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Gisele-Chouin

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO 
 
GISELE ROSNER CHOUIN 
 
 
 
 
 
 
 
 
 INTERAÇÕES, SIGNIFICADOS E PRÁTICAS DO VEGETARIANISMO NA MÍDIA 
SOCIAL: UM ESTUDO NETNOGRÁFICO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RIO DE JANEIRO 
2013 
 
 
 
 
 
GISELE ROSNER CHOUIN 
 
 
 
INTERAÇÕES, SIGNIFICADOS E PRÁTICAS DO VEGETARIANISMO NA MÍDIA 
SOCIAL: UM ESTUDO NETNOGRÁFICO 
 
 
 
 
 
Dissertação de Mestrado apresentada ao 
Programa de Pós Graduação em 
Administração, Instituto COPPEAD de 
Administração, Universidade Federal do 
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos 
necessários à obtenção do título de 
Mestre em Administração. 
 
 
Orientadores: Leticia Moreira Casotti e 
Celso Funcia Lemme 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2013 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Chouin, Gisele Rosner 
Interações, significados e práticas do vegetarianismo na mídia social: u 
estudo netnográfico./ Gisele Rosner Chouin. – Rio de Janeiro: UFRJ, 2013. 
162 f.: Il; 30 cm. 
 
Orientadores: Leticia Moreira Casotti e Celso Funcia Lemme 
 
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto 
COPPEAD de Administração, 2013. 
 
1. Comportamento do consumidor. 2. Consumo ético. 3. Administração – 
Teses. I. Casotti, Leticia Moreira. II. Lemme, Celso Funcia. III. Universidade 
Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração. IV. Título. 
 
GISELE ROSNER CHOUIN 
 
 
INTERAÇÕES, SIGNIFICADOS E PRÁTICAS DO VEGETARIANISMO NA MÍDIA 
SOCIAL: UM ESTUDO NETNOGRÁFICO 
 
Dissertação de Mestrado apresentada ao 
Programa de Pós Graduação em 
Administração, Instituto COPPEAD de 
Administração, Universidade Federal do Rio 
de Janeiro, como parte dos requisitos 
necessários à obtenção do título de Mestre 
em Administração. 
 
Aprovada em: 
 
_______________________________________________________ 
Profa. Letícia Moreira Casotti, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ) 
 
 
_______________________________________________________ 
Prof. Celso Funcia Lemme, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ) 
 
 
 
_______________________________________________________ 
Profa. Maribel Carvalho Suarez, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ) 
 
 
_______________________________________________________ 
Profa. Cecília Lima de Queirós Mattoso, D.Sc. (UNESA) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
À minha mãe, Roselee, sempre ao meu lado, 
oferecendo amor, carinho, paciência e 
conforto. 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
À minha mãe e à minha avó, pelo apoio e incentivo em todos os sentidos 
possíveis, pelo amor incondicional, por cada oração e por me ensinarem a perseguir 
as ideias e os ideais com coragem e dedicação. 
 
Aos professores Coppead pela qualidade e valor das aulas. Em especial, 
aos professores Letícia e Celso, por me adotar e me guiar com excelência, cuidado 
e dedicação neste caminho. A vocês, minhas sinceras manifestações de 
admiração, respeito e carinho. 
 
Às melhores amigas, Ilana e Marcia, por suportar pacientemente os 
desabafos, por comemorar comigo as vitórias e pelos incentivos nos momentos de 
cansaço e fraqueza. 
 
Aos quase irmãos Vinícius Pereira, Rebecca, Glauce, Vitor, João Guilherme e 
Luciana Alves, com quem compartilhei momentos de angústia e alegria. 
 
Aos novos amigos de infância Leo Sertã, Debora, Lucianinha e Jô, por tornar 
este processo mais suave e divertido. 
 
A todos os meus amigos, por compreender a longa ausência. 
 
Aos funcionários Coppead, sempre prestativos e dedicados. 
 
Aos colegas de turma, pelo rico intercâmbio de experiências e contribuições 
proveitosas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Renda-se como eu me rendi. Mergulhe no 
que você não conhece, como eu mergulhei. 
Pergunte, sem querer, a resposta, como 
estou perguntando. Não se preocupe em 
‘entender’. Viver ultrapassa todo o 
entendimento.” 
(Clarice Lispector) 
 
 
 
RESUMO 
Chouin, Gisele Rosner. Interações, Significados e Práticas do Vegetarianismo na 
Mídia Social: Um Estudo Netnográfico. Rio de Janeiro, 2013. Dissertação 
(Mestrado em Administração) – Instituto de Pós Graduação e Pesquisa em 
Administração, COPPEAD, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013. 
 
O presente trabalho qualitativo e exploratório tem por objetivo principal 
explorar como o vegetarianismo é compartilhado em três comunidades das redes 
sociais construídas em torno desse tema, apontando riscos e oportunidades para as 
organizações ligadas à indústria alimentícia. O estudo buscou compreender 
diferentes aspectos do comportamento do consumidor vegetariano tais como 
significados atribuídos, associações com a prática cotidiana, influências e grupos de 
referência e utilizou como método de coleta de dados a netnografia. 
A literatura de apoio foi estruturada em dois pilares: o primeiro relacionando o 
vegetarianismo como resultado dos conceitos de sustentabilidade no 
comportamento de consumo; e o segundo, trazendo os conceitos de marketing que 
permeiam o tema e o ambiente virtual, incluindo os tipos de comunidades 
(subculturas de consumo e comunidades virtuais), identidade, grupos de referência, 
líderes de opinião e comunicação boca a boca. 
Os resultados sugerem diferentes abordagens para a subcultura dos 
vegetarianos, mas as três comunidades apresentam o mesmo valor de ligação 
quando defendem a vida dos animais e o não consumo de carne ou derivados. As 
mensagens vão além da dieta alimentar e caracterizam o vegetarianismo como 
“filosofia de vida”, “modelo de vida” ou “estilo de vida”. Essa ampliação do que 
significa ser vegetariano leva a questionamentos ao consumo de outras categorias 
de produto. Não foram encontradas associações entre a defesa da dieta vegetariana 
e a defesa do bem estar animal, já que essa última não defende a vida. 
 
Palavras-chave: Consumo, Vegetarianismo, Comunidades virtuais, Netnografia 
 
 
ABSTRACT 
Chouin, Gisele Rosner. Interações, Significados e Práticas do Vegetarianismo na 
Mídia Social: Um Estudo Netnográfico. Rio de Janeiro, 2013. Dissertação 
(Mestrado em Administração) – Instituto de Pós Graduação e Pesquisa em 
Administração, COPPEAD, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013. 
 
This exploratory and qualitative study aims primarily to explore how 
vegetarianism is shared in three communities of social networks built around this 
theme, pointing out risks and opportunities for the companies linked to the food 
industry. The study sought to understand different aspects of consumer behavior 
such as vegetarian meanings, associations with daily practice, influences and 
reference groups and used as a method of data collection the netnography. 
The supporting literature was structured on two pillars: the first relating to 
vegetarianism as a result of sustainability concepts in consumer behavior; and the 
second, bringing the marketing concepts that permeate the theme and the virtual 
environment, including the types of communities (subcultures of consumption and 
virtual communities), identity, reference groups, opinion leaders and word of mouth. 
The results suggest different approaches to the subculture of vegetarians, but 
the three communities share the same linking value when defend the lives of animals 
and not eating meat or derivatives. The messages go beyond the diet and 
characterize the vegetarianism as "philosophy of life", "life model" or "lifestyle". This 
expansion of what means being a vegetarian leads to questions about the 
consumption of other product categories. No associations were found between 
advocating vegetarianism and animal welfare advocacy, since the latter does not 
defend life. 
 
Keywords:Consumption, Vegetarianism, Virtual Communities, Netnography 
 
 
 
LISTA DE ILUSTRAÇÕES 
 
FIGURAS 
Figura 1 - Diagrama - síntese da revisão de literatura ................................................................. 19 
Figura 2 - Modelo das motivações, tensões, mecanismos para administração da situação e 
implicações de consumo do vegetariano ........................................................................................ 24 
Figura 3 - Modelo de influência orgânica entre consumidores ................................................... 47 
Figura 4 - Modelo de influência linear do profissional do marketing .......................................... 48 
Figura 5 - Modelo de coprodução em rede .................................................................................... 48 
Figura 6 - Elementos do modelo da coprodução em rede influenciando a expressão das 
narrativas do BAB ............................................................................................................................... 50 
Figura 7- Resumo do método ........................................................................................................... 54 
Figura 8 - Ilustração da imagem do vegetariano ........................................................................... 67 
Figura 9 - Interpretação da imagem do vegetariano ..................................................................... 68 
Figura 10 - Extremismo ..................................................................................................................... 69 
Figura 11 - Apresentação .................................................................................................................. 70 
Figura 12 - Comparação de preços de produtos no supermercado ........................................... 71 
Figura 13 - União pelo ideal .............................................................................................................. 76 
Figura 14 - Questionamentos de não vegetarianos ...................................................................... 82 
Figura 15 - Imagem dos não vegetarianos ..................................................................................... 85 
Figura 16 - Vegetarianismo como tradição .................................................................................... 90 
Figura 17 - Improviso da blogueira .................................................................................................. 95 
Figura 18 - Vaca Louca ................................................................................................................... 115 
Figura 19 - Imagem para chocar .................................................................................................... 117 
Figura 20 - Imagem para sensibilizar ............................................................................................ 119 
Figura 21 - Touradas ....................................................................................................................... 122 
 
QUADROS 
Quadro 1 - Tipos de Vegetarianismo .............................................................................................. 13 
Quadro 2 - Comparação entre os hábitos de consumo entre os gêneros ................................ 16 
Quadro 3 - Estratégias organizacionais diante dos mecanismos para administração das 
situações de tensão do vegetariano ................................................................................................ 26 
Quadro 4- Comparação das comunidades .................................................................................. 133 
 
LISTA DE GRÁFICOS 
Gráfico 1 - Mercado de alimentos sem carne no Reino Unido ................................................... 15 
 
 
file:///C:/Users/gisele/Desktop/Dissertação/DISSERT/Tese%20Gisele%20-%2025%20OUT%2013.docx%23_Toc370464957
file:///C:/Users/gisele/Desktop/Dissertação/DISSERT/Tese%20Gisele%20-%2025%20OUT%2013.docx%23_Toc370464957
 
LISTA DE TABELAS 
Tabela 1 - Quantidade de vegetarianos nos EUA em 2009 ........................................................ 15 
Tabela 2 - Comunidades selecionadas: .......................................................................................... 58 
Tabela 3 - Estatística das postagens - Vegetariano da Depressão ........................................... 60 
Tabela 4- Estatística das postagens - Vegetarianos Pensam Melhor ....................................... 62 
 
 
 
 
SUMARIO 
1. INTRODUÇAO ................................................................................................................................ 11 
1.1 CONTEXTO ................................................................................................................................. 11 
1.1.1 Um Grupo em Ascensão ....................................................................................................... 13 
1.1.2 Impactos na economia ......................................................................................................... 16 
1.2 PERGUNTAS DE PESQUISA ........................................................................................................ 18 
2. REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................................................. 19 
2.1 COMPORTAMENTO DE CONSUMO E SUSTENTABILIDADE ....................................................... 20 
2.2 SUSTENTABILIDADE E O VEGETARIANISMO .............................................................................. 23 
2.2.1 Preocupação com os direitos dos animais ........................................................................... 27 
2.2.2 Razões espirituais ................................................................................................................. 29 
2.2.3 Razões de saúde ................................................................................................................... 32 
2.2.4 Ativismo Político ................................................................................................................... 34 
2.2.5 Ambientalismo...................................................................................................................... 34 
2.2.6 Não gostar de carne .............................................................................................................. 36 
2.3 IDENTIDADE E COMUNIDADE ................................................................................................... 37 
2.4 GRUPOS E INFLUÊNCIA .............................................................................................................. 42 
2.5 INTERNET E BOCA A BOCA ........................................................................................................ 44 
3. METODOLOGIA ............................................................................................................................. 53 
3.1 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA ..................................................................................................... 53 
3.2 ESCOLHA DO MÉTODO .............................................................................................................. 54 
3.3 NETNOGRAFIA ........................................................................................................................... 54 
3.3.1 Comunidades Selecionadas .................................................................................................. 57 
3.3.2 Entrada Cultural .................................................................................................................... 62 
3.3.3 Coleta e Análise de Dados .................................................................................................... 63 
3.4 LIMITAÇÕES DA PESQUISA .............................................................................................................. 63 
4. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS ACHADOS DA PESQUISA................................................................... 65 
4.1 VEGETARIANO DA DEPRESSÂO ................................................................................................. 65 
4.2 PAPACAPIM ............................................................................................................................... 91 
4.3 VEGETARIANOS PENSAM MELHOR ......................................................................................... 112 
5. DISCUSSÃO FINAL ....................................................................................................................... 131 
5.1 DIFERENÇAS GERAIS DAS TRÊS COMUNIDADES ........................................................................... 131 
5.2 OS SIGNIFICADOS DO VEGETARIANISMO...................................................................................... 133 
5.3 AS PRÁTICAS VEGETARIANAS ........................................................................................................ 137 
5.4 INTERAÇÕES E CONEXÕES ............................................................................................................. 139 
5.5 COMENTÁRIOS FINAIS ................................................................................................................... 141 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................................... 143 
APÊNDICE ............................................................................................................................................ 150 
 
ANEXO ................................................................................................................................................. 160 
 
11 
 
1. INTRODUÇAO 
 
O presente trabalho tem por objetivo principal explorar como o vegetarianismo 
é compartilhado em conteúdos que poderiam ser também chamados de “diários 
virtuais” de três comunidades das redes sociais construídas em torno desse tema e 
que foram acompanhadas durante um mês. Mais especificamente, o estudo buscou 
compreender diferentes aspectos do comportamento do consumidor vegetariano tais 
como significados atribuídos, associações com a prática cotidiana, influências e 
grupos de referência. De forma a buscar essas informações, este estudo qualitativo 
e exploratório utilizou como método de coleta de dados a netnografia seguindo as 
orientações de Kozinets (1998; 1999; 2002; 2006). Por meio desta técnica, é 
possível observar, com relativo distanciamento, a interação entre diferentes 
participantes. A dinâmica virtual, por ser caracteristicamente livre, tende a mostrar 
opiniões e ideias livres de julgamento. A rede mundial possibilita, também, a 
interconexão entre pessoas de diferentes pontos geográficos, diferentes valores 
sociais ou religiosos, possibilitando, portanto, uma discussão mais rica e proveitosa. 
Na literatura pesquisada de comportamento do consumidor foram 
encontrados poucos estudos em torno do vegetarianismo em que predominavam a 
busca por entender motivações que levam ao não consumo da carne (TWIGG, 1979; 
KLEINE; HUBBERT, 1993; JANDA; TROCCHIA, 2001; RUBY, 2011; FESSLER ET 
AL, 2003; KUBBEROD ET AL, 2006). 
 
1.1 CONTEXTO 
 
O termo ‘vegetariano’ tem origem na palavra grega ‘vegetus’, que significa 
fresco, são, íntegro, segundo o site especializado em vegetarianismo Vegetarian 
Society (2012). Foi cunhado em 30 de setembro de 1847, na primeira reunião 
realizada pela Sociedade Vegetariana do Reino Unido em Kent, Inglaterra. Até 
então, os indivíduos que não ingeriam carne eram denominados ‘pitagóricos’ ou 
seguidores do sistema pitagórico, em decorrência da prática de alimentação 
restritiva do matemático grego Pitágoras (VEGETARIAN SOCIETY, 2012). 
Singer (1995) explica que, para os pitagóricos, a confecção do prato deveria 
ser completada sem nenhuma participação animal, em virtude da crença de que os 
homens e animais partilhavam a mesma alma, que estaria presa ao corpo. O 
12 
 
consumo de carne seria, então, um ato selvagem, que resultaria em uma punição 
maior e uma elevação menor das almas. Inúmeros nomes da antiguidade são 
citados por defender o estilo de vida sob a ideia da imortalidade da alma e a 
responsabilidade dos indivíduos para com ela durante a vida: Empédocles, Plutarco, 
Porfírio, Plotino e Platão são exemplos. Por outro lado, as pessoas que ingeriam 
carne justificavam o consumo por meio da superioridade humana sobre os animais. 
No século XIX, o argumento espiritual deu lugar ao que defendia o tratamento 
humanizado dos animais e de saúde. Razões éticas, como o direito dos animais, 
compunham a principal defesa para o não consumo de carne de acordo com autores 
como George Shaw, Henry Salt, Percy Shelley e Artur Schopenhauer. No século 
seguinte, marcado pela popularização da preocupação com a questão ecológica, a 
discussão foi ampliada, com a adição de tais valores em defesa da prática de não 
ingestão de produtos de origem animal (SINGER, 1995). 
De acordo com o site Vegetarian Society (2012), o vegetariano se alimenta de 
grãos, leguminosas, frutas oleaginosas (como castanhas, nozes, avelãs e 
amêndoas), sementes, vegetais e frutas, podendo ingerir ovos, leite e derivados ou 
não. O indivíduo, contudo, se abstém de carne bovina, carne suína, aves, peixes, 
mariscos ou quaisquer subprodutos do abate. 
Dentre os pertencentes ao grupo descrito acima, distinguem-se ainda os que 
consomem ovos, leite e derivados, conhecidos como ovolactovegetarianos (o tipo 
mais comum de vegetariano); os lactovegetarianos, que evitam os ovos; os veganos 
(vegans ou vegetarianos puros), que além de não consumirem produtos de origem 
animal, não usam artigos de lã, couro e seda, ou cosméticos cujos compostos 
incluam derivados ou que tenham sido testados em animais. Os crudívoros admitem 
a ingestão de alimentos crus ou aquecidos a no máximo 42°C e os frugívoros, 
apenas frutos, como pode ser observado no Quadro 1. 
13 
 
 
Quadro 1 - Tipos de Vegetarianismo 
 
*Admite-se parcialmente a ingestão destes alimentos. 
Fonte: Compilado pela autora a partir de dados coletados em Vegetarian Society (2012), Centro Vegetariano (2012) e 
Crudivorismo (2012). 
 
1.1.1 Um Grupo em Ascensão 
 
O crescimento do volume de pessoas que seguem a dieta vegetariana pode 
ser verificado a partir de indícios como o crescimento na oferta de produtos e 
serviços voltados para seus integrantes e o aumento de publicações sobre o 
assunto. Itens comuns a esta dieta são encontrados em mais pontos de vendas e 
não somente em lojas especializadas. Adicionalmente, restaurantes e hotéis são 
abertos para o atendimento restrito a este grupo de pessoas, enquanto cresce o 
volume de livros com dietas baseadas no vegetarianismo e documentários acerca do 
tema (VEGETARIAN MEANS BUSINESS, 2011). 
A cidade de Haia, na Holanda, abriga o primeiro açougue vegetariano desde 
outubro de 2010, comercializando substitutos para carnes (PEQUENAS EMPRESAS 
& GRANDES NEGOCIOS, 2010). Em fevereiro de 2011, foi inaugurado o primeiro 
supermercado vegan em Dortmund, na Alemanha (WANDEL, 2011). Em 2003, a 
Perdigão, um dos grandes participantes em alimentos frigoríficos, investiu R$ 2,5 
milhões para o lançamento de uma linha vegetal com cinco produtos a base de 
proteína de soja (salsicha, hambúrguer, mini quibe, cordon verde recheado e 
patitas), tendo em vista um mercado de proteínas vegetais e alimentos funcionais 
em crescimento de 10% a 20% ao ano (PORTAL DO AGRONEGOCIO, 2003). 
A demanda latente por tais produtos livres de derivados animais é observada 
ao se acompanhar o nascimento e crescimento de grandes marcas de fast food com 
o cardápio voltado ao atendimento de dietas restritivas, como por exemplo, Maoz 
Vegetarian, Real Food Daily, The Veggie Grill e Native Foods. Jennings (2011) cita a 
Dieta 
Carne 
vermelha e 
suína
Carne branca Ovos LaticíniosMel e 
gelatina
Frutos Verduras Cereais
Semivegetarianismo Não Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim
Ovolactovegetarianismo Não Não Sim Sim Sim Sim Sim Sim
Lactovegetarianismo Não Não Não Sim Sim Sim Sim Sim
Ovovegetarianismo Não Não Sim Não Sim Sim Sim Sim
Vegetarianismo semiestrito Não Não Não Não Sim Sim Sim Sim
Vegetarianismo estrito (vegan) Não Não Não Não Não Sim Sim Sim
Crudívoros Não Sim * Não Sim * Sim Sim Sim Sim
Frugívoros Não Não Não Não Não Sim Sim * Sim *
14 
 
criação dos “flexitarians”, que evitam o consumo de carne esporadicamente, sem 
comprometimento com uma dieta específica de longo prazo e aponta tendência de 
crescimento deste grupo. A jornalista menciona ainda a atuação da Vegan 
Mainstream, uma agência de marketing especializada em atingir o segmento de 
vegetarianos, confirmando mais um indício da perspectiva de crescimento e de 
relevância deste grupo. 
Outro exemplo da crescente importância que este público vem adquirindo 
pode ser observado a partir da aderência da Sodexo – empresa que atua no 
segmento de alimentação em âmbito mundial – ao projeto ‘Segundas Sem Carnes’, 
desde 2011, nos Estados Unidos (SODEXO, 2011). A iniciativa faz parte do projeto 
institucional ‘Plano para um Amanhã Melhor’ (Better Tomorrow Plan), 
empreendimento de responsabilidade social da companhia. Na fase inicial do 
projeto, a Sodexo forneceu entradas vegetarianas para os 900 hospitais que atende, 
e, logo após, começou a oferecer opções sem carne para as 2.000 empresas, 175 
escritórios governamentais, 650 campi de faculdade, 500 escolas públicas e 150 
escolas particulares com quem possui contrato. O impacto desta iniciativa seria de 
520 milhões de refeições sem carne ao ano, caso todos os 10 milhões de clientes da 
Sodexo participem da Segunda Sem Carne. 
A empresa de análise de mercados britânica Mintel divulgou resultados da 
pesquisa Meat Free Foods – UK, realizada em 2010, que mostram que três em cada 
cinco adultos fazem refeições sem carne regularmente, apesar de apenas 6% dos 
indivíduos de autoclassificarem como vegetarianos (VEGETARIAN SOCIETY, 2012). 
A mesma pesquisa traz a evolução do valor de mercado de produtos alimentares 
sem origem animal desde £ 333 milhões em 1996, até £ 739 milhões em 2008, 
conforme mostrado na Tabela 1. 
 
15 
 
Gráfico 1 - Mercado de alimentos sem carne no Reino Unido 
 
Fonte: Análise de mercado Meat Free Food realizada pela Mintel em Dezembro de 2010 (VEGETARIAN SOCIETY, 2012). 
 
As últimas pesquisas da Cultivate Research – empresa especializada em 
pesquisa de mercado de comidas vegetarianas – em 2009 (sugerem que de 4 a 6% 
dos adultos americanos, o que representa cerca de 8 a 13 milhões de indivíduos, se 
intitulam vegetarianos (VEGETARIANS COUNT, 2009). Contudo, conforme mostra a 
Tabela 2, a análise da pesquisa revela um percentual menor, diante de respostas a 
perguntas mais específicas com relação às refeições. Apenas 1 a 3% dos adultos 
respondentes confirma não ingerir nenhum tipo de carne diariamente. 
 
Tabela 1 - Quantidade de vegetarianos nos EUA em 2009 
 Adultos (acima de 18 anos) Jovens (de 8 a 17 anos) 
 % Absoluto % Absoluto 
Vegetarianos e Veganos 1 - 3% 2 - 6 milhões 2 - 3% 1 - 1,5 milhões 
Autoclassificados como vegetarianos 4 - 6% 8 - 13 milhões N/A N/A 
Fonte: Pesquisa realizada pela Cultivate Research nos EUA (VEGETARIANS COUNT, 2009). 
 
Segundo uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Publica e Pesquisa 
(IBOPE, 2011), 9% da população brasileira autodenomina-se vegetariana. Este 
percentual representa cerca de 17,5 milhões de pessoas, com tendência de 
crescimento conforme apontam as expectativas do instituto no estudo. A pesquisa foi 
realizada entre agosto de 2009 e julho de 2010, e promoveu comparação entre 
hábitos de consumo entre os gêneros feminino e masculino, conforme demonstra o 
Quadro 2. 
 
333
548
626
739
0
200
400
600
800
1000
1996 2001 2004 2008
£ milhões
16 
 
Quadro 2 - Comparação entre os hábitos de consumo entre os gêneros 
 
Fonte: IBOPE, 2011. 
 
1.1.2 Impactos na economia 
 
Em 1996, o frango foi eleito o “herói nacional” pelo então presidente Fernando 
Henrique Cardoso. Após a instauração do instrumento de estabilização da economia 
brasileira – o Plano Real -, o alimento foi apontado como representante da elevação 
do poder de compra da população. Na medida em que o preço da proteína animal 
decaía, o seu consumo se elevava até atingir a média de 44 kg per capita em 2010, 
o dobro da média observada em 1996 (RUA, 2012). Também é apontada como uma 
das principais razões para a escalada no consumo desta proteína a substituição das 
carnes vermelhas pelas carnes brancas em virtude de uma busca por uma dieta 
mais saudável. Este exemplo de mudança nos hábitos alimentares pontua um 
Filtro: 18 anos ou mais
Amostra 
total
Masculino Feminino
É importante manter a forma física 79% 78% 80%
Eu pagaria qualquer preço por minha saúde 78% 77% 79%
Estou de acordo com as restrições aos fumantes 70% 67% 72%
Em algumas ocasiões me dou o prazer de ingerir 
comidas que não são boas para a saúde 62% 59% 65%
Eu me informo bem antes de comprar novos 
produtos alimentícios 60% 55% 65%
Tenho que estar realmente doente para ir ao 
médico 62% 64% 59%
Confio na medicina homeopática/medicina caseira 53% 49% 56%
Eu procuro ter uma dieta bem balanceada 52% 47% 56%
Devido à minha vida pessoal tão agitada, não me 
cuido como deveria 53% 52% 53%
Uso preservativos em todo novo relacionamento 52% 55% 49%
Só utilizo serviços públicos de saúde 45% 43% 47%
Eu sempre escolho meu médico por indicação 42% 37% 46%
Quase sempre estou tratando de perder quilos 35% 29% 40%
Sempre verifico o conteúdo nutricional dos 
alimentos 34% 29% 39%
Eu não tenho tempo para preparar refeições 
saudáveis 37% 40% 35%
Eu pratico esportes ou exercícios pelo menos uma 
vez por semana 38% 43% 34%
Sempre procuro as versões diet/light dos alimentos 
e bebidas 23% 20% 26%
Sou vegetariano 9% 10% 9%
17 
 
momento histórico em que a economia influenciou o cardápio de muitas pessoas no 
país. 
O regime alimentar apresenta claras implicações nas indústrias de carnes e 
agricultura. A comercialização de carnes (de frango, bovina, suína e outras) 
representa mais de 19% do saldo da balança comercial brasileira, desde 2005 
(PERIN, 2012). Dentre as exportações que o país promove, o segmento de carnes é 
responsável por 6,6% do montante total (CONAB, 2012). Desta parcela, destacam-
se as participações de 47% do frango e 34% do setor de carne bovina. 
 A importância da atividade pecuarista no Brasil é traduzida a partir das 
estatísticas de produção e de movimentação do comércio mundial. Os números 
mostram que o país é o terceiro maior produtor de carne de frango do mundo, 
segundo maior em carne bovina e ocupa o quarto lugar no caso da suinocultura 
(USDA, 2012), o tipo de carne mais consumido no mundo (ABIPECS, 2012). No 
mercado externo, as carnes de frango e bovina brasileiras são as mais demandadas 
pelos países consumidores, enquanto a carne suína brasileira ocupa o quarto lugar 
nas exportações mundiais (USDA, 2012). Além disso, o mercado interno absorve 
cerca de 69% da produção avícola de corte, 82% da produção de gado de corte e 
83% de carne suína (CONAB, 2012). 
 O setor agrícola responde por 30% do total de produtos exportados em 2010 
(CONAB, 2012). Os produtos deste setor atendem a dois distintos públicos: 
consumo humano e consumo animal. No que tange ao vegetarianismo, é 
interessante verificar a relação de consumo de grãos pelos animais em comparação 
ao volume absorvido pelas pessoas. Segundo os cálculos de Greif (2002), o 
consumo de matéria vegetal pelos animais é dez vezes superior ao consumo 
humano. 
 O mesmo autor cita também outras consequências para o ecossistema a 
partir do consumo carnívoro. Greif (2002) afirma que uma dieta centrada em carne 
requer terrenos de 35 acres de terrapor pessoa, ao passo que a dieta vegetariana 
demanda um quinto de acre por pessoa, além de contribuir para a desertificação, 
erosão e esgotamento do solo. A prática também apresenta diferenças no consumo 
de água por pessoa por dia: 4.200 galões/pessoa/dia são contabilizados para uma 
dieta nos padrões ocidentais, enquanto a dieta a base de vegetais demanda 300 
galões/pessoa/dia. – As principais diferenças estão nas práticas de irrigação dos 
campos que fornecem alimentos aos animais, na quantidade de água necessária 
18 
 
para o consumo dos animais, no processamento e na lavagem das carcaças e na 
preparação do alimento final. 
 
1.2 PERGUNTAS DE PESQUISA 
 
Diante dos objetivos após a contextualização, foi estabelecida a seguinte 
pergunta principal de pesquisa: 
 
Que aspectos do comportamento do consumidor vegetariano são compartilhados 
através da internet? 
 
Perguntas secundárias que apoiam a pergunta principal estão listadas abaixo: 
 
 Como o vegetariano é descrito e caracterizado nos discursos compartilhados 
na web? 
 
 De que forma o prazer/sabor dos alimentos e as questões econômicas 
aparecem no discurso dos vegetarianos? 
 
 De que forma os aspectos relativos à saúde aparecem nos discursos de 
vegetarianos na web? 
 
 Que valores éticos e aspectos dos direitos dos animais aparecem nos 
discursos compartilhados na web? 
 
 Quais grupos de referência podem ser identificados nas informações 
compartilhadas pelos vegetarianos na web? 
 
 Que diferentes lógicas de pertencimento ao grupo podem ser identificadas? O 
que é proibido e o que é incentivado nas discussões analisadas? 
 
 Que aspectos podem ser identificados no processo de formação de escolha 
pelo caminho da dieta restritiva, na web. 
19 
 
 
 
2. REVISÃO DE LITERATURA 
 
Este capítulo tem por objetivo fornecer o suporte teórico para a pesquisa 
realizada no presente trabalho. São abordados primeiramente os argumentos que 
constroem a ideologia ética do consumidor e a consequente evolução desta 
consciência como forma de influência direta nas práticas de consumo. Em seguida, 
são apresentados os conceitos definidos pelo marketing pertinentes à compreensão 
das pessoas que praticam o vegetarianismo, por meio do estudo de tribos ou 
subculturas de consumo e a análise do consumo como reflexo da identidade. 
Adicionalmente, buscou-se, na literatura de apoio, a base para a formação de um 
grupo de referência, reforçando a relevância da internet como cenário do estudo. Em 
seguida, foi analisado o tipo de comunicação que se pretende explorar no ambiente 
virtual, chamado boca a boca, responsável pela característica viral da exposição das 
ideias e diálogo com o consumidor. A Figura 1 mostra a síntese das relações entre 
os tópicos que compõem a revisão de literatura. 
 
Figura 1 - Diagrama - síntese da revisão de literatura 
 
Fonte: Própria autora. 
20 
 
2.1 COMPORTAMENTO DE CONSUMO E SUSTENTABILIDADE 
 
 A pesquisa na literatura sobre o comportamento do consumidor, no que tange 
à sustentabilidade, traz à tona distintos termos de referenciação, tais como: consumo 
ético (NEWHOLM; SHAW, 2007; CHERRIER, 2007), consumo verde (PEATTIE, 
2001), consumo socialmente consciente (KINNEAR; TAYLOR; AHMED, 1974), 
consumo verde (MCDONALD ET AL, 2009) consumo sustentável, entre outros (ver 
APÊNDICE A). Newholm e Shaw (2007) argumentam que, a seu modo e em 
diferentes graus de extensão, os termos estão relacionados a projetos individuais de 
consumo ético. Um exemplo é o termo consumo verde, que reflete preocupação 
quanto ao meio ambiente. Contudo, apesar de apresentarem aspectos diferentes em 
seus significados, para efeito da presente pesquisa, optou-se por utilizar o termo 
Consumo Ético, que transparece a incorporação da cultura individualizada no padrão 
de consumo e exprime o ato de enfrentar as consequências das escolhas por parte 
do consumidor. 
A ideia por trás do consumo ético é a de que as pessoas têm a esperança de 
alterar o mundo a partir do ato de consumo, representante do contexto microssocial. 
Kinnear, Taylor e Ahmed (1974) ressaltam o dilema a que os consumidores se 
impõem ao adquirir este tipo de consciência, ao se darem conta da magnitude do 
impacto na deterioração do meio ambiente. 
Especialmente desde a década de 1960, o tema ambiental se faz presente na 
pauta mundial de discussão de problemas. De acordo com Kassarjian (1971), este 
período foi marcado pelo início da percepção da relação de custo-benefício imbuída 
em cada ato de consumo. A sociedade passou a compreender o dilema que envolve 
o seu estilo de vida, o que deu origem a uma revolução cultural, a que se chamou 
ambientalismo. Peattie (2001) ilustra tal revolução a partir de acidentes cujo impacto 
no meio ambiente foram devastadores, como o acidente nuclear de Chernobyl na 
Ucrânia, o derramamento de óleo do petroleiro Exxon-Valdez no Alasca e o grande 
incêndio em uma indústria de pesticidas em Severo, na Itália. 
Estes acidentes chamaram a atenção para a responsabilidade das empresas 
perante a sociedade como um todo. Os conceitos de desenvolvimento sustentável e 
consumo sustentável ganharam contexto mundial e o ativismo foi reforçado por meio 
de iniciativas como o Dia da Terra em 1970, criado pelo senador americano Gaylord 
Nelson como um ato de protesto ambiental (PEATTIE, 2001). 
21 
 
A preocupação com os problemas ambientais decorrentes dos processos de 
crescimento e desenvolvimento deu-se de forma diferenciada entre os mais diversos 
segmentos da sociedade, de governos, organizações e outros agentes. Gonçalves 
(1989) afirma que praticamente todos os problemas sociais se tornaram problemas 
ambientais e vice-versa. Questões como explosão demográfica, fome e pobreza, 
qualidade de vida, agrotóxicos, produção alimentar e outros temas podem ser 
abordados com enfoque tanto ambiental quanto social. Um exemplo de movimento 
recente, que imprime esta insatisfação com as estruturas socioeconômicas vigentes 
é o Occupy Wall Street. A manifestação tem como alvo específico o setor financeiro, 
mas a reflexão pretende ponderar relações desiguais sociais, econômicas e políticas 
(THISTLETHWAITE, 2012). 
A mobilização não se deu apenas a partir de ativistas. A Organização das 
Nações Unidas (ONU) organizou a sua primeira conferência em 1972, com a agenda 
dedicada exclusivamente aos impactos da degradação da natureza, exaltando a 
necessidade de medidas de controle. Nos Estados Unidos, também foram 
formuladas as primeiras regulações ambientais nesta mesma época, como o Clean 
Air Act e o Clean Water Act em 1970 e 1972, respectivamente (PEATTIE, 2001). 
A iniciativa privada enxergou neste movimento de caráter ideológico uma 
oportunidade lucrativa. Nascia um consumidor com novas características e critérios 
de decisão, não atendido, com forte tendência de crescimento, segundo Peattie 
(2001). Uma peculiaridade importante deste consumidor é a homogeneidade, 
independente de barreiras culturais. O objetivo é comum e interessante aos 
indivíduos de todos os países, todas as faixas etárias, todas as religiões e ambos os 
gêneros e depende apenas da vontade individual do consumidor, segundo o autor. 
 Esta homogeneidade ideológica pode se traduzir nas decisões de consumo 
no âmbito particular, sentindo-se confortáveis para consumir bens e serviços éticos 
que reflitam quem são ou quem gostariam de ser, deixando de comprar produtos 
como forma de protesto contra exploração da força de trabalho ou comprando itens 
como café negociado de maneira justa. O movimento de resistência ao consumo 
pode ser originado diante de diferentes visões. Cherrier (2009) identificou um 
comportamento de consumo marcado pelo autossacrifício e comprometimento com 
um estilo de consumo politicamente correto voltado para a justiça, a igualdade e a 
participação, personificado pela identidade do herói, em contraste a outro 
comportamentode consumo que busca combater o consumismo e o culto à 
22 
 
individualidade, por meio de um consumo criativo, questionando o senso de 
identidade gerado pelo consumo de bens materiais. 
 A pesquisa de Iyer e Muncy (2009) trouxe quatro perfis, cuja distinção se 
baseia nas motivações e nas formas de atuação: os Global Impact Consumers são 
aqueles que desejam reduzir seu nível de consumo para beneficiar a sociedade e o 
planeta; os Simplifiers objetivam se mover de uma sociedade de grande consumo 
para uma sociedade menos orientada para o consumo, com um estilo de vida mais 
simples; os Market activists são aqueles que classificam marcas ou produtos como 
causadores de problemas sociais e tentam utilizar o poder do consumidor para 
causar um impacto na sociedade; e os Anti-loyal consumers se comportam de forma 
oposta aos consumidores leais, deixando de comprar marcas ou produtos devido a 
experiências negativas ou à percepção de que a empresa é inferior ou tem um 
produto inferior. 
Cherrier (2007) adiciona outro perfil de consumidor ético baseado na escolha 
intencional de trabalhar menos, querer menos, gastar menos e ser mais feliz, 
compondo o movimento ‘The Voluntary Simplicity’. O estudo deste movimento reflete 
uma mudança no estilo de vida dos consumidores em direção a uma vida mais 
harmoniosa e com propósito. O conceito da simplicidade voluntária pretende romper 
a cultura de consumo compulsivo (‘quanto mais, melhor’), reafirmando valores como 
humanidade, localidade, comunidade e respeito pela vida e pela natureza. 
A escolha por aderir à este movimento pode ter origem voluntária, a partir da 
ética e motivação internas; ou pode ser imposta por fatores externos sociais, 
ambientais e econômicos. O movimento é caracterizado como social a partir da 
pluralidade de ideias, e reflete valores e identidades coletivas. Além disso, nele o 
consumo não é demonizado, mas prega-se que deva ser direcionado. Em suma, o 
consumidor ético compartilha emoções, paixões e estilo de vida e é apresentado 
como um ser em constante transição. O estudo da identidade ética, portanto, 
também deve levar este processo de construção em consideração (CHERRIER, 
2007). Este é um desafio para este consumidor neoliberal, uma vez que possui 
independência e liberdade para promover aspectos éticos da sua identidade através 
de escolhas personalizadas no mercado, o que representa uma busca de 
significados para a vida. Significados estes que serão continuamente renegociados 
internamente, de acordo com Cherrier (2007). As características de integração e 
conhecimento do mercado e racionalidade na decisão por adquirir, consumir e 
23 
 
descartar produtos éticos que projete a identidade desejada compõem a definição de 
consumidor neoliberal, por Cherrier (p. 322, 2007). 
Por outro lado, no momento de compra, outros fatores são relevantes e 
podem ser decisivos para o consumo, como tempo e dinheiro. McDonald et al (2009) 
e Newholm e Shaw (2007) trazem à luz estes dilemas entre a racionalidade 
financeira e a influência do contexto cultural, como parte das incongruências do 
comportamento de compra individuais. 
 
2.2 SUSTENTABILIDADE E O VEGETARIANISMO 
 
O dicionário Michaelis (2012) define alimento como “toda substância que, 
introduzida no organismo, serve para nutrição dos tecidos e para produção de calor”. 
O ato de comer, todavia, é muitas vezes relacionado a outros sentidos que não o de 
combustível do corpo. Casotti (2004) reflete sobre as sensações de compensação 
do estresse e da ansiedade da vida moderna, preenchimento do vazio ou desejo 
emocional e do prazer e angústia causados pela alimentação e os seus excessos. 
De acordo com a autora, o ato de comer também é um evento social e 
influenciado pelo contexto cultural: os americanos são obcecados por saúde; os 
franceses, por variedade; e os brasileiros, influenciados pela construção da história. 
Ackerman (1992, apud Casotti, 2004, p. 547) oferece o conceito de que o alimento é 
uma grande fonte de prazer, que traz satisfação tanto física quanto emocional. A 
alimentação pode marcar uma situação, ao mesmo tempo em que transmite um 
significado, além de poder ser vista como uma espécie de código (Barthes, 1961 
apud Casotti, 2004, p. 546). 
De acordo com Kleine & Hubbert (1993), padrões de consumo alimentares 
estão associados a significados simbólicos que refletem padrões sociais. Os autores 
enumeram as possíveis motivações para um indivíduo tornar-se vegetariano: (1) 
Preocupação com os direitos dos animais; (2) Razões espirituais; (3) Razões de 
saúde; (4) Ativismo político; (5) Ambientalismo; e (6) Não gostar de carne. Tais 
alternativas serão explicadas em mais detalhes nas subseções seguintes. 
Janda e Trocchia (2001), em sua pesquisa, observaram as mesmas causas, 
excluídas as razões religiosas e ligadas à prática militante. Os autores desenharam 
um modelo com os principais motivos que levaram os respondentes a dar inicio à 
24 
 
dieta restritiva e seus desdobramentos, que os autores chamaram de O Modelo de 
Marketing do Vegetarianismo (vide Figura 2). 
 
Figura 2 - Modelo das motivações, tensões, mecanismos para administração 
da situação e implicações de consumo do vegetariano 
 
Fonte: Janda & Trocchia, 2001, p. 1209. 
 
 O modelo, resultado do processo de interpretação hermenêutica das 
entrevistas em profundidade, sugere que os vegetarianos adotam a dieta a partir de 
motivos como manutenção da saúde, preocupação com os direitos dos animais, pelo 
paladar da carne e por influência de grupos de referência. Uma vez iniciada a 
prática, uma variedade de tensões cognitivas é desenvolvida, tais como 
pragmatismo versus integridade, o bem estar animal em contraposição ao bem estar 
próprio, a liberdade individual contrapondo ao sentimento de pertencimento ao 
grupo, e a abstinência versus o prazer que alguns alimentos proporcionam. Estas 
tensões são reduzidas ou exacerbadas por condições intervenientes, tais como a 
influência da família ou a disponibilidade dos alimentos (JANDA; TROCCHIA, 2001). 
Motivações 
Preocupações éticas 
Saúde 
Sensorial 
Influência do grupo de 
referência 
Tensões 
Pragmatismo x integridade 
Bem estar animal x próprio 
bem estar 
Liberdade individual x 
pertencimento social 
Abstinência x prazer 
Mecanismos de 
enfrentamento 
Foco no problema 
Foco na emoção 
Concessões 
Condições intervenientes 
Disponibilidade de alternativas 
alimentares 
Influência da família 
Presença de crianças 
Preocupações com a saúde 
Preferências e gosto individual 
Condições em casa 
Implicações 
Estratégicas 
(Quadro 3) 
25 
 
Os participantes do experimento relataram a concepção de estratégias para 
melhor lidar com a tensão criada, baseadas na erradicação da fonte do problema 
(foco no problema); no gerenciamento do distress emocional associado à situação 
(foco na emoção); e a estratégia baseada em concessões, que se dá por meio da 
redução da fonte da tensão e depois pela racionalização da escolha do 
comportamento, conforme exposto no Quadro 3 (JANDA; TROCCHIA, 2001). 
 
26 
 
 
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Quadro 3 - Estratégias organizacionais diante dos mecanismos para 
administração das situações de tensão do vegetariano 
27 
 
 
Fonte: Extraído de Janda & Trocchia, 2001, p. 1209. 
 
2.2.1 Preocupação com os direitos dos animais 
 
Dois grandes subtemas emergem deste item: preocupação com a qualidade 
de vida dos animais e o sentimento de culpa associado à morte dos animais 
(JANDA; TROCCHIA, 2001). O primeiro subtema citado remete à preocupação com 
o bem estar do animal (BEA) em seus criadouros, enquanto o segundo aparece 
relacionado à motivação de não gostar de carne, como influência psicológica. 
De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora 
de Carne Suína (ABIPECS, 2012), o sistema intensivo de produção de animais teve 
início após a Segunda Guerra Mundial, quando ocorreu uma grande escassez de 
alimentos na Europa e o modelo de produção industrial em larga escala atingiu 
todos os setores da economia, inclusive o pecuário. 
Em 1964, a jornalista inglesa Ruth Harrison lançou um livro chamado Animal 
Machines, inaugurando o debate sobre a ética da produção animal na agricultura. O 
livro denunciava os maus tratos e a crueldade cometidos contra os animais 
confinados na Grã-Bretanha. Esta publicação gerou grande impacto na sociedade 
britânica, o que culminou na criação pelo Parlamento inglês de um comitê, composto 
por pesquisadores da área, batizado de Brambell, que tinha por objetivo investigar 
as acusações expostas no livro (ABIPECS, 2012). 
Com o propósito de avaliar as diversas variáveis que impactam a vida dos 
animais, o comitê Brambell propôs o conceito das Cinco Liberdades mínimas que 
todo animal deveria ter: liberdade nutricional, referindo-se às necessidades 
fisiológicas de fome e sede; ligada ao conforto ambiental; relativo à expressão do 
comportamento natural do animal; que os animais fossem mantidos livres de dor, 
injúrias ou doenças; e liberdade psicológica, concernentes aos sentimentos de medo 
e distresse. Posteriormente, o Farm Animal Welfare Council – FAWC (Conselho de 
Bem-Estar na Produção Animal) do Reino Unido adaptou a lista para a realidade dos 
animais de produção e sintetizou as Cinco Liberdades em quatro princípios: boa 
alimentação, boas instalações, boa saúde e comportamento apropriado (ABIPECS, 
2012). 
28 
 
O comitê definiu bem estar pela primeira vez como “um termo amplo que 
inclui tanto o estado físico quanto o mental do animal. Por isso, qualquer tentativa 
para avaliar o bem-estar animal deve levar em conta a evidência científica existente 
relativa aos sentimentos dos animais. Esta evidência deverá descrever e 
compreender a estrutura, função e formas comportamentais que expressam o que o 
animal sente.” Pela primeira vez na história, os sentimentos dos animais foram 
considerados (ABIPECS, 2012). É a definição de Broom (1986), contudo, que mais 
se destaca junto à comunidade científica: “bem estar de um indivíduo é seu estado 
em relação às suas tentativas de se adaptar ao seu ambiente”. 
Segundo esta definição, o bem-estar depende das ações da empresa criadora 
na tentativa de fazer com que o animal consiga adaptar-se ao ambiente e do grau de 
sucesso desta empreitada. O bem estar pode, assim, variar entre “muito ruim” e 
“muito bom” e pode ser avaliado cientificamente a partir do estado biológico do 
animal e de suas preferências (BROOM, 1986). Logo, taxas de produtividade, de 
sucesso reprodutivo e de mortalidade, comportamentos anômalos, severidade de 
danos físicos, aumento da atividade adrenal, imunidade baixa ou incidência de 
doenças, são fatores que podem ser medidos para avaliar o grau de bem estar dos 
animais (BROOM, 1991). O autor destaca que a ausência de sofrimento não 
significa presença de bem estar. 
Segundo Da Costa et al (2002), as empresas do setor buscam a máxima 
eficiência e produtividade através de investimentos nas áreas de nutrição, 
melhoramento genético e reprodução dos animais de corte, enquanto cuidados com 
os aspectos fisiológicos e comportamentais dos animais são desconsiderados. 
Práticas como amputação de rabos, bicos e dentes, o confinamento intensivo e 
outros maus tratos são rotinas que aceleram a produtividade, porém infligem aos 
animais dor e estresse intensos (COX, 2007). O Apêndice B enumera algumas das 
principais práticas de maus tratos impostas aos animais de produção na pecuária 
industrial. 
Apesar deste quadro, pesquisas como a de McEachern e Schroder (2004) 
indicam que os consumidores não estão propensos a relacionar o consumo de 
produtos derivados da indústria animal - de couros, calçados, ração e têxtil -, a 
problemas ambientais ou éticos. Ao contrário, as pessoas sentem-se 
desconfortáveis com a conexão entre os assuntos “crueldade com animais” e 
“consumo de carne”, tendendo a evitar este confronto de ideias. 
29 
 
Em contrapartida, outras pesquisas demonstram mudanças no 
comportamento de alguns grupos sociais, no que se refere ao consumo de produtos 
de origem animal. No Brasil, destaca-se o estudo de Souza (2011), que vislumbra o 
comportamento do consumidor de carne. A pesquisa demonstra, por meio de análise 
qualitativa e quantitativa, a falta de informação sobre o tema por parte dos 
consumidores. Ao tomarem conhecimento dos padrões de manejo dos animais de 
produção por meio de um vídeo, os entrevistados apresentaram sentimentos de 
revolta e culpa inexistentes nas respostas antecedentes ao vídeo, evidenciando a 
ignorânciaquanto ao assunto. Outro achado da pesquisa remete à sensibilidade na 
disposição a pagar pelo produto com práticas certificadas do trato animal que, por 
ventura, exijam incremento no preço. A pesquisadora verificou um aumento 
considerável tanto de pessoas dispostas a pagar mais caro por tais produtos, quanto 
no percentual do acréscimo no valor, após a exibição do vídeo. 
Sob a ótica empresarial, observa-se a discussão pertinente ao processo 
decisório quanto à viabilidade econômica da manutenção de práticas que excluem 
maus tratos aos animais em seus procedimentos (PERIN, 2012). Perin (2012) 
analisou 28 empresas pertencentes à indústria de proteína animal instaladas no 
Brasil, classificadas entre os grupos: Fast-Food, Bens de Consumo, Supermercados 
e Produção Agropecuária. A autora promoveu uma classificação das empresas por 
meio de uma qualificação por pontos, de acordo com as declarações das 
organizações sobre a preocupação com a prática do bem estar animal. O resultado 
mostrou que metade das empresas não trata do tema de bem estar animal e apenas 
seis delas apresentaram notas acima de três, ou seja, demonstravam interesse e 
preocupação com a questão. O desconhecimento do consumidor como uma das 
principais razões pelas quais tais práticas não são plenamente difundidas no setor é 
corroborado, uma vez que os elos mais fracos da cadeia produtiva são as categorias 
de Supermercados e Fast-Food. Estes subgrupos são os que travam contato 
diretamente com o público final e apresentaram as mais baixas notas médias. 
 
2.2.2 Razões espirituais 
 
A prática do vegetarianismo está entrelaçada profundamente com tradições 
religiosas transcendentais (TWIGG, 1979). Quando os seguidores de Maomé o 
pediram para definir a fé, Ele respondeu: “Para oferecer alimento e dar a saudação 
30 
 
de paz”. O Corão menciona os atos de comer e beber com excepcional frequência, 
sustentando que são uns dos principais sinais da existência divina (FEELEY-
HARNIK, 1995). 
“A fome biológica distingue-se dos apetites, expressões dos variáveis 
desejos humanos e cuja satisfação não obedece apenas ao curto 
trajeto que vai do prato à boca, mas se materializa em hábitos, 
costumes, rituais, etiquetas. [...] O que se come é tão importante 
quanto quando se come, onde se come e com quem se come.” 
(CARNEIRO, 2003, p. 1-2) 
 
No tocante às religiões, a alimentação tem papel fundamental no cotidiano de 
seus adeptos: permissões, proibições e jejuns são regulações religiosas simbólicas 
constantemente exercidas. As regras alimentares são disciplinares, representando 
técnicas de autocontrole perante as tentações. Tais regras disciplinares podem ser 
anti-hedonistas, evitando o prazer proporcionado pela alimentação, ou podem ser 
pragmáticas, evitando alimentos considerados passionais (CARNEIRO, 2003). 
Influenciadas pela história e evolução, as religiões desenvolveram padrões 
alimentares próprios, conforme descrição: 
No Jainismo, cuja origem data do século IV a.C., é propagada a ideia de não 
causar danos a outros seres vivos baseado em um sentimento de compaixão. 
Chamada de ahimsa, a argumentação fundamenta-se na crença da existência de 
uma cadeia de encarnações, sendo o ápice na forma de ser humano, quando é 
alcançado o nirvana ou a iluminação. Sob esta ideologia, ao alimentar-se de carne, o 
indivíduo corre o risco de ingerir familiares e atrair karma negativo, retardando o 
atingimento da iluminação. Adicionalmente, a religião condena a prática de sacrifício 
animal, intimamente ligada ao consumo de carne e prega o contato com o deus 
interior por meio da conquista dos instintos animais, que levam a atos de violência e 
autoindulgência, incluindo o consumo de carne (KRECH III; MCNEILL; MERCHANT, 
2004). 
No Budismo, o princípio básico é não maltratar os animais. Seria um pecado 
até beber a água que contivesse larvas, pois é uma forma de vida. Aos monges é 
ensinado que todos devem amar e respeitar qualquer espécie de animal. Esse 
sentimento é chamado de ‘Metta’ e, por isso, os budistas são vegetarianos. Os 
preceitos da crença indicam que Buda condenava o sacrifício de animais. A história 
contada pelos monges sugere que a proibição do consumo de carne determinou os 
hábitos dos japoneses durante dez séculos. Somente no século XVI, com a chegada 
31 
 
dos missionários portugueses e de outros europeus ao Japão, é que foi 
reintroduzido paulatinamente o hábito de comer carne (SOCIEDADE BUDISTA DO 
BRASIL, 2012). 
No Hinduísmo, são venerados como animais sagrados a serpente e a vaca. A 
imagem do bovino, como divindade principal, está presente em todos os templos e 
na maioria dos lares, representando a fecundidade da terra e a da Humanidade. Os 
praticantes não podem comer carne de vaca e nem contrariar os hábitos deste 
animal venerado. Além disso, o sacrifício das vacas nas cerimônias religiosas foi 
proibido, ajudando a estender a repulsa da população para o consumo de todos os 
tipos de carne semelhantes à bovina (CLOVEGARDEN, 2012). 
No Torá, o livro Levítico prescreve com detalhes o tipo de carne que pode ser 
consumida e o que não pode, classificando os animais em duas categorias: os puros 
e os impuros. A principal característica do animal puro é ter órgãos de locomoção 
própria, o casco fendido e ser ruminante. Segundo o capitulo 11 do livro, o suíno é 
proscrito, pois ‘apesar de ter o casco fendido, partido em duas unhas, não rumina’. 
Acredita-se, porém, que o verdadeiro motivo desta proibição era o de proteger o 
povo judeu da contaminação com a triquinose, provocada pela Trichinella spiralis, 
conhecida popularmente como 'solitária'. Os peixes para serem considerados puros, 
deviam ter barbatanas e escamas. A carne bovina pode ser consumida e para isso 
deve ser proveniente de um animal que tenha sido abatido pelo ritual ‘Kosher’, que 
envolve a eliminação total do sangue (BONFIM, 2004). 
O ritual de abate é iniciado com a degola por uma espécie de açougueiro 
denominado ‘schochet’, que recebe treinamento por um longo período. A proposta 
do ritual é o corte da artéria carótida e veias jugulares rapidamente. O instrumento 
cortante utilizado para essa operação é chamado de ‘chalaf’, o qual é afiado de 
forma eficiente e examinado após cada utilização. Cada seção do ritual é precedida 
por uma prece especial denominada ‘beracha’. Somente os quartos dianteiros, as 
costelas e a carne de cabeça dos animais podem ser consumidos. Os produtos 
kosher apresentam um selo que indica a garantia de um rigoroso processo de 
fiscalização, que investiga mais profundamente a origem e o estado dos animais. 
Estes métodos têm sido criticados, todavia, tanto pela crueldade como também pela 
falta de cuidados quanto aos aspectos higiênico-sanitários (BONFIM, 2004). 
No islamismo, o ritual de abate de bovinos é similar ao ritual judaico, sendo 
denominado ‘Dhabiha’. Durante o ritual a pessoa autorizada pelo imã – o líder da 
32 
 
comunidade islâmica - deve fazer uma oração consagrando o animal como 
propriedade de Alá. Cada animal deve ser abatido por vez, não sendo permitido ser 
observado por outros animais. Diferentemente dos judeus, todas as partes do animal 
podem ser consumidas sem nenhuma restrição (SIREGAR, 1981). 
A Igreja Adventista do Sétimo Dia defende uma dieta ovo-lacto-vegetariana, 
incluindo quantidades moderadas de produtos de baixo teor de gordura, evitando o 
consumo de carne, peixe, aves, café, chá, álcool e tabaco (embora estes não sejam 
estritamente proibidos). Tais crenças se baseiam nas palavras da Bíblia, de acordo 
com a Seventh-Day Adventist Dietetic Association (SDADA, 2012). 
Webster (1994) ironiza que o porco, no auge da sua inteligência, persuadiu 
quatro das maiores religiões do mundo a não comê-lo por diferentes razões, diante 
da vaca, sagrada na Índia e do cavalo, sagrado na Inglaterra. 
 
2.2.3 Razões de saúde 
 
Há, atualmente, uma maior quantidade de informaçõesdisponíveis 
relacionando o regime alimentar à saúde. Uma vez que esta relação já foi fortemente 
estabelecida pela mídia de massa, as atenções se voltam para recomendações 
sobre quais alterações nos padrões de consumo de alimentos devem ser feitas, a 
fim de promover uma vida saudável (HASLAM ET al, 2000). De acordo com 
pesquisa realizada pelos autores com 421 indivíduos, as duas razões mais comuns 
para alguma mudança no regime alimentar foram: perder peso e uma maior 
consciência sobre alimentação saudável. 
Ruby (2011) afirma que vegetarianos que optam pela dieta restrita por 
motivos de saúde o fazem por preocuparem-se com potenciais doenças e 
concentram-se principalmente nos vários benefícios e barreiras à mudança da dieta. 
O autor assevera ainda que eles tendem a eliminar a carne gradualmente e 
apresentam menor probabilidade de transição para o veganismo, em contraste aos 
indivíduos cuja motivação tem origem nos princípios éticos da preocupação com o 
bem estar animal. Este grupo tende a alterar a sua base alimentar abruptamente, 
diante da carga emocional envolvida. 
Outra característica divergente entre estes dois grupos está no foco: enquanto 
o primeiro concentra-se nas preocupações principalmente internas, compreendendo 
questões concernentes à sua saúde pessoal, o grupo cuja origem reflete 
33 
 
considerações morais exibe um foco especialmente externo, envolvendo as 
preocupações sobre animais não-humanos (RUBY, 2011). 
 Lindeman e Stark (1999) compilam pesquisas sobre a relação entre a escolha 
da alimentação, a personalidade e o bem estar, referentes ao controle do peso. Os 
autores revelam que há forte relação entre estes fatores e a má imagem do próprio 
corpo, baixa autoestima e depressão. O estudo mostrou a existência de seis grupos 
distintos no que se refere à escolha da alimentação: gourmets, indiferentes, 
mantenedoras da saúde, portadoras de ideologias, as que fazem dietas pela saúde 
e as que fazem dietas pelo corpo. Cada um dos grupos foi avaliado sob a 
perspectiva das motivações para a escolha: saúde, controle de peso, prazer e 
razões ideológicas. 
 Enquanto os subgrupos “gourmets” e “portadores de ideologia” escolhiam 
seus produtos alimentares visando o prazer que a alimentação lhes proporciona e 
seus princípios ideológicos, respectivamente, o subgrupo de pessoas que fazia dieta 
com vistas à saúde se diferenciava dos demais pela preocupação com a aparência e 
apreço ao prazer da alimentação ao mesmo tempo. O subconjunto de pessoas que 
mantinham uma dieta para manter a forma física não via deleite nesta atividade. 
Este grupo caracterizava-se por mulheres insatisfeitas com a sua aparência e peso, 
cuja pressão exercida pela cultura da magreza era forte, levando-as a apresentar 
sintomas de distúrbios alimentares, baixa autoestima e maior incidência de 
depressão (LINDEMAN; STARK, 1999). 
 Dentre todos os grupos, a motivação de escolha do padrão alimentar entre as 
mulheres mais encontrada foi a de decisão por uma vida saudável, sozinha ou 
acompanhada do prazer proporcionado com a degustação dos alimentos 
(LINDEMAN; STARK, 1999). 
 A pesquisa de Moon, Balasubramanian e Rimal (2011) confirma que o uso de 
alegações de saúde e outras reivindicações relacionadas aos produtos alimentares 
têm aumentado ao longo do tempo. Neste sentido, os esforços de marketing da 
indústria alimentícia tornam-se um tema central para o setor, com o propósito de se 
relacionar com as pessoas que valorizam fortemente a preocupação com a saúde, a 
ponto de mudar a sua alimentação com base neste pressuposto. Os autores 
mostram evidências de que a oferta proativa de dados que estes consumidores 
estejam interessados em absorver poderá induzir as pessoas a confiar nas 
informações apresentadas. Em alguns casos, as reivindicações podem até gerar um 
34 
 
efeito de prestígio (avaliar melhor o produto por atributos não mencionados) ou um 
efeito de varinha mágica (atribuir benefícios inadequados ao produto). 
 
2.2.4 Ativismo Político 
 
Newholm e Shaw (2007) trazem um debate sobre o boicote. O ato é definido 
como uma ação do consumidor arquetípica semiorganizada. Os autores consideram 
que o consumo ético como projeto político é frequentemente rejeitado por ser 
considerado um conjunto de ações muito individualizadas e não atingirem a 
consciência coletiva. Apesar do comportamento ser apontado como um veículo para 
a autorrealização moral, a coletividade é valorizada pelo consumidor ético pelo poder 
que é capaz de oferecer, tanto para o caso de consumo como para o de 
anticonsumo. 
A pesquisa realizada por Kleine e Hubbert (1993), no entanto, trouxe à tona 
um participante cuja mudança na alimentação deu-se a partir de engajamento 
político. A preocupação e ativa participação em um projeto sobre a pesca ilegal de 
atum estimulou a busca por informações sobre ambientalismo e direitos dos animais 
e consequente extinção das carnes na alimentação. Pode-se considerar, contudo, 
que a prática militante foi o fator detonador para que outros pontos motivadores 
influenciassem a condução da transformação do hábito alimentar. 
 
2.2.5 Ambientalismo 
 
De acordo com o Worldwatch Institute, que acompanha questões ambientais 
ao redor do globo, a questão do consumo individual de carne tornou-se central no 
debate acerca de sustentabilidade. 
“À medida que a ciência ambiental avançou, ficou evidente que o 
apetite humano por carne animal é uma força impulsionadora por trás 
de praticamente todas as grandes categorias de danos ambientais 
que atualmente ameaçam o futuro da humanidade: desflorestamento, 
erosão, escassez de água potável, poluição do ar e da água, 
mudanças climáticas, perda da biodiversidade, injustiça social, 
desestabilização de comunidades e propagação de doenças” 
(SINGER; MASON, 2007, p. 261). 
 
De acordo com pesquisa do IBOPE (2007), a população brasileira está 
desenvolvendo uma consciência ambiental. A pesquisa revelou que 85% dos 
35 
 
cidadãos entrevistados estão dispostos a pagar um preço diferenciado por produtos 
que não agridam o meio ambiente. Adicionalmente, mais da metade dos 
consumidores afirmou comprar apenas produtos de fabricantes que não agridam o 
meio ambiente, ainda que sejam caros. Deste modo, conforme Roberts (1995) 
afirma, os indivíduos alteram não somente suas rotinas, incorporando atividades em 
prol do ambiente, como a separação do lixo e a não utilização de sacos plásticos, 
como modificam seu comportamento de consumo. 
Ottman (1994) confirma que esta sensibilidade crescente da sociedade 
perante as causas ambientais levou à geração de uma demanda por ‘produtos 
verdes’ ou com apelo ecológico e o consequente atendimento a esta fatia de 
consumidores por parte da oferta. A tendência é abraçada amplamente em todas as 
áreas das organizações. Com isso, destaca-se a definição de Marketing Verde por 
Peattie (2001): 
 
O termo ‘Marketing Verde’ tem sido usado para descrever o conjunto 
de atividades de marketing voltadas para minimizar impactos 
ambientais e sociais causados por produtos e sistemas de produção 
existentes, e que promovem produtos e serviços menos danosos 
(PEATTIE, 2001, p. 129). 
 
Peattie (2001) destaca as principais consequências advindas desta orientação 
verde: 
 
(1) O tratamento globalizado de questões como o aquecimento global gerando 
uma discussão mais generalizada e sem barreiras geográficas sobre a 
sustentabilidade, evocando o trabalho em conjunto; 
(2) Novos segmentos de mercado foram criados a partir de produtos e serviços 
especializados ou com apelo socialmente responsável; 
(3) Oportunidade de desenvolvimento de novos produtos ligados a temática 
ambiental e/ou social; 
(4) Novos desafios para o mercado publicitário, tendo em vista os novos valores 
adicionados à imagem das empresas; 
(5) O foco dado à cadeia produtiva, vista como ponto de vantagem competitiva e 
diferenciação perante os concorrentes;36 
 
(6) As embalagens dos produtos ganharam uma importância crescente tanto 
como potencial item de minimização de custos, com a redução dos materiais 
utilizados, como publicidade da imagem da companhia; 
(7) Novas parcerias com agências ambientais ou outras instituições que 
pudessem agregar valor à imagem das organizações também observaram 
seu prestígio acrescido; 
(8) Percepção de valor, por parte das corporações, de que vale a pena não 
apenas participar da tendência, mas ser pioneira e ir além do cumprimento às 
regulações; 
(9) Avidez por captar e exibir novas informações. Há uma forte demanda pela 
transparência com relação aos dados pertinentes aos produtos, bem como 
matérias-primas, a cadeia produtiva, a conduta dos fornecedores, o descarte 
etc. 
 
Do outro lado, o consumidor verde é conhecido pela sua lógica menos 
individualista e mais coletivista, considerando a minimização do seu impacto no meio 
ambiente em seu processo de tomada de decisão no momento da compra, segundo 
Ottman (1994). 
 
2.2.6 Não gostar de carne 
 
O desgosto ou nojo é definido como um desejo de se afastar de um objeto 
que é 'estragado’, ‘tem um gosto ruim’ e ‘que deixa um gosto ruim na boca’. Além 
disso, as sensações de desconforto oral e náuseas são discutidas como 
componentes críticos no sentimento de repulsa. De todos os alimentos consumidos, 
os de origem animal parecem ocupar um lugar especial na dieta humana. Carne 
inspira ambivalência devido às associações com animais vivos, sangue, agressão, 
violência e os efeitos deletérios na saúde humana (KUBBEROD ET al, 2006). 
Kubberod et al (2006) apresentam três pontos fundamentais por detrás do 
sentimento de desgosto: o primeiro refere-se à natureza do alimento, o indivíduo se 
questiona de onde vem o alimento e o que vem em seguida (processamento); o 
segundo relaciona preocupações com o aspecto sensorial, qualificando 
propriedades relacionadas à aparência, textura, cheiro ou gosto; e o terceiro motivo 
37 
 
faz referência à antecipação das consequências negativas após a ingestão do 
alimento. 
A partir de então, os autores propuseram e confirmaram seis construtos sobre 
a rejeição à carne vermelha, incluindo pessoas que não se intitulam vegetarianas. A 
primeira hipótese relaciona-se com as preocupações morais associadas ao consumo 
ético em defesa do bem estar animal, que apresenta grande potencial de suscitar 
fortes sentimentos como o nojo. Na segunda hipótese, os autores observaram a 
perspectiva sensorial-afetiva, especialmente demarcada pelo aspecto de textura 
firme e difícil de mastigar da carne não processada. Quanto maior a lembrança do 
animal vivo, maior a probabilidade de incidência do nojo. O sangue e a aparência de 
carne crua, portanto, repercutirão de forma negativa na opinião do consumidor 
(TWIGG, 1979; FESSLER ET al, 2003). A quarta questão reflete a precipitação das 
consequências negativas após o consumo da carne, como as sensações de 
plenitude, de lentidão e sonolência. Características relacionadas ao indivíduo como 
a autoestima, também podem promover reações emocionais diretamente. 
Consequentemente, observa-se a correlação e sequenciamento dos fatores: 
importância de sentir-se magra, expressão da insatisfação com o próprio corpo, 
intensificação da dieta com a supressão da carne e desgosto para com o alimento. A 
sexta e última hipótese depõe que a carne vermelha é apontada como mais 
associada a atributos que podem levar à rejeição do que as carnes brancas, através 
da mídia. Sendo assim, são as primeiras a serem excluídas da dieta de carnes. 
Dentre as classes de rejeição à carne que Fessler et al (2003) identificaram, 
estão as pessoas que evitam a carne pelo sabor, excluindo apenas os itens de que 
não gostam. Os outros dois grupos que compõem a tripartite detectada pelos 
autores são os indivíduos motivados pelas questões ética e ambiental, que comem o 
mínimo de carne ou nenhuma e o grupo motivado pela saúde, que come pouca 
carne vermelha, mas substanciais quantidades de carne branca. 
 
2.3 IDENTIDADE E COMUNIDADE 
 
Hall (2005) afirma que a identidade de uma pessoa é formada através de sua 
participação em relações sociais mais extensas, adicionado o seu próprio papel na 
constituição dos processos. Pode-se considerar, então, a ocorrência de uma 
38 
 
interiorização do mundo externo ao indivíduo e uma exteriorização do seu interior, 
por meio da sua ação no mundo social. 
Na concepção de Castells (1997) e Hall (2005), a identidade é formada e 
transformada continuamente, num estado permanente de “em processo de 
construção”, constituída ao longo do tempo. De acordo com Goffman (1959), a 
negociação em que os indivíduos envolvem a si próprios durante o processo de 
constituição da identidade visa projetar uma impressão desejada. 
A identidade de uma pessoa é expressa na forma de consumo (SCHAU; 
MUNIZ, 2002). A partir daí, McCracken (2003) afirma que as sociedades capitalistas 
centradas no consumo levam os indivíduos a adquirir itens não pela funcionalidade, 
mas pelo seu valor simbólico. Sendo assim, o padrão de consumo define uma 
pessoa perante a sociedade e a busca do seu lugar em grupos. 
Mittal (2006) defende a existência de uma tensão entre como o indivíduo 
define sua identidade e como os outros a veem. Após diferenciar os termos entre 
como a pessoa se vê (eu) e como a pessoa acredita que os outros a veem (mim), o 
autor propõe três modos de minimizar este conflito: mudar o grupo de referência, 
buscando outras pessoas que corroborem sua versão; educar os outros, mostrando-
lhes a sua identidade; ou mudar o consumo. 
Solomon (2008) relaciona o autoconceito às crenças de um indivíduo sobre 
seus próprios atributos e o modo como ele os avalia. A partir daí, as marcas, 
produtos e atividades escolhidas e exercidas pelos consumidores têm significado e 
ajudam a comunicar e tangibilizar a sua identidade (SCHAU; GILLY, 2003). Solomon 
(2008) apresenta ainda duas teorias que ajudam a explicar este comportamento: (1) 
Modelo de congruência da autoimagem, no qual as pessoas buscam produtos cujos 
atributos combinem com algum aspecto do seu eu; (2) Teoria da 
autocomplementaçao simbólica, que engloba indivíduos que tendem a completar 
sua identidade adquirindo e expondo símbolos associados a ela, devido a uma 
autodefinição incompleta. 
A construção do conceito do indivíduo envolve seis componentes: (1) seus 
corpos; (2) seus valores e caráter; (3) sua competência e seu sucesso na vida; (4) 
seus papéis sociais; (5) seus traços de personalidade subjetiva; e (6) suas posses. 
O arranjo de prioridades dos atributos varia de pessoa para pessoa, assim como a 
proporção de cada um dos elementos (MITTAL, 2006). 
39 
 
Ao exercer diversos papeis sociais, um indivíduo utiliza diversos acessórios e 
frequenta distintos ambientes, que se tornam extensões do “eu” do consumidor 
(SOLOMON, 2008). Segundo Mittal (2006), Seis são os mecanismos pelos quais 
passam as pessoas na transformação da posse na extensão de suas identidades,: 
(1) pela escolha dos produtos ou atividades baseada em seu “eu”, ou seja, deve 
refletir identificação e autonomia; (2) pelo recurso (dinheiro, tempo, energia) 
investido na compra do produto; (3) pelo recurso (dinheiro, tempo, esforço) investido 
no uso do produto; (4) pelo vínculo criado após a compra e reforçado pelo uso do 
produto; (5) através de uma coleção, mediante o tempo e esforço investidos na 
aquisição da mesma (BELK, 1988); e (6) através de memórias – produtos que foram 
recebidos como presente de alguém ou que estejam associados a uma ocasião 
especial. 
Contudo, nem todos os produtos podem ser qualificados como posse e nem 
todas as posses constituem parte da identidade de um indivíduo. Este tipo de bem 
consumível pode apenas servir de instrumento para a promoção de algum 
componente do autoconceito. Um aficionado pelo elemento corpo pode ser 
escravizado

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