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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 3 2 BILINGUISMO NOS ESTUDOS EM AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ............... 4 2.1 Questões culturais, identitárias e bilinguismo ............................................ 7 2.2 Práticas discursivas ................................................................................... 9 3 A PEDAGOGIA BILÍNGUE ............................................................................ 10 3.1 O professor como mediador da aprendizagem na perspectiva da diferença cultural ............................................................................................................. 14 4 O BILINGUISMO NAS ESCOLAS ................................................................. 16 4.1 Eficiência do Ensino Bilíngue .................................................................. 20 5 BILINGUISMO E A LÍNGUA INDÍGENA ........................................................ 22 5.1 A escola e o bilinguismo indígena ........................................................... 25 6 BILINGUISMO E SURDEZ ............................................................................ 27 6.1 A educação no ensino bilíngue surdez .................................................... 31 7 BILINGUISMO COMO LÍNGUA DE HERANÇA ............................................. 34 8 O USO DA TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO BILÍNGUE ................................ 38 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 42 3 1 INTRODUÇÃO O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 BILINGUISMO NOS ESTUDOS EM AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM Fonte: sproutly.com Desde aprovação da Lei nº. 10.436/02 e do Decreto nº. 5.626/05, os surdos passaram a ser reconhecidos como grupos minoritários linguisticamente e culturalmente (FERNANDES; MOREIRA, 2014 apud MARTINS, 2018). A partir disso, tornou-se imprescindível pensar em uma nova abordagem educacional, o bilinguismo bicultural, que considera a língua de sinais como primeira língua (L1) e valoriza sua cultura e visualidade. De acordo com Slomski (2012 apud MARTINS, 2018), quando pretendemos “falar de bilinguismo, em primeiro lugar, faz-se necessário falar sobre dois tipos de bilinguismo”, o bilinguismo e a diglossia, cunhados por Felipe (1989). Segundo Felipe (1989 apud MARTINS, 2018): O bilinguismo, envolve a competência e o desempenho em duas línguas, enquanto a diglossia é uma situação “linguística em que duas línguas estão em relação de complementariedade”, ou seja, são usadas em momentos e situações diferentes. Em relação à surdez, o bilinguismo e a diglossia podem ocorrer 5 sincronicamente, uma vez que o contato com as pessoas ouvintes os faz, em determinadas situações, usar a língua portuguesa para leitura e escrita. Pereira et al. (2011 apud MARTINS, 2018) nos apresentam outro conceito de bilinguismo, que traz de forma mais explícita aquilo que procuramos entender em um contexto educacional. Nesse cenário, bilinguismo refere-se ao ensino de duas línguas para os surdos: “a primeira língua, a língua de sinais, e a segunda, a língua majoritária, ensinada preferencialmente na modalidade de leitura e escrita”. É interessante, nesse sentido, destacar que o aprendizado da primeira dará sustentação para o aprendizado da segunda. Essa é uma das principais questões do bilinguismo: o uso das duas línguas. Há um grande erro que faz parte do senso comum e que pode atravancar o desenvolvimento e/ou a implementação das escolas bilíngues em nosso país, que é a inclusão de tradutores intérpretes de Libras/língua portuguesa e de professores/instrutores surdos no quadro de funcionários das escolas comuns, afirmando que a existência desses profissionais constitui ou apresenta um espaço bilíngue de educação (XAVIER et al., 2016 apud MARTINS, 2018). Slomski (2012 apud MARTINS, 2018) nos apresenta que 95% dos surdos nascem em famílias ouvintes, ou seja, frequentam, dentro de seu ambiente doméstico, uma situação monolíngue, mas o ideal é que esses surdos pudessem usufruir de uma situação bilíngue (Libras/língua portuguesa). Muitos surdos terão acesso tardiamente à língua de sinais, ou seja, somente quando ingressarem na educação básica inclusiva, o que não é suficiente. É importante destacar que o bilinguismo se baseia em pressupostos teórico- metodológicos do modelo sociocultural de surdez (SLOMSKI, 2012 apud MARTINS, 2018) e fundamenta-se em diversas áreas do conhecimento, como a sociologia, a antropologia, a psicologia, a linguística e a educacional, sempre relacionando-se com a cultura e as identidades surdas. Esse fato nos mostra uma proposta educacional que extrapola o uso de duas línguas, envolvendo atores e instituições para além dos muros da escola. 6 Uma proposta pedagógica bilíngue oferece às crianças surdas as mesmas garantias de possibilidades de aprendizagem linguísticas e desenvolvimento psicológico de uma criança ouvinte. Para que isso aconteça, o ensino é ministrado em língua de sinais, que é uma língua natural para essa criança e sobre a qual ela tem maior domínio e fluência (SLOMSKI, 2012 apud MARTINS, 2018). Uma prática pedagógica que merece espaço para análise é pedagogia visual, com a qual o uso de imagens, vídeos, mapas, maquetes, fotografias, entre outros recursos, é essencial para que se planeje uma aula dentro de uma proposta bilíngue. A pedagogia visual explora a língua de sinais e a visualidade do sujeito surdo como forma de potencializar seu aprendizado e dinamizar as aulas. Sá e Sá (2015 apud MARTINS, 2018) destacam, em sua obra “Escolas Bilíngues de Surdos: por que não?”, que os surdos precisam de escolas “linguisticamente específicas”, cujo ambiente lhes traga um conforto linguístico de forma natural. No entanto, isso só será possível se houver um projeto pedagógico estruturado e bem delimitado para atender às suas especificidades em relação ao aprender, de preferência pensado por pessoas que conhecem a surdez (área do conhecimento). Esse ambiente necessita de vivacidade, de pares linguísticos, de modelos identitários e culturais, possibilitando, assim, às crianças surdas um espaço no qual elas naturalmente irão adquirir a língua de sinais. É sobre esse ambiente que as escolas bilíngues precisam ser estruturadas, um ambiente vivo, natural, em que a língua de sinais possa circular de forma espontânea e sem amarras, favorecendo o desenvolvimento integral dos surdos. Segundo Quadros (1997 apud MARTINS, 2018), os objetivos de uma escola bilíngue devem ser: criar um ambiente linguístico apropriado às formas particulares de processamento cognitivo e linguístico das crianças surdas; assegurar o desenvolvimento socioemocional íntegro das crianças surdas a partir da identificação com surdos adultos; garantir a possibilidade de a criança construir umateoria de mundo; oportunizar o acesso completo à informação curricular e cultural. 7 2.1 Questões culturais, identitárias e bilinguismo A cultura surda e a proposta de educação bilíngue são duas questões que não se desassociam, não se separam, sempre caminham juntas, já que a prerrogativa do bilinguismo é a valorização da língua de sinais, da cultura, da comunidade e da identidade surdas. Karin Strobel (2009 apud MARTINS, 2018), em seu livro “As imagens do outro sobre a Cultura Surda”, aponta-nos oito artefatos que constituem o que ela define como cultura surda: experiência visual; linguístico; familiar; literatura surda; vida social e esportiva; artes visuais; política e materiais. A experiência visual significa a utilização da visão para perceber o mundo ao seu redor. O surdo usa dessa experiência para ser, estar e se relacionar com o mundo à sua volta. O artefato linguístico traz um “aspecto fundamental” para a formação identitária do sujeito surdo. Segundo Strobel (2009 apud MARTINS, 2018), uma das principais marcas do povo surdo é a língua de sinais, por meio da qual os surdos vivem sua cultura, percebem o mundo em que vivem, captam as experiências visuais, transmitem o conhecimento que adquirem e se relacionam. Esses dois artefatos destacados, experiência visual e linguístico, são os pilares de uma proposta bilíngue. Quando utilizamos uma metodologia visual e ministramos as aulas em língua de sinais, estamos usando e valorizando esses dois artefatos culturais surdos (MARTINS, 2018). Para dar suporte à construção da(s) identidade(s) surda, além do contato precoce com a língua de sinais, outro fator importante é a identificação com um surdo adulto. Na proposta educacional bilíngue, o professor surdo ocupa um lugar de representação, ou seja, modelo linguístico, cultural, social, político e identitário para as crianças que frequentam a escola básica. Como apresentado anteriormente, cerca de 95% das crianças surdas são filhas de pais ouvintes, de modo que esse contato com surdos adultos é fundamental para o reconhecimento de suas características e para a construção de sua identidade (MARTINS, 2018). As crianças surdas constroem sua subjetividade a partir do contato com o outro, das relações que estabelecem com esse modelo de identificação em “espaços de inter identificação”. A escola bilíngue é um espaço propício para essa inter 8 identificação, uma vez que facilita o encontro entre pares, descobertas, a subjetivação e as construções identitárias e culturais (MIRANDA; PERLIN, 2011 apud MARTINS, 2018). Perlin (2010 apud MARTINS, 2018) acrescenta que a identidade surda é construída dentro de uma cultura visual, corroborando com o que foi exposto. Em um espaço bilíngue, todas as representações surdas acontecem porque o espaço educacional foi pensado por e para surdos. É importante destacar que não defendemos uma separação entre surdos e ouvintes, pelo contrário, acreditamos que o trabalho em conjunto contribui para uma melhor harmonização das questões relacionadas ao ensinar e ao aprender. Quando há surdos na equipe de gestão de uma escola bilíngue, é possível que sutilezas do “olhar surdo” possam ser melhor exploradas no cotidiano escolar (MARTINS, 2018). Por longos anos, as práticas, os métodos, as avaliações e os currículos não representavam aquilo que de fato os surdos buscam: a valorização de sua cultura, língua e identidade(s). O currículo foi, e ainda é, instrumento de colonização quando reproduz discursos hegemônicos e práticas ouvintistas. Com a abordagem bilíngue, é possível que estejamos frente a um “currículo surdo”, um currículo organizado para combater essas práticas de dominação e que valorize a cultura do olhar e as experiências visuais. Assim, é necessário que as práticas bilíngues se aproximem de um olhar antropológico e cultural da surdez (MARTINS, 2018). Skliar (2010 apud MARTINS, 2018) apresenta três razões para o fracasso escolar dos surdos: Em primeiro lugar, atribui esse fracasso ao surdo, em decorrência de sua deficiência; em segundo lugar, há uma culpabilização dos professores ouvintes e, por fim, o fracasso está relacionado aos métodos de ensino. A discussão sobre esse fracasso é recorrente nas rodas de conversas entre professores e pesquisadores da área. Skliar (2010 apud MARTINS, 2018) atribui uma justificativa para isso, apresentando-a como um fracasso da instituição-escola, das políticas públicas e da responsabilidade do Estado — isso pensado a partir de uma perspectiva inclusiva, de desvalorização de todas as questões que perpassam o sujeito surdo. 9 Quando trabalhamos numa concepção antropológica, cultural, social, política e bilíngue da surdez, a deficiência dá lugar à diferença e a culpa não será mais dos professores ouvintes e de nenhum outro professor, pois as aulas serão ministradas em língua de sinais e não haverá métodos limitados, uma vez que as orientações, o planejamento e a organização escolar serão pensados por/com e para surdos (MARTINS, 2018). 2.2 Práticas discursivas Segundo Martins (2018) a comunidade surda vem lutando por uma educação de qualidade há anos, por uma educação que contemple suas especificidades e valorize sua língua e sua cultura. Assim, encontrou, na proposta bilíngue, um modelo que atenda a seus anseios. Concomitantemente, a luta por uma sociedade mais inclusiva também é fruto desses movimentos, pois a escola é reflexo da sociedade. Mesmo com aprovações de inúmeras legislações que garantem acessibilidade (comunicacional, informacional entre outras), que é um direito, os surdos continuam a encontrar barreiras nos mais diferentes espaços públicos e privados de nosso país. É necessário que consigamos romper com a principal das barreiras, que é a atitudinal. Esse rompimento se dará a partir do momento em que a sociedade compreender que vivemos e convivemos na/com a diversidade (MARTINS, 2018). A maioria de nossas escolas não são inclusivas, ou seja, a língua de instrução não é a língua de sinais, e sim a língua portuguesa. Isso faz com que o número de alunos surdos matriculados nesses estabelecimentos de ensino seja o menor possível, uma vez que a Lei Brasileira de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) (BRASIL, 1996 apud MARTINS, 2018) permite que os alunos sejam matriculados nas escolas próximas de sua residência. Esse modelo de educação não é o aprovado pela comunidade surda, pois traz uma estrutura que não considera as questões sobre a surdez. Com um ensino que não atende às suas especificidades educativas, os surdos têm uma formação básica precária e acabam por carregar um estigma de uma pessoa que não produz aquilo que a sociedade espera. É importante lembrar que percebemos a deficiência como um constructo social, ou seja, a deficiência não está no sujeito, e sim 10 na sociedade, nas barreiras por ela construídas. Com essa marca, o ingresso no mercado de trabalho acontece, na maioria dos casos, por/para funções menos valorizadas (MARTINS, 2018). Nesse sentido, o bilinguismo traz um reconhecimento político da surdez (área do conhecimento) e do surdo como diferença, além do reconhecimento desse grupo enquanto uma minoria linguística. Assim, a educação de surdos é mais que uma abordagem de ensino, pois fornece outros paradigmas epistemológicos, além de subverter papéis, crenças e atitudes (SLOMSKI, 2012 apud MARTINS, 2018). De acordo com Quadros e Cruz (2012 apud MARTINS, 2018), há um mito que defende a ideia de que, quando as crianças surdas têm contato com a língua de sinais, elas estariam impossibilitadas de aprender uma língua oral. Ainda segundo as autoras, as pesquisas sobre bilinguismo são crescentes e apontam para vantagens cognitivas quando há o aprendizado de mais de uma língua. A proposta bilíngue está relacionada com a concepção de Gramática Universal: todos nós, seres humanos,possuímos um dispositivo de aquisição de linguagem, e esse é acionado a partir de nossa experiência linguística. No caso das crianças surdas, esse dispositivo será acionado mediante contato com a língua de sinais, e não com a língua portuguesa (QUADROS, 1997 apud MARTINS, 2018). A criança surda pode, e deve, aprender a língua portuguesa, mas isso nunca acontecerá de forma natural, como acontece com a Libras. 3 A PEDAGOGIA BILÍNGUE Como caracteriza Souza (2016), a pedagogia bilíngue atua em processos relacionados ao ensino e à aprendizagem da linguagem, abordando os aspectos específicos desse processo pedagógico a partir da didática, da área educacional e dos mecanismos instrutivos que dialogam concomitantemente em duas línguas, ou seja, com o processo do bilinguismo no campo da educação. O interesse em questões relativas à pedagogia bilíngue é identificado por meio das inúmeras iniciativas sobre o ensino da língua de sinais no ensino regular em uma vertente da educação inclusiva. É importante destacar que a pedagogia bilíngue se 11 baseia em princípios norteadores que são considerados elementares para a organização de todo o processo de ensino e aprendizagem do bilinguismo (SOUZA, 2016). Quanto ao conceito de bilíngue, consideramos que o que propõe diversos autores citados por Megale (2005, p. 2 apud SOUZA, 2016) que “[...] um indivíduo bilíngue é alguém que possui competência mínima em uma das quatro habilidades linguísticas (falar, ouvir, ler e escrever) em uma língua diferente de sua língua nativa” (MACNARA, 1967 apud HARMERS; BLANC, 2000, p. 6 apud SOUZA, 2016). Titone (1972 apud HARMES; BLANC, 2000, p. 7 apud SOUZA, 2016) também define bilinguismo, afirmando que é “a capacidade individual de falar uma segunda língua obedecendo às estruturas desta língua e não parafraseando a primeira língua”. Por fim, a definição mais comum é a de Barker e Prys (1998 apud SOUZA, 2016) e Li Wei (2000 apud SOUZA, 2016), que propõem que bilíngue se refere a indivíduos que possuem duas línguas. Na junção de ambos os conceitos segundo Souza (2016), podemos entender que a pedagogia bilíngue diz respeito aos princípios, técnicas, métodos e estratégias utilizados na educação bilíngue. No conceito da pedagogia bilíngue que considera a língua de sinais, importa dizer que sua prática é embasada por princípios teóricos, que são: a inclusão, cujo ponto de vista é integrar a cultura surda por meio do ato educativo; o processo identitário, que organiza a dimensão individual para a dimensão social; relações de poder, nas quais se expressam as dimensões sociais da vida de um indivíduo (SOUZA, 2016). Para uma melhor compreensão da inserção dos princípios da pedagogia bilíngue em processos didático-pedagógicos para Souza (2016), é necessário fazer uma alusão reflexiva ao processo de enaltecimento da cultura surda por meio da pedagogia bilíngue embasada em seus princípios elementares para o multiculuralismo, em que o avanço só é possível se todas essas etapas forem bem articuladas com o ato educativo na sociedade e com suas respectivas dinâmicas de pensamento teórico para viabilizar uma prática coerente com a promoção da educação bilíngue. 12 Alguns autores entendem que a pedagogia bilíngue ou educação bilíngue, como alguns a chamam, concretiza-se, primeiramente, no espaço educacional, a fim de que a cultura surda efetivamente seja reconhecida e, logo, valorizada pela sociedade — considerando a escola como pressuposto imediato à inclusão no que se refere às diferenças culturais existentes na sociedade (SOUZA, 2016). Ainda conforme Souza (2016), a língua de sinais inserida nos conteúdos didáticos do ambiente escolar fundamenta a prática da educação bilíngue, na qual está o princípio da inclusão. Ou seja, com o ensino de Libras partindo da escola por meio atividades extraclasse, por exemplo, o aluno do ensino regular poderá adquirir interesse pelo assunto numa abordagem de interação a partir de estratégias de ensino. No princípio do processo identitário, a partir da inclusão, é produzido um pensamento a respeito da cultura surda em que assuntos relacionados a essa comunidade podem ser motivo de discussões entre os alunos. Nisso, o processo identitário da pessoa surda e de sua cultura pode ser mais explorado, despertando interesse nos aprendizes de uma segunda língua (SOUZA, 2016). Para Souza (2016), ainda no princípio do processo identitário, inserem-se temas como características de comportamento frente à interação dos surdos com os ouvintes ou entre outros surdos, além de outros assuntos que fazem parte do conjunto das características pertinentes que definem a realidade dos surdos. A língua brasileira de sinais é uma expressão do pensamento o surdo brasileiro. Durante muito tempo, os surdos foram considerados incapazes pelo fato de, entre outras inúmeras razões, a língua oral ter supremacia nas relações entre as pessoas. No entanto, esse pensamento presente na sociedade brasileira foi desprezado raças às diferenças culturais existentes no meio social, dentre as quais temos a cultura surda com sua especificidade, que têm se apropriado dos atos educativos do ensino bilíngue em escolas de ensino regular, cursos livres, pastorais e outros segmentos religiosos cuja ideia inicial é fortalecer a comunicação entre surdos e ouvintes (SOUZA, 2016). Quanto ao princípio das relações de poder, segundo Souza (2016) pode-se dizer que a pedagogia bilíngue tem um viés de socialização, de interação e de integração da pessoa surda. Nesse cenário, temos a comunicação como fator primordial das relações que envolvem os surdos, pois a efetivação do ensino de duas línguas numa proposta de 13 bilinguismo Libras/língua portuguesa e vice-versa leva a um enriquecimento nas relações sociais, em que fronteiras não terão mais espaço devido à comunicação entre surdos e ouvintes. Na visão de Souza (2016), as relações de poder se traduzem como, por exemplo, dependência de acesso a serviços públicos, informações básicas, ou seja, na dimensão da vida social, limitando-a ou até mesmo cerceando-a; com o ensino bilíngue, atinge-se o objetivo da quebra das barreiras da comunicação entre surdos/ouvintes, trazendo um empoderamento à pessoa surda. Cabe destacar, ainda, que a pedagogia bilíngue, além de ter a base teórica pautada em seus próprios princípios, na prática, ocorre por meio de um processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem de acordo com as metodologias aplicadas na alfabetização tanto para crianças quanto para jovens e adultos. Assim, seu objeto principal consiste na interação com a língua por meio de habilidades, como a visuoespacial, a motora e a construtiva (SOUZA, 2016). O ensino bilíngue na opinião de Souza (2016), assim, tem uma estrutura inicial em que o ponto de partida é o input linguístico de representações visuais ativadas com estímulos de imagens dos sinais e seus significados; passa por ativação da habilidade visuoespacial e da habilidade linguística; e chega à competência bilíngue (comunicação total ou comunicação semiótica em níveis básico, intermediário e avançado). Como caracteriza Souza (2016), a definição de indivíduo bilíngue como aquele que se comunica em outra língua, ainda que com pouca profundidade, mas estabelecendo uma comunicação, deve-se enfatizar que é simples e que tem apenas o intuito de destacar o mínimo de comunicação, já que, é preciso lembrar, a escrita dos surdos não tem a mesma estrutura da língua portuguesa — por exemplo, uma transcrição da Libras pra língua escrita poderia criar a seguinte frase: “Eu ir hoje casa pai”. Nesse caso, há pouca apropriação da estrutura em si da língua portuguesa, mas há um processo de comunicação sendo realizado. O mesmo pode acontecer na relação do ouvinte com o surdo, em que esse tenta gestualmente realizar comunicação a partir de sinais conhecidose apontamentos básicos agregados na mensagem a fim de garantir a comunicação. 14 Obviamente, quando não se tem domínio da língua (fluência), o tempo da comunicação aumenta, pois não há objetividade nos termos utilizados, mas o mesmo ocorre com outras línguas no ato comunicativo. Nesse contexto de acordo com Souza (2016), também é importante destacar que a cultura surda faz parte da pluralidade brasileira, em que diferentes costumes, modos de ser, modos de se comunicar ou ainda de tradições e outras manifestações não nos separam, ao contrário, nos unem pela ideia da pluralidade num só lugar. Essa cultura está politicamente estabelecida, visto que a Libras passou a ser reconhecida por intermédio da Lei nº. 10.436, de 24 de abril de 2002, como língua de manifestação e expressão dos surdos, conforme artigos preliminares, a saber: Art. 1º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a língua brasileira de sinais — Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como língua brasileira de sinais — Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual- motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Art. 2º Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da língua brasileira de sinais — Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil. (BRASIL, 2002, documento on-line apud SOUZA, 2016). 3.1 O professor como mediador da aprendizagem na perspectiva da diferença cultural A mediação da aprendizagem no enfoque da diferença cultural deve ser trabalhada na modalidade da interação. É importante destacar que a mediação do professor, a partir das suas práticas pedagógicas, inicialmente, alinha-se para a interação do objeto a ser aprendido pelos seus alunos — interagir no seu sentido de influência, de diálogo ou mesmo de contato. A interação ou o contato com os conteúdos via mediação do professor, inicialmente, trará à tona o contexto cultural do surdo, observando as suas peculiaridades, das mais simples às mais complexas, ainda que, de uma forma geral, será importante vislumbrar as informações e provocar as curiosidades de seus alunos. Nesse primeiro momento, torna-se fundamental conhecer a cultura da segunda língua a 15 ser aprendida e entendê-la como uma diferença cultural presente na sociedade, tal como outras existentes, mas que fazem parte da realidade brasileira. Nesse sentido, Botelho (2002, p. 26) afirma que, no ensino e na aprendizagem na visão da concepção interacionista de aprendizagem, o cerne é a interação via construção do conhecimento; a partir disso, o ensino bilíngue recorre a algumas metodologias da alfabetização na aquisição da linguagem. Também é importante destacar que, na mediação da aprendizagem, as tecnologias possuem um importante papel para as necessidades de comunicação que transformam a realidade do aluno surdo quando oferecem possibilidades como mandar um e-mail e receber uma pronta resposta, ter acesso à informação em tempo real e, ainda, acessar rapidamente com uma mensagem todo o grupo de amigos de uma mesma cidade, de outras cidades e de participar de grupos virtuais, além de acesso às compras on-line e outras possibilidades da internet. Assim, para os surdos, as modificações trazidas pelas novas tecnologias vão muito além da educação, têm um viés social cuja inserção comunicativa, em muitas das atividades de vida diária antes inacessíveis, encurta-se pelo uso das novas tecnologias. Desvelar uma diferença cultural na mediação da aprendizagem implica tornar o assunto interessante para os alunos a partir de diálogos curiosos a respeito da cultura surda, de modo que os alunos se sintam instigados a realizar suas próprias buscas sobre o assunto. Antes de tudo, falar de diferença cultural requer discutir a constituição da identidade surda e seus desdobramentos. A identidade surda por si só já gera questões sobre a trajetória histórica dos surdos e o histórico da educação dessa comunidade no país, além de chamar a atenção para comportamento, assuntos relacionados à psicologia social e aos contextos vivenciados pela comunidade surda, assim como para as mudanças relevantes para os surdos nos últimos anos, como as principais questões políticas e as conquistas alcançadas. Enfim, são diálogos pertinentes a uma cultura dentro de outras culturas, num mesmo país. A proposta da mediação no primeiro momento pedagógico via interação é de conscientizar os alunos para a importância da aprendizagem dessa cultura, assim como de outras culturas, e, ao mesmo tempo, sensibilizar para o reconhecimento das 16 partes como um todo, ou seja, elementos de um mesmo conjunto, ainda que com fortes e marcantes diferenças — nessa perspectiva, somos iguais. A mediação do professor na aprendizagem como recurso para tornar eficiente a conscientização da segunda língua em face das diferenças culturais insere-se nesse contexto. Isso ocorre por meio da participação em escolas de surdos, encontros sociais com surdos e outros eventos que possam gerar a empiria, que se soma aos conteúdos didáticos da segunda língua, propondo uma prática da linguagem, ainda que elementar em sua estrutura, visto que essa ação pedagógica estimula o aprendizado e o torna mais atraente para quem aprende. Por fim, na mediação, o professor é um promotor da interação e da empiria no que se refere à educação bilíngue. 4 O BILINGUISMO NAS ESCOLAS Fonte: awareidiomas.com Segundo Moura (2018), há muitos anos, é comum, por parte das famílias, a procura pelo ensino de uma segunda língua. Mesmo antes da mundialização e das grandes mudanças que vêm transformando nossa sociedade, ser falante de uma língua 17 estrangeira era visto como um grande mérito e algo que poderia ser um fator decisivo para o sucesso profissional de um jovem estudante. Com o passar dos anos, esse desejo pela aquisição de um segundo idioma foi se disseminando por todo o mundo e também no nosso país e, nas últimas décadas, tornou-se uma disciplina praticamente obrigatória no currículo da maioria das escolas brasileiras (FORTES, 2013, p.1 apud MOURA, 2018). Essas escolas, públicas ou privadas em sua maioria, optam pelo ensino da língua Inglesa e em segundo plano a Língua Espanhola. Conforme a demanda pelo Ensino do Inglês foi aumentando, foram surgindo diversos métodos e práticas pedagógicas diferenciadas para o ensino da segunda língua. A educação bilíngue é uma das opções existentes para o processo de aquisição de uma língua estrangeira e pode-se dizer que seu principal objetivo é possibilitar ao aluno não só um contato momentâneo durante algumas horas com a segunda língua, mas sim maximizar as oportunidades de contato do aluno com esse novo idioma (MOURA, 2018). Na opinião de Moura (2018), a proposta de uma escola bilíngue é que o aluno não aprenda uma língua como o Inglês por exemplo como uma disciplina qualquer, mas sim que essa língua faça parte do próprio currículo. Que seja ministrada aos alunos de igual importância com sua própria língua materna e que principalmente possibilite aos alunos um contato prematuro e ainda na primeira infância, dessa forma o aluno terá maiores possibilidades de aprendizagem, desde a primeira infância. Apesar de os dados em relação ao número de escolas bilíngues em nosso território serem de difícil acesso, pesquisas apontam que vem aumentando o número de escolas bilíngues no Brasil, e a procura, por parte das famílias brasileiras, por esse tipo de ensino, pode ser explicada por alguns fatores. Com a globalização e os constantes avanços tecnológicos, o inglês tem se tornadouma língua necessária para uma melhor colocação no mercado de trabalho e também muito utilizado no cotidiano, e por isso as famílias procuram inserir cada vez mais cedo as crianças num ambiente de língua inglesa, para que a aquisição da segunda língua se torne algo natural e rápido (Revista Veras, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 110 apud MOURA, 2018). 18 As escolas bilíngues, diferentemente das escolas internacionais, possuem, em maioria, alunos brasileiros, com o português como primeira língua. Essa procura de alunos brasileiros por escolas bilíngues pode estar associada também à mentalidade brasileira da aquisição da língua inglesa como um bem de consumo importante, possibilitando ascensão econômica e status social. (FORTES, 2013, p.2 apud MOURA, 2018) O ensino de línguas nos anos iniciais de vida possibilita uma aprendizagem satisfatória se comparada com o ensino da língua na fase adulta, uma vez que, na infância, as crianças são dotadas de um diferencial biológico que maximiza o seu potencial de aprendizagem. Pesquisas mostram que o processo de aquisição da língua funciona em relação inversa ao desenvolvimento biológico do homem, quanto mais envelhecemos, mais se torna difícil o processo de aquisição de uma segunda língua (FORTES, 2013, p.4 apud MOURA, 2018). Por isso Moura (2018), afirma que uma pessoa está mais apta a se tornar proficiente na língua na fase da infância, e isso torna ainda mais autêntica a procura de escolas bilíngues desde a primeira infância por parte dos pais brasileiros. Por esses motivos, podemos dizer que o Ensino Bilíngue consiste no ensino de dois idiomas inseridos na grade curricular do aluno e tendo igual importância no processo de aprendizagem, não sendo apenas mais um item dentre os objetivos de estudo, mas sendo utilizado para ensinar as matérias do currículo. Esse tipo de ensino permite ao aluno possuir alto nível de proficiência em ambas as línguas, materna e segunda língua. O conceito de educação bilíngue no Brasil ainda não é totalmente definido e pode ser conceituado de muitas formas. À educação bilíngue, além do ensino concomitante de duas línguas como Inglês-Português, podem estar associados também o Ensino de Libras para alunos Surdos ou a Educação Indígena (MOURA, 2018). Mas o que seria afinal a educação bilíngue? A educação bilíngue seria um método de ensino que instrui os alunos numa língua que não é sua língua materna, ou aquela que eles utilizam no meio familiar. Existem vários modelos diferentes e tipos de educação bilíngue variando de acordo com o objetivo do ensino dessa língua adicional, as especificidades dos alunos envolvidos no processo de ensino, a carga horária de ensino de cada idioma, as estratégias de ensino e entre outras características que justificam a existência de diferentes tipos de educação bilíngue. (MELLO, Heloisa A. B. apud MOURA, 2018) 19 Como caracteriza Moura (2018) em relação ao objetivo do Ensino da segunda língua, podemos dizer que modelo de Ensino Bilíngue deve ter um propósito na medida em que é ofertado para a população, atendendo a um ou mais objetivos pelos quais as famílias optam por inserir os filhos no contexto da Educação Bilíngue. Se o objetivo do programa bilíngue é atender a alunos que já estão nos anos finais do Ensino primário, ele será desenvolvido de uma forma, e se esse programa abrange os anos iniciais na educação infantil o objetivo já diverge e, portanto, serão modelos de ensino diferentes. A carga horária também é outro fator relevante no Ensino Bilíngue. Algumas escolas bilíngues optam por aulas somente em um turno do dia e outras já preferem atender em um período integral. É possível para uma escola aderir a um programa no qual os alunos tenham apenas um período de aulas na escola e que seja suficiente para atender a toda a carga curricular exigida, nesse período por exemplo os alunos podem ter o horário dividido por disciplinas nas quais algumas estarão sendo ministradas em português e outras em inglês. Outra opção, no caso do período integral, é dividir o dia em duas partes onde no período matutino será destinado ao Ensino da L¹ e o período vespertino ao Ensino da L². Essa diferenciação entre a carga horária pode estar relacionada também com a demanda dos pais, onde muitos podem optar por um período integral pela necessidade de se trabalhar durante todo o dia e nesse caso os estudantes estarão recebendo instrução durante um período mais longo tendo a oportunidade de ter contato por mais tempo com o segundo idioma. E no caso dos pais que optam pelo meio período, esses podem preferir que as crianças estejam apenas em um turno no ambiente escolar para estarem livres para realizarem ouras atividades fora do espaço escolar podendo ser acadêmicas ou esportivas entre outras (MOURA, 2018). De acordo com Moura (2018), as especificidades dos alunos envolvidos no processo de ensino são outro fator relevante entre os tipos de ensino bilíngue. Algumas instituições valorizam a questão da individualidade e de uma atenção diferenciada para cada tipo de aluno. Nesse tipo de instituição os programas podem estar atendendo a demandas pessoais como uma preferência por disciplinas exatas, humanas, artes e etc. Podem também estar mais atentas a algum déficit de aprendizagem do aluno propondo atividades diferenciadas e um acompanhamento mais próximo. Sendo assim, os 20 programas de Ensino Bilíngue podem se diferenciar de acordo com as necessidades e a realidade dos alunos envolvidos no processo. Outro fator decisivo para a determinação de um modelo de Ensino Bilíngue são as estratégias de ensino que serão adotadas. Essas estratégias podem estar relacionadas com métodos de Ensino presentes nas escolas. Com relação ao ensino da segunda língua um ponto importante é a questão do método de alfabetização que será utilizado pela instituição. Algumas escolas são mais liberais, deixando os professores livres para utilizarem experiências prévias, métodos próprios ou se utilizarem de métodos já existentes, mas de forma livre. Outra já podem estar focadas em um determinado método e trabalharem de forma mais engessada, de repente para manter um padrão de qualidade e objetivos já alcançados anteriormente, sendo assim as estratégias adotadas pelas diferentes escolas Bilíngues no Brasil e mundo afora são outro fator relevante para diferenciar os modelos de Ensino Bilíngue existentes (MOURA, 2018). 4.1 Eficiência do Ensino Bilíngue Como o Ensino Bilíngue no Brasil é relativamente novo vem que crescendo e se expandindo nas últimas décadas, muitos têm dúvidas sobre a eficácia desse método e vários questionamentos surgem a partir desse tipo de Ensino. A pergunta clássica que assombra a todos que estão inseridos no contexto do Ensino Bilíngue é: “A criança não vai confundir as duas línguas? ” Para responder a questionamentos como esse há vários estudos e experiências que comprovam que a criança é capaz de aprender concomitantemente e caminhar entre os dois idiomas com excelência, sem nenhum prejuízo educacional, muito pelo contrário, o Ensino traz muitos benefícios ao educando bilíngue (MOURA, 2018). Ellen Bialystok é uma neurocientista cognitiva que focou seus estudos no processo de aquisição de uma segunda língua principalmente na infância e sobre como esse processo afeta a mente humana. Ellen afirma que o bilinguismo é capaz de modificar o funcionamento cerebral e que indivíduos bilíngues tem vantagens em relação a indivíduos monolíngues, como uma capacidade maior para realizar várias tarefas ao 21 mesmo tempo e até mesmo retardar os sintomas causados por doenças como o Alzheimer (MOURA, 2018). O bilinguismo funciona como um exercício para o cérebro, por meio da aprendizagem de duas línguas o indivíduo está em constante processo de troca entre as línguas para sua socialização e comunicação e por isso o cérebro setorna mais maleável para executar outras funções, sendo assim em lares onde os pais têm nacionalidades diferentes o bilinguismo deve ser estimulado tanto para conectar os filhos a história e cultura por meio da língua materna dos pais quanto pela oportunidade de aprimorar sua mente. (BIALYSTOK, CARIK, GREEN, GOLLAN, 2009, p. 4 apud MOURA, 2018). Para Moura (2018), o bilinguismo possibilita uma capacidade de abstrair as distrações em situações onde é necessária muita concentração e uma atenção mais seletiva para um determinado assunto, mesmo que não seja um assunto relacionado a língua em si mesmo em atividades não verbais os bilíngues tem um desempenho superior. Esse tipo de característica, que é um benefício para os indivíduos bilíngues, é explicada pela utilização do Sistema de Controle Executivo, esse sistema é responsável por controlar e selecionar a língua que será utilizada em cada momento pelo falante. Em outros testes realizados com crianças esse sistema que no caso da língua determina qual dos idiomas em competição será selecionado se mostrou ativo mesmo não estando diretamente relacionado com o bilinguismo, como por exemplo pela demonstração de facilidade das crianças bilíngues por realizarem atividades que continham situações de conflito em que uma única resposta estava certa. Diversos estudos comprovam que o bilinguismo está diretamente relacionado com as funções cognitivas, uma vez que podem ser aprimoradas pelo constante exercício de troca entre os dois sistemas de linguagem que estão em contínua competição na mente do indivíduo bilíngue (MOURA, 2018). 22 5 BILINGUISMO E A LÍNGUA INDÍGENA Fonte: educacao.mg.gov.br O processo de escolarização dos povos indígenas se iniciou na época do Brasil colônia em 1549, com a chegada dos jesuítas ao país. A princípio uma tentativa de se realizar um trabalho que atendesse as necessidades da coroa portuguesa e os interesses da igreja católica, dando assim, início ao trabalho de evangelização. Aparentemente o objetivo era de ensinar aos indígenas e filhos de colonos a ler e escrever, mas na prática o que ocorria era a escolarização apenas dos filhos de colonizadores. Em contrapartida, os indígenas eram apenas catequizados para servirem de mão de obra escrava, pois os colonizadores não os consideravam adequados para a formação católica (BARÃO, 2017). Nos aldeamentos do período colonial ocorreram os primeiros contatos de crianças kaingang com o ensino formal escolar. Não houve continuidade a partir dessas experiências, não se estabelecendo uma educação formal, por isso, apesar dos aldeamentos do século XIX apenas alguns indígenas kaingang frequentaram as escolas. Durante o século XX foi criado o SPI (Serviço de Proteção ao Índio), com a entrada de 23 alguns membros desse órgão em áreas kaingang. Após isso, houve a chamada “integração do índio à sociedade nacional”, que permitiu que as crianças indígenas pudessem ser introduzidas nas escolas. A integração nem sempre era regular, e adicionado ao desinteresse dos próprios indígenas, essas escolas somente tinham a função de alfabetizar. (BARÃO, 2017). De acordo com Barão (2017), o SPI foi se tornando o representante da visão mais preconceituosa e senso comum da sociedade brasileira a respeito dos indígenas. Eram encarados como atraso ao processo e improdutivos, queriam torná-los “cidadãos produtivos” e apropriar-se das riquezas de suas terras para o “bem da sociedade regional”, e foi assim até meados dos anos 40, que foi a sua extinção. Todavia houve efeitos dissociativos ou desagregadores sobre a cultura ou sobre a organização social das comunidades kaingang naquele período. Isso não se deveu apenas à escola e com a presença dos funcionários do SPI, mas também com as constantes presenças de arrendatários não índios nas terras indígenas e de envolvimento de indígenas em ações de repressão às comunidades e de seu patrimônio. Com o crescimento da presença e das ocupações dos não índios sobre as terras indígenas, aos poucos as comunidades tiveram uma crescente dependência das relações econômicas e sociais com a sociedade nacional envolvente. Também houve uma constante degradação do habitat e o rompimento das condições tradicionais de reprodução da vida indígena. É neste contexto que se mudam as condições e a intensidade das relações bilíngues. Quando finalmente o bilinguismo deixa de ser uma necessidade individual e se torna uma necessidade de praticamente todos os indivíduos da comunidade, se fica diante de uma situação irreversível de avanço da língua portuguesa sobre os espaços da língua indígena. Na maior parte do sul do Brasil, a aquisição do português por meio do contato e de relações econômicas e sociais dos indígenas com as comunidades não índias em seu entorno, vinha se dando a um prejuízo visível à vitalidade das línguas indígenas (BARÃO, 2017). Segundo Barão (2017), em 1967 ocorre a extinção do Serviço de Proteção ao Índio que foi substituído pela FUNAI. Estes órgãos tinham as escolas missionárias monolíngues, alfabetizando e ensinando apenas em português, com esse novo quadro houve uma mudança com a introdução de um ensino bilíngue. No entanto, o crescimento 24 vertiginoso da oferta de ensino escolar dentro das comunidades indígenas experimentou dois momentos principais: a década de 1970, com fortes investimentos federais para a implantação de um tipo de ensino de transição ou substituição em comunidades kaingang com a participação do SIL (Summer Institute of Linguistics) e o momento atual (iniciado na segunda metade da década de 1990), com a chamada “estadualização” da educação escolar indígena. Os dois momentos efetivamente têm contribuído para a perda da vitalidade das línguas minoritárias nas comunidades indígenas do Brasil meridional. Entre os kaingang, povo de língua da família jê e os mais numerosos no sul do Brasil (com população de 30 mil pessoas), as mudanças mais importantes nas escolas dentro das comunidades indígenas tiveram início na década de 1970. Neste contexto, de acordo com Veiga e D’Angelis (2012 apud BARÃO, 2017) no início dos anos 70, em convênio envolvendo a FUNAI, o SIL e a IECLB (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil) se deu início a formação das turmas chamadas de “monitores bilíngues”. Era destinada a jovens kaingang do sul do país, que em poucos anos de curso se tornariam alfabetizadores de crianças kaingang na própria língua. Mas somente a partir de 1972 que alguns monitores começaram a alfabetizar nas línguas indígenas, mas não obtiveram sucesso porque o tipo de programa de ensino adotado ainda era a do “bilinguismo de transição”, que no lugar de fortalecer a língua minoritária, resultou em um frequente abandono da língua pelas gerações mais jovens. Barão (2017) afirma que dessa forma, muitas comunidades em que essa experiência aconteceu, mostraram maiores efeitos de perda linguística nos anos posteriores. Desde a década de 50, o SIL já havia iniciado sua presença e suas pesquisas na comunidade kaingang no Paraná, por meio da linguista-missionária Ursula Wiesemann. Foi ela quem acabou definindo a ortografia do kaingang, mesmo com algumas impropriedades, mas ainda beneficiando escolas com monitores bilíngues nos anos 70. Naquela época Wiesemann estava integrada ao Summer Institute of Linguistics, e missionava aos kaingang em Rio das Cobras no Paraná e na IECLB (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil). De acordo com D’Angelis (2012 apud BARÃO, 2017) na formulação de dicionários da língua (e na tradução de texto bíblico-religiosos do português para o kaingang), os missionários evangélicos chegaram ao cúmulo de trabalhar conscientemente na 25 ressignificação de termos indígenas, com o objetivo de combater valores e práticas próprias da cultura kaingang e atribuir-lhes carga negativa, associando-os à sua crençano “demônio”. O trabalho do programa implantado pelo SIL estabelece um sistema de ensino de língua indígena baseado nos princípios e metodologia do chamado “Bilinguismo de transição” ou “Bilinguismo de substituição”. O modelo efetivamente contribui (e contribuiu historicamente), para a desvalorização da língua indígena, à qual se designa apenas o papel de ponte para levar à introdução e domínio da língua nacional. Assim, o SIL é reconhecidamente um disfarce de um empreendimento de proselitismo evangélico, tratando-se de uma forma de apressar o processo integracionista em sociedades indígenas ainda bastante conservadas linguisticamente. Por isso, os programas bilíngues introduzidos pelo SIL foram mais prejudiciais às sociedades e línguas indígenas do que o ensino integracionista monolíngue do SPI e FUNAI até então (BARÃO, 2017). 5.1 A escola e o bilinguismo indígena Nesse tipo de programa, segundo Barão (2017) a língua indígena é tolerada apenas no ensino escolar pela única questão concreta: a de que as crianças como principal alvo do programa são quase sempre monolíngues (de suas línguas maternas). Este programa educacional dito bilíngue, baseado nesse modelo transicional transmite um discurso ou uma ideologia para a criança indígena: de que sua língua materna é limitada, pobre de recursos, dispensável e inútil para todas as coisas. Barão (2017), exemplifica enquanto a língua minoritária, no caso o português, é uma língua rica, de recursos ilimitados, indispensável para a realização ou para o conhecimento de inúmeras coisas. Um discurso alienante que faz com que a criança indígena tenha desprezo pela língua familiar. Nesse contexto, são incontáveis os jovens que, sendo falantes nativos do kaingang como a primeira língua e tendo frequentado as escolas bilíngues dos anos 70 e 80, abandonaram por completo a língua materna, passando a empregar em todos os contextos apenas a língua portuguesa. Posteriormente vários deles passaram a buscar, desesperadamente, recuperar seu conhecimento ou seu contato com a língua que antes abandonaram. Em 1990 houve 26 uma mudança definitiva de perspectivas, esse novo contexto foi igualmente marcado pelas garantias constitucionais dos direitos indígenas, mas também pela multiplicação de manifestações. Na visão de Barão (2017), documentos e iniciativas oficiais e não oficiais de amparo, sustentação, apoio, divulgação e incentivo a práticas supostamente benéficas e de interesse das sociedades indígenas, favoreceram o crescimento dos programas e projetos de educação escolar em sociedades indígenas e consequentemente programas de formação de professores indígenas. Na década de 90 a responsabilidade da educação escolar indígena deixa de ser atribuição própria da FUNAI e passa a ser atribuído ao Ministério da Educação (MEC). Este passou a ser um co-financiador de diversas ações, incluindo as publicações de materiais didáticos em línguas indígenas. De certa forma, também houve pressão vinda de questionamentos do Ministério Público que levou os governos estaduais a criar ações próprias e setores específicos, nas secretarias de educação para a chamada “Educação Escolar Indígena”. Conforme Barão (2017), nesse cenário, muitos técnicos despreparados e sem formação adequada foram designados para organizar e dirigir esses setores e essas ações. Mais ainda, apoiaram-se em diversas ocasiões, em missionários evangélicos proselitistas, por seu contato e conhecimento da língua kaingang. Desde 2005 renovaram-se os quadros técnicos naquele setor, mas ainda persistiam as práticas de improviso. Uma concepção equivocada e preconceituosa de que a formação de professores indígenas poderia ser feita por qualquer um, uma vez que os indígenas deveriam ser vistos de forma análoga aos professores da rede pública. De fato, todas as ações oficiais em relação a educação escolar indígena no sul do Brasil, da virada do século para o quase final da primeira década do século XXI, resultou numa formação capenga. Em geral ela foi feita, quase sempre, por pessoas sem qualificação para tal, sobretudo no que diz respeito ao conhecimento real acerca das culturas e das línguas indígenas, e também nos processos de educação bilíngue. Mas a maior consequência, ou seja, o resultado nefasto desse tipo de concepção e prática educacional (“intercultural” ou bicultural”) é a alienação da criança e do jovem indígena em relação às suas próprias raízes culturais (BARÃO, 2017). 27 6 BILINGUISMO E SURDEZ Fonte: veja.abril.com De acordo com Muller; Karnopp (2015), a educação escolar bilíngue, considerando os seus atravessamentos discursivos – sobretudo de domínios linguísticos, educacionais e políticos – é considerada como um relevante cenário para o ensino aos surdos e instituída como uma „verdade‟ nas comunidades surdas. Entretanto, apesar de alguns avanços na constituição de propostas de educação escolar bilíngue, outros desafios se colocam, sobretudo no terreno das instituições escolares. A educação de surdos tem mudado no Brasil, o que está ligado às políticas educacionais, às pesquisas e às lutas surdas em prol da garantia de seus direitos. A diferença surda mobiliza a luta pela igualdade de direitos e pela pedagogia da diferença, de modo que se reconheçam as comunidades e o povo surdo, as culturas surdas, as línguas de sinais, as experiências visuais, os tradutores/intérpretes, o uso de tecnologias e os recursos de acessibilidade. Importa também considerar que várias pesquisas empreendidas, principalmente a partir da década de 90, especialmente nas áreas da Linguística e da Educação, discutem metodologias, organização curricular e princípios filosóficos na educação de surdos. No entanto, propostas e tendências vinculadas à 28 educação bilíngue são apontadas como complexas e significativas, tanto é que a temática tem sido incorporada às agendas de políticas públicas brasileiras, sendo a implementação de políticas educacionais inclusivas tensionada por comunidades surdas e outros grupos linguísticos minoritários (a exemplo das comunidades indígenas) (MULLER; KARNOPP, 2015). O bilinguismo pode ser compreendido como a habilidade de usar duas línguas, em diferentes graus de competência, podendo o sujeito ter mais ou menos fluência em uma delas, com desempenhos diferentes nas línguas em função do contexto de uso e do propósito comunicativo. Nessa perspectiva, a educação bilíngue, de acordo com Karnopp (2012 apud MULLER; KARNOPP, 2015), inclui, no mínimo, a contar pelas palavras que compõem essa expressão, duas grandes áreas: Educação e Linguística. Ainda conforme a autora, a expressão “estar sendo bilíngue” parece mais adequada, já que aproxima o bilinguismo à condição de uso ou de contextos de uso de duas ou mais línguas em contato; também não determina uma condição inerente e permanente do sujeito. O bilinguismo, para Zimmer, Finger e Scherer (2008 apud MULLER; KARNOPP, 2015), apresenta muitas configurações e diferentes classificações, dependendo das dimensões linguísticas, cognitivas, sociais e de desenvolvimento que são consideradas como foco de atenção. Diante de grupos que utilizam mais que duas línguas e em diferentes contextos sociais, pode-se pensar em práticas multilíngues. Parafraseando Skliar (1999 apud MULLER; KARNOPP, 2015), não há como descrever o bilinguismo como uma situação de harmonia e de intercâmbios culturais, mas, sim, como uma realidade conflitiva, principalmente no contexto da escola. Na educação de surdos, conforme vários estudos realizados, uma proposta bilíngue compreende o ensino de duas línguas: a língua de sinais como primeira língua (Libras, neste país) e, como segunda língua, na modalidade escrita, a língua oficial usada pela maioria da população (no caso brasileiro, a língua portuguesa). Quadros (2012 apud MULLER; KARNOPP, 2015) reitera que a Libras e a LínguaPortuguesa são de diferentes modalidades (respectivamente, viso-espacial e oral- auditiva) e chama a atenção para o contexto de aquisição da Libras, que pode ser atípico quando se dá tardiamente e não em família. Estudos e movimentos políticos têm 29 apontado a educação bilíngue como a(s) proposta(s) mais adequada(s) na escolarização de surdos. Falar de „uma‟ proposta ou de „propostas‟ (no plural) indica multiplicidade de entendimentos; ou seja, não há um modo único de projetar e efetivar uma educação escolar bilíngue a surdos. Em uma proposta de educação bilíngue de surdos, é pertinente também considerar as particularidades e a materialidade da língua de sinais, além dos aspectos culturais a ela associados, fato que demanda metodologia de ensino pensada a partir da Libras (LODI, 2013 apud MULLER; KARNOPP, 2015). O currículo, organizado em uma perspectiva viso-espacial, pode garantir o acesso a todos os conteúdos escolares na língua de sinais, que “traduz todas as relações e intenções do processo que se concretiza através das interações sociais” (QUADROS, 2012, p. 35 apud MULLER; KARNOPP, 2015). Por outro lado, considerando o currículo como um artefato cultural, que produz os sujeitos, também em uma educação escolar bilíngue são produzidos modos de ser surdo, sobretudo ao se conceber o aluno surdo como um usuário de Libras. Nesse caso, não se pode ignorar o fato de que há surdos que não são fluentes em língua de sinais. Importa não perder de vista elementos importantes de uma educação escolar bilíngue, como indicam Fernandes e Moreira (2009 apud MULLER; KARNOPP, 2015), que sugerem: a implantação/implementação de uma política linguística séria de difusão e preservação da Libras na comunidade, contribuindo para a consolidação de seu status linguístico e valorização social; a formação e contratação de uma equipe de profissionais bilíngues, surdos e não-surdos (docentes de Libras, tradutores e intérpretes de Libras/LP, monitores bilíngues, professores de português como L2), protagonizando os programas de educação bilíngue para surdos; o ensino da Libras como segunda língua para estudantes não-surdos, desde a Educação Infantil, nas escolas em que estiverem matriculados estudantes surdos, sendo facultativa nos demais estabelecimentos; a revisão dos projetos político-pedagógicos das instituições, nas diferentes disciplinas, contemplando o legado histórico e cultural das comunidades surdas, de modo a problematizar os discursos hegemônicos que patologizam a surdez e os surdos; a adoção de metodologias de ensino de língua portuguesa como segunda língua, o que implica mudanças nos componentes curriculares (conteúdos, objetivos, metodologia, avaliação); o 30 desenvolvimento de mecanismos alternativos para a avaliação de conhecimentos dos estudantes surdos que contemplem a Libras, com possibilidades de veiculação e registro pelo uso de tecnologias na educação; e a oferta gratuita de cursos de Libras, na modalidade de educação de jovens e adultos, aos pais e familiares de pessoas surdas (MULLER; KARNOPP, 2015). Como histórica e culturalmente as comunidades surdas têm lutado por uma educação bilíngue nas famílias e nas escolas, de modo a romper com o prestígio e a obrigatoriedade de uma língua de modalidade oral-auditiva, uma educação bilíngue para surdos situa-se também no campo político. Concordando com Skliar (1999 apud MULLER; KARNOPP, 2015), discutir educação bilíngue numa dimensão política assume um duplo valor: „o político‟ como construção histórica cultural e social, e o „político‟ entendido como relações de poder e conhecimento que atravessam e delimitam a proposta e o processo educacional. Assim, ao se recusar práticas ouvintistas, a resistência surda possibilita não apenas romper com discursos clínicos que posicionam os surdos como „anormais‟, como também dá condições para representá-los como culturalmente diferentes. Uma proposta de educação bilíngue implica, portanto, perceber também a existência de modos diferentes de ser aluno, tendo em vista características culturais próprias e experiências singulares de uso da Libras e da língua portuguesa. De modo mais abrangente, a construção de programas de educação bilíngue para estudantes surdos envolve mecanismos que contribuem para que as características socioculturais e linguísticas das comunidades surdas sejam conhecidas e valorizadas no grupo social. Muitos estudos e propostas têm circulado, principalmente no campo dos Estudos Surdos, em que se propõem alguns caminhos interessantes na implantação de escolas bilíngues no Brasil. E é nesse sentido que, na próxima seção, discutem-se documentos norteadores de três escolas consideradas bilíngues, buscando analisar esse processo de constituição de uma educação escolar bilíngue para surdos (MULLER; KARNOPP, 2015). 31 6.1 A educação no ensino bilíngue surdez Conforme Muller; Karnopp (2015), analisar uma educação bilíngue de surdos em escolas implica pensar em modos múltiplos de organização escolar, de composição de equipes de trabalho, de gestão administrativa e financeira, de espaços pedagógicos e de propostas educacionais, de lutas e de conquistas nos/dos estabelecimentos de ensino. Além disso, descrever e projetar escolas bilíngues de surdos está ligado ao que se entende por educação e por bilinguismo, ou seja, apesar da criação de algumas propostas semelhantes de escola, há outros fatores que vão compondo um currículo escolar. É por meio do olhar que se processa a percepção e a interação do sujeito surdo no mundo, tendo em vista a produção e o acesso a fatos, sensações, imagens e conhecimentos, sobretudo no uso da língua de sinais, da escrita ou de outro processo comunicativo que se efetiva através da visão. O mundo visual percebe e produz a significação através de uma língua visuoespacial, não se constituindo em um mundo necessariamente melhor ou pior, apenas distinto e diferente (WRIGLEY, 1996 apud MULLER; KARNOPP, 2015). De modo geral, é possível afirmar que, nos últimos anos, a educação de surdos no Brasil é marcada por importantes mudanças. Na Educação Básica, especialmente no cotidiano escolar, as conversas com os gestores das escolas também apontam para alguns importantes avanços: a contratação e o crescimento no número de professores surdos; a introdução da escrita da língua de sinais no currículo do Ensino Fundamental; algumas melhorias nos espaços físicos (ginásio) e pedagógicos (sala de informática e de multimídia); o crescimento da escola pública, tendo maior visibilidade e reconhecimento como instituição responsável na educação de surdos; e o importante espaço conquistado para a formação continuada dos educadores, sobretudo em reuniões e cursos realizados na escola ou em parceria com as mantenedoras (MULLER; KARNOPP, 2015). Como um projeto educacional nacional, no documento Subsídios para a Política Linguística de Educação Bilíngue – Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa, outras metas são sugeridas para uma educação escolar bilíngue, como, por exemplo: educação bilíngue em tempo integral na Educação Básica, a garantia de transporte escolar acessível e merenda escolar, tecnologias multimídia em sala de aula e com laboratórios de vídeo para produção de materiais em Libras, presença de tradutores de 32 Libras e língua portuguesa para traduzirem materiais literários, didáticos e paradidáticos durante toda a escolarização das pessoas surdas, garantia de realização das avaliações em Libras, garantia de que a criança surda aprenda a ler e escrever na Libras, como forma de consolidar a relação com a escrita, entre outros objetivos. Nessa perspectiva, para a consolidação de uma educação escolar bilíngue, muitos passos ainda precisam ser dados, inclusive na articulação entre políticas linguísticas e educacionais (MULLER; KARNOPP, 2015). Para Muller; Karnopp (2015),tendo em vista as propostas projetadas a nível nacional, há que se pontuar alguns desafios do cotidiano escolar, o que nos leva a pensar que uma educação bilíngue não se resume apenas a questões linguísticas e culturais, ou de qualificação profissional. Na aproximação às escolas aqui investigadas, em conversa com gestores educacionais, dificuldades são apontadas, como, por exemplo: o pouco envolvimento das famílias no processo educacional das crianças surdas, principalmente no que diz respeito a educação/aprendizagem; a defasagem idade/série dos estudantes; a distância da moradia dos alunos, dificultando o acesso e permanência na Instituição; o ensino a alunos surdos com deficiências ou com implante coclear; as inexpressivas políticas públicas para o transporte escolar; a falta de recursos humanos (docentes, técnicos e gestores escolares); e as precárias condições físicas da escola pública. Desafios como esses, é claro, não se restringem apenas a escolas caracterizadas como bilíngues, tendo em vista principalmente a relação entre (qualquer) escola e sociedade, entre cultura e educação. Portanto, as lutas são contínuas, em fluxos intensos de avanços e desafios. Talvez as lutas possam também ser outras, visto que uma educação escolar bilíngue não escapa das contingências sociais em que é constituída. Culturalmente produzida, a educação de surdos pode também ser pensada como um constante vir a ser. Esse caráter processual é inclusive perceptível nas conversas com gestores das escolas, que, ao disponibilizarem documentos escolares para esta pesquisa, destacaram o provisoriedade dos textos, os quais estão, atualmente, sendo reestruturados na maioria das instituições. Os modos de pensar os surdos, sua educação e a relação com saberes de diferentes áreas de conhecimento têm também implicações no ensino (MULLER; KARNOPP, 2015). 33 A educação de surdos vem se (re)constituindo no Brasil, de forma a avançar na consolidação de propostas educacionais bilíngues. Isso porque, assim como a surdez, uma educação escolar bilíngue é constituída culturalmente, “dentro de narrativas associadas e produzidas no interior (mas não fechadas em si mesmas) de campos discursivos distintos”. Além disso, uma educação escolar bilíngue de surdos não pode ser pensada a partir de um modelo único; é o entendimento que se têm sobre a surdez e o ser surdo, sobre a sua educação e cultura, que vai mobilizar as lutas, conduzir o trabalho dos profissionais, aprovar políticas, direcionar ou não recursos para efetivar uma educação escolar bilíngue, entre outros movimentos (LOPES, 2011, p. 7 apud MULLER; KARNOPP, 2015). Nesse sentido, frente a conquistas políticas de âmbito nacional, estadual e municipal, avanços podem ser observados; porém, o cotidiano escolar é desafiador, incluindo falta de recursos humanos qualificados, de estrutura física, de apoio tecnológico, de reflexões pedagógicas, de condições de permanência dos alunos nas instituições; isso sem contar os problemas sociais que também atravessam o dia a dia de educandos e educadores. Portanto, uma proposta educacional bilíngue não se caracteriza como uma inovação ou uma tábua de salvação; mas como uma proposta consistente, principalmente para uma melhor possibilidade de acesso à educação. Importa ter em vista a possibilidade de intercâmbio e comprometimento do sujeito com as características culturais das comunidades de surdos e ouvintes, de modo a garantir seu desenvolvimento pessoal e sua participação em sociedade (MULLER; KARNOPP, 2015). Pensar, propor e discutir a educação de surdos requer esforços coletivos, estabelecendo-se diálogos e negociações entre as diferentes frentes que pensam a educação de surdos: comunidades surdas, lideranças políticas, educadores, educandos surdos, pesquisadores. Enfim, há que se superar a invisibilidade e o silenciamento que a minoria surda assumiu ao longo da nossa história; e, para isso, é necessário desenvolver pesquisas e encampar lutas para garantir os direitos dos sujeitos surdos (MULLER; KARNOPP, 2015). 34 7 BILINGUISMO COMO LÍNGUA DE HERANÇA Fonte: lsidiomas.com Uma língua de herança é aquela utilizada com restrições (limitada a um grupo social ou ao ambiente familiar) e que convive com outra (s) língua (s) que circula (m) em outros setores, instituições e mídias da sociedade em que se vive. O português é uma língua de herança para os filhos de brasileiros que moram no exterior. Os falantes de herança imigraram ou nasceram no exterior e mantêm alguma relação com a língua da família. Os falantes de herança podem apresentar habilidades variadas, desde apenas entenderem essa língua, até mostrarem domínio da oralidade, compreensão, leitura e escrita (Valdés, 1995 apud BORUCHOWSKI; LICO, 2016). Muitas famílias questionam-se sobre o que fazer para manter e desenvolver uma língua de herança. Para muitos, é uma questão de identidade, de preservação de laços com a família distante, como também de oportunidades futuras. O bilinguismo infantil, na situação de manutenção da língua de herança, é primeiramente uma escolha dos responsáveis. A família precisa esforçar-se para a manutenção dessa língua minoritária. É importante informar-se sobre os mitos relativos ao bilinguismo e participar ativamente na comunidade em que se vive (governo, professores, escola, parentes próximos e 35 distantes, amigos, etc.), para romper com mitos e valorizar a língua de herança na comunidade. Ao decidir pela manutenção e desenvolvimento do português como língua de herança, recomendamos aos adultos adotarem uma política linguística familiar que seja adequada a sua rotina. Isso significa que a família deve sistematizar o uso do português em casa de forma coerente (BORUCHOWSKI; LICO, 2016). Vejamos algumas formas de estabelecer uma política linguística segundo Boruchowski; Lico, 2016: cada responsável falará a sua língua nativa com a criança; todos os dias, durante o jantar, todos falarão português; dentro de casa só se fala português; com os adultos só se fala português, etc. O importante é que a família mantenha um sistema coerente e que todos o sigam. As pesquisas indicam que a forma mais eficiente para a manutenção e o desenvolvimento da (s) língua (s) de herança são os adultos a utilizarem sempre dentro de casa com seus filhos (Grosjean, 2010 apud BORUCHOWSKI; LICO, 2016). No entanto, cada família deve discutir e criar uma política que mais lhe convenha. Na opinião de Boruchowski e Lico (2016), falantes de herança são diferentes de falantes nativos e de falantes estrangeiros. Os falantes estrangeiros são aqueles que aprendem uma língua com a qual não têm nenhum vínculo. Já os falantes nativos adquirem uma língua usada em sua família e na sociedade. Eles recebem amplo acesso e têm ampla necessidade de uso dessa língua em diferentes situações sociais. Além disso, os falantes nativos recebem instrução escolar nessa língua. Os falantes de herança são aqueles que, apesar de terem algum vínculo com essa língua, eles têm oportunidades restritas de acesso e uso. Uma língua de herança é utilizada no ambiente familiar e/ou em uma comunidade pequena. Isso pode acontecer porque a criança nasceu em um país onde o português não é a língua dominante na sociedade, ou porque a criança imigrou antes de atingir o período crítico de aquisição da língua, o que aqui se considera a puberdade (Montrul, 2010 apud BORUCHOWSKI; LICO, 2016). Os falantes de herança estão expostos e usam a língua da família em contextos limitados. Esses falantes são muito diferentes entre si em relação ao grau de 36 desenvolvimento de suas habilidades linguísticas: alguns falam, entendem, leem e escrevem; outros apenas entendem, não falam; outros entendem e falam com alguma dificuldade; etc. (Valdés, 1995 apud BORUCHOWSKI; LICO, 2016). É muito comum os/as falantes de herançaaprenderem o vocabulário utilizado no ambiente familiar e, quando não desenvolvem as habilidades linguísticas para além disso, sentem-se desconfortáveis em usar essa língua em outras situações. Os pesquisadores atualmente entendem que há aspectos da língua que precisam de maior e constante acesso e uso para serem adquiridos (Montrul, 2010 apud BORUCHOWSKI; LICO, 2016). Consequentemente, para que os falantes de herança desenvolvam a língua de forma mais complexa, o empenho das famílias é fundamental. A família precisa esforçar-se para que eles possam falar sobre assuntos diferentes, em situações diversas e para que ganhem fluência na leitura e na escrita. Geralmente, essas habilidades são desenvolvidas com alguma instrução. Após iniciar a imersão escolar na língua majoritária, observa-se uma tendência à diminuição do uso da língua herança (Carreira & Kagan, 2011 apud BORUCHOWSKI; LICO, 2016). A língua da família, no caso o português variante brasileira, passa a ser menos utilizada pela criança e torna-se a “língua fraca”. Essa perda linguística se acelera quando os pais acreditam que falando inglês com seus filhos ajudarão no bom desempenho deles na escola. É importante saber que as pesquisas mostram o oposto: o fato de os pais usarem com seus filhos a língua predominante na sociedade não garante que eles tenham melhor desempenho escolar, no entanto isso contribui para que os falantes de herança percam a língua da família (Beeman e Urow, 2013 apud BORUCHOWSKI; LICO, 2016). Além disso, hoje em dia acredita-se que há muitas vantagens cognitivas e sociais em se tornar um bilíngue com habilidades avançadas. Para a manutenção de uma língua é preciso atentar para alguns fatores: primeiro, à quantidade de exposição às línguas que queremos transmitir e manter; segundo, à necessidade do uso delas; terceiro, à natureza dos recursos que utilizamos para essa transmissão e manutenção; quarto, a como a família age em relação à língua de herança; e, quinto, ao valor que dada língua de herança tem na comunidade em que se vive (Grosjean, 2010 – apud BORUCHOWSKI; LICO, 2016). 37 Para o desenvolvimento da fala, é muito importante que o jovem ou a criança tenham oportunidades de interação ativa, isto é, em que ele/ela seja o sujeito que produza linguagem. Então, as famílias devem atentar para: 1) A frequência e a qualidade de acesso e de uso da língua; 2) Como os familiares interagem entre si, isto é, que política linguística a família adotou; 3) A idade em que a língua dominante na sociedade torna-se predominante na vida da criança; 4) O valor e o status da língua de herança na sociedade em que se vive; 5) A possibilidade de participar de uma comunidade de falantes (eventos, brincadeiras na casa de um amigo que fala português, falar com pessoas nativas por redes sociais, etc.); 6) O acesso à educação formal (escolas comunitárias de línguas de herança, escolas bilíngues, aulas particulares, etc.) (BORUCHOWSKI; LICO, 2016). Nesse contexto, lembremos que as interações linguísticas podem ser mais ativas ou mais passivas. Recomenda-se que as famílias privilegiem atividades diárias distintas, principalmente aquelas em que as crianças assumam uma posição ativa na comunicação. Há inúmeras situações de uso da língua, entre elas: 1) Formas de interação ativa: a) conversar com alguém (ouvir e responder); b) ler ou ouvir e ter que recontar; ler ou ouvir e ter que discutir; c) cantar músicas; d) falar com a família distante: narrar e descrever as ações diárias e acontecimentos; e) brincar com alguém; f) jogos que requeiram construção de palavras ou histórias; etc. 2) Formas de interação passiva: a) ouvir músicas ou histórias; b) assistir à televisão, DVDs, etc (BORUCHOWSKI; LICO, 2016). Lembremos que as crianças são pragmáticas: o aprendizado e a manutenção de uma língua de herança deve se dar por meio de situações reais de interação. Para aprender uma língua é necessário que a criança tenha quantidade e qualidade de exposição e que ela participe de atividades como sujeito ativo que produz sentido (apud BORUCHOWSKI; LICO, 2016). 38 Portanto para Boruchowski e Lico (2016), manter e desenvolver as habilidades do português como língua de herança não se faz importante apenas porque o conhecimento de uma outra língua trará vantagens profissionais futuras, ou porque ser um bilíngue avançado traz benefícios cognitivos. No contexto das línguas de herança, ser capaz de se comunicar nessa língua é importante porque fundamentalmente amplifica o pertencimento familiar e cultural. Ao se apoderarem de sua língua-cultura de herança, os aprendizes estabelecem relações mais efetivas com seus familiares próximos e distantes. 8 O USO DA TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO BILÍNGUE Fonte: sproutly.com Segundo Farias e Silva (2015), o grande desafio da espécie humana na atualidade é a tecnologia. Este é também um duplo desafio para a educação: adaptar-se aos avanços das tecnologias e orientar o caminho de todos para o uso e a apropriação crítica desses novos meios. As crianças nasceram numa nova era, são de uma geração em que o tecnológico faz parte do seu dia-a-dia. Algumas estão muito mais a frente que seus professores em termos de uso de aparates tecnológicos, por isso é preciso trazer a tecnologia para a 39 escola como meio e com o fim de educar, ou seja, como aliado no processo de ensinoaprendizado sendo uma ferramenta em sala de aula a disposição de alunos e professores com a finalidade de preparar nossas crianças para a sociedade a qual elas são apresentadas (FARIAS; SILVA, 2015). Com o bom uso da tecnologia, aliado aos outros recursos, para Farias e Silva (2015) a criança tem mais uma possibilidade de entrar em contato com os desafios da construção do conhecimento e aprendizado. Sabemos que o ambiente digital proporcionado pelo século XXI vem trazendo a perspectiva tecnológica e queremos descobrir de que forma o uso das tecnologias pode nos proporcionar um ambiente de aprendizado, principalmente nas crianças que aprendem uma segunda língua. Segundo Villardi e Oliveira, 2005 (apud FARIAS; SILVA, 2015): A utilização de recursos tecnológicos no espaço educacional significa mais do que transformar o papel em tela de monitor, exige o domínio de novos códigos tornados operacionais pela tecnologia trazendo impacto sobre a cultura, as formas de produção e apropriação dos saberes. Nosso objetivo é compreender como é construída a ideia de produção da fala e da escrita em crianças bilíngues bem como se dá o processo escutar tendo como base as diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil, MEC, 2010 e à luz de pressupostos teóricos, como os de HOLDEN (2004 apud FARIAS; SILVA, 2015), KENSKI (2012 apud FARIAS; SILVA, 2015), LITTLEWOOD (1981 apud FARIAS; SILVA, 2015), MARSARO (2013 apud FARIAS; SILVA, 2015), NUNAN (1989 apud FARIAS; SILVA, 2015), ROJO (2013 apud FARIAS; SILVA, 2015), VYGOTSKY (1987 apud FARIAS; SILVA, 2015) dentre outros. Através da escola bilíngue, o modelo de educação visa à aquisição de um novo idioma e o conhecimento de outras culturas formando cidadãos para o mundo, por meio de um programa de imersão com um enfoque comunicativo (Littlewood, 1998). O aluno aprende a língua através dos seus significados social e funcional, a prioridade na metodologia é a comunicação. As exigências de comunicação mudam e surgi outro elemento que é comum aos diversos aspectos de funcionamento de diversas sociedades, o tecnológico, baseado numa nova cultura, a digital (FARIAS; SILVA, 2015). 40 Kenski (2014 apud FARIAS; SILVA, 2015) entende como novas tecnologias, os processos e produtos relacionados com os conhecimentos provenientes da eletrônica, da microeletrônica e das telecomunicações. Para ela essas tecnologias caracterizam-se por serem evolutivas, ou seja, estão em permanente transformação. Caracterizam-se
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