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Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto COPPEAD de Administração LEANDRO MITSUO HANADA Serviços de Governo em Dispositivos Móveis: Oportunidades e Barreiras Rio de Janeiro 2015 II LEANDRO MITSUO HANADA Serviços de Governo em Dispositivos Móveis: Oportunidades e Barreiras Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração Orientadora: Elaine Tavares, D.Sc. Esta pesquisa contou com financiamento da FAPERJ através do Edital N.º 28/2012 Rio de Janeiro 2015 III IV LEANDRO MITSUO HANADA Serviços de Governo em Dispositivos Móveis: Oportunidades e Barreiras Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração Aprovada em _____________________________________________________________ Orientador Professora Elaine Tavares, D.Sc. – COPPEAD/UFRJ _____________________________________________________________ Professora Ariane Cristine Roder Figueira, D.Sc. – COPPEAD/UFRJ _____________________________________________________________ Professora Isabel de Sá Affonso da Costa, D.Sc. – MADE/UNESA V “The major problems of our work 1 are not so much technological as sociological in nature” (DeMarco & Lister, 2013, pg. 4) 1 Gerenciamento de Projetos de Software VI AGRADECIMENTOS Agradeço a meus pais, pelo apoio incondicional, pelas lições de vida e pelas oportunidades que eles me forneceram durante toda a vida. Meus amigos e família pelo estímulo e por acreditarem no meu potencial. Minha namorada Juliana por seu amor, pela compreensão e apoio durante o desenvolvimento deste trabalho. Agradeço a minha orientadora professora Elaine Tavares pela dedicação, disponibilidade e suporte para a elaboração desse trabalho. Principalmente, pela “coincidência” de ser uma especialista em Administração de Sistemas de Informação, área que encaixou perfeitamente no que eu buscava quando pensei em fazer o MBA. Agradeço às professoras Ariane Roder Figueira e Isabel de Sá por aceitarem o convite para participar da banca examinadora. Aos professores do COPPEAD por compartilharem seu conhecimento e por me inspirarem como exemplos de dedicação e competência. Também aos funcionários do COPPEAD pela diligência nos serviços. Agradeço a todos os entrevistados de órgãos do governo, empresas de tecnologia, startups e até de projetos de fora do Brasil, que gentilmente cederam seu tempo para relatarem suas experiências e opiniões sobre o tema deste trabalho. Agradeço a FAPERJ que financiou a pesquisa e ao Rio de Janeiro que me acolheu nesses anos e não é só tema de músicas e filmes, mas também de trabalhos científicos. A todos que ajudaram na realização desse trabalho. VII RESUMO Hanada, Leandro Mitsuo. Serviços de Governo em Dispositivos Móveis: Oportunidades e Barreiras. Orientadora: Elaine Tavares. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2015. Dissertação (Mestrado em Administração de Empresas). Este estudo se propôs a analisar as oportunidades, barreiras e fatores críticos de sucesso em iniciativas de serviços de governo em dispositivos móveis (m-government). Foram entrevistados 20 gestores de órgãos governamentais do Rio de Janeiro, fornecedores de tecnologia do governo e iniciativas independentes associadas a serviços de governo. A abordagem utilizada foi a análise de conteúdo a partir de categorias definidas a priori de acordo com o referencial teórico. Os resultados apontam que as características distintivas do m-government ainda não foram plenamente adotadas pelo governo, assim como os recursos dos dispositivos móveis inteligentes, e apresentam-se, portanto, como oportunidades a serem aproveitadas. Além disso, foram identificadas características de um adotante tardio de tecnologia no governo, com a adoção de inovações apenas depois que elas estão consolidadas no setor privado. A pesquisa também aponta a natureza ad hoc do processo de implantações de inovações em tecnologia móvel no governo, com dependência do suporte de uma autoridade administrativa para que o projeto tenha sucesso. A existência de um campeão de produto, o suporte financeiro e a cultura da organização pública também são reconhecidos como fatores críticos para o sucesso de projetos nessa área. As barreiras encontradas estão em aspectos organizacionais, legislativos e burocráticos, que torna o processo de adoção de inovações mais lento, inviabilizando, inclusive, alguns projetos. Assim, as principais barreiras na implantação de projetos de tecnologia no governo não são tecnológicas, como era de se presumir, mas muito mais relacionadas a aspectos organizacionais, sociológicas, econômicas, normativas e políticas. O empreendedorismo, social ou lucrativo, com o uso de políticas que o suporte, tem o potencial de superar essas barreiras. Por fim, ao explorar de que forma o m- government pode melhorar a gestão pública neste trabalho, é possível identificar oportunidades para o governo, fornecedores e empreendedores. Palavras-chave: M-Government, Serviços de Governo, Dispositivos Móveis, Sistemas de Informação, Governo Eletrônico. VIII ABSTRACT HANADA, Leandro Mitsuo. Government Services in Mobile Devices: Opportunities and Obstacles. Advisor: Elaine Tavares. Rio de Janeiro, UFRJ / COPPEAD, 2015. Dissertation (Master of Business Administration). This research aimed at analyzing the opportunities, obstacles and critical success factors in government services in mobile devices (m-government). Twenty interviews were conducted with managers across government agencies from Rio de Janeiro, government technology providers, and independent initiatives associated with government services. The approach is the content analysis with a priori categories defined according to the theoretical background. The results indicate that the distinctive characteristics from m-government are yet to be fully adopted by the government, such as the features from smartphones, bringing up opportunities for public managers, technology providers and startups. Additionally, characteristics as a late- adopter of technology were identified, since the government adopts the innovation only after it is widely adopted in the private sector. The research also points out to the ad hoc nature of the government’s innovation implementation process in mobile technology, with a great deal of dependence of the support from the administrative authority. The existence of a product champion, the financial support and the culture of the public agencies are also recognized as critical success factors for projects in this field of study. The obstacles are in organizational, legal and bureaucratic aspects of the initiatives, which leads to a slow innovation adoption process, and even render some projects as non-feasible. Thus, the main obstacles in technological projects in the government are not technological, as it would be presumed, but rather much more related to organizational, sociological, economical, legal and political aspects.Entrepreneurship, either social or aiming at profits, with the right support policies, has the potential to overcome these barriers. At last, by exploring how m-government is able to improve the public administration in this research, it is possible to identify opportunities for the government, technology providers, and entrepreneurs. Keywords: M-Government, Government Services, Mobile Devices, Information Systems, Eletronic Government. IX LISTA DE ILUSTRAÇÕES Lista de Quadros Quadro 1: Resultado anual de vendas de celulares tradicionais e smartphones ......................... 9 Quadro 2: Resumo das diferenças entre os conceitos de atendimento no governo .................. 14 Quadro 3: Barreiras para projetos de e-government ................................................................. 30 Quadro 4: Habilitadores e Inibidores tecnológicos e organizacionais ..................................... 35 Quadro 5: Elementos analisados e respectivo referencial teórico ............................................ 39 Quadro 6: Número de entrevistados por tipo de organização .................................................. 42 Quadro 7: Lista de entrevistados .............................................................................................. 47 Quadro 8: Ocorrência dos elementos nas entrevistas ............................................................... 48 Quadro 9: Descrição dos usos mais tradicionais para número N11 ....................................... 117 Quadro 10: Indicadores da SEOP ........................................................................................... 133 Quadro 11: Status das solicitações no 1746 e a respectiva descrição .................................... 136 X LISTA DE ILUSTRAÇÕES Lista de Figuras Figura 1: Curva de Adoção de Inovação de Rogers ................................................................... 2 Figura 2: Tipos de interação do m-Gov .................................................................................... 20 Figura 3: Categoria de adotantes de tecnologia e suas características ..................................... 26 Figura 4: Curva de Adoção de Inovação de Rogers ................................................................. 26 Figura 5: Curva de aprendizado no governo em e-government ............................................... 27 Figura 6: Fatores críticos de sucesso para a adoção da TI no governo .................................... 31 Figura 7: As proposições de Kamal para adoção de TI em organizações governamentais ...... 32 Figura 8: Hierarquia de cinco níveis para a transformação de negócios baseada em TI .......... 34 Figura 9: Pessoas com perfil tático e estratégico dentro das organizações (em destaque) ....... 41 Figura 10: Entrevistados por tipo de organização .................................................................... 42 Figura 11: Iniciativas Internacionais ........................................................................................ 42 Figura 12: Divisão dos entrevistados por cargo ....................................................................... 43 Figura 13: Página principal, com os quatro programas mais importantes no momento ........ 115 Figura 14: Processo de Chamada no 311 ............................................................................... 119 Figura 15: Logomarca do Rio 1746 ........................................................................................ 125 Figura 16: Telefones de serviços da prefeitura, antes da implantação do 1746 ..................... 126 Figura 17: Logomarca do Rio 1746 em dispositivos móveis ................................................. 128 Figura 18: Propaganda da Accenture referente à sua atuação no Rio 1746 ........................... 138 Figura 19: Demanda por Região da Cidade do Rio de Janeiro .............................................. 140 Figura 20: Imagens do Aplicativo Móvel “Olhos da Cidade”................................................ 142 Figura 21: Estatísticas do 1746 (2014-2015). ......................................................................... 143 Figura 22: Hierarquia de cinco níveis para a transformação de negócios baseada em TI ...... 148 XI LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CDR – Call Details Record CEO – Chief Executive Officer COR – Centro de Operações do Rio de Janeiro CRM - Customer Relationship Management CzRM – Citizen Relationship Management CSF - Critical Success Factor FAPERJ - Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro GPS – Global Positioning System HTML – HyperText Markup Language IOT – Internet of Things IS – Information Systems M2M – Comunicação Máquina a Máquina - Machine-to-Machine Communication MIS - Management Information Systems MICT - Mobile Information and Communication Technology OAB - Ordem dos Advogados do Brasil OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico 2 PCRJ – Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro PDA – Personal Digital Assistant PIB – Produto Interno Bruto PPP – Parceria Público Privada PROCON - Programa de Proteção e Defesa do Consumidor SI – Sistemas de Informação SLA – Service Level Agreement SMS – Short Message Service TAM - Technology Acceptance Model TI – Tecnologia da Informação TIC - Tecnologias da Informação e da Comunicação UTAUT - Unified Theory of Acceptance and Use of Technology 2 OECD: Organization for Economic Co-operation and Development XII GLOSSÁRIO 1G, 2G, 3G, 4G, 5G: Evolução da tecnologia celular, desde voz analógica até SMS, voz digital, dados, multimídia, VoIP, LTE, até velocidades e coberturas mais altas do que as disponibilizadas atualmente. API: Do inglês Application Programming Interface. As APIs são padrões para acesso a funcionalidades de aplicações, provendo uma abstração entre as aplicações, sem detalhes da implementação. App: É o nome pelo qual são chamados popularmente os aplicativos para smartphones. App Store: Loja de aplicativos para smartphones. Google Play e iTunes são as mais conhecidas. Big Data: Conceito bastante amplo, referente ao processamento de dados em alta velocidade. É usado tanto para a coleta de um grande volume de dados, como a análise em alta velocidade, definida até como “em tempo real”, com métodos estatísticos para consolidar os dados. Central de aplicativos: Portal que concentra aplicativos de dispositivos móveis com links para Apps. O portal de aplicativos do governo federal (http://www.aplicativos.gov.br/) concentra aplicativos de órgãos federais como Receita, Ministério da Saúde, Banco Central. CRM e CzRM: Do inglês Customer Relationship Management e Citizen Relationship Management, respectivamente. São sistemas de Gestão de Gerenciamento de Clientes e de Cidadãos, registrando os contatos com o cliente/cidadão e auxiliando a organização a manter um bom relacionamento com seus clientes/cidadãos, gerenciando os canais de comunicação e agregando informações sobre atividades e interações do cliente/cidadão com a organização. Crowdsourcing: Processo de obter ideias, conteúdo, contribuições de uma “multidão” ao invés de realizar um outsourcing ou buscar fornecedores. Um exemplo é a própria Wikipédia em que as fontes são os usuários atuando de forma colaborativa. XIII CDR: Do inglês Call Details Record. É o registro de chamada telefônica que contém os detalhes de quem realizou a chamada, a quem se destina, em qual horário e duração, entre outros. DW: Do inglês Data Warehouse. Sistema para geração de relatórios e análises de dados, sendo um grande “armazém de dados” que são trabalhados para gerar dados de suporte à decisão. Ecossistema: De acordo com a definição de Eisenmann (2007), um ecossistema consiste deuma grande empresa e a rede de empresas fornecedoras. Elas também são plataformas se exibem efeitos de rede, ou seja, se o valor da rede depende do número de participantes e como eles podem interagir entre si. EDI: Do inglês Eletronic Data Interchange. Troca de dados eletrônicos entre sistemas em formato estruturado. ETL: Do inglês, Extraction, Transform & Load. Sistemas em que a função é extrair, transformar e carregar esses dados, comumente para um programa de DW. Internet of Things: A Internet das Coisas. Rede global conectando objetos inteligentes, ou seja, uma rede de “coisas” com tecnologia embarcada de sensores, software, rede. GPS: Do inglês Global Positioning System. Sistema de navegação que fornece informações de localização e tempo para seus usuários. Open Data: Dados abertos. De acordo com a definição do opendefinition.org, são dados que podem ser “livremente usados, modificados, e compartilhados por qualquer pessoa e para qualquer propósito”. PDA: Do inglês Personal Data Assistant. São os computadores pessoais de dimensões reduzidas que cabem na palma da mão (handheld PCs). Em muitos casos, os smartphones também são chamados de PDAs, por terem a mesma capacidade dos computadores pessoais. Inclusive, no início dos smartphones, alguns eram chamados de “PDA phones”. SAAS: Do inglês Software as a Service. Forma de distribuição de software em que se paga pelo serviço ao invés de licenças. XIV SMS: Do inglês Short Message Service. Serviço de mensagens de até 160 caracteres para celulares. Startup: Empresa que lida com inovação, em busca de um modelo de negócios repetível e escalável, trabalhando em condições de extrema incerteza. WAP: Do inglês Wireless Application Protocol. Protocolo para Internet nos primeiros telefones móveis, que usava WML e XML (v2.0). Praticamente extinto. Sumário 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 1 1.1 OBJETIVO DO ESTUDO ....................................................................................... 4 1.2 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO .............................................................................. 4 1.3 RELEVÂNCIA DO ESTUDO ................................................................................. 6 1.3.1 Relevância para a Gestão Pública.............................................................. 6 1.3.2 Relevância da Tecnologia Móvel no Contexto Atual ............................... 8 1.3.3 Relevância Acadêmica .............................................................................. 10 1.4 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO ........................................................................... 11 2. M-GOVERNMENT .................................................................................................... 12 2.1 GOVERNO ELETRÔNICO ....................................................................................... 12 2.1.1 Origens do Governo Eletrônico Móvel .................................................... 13 2.1.2 De e-Gov para m-Gov ............................................................................... 14 2.2 CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS DO M-GOVERNMENT .............................. 15 2.3 VANTAGENS DO M-GOVERNMENT .................................................................... 17 2.4 TAXONOMIA DAS INICIATIVAS DE M-GOVERNMENT .................................. 19 3. ADMINISTRAÇÃO DOS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO ................................. 24 3.1 ADOÇÃO DA INOVAÇÃO ....................................................................................... 25 3.2 MODELOS DE ADOÇÃO DE TECNOLOGIA ........................................................ 28 3.3 FATORES QUE INFLUENCIAM A ADOÇÃO DA INOVAÇÃO EM TI ............... 29 3.4 TRANSFORMAÇÕES HABILITADAS POR TI ...................................................... 33 3.5 CONSIDERAÇÕES SOBRE O REFERENCIAL TEÓRICO .................................... 37 4. MÉTODO .................................................................................................................... 40 4.1 ETAPAS PROPOSTAS ......................................................................................... 40 4.2 COLETA DE DADOS ........................................................................................... 40 XV 4.3 TÉCNICAS DE ANÁLISES DE DADOS............................................................. 44 4.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO ............................................................................... 46 5. ANÁLISE DE RESULTADOS .................................................................................. 48 5.1 ANÁLISE DOS ELEMENTOS ............................................................................. 48 5.1.1 Objetivos (dos Projetos de m-Government)............................................ 49 5.1.2 Suporte ....................................................................................................... 68 5.1.3 Fatores Tecnológicos ................................................................................. 83 5.1.4 Fatores Organizacionais ......................................................................... 101 5.2 PROJETOS DE REFERÊNCIA DE VISIBILIDADE INTERNACIONAL ....... 114 5.2.1 Mobile World Capital Barcelona ........................................................... 114 5.2.2 New York City 311 .................................................................................. 117 5.2.3 Rio 1746 .................................................................................................... 124 6. CONCLUSÃO ........................................................................................................... 151 6.1 Conclusões da Pesquisa ........................................................................................ 151 6.2 Recomendações para Pesquisas Futuras .............................................................. 154 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 156 ANEXO I – CLASSIFICAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ...................................... 167 ANEXO II – MODELOS E PROCESSOS DE ADOÇÃO DE INOVAÇÃO EM TI ..... 168 ANEXO III – ROTEIRO SEMIESTRUTURADO ........................................................... 169 ANEXO IV – FRAMEWORK PARA ARQUITETURA E-GOV ................................... 173 ANEXO V – ÓRGÃOS DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO NO 1746 ................. 174 ANEXO VI – DADOS E ILUSTRAÇÕES DO 1746 ......................................................... 175 APÊNDICE I – LISTA DE INICIATIVAS DE M-GOVERNMENT ............................. 179 APÊNDICE II – ANÁLISE VISUAL DO CONTEÚDO DAS ENTREVISTAS ............ 196 1 1. INTRODUÇÃO A definição de serviço público é mais ampla do que apenas serviços prestados diretamente pelo governo. Segundo o jurista Hely Lopes Meirelles (1998), os serviços prestados pelas concessionárias também estariam incluídos em serviços públicos 3 , como uti universi (serviços de utilidade pública) e uti singuli (serviços individuais), como segurança, saúde, transporte, energia elétrica, telefonia e outros. Para Meirelles (1998): Serviço Público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado. (MEIRELLES, 1998, pg. 286). Eles podem ser classificados em: serviços públicos propriamente ditos e serviços de utilidade pública. Os serviços públicos propriamente ditos não podem ser delegados e são prestados pelo próprio governo, enquanto os serviços de utilidade pública são em geral prestados por meios de concessões e tem como objetivo proporcionar conforto e bem-estar aos indivíduos (NOHARA, 2011). Há uma diferença no processodas solicitações de serviço dos cidadãos entre esses dois tipos de serviço. Para serviços públicos propriamente ditos, a solicitação é realizada diretamente ao órgão público. Para serviços públicos concedidos, e.g., energia, telefone, transportes, água, as solicitações são criadas nos próprios mecanismos das concessionárias, mas existem agências reguladoras específicas que fiscalizam as empresas concessionárias dos serviços. Essas agências podem estar tanto no âmbito federal, como a ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações, a ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica, e a ANTT - Agência Nacional de Transportes Terrestres, como nos estaduais, como a AGENERSA - Agência Reguladora de Energia e Saneamento do Estado do Rio de Janeiro, AGETRANSP - Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos de Transportes Aquaviários, Ferroviários e Metroviários e de Rodovias do Estado do Rio de Janeiro. Caso as solicitações dos usuários não sejam satisfeitas, nas concessionárias ou nas agências reguladoras, ainda há a opção de buscar auxílio em órgãos públicos de defesa do consumidor, o Programa de Proteção e Defesa do Consumidor, o PROCON, no caso de uma reclamação individual e o Ministério Público, quando a reclamação atingir o público geral (MINISTÉRIO PÚBLICO, 2014). Não há ainda no Brasil, entretanto, uma legislação federal específica para a defesa do usuário de serviço públicos, apesar da emenda constitucional Nº 3 Os serviços considerados públicos foram listados no anexo I deste relatório de pesquisa. 2 19 estabelecer no artigo 27, a elaboração da lei de defesa do usuário de serviços públicos (BRASIL, 1998). Por conta disso, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou, em 2013, um pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) para o cumprimento desse artigo, ou seja, que seja editada a Lei de Defesa do Usuário de Serviços Públicos. Até que isso ocorra, esse pedido solicita que o STF utilize o Código de Defesa do Consumidor em favor dos usuários de serviços públicos (OAB, 2013). No caso da prestação de serviços na iniciativa privada, a busca pela melhoria no serviço prestado e pela redução de custos fomenta os investimentos em tecnologia, como forma de se obter vantagem competitiva por diferenciação ou custos, conforme definido por Porter (1985). No entanto, a tecnologia por si só não é estrategicamente benéfica, com inovações podendo piorar a posição competitiva de uma firma e até a atratividade da indústria. A liderança tecnológica só é estrategicamente importante quando as inovações levam a vantagens do pioneirismo, first-mover advantages, que por sua vez levam a outras vantagens competitivas que se mantém mesmo após a competição alcançar o mesmo patamar tecnológico (PORTER, 1985). A comparação do governo com o setor privado não é óbvia, principalmente no que se refere à competição. No modelo de ciclo de vida de adoção de uma tecnologia (ROGERS, 1962), o setor público é tradicionalmente considerado como um “late-adopter”, ou seja, um adotante tardio, no quesito inovação em tecnologia. Isto significa que eles são inicialmente céticos a uma inovação e só investem na nova tecnologia após ela ter sido amplamente adotada no setor privado (RANNU et al., 2010). Na figura 1, o autor indica que o governo tradicionalmente está na posição da maioria tardia, junto com 34% dos demais adotantes. Figura 1: Curva de Adoção de Inovação de Rogers Fonte: Diffusion of innovations, Rogers (1962) 3 Acompanhando o desenvolvimento de novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), principalmente a Internet, que foi uma inovação disruptiva na forma de se fazer negócios no setor privado (BOWER & CHRISTENSEN, 1995), também houve um poder transformador das TICs sobre os mecanismos de prestação de serviços governamentais. Desde a década de 90, as organizações do setor público aplicam essas tecnologias para prover serviços aos cidadãos, engajá-los em processos democráticos e aumentar a eficiência e a efetividade da gestão pública, constituindo uma série de práticas conhecida como governo eletrônico (TRIMI & SHENG, 2008). No Brasil, essa iniciativa começou a tomar forma em 2000 (DINIZ et al., 2009), através do decreto presidencial de 03 de abril do mesmo ano (GOV.BR, 2014). As fases do processo de informatização do governo podem ser divididas em quatro grandes períodos: pioneirismo (anos 50 e 60), centralização (anos 60 e 70), terceirização (anos 80), até o governo eletrônico propriamente dito a partir da década de 90 (REINHARD & DIAS, 2005 apud DINIZ et al., 2009). O programa do Governo Eletrônico Brasileiro tem como princípio a utilização das modernas tecnologias de informação e comunicação (TICs) para democratizar o acesso à informação, ampliar discussões e dinamizar a prestação de serviços públicos com foco na eficiência e efetividade das funções governamentais (GOV.BR, 2014). Desta forma, os sites do governo se tornaram porta de entrada para o acesso à informações e serviços para cidadãos, servidores, empresas e outras organizações (LEE et al.,2006). Nos últimos anos, o governo eletrônico também é prestado por canais de tecnologias móveis, chamado de m-government (GOYAL & PUROHIT, 2012; SØRENSEN, 2011), governo ubíquo ou u-Government (MOON, 2010). Discute-se se o m-government é apenas uma extensão do governo eletrônico, como um novo canal, ou se tem características que a definem como uma nova tecnologia inovadora dentro da administração pública. Esse potencial de ser uma tecnologia disruptiva, conforme definido por Christensen (1997), ainda é um ponto discordante entre os especialistas, conforme será apresentado com mais detalhes na seção 2.1.2. Essa evolução dos serviços públicos para a plataforma móvel, seja uma inovação incremental ou disruptiva, é considerada uma transformação inevitável que adiciona valor ao cidadão e à administração pública (KUSHCHU & KUSCU, 2003). Dessa forma, independentemente do tipo de inovação caracterizada, as possibilidades proporcionadas pelo m-government, já o fazem ser considerado um mecanismo para o aprimoramento da qualidade dos serviços de governo e da efetividade da gestão pública (MISURACA, 2009). 4 1.1 OBJETIVO DO ESTUDO Mediante este contexto, este estudo tem como objetivo identificar as barreiras, oportunidades e os fatores críticos de sucesso para implementações de governo eletrônico em plataforma móvel, chamado m-government, especialmente na cidade do Rio de Janeiro. Para atender a esse objetivo, buscou-se também os seguintes objetivos específicos: a) Identificar iniciativas de m-government no Brasil e no mundo que possam ser analisadas como referência para o propósito da pesquisa; b) Verificar como os fatores presentes na literatura sobre m-government e implantação de projetos no governo se aplicam às iniciativas analisadas em m-government; c) Identificação de oportunidades existentes para o governo, fornecedores de tecnologia e empreendedores, principalmente focadas em aplicações tecnológicas dentro do escopo de m-government; d) Mapear as barreiras, riscos e desafios presentes para o desenvolvimento do m- government, em especial, para a Cidade do Rio de Janeiro. 1.2 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO Este trabalho tem como foco serviços de governo eletrônico com tecnologia móvel, prestados através de smartphones e tablets, conectados diretamente à internet. Esse recorte restringe, portanto, as tecnologias móveis estudadas, pois esse conceito engloba também dispositivos como notebooks (laptops), PDAs (Personal Digital Assistant) e outros instrumentos de monitoração remota, como sensores. Esta seleção de tecnologias móveis foi definida dessa forma, pois os diferentes dispositivos das tecnologias móveis de informação e comunicação (MICT - Mobile Information and Communication Technology) oferecemum potencial de inovação e uma facilidade de adoção diferente e, portanto, devem ser tratados de forma distinta (TAVARES et al., 2012). Há diferenças entre os níveis de portabilidade e de difusão no ambiente, sendo que os telefones celulares mais modernos 4 ao serem comparados 4 Embora fosse possível saber a localização do usuário mesmo nos primeiros telefones celulares (através da triangulação das antenas, por exemplo), somente nos telefones celulares mais modernos é que a localização passou a ser uma forma de prover serviços de ubiquidade (SØRENSEN, 2011)., como, por exemplo, os aplicativos que utilizam informações de geolocalização do GPS do dispositivo móvel 5 com desktops, laptops, PDAs e sensores 5 , é o que oferece o maior nível de portabilidade em ambas as variáveis, de computação ubíqua, com alta mobilidade e alta percepção do ambiente (SØRENSEN, 2011). Os Wearable Devices como os óculos de realidade aumentada, smartglasses e relógios inteligentes (smartwatches) também estão excluídos do escopo da pesquisa, pois até a data de execução da pesquisa não foram encontrados casos distintivos de utilização desses dispositivos no governo. Constituem o escopo da pesquisa: projetos que conectam o governo ao cidadão (G2C: Government to Citizen), projetos internos do governo, que conectam seus funcionários através da tecnologia móvel (G2E: Government to Employee), portais que fornecem serviços de múltiplas esferas públicas, como a federal, estadual e municipal também fazem parte do escopo (G2G: Government to Government), os canais de governo com a iniciativa privada, como o de Compras e Licitações (G2B: Government to Business). Em especial, foram analisadas as oportunidades e barreiras para a cidade do Rio de Janeiro, devido a necessidade ser realizar um recorte no contexto socioeconômico que viabilizasse a análise e se justifica por ser a capital e a cidade com maior relevância dentro do Estado do Rio de Janeiro. Além disso, em 2012 foi lançado um edital público que define o tema governo móvel como prioritário para o Estado do Rio de Janeiro, o Edital FAPERJ N.º 28/2012, em que o tema está referenciado na seção sobre Informação, Planejamento e Gestão - Serviços de governo em dispositivos móveis. O edital citado acima pode ser consultado no site da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ, 2012). Entretanto, apesar do foco na cidade do Rio de Janeiro, as análises de casos de referência, em outros lugares do Brasil e no exterior colaboram para o objetivo geral e os objetivos específicos da pesquisa. Além disso, os projetos estudados na cidade do Rio de Janeiro encontram-se um pouco mais avançados no tema, conforme será discutido com mais detalhes neste trabalho. Logo, a análise de iniciativas do município do Rio de Janeiro traz informações interessantes para a implantação de m-government no Estado do Rio de Janeiro e, portanto, estão inclusas no escopo deste trabalho. 5 Sensores possuem alta percepção em seu ambiente, no entanto são, em sua maioria, estacionários. 6 1.3 RELEVÂNCIA DO ESTUDO A justificativa para a realização desta investigação em serviços de governo em dispositivos móveis tem por base: (i) as oportunidades de aprimoramento da eficiência e da efetividade da gestão pública, presentes na implantação de serviços de governo em tecnologias móveis, (ii) o crescimento significativo do uso de tecnologias móveis, (iii) o fato do uso de dispositivos móveis poder ampliar o acesso da população aos serviços de governo. 1.3.1 Relevância para a Gestão Pública A disponibilização dos serviços de m-government aproxima a gestão pública dos princípios defendidos pelo New Public Management (HOOD, 1991) e da modernização proposta no Brasil pela reforma da gestão pública de 1995 (BRESSER-PEREIRA, 1999). O New Public Management usa técnicas de gestão da iniciativa privada na gestão pública e tem como principais objetivos o aumento da satisfação do cidadão da eficiência do aparelho do Estado. A reforma da gestão pública de Bresser-Pereira, realizada no Brasil a partir de 1995, também teve como foco o aumento da eficiência da máquina pública, promovendo uma mudança no entendimento da função do Estado e uma separação das atividades que devem ser realizadas por agências do governo, organizações sociais e a iniciativa privada. Nesse sentido, a partir da disponibilização de informações e serviços para diversos stakeholders internos e externos do governo e do aprimoramento dos processos internos da máquina pública, as ações de m-government permitem que o governo passe a conhecer melhor as necessidades de diversos grupos de interesse. Esses stakeholders são tanto internos e externos, como cidadãos, servidores, empresas, organizações do terceiro setor e outros (BETHLEM, 2009). Assim, ao se abrirem novos canais de comunicação para esses diversos grupos, disponibilizando serviços governamentais em dispositivos móveis, as necessidades de aprimoramento do serviço público podem ser supridas de forma eficaz, tanto dentro como fora do governo. 7 Nos EUA, há o Decreto Presidencial 12.862, “Setting Customer Service Standards” de 1993 (Estabelecimento das Normas do Serviço ao Usuário), que estabelece as normas de como as agências federais devem operar no sentido de melhorar os serviços prestados aos seus usuários, ou como definido na legislação, “customers” ou clientes (GILBERT, NICHOLLS & ROSLOW, 2000). O decreto exige que as agências federais identifiquem seus usuários, façam levantamentos dos mesmos e determinem seu nível de satisfação com os serviços recebidos. O intuito é fazer com que o setor público alcance, ou exceda, o nível de satisfação verificado no setor privado (SCHACHTER, 1997). A visão de usuários dos serviços públicos como clientes é combatida por Mintzberg (1996), pois segundo ele, não é preciso chamar alguém de cliente para que ele seja bem tratado. Cidadãos têm direitos e deveres que vão muito além daqueles dos clientes ou de consumidores (MINTZBERG, 1996). De qualquer forma, a importância da qualidade dos serviços prestados pelo governo para os cidadãos é inquestionável. No Brasil, iniciativas nesse sentido já foram criadas, como o decreto 3.507 (BRASIL, 2000), de 13 de junho de 2000, sobre o estabelecimento de padrões de qualidade do atendimento prestado ao cidadão pelos órgãos e entidades. Esse decreto foi revogado em favor do decreto 6.932 (BRASIL, 2009), de 11 de agosto de 2009, que trata da simplificação do atendimento público prestado ao cidadão. Em especial, as diretrizes relacionadas abaixo demonstram o interesse do governo em utilizar em aumentar a eficiência e eficácia em seus serviços, além de incentivar a integração entre as esferas do governo federal, estadual e municipal, inclusive enfatizando o uso de soluções tecnológicas, como definido na diretriz VI, grifada no texto: I - Presunção de boa-fé; II - Compartilhamento de informações, nos termos da lei; III - Atuação integrada e sistêmica na expedição de atestados, certidões e documentos comprobatórios de regularidade; IV - Racionalização de métodos e procedimentos de controle; V - Eliminação de formalidades e exigências cujo custo econômico ou social seja superior ao risco envolvido; 8 VI - Aplicação de soluções tecnológicas que visem a simplificar processos e procedimentos de atendimento ao cidadão e a propiciar melhores condições para o compartilhamento das informações; VII - Utilização de linguagem simples e compreensível, evitando o uso de siglas, jargões e estrangeirismos; e VIII - Articulação com Estados, Distrito Federal, Municípios e outros poderes para a integração, racionalização, disponibilização e simplificação de serviços públicosprestados ao cidadão. Esse decreto também determina a criação da Carta de Serviços ao Cidadão, que define compromissos e padrões de qualidades, assim como a necessidade de pesquisas de satisfação dos cidadãos e a permanente publicação dos resultados obtidos nessas pesquisas (PALVARINI, 2009). De acordo com Tolbert & Zucker (1983), quando o Estado requer a mudança nos procedimentos, a difusão das inovações ocorre de forma mais rápida do que quando não existe essa legitimidade, ocorrendo, portanto, de forma mais gradual. Logo, a criação de legislações para a adoção de tecnologia pode favorecer a mudança dentro das organizações governamentais. Dessa forma, a tecnologia é mais uma ferramenta do governo para melhorar o atendimento e a conveniência de seus serviços ao cidadão, ao passo que habilita, inclusive, a redução de custos operacionais e o aumento da transparência na esfera pública, melhorando a imagem do governo perante à opinião pública. Além disso, a tecnologia pode ser utilizada para suprir as necessidades de aprimoramento da eficiência e efetividade do serviço público, levando à melhoria da qualidade de vida de seus cidadãos. 1.3.2 Relevância da Tecnologia Móvel no Contexto Atual O relatório do Banco Mundial “Maximizando o Acesso Móvel para o Desenvolvimento” (2012) mostra que número de celulares no Brasil quase triplicou em seis anos. A média de aparelhos celular no Brasil passou de 46, em 2005, para 123 em 2011, considerando grupos de 100 pessoas. No mesmo período, o número de lares com telefonia móvel subiu de 59% para 92%. Além disso, uma pesquisa mais recente mostra que o número de smartphones vendidos já superou o de celulares tradicionais em 2013, como destacado no 9 quadro 1 a seguir, em que foram vendidos 12% mais smartphones do que celulares tradicionais (TELECO, 2014). Quadro 1: Resultado anual de vendas de celulares tradicionais e smartphones Milhões 2011 2012 2013 ∆Ano Celulares tradicionais 58,0 43,5 32,2 (26,0%) Smartphones 9,1 16,0 36,1 126,6% Total de Aparelhos 67,1 59,5 68,4 14,9% %Smartphones/Cel. 13,6% 26,8% 52,9% - FONTE: Teleco (2014) Em alguns casos, as tecnologias móveis são as alternativas mais viáveis em termos de infraestrutura para países em desenvolvimento. De acordo com o Banco Mundial (2007), os relativos baixos custos dos telefones celulares reduziram drasticamente as barreiras de entrada para cidadãos dos países em desenvolvimento de poderem se conectar a serviços públicos, se comparados com o acesso à Internet por outros meios, como computadores, por exemplo. Os telefones celulares permitem aos cidadãos acesso virtual aos serviços de governo de qualquer lugar que esteja coberto por uma rede móvel, permitindo as pessoas acesso ubíquo aos serviços do governo. Já nos casos dos computadores, as pessoas que não possuem computador e acesso à internet em casa, precisariam utilizar esses serviços em pontos específicos, como lan houses ou cybercafés. Assim, as tecnologias móveis podem representar uma forma de contorno à exclusão digital, que apesar dos avanços, ainda é um problema na realidade nacional. O Brasil, com 33% da população na rede, é o 63 o colocado entre 154 países mapeados no ranking de acesso mundial à Internet. No ranking da inclusão digital no Brasil, os números do Estado do Rio de Janeiro são razoáveis para as médias nacionais, mais ainda há espaço para evolução. No Rio, 52.82% da população tem computador em casa e 43,91% tem o equipamento conectado à Internet (FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS, 2012). Neste contexto, a prestação de serviços de governo em dispositivos móveis no Rio de Janeiro se revela importante, considerando que ao se analisar os motivos pelos quais as pessoas não acessam a Internet no Brasil, 29% da população do estado é excluída digitalmente 10 por não ter acesso a computador (FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS, 2012). O Rio de Janeiro pode, assim, aproveitar o fato de diversos serviços de governo poderem ser disponibilizados por tecnologias móveis, como serviços relacionados a saúde, educação, emprego, polícia, impostos, finanças, etc. As tecnologias móveis também podem ampliar o escopo da democracia eletrônica e da participação cidadã (LIMA & RIBEIRO, 2012), aproximando os cidadãos das decisões democráticas e aprimorando a comunicação entre a sociedade e o governo (WORLD BANK, 2007). Apesar das expectativas em torno do m-government, implementar serviços em tecnologias móveis é custoso, exige esforços consideráveis e restrições orçamentárias podem impedir os avanços promissores. As maiores preocupações - segurança, interoperabilidade, privacidade e falta de recursos – são expressas nas atitudes de governos e cidadão adotarem tecnologias móveis para serviços públicos (MOON, 2010). Assim, se faz necessário aprender com experiências passadas, não só para diagnosticar boas oportunidades de investimento para o Estado do Rio de Janeiro nesta área, mas também para se avaliar os riscos e se conhecer as barreiras que precisam ser superadas para que uma nova visão de governo eletrônico possa se tornar realidade. 1.3.3 Relevância Acadêmica Somada a relevância da tecnologia envolvida e a relevância da aplicação dessa tecnologia na área em questão, ou seja, a gestão pública, este trabalho também tem uma relevância acadêmica, pois os temas envolvidos nesse estudo ainda são pouco explorados pela literatura. A tecnologia móvel, com smartphones e tablets, e as características distintivas disponibilizadas por esses dispositivos móveis se encontram em um campo pouco explorado, principalmente pelo fenômeno ser recente. Além disso, estudos sobre a aplicação desses dispositivos em uma área mais conservadoras em termos de adoção de inovações, como o governo, têm a tendência de serem ainda mais incomuns. Por fim, a área de administração de sistemas de informação também é recente, como será discutido no referencial teórico, mesmo se valendo de teorias mais consolidadas, provenientes de outros campos de estudo. Logo, a pesquisa de dispositivos móveis sendo utilizados para o acesso a serviços governamentais com uma perspectiva de negócios e não somente descritiva e tecnológica contribui com a pesquisa acadêmica ao estudar temas pouco 11 explorados, principalmente de forma concomitante, como pode ser visto no Apêndice I, que provê uma listagem com 173 iniciativas de m-government ao redor do mundo, documentando o artigo ou site em que elas podem ser encontradas, em sua grande maioria com uma abordagem e métodos diferentes dos que foram utilizados neste trabalho. 1.4 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO O presente estudo está dividido em seis capítulos. O primeiro capítulo apresenta uma introdução ao estudo, os objetivos, o escopo do trabalho e a relevância deste trabalho, e como o estudo foi organizado. O segundo capítulo apresenta o contexto em que o m-government está inserido, assim como as características distintivas e vantagens da tecnologia, e a terminologia utilizada. O terceiro capítulo apresenta o campo da Administração dos Sistemas de Informação e a revisão da literatura das teorias utilizadas neste estudo. O quarto capítulo apresenta as etapas propostas para condução do estudo, os métodos de coleta e da análise dos dados e as limitações do método. O quinto capítulo apresenta a análise realizada de acordo com elementos definidos para a investigação do tema proposto, além de exemplos de iniciativas relevantes como o Mobile World Capital Barcelona, o New York City 311 e a Central de Atendimento Rio 1746. Por fim, o sexto e último capítulo apresenta as conclusões do estudo a partir das análises realizadas e apresenta recomendações para pesquisas futuras. 12 2. M-GOVERNMENT 2.1 GOVERNO ELETRÔNICO Governo eletrônico, e-Government ou e-Gov é o uso da tecnologia da informação pelo governo para fornecer serviços públicose informação para as pessoas (NAÇÕES UNIDAS, 2010). Entretanto, essa é apenas uma entre várias definições existentes. Em um levantamento feito por Hu et al. (2009), utilizando mais de 632 resumos de artigos acadêmicos sobre o tema de e-government em bases de dados mais conceituadas, foram encontradas múltiplas definições, com múltiplos significados. De acordo com a frequência dos termos mais mencionados, os autores chegaram em uma definição que agrega seis elementos e indica que o campo do e-Government lida com “as iniciativas conduzidas por todos os níveis do governo no interesse do público e das empresas envolvendo diversas tecnologias para melhorar a qualidade e a segurança de serviços como uma nova abordagem ou estratégia”. Tradicionalmente, a interação entre um cidadão ou uma empresa com uma instituição do governo era realizada somente em um escritório do governo. Com a evolução das tecnologias da informação e de comunicação, foi possível trazer os serviços fornecidos pelo governo em lugares mais próximos da pessoa atendida, seja através de um quiosque de autoatendimento localizado mais próximo do cidadão ou, até mesmo, através do próprio computador pessoal da casa ou do escritório do utilizador do serviço, melhorando a habilidade do cidadão de interagir com o governo (REDDICK, 2004). A tecnologia da informação aplicada nesse sentido consegue propiciar uma série de melhorias, como o melhor acesso dos serviços do governo aos cidadãos, melhoria da qualidade da interação com as empresas, o empowerment dos cidadãos através do acesso à informação e uma gestão mais eficiente do governo. Os benefícios provenientes dessa tecnologia podem vir na forma de redução de custos, aumento de receita, maior conveniência para o cidadão, diminuição da corrupção e aumento da transparência (WORLD BANK, 2012). Lenk & Traunmüllerv (2001) definem quatro perspectivas podem ser vislumbradas através do governo eletrônico: 1. Perspectiva do cidadão, visando oferecer serviços de utilidade pública ao cidadão. 2. Perspectiva de processos, visando repensar o modus-operandi dos processos produtivos. 13 3. Perspectiva da cooperação, visando integrar os órgãos governamentais e não- governamentais, de modo a agilizar o processo decisório, sem a perda de qualidade. 4. Perspectiva da gestão do conhecimento, que permite ao governo criar, gerenciar e disponibilizar informações tanto gerado quanto acumulado por seus diversos órgãos e suas várias esferas. A partir desses conceitos, é possível uma ampla gama de iniciativas tecnológicas que podem ser definidas como parte de implantações de governo eletrônico, sejam elas visando apenas a melhoria operacional do governo como as que possuem um caráter transformador, propondo uma nova abordagem no relacionamento entre governo, empresas e cidadãos. Além disso, essas iniciativas possuem um caráter multifacetado, podendo ser observadas por diversos pontos de vista ou perspectivas podendo agregar valor a todos stakeholders envolvidos com a esfera pública (ZWEERS & PLANQUÉ, 2001). 2.1.1 Origens do Governo Eletrônico Móvel Com a difusão das tecnologias móveis, como telefones celulares, notebooks, smartphones, PDAs - Personal Digital Assistant, e das redes sem fio, os governos puderam expandir suas atuações de governo eletrônico, incluindo atributos de mobilidade. Esta expansão ficou conhecida por governo móvel (m-government) (GOYAL & PUROHIT, 2012; SØRENSEN, 2011) ou governo ubíquo (u-Government) (MOON, 2010). A partir de um estudo conduzido na Coreia do Sul, um dos países mais evoluídos em m-Gov da atualidade (NAÇÕES UNIDAS, 2014), o m-government é definido como “uma estratégia de negócios complexa para a utilização eficiente de todos os dispositivos sem fio, fornecendo disponibilidade instantânea a serviços e informações para o benefício dos usuários” (OUI-SUK, 2010). O m-Government se revelou um mecanismo para o aprimoramento da qualidade dos serviços de governo e da efetividade da gestão pública (MISURACA, 2009). Segundo o relatório da OCDE de 2011, o m-Government é uma tendência de tecnologia de informação e comunicação (TIC) do setor público. Acredita-se que para muitas agências governamentais, o m-Government ainda está em fases iniciais de desenvolvimento e, em muitos casos, ainda é 14 apenas uma parte de uma estratégia mais ampla de melhoria na prestação de serviços para o cidadão e de modernização do setor público como um todo (OCDE, 2011). O quadro 2 abaixo sumariza as diferenças entre o c-government 6 , ou governo convencional, que são as formas de atendimento remoto com interação de uma pessoa com outra pessoa e os compara com os outros canais de atendimento já descritas nos capítulos anteriores, o e-government (governo eletrônico) e o m-government (governo móvel). Quadro 2: Resumo das diferenças entre os conceitos de atendimento no governo Item C-government (conventional government) E-Government M-Government Princípios Processos burocráticos (telefone, fax) Reengenharia de processos em TI (PC, Internet) Integração perfeita e incorporação de dispositivos sem fio Atendimento 8 horas por dia, 5 dias por semana 24 horas por dia, 7 dias por semana 24 horas por dia, 365 dias por ano, sem paradas Espaço Visitas pessoais, fax, telefone Casa e trabalho do cliente usando a internet Localização do cliente e espaço físico Formas Várias visitas aos escritórios do governo ou chamadas telefônicas Vários clicks em portais web Acesso único ao serviço necessário FONTE: OUI-SUK (2010) 2.1.2 De e-Gov para m-Gov Segundo o relatório da OCDE (2011), o m-Government é a extensão ou evolução do e-government através da utilização de tecnologias mobile para o fornecimento de serviços públicos. A transição de e-Gov para m-Gov é considerada inevitável (KUSHCHU & KUSCU, 2003). Enquanto em alguns serviços haverá apenas a replicação do serviço já fornecido como e-government na plataforma móvel, o maior valor será verificado em aplicações em que as características distintivas do mobile poderão ser verificadas. Assim, o m-government pode ser visto como uma evolução do governo eletrônico, propiciada pela inserção das tecnologias móveis, que trazem consigo diversos atributos da 6 Recentemente, alguns autores têm utilizado o termo c-gov também para definir um outro conceito, diferente do mencionado no quadro como conventional government. Para esses autores, c-gov se refere a cloud government, ou connected government, para soluções tecnológicas do governo em sistemas baseados em computação em nuvem, ou seja, utilizando a internet para prover capacidades de armazenado e processamento. 15 mobilidade, tais como acessibilidade, liberdade de movimento, conveniência, conectividade instantânea, localização e personalização. Nesse sentido, o m-gov é complementar ao e-gov, pois não irá substituí-lo, mas sim adicionar um canal extra mais conveniente para o cidadão no caso em que o serviço já está disponível na Web e melhorá-lo com características únicas possibilitadas pela tecnologia, como, por exemplo, o fornecimento de dados de geolocalização (OCDE, 2011). Os maiores avanços que influenciam a adoção dessa tecnologia são os avanços da tecnologia wireless e mobile para o uso da internet, os benefícios que podem ser obtidos devido ao valor adicionado proporcionados por modelos de negócios habilitados por essa tecnologia e o aumento da expectativa dos cidadãos por serviços governamentais melhores e mais convenientes (KUSHCHU & KUSCU, 2003). 2.2 CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS DO M-GOVERNMENT A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) define que o m-Government fornece características distintivas aos demais canais de atendimento como conveniência, disponibilidade, qualidadede serviço, maior interação, eficiência, conforme detalhado nos tópicos a seguir (OCDE, 2011): Melhor acesso a serviço: o m-Government disponibiliza mais um canal de comunicação para os usuários acessarem serviços governamentais. Isso pode atrair mais usuários aos canais alternativos que são mais convenientes, especialmente para pessoas que estão localizadas em áreas mais remotas ou pessoas com deficiência física. Melhor disponibilidade de serviço: Serviços de m-government podem ser automatizados para fornecer disponibilidade nos 365 dias do ano, 24 horas, 7 dias por semana. Melhor tempo de resposta: Alguns serviços podem ser automatizados de forma que possam ser acessados, praticamente sem tempo de espera. O mesmo serviço de forma convencional, ou seja, através de atendimento pessoal ou ligações telefônicas pode levar mais tempo. 16 Melhor qualidade de serviço e eficiência: O sucesso em interessar e criar entusiasmo pela habilidade de interagir e comunicar via tecnologias online contribui para o m- Government alcançar ganhos de eficiência e melhoria de serviço. Escalabilidade do serviço: A vantagem de escalabilidade do m-government tem um custo menor em comparação a prestação de serviço convencional (e.g., custo de material de impressão, ao informar a população em regiões com alta densidade populacional). Melhor participação dos stakeholders: Serviços de m-government, otimizados por smartphones, permitem que clientes e negócios tirem vantagem da Internet para acessar serviços do governo, resultando em uma melhor percepção e uma maior participação. Integração, comunicação e interação: O uso da tecnologia da informação permite uma maior integração de departamentos funcionais nos processos do governo e aumenta a satisfação do cliente com a entrega do serviço através de ambos os canais tradicionais e eletrônicos. O canal adicional fornece ao governo a oportunidade de interagir com grupos específicos de usuários que não seriam alcançados através da comunicação tradicional. Custos reduzidos (fixos e operacionais): Um dos maiores benefícios para agências governamentais é a flexibilidade do m-gov de habilitar o armazenamento e apresentação da informação. Isto leva a um menor custo de operação e manutenção, se comparado ao de impressão de todos os materiais. Por exemplo, alterar, corrigir ou atualizar conteúdo pode ser realizado de forma online. Melhor imagem e percepção: O uso de canais online ou mobile para interagir com cidadãos e engajá-los no processo de tomada de decisão tem um impacto positivo na confiança, tão quanto na percepção pública da resposta. Além disso, o uso de canais mobile pode aumentar a participação dos cidadãos, que pode em troca tornar mais fácil modelar e implementar políticas que levam a melhores resultados. Assim, esses serviços podem resultar em uma melhor imagem das operações do governo, de modo que as decisões políticas podem avançar para a adoção de serviços de m-gov para demonstrar esses fatores e criar uma imagem internacional mais positiva. A adição do canal mobile também pode impactar os indicadores utilizados para se medir o nível de serviço. Ao aumentar a conveniência de acesso, é possível aumentar a 17 abrangência e a disponibilidade do serviço. Consequentemente, além de aumentar o volume de solicitações, isso pode mudar as características dos clientes atendidos por esse serviço. Um caso é o de uma rede hoteleira que disponibilizou seu serviço de pesquisa de satisfação ao consumidor no canal mobile (KRISS, 2013). Enquanto era esperado apenas um aumento no volume de respostas recebidas, o que aconteceu é que as respostas começaram a ser diferentes do que historicamente observado, impactando de forma significativa os indicadores de performance da empresa. A explicação encontrada foi a de que ao aumentar a conveniência do serviço, foi atingido um segmento novo de consumidores. No modelo tradicional, via web, só participavam da pesquisa de satisfação clientes muito insatisfeitos ou muito satisfeitos. Com a acessibilidade do canal mobile, mais pessoas desse espectro começaram a participar da pesquisa, impactando as métricas utilizadas até então. A capacidade mobile também tem a capacidade de preencher os momentos de micro- tédio, ou seja, os curtos momentos de ócio que uma pessoa ao esperar na fila do médico, um voo ou o ônibus. Esse uso é similar aos das pessoas que utilizavam a internet em casa em outros exemplos de micro-tédio, seja para aproveitar alguns minutos de tempo livre ou para se distrair durante comerciais na televisão (BANBURY, 2001). Com os dispositivos móveis, as pessoas têm utilizado cada vez mais celulares e tablets, com e sem acesso à internet, para passar esses momentos de espera (HOFMEISTER, 2014). Quem souber explorar essa característica, fornecendo conveniência, facilidade de acesso e conteúdo, terá uma grande oportunidade de conquistar novos clientes e usuários para seus empreendimentos. Ao acessar e-mails, mídias sociais, jogos e outros aplicativos em smartphones, é possível evitar esses momentos de micro-tédio (MACCORMICK, DERY & KOLB, 2012), fornecendo uma ocasião favorável ao uso de dispositivos móveis. 2.3 VANTAGENS DO M-GOVERNMENT As características distintivas do m-government conferem aos serviços de governo em dispositivos móveis uma série de vantagens, conforme descrito por diversos autores, detalhado abaixo: (i) Aprimoramento da entrega de informações e serviços ao cidadão, o acesso do cidadão é ampliado, se torna imediato e pode ser realizado em qualquer lugar e a qualquer hora. O governo tem a possibilidade de desenvolver uma infraestrutura 18 para comunicação rápida e efetiva, centrada no cidadão. Este foco no cidadão deve ser entendimento de forma ampla, abrangendo diversos aspectos do valor agregado ao serviço (ISHMATOVA & OBI, 2010); (ii) Potencial de atingir um maior número de pessoas, as tecnologias móveis podem ser uma solução para dificuldades de conexão à Internet e para a exclusão digital. Elas foram mais difundidas em várias camadas da sociedade e têm crescimento superior nas nações em desenvolvimento (KAMSSU, 2005); (iii) Aumenta a eficiência e a efetividade dos servidores públicos, com o auxílio das tecnologias móveis, os servidores podem acessar informações necessárias e atualizadas, em tempo real. Isto não só minimiza dificuldades logísticas e diminui erros de entrada de dados, como também facilita a tomada de decisão. Além disto, o governo pode utilizar tecnologias móveis como mecanismos de controle, pelo monitoramento das atividades de servidores, buscando combater à baixa produtividade (TRIMI & SHENG, 2008); (iv) Abre um canal para o desenvolvimento da participação dos cidadãos, a facilidade de acesso encoraja os cidadãos a compartilharem seus pontos de vista (TRIMI & SHENG, 2008); (v) Aumenta a possibilidade da personalização dos serviços. As tecnologias móveis viabilizam serviços baseados na localização dos usuários, o que possibilita a personalização dos serviços. Esta personalização também é facilitada uma vez que os dispositivos móveis são também geralmente usados por uma única pessoa, o que provém “identidade” ao usuário (ISHMATOVA & OBI, 2010; AL- KHAMAYSEH, 2006); e (vi) Pode ser aplicado como forma de combate à corrupção. Na Índia, serviços de m- government apoiados em mecanismos de pagamento eletrônico para se evitar propinas atingiram sucesso na redução da corrupção (BANERJEE & CHAU, 2004). Para que estes benefícios potenciais da disponibilização de serviços de governo em dispositivos móveis possam ser realmente alcançados, se faz necessário: (i) o desenvolvimento de planos estratégicos de m-government; (ii) a garantia do provimento de 19 recursos financeiros aos projetos; (iii) liderança política forte; (iv) colaboração intergovernamental,entre agências e intersetorial (MOON, 2010). Em outras palavras, por detrás dos benefícios que podem ser alcançados com estas iniciativas, há alguns desafios a serem superados, dentre eles (TRIMI & SHENG, 2008): (i) Aumentar a interoperabilidade e a integração no setor público, uma vez que este muitas vezes é orientado pelos sistemas legados e não por seus processos. A reengenharia de processos, com suporte dos sistemas de informação, demanda mudanças organizacionais mais profundas; (ii) Em muitos governos, faltam incentivos e estrutura institucional para que os benefícios dos serviços de m-government sejam alcançados plenamente; e (iii) As ações de m-government devem ser orientadas por um Plano Estratégico de Governo Eletrônico, para que possam englobar serviços estratégicos de alto impacto para a sociedade. Além destes desafios, o m-government também se depara com questões próprias, como a segurança e a privacidade, consideradas os maiores entraves para o desenvolvimento e a utilização de suas aplicações. As redes sem fio são vulneráveis a ataques externos e os aparelhos móveis podem ser facilmente perdidos ou roubados, colocando os dados em risco. Os serviços baseados em localização, por exemplo, geram preocupações com a privacidade. A questão da usabilidade em telas de tamanho reduzido também pode representar um desafio. Menores capacidades de processamento e memória, baterias de curta duração, baixa resolução de tela, dificuldades de navegação e dificuldade de se transferir grandes volumes de dados são problemas enfrentados por usuários. Por fim, a cobertura das redes sem fio em muitos locais ainda é bastante limitada (ISHMATOVA & OBI, 2010; MOON, 2010; THUNIBAT, 2011). 2.4 TAXONOMIA DAS INICIATIVAS DE M-GOVERNMENT Existem várias maneiras de se classificar as iniciativas de m-Gov, como por setor de atuação (saúde, educação, alertas de emergência, serviços de emprego, serviços para impostos, etc.), tecnologia (SMS, WAP, Mobile App, Mobile Website, menu de telefone), tipo de relacionamento com o cidadão (governança - engajamento civil, informacional, 20 serviços interativos, transacionais) 7 ou por diferentes níveis, como local, estadual e federal (JOSEPH, 2013). No entanto, a principal forma de classificação das iniciativas de m- Government leva em consideração a interação dos stakeholders com o governo, através de duas variáveis: a forma de interação (indivíduo ou organização) e tipo de aplicação (back- office ou front-office), como mostrado na figura 2. Figura 2: Tipos de interação do m-Gov FONTE: Oui-Suk (2010) traduzido pelo autor Na perspectiva do indivíduo, representada pelos quadrantes do lado esquerdo da figura 2, a interação da plataforma é com indivíduos, sejam eles cidadãos ou funcionários públicos. São realizados dois tipos de interação: a primeira é a mG2C, em que são utilizadas ferramentas de front-office, como sistemas para a abertura de solicitações, fornecer informações e receber dados, a segunda é a mG2E, em que são utilizadas ferramentas de back-office, como sistemas de ERP (Enterprise Resource Planning) e ferramentas de coordenação, controle e análise em geral, embora ferramentas de front-office também possam ser usadas. A interação do tipo mG2C é o m-Gov para o cidadão. Esses serviços caem em quatro categorias: a primeira é de serviços informacionais e educacionais, como alertas de emergência, informações turísticas ou de trânsito e notificações de expiração de passaporte; a segunda são serviços interativos, como a abertura de solicitações de serviço e a respectiva consulta do andamento delas, resultados de exames, requerimentos; a terceira são os serviços 7 OCDE, 2011 21 transacionais, por exemplo, pagamento de impostos e taxas, agendamentos, programas sociais de transferência de renda, assinatura eletrônica; por fim, a quarta categoria abrange os serviços de governança e de engajamento dos cidadãos, como a realização de plebiscitos populares, votação e até mesmo, a eleição de candidatos políticos. São exemplos de serviços: - Alerta sobre o fechamento de uma determinada via no feriado, via SMS ou serviços push para smartphones. - Serviço para abertura de solicitações para o governo, como tapamento de buracos, remoção de entulho, reparos na iluminação pública. - Busca de empregos por SMS. Cidadãos se cadastram na agência governamental e recebem um SMS, caso uma vaga de emprego com o perfil deles seja encontrada. A interação do tipo mG2E é o m-Gov para o servidor público (Employee). Esses serviços fornecem ferramentas para que os servidores públicos aumentem a transparência e a eficiência da organização, além de aumentar a qualidade do serviço para os cidadãos. Esse tipo de m-Gov tem um impacto ainda maior sobre funcionários que trabalham remotamente, em campo, pois fornece mais recursos para se inserir, recuperar e compartilhar informações. São exemplos de serviços: - Aplicativo para tablet com internet para fiscalização de ambulantes. - Serviço para suportar funcionários públicos remotos, com coleta de assinaturas de cidadãos, as e-signatures, via iPad. Na perspectiva da organização, a interação da plataforma ocorre entre as organizações, sejam elas empresas privadas ou outras instituições do governo, conforme representado pelo lado direito da figura 2. Isto inclui o mG2B e o mG2G, com o mesmo aspecto de aplicações distintas para cada grupo, com o mG2B tendo aplicações mais voltadas para informações, serviços e coleta de dados (front-end) enquanto o mG2G tem aplicações focadas em coordenação, controle e análise. No tipo de interação mG2B, o m-Gov para empresas privadas (Business), os serviços disponibilizados podem estar relacionados com o apoio a PME (Pequenas e Médias Empresas), pagamento de impostos e taxas, licenciamento e permissões, compras - procurement, etc. Negócios rurais se beneficiam de forma substancial, devido às grandes 22 distâncias das agências governamentais e a uma maior dificuldade de acesso à internet convencional (cabeada ou fibra). São exemplos de serviços deste tipo de interação: - Serviço de alerta para avisar fazendeiros sobre condições climáticas desfavoráveis, além de informar a cotação dos produtos agrícolas. - Pagamentos de impostos e taxas para o governo de forma eletrônica, utilizando um padrão estruturado que permite a emissão de certificados e licenças diretamente para as empresas. O mG2G é m-Gov para governo. Esses serviços podem ser horizontais, conectando agências do governo, ou verticais, conectando agências centrais com locais. Eles estão relacionados a atividades de supervisão e inspeção, além de serviços de segurança e de emergência. Como exemplos de serviços, podemos citar: - Serviço dos bombeiros para a supervisão de prédios e as respectivas condições de segurança da construção. - Serviço com tecnologia mobile para a coordenação e interligação entre a polícia, bombeiros, atendimento de emergência e órgão de obras públicas. Uma listagem com algumas iniciativas de m-Government ao redor do mundo, com 173 itens, pode ser verificada no Apêndice I. Essas iniciativas compreendem a taxonomia proposta neste capítulo e apresentam as características distintivas e as vantagens já discutidas nesta seção e serviram para formar um panorama do m-Gov no mundo e não se propõe a ser extensivo, visto que este mapeamento demandaria um esforço considerável e não está no escopo deste trabalho. Um exemplo de mapeamento semelhante foi realizado pelas Nações Unidas (2014), UN E-Government Survey 2014, e pela OECD em conjunto com a ITU (2011), M-Government: Mobile Technologies for Responsive Governments and Connected Societies. No entanto, ainda assim, apesar do escopo mais amplos dessas pesquisas, ambos os estudos não se propõem a realizar esse mapeamento.Outro ponto é que no contexto de aplicativos para smartphones usando dados abertos do governo, uma nova aplicação pode surgir a todo momento, tornando o resultado de um mapeamento dessa natureza obsoleto rapidamente. Uma alternativa mais viável é a criação de uma central de aplicativos (ou portal), administrado pelo governo ou por uma entidade independente, com o propósito de manter as iniciativas de m-goverment disponíveis para o público e atualizadas conforme novas iniciativas são registradas na central de aplicativos. http://www.oecd-ilibrary.org/governance/m-government-mobile-technologies-for-responsive-governments-and-connected-societies_9789264118706-en;jsessionid=281blhg0uflv7.x-oecd-live-02 http://www.oecd-ilibrary.org/governance/m-government-mobile-technologies-for-responsive-governments-and-connected-societies_9789264118706-en;jsessionid=281blhg0uflv7.x-oecd-live-02 http://www.oecd-ilibrary.org/governance/m-government-mobile-technologies-for-responsive-governments-and-connected-societies_9789264118706-en;jsessionid=281blhg0uflv7.x-oecd-live-02 23 Iniciativas similares já existem no governo federal (http://www.aplicativos.gov.br/) e na prefeitura do Rio de Janeiro (http://www.rio.rj.gov.br/web/iplanrio/aplicativos-pcrj). Para trazer benefícios maiores à população, é importante que sejam representadas iniciativas independentes e não somente aquelas criadas pelo governo, caso estejam alinhadas com as características de m-government mencionadas neste capítulo. 24 3. ADMINISTRAÇÃO DOS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO A Administração (ou Gestão) de Sistemas de Informação é o campo que estuda os efeitos da aplicação da tecnologia da informação ou da informatização dos processos nas decisões administrativas e gerenciais de uma organização. Corroborando com essa definição, Laudon (2007) define que os sistemas de informação são muito mais do que apenas os computadores em si sendo preciso entender as dimensões organizacional, humana e tecnológica que os formam para utilizá-los com a devida eficiência. O termo em inglês para esse campo pode gerar equívocos, já que Management Information Systems (MIS), ou apenas Information Systems (IS), pode significar tanto o próprio sistema que provê informações para a gestão e seus componentes de hardware e software (KIVINEN & LAMMINTAKANEN, 2012) como também, no caso em questão, o campo de pesquisa que estuda a interação entre a TI, as pessoas e as organizações. Em português, é possível que esse mal-entendido possa ser evitado, pois a tradução para a definição equivocada seria Sistema de Gerenciamento de Informações ou Sistemas de Informações Gerenciais. No entanto, a pesquisa em bases acadêmicas pode retornar resultados tanto para o campo da ciência e sua respectiva pesquisa na área de administração, como informações sobre softwares ou sistemas de gerenciamento de informações ou informações gerenciais 8 . Assim, da forma como definido neste estudo, o campo de pesquisa denominado Management Information Systems (MIS) tem pouco mais de quatro décadas de existência (KARANJA et al., 2013) e utiliza teorias provenientes de diversas áreas como Economia, Comportamento Organizacional, Psicologia, Sociologia, Filosofia, Matemática, Ecologia, Inteligência Artificial, Estratégia, entre outras (LARSEN et al., 2014). Segundo Tavares (2013), diante da complexidade do uso estratégico dos Sistemas de Informação, o uso das teorias estudadas pelo campo da MIS pode colaborar a utilizar a tecnologia da informação de forma mais eficiente e efetiva tornando possível, por exemplo: - Entender o papel dos sistemas de informação nas organizações; 8 Outro termo que causa mal-entendidos é mobility, que traduzido para mobilidade, pode significar tanto a mobilidade disponibilizada pelos dispositivos móveis (celulares, tablets, etc.) como mobilidade urbana (ônibus, metrô, etc.). No decorrer da pesquisa foi necessário ser criterioso nas entrevistas pois não raro esses temas se fundiam, principalmente devido à mobilidade urbana ser um tema prioritário no Rio de Janeiro e por algumas das soluções de mobilidade urbana se darem através da mobilidade tecnológica. 25 - Compreender os benefícios da integração de Sistemas de Informação; - Conhecer os principais fatores que fazem que uma tecnologia enfrente resistências / seja adotada; - Conhecer os principais conceitos de gestão de conhecimento e características ambientais favoráveis à sua operacionalização; - Explorar a diversidade de tecnologias existentes, as capacidades que elas podem propiciar e os paradoxos e desafios presentes em seus usos; - Compreender a complexidade envolvida na aquisição de sistemas de informação e entender os principais critérios para seleção; - Entender a necessidade de gestão na mudança organizacional nos processos de implantação de TI; e - Compreender como indivíduos, grupos e organizações usam a tecnologia da informação no trabalho, criando, de forma dinâmica, percepções sobre o papel e a utilidade da tecnologia. Neste estudo são aplicadas as teorias da adoção da inovação de Rogers (1995), os princípios do TAM (DAVIS, 1989; VENKATESH & DAVIS, 2000; VENKATESH & BALA, 2008) e do UTAUT (VENKATESH et al., 2003), o estudo de Kamal (2006) sobre a adoção de inovações em tecnologia da informação em organizações governamentais e é discutido o potencial transformador da tecnologia da informação, conforme o framework apresentado por Venkatraman (1994). Assim, esta dissertação tem como objetivo utilizar o referencial teórico proporcionado pelas teorias já difundidas em MIS para analisar as iniciativas de m-government à luz desse arcabouço teórico já consolidado na própria área de Administração dos Sistemas de Informação, como em outras áreas do conhecimento. 3.1 ADOÇÃO DA INOVAÇÃO De acordo com o modelo de difusão da inovação (ROGERS, 1995), há cinco categorias em relação à adoção da inovação: inovadores, adotantes iniciais, maioria inicial, maioria tardia, e retardatários, conforme a figura 3. O processo de difusão da tecnologia começa com uma pequena parcela de inovadores (2,5%), chegando aos adotantes iniciais (13,5%). Caso consiga atravessar o “abismo” entre os adotantes iniciais e a grande maioria (MOORE, 1999), a inovação alcança a maioria inicial (34%), decolando até se propagar para os 50% restantes da maioria tardia e retardatários, conforme mostrado pela linha azul da 26 figura 4. Nessa figura, a linha amarela representa a participação do mercado cumulativa, de acordo com os grupos de consumidores que adotam a nova tecnologia. Agarwal & Prasad (1997; 1998) se baseiam na teoria de difusão da inovação no domínio da Tecnologia da Informação, em que as características pessoais afetam como os indivíduos respondem à inovação tecnológica. Figura 3: Categoria de adotantes de tecnologia e suas características Inovadores: arrojados, instruídos, várias fontes de informação. Adotantes iniciais: líderes, populares, instruídos. Maioria inicial: cautelosos, muitos contatos sociais informais. Maioria tardia: céticos, tradicionais, status socioeconômico mais baixo. Retardatários: vizinhos e amigos são as principais fontes de informação, têm medo de dívidas FONTE: Rogers (1995) Figura 4: Curva de Adoção de Inovação de Rogers FONTE: Rogers (1962) O modelo de Adoção de Inovação de Rogers (1995) define o mecanismo de difusão da inovação, que segue um processo de cinco etapas: - Conhecimento: quando a pessoa toma conhecimento da inovação e tem alguma ideia de como ela funciona; - Persuasão: quando a pessoa começa a ter uma atitude favorável ou desfavorável em relação à inovação; - Decisão: quando a pessoa se engaja em atividades que guiam a escolha por adotar ou rejeitar a inovação; Inovadores Adotantes Iniciais Maioria Inicial Maioria
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