é possível que sutilezas do “olhar surdo” possam ser melhor exploradas no cotidiano escolar. Por longos anos, as práticas, os métodos, as avaliações e os currículos não representavam aquilo que de fato os surdos buscam: a valorização de sua cultura, língua e identidade(s). O currículo foi, e ainda é, instrumento de colonização quando reproduz discursos hegemônicos e práticas ouvintistas. Com a abordagem bilíngue, é possível que estejamos frente a um “currículo surdo”, um currículo organizado para combater essas práticas de dominação e que valorize a cultura do olhar e as experiências visuais. Assim, é necessário que as práticas bilíngues se aproximem de um olhar antropológico e cultural da surdez. Skliar (2010) apresenta três razões para o fracasso escolar dos surdos. Em primeiro lugar, atribui esse fracasso ao surdo, em decorrência de sua deficiência; em segundo lugar, há uma culpabilização dos professores ouvintes e, por fim, o fracasso está relacionado aos métodos de ensino. A discussão sobre esse fracasso é recorrente nas rodas de conversas entre professores e pesquisadores da área. Skliar (2010) atribui uma justificativa para isso, apresentando-a como um fracasso da instituição-escola, das políticas públicas e da responsabilidade do Estado — isso pensado a partir de uma perspectiva inclusiva, de desvalorização de todas as questões que perpassam o sujeito surdo. Quando trabalhamos numa concepção antropológica, cultural, social, política e bilíngue da surdez, a deficiência dá lugar à diferença e a culpa não será mais dos professores ouvintes e de nenhum outro professor, pois as aulas serão ministradas em língua de sinais e não haverá métodos limitados, uma vez que as orientações, o planejamento e a organização escolar serão pensados por/com e para surdos. 10.3 O Professor Como Mediador da Aprendizagem na Perspectiva da Diferença Cultural A mediação da aprendizagem no enfoque da diferença cultural deve ser trabalhada na modalidade da interação. É importante destacar que a mediação do professor, a partir das suas práticas pedagógicas, inicialmente, alinha-se para a interação do objeto a ser aprendido pelos seus alunos — interagir no seu sentido de influência, de diálogo ou mesmo de contato. 96 A interação ou o contato com os conteúdos via mediação do professor, inicialmente, trará à tona o contexto cultural do surdo, observandoas suas peculiaridades, das mais simples às mais complexas, ainda que, de uma forma geral, será importante vislumbrar as informações e provocar as curiosidades de seus alunos. Nesse primeiro momento, torna-se fundamental conhecer a cultura da segunda língua a ser aprendida e entendê-la como uma diferença cultural presente na sociedade, tal como outras existentes, mas que fazem parte da realidade brasileira. Nesse sentido, Botelho (2002, p. 26) afirma que, “no ensino e na aprendizagem na visão da concepção interacionista de aprendizagem, o cerne é a interação via construção do conhecimento; a partir disso, o ensino bilíngue recorre a algumas metodologias da alfabetização na aquisição da linguagem”. Também é importante destacar que, na mediação da aprendizagem, as tecnologias possuem um importante papel para as necessidades de comunicação que transformam a realidade do aluno surdo quando oferecem possibilidades como mandar um e-mail e receber uma pronta resposta, ter acesso à informação em tempo real e, ainda, acessar rapidamente com uma mensagem todo o grupo de amigos de uma mesma cidade, de outras cidades e de participar de grupos virtuais, além de acesso às compras on-line e outras possibilidades da internet. Assim, para os surdos, as modificações trazidas pelas novas tecnologias vão muito além da educação, têm um viés social cuja inserção comunicativa, em muitas das atividades de vida diária antes inacessíveis, encurta-se pelo uso das novas tecnologias. Desvelar uma diferença cultural na mediação da aprendizagem implica tornar o assunto interessante para os alunos a partir de diálogos curiosos a respeito da cultura surda, de modo que os alunos se sintam instigados a realizar suas próprias buscas sobre o assunto. Antes de tudo, falar de diferença cultural requer discutir a constituição da identidade surda e seus desdobramentos. A identidade surda por si só já gera questões sobre a trajetória histórica dos surdos e o histórico da educação dessa comunidade no país, além de chamar a atenção para comportamento, assuntos relacionados à psicologia social e aos contextos vivenciados pela comunidade surda, assim como para as mudanças relevantes para os surdos nos últimos anos, como as principais questões políticas e as conquistas alcançadas. 97 Enfim, são diálogos pertinentes a uma cultura dentro de outras culturas, num mesmo país. A proposta da mediação no primeiro momento pedagógico via interação é de conscientizar os alunos para a importância da aprendizagem dessa cultura, assim como de outras culturas, e, ao mesmo tempo, sensibilizar para o reconhecimento das partes como um todo, ou seja, elementos de um mesmo conjunto, ainda que com fortes e marcantes diferenças — nessa perspectiva, somos iguais. A mediação do professor na aprendizagem como recurso para tornar eficiente a conscientização da segunda língua em face das diferenças culturais insere-se nesse contexto. Isso ocorre por meio da participação em escolas de surdos, encontros sociais com surdos e outros eventos que possam gerar a empiria, que se soma aos conteúdos didáticos da segunda língua, propondo uma prática da linguagem, ainda que elementar em sua estrutura, visto que essa ação pedagógica estimula o aprendizado e o torna mais atraente para quem aprende (SOUZA, 2018). Por fim, na mediação, o professor é um promotor da interação e da empiria no que se refere à educação bilíngue. 10.4 A Importância da Aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais Por Parte da Sociedade A comunicação entre as pessoas é um fator de contato, permite que se estabeleçam relações e, nesse sentido, que se participe da vida social. A importância da aprendizagem da língua de sinais tem como pressuposto a educação social, que tem como cerne da questão “a inclusão”, ou seja, a participação de todos, gerando contato em sociedade, apropriação de direitos e deveres, receptação e emissão de informação. As propostas educacionais atuais que favorecem a cultura surda têm sido alvo de discussões nos encontros de educação inclusiva, o que representa mudanças e aspectos evolutivos na atenção à pessoa surda e na importância do conhecimento acerca dessa cultura, presente na realidade brasileira há muito tempo, embora tenha sido ignorada durante uma fase enorme. As rupturas que crescem em torno do pensamento arcaico e preconceituoso quanto ao ensino de Libras têm se mostrado potentes frente às propostas educacionais amparadas pela obrigatoriedade do ensino dessa língua nos cursos de licenciaturas e da sua presença em cursos de especialização em bilinguismo. 98 Durante um longo período histórico, o surdo foi esquecido e sua foi cultura desprezada. A inclusão e a valorização do pensamento acerca das diferenças culturais envolvendo a comunidade surda revelam que, nos últimos anos, novos horizontes têm sido erguidos a partir de políticas públicas educacionais, viabilizando a legitimidade da valorização do bilinguismo. Percebe-se, assim, que houve, e há, alguns esforços pelo reconhecimento da cultura surda, cujas políticas educacionais atuais acabam por realizar um resgate histórico a partir do reparo de uma dívida social com a comunidade surda no país, pois muito pouco foi feito em prol desses indivíduos — só a partir de 2002 os olhares se voltaram para a questão do surdo e seus direitos. Para Soares (1999, p. 218), o pouco, ou quase nenhum, conhecimento sobre a Libras garantiu o pensamento equivocado de que essa era “[...] uma metodologia oral e, por ser considerada apenas como mímica, motivou a cultura hegemônica ouvinte a estigmatizar e a condenar o uso dessa língua, considerando-a imprópria”. Muitas vezes, a Libras também foi vista na educação do surdo como algo prejudicial à aquisição da linguagem oral, bem como à sua integração na sociedade. A necessidade da aprendizagem de Libras na sociedade vai para além da escola, pois estabelecimentos comerciais, órgãos públicos, prestação de serviços e outros espaços sociais, na sua grande maioria, são deficientes na comunicação com as pessoas surdas que desejam utilizar-se desses espaços para determinados fins. Existem, ainda, muitas barreiras no acesso da pessoa surda a informações sobre produtos, compras, crediários, serviços bancários e outros. Desse modo, percebe-se, ainda, uma ausência comunicativa da Libras em espaços públicos, como shoppings, bancos e até mesmo serviços públicos de espectro amplo, limitando a vida social de uma pessoa surda e tornando-a dependente de outros. Diante do exposto, embora tenhamos obtido avanços, é importante destacar que ainda há muito que se fazer para a valorização da cultura surda em espaços para além da escola. Para Quadros (1997, p. 57), já que “a identidade surda se constrói dentro de uma cultura visual, essa diferença precisa ser entendida não como uma construção isolada, mas como construção multicultural”. Dessa forma, entende-se que a identidade dos surdos é o conjunto de traços que os distinguem dos ouvintes, representada por uma cultura específica, resultante das interações entre esses indivíduos. 99 Assim, dada a importância da Libras como fator de educação social para o pensamento inclusivo, implementá-la é uma ação que requer rupturas no campo do estigma e do preconceito. Dessa forma, a pedagogia bilíngue segue desbravando tais rupturas e enaltecendo a cultura surda na perspectiva do ato educativo/interacionista pelo respeito às diferenças e pela apropriação de direitos e deveres a partir da comunicação total ou da comunicação semiótica do ensino da segunda língua, a fim de compartilhar indivíduos entre si como seres ativos (BOTELHO, 2002). É importante ter claro que a comunidade surda quer ser levada a sério, deseja um tratamento respeitoso e uma inclusão, isto é, que seus indivíduos sejam reconhecidos como figuras capazes na sociedade.100 11 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ALBRES, N. A. Surdos e inclusão educacional. Petrópolis: Arara Azul, 2010. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 13 jul. 2019; ALENCASTRO, Mariana Isidoro de. História da educação de surdos. SAGAH, 2018. BAGNO, M. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2011. BERNARDINO, E. L. A. O valor da interação na aquisição de uma língua de sinais. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 14, n. 4, 2014. Disponível em: http:// dx.doi.org/10.1590/1984-639820146070. Acesso em: 04 ago. 2019. BOTELHO, P. Linguagem e letramento na educação dos surdos: ideologias e práticas pedagógicas. 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