Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO RAFAEL PEREIRA DE ARAÚJO PEDROSA Desafios do crescimento de empresas diversificadas: Os casos Matarazzo e Votorantim Rio de Janeiro 2015 Rafael Pereira de Araújo Pedrosa DESAFIOS DO CRESCIMENTO DE EMPRESAS DIVERSIFICADAS: OS CASOS MATARAZZO E VOTORANTIM Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto Coppead de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração (M.Sc.) Orientadora: Denise Lima Fleck, Ph.D. Rio de Janeiro 2015 ii FICHA CATALOGRÁFICA PEDROSA, Rafael Pereira de Araújo Desafios do Crescimento de Empresas Diversificadas: Os Casos Matarazzo e Votorantim / Pedrosa, R. P. A. - 2015. 325f Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Instituto Coppead de Administração, 2015. Orientadora: Denise Lima Fleck 1. Crescimento da Firma. 2. Declínio Organizacional. 3. Administração - Teses. I. Fleck, Denise Lima. (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto Coppead de Administração. Desafios do Crescimento de Empresas Diversificadas: Os Casos Matarazzo e Votorantim iii DESAFIOS DO CRESCIMENTO DE EMPRESAS DIVERSIFICADAS: OS CASOS MATARAZZO E VOTORANTIM Rafael Pereira de Araújo Pedrosa Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto Coppead de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração (M.Sc.) Aprovado por: ________________________________________ Profa. Denise Lima Fleck, Ph.D. (COPPEAD, UFRJ) - Orientadora ________________________________________ Prof. José Vitor Bomtempo Martins, D.Sc. (Escola de Química, UFRJ) ________________________________________ Profa Maribel Carvalho Suarez, D.Sc. (COPPEAD, UFRJ) Rio de Janeiro 2015 iv AGRADECIMENTOS À minha amada esposa Amanda Xavier, não só por todo o seu companheirismo e paciência durante esses longos meses, mas por ter sido a principal incentivadora para que eu seguisse essa fantástica jornada. A minha família, em especial aos meus pais, Lívia e Manoel, que não mediram esforços para que eu tivesse uma educação de qualidade. Ao meu irmão Luiz Felipe, desde sempre uma referência para mim e que sempre me deu suporte nas minhas decisões. E também aos meus sogros Márcia e Emílio, por todo o apoio que têm me dado. Sem a contribuição dos meus familiares, eu não teria chegado até aqui. À professora Denise Fleck, por todos os ensinamentos durante o Mestrado, e por ter me aceito como orientado, sendo extremamente dedicada e buscando sempre o melhor para o meu trabalho, incentivando e cobrando quando necessário. Aos professores Maribel Suarez e José Vitor Bomtempo por terem aceitado participar da banca de avaliação e por se dedicarem para avaliar e contribuir com a minha dissertação. A todos os entrevistados que cederem parte dos seus tempos para me contar grandes histórias, sem as quais eu não poderia ter concluído o presente estudo. Um agradecimento especial a toda a equipe do Centro de Memória da Votorantim, por fazerem um trabalho fantástico e por me receberem tão bem e estarem sempre abertos para contribuir para a pesquisa. Aos meus colegas de Mestrado, em especial aos parceiros de seminários, pelo companheirismo e contribuições oferecidas ao longo desses últimos meses. Vocês todos foram uma grande fonte de aprendizado. Aos professores do Coppead pelos valiosos ensinamentos, e a toda equipe de colaboradores do Coppead, exemplos de funcionários públicos, corretos, eficientes e sempre dispostos a ajudar. Aos meus grandes amigos de Itajubá e do Rio, que me propiciaram importantes momentos de refúgio e diversão. Ao Thor, que embora não possa ler nenhuma linha do que está escrito aqui, é um amigo fiel e leal. Ao CNPq pela concessão da bolsa a que tive acesso durante o meu segundo ano de curso. E, finalmente, agradeço ao meu país, que apesar de todas as suas dificuldades, me proporcionou a oportunidade de cursar de forma gratuita um programa de Mestrado de excelência em nível mundial. Compreendo que junto com o título de Mestre em Administração, carrego o dever de contribuir diretamente para o desenvolvimento do Brasil. v RESUMO Pedrosa, Rafael Pereira de Araújo. Desafios do Crescimento de Empresas Diversificadas: Os Casos Matarazzo e Votorantim. Orientadora: Denise Fleck. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2014. Dissertação (Mestrado em Administração). Os grupos Matarazzo e Votorantim, possivelmente os dois principais grupos industriais da história do país, guardam certas similaridades em suas trajetórias. Protagonistas do processo de industrialização pelo qual o Brasil passou no início do século vinte, as organizações foram formadas por imigrantes europeus que se estabeleceram na cidade de Sorocaba e tiveram na indústria têxtil a base para a expansão e diversificação dos negócios. As semelhanças, no entanto, param por aí. Enquanto que a organização do Conde Matarazzo ampliou drasticamente o seu escopo de atividades, chegando a reunir mais de duas centenas de empresas que atuavam em diversos segmentos da economia, a Votorantim liderada por José Ermírio de Moraes foi uma das pioneiras na formação da indústria de base nacional, concentrando suas atividades principalmente nos setores de cimentos e metais. Assim, elas tiveram destinos distintos. As principais empresas que formavam a Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM) declinaram e pediram concordata em 1983. A Votorantim, por sua vez, ainda se mantém como um dos principais conglomerados do país. Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi compreender como essas organizações responderam aos desafios do crescimento propostos por Fleck (2009), buscando analisar se essas respostas contribuíram para o desenvolvimento de uma propensão à longevidade saudável ou à autodestruição em cada um dos casos. A análise sugere que a Matarazzo desenvolveu capacitações empreendedoras que contribuíram para o seu crescimento, mas não conseguiu gerir a complexidade e evitar a fragmentação em decorrência do intenso processo de expansão e diversificação. Além disso, dificuldades em se adaptar às mudanças do ambiente também contribuíram para a sua extinção. Respostas consistentes foram identificadas ao longo da trajetória da Votorantim, permitindo, ao mesmo tempo, o crescimento e a sustentação da integridade organizacional. Evidências apontam, no entanto, para respostas menos efetivas nos anos recentes, indicando que pode haver um risco para o futuro da organização. Palavras-chave: Crescimento da Firma; Declínio Organizacional; Longevidade Saudável; Diversificação vi ABSTRACT Pedrosa, Rafael Pereira de Araújo. Desafios do Crescimento de Empresas Diversificadas: Os Casos Matarazzo e Votorantim. Orientadora: Denise Fleck. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2014. Dissertação (Mestrado em Administração). The Matarazzo and Votorantim groups, possibly the two major industrial groups in the country's history, hold certain similarities in their trajectories. First, they were both protagonists of the industrialization process by which Brazil went through in the early twentieth century. Second, the organizations were formed by European immigrants who settled in the city of Sorocaba and had in the textile industry the basis for the expansion and diversification of their business. The connections, however, end there.While the organization formed by Francesco Matarazzo dramatically expanded its scope of activities, encompassing more than two hundred companies in various segments of the economy, Votorantim, led by José Ermírio de Moraes, was a pioneer in Brazilian basic industry, focusing its activities mainly on cement and metals sectors. Thus, they had different destinations. The main companies that formed the Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM) declined and filed for bankruptcy in 1983. Votorantim, in turn, still stands as one of the leading conglomerates in the country. Therefore, this study aims to understand how these organizations responded to the growth-related challenges proposed by Fleck (2009), seeking to analyze whether these responses contributed to the development of a propensity for self-destruction or healthy longevity in each case. The analysis suggests that Matarazzo developed entrepreneurial capabilities which contributed to its growth, but was not able to deal with complexity and avoid the fragmentation due to the intense process of growth and diversification. Furthermore, difficulties in adapting to environmental changes also contributed to its extinction. Consistent responses were identified along Votorantim´s trajectory, allowing, at the same time, the growth and the preservation of the organizational integrity. Evidence points, however, to less effective responses in recent years, indicating that there may be risk to the future of the organization. Keywords: Growth of the Firm; Organizational Decline; Healthy Longevity; Diversification. vii LISTA DE ABREVIATURAS BB Banco do Brasil BNDE Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (depois BNDES) BNDES Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica CBA Companhia Brasileira de Alumínio CMM Companhia Mineira de Metais CIESP Centro das Indústrias do Estado de São Paulo CIFTSP Centro da Indústria de Fiação e Tecelagem de Algodão de São Paulo CIP Conselho Interministerial de Preços CSN Companhia Siderúrgica Nacional EBITDA Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation And Amortization EUA Estados Unidos da América FAAP Fundação Armando Alvares Penteado FGV Fundação Getúlio Vargas FHC Fernando Henrique Cardoso FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo IBAR Indústria Brasileira de Artigos Refratários IME Indústria Matarazzo de Energia IRFM Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo JK Juscelino Kubitschek PIB Produto Interno Bruto PNDII Plano Nacional de Desenvolvimento SDV Sistema de Desenvolvimento Votorantim SGV Sistema de Gestão Votorantim VC Votorantim Cimentos VCP Votorantim Celulose e Papel VCPS Votorantim Cimentos Production System VID Votorantim Industrial VM Votorantim Metais VPAR Votorantim Participações viii LISTA DE TABELAS Tabela 2-1 - Cinco Desafios do Crescimento ...................................................................... 10 Tabela 3-1 - Comparativo Cronológico Entre Matarazzo e Votorantim ........................... 20 Tabela 3-2 – Relação dos Entrevistados .............................................................................. 24 Tabela 3-3 – Relação dos relatos obtidos no Centro de Memória Votorantim ............... 24 Tabela 3-4– Dimensões Utilizadas para a Análise ............................................................. 26 Tabela 4-1 - Crescimento da Produção de Café e da População nas Zonas Cafeeiras ..................................................................................................................................................... 29 Tabela 4-2 - Evolução da Produção Industrial de São Paulo ............................................ 32 Tabela 4-3 - Importações Através do Porto de Santos, 1909-1918 (milhares de toneladas métricas) .................................................................................................................. 33 Tabela 4-4 - Balança Comercial do Brasil, 1904 – 1918 .................................................... 33 Tabela 4-5 - Distribuição por Idade das Máquinas da Indústria Têxtil em 1939 ............ 44 Tabela 4-6- Aspectos Gerais da Indústria: 1928 – 1939 .................................................... 45 Tabela 4-7 - Participação dos Itens Importados em Diversos Setores ............................ 51 Tabela 4-8 - Mudanças na Estrutura Industrial Brasileira: 1939 - 1963 .......................... 52 Tabela 4-9 - Crescimento da Indústria entre 1957 e 1977 ................................................ 54 Tabela 4-10 - Taxas de Crescimento de Subsetores (1971-1989) .................................. 59 Tabela 4-11 – Principais Privatizações Realizadas Durante a Década de 1990 ........... 60 Tabela 4-12 -- Participação dos Setores da Atividade Econômica no PIB em Anos Selecionados ............................................................................................................................. 66 Tabela 5-1- Patrimônio da IRFM em 1911 ........................................................................... 72 Tabela 5-2 – Grupo Matarazzo em 1934 .............................................................................. 88 Tabela 5-3 - Evolução do capital social da Matarazzo (em milhões de cruzeiros) ........ 91 Tabela 5-4 - Divisão da Matarazzo em Empresas ............................................................ 103 Tabela 5-5 Composição do Faturamento da IRFM por Setor (%) .................................. 105 Tabela 5-6 – Perfil do Grupo Matarazzo em 1993 ............................................................ 108 Tabela 6-1 - Evolução da Produção anual de Cimento em Toneladas ......................... 126 Tabela 6-2 – Quarta Geração da Família Ermírio de Moraes ......................................... 139 Tabela 6-3 – Unidades de Negócio da Votorantim em 2001 ........................................... 140 Tabela 6-4 – Participação da Votorantim no Mercado Brasileiro, por Negócio ............ 140 Tabela 7-1 - Importações Através do Porto de Santos, 1909-1918 (milhares de toneladas métricas) ................................................................................................................ 160 Tabela 7-2 – Avanço das Unidades Têxteis do Grupo Matarazzo entre 1939 e 1952 162 Tabela 7-3 – Relação de Unidades Descontinuadas ou Vendidas Entre as Décadas de 1950 e 1970............................................................................................................................. 185 Tabela 7-4 – Lucro Médio da Matarazzo Entre 1912 e 1929 .......................................... 188 Tabela 7-5 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1881 e 1911 ...................... 194 Tabela 7-6 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1911 e 1937 ...................... 196 Tabela 7-7 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1937 e 1955 ...................... 198 Tabela 7-8 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1955 e 1983 ...................... 200 Tabela 7-9 – Evolução da produção brasileira de alumínio primário segundo entre 2000 e 2009 (em mil t) ........................................................................................................... 223 ix Tabela 7-10 – Divisão das operações da Votorantim entre os membros da terceira geração .................................................................................................................................... 232 Tabela 7-11 – Resumo da capacidade e vendas da VM ................................................. 260 Tabela 7-12 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 1900 e 1918 ................... 267 Tabela 7-13 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 1918 e 1973 ................... 270 Tabela 7-14 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 1973 e 2000 ...................273 Tabela 7-15 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 2000 e 2014 ................... 275 x LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 4-1 - Movimento Migratório no Estado de São Paulo (1871 – 1900) ................. 30 Gráfico 4-2– Evolução da População Brasileira .................................................................. 46 Gráfico 4-3 – Evolução das Populações Urbana e Rural no Brasil .................................. 47 Gráfico 4-4 - Distribuição Setorial do PIB (1950 – 89) ....................................................... 48 Gráfico 4-5 - Relação de Produção e Consumo de Energia Elétrica ............................... 54 Gráfico 4-6 - Cotação Internacional do Petróleo (US$) ...................................................... 55 Gráfico 4-7 - Saldo da Balança Comercial entre 1970 a 1989 (US$ milhões) ............... 56 Gráfico 4-8 - Inflação - IPCA (% a.a.) .................................................................................... 61 Gráfico 4-9 - Taxa de juros - Over / Selic - (% a.a.) ............................................................ 62 Gráfico 4-10 - Saldo da Balança Comercial entre 1990 e 2013 (US$ milhões) ............. 63 Gráfico 4-11 - Taxa de Câmbio (Real x Dólar) .................................................................... 64 Gráfico 4-12 - PIB da China em US$ - 1960 – 2013........................................................... 65 Gráfico 4-13 – Participação das vendas para a China no total das exportações do Brasil ........................................................................................................................................... 66 Gráfico 5-1 - Distribuição do Capital da IRFM ..................................................................... 73 Gráfico 5-2 - Distribuição do Capital da Indústrias Matarazzo do Paraná ...................... 78 Gráfico 6-1 - Evolução Financeira do Grupo entre 1942 e 1951 (em milhões de cruzeiros) ................................................................................................................................. 122 Gráfico 7-1 – Evolução do Tamanho da Matarazzo entre 1941 e 1980 ........................ 149 Gráfico 7-2 - Composição de Faturamento da Matarazzo em 1980 .............................. 186 Gráfico 7-3 – Margem líquida da IRFM entre 1943 e 1979 ............................................. 189 Gráfico 7-4 – Capital Social em relação ao PIB brasileiro ............................................... 190 Gráfico 7-5 – Percentual das Dívidas Sobre o Ativo Total ............................................... 190 Gráfico 7-6 – Evolução do Tamanho da Votorantim entre 1952 e 2013 ....................... 201 Gráfico 7-7 – Composição do EBITDA da VID em 2012 ................................................. 224 Gráfico 7-8 – Evolução do endividamento da VID (em milhares de Reais) .................. 264 Gráfico 7-9 – Evolução da Margem Líquida da Votorantim ............................................. 264 Gráfico 7-10 – Evolução dos investimentos da Votorantim (em bilhões de Reais) ..... 265 xi LISTA DE FIGURAS Figura 2-1 – Motor do Crescimento Contínuo ........................................................................ 7 Figura 2-2 - Modelo dos Requisitos para o Desenvolvimento de Propensão à Autoperpetuação ...................................................................................................................... 17 Figura 5-1 - Composição da Diretoria da IRFM ................................................................... 74 Figura 5-2 – Estrutura da Diretoria Executiva em 1976 ................................................... 100 Figura - 6-1 – Mapa da Localização das Empresas da Votorantim, por Setor em 1984 ................................................................................................................................................... 128 Figura 7-1 – Processo de Diversificação da Matarazzo entre 1900 e 1903 ................. 152 Figura 7-2 – Composição da IRFM em 1925 ..................................................................... 170 Figura 7-3 – Legenda do resumo das respostas aos desafios do crescimento ........... 192 Figura 7-4 – Respostas da Matarazzo entre 1881 e 1911 ............................................... 193 Figura 7-5 - Respostas da Matarazzo entre 1911 e 1937 ............................................... 194 Figura 7-6 – Respostas da Matarazzo entre 1937 e 1955 ............................................... 197 Figura 7-7 – Respostas da Matarazzo entre 1955 e 1983 ............................................... 199 Figura 7-8 – Estrutura industrial do grupo Votorantim na década de 1950 .................. 229 Figura 7-9 – Estrutura Organizacional da Votorantim em 2010 ...................................... 255 Figura 7-10 - Estrutura Organizacional da Votorantim em 2014 .................................... 256 Figura 7-11 – Expansão da Votorantim através de mecanismos de auto reforço ....... 259 Figura 7-12 – Respostas da Votorantim entre 1900 e 1918 ............................................ 266 Figura 7-13 – Respostas da Votorantim entre 1918 e 1973 ............................................ 268 Figura 7-14 – Respostas da Votorantim entre 1973 e 2000 ............................................ 271 Figura 7-15 – Respostas da Votorantim entre 2000 e 2014 ............................................ 273 xii SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 1 2 REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................................ 4 2.1 Empresas Familiares ................................................................................................. 4 2.2 Gestão de Empresas Diversificadas ....................................................................... 5 2.3 Crescimento e Declínio Organizacional .................................................................. 7 2.4 Arquétipos de Sucesso e Fracasso Organizacional ............................................. 9 2.4.1 Desafio do Empreendedorismo ...................................................................... 11 2.4.2 Desafio da Navegação no Ambiente ............................................................. 12 2.4.3 Desafio da Gestão da Diversidade ................................................................ 13 2.4.4 Desafio da Gestão de Recursos Humanos .................................................. 14 2.4.5 Desafio da Gestão da Complexidade ............................................................ 15 2.4.6 Desafio da Folga Organizacional ................................................................... 15 2.4.7 Interação Entre os Desafios ............................................................................ 16 3 MÉTODO DE PESQUISA ............................................................................................... 18 3.1 Definição do Tema e dos Objetos de Estudo....................................................... 18 3.2 Estratégia de Pesquisa ............................................................................................ 20 3.3 Coleta de Dados ....................................................................................................... 21 3.4 Processamento e Análise dos Dados ................................................................... 25 4 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E INDUSTRIAL DO BRASIL ........................ 28 5 HISTÓRICO MATARAZZO ............................................................................................. 68 6 HISTÓRICO VOTORANTIM .........................................................................................109 7 ANÁLISE .......................................................................................................................... 148 7.1 Análise das Respostas da Matarazzo aos Desafios do Crescimento ............ 148 7.1.1 Desafio do Empreendedorismo .................................................................... 149 7.1.2 Desafio da Navegação no Ambiente ........................................................... 159 7.1.3 Desafio da Gestão da Diversidade .............................................................. 168 7.1.4 Desafio da Provisão de Recursos Humanos ............................................. 177 7.1.5 Desafio da Gestão da Complexidade .......................................................... 182 7.1.6 Gestão da Folga Organizacional .................................................................. 187 7.1.7 Resumo das Respostas da Matarazzo aos Desafios do Crescimento .. 191 7.2 Análise das Respostas da Votorantim aos Desafios do Crescimento ........... 201 7.2.1 Desafio do Empreendedorismo .................................................................... 202 7.2.2 Desafio da Navegação no Ambiente ........................................................... 218 xiii 7.2.3 Desafio da Gestão da Diversidade .............................................................. 228 7.2.4 Desafio da Provisão de Recursos Humanos ............................................. 241 7.2.5 Desafio da Gestão da Complexidade .......................................................... 250 7.2.6 Gestão da Folga Organizacional .................................................................. 257 7.2.7 Resumo das Respostas da Votorantim aos Desafios do Crescimento . 265 8 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 276 8.1 Considerações Finais Sobre a Matarazzo .......................................................... 276 8.2 Considerações Finais Sobre a Votorantim ......................................................... 278 8.3 Principais Diferenças Identificadas ...................................................................... 279 8.4 Contribuições do Estudo ....................................................................................... 280 8.5 Propostas Para Pesquisas Futuras ..................................................................... 282 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 283 ANEXOS .................................................................................................................................. 300 1 1 INTRODUÇÃO O sucesso e fracasso organizacional é um tema que atrai grande interesse por parte dos gestores e pesquisadores (Chandler, 1977; Wheten, 1980, 1987; Fleck, 2009). Entretanto, diante do vasto leque de teorias e ferramentas gerenciais desenvolvidas nas últimas décadas, pouca congruência tem sido encontrada sobre o que leva uma empresa a crescer e se perpetuar, enquanto outras declinam e fracassam. Segundo Fleck (2009), com certa frequência, os casos de sucesso empresariais atuais se transformam mais tarde em grandes pesadelos corporativos. Fleck (2009) destaca ainda que o sucesso organizacional não está relacionado a um estado final que possa ser alcançado, mas sim com a propensão à autoperpetuação que pode ser desenvolvida por uma empresa à medida que ela desenvolve respostas saudáveis aos desafios do crescimento. Por outro lado, o fracasso organizacional é definido como o estágio final de um processo de declínio. Assim, os gestores devem atuar constantemente com o objetivo de aproximar as organizações do polo da autoperpetuação, evitando que a organização seja lançada em um processo de declínio. Portanto, estudar e compreender as condições necessárias para que uma empresa desenvolva essa propensão à longevidade saudável torna-se um tema relevante para o estudo de gestão de organizações. No Brasil, verifica-se uma grande carência sobre dados econômicos e empresariais, assim como estudos corporativos de qualidade (BETHLEM, 1999). Sabe-se, no entanto, que há no país um alto nível de mortalidade empresarial, aliado a um ambiente econômico instável para a condução dos negócios. Entretanto, casos de empresas longevas como Souza Cruz (GRIGOROVSKI, 2004), Gerdau (VIEIRA, 2007) e Klabin (BARBOSA, 2008) indicam que a capacidade de atuações dos gestores pode evitar o fracasso mesmo em situações adversas. Por outro lado, ser reconhecida como uma organização vencedora em seu mercado não garante a longevidade saudável e a autoperpetuação. Mesbla (RODRIGUES, 2005) e Varig (OLIVEIRA, 2011) são exemplos notáveis de empresas que foram líderes de seus setores, mas não conseguiram sustentar a sua posição e sucumbiram. Ao lançarmos um olhar sobre o processo de industrialização do Brasil, é possível encontrar duas características importantes. A primeira está relacionada ao protagonismo das empresas familiares na formação e desenvolvimento dos primeiros negócios de base industrial. A segunda aponta para uma tendência em se buscar a diversificação dos negócios como forma de proteção à instabilidade do ambiente. É possível apontar duas organizações com esse perfil que se destacaram e figuraram entre as maiores do país: Matarazzo e Votorantim. 2 Constituídas por imigrantes europeus que chegaram ao Brasil no fim do século XIX, foram pioneiras na formação das primeiras unidades fabris, no interior do Estado de São Paulo, além de terem sido fundadores das principais associações industriais do país. As semelhanças, no entanto, não se estendem por muito mais do que estes pontos. O complexo industrial formado por Francesco Matarazzo cresceu através de um intenso processo de diversificação e se transformou em uma das maiores corporações industriais do mundo em sua época, reunindo mais de duas centenas de empresas diferentes que atuavam em diversos setores da economia. Assim, se manteve por décadas como maior organização empresarial nacional até iniciar um processo de declínio, após a Segunda Guerra Mundial, que culminou com um pedido de concordata em 1983. Atualmente, pouco resta do império fundado há mais de um século. Com uma história também centenária, a Votorantim iniciou sua trajetória industrial no início do século XX atuando no setor têxtil. Embora com menos intensidade, passou a diversificar os seus negócios sob o comando de José Ermírio de Moraes entre os anos 30 e 50, tornando-se o maior grupo industrial do Brasil no início da década de 1980. Atualmente, a Votorantim se mantém como uma das principais empresas brasileiras com atuação principalmente orientada para commodities e presença em vários países do mundo. Sendo assim, constata-se que os grupos tiveram um histórico inicial similar, vivenciando os mesmos acontecimentos do ambiente econômico nacional, mas passaram a percorrer caminhos diferentes. Geralmente atribui-se a queda da Matarazzo à questão de sucessão familiar e destaca-se a Votorantim pela maneira como tratou essa questão. O processo sucessório é, naturalmente, uma questão crucial das empresas familiares. Segundo Bethlem (1990), menos de 15% dos negócios de família sobrevivem após a terceira geração. Entretanto, não é possível apontar esta questão como única. Por isso, a intenção desse trabalho foi reunir as principais informações desses “dois gigantes” com o intuito de compreender o que levou as organizações a desenvolverem trajetórias distintas ao longo dos anos. É importante destacar que a Matarazzo e a Votorantim foram organizações contemporâneas, vivenciaram e contribuíram para o desenvolvimento da indústria, permitindo que o estudo ofereça pontos de comparação entre as duas organizações. “Votorantim, maior do Brasil, cuja história tem pontosde contato com a da Matarazzo. Na origem, na época de início, na cor verde-amarela, no papel essencial do imigrante-empresário fundador, na 3 concorrência em mercado, na disputa de atividades e projetos” (COUTO 2 , 2004, p. 341). Portanto, utilizando os Arquétipos de Sucesso e Fracasso Organizacional propostos por Fleck (2009), a presente pesquisa buscou responder a seguinte pergunta: Como dois dos principais grupos industriais brasileiros responderam aos desafios do crescimento? Para atingir esse objetivo, o trabalho foi estruturado em oito capítulos. O presente capítulo introduz as considerações e proposta da pesquisa. O capítulo 2 discorre sobre o arcabouço teórico empregado no processo de análise, apresentando principalmente as teorias propostas por Fleck (2009), Penrose (1980), Chandler (1962 e 1977) e Selznick (1957). O capítulo 3 apresenta o método utilizado para a abordagem da pesquisa e para a coleta, classificação e análise dos dados. A descrição do ambiente o qual as empresas deste estudo fazem parte é exposta no capítulo 4. Nele apresenta-se uma narrativa do desenvolvimento econômico e industrial brasileiros desde o fim do século XIX até 2013. O histórico das empresas Matarazzo e Votorantim são apresentados nos capítulos 5 e 6, respectivamente, com um resumo dos fatos e eventos relevantes das suas trajetórias. O resultado da análise é discutido no capítulo 7, com a apresentação das respostas aos desafios do crescimento de cada uma das empresas. Finalmente, as considerações finais são desenvolvidas no capítulo 8, no qual são comentadas também as contribuições da pesquisa e as recomendações para trabalhos futuros. 4 2 REVISÃO DE LITERATURA O presente capítulo apresentará o arcabouço teórico que auxiliou a análise das trajetórias da Matarazzo e da Votorantim. Primeiro, serão discutidos aspectos referentes à gestão de empresas familiares e de empresas diversificadas. Em seguida, será realizada uma contextualização sobre as teorias do crescimento e de declínio organizacional. Finalmente, serão apresentados os Arquétipos do Sucesso e Fracasso Organizacional de Fleck, que serviram de base para o diagnóstico das organizações. 2.1 Empresas Familiares De acordo com Gonçalves (2000), a caracterização de uma empresa como familiar está relacionada à existência de três condições: a) a empresa é propriedade de uma família, detentora da totalidade ou da maioria das ações ou cotas, de forma a ter o seu controle econômico; b) a família tem a gestão da empresa, cabendo a ela a definição dos objetivos, das diretrizes e das grandes políticas; c) a família é responsável pela administração do empreendimento, com a participação de um ou mais membros no nível executivo mais alto. Até a década de 1950, a empresa familiar brasileira esteve presente em quase todos os segmentos da economia nacional, desde a agricultura, passando pela indústria têxtil, de alimentação e de serviços (GONÇALVES, 2000). De acordo com Bethlem (2000), essa atuação diversificada sobrecarregou os recursos gerenciais e de capital das organizações familiares. Entretanto, o autor afirma que práticas protecionistas, assim como restrições a investimentos e, algumas vezes, também cambiais, tornaram a diversificação local a única maneira possível de crescer. As características de um negócio familiar foram responsáveis pelo seu sucesso relativo nesse processo de industrialização. Sua estrutura informal, por exemplo, facilitava decisões rápidas, o que era uma vantagem numa região sujeita a instabilidades políticas e econômicas. Além disso, essas empresas costumam ter valores fortes compartilhados, frequentemente originados a partir da visão do fundador, e tradições que ajudam a trazer a lealdade dos funcionários (BETHLEM, 2000). Entretanto, com a abertura dos mercados da América Latina para concorrentes multinacionais, o cenário se alterou. Competidores locais, com negócios diversificados, passaram a ter dificuldades de competir com as empresas estrangeiras que entravam no mercado, pois elas traziam mais habilidades gerenciais, maior acesso ao capital e possibilidade de oferecer produtos e serviços melhores e a preços mais baixos. Como 5 consequência, as empresas familiares da América Latina passaram a correr o risco de saírem do mercado ou tornarem-se alvo de aquisições (BETHLEM, 2000). Vale ressaltar, ainda, a dificuldade das empresas familiares conseguirem se autoperpetuar ao longo das gerações. Segundo Bethlem (1999), evidências empíricas sugerem que a primeira geração geralmente constrói a empresa e a segunda a mantém, enquanto a terceira esbanja seus recursos. De acordo com o autor, menos de 15% dos negócios de família sobrevivem após a terceira geração. A Matarazzo contribuiu para as estatísticas ao pedir concordata sob o comando de Maria Pia, da terceira geração. A Votorantim, por sua vez, realizou três processos sucessórios e, após um processo de profissionalização, prepara a quinta geração para atuar no Conselho. 2.2 Gestão de Empresas Diversificadas De acordo com Chandler (1990), os CEOs se tornaram aficionados por diversificações a partir da década de 1960. O número de aquisições e fusões triplicou em um período de quatro anos, chegando a seis mil em 1969. Segundo o autor, entre 1963 e 1972, aproximadamente três quartos dos ativos adquiridos foram para a diversificação de produtos. Entretanto, Porter (1987) propõe que as organizações falharam em desenvolver estratégias corporativas eficazes em tornar os conglomerados em mais do que a simples soma das partes. Chandler (1990) afirma que isso levou à separação entre a gestão de topo das corporações e a gerência média responsável pelas unidades de negócio. Isso ocorreu devido a dois motivos principais. Primeiro, os executivos frequentemente não dispõem do conhecimento específico dos negócios que eles adquirem. Segundo, a diversificação gerou sobrecarregou a tomada de decisão na medida em que os grupos passaram a ter dezenas de negócios para gerenciar. Ghoshal e Mintzberg (1994) afirmam que não existem métodos formais para gerenciar empresas com negócios diversificados. Por isso, destacam a dificuldade de esses grupos desenvolverem uma estrutura adequada. Segundo os autores, é comum enxergar movimentos de pêndulos nos quais as organizações vão da centralização para a descentralização e depois acabam retornando para a condição inicial, sem conseguir encontrar a fórmula correta. Assim, Ghoshal e Mintzberg (1994) afirmam que a estruturação de uma organização diversificada envolve mais do que as tradicionais modelos de divisões (por produtos, regiões, etc) e tipos de controle (financeiro, estratégico, etc). Para eles, 6 uma questão central na gestão de empresas diversificadas está no trade off entre autonomia e sinergia. Para isso, propõem que as organizações devem desenvolver métodos que sustentem o planejamento de sistemas e recursos visando a formalização e geração de controles. Ao mesmo tempo, devem manter a capacidade adaptativa, fomentando a renovação e o aprendizado dos diversos negócios. Para tudo isso funcionar, os negócios devem ser sólidos e a gerência de topo deve fornecer o impulso necessário para a criação dos empreendimentos e continuar fornecendo a energia para sustentar a viabilidade e evitar o colapso das unidades. Além disso, a cultura passa a ser o fator necessário para unir todos os elementos e manter a solidez entre as partes. Organizações diversificadas podem ser formados através de expansões orgânicas e, principalmente como resultados de processos de fusões e aquisições. Segundo Penrose (1980), as aquisições podem ser consideradas o caminho mais curto para o crescimento quando criam novas organizações maiores e que forneçam as condições necessárias parapermitir a continuidade do crescimento. Porter (1987), por sua vez, afirma que a iniciativa de uma organização de se lançar em novos negócios pode ser freada pelas barreiras de entrada de uma indústria, fazendo com que a aquisição passe a ser uma opção para a expansão. Dessa forma, Penrose (1980) afirma que sempre que as aquisições forem visualizadas como uma possibilidade mais rentável para a expansão haverá uma tendência dos gestores seguirem este caminho. Entretanto, processos de aquisição são complexos e exigem um conjunto de condições necessárias para o seu sucesso. De acordo com Ashkenas et al (1998), as aquisições são experiências dolorosas e que geram grande ansiedade nas pessoas, pois envolvem demissões, reestruturação de responsabilidades e mudança de poder. Além disso, de acordo com Penrose (1980), se por um lado as aquisições podem ser a maneira mais rápida e eficiente para uma firma se expandir, também é um caminho pelo qual empreendedores ambiciosos conseguem atingir resultados notáveis e criar um grande império. Nesse sentido, muitas vezes não geram resultados satisfatórios de longo prazo. Os estudos de Porter (1987) indicaram, por exemplo, que trinta e três grandes corporações norte americanas mantiveram menos da metade dos negócios adquiridos entre 1950 e 1986. Segundo o autor, as organizações que foram consideradas bem sucedidas nos processos de aquisição demonstraram que o reconhecimento da inter- relação entre as partes e da manutenção de uma identidade corporativa forte foram fatores tão importantes quanto os resultados financeiros esperados após as operações. 7 2.3 Crescimento e Declínio Organizacional Segundo Fleck (2009), o sucesso da firma está atrelado à sua capacidade de criar e estimular capacitações que garantam a sua existência. Por outro lado, o declínio ocorre quando há o enfraquecimento ou a falta de habilidade de adaptar essas capacitações diante dos desafios do crescimento. Chandler (1977) destaca duas motivações principais para a expansão de uma organização: a defensiva e a produtiva. A primeira é um movimento de segurança, com o objetivo de limitar o potencial de entrada de novos competidores e de perda de participação no mercado. A segunda é mais positiva e visa a utilização mais intensiva e eficiente dos recursos disponíveis, gerando aumento de produção e ganhos de escala e escopo. Penrose (1980) complementa essa visão e propõe que mais do que as oportunidades oferecidas pelo ambiente, os recursos internos de uma organização fornecem o principal impulso para direcionar os esforços para o crescimento. Vale destacar que, segundo a autora, uma organização não consegue atingir uma posição de equilíbrio que não gere incentivos para o crescimento devido a três motivos principais: a indivisibilidade dos recursos, o uso especializado dos recursos e a heterogeneidade dos recursos. Fleck (2003) corroborou as visões de Chandler e Penrose e apresentou o motor do crescimento (figura 2.1) contínuo o qual é constituído de três blocos principais: desequilíbrio – algum tipo de desequilíbrio ocorrendo dentro ou ao redor da firma; expansão – algum tipo de expansão resultante da percepção de oportunidades de crescimento associadas ao desequilíbrio; e mecanismo de reforço – algum tipo de mudança produzido durante o processo de expansão, podendo intensificar o desequilíbrio. Figura 2-1 – Motor do Crescimento Contínuo Fleck (2003) 8 Dessa forma, os recursos são fundamentais tanto por permitir, quanto por direcionar o crescimento saudável das organizações. Entretanto, mesmo empresas que atuam em uma mesma indústria e detém recursos similares poderão não aplica- los da mesma forma. March (1991) destaca a importância de se manter um equilíbrio dinâmico entre o esforço da empresa na exploração de novas competências centrais e o aperfeiçoamento das competências centrais já estabelecidas dentro da empresa. Dessa forma, o autor afirma que a exploração de novas alternativas (exploration) normalmente implica em retornos incertos. Por outro lado, o desenvolvimento das competências existentes (exploitation) normalmente resulta em retornos rápidos que reforçam o desempenho da organização no curto prazo, trazendo ainda menos incerteza em comparação à experimentação de novas iniciativas. Outra questão que envolve o crescimento está relacionada à estrutura organizacional. Chandler (1962) concluiu a partir de seus estudos sobre o crescimento de grandes corporações norte-americanas que na medida em que as empresas crescem, a estrutura organizacional tende a migrar para um modelo multifuncional dividido em departamentos especializados. O autor ainda destaca que o crescimento da firma envolve, inicialmente, a concepção de uma estratégia que, por sua vez, exige a adaptação da estrutura organizacional para uma forma mais adequada para o gerenciamento dos recursos da empresa. Dessa forma, o autor afirma que o crescimento sem os ajustes necessários na estrutura leva somente à ineficiência econômica. A adaptação da estrutura apresentada por Chandler é, portanto, o primeiro grande desafio decorrente do processo de crescimento. Greiner (1998) oferece uma visão complementar à de Chandler e discute que o processo de crescimento das empresas apresenta períodos de evolução e revolução. O primeiro se caracteriza por uma fase tranquila de crescimento, enquanto o segundo envolve crise. Assim, na visão do autor, a adaptação da estrutura não é apenas um processo reativo à estratégia, mas um gatilho que direciona novas estratégias e, por consequência, o processo de crescimento. De forma geral, o crescimento organizacional se tornou uma suposição implícita nos estudos organizacionais, uma vez que empresas grandes passaram a ser vistas como eficientes, além de haver um aspecto cultural relacionado ao “quanto maior, melhor” e pela correlação entre a longevidade e o tamanho das organizações (WHETTEN, 1980). De acordo com Penrose (1980), as grandes firmas detém uma série de vantagens competitivas em relação às pequenas empresas. Entre elas é possível destacar o acesso a montantes maiores de crédito com juros mais baixos, que aumentam o leque de oportunidades para a expansão. 9 Por outro lado, as ideias de autoperpetuação de uma organização também são confrontadas com as teorias que propõem que as empresas naturalmente passam por um processo de declínio, uma vez que grandes organizações se tornam muito complexas, rígidas, ineficientes e impessoais para se administrar (WHETTEN, 1987). Whetten (1980) apontou duas formas de declínio. O primeiro é o declínio pela estagnação relacionado a empresas com gestão ineficiente que sofrem com perda de participação no mercado. O segundo é o declínio pelo encolhimento quando todo o mercado é reduzido. Sull (1999) afirma que o maior problema das organizações quando enfrentam desafios e mudanças no ambiente é a inércia ativa. Segundo o autor, depois de encontrarem as fórmulas do sucesso, os gestores direcionam os seus esforços para melhorar e estender o seu sistema vencedor. Isto faz com que eles parem de analisar outras questões importantes e encontrar alternativas e soluções mais adequadas para os novos desafios organizacionais. Dessa forma, sem as capacitações necessárias para atuar diante de competidores armados com novos produtos e tecnologias, essas empresas veem suas receitas e lucros declinarem. Sull ainda discute que quando as condições do ambiente mudam, as empresas de maior sucesso são geralmente as mais lentas a se adaptar. Por isso, Chandler (1962) propõe que os desafios de uma grande empresa exigem do gestor a capacidade de equilibrar os objetivos de longo prazo com uma operação rotineira eficiente. Segundo o autor, isto leva a uma mudança no papel dos gestores que evolui da execução de atividades operacionaispara o planejamento, coordenação e alocação de recursos. Este delicado desafio torna-se mais complexo de acordo com o porte da organização, uma vez que esta se torna mais suscetível à existência de conflitos políticos por recursos e poder. 2.4 Arquétipos de Sucesso e Fracasso Organizacional Para Fleck (2003), a teoria do crescimento das organizações deveria buscar sistematicamente identificar e se basear nas condições necessárias, porém, insuficientes em detrimento das relações causais. Para a autora, embora tenham menor poder de realizar previsões se comparadas às relações causais, as relações de condições necessárias descrevem e explicam mais adequadamente os complexos processos associados ao crescimento da empresa. A melhor compreensão dos processos de crescimento permite um melhor gerenciamento do mesmo. Assim, o presente tópico apresenta o modelo de arquétipos utilizado como eixo central deste estudo e que busca identificar a propensão das empresas à 10 autoperpetuação ou à autodestruição. Entretanto, destaca-se que a organização não está necessariamente localizada em um polo ou outro e sim em algum ponto entre eles. A tabela 2.1 apresenta um resumo dos cinco desafios que compõem o modelo. Tabela 2-1 - Cinco Desafios do Crescimento Desafio Descrição Autodestruição Autoperpetuação Empreendedorismo Promoção de contínuo empreendedorismo a partir da disposição da empresa de realizar expansões com mecanismos de reforço e criação de valor sem expô-los a riscos desnecessários Baixo Baixos níveis de ambição, versatilidade, imaginação, visão, capacidade de levantar recursos financeiros e realização de expansões nulas ou defensivas Alto Altos níveis de ambição, versatilidade, imaginação, visão, capacidade de levantar recursos financeiros e realização de expansões produtivas ou híbridas Navegação no Ambiente Tratar com múltiplas partes interessadas para assegurar captura de valor e legitimidade Passivo Monitoramento ruim, mau uso de estratégias de navegação Ativo Monitoramento regular, uso correto de estratégias de navegação Gestão da Diversidade Manter integridade da firma diante do aumento de conflitos e rivalidades Fragmentação Fracasso no estabelecimento de relacionamentos de integração e de capacitações em coordenação Integração Estabelecimento bem sucedido de relacionamentos de integração e capacitações em coordenação Gestão de Recursos Humanos Prover a firma com recursos humanos qualificados de forma estável Tardia Ações no momento que existe necessidade ou depois dela Planejado Ações planejadas com antecedência Gestão da Complexidade Gerenciar problemas complexos e solucioná- los diante de aumento de complexidade Ad hoc Baixa capacitação para solução de problemas, utilizando rápida análise e sem aprendizado Sistemático Capacitação para solução de problemas promovendo a busca correta por soluções e aprendizado Fonte: Adaptado de Fleck (2009) 11 2.4.1 Desafio do Empreendedorismo Penrose (1980) afirma que a busca por novas oportunidades de negócios que propiciem o crescimento exigem uma postura empreendedora dos gestores e uma propensão para assumir novos riscos e gerar inovação. Dessa forma, propõe quatro dimensões que compõem os serviços empreendedores: ambição, versatilidade, capacidade para levantar recursos e julgamento. a) Ambição Está relacionada com a recorrente insatisfação com o status quo e, portanto, é a mola propulsora para o crescimento. Penrose (1980) classifica a ambição empreendedora em dois tipos: product-minded e empirebuilder. Os primeiros são empreendedores que orientam o crescimento organizacional através da melhoria da qualidade de seus produtos, mediante redução de custos, desenvolvimento de novas tecnologias, ampliação de mercados através da introdução de novos serviços para os clientes, ou pela introdução de novos produtos nos quais a firma tenha vantagens de produção ou distribuição. Esses empreendedores, portanto, buscam obter lucros através da melhoria e ampliação das atividades da organização. Para Penrose, contudo, existe outro grupo de empreendedores que é motivado por uma visão de formar uma grande e poderosa organização, se preocupando em obter lucros através da ampliação do escopo da organização. O empreendedor neste caso pode manter uma posição dominante em um ou mais mercados, ou, então, ampliar os seus negócios em quaisquer oportunidades que se mostrarem lucrativas. b) Versatilidade De acordo com Penrose (1980), a versatilidade empreendedora está relacionada com a capacidade de imaginação e visão de novas oportunidades que têm o potencial de impulsionar o crescimento da firma. Para isso, não podem ser impraticáveis e nem míopes. A autora ainda completa que um empreendedor que se mantém em sua zona de conforto, pode não ter as condições necessárias para considerar possibilidades mais amplas em relação à sua própria área de atuação. Dessa forma, a versatilidade está diretamente relacionada com a criação de valor. Segundo Lepak et al. (2007), a criação de valor é a diferença entre o valor do uso e o valor monetário de um bem. No nível organizacional, a criação de valor se dá a partir de inovação, com a introdução de novos produtos, serviços, métodos e tecnologias. 12 Penrose (1980) ainda propõe que expansões que envolvem a incursão em novos mercados exigem versatilidade para identificar o timing correto de entrada e uma capacidade de imaginação sobre o comportamento do ambiente. c) Capacidade de Levantar Recursos Segundo Penrose (1980), apesar de as pequenas firmas terem maior dificuldade de conseguir recursos financeiros em relação às grandes, algumas apresentam maior facilidade em levantar o capital necessário para o seu crescimento. Essa capacidade está relacionada a uma habilidade empreendedora específica capaz de gerar confiança e garantir os recursos para manter o nível de investimento exigido para o estabelecimento e crescimento da organização. d) Julgamento Penrose (1980) destaca que ao contrário das capacidades citadas anteriormente, o julgamento está apenas em parte relacionado às características do indivíduo. Para a autora, o problema do julgamento empreendedor envolve mais do que uma capacidade de imaginação, bom senso, autoconfiança e outras qualidades pessoais. Está, na verdade, intimamente relacionado com a coleta e a consulta de informações para avaliação dos riscos e das incertezas do ambiente, em face da expectativa de crescimento da organização, buscando evitar a superexposição ao risco. 2.4.2 Desafio da Navegação no Ambiente A navegação em um ambiente dinâmico está relacionada à capacidade de lidar, com sucesso, com os diversos stakeholders de uma organização com o objetivo de se garantir a captura de valor e a legitimidade organizacional. Dessa forma, enquanto o empreendedorismo está relacionado com a criação de valor, a navegação no ambiente, busca a captura de valor (FLECK, 2009). Para Lepak et al. (2007), a criação de valor não garante necessariamente a captura de valor. Isto ocorre, principalmente, devido à força dos competidores. Sendo assim, os autores afirmam que é possível apontar dois conceitos chave através dos quais se busca determinar qual parte consegue capturar o valor que é criado: competição e mecanismos de isolamento. A competição demonstra como o valor criado pode ser compartilhado com outros participantes do mercado, não ficando limitado com aquele que o crie. Já os mecanismos de isolamento, atuam como forma de limitar a perda deste potencial valor. Isso pode ocorrer através de qualquer barreira 13 intelectual, física ou legal que restrinja a capacidade dos competidores de replicar o valor criado. Ascondições de captura de valor podem, portanto, variar entre as indústrias. Chandler (1990), por exemplo, apresenta a lógica do first mover em indústrias intensivas em capital nas quais as pioneiras em investir em produção e distribuição, conseguindo obter economias de escopo e escala, se tornam as empresas líderes em seus setores. Segundo Barney (1986), as empresas que buscam altos retornos dos seus investimentos estratégicos devem se esforçar para criar ou modificar as características estruturais da indústria para favorecer os seus altos retornos. Nesse sentido, Porter (1979) aponta para a importância em se pensar na estratégia da empresa considerando o ambiente competitivo de toda a indústria, que englobam fornecedores, compradores, concorrentes diretos, produtos substitutos e novos entrantes da indústria, o qual pode ser caracterizado como o ambiente organizacional. Barney (1991) propõe que as firmas devem desenvolver vantagens competitivas sustentáveis desenvolvendo e implementando estratégias que exploram as suas forças através das oportunidades do ambiente, enquanto neutralizam as ameaças externas e minimizam as suas fraquezas. O autor destaca que para uma vantagem competitiva ser sustentável, os recursos utilizados pela empresa devem ser valiosos, raros, insubstituíveis e impossíveis de serem imitados perfeitamente. Vale destacar que a empresa não sofre pressões apenas dos atuantes diretos do mercado em que atuam, mas de todo o ambiente institucional que engloba questões políticas e sociais. Dessa maneira, para manter a legitimidade no ambiente, as organizações não devem se manter passivas às circunstâncias a que são submetidas. Pelo contrário, a empresa deve buscar responder às pressões externas de forma participativa, concebendo estratégias que tragam maior equilíbrio com os interesses da empresa (OLIVER, 1991). 2.4.3 Desafio da Gestão da Diversidade A heterogeneidade entre as diferentes partes de uma organização fomentam a formação de rivalidade e conflitos, ameaçando a integridade organizacional. Dessa forma, a gestão da diversidade envolve a sustentação da integridade organizacional em face do crescimento da diversidade de negócios, produtos, pessoas e tecnologias. Vale destacar que o uso de mecanismos de coordenação não extingue a heterogeneidade da organização. Pelo contrário, propicia a manipulação construtiva desses elementos estimulando a integridade organizacional (FLECK, 2009). 14 Selznick (1957) alerta que a rivalidade organizacional pode ser um dos principais desafios enfrentados por uma empresa. Na visão do autor a disputa de egos pode ir de encontro aos objetivos do grupo e trazer uma poderosa força que compromete a integridade do grupo. Mintzberg (1985) descreve essas arenas políticas e afirmar que podem repercutir em conflitos duradouros ou passageiros que, de acordo com a sua intensidade, têm o potencial de reforçar o processo de declínio organizacional, uma vez que a união dos esforços em busca de um propósito único torna-se praticamente impossível de se atingir. Por outro lado, Mintzberg destaca que essas forças opostas são naturais e, também, importantes para as organizações. Portanto, os gestores não tem opção senão abrigar as forças divergentes utilizá-las com o intuito de transformá-las em funcionais no cumprimento dos objetivos. O líder, portanto, tem um papel fundamental na proteção da integridade organizacional. Selznick (1957) afirma a liderança deve ter a capacidade de realizar a infusão de valores, objetivos e práticas na organização para que se tornem institucionalizados e tragam um caráter para a organização. Esses compromissos não podem ser feitos verbalmente, nem conscientemente. Eles são construídos dentro da estrutura social da organização. O autor ainda preconiza que a institucionalização de uma empresa é um processo formado pela sua história, as pessoas que fazem de sua estrutura e o modo no qual ela se adapta ao ambiente. Conforme já discutido anteriormente, as empresas diversificadas enfrentam uma forte tendência de fragmentação devido à diversidade dos negócios, pessoas e tecnologias. Portanto, o desafio para a coordenação e integração se fazem ainda mais presentes na gestão dessas organizações. 2.4.4 Desafio da Gestão de Recursos Humanos Para Penrose (1980), a principal restrição ao crescimento da empresa está relacionada à limitação do seu corpo gerencial. A autora aponta que a expansão no quadro de gestores através do recrutamento de pessoas externas não soluciona a carência de serviços gerenciais necessários ao crescimento. Isso ocorre porque esses serviços também decorrem da experiência construída ao longo do tempo pela equipe. Dessa forma, a formação, retenção e renovação de recursos humanos são condições necessárias para o crescimento contínuo das empresas. Se uma organização expande mais rapidamente do que a capacidade dos indivíduos de obter conhecimento e a experiência necessária para uma operação eficiente, o crescimento não será completo, podendo resultar, ainda, em estagnação (PENROSE, 1980). 15 Esse desafio, portanto, lida com a capacidade de antecipar necessidades e equipar a organização com recursos humanos qualificados de forma consistente. A dificuldade em prover a firma de profissionais capacitados no tempo adequado pode não só impedir o crescimento como também enfraquecer a integridade organizacional, como nos casos de recrutamento em massa de serviços gerenciais (FLECK, 2009). 2.4.5 Desafio da Gestão da Complexidade Segundo Fleck (2009), quanto maior uma organização, mais complexa ela tende a se tornar. Sendo assim, de acordo com a autora, o desafio da gestão da complexidade lida com o gerenciamento de questões complexas e a resolução de problemas que envolvem uma grande quantidade de variáveis com o intuito de evitar que a existência da organização seja colocada em risco em decorrência de avaliações insatisfatórias da situação. A solução de problemas complexos requer processos sistemáticos de coleta de dados, análise, tomada de decisão e implementação. Esse desafio, portanto, afeta a qualidade das respostas dos demais desafios. Segundo a autora, é possível classificar as respostas organizacionais a esse desafio como sistemáticas ou ad hoc. Lidar com problemas de forma sistemática envolve a busca contínua por soluções e o aprendizado organizacional. Soluções ad hoc, por sua vez, favorecem buscas rápidas por soluções, gerando práticas de “apagar incêndio” e inibindo o aprendizado. 2.4.6 Desafio da Folga Organizacional De acordo com Penrose (1980), a expansão exige que a empresa tenha recursos suficientes para cobrir os serviços distintos que irão surgir com o movimento de crescimento. Assim, para não fracassar, a organização deve garantir que os recursos sejam suficientes para sustentar o nível de investimento necessário para sobrepor as inovações e expansões dos concorrentes. Fleck (2009) propõe que a capacidade de auto renovação da organização é originada da folga da folga de recursos, isto é, de recursos gerados pelo processo de expansão. Essa folga pode ser gerada a partir de todos os tipos de recursos que excedam a necessidade operacional da organização em determinado nível de desempenho. Esses recursos incluem, portanto: pessoas, equipamentos, capital, reputação, etc. Segundo a autora, enquanto a expansão gerar folga, o crescimento continua a estimular mais crescimento, fomentando a expansão relacionada que aumenta a eficiência operacional. 16 Dessa maneira, a folga gera não só o impulso necessário para os movimentos de expansão, como também atua como um pulmão de recursos, oferecendo segurança para a empresa diante da imprevisibilidade do ambiente. 2.4.7 Interação Entre os Desafios Esses desafios estão interconectados entre si e operam como engrenagens,movimentando a empresa no sentido da autoperpetuação ou da autodestruição. A figura 2-2 apresenta essas inter-relações na forma de condições necessárias à condução da empresa ao sucesso de longo prazo. As respostas aos desafios do empreendedorismo e da navegação determinarão a capacidade da empresa de crescer e se renovar. Os desafios da diversidade e da gestão de recursos humanos estão relacionados com a manutenção da integridade organizacional. A folga de recursos contribui para o crescimento, como também para a integridade através dos mecanismos de integração e coordenação. O desafio da complexidade, por sua vez, influencia os demais. 17 Figura 2-2 - Modelo dos Requisitos para o Desenvolvimento de Propensão à Autoperpetuação 18 3 MÉTODO DE PESQUISA Segundo Fleck (2013), o processo de pesquisa é formado por quatro pilares: pergunta de pesquisa, referencial teórico, objeto de pesquisa e método. Assim, o primeiro passo para a elaboração deste trabalho foi a escolha do objeto a ser pesquisado. Em seguida, definiu-se a pergunta da pesquisa que levou ao arcabouço teórico e ao método utilizado para o desenvolvimento do estudo. Os tópicos a seguir apresentam o processo metodológico utilizado no trabalho. 3.1 Definição do Tema e dos Objetos de Estudo A motivação pelo tema foi despertada durante o Mestrado, especificamente na disciplina de Crescimento e Estratégia da Firma, quando o autor foi apresentado às teorias de crescimento e declínio das organizações, além de estudos de caso relacionados ao tema. Durante o curso, foi despertada no pesquisador uma curiosidade sobre o porquê algumas empresas declinam e morrem, enquanto que outras conseguem crescer e se manter perenes. Ao longo dos últimos anos, o Coppead vem concebendo a realização de diversos estudos sobre empresas brasileiras com o intuito de compreender esta questão. Assim, foram feitas pesquisas sobre empresas longevas como Gerdau, Klabin, Lojas Americanas, WEG, Souza Cruz, Marcopolo, Embraer, entre outras. Dissertações foram desenvolvidas, ainda, incluindo empresas que fracassaram. Entre elas, pode-se destacar a Mesbla, a Varig e a Engesa. Dessa forma, o interesse do pesquisador foi em contribuir para esse campo de pesquisa e estudar duas empresas longevas que exibissem certas similaridades, mas que tivessem apresentados destinos diferentes. Portanto, buscou-se escolher uma empresa que tenha declinado e fracassado e outra ainda ativa, para que fosse possível compreender como as respostas de cada uma das organizações, dentro de um contexto semelhante, podem ter contribuído para esses caminhos distintos. Sendo assim, foi realizada uma pesquisa prévia para elencar potenciais objetos de estudo. De acordo com Bethlem (1999), há uma grande carência sobre dados econômicos e empresariais no Brasil, o que gera dificuldade no desenvolvimento de estudos de qualidade. Por isso, havia uma preocupação de encontrar indústrias e empresas que poderiam oferecer informações em quantidade e qualidade o suficiente para o desenvolvimento da pesquisa. Inicialmente, o setor têxtil foi identificado como uma possibilidade de estudo por reunir algumas das empresas brasileiras mais longevas: Cedro e Cachoeira (1872), 19 Hering (1880), Karsten (1882) e Santanense (1891). Ao aprofundar o estudo sobre essa indústria, no entanto, surgiram informações sobre os grupos Matarazzo e Votorantim, que estiveram entre os principais produtores têxteis no início do século XX e, nas décadas seguintes, se diversificaram e se transformaram em dois dos maiores grupos industriais do Brasil. Apesar da longevidade e importância desses dois grupos, uma pesquisa inicial mostrou que ainda assim se tratavam de empresas pouco estudadas de forma longitudinal. Isso contribuiu para que o pesquisador considerasse a escolha preliminar dessas organizações como objetos de estudo. Nesse caso, o trabalho poderia trazer também uma nova contribuição à linha de pesquisa proposta por Fleck (2009) ao apresentar uma análise de empresas diversificadas brasileiras. Para que fosse possível prosseguir o estudo era importante responder duas questões. Primeiro, buscou-se verificar se eram empresas de certa forma comparáveis. Em segundo, por serem empresas familiares e de capital fechado, havia um receio quanto à disponibilidade de informações, principalmente em relação à Matarazzo, pois havia se completado trinta anos desde o pedido de concordata do grupo. Apesar disso, foi possível encontrar livros e reportagens sobre ambas as organizações. Verificou-se, ainda, que apesar de ser uma empresa de capital fechado, a Votorantim vinha divulgando os seus relatórios anuais há algumas décadas. Por isso, julgou-se que seria plausível coletar e organizar informações que permitissem uma análise robusta. Além disso, foi possível constatar que diferentemente do que se imaginava, as organizações foram de certa maneira contemporâneas. Apesar de a data de fundação da Votorantim ser oficialmente em 1918, constatou-se que antes disso já havia unidades industriais importantes na composição do grupo, além do desenvolvimento de traços organizacionais que tiveram um papel crucial na trajetória de crescimento da organização. A tabela 3-1 apresenta o ano de acontecimentos decisivos na história dos grupos. Assim, é possível verificar que a formação e o desenvolvimento das organizações Matarazzo e Votorantim ocorreram em períodos muito próximos e que, dessa maneira, ambas vivenciaram momentos históricos do país, como o processo de industrialização nacional. Portanto, julgou-se que seria pertinente compreender como as duas organizações responderam aos desafios do crescimento. 20 Tabela 3-1 - Comparativo Cronológico Entre Matarazzo e Votorantim Marco Matarazzo Votorantim Dif. (anos) Nascimento do fundador 1854 1874 20 Chegada ao Brasil 1881 1884 3 Abertura do primeiro negócio 1882 1892 10 Migração para a indústria 1900 1 1905 3 5 Formalização do grupo principal 1911 2 1918 4 7 1 Fundação da Moinho Matarazzo 2 Fundação das Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo 3 Fundação da Fábrica de Óleos Santa Helena 4 Aquisição da fábrica têxtil Votorantim A partir da escolha dos objetos de estudo, estabeleceu-se para a pesquisa a seguinte questão: Como dois dos principais grupos industriais brasileiros responderam aos desafios do crescimento? Para responder a essa pergunta, utilizou o arcabouço teórico de Fleck (2009), já discutido anteriormente. 3.2 Estratégia de Pesquisa A presente pesquisa compreende o estudo de caso de duas organizações industriais brasileiras. De acordo com Yin (2001), a investigação de estudo de caso baseia-se em várias fontes de evidências, beneficiando-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para conduzir a coleta e a análise de dados. Segundo o autor, o método é apropriado para casos onde a questão da pesquisa é do tipo “como e porque”. Vale destacar que a utilização de mais casos acrescenta robustez ao estudo. Para isso, utilizou-se uma abordagem qualitativa na qual o pesquisador deve fazer observações e, sempre que possível, coletar evidências sobre os objetos de estudo (MARTINS, 2010). A abordagem longitudinal de análise deu-se a partir da decomposição histórica das organizações em eventos cronológicos. Assim, foram levantados e analisados eventos referentes aos diversos negócios de cada uma das corporações, desde os primeiros movimentos profissionais dos empreendedores até os dias atuais. Ao mesmo tempo, foi necessário levantar as informações do ambiente relevante, referente ao mesmo período, para que fosse possível contextualizar os movimentos de cada organização de acordo com as condições externas. 21 3.3 Coleta de Dados A busca de dados secundários foi iniciada através de sebos,onde se esperava encontrar livros e revistas sobre as empresas e a industrialização brasileira a preços acessíveis. Primeiramente, foi utilizado o sistema de buscas integrado Estante Virtual (http://www.estantevirtual.com.br) que oferece acesso a um grande acervo de títulos em estabelecimentos por todo o país. A partir dessa busca, identificou-se uma grande concentração de sebos na região da Praça da Sé em São Paulo. Dessa forma, foi realizada uma visita ao local onde foram encontrados novos títulos que poderiam contribuir com a pesquisa. Assim, foram adquiridos os seguintes livros que serviram como base para o levantamento de dados e organização das informações sobre as empresas e o ambiente: a) A Industrialização de São Paulo de Warren Dean; b) A Industrialização e o Desenvolvimento Econômico do Brasil de Werner Baer; c) A Economia Brasileira de Werner Baer; d) Matarazzo: Travessia e Colosso Brasileiro de Ronaldo Costa Couto; e) Matarazzo: 100 anos, livro comemorativo da empresa; f) Conde Matarazzo: O Empresário e a Empresa de José de Souza Martins; g) José Ermírio de Moraes: O Homem, a Obra de João de Scantimburgo; h) Votorantim 90 Anos: Uma História de Trabalho e Superação de Jorge Caldeira; Paralelamente a esta atividade, realizou-se buscas em bancos de dados acadêmicos. Foram identificadas três dissertações, artigos, além de uma tese de doutorado que complementaram as informações anteriores. Durante a pesquisa preliminar, verificou-se também que a Votorantim mantém um Centro de Memória no bairro de Jaguaré, em São Paulo. Assim, em outubro de 2013 foi realizada uma visita ao local, onde foram levantados relatórios anuais, vídeos e outros documentos sobre a empresa. Mais uma visita seria realizada em janeiro de 2014 para que todo o material considerado pertinente pudesse ser coletado. Outra importante fonte de informação foi o Acervo Digital mantido pelo jornal O Estado de São Paulo (http://acervo.estadao.com.br), reunindo edições digitalizadas desde 1880. Foi realizada uma grande varredura por todo o período para as duas empresas. A pesquisa do termo Matarazzo no acervo do Estadão gerou cerca de 45 mil registros, muitos deles relacionados a pessoas que não remetiam às atividades do grupo. Apesar do número alto, decidiu-se prosseguir com esse termo, pois aumentaria as chances de encontrar informações sobre qualquer empresa do grupo ou sobre os Condes Francesco e Chiquinho. No acervo, foram encontrados relatórios anuais da 22 Matarazzo entre 1942 e 1983 que permitiram o desenvolvimento da curva de crescimento do grupo para este período. Além disso, foram identificadas reportagens sobre o grupo, embora grande parte do material, principalmente do começo do século XX, fosse referente a propaganda. O termo Votorantim gerou bem menos registros, cerca de doze mil. Alguns deles, no entanto, remetiam à cidade paulista homônima. Foram encontradas reportagens sobre a organização, entrevistas com os líderes do grupo, além de alguns relatórios anuais que complementaram aqueles já coletados no Centro de Memória. Assim, foi possível traçar a curva de crescimento entre 1952 e 2013. Finalmente, buscou-se realizar entrevistas com funcionários e ex-funcionários das organizações com o intuito de coletar informações não encontradas nas fontes secundárias, além de esclarecer e detalhar questões críticas identificadas ao longo da pesquisa. O critério para a escolha dos entrevistados foi a disponibilidade, uma vez que esperava-se uma dificuldade em conseguir contatos principalmente da Matarazzo, já que as principais empresas do grupo decretaram falência ainda na década de 1980. No caso desta empresa, foram feitas pesquisas na internet, principalmente através das mídias sociais para a identificação de antigos trabalhadores. Foram realizados diversos contatos, mas houve apenas um retorno que acabou gerando a única entrevista sobre a empresa. Essa dificuldade foi percebida não só na busca por possível entrevistados, mas pelo possível receio das pessoas contatadas em falar sobre o assunto. Uma reportagem do Estadão na ocasião do lançamento da biografia do Conde Francesco Matarazzo, escrita por Ronaldo Costa Couto, já destacava a dificuldade em obter informações sobre o grupo Matarazzo: “Fides Honor Labor [...] Na antiga e última sede das Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo na Rua Joli, no Brás, uma placa de madeira envelhecida exibe o slogan em latim conhecido no passado e hoje ignorado dos paulistanos. Mas não perca seu tempo por lá: tudo o que ouvirá é um sonoro não dos funcionários que cuidam dos negócios da família e não permitam que o turista incauto conheça o interior do prédio dos famosos tijolos aparentes. [...] Não espere por informações sobre os Matarazzo. A metrópole, moderna e que só pensa no futuro, não tem tempo para relembrar o passado” (O ESTADÃO, 2004). O único depoente da pesquisa permaneceu por trinta e um anos no grupo e atuou diretamente com os membros da alta diretoria, tendo contribuído com informações valiosas para a pesquisa. Cabe uma ressalva, no entanto, ao fato de ter se passado quarenta anos entre sua saída da IRFM e a realização da entrevista. Esse considerável período acarreta em uma limitação à quantidade e qualidade das informações. Um fator atenuante em relação a isso se encontra no fato de o 23 entrevistado ter se utilizado de um acervo próprio de anotações e documentos da época em que trabalhou na IRFM, o que contribuiu para as suas lembranças e relatos. Portanto, a carência de fontes primárias trouxe uma limitação para o estudo da Matarazzo. Apesar disso, julgou-se que o amplo material secundário acessado, permitiu a obtenção de dados em quantidade e qualidade satisfatórias para o trabalho. As entrevistas da Votorantim foram conseguidas através de contatos pessoais que indicaram potenciais depoentes para a dissertação. Realizaram-se doze entrevistas que abrangeram os principais negócios do grupo. Como os entrevistados estavam alocados na região de São Paulo e Curitiba, parte das entrevistas foi feita através de Skype. Ressalta-se também que onze dos entrevistados eram funcionários da Votorantim no momento da entrevista. Foi constatada ao longo dos depoimentos uma grande satisfação e orgulho dos depoentes em trabalhar no grupo. Dessa forma, é possível que isso tenha gerado um filtro sobre o que foi relatado e como as informações foram transmitidas durante as entrevistas. Embora isso acarrete em uma limitação da pesquisa sobre a Votorantim, os relatos foram confrontados entre si e com outras informações secundárias para que se obtivesse uma visão dos fatos em si e não dos pontos de vista dos entrevistados. As entrevistas não seguiram um roteiro rígido, embora houvesse uma preparação prévia para cada contato com o intuito de se identificar questões chave que, de acordo com o perfil do entrevistado, poderiam ser abordadas. No início de cada entrevista, o autor fazia uma breve explanação sobre a pesquisa e depois se solicitava que o depoente relatasse sua trajetória no grupo, os cargos que percorreu e principais experiências. A partir daí, os pontos que se mostrassem interessantes e pertinentes ao estudo poderiam ser explorados com maiores detalhes. Ao final de cada contato, era solicitado que o entrevistado destacasse um ponto extremamente positivo que destacasse a sua empresa das demais e outro que, em sua opinião, poderia ter sido feito de maneira diferente. Todas as entrevistas foram transcritas na íntegra pelo autor, sendo que trechos identificados como importantes eram separados para posterior análise, conforme será descrito adiante. A tabela 3-2 apresenta a relação dos entrevistados. Para garantir a confidencialidade dos depoentes, não foram listados nomes e nem cargos. Além das entrevistas, foram utilizados relatos de funcionários e ex-funcionáriosdo grupo Votorantim que estão disponíveis na página na internet do Centro de Memória da empresa, na seção “Estórias que fazem histórias”. Essas entrevistas estão transcritas integralmente e forneceram informações valiosas para este estudo. A tabela 3-3 apresenta a relação das estórias que foram utilizadas no trabalho. 24 Tabela 3-2 – Relação dos Entrevistados # Empresa Período Área de Atuação Data Duração Meio 1 Matarazzo 1943-1974 Alta Gerência 21/01/14 02:43:34 Pessoalmente 2 Votorantim Siderurgia 2006-2014 Suprimentos 22/01/14 00:51:56 Pessoalmente 3 Votorantim Siderurgia 2007-2014 Engenharia de Manutenção 08/03/14 00:36:06 Pessoalmente 4 Votorantim Cimentos 1977-2014 Expansão 10/03/14 00:57:20 Skype 5 Votorantim Cimentos 2003-2014 Engenharia de Produção 10/03/14 00:22:58 Skype 6 Votorantim Cimentos 1979-2014 Pesquisa e Desenvolvimento 11/03/14 00:54:00 Pessoalmente 7 Votorantim Metais (CBA) 1982-1990 Engenharia de Manutenção 12/03/14 01:03:31 Skype 8 Votorantim Cimentos 1993-2014 Engenharia de Mineração 15/03/14 01:07:17 Skype 9 Votorantim Metais (CBA) 2012-2014 Inteligência de Mercado 01/04/14 00:30:00 Skype 10 Votorantim Cimentos 1973-2014 Alta Gerência 02/04/14 00:53:00 Skype 11 Votorantim – Fibria 2003-2014 Controladoria 07/04/14 00:46:01 Pessoalmente 12 Votorantim – Fibria 2000-2014 Governança e Risco 08/04/14 00:42:30 Pessoalmente 13 Votorantim Cimentos 2010-2014 Riscos Estratégicos 08/04/14 00:51:42 Pessoalmente Tabela 3-3 – Relação dos relatos obtidos no Centro de Memória Votorantim Nome Principal Ocupação Entrada no Grupo Data da entrevista Anker Hoffman Chefe do Dep. de Eletricidade 1945 2004 Carlos Conforte Analista Financeiro – Vpar 1981 2003 David Canassa Gerente de Sustentabilidade 1992 2005 Henrique Silveira Diretor Grupo Votorantim Nordeste 1962 2003 João Bosco Silva Presidente Votorantim Metais 2002 2007 Nelson Teixeira Diretor da CBA 1942 2003 Nildo Benedetti Diretor Técnico 1967 2003 Sérgio Picazio Assessor de diretoria 1955 2003 Valdemar Martinez Assessor de diretoria 1957 2003 Walter Schalka Presidente Votorantim Cimentos 2005 2006 25 3.4 Processamento e Análise dos Dados Os dados coletados que eram considerados relevantes foram compilados em uma planilha Excel a qual se denominou Tabela de Fatos e Dados, cujo modelo é apresentado no Anexo 1. Foram lançadas ao todo 1.341 linhas referentes aos principais fatos e eventos sobre as organizações e o ambiente, sendo 630 relacionados à Votorantim e 521 sobre a Matarazzo. Para organizar as informações de forma que elas fizessem sentido e auxiliassem o entendimento longitudinal dos objetos de estudo foram utilizadas as seguintes estratégias propostas por Langley (1999): a) Narrativa: As informações coletadas foram compiladas com o intuito de gerar uma história detalhada sobre o objeto de estudo que neste caso incluíam não só as organizações, como também, o ambiente em que estavam inseridas. Dessa forma, seria possível obter uma compreensão longitudinal e evitar que ocorresse um reducionismo durante a análise. Como se tratam de organizações diversificadas que atuam em diversos setores e em grande parte do país optou-se por descrever o desenvolvimento econômico e industrial do Brasil como o ambiente relevante. A narrativa do ambiente constitui-se como uma etapa fundamental do trabalho, pois gera uma contextualização histórica, permitindo compreender como as forças do ambiente afetaram o desempenho das organizações e como estas reagiram a essas pressões. b) Mapeamento visual das ideias: A manipulação de palavras e números em formas gráficas permite oferecer uma grande quantidade de informações em um espaço relativamente pequeno, auxiliando na compreensão do todo. Sendo assim, como a pesquisa envolvia dois grandes grupos industriais com muitos anos de atuação, foram elaborados mapas com o propósito de ilustrar os movimentos mais relevantes dos principais negócios das empresas. Os mapas visuais da Matarazzo e da Votorantim são apresentados no Anexo 2 e no Anexo 3, respectivamente. Além disso, buscou-se um parâmetro para avaliar a trajetória de crescimento das organizações. Para isso, foram utilizados os indicadores propostos por Fleck (2009) e apresentados a seguir, que indicam o tamanho e o desempenho de cada empresa em relação à economia relevante. Como se tratam de empresas diversificadas com atuação principalmente em território nacional, utilizou-se o Produto Interno Bruto brasileiro como base. Os valores do PIB utilizados para o cálculo são apresentados no Anexo 7. 26 Cabe destacar que o cálculo desses indicadores ficou restrito aos anos em que foi possível ter acesso aos balanços financeiros de cada organização. 𝑇𝑎𝑚𝑎𝑛ℎ𝑜 𝑎𝑛𝑜 𝑖 = 𝑅𝑒𝑐𝑒𝑖𝑡𝑎 𝐵𝑟𝑢𝑡𝑎 𝑎𝑛𝑜 𝑖 𝑃𝐼𝐵 𝐵𝑟𝑎𝑠𝑖𝑙 𝑎𝑛𝑜 𝑖 x 100 𝐷𝑒𝑠𝑒𝑚𝑝𝑒𝑛ℎ𝑜 𝑎𝑛𝑜 𝑖 = 𝐿𝑢𝑐𝑟𝑜 𝐿í𝑞𝑢𝑖𝑑𝑜 𝑎𝑛𝑜 𝑖 𝑃𝐼𝐵 𝐵𝑟𝑎𝑠𝑖𝑙 𝑎𝑛𝑜 𝑖 x 100 Com o material coletado e organizado partiu-se, então, para a análise das informações. Para isso adicionou-se novas colunas à Tabela de Fatos e Dados de acordo com o Referencial Teórico de Fleck (2009), seguindo as dimensões apresentadas na tabela 3-4. Tabela 3-4– Dimensões Utilizadas para a Análise Desafio Dimensão Empreendedorismo Ambição Versatilidade Recursos Financeiros Julgamento Navegação no Ambiente Legitimidade Captura de Valor Gestão da Diversidade Coordenação e Integração Compartilhamento de Recursos Diversificação Gestão de Recursos Humanos Antecipação da necessidade Formação Retenção Gestão da Complexidade Gestão da Complexidade Gestão da Folga Recursos Produtivos Recursos Humanos Recursos Financeiros Durante a análise, cada um dos fatos e eventos identificados foi reavaliado com o objetivo de descartar linhas que poderiam estar repetidas ou, então, que não eram relevantes para a análise. Os fatos que passavam por esse filtro eram classificados de acordo com o indicativo de propensão a uma resposta saudável ou não saudável. 27 Como não era possível graduar ou quantificar cada um desses fatos, utilizou-se uma classificação binária, indicando uma resposta positiva ou, então, negativa. Para isso, foram utilizados os sinais “+” e “-”. No processo de análise, realizou-se uma checagem dupla. Inicialmente, cada linha era lida de forma individual e classificada de acordo com cada uma das dimensões. O segundo passo consistia em isolar cada um dos dezesseis fatores de análise e verificar cada linha para classificar se aquele fato estava relacionado àquela dimensão ou não. Vale destacar que cada um poderia ser categorizado em mais de uma dimensão de análise. Após esse processo de categorização, cada dimensão era avaliada isoladamente com o objetivo de se identificar tendências de respostas da empresa que poderiam indicar se em cada uma delas havia uma propensão saudável, não saudável ou neutra para o sucesso de longo prazo da organização. 28 4 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E INDUSTRIAL DO BRASIL O período que compreende o final do século XIX e o início do século XX foi marcado por mudanças políticas, sociais e econômicas que mudaram a história do Brasil e, principalmente, de São Paulo. No Estado, a população, impulsionada pela leva de imigrantes (foram cerca de 3,3 milhões em todo o Brasil entre 1870 a 1920), subiu de 837 mil pessoas em 1872 para quase quatro milhões no início da Primeira Guerra Mundial. A capital, que era uma pequena vila de apenas 23 mil habitantes em 1872, atingiu 580 mil moradores em 1920. Indústrias se formaram e os paulistas tomaram do Rio de Janeiro o posto de principal centro econômico do país. Essa evoluçãoestá diretamente relacionada ao crescente mercado do café (DEAN, 1971, p. 9; REISS, 1980, p. 23) Décadas após os primeiros cultivos realizados no Rio de Janeiro ainda no início do século XIX, os plantadores de café migraram para o lado paulista do Vale do Paraíba, até que essa penetração alcançou o oeste do Estado de São Paulo, onde seriam encontrados os solos mais adequados para os cafeeiros. Nos anos que se seguiram, o mercado de café se expandiu mais depressa e a região experimentou um desenvolvimento eufórico. Cabe citar que certas circunstâncias ajudaram a acelerar este crescimento. Primeiro, a praga que devastou os cafezais do Ceilão (atual Sri Lanka), o então maior rival de São Paulo no mercado internacional. Segundo, a abolição da escravatura (1888), que abriu caminho para uma mão de obra mais eficiente, incentivou a imigração europeia para a região e difundiu o uso do dinheiro pela massa da população. Terceiro, a Proclamação da República (1889) – a relação dos Presidentes da República é apresentada no Anexo 8 -, que gerou uma estrutura econômica e política mais descentralizada, possibilitando aos Estados estimular o comércio e reter os lucros dele gerados (DEAN, 1971, p. 9). Nessa nova divisão, à União caberiam os impostos da importação e os Estados recolheriam as taxações sobre a exportação (MARTINS, 1976, p. 71). O plantio paulista aumentou substancialmente nos últimos anos do século XIX, passando de 16% em 1881 para 40% da produção nacional na virada do século (COUTO1, 2004, p. 134). A tabela 4-1 apresenta a evolução da produção nacional do café em arrobas, no qual é possível verificar essa evolução. 29 Tabela 4-1 - Crescimento da Produção de Café e da População nas Zonas Cafeeiras Ano Produção de Café (em arrobas) População 1836 590.066 231.517 1854 3.534.2556 321.918 1886 10.374.350 1.036.639 1920 22.098.861 3.652.774 Fonte: Martins, 1976, p.77 Uma característica importante das fazendas de café também colaborou para criar esse ciclo de desenvolvimento. Como é menos autossuficiente que a fazenda canavieira, que também teve um ciclo econômico muito relevante para o país, ela exige a aquisição de bens e serviços, transferindo rendimentos para outros setores e induzindo o desenvolvimento econômico (COUTO1, 2004, p. 131). Nesse contexto, surgiu um grupo de novos consumidores que estimularam a atividade dos produtores e dos comerciantes, incentivando o consumo de bens e novos investimentos. Portanto, o comércio se fortaleceu e impulsionou o fluxo de importações, criando a oportunidade para o surgimento das primeiras fábricas. Vale destacar que o comércio do café custeou, também, o desenvolvimento de uma infraestrutura que mais tarde seria necessária para a evolução da indústria paulista. A partir dos dividendos das plantações, os próprios plantadores construíram as primeiras estradas de ferro. De acordo com Bardese (2011), a ferrovia teve um papel importante na orientação e organização dos conjuntos industriais, atraindo a ocupação dos terrenos aos seus arredores e contribuindo para o povoamento e valorização dessas regiões. Além disso, empresas europeias e norte americanas, atraídas pelo lucro das plantações, instalaram usinas elétricas nas cidades de São Paulo e Sorocaba. Ainda, o movimento das plantações induziu a vinda de técnicos e contramestres europeus que atuaram na superintendência das plantações e na construção das estradas de ferro, sendo mais tarde, absorvidos pelas fábricas (DEAN, 1971, p. 14). Somente nos últimos vinte anos do século XIX, mais de novecentos mil imigrantes entraram em São Paulo, conforme é apresentado no gráfico 4-1. 30 Gráfico 4-1 - Movimento Migratório no Estado de São Paulo (1871 – 1900) Fonte: Martins, 1976, p. 76 Além disso, iniciativas econômicas do primeiro governo da República fomentaram a criação de novos negócios. O ministro Rui Barbosa, com o intuito de aumentar a circulação de capital e estimular a economia do país, lançou mão da política de concessão de crédito que ficou conhecida como Encilhamento. Couto (20041, p. 216) afirma que essa política fomentou a circulação de capital e contribuiu para o desenvolvimento da indústria, embora também tenha gerado muita especulação financeira e índices de inflação elevados (COUTO1, 2004, p.216). Por outro lado, Reiss (1980, p.55) propõe que grande parte das empresas formalmente constituídas durante o período de encilhamento não eram de novos negócios, e sim de negócios já existentes que se reorganizaram para se lançarem no mercado de ações e vender os seus negócios a um preço alto. Dean (1971, p. 92 e 93) também destaca o papel dos impostos na criação de um ambiente favorável ao desenvolvimento industrial paulista. Para o historiador, os tributos aduaneiros, que representaram 70% da arrecadação do governo federal entre 1900 e 1920, ajudaram a criar uma base protecionista para as fábricas nacionais, pois a alta carga tributária sobre as importações reduziam a competitividade dos produtos de fora. Por outro lado, os industriais não enfrentavam muitas dificuldades para conseguir adquirir máquinas importadas por um preço reduzido. Além disso, Dean afirma que como se beneficiou das taxas sobre a exportação do café, São Paulo, ao contrário dos demais Estados, não lançou mão de nenhum outro imposto estadual entre 1893 e 1904. Finalmente, a reformulação da Lei de Similares em 1911 proibiu a isenção de impostos para os produtos que poderiam 0 50.000 100.000 150.000 200.000 250.000 300.000 350.000 400.000 450.000 1871-75 1876-80 1881-85 1886-90 1891-95 1896-00 31 competir com itens fabricados no Brasil, trazendo ainda mais proteção para os produtos nacionais. Assim, São Paulo, no início do século XX, já era o principal centro industrial do país, conforme foi destacado em reportagem da época: “Ao se lançar um olhar para outros Estados, com exceção do Rio Grande do Sul, imediatamente se verificará que eles não conquistaram o rápido progresso e o desenvolvimento industrial que colocaram os paulistas num plano superior [...] A capital federal é quase tão fabril quanto São Paulo, mas a sua indústria não se apresenta nos seus ramos, tão variada como a nossa” (ESTADÃO, 1911). A formação dos industriais foi realizada principalmente por dois grupos principais. O primeiro era composto dos importadores que, vislumbrando novas oportunidades de lucro, foram migrando gradativamente para a manufatura ao longo dos anos. Entretanto, é importante notar que nas décadas seguintes eles não abandonariam a atividade de importação, uma vez que boa parte dos insumos utilizados nas fábricas era adquirida de outros países. A segunda parte era constituída justamente pelos fazendeiros que perceberam uma nova oportunidade de reinvestimentos dos lucros do café. De 1906 até o início da Primeira Guerra Mundial, os plantadores tiveram lucros excelentes, mas foram impedidos de formar novas fazendas devido às leis estaduais que procuravam limitar a oferta. Dessa forma, muitos fazendeiros aplicaram parte dos lucros na manufatura (DEAN, 1971, p. 51). Durante essa primeira fase de industrialização os produtos fabricados em São Paulo eram rudimentares. Procurava-se produzir apenas aqueles itens que devido à relação entre peso e custo, tinham a manufatura em solo nacional vantajosa em relação à importação (DEAN, 1971, p. 16). Outra característica que marcou esse período de expansão da indústria foi o movimento dos empresários para a verticalização dos seus negócios, como um método de expansão defensiva, conforme aponta o historiador Warren Dean: “Não se creia que a integração vertical fosse principalmente o resultado do desejo de absorver os lucros dos intermediários. Operando numa economia de fronteira, Matarazzo e os outros industriais ansiavam, sobretudo,por diminuir as incertezas do suprimento de matéria-prima, do transporte e da energia” (DEAN, 1971, p. 72). 32 Reiss (1980, p. 286) corrobora esta visão: “Até mesmo as pequenas firmas tenderiam a diversificar suas atividades industriais, fazendo a integração com comércio, agricultura, etc., além de, especialmente, formar uma reserva financeira que serviria como um seguro pessoal [...] para lidar com as recorrentes crises”. De acordo com Reis (1980, p. 66), a verticalização levou os industriais a fortalecerem seus papéis como importadores. Assim, a comercialização de máquinas e insumos para as suas fábricas os aproximaram de fontes de crédito internacionais. Dessa forma, fomentou-se uma integração entre as atividades comerciais e industriais que criavam um ciclo virtuoso reduzindo o risco e aumentando a lucratividade dos negócios. Reiss (1980, p. 76) ainda afirma que apesar da verticalização e diversificação dos negócios, as estruturas das empresas eram predominantemente “horizontais”, sem integração entre os negócios, embora a gestão estivesse concentrada em apenas um homem, o fundador. Dessa forma, a indústria paulista cresceu substituindo produtos anteriormente importados, enquanto o equilíbrio da balança comercial era mantido com o capital resultante das exportações agrícolas, com destaque para o café. Um comparativo da evolução da indústria paulista entre 1907 e 1920 pode ser verificado na tabela 4-2. Tabela 4-2 - Evolução da Produção Industrial de São Paulo Ano Número de Firmas Capital (Contos de Réis) Valor da Produção (Contos de Réis) Número de Operários 1907 326 127.702 118.087 24.186 1920 4.154 537.817 986.110 83.998 Fonte: Dean (1971, p. 99) A eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914 trouxe mudanças expressivas para a indústria nacional. O preço dos produtos importados da Europa aumentou significativamente. Além disso, o transporte que representava 14,7% do custo dos produtos adquiridos do exterior passou para 21,3%. Vale destacar que a importação de matéria prima e de bens de capital foi mais drasticamente reduzida do que a importação de bens de consumo, fazendo com que os investimentos e expansão das fábricas ficassem estagnados durante o período de conflito (DEAN, 1971, p. 98). A redução das importações pelo porto de Santos pode ser constatada na tabela 4-3, com destaque na queda de máquinas e produtos de ferro e aço. 33 Tabela 4-3 - Importações Através do Porto de Santos, 1909-1918 (milhares de toneladas métricas) Itens 1909-1913 1914-1918 Variação Produtos alimentícios 1.008 943 - 6% Papel e produtos do papel 48 45 - 6% Substâncias químicas e farmacêuticas 58 33 - 43% Tecidos de algodão 13 5 - 62% Ferro e aço 98 33 - 66% Produtos de ferro e aço 536 148 - 70% Máquinas 136 37 - 73% Fonte: Dean (1971, p. 98) Entretanto, parte da indústria conseguiu encontrar oportunidades para continuar crescendo. À medida que os países europeus reduziram o consumo de itens não essenciais como o café, aumentaram as compras de alimentos industrializados. A indústria têxtil, por sua vez, passou a exportar para a Argentina e África do Sul, suprindo a demanda que até então era atendida pelas fábricas europeias. Finalmente, o crescimento da produção para atender o mercado interno foi obtido através do aumento dos turnos de trabalho (DEAN, 1971, p. 104 e 105). Assim, conforme tabela 4-4, verifica-se que não houve queda do nível de exportações durante o período de guerra. Pelo contrário, o ligeiro aumento das vendas para o exterior, aliado à redução de importações levou a um aumento no saldo da balança comercial. Tabela 4-4 - Balança Comercial do Brasil, 1904 – 1918 Período Exportações (milhões de contos) Importações (milhões de contos) Saldo (milhões de contos) 1904-1908 3.827 2.678 1.149 1909-1913 5.058 4.056 1.002 1914-1918 5.262 3.779 1.583 Fonte: Dean (1971, p. 96) O período do final da Guerra também marcou a Revolução Bolchevique na Rússia que fomentou a sindicalização dos operários e aumentou as suas reinvindicações. Como resultado desse engajamento, a indústria paulista vivenciou duas grandes greves em um período de dois anos. Segundo Dean (1971, p. 174) a greve geral de 1917 envolveu mais de cem fábricas na capital e no interior. Esse número seria ainda maior na segunda greve geral realizada em 1919. Entre as principais reclamações dos trabalhadores estavam o aumento de salários de acordo 34 com o custo de vida, limitação de oito horas de trabalho, abolição do sistema de multas e proibição do trabalho para menores de doze anos. Todavia, como os sindicatos ainda não eram reconhecidos pelo Governo, os acordos não tendiam a durar por longo tempo e dificilmente prejudicavam os empresários. Apesar da evolução da indústria no início do século XX, a manufatura ainda era vista como uma atividade marginal em relação à agricultura. Assim, se por um lado os Governos não lançavam mão, de forma intencional, de políticas que visassem o desenvolvimento e fortalecimento do complexo produtivo, por outro, havia poucas pressões sobre os empresários. Dean (1971, p. 72) apresenta um relato sobre o ambiente industrial da época: “Os empresários paulistas operavam num ambiente de quase perfeito laissez faire. Tirante os impostos sobre importações e exportações, nem o governo estadual nem o federal se preocupavam com as atividades dos homens de negócios particulares até os tumultos das classes operárias de 1917. Organizavam-se monopólios, as condições de trabalho em muitas fábricas eram abomináveis, a qualidade dos produtos alimentícios não obedecia a nenhuma regulamentação. As indústrias locais estavam sujeitas a poucos impostos e estes eram geralmente sonegados”. Baer (19851, p. 262) corrobora a posição de laissez faire do Estado ao destacar que este mantinha uma atuação esporádica em relação à indústria através da concessão de favores especiais a determinados setores por meio de alterações de tarifas alfandegárias e empréstimos. Além disso, a incipiência de escolas técnicas prejudicava o desenvolvimento e adoção de novas tecnologias e implementação de processos eficientes de produção. Scantimburgo (1986, p. 77) destaca alguns poucos centros de ensino que formavam engenheiros na época como a Escola Politécnica do Rio de Janeiro fundada em 1874 e a Escola de Minas de Ouro Preto fundada em 1876. De acordo com Reiss (1980, p. 44), durante esse período também havia pouca competição entre as empresas. Dessa forma, a principal fonte de instabilidade era oriunda da produção e das vendas do café. Para o autor (p. 64), como o empresário praticamente não tinha acesso ao crédito bancário e estava sujeito às oscilações do mercado de café, este preferia se manter em uma posição cômoda no mercado, trabalhando com os preços correntes e sem agir de forma agressiva perante os outros competidores. Assim, um caminho óbvio para o reinvestimento dos lucros seria em direção a produtos relacionados (ou não relacionados) que poderiam, eventualmente, vir a ser uma fonte lucrativa ao mesmo tempo em que poderiam reduzir de algum modo o risco a que estavam expostos. 35 Ainda segundo Reiss (p. 392), a chegada de empresas estrangeiras era esporádica e ocorria em setores muito específicos da economia. O autor destaca as seguintes empresas que se instalaram no Brasil no período: Fiat Lux (fósforos – 1895); Singer Bewing Machines (máquinas de costura – 1905); Cotonniere Belge-Bresilienne (têxtil – 1907); Crown Cork Co. (cortiça – 1907); British American Tobacco (tabaco - 1909); Societe de Abatoir de Para (carne – 1910); Bunge y Born (moagem de grãos – 1910); Gasmotoren Fabrik (máquinas e motores – 1913); Otis Elevator (elevadores – 1913); Armour (carne - 1915); Swift (carne – 1917). Reiss (1980, p. 23) ainda aponta que comoo crescimento industrial neste período se caracterizou demasiadamente como um reflexo do aquecido mercado cafeeiro, ele ficou carente de uma dinâmica própria de acumulação de capital. Apesar desses problemas, de forma geral, as condições do ambiente favoreceram o surgimento de grandes empresários e indústrias: “Assim não havia concorrência significativa e o país era um terreno aberto e fértil para o crescimento. Era mesmo vez e hora dos grandes empreendedores, dos construtores de impérios. A ambiência favorecia a multiplicação de investimentos, a expansão multinegocial sem preocupação com concentração ou especialização. Diversidade em vez de especialização. Multiplicidade em vez de foco” (COUTO 1 , 2004, p. 248). Dessa forma, de um Estado com pouca participação na economia nacional e dependente do Rio de Janeiro, em um período de trinta anos São Paulo deu um grande salto rumo à industrialização, sendo possível verificar o surgimento dos primeiros grandes grupos industriais. É nesse contexto que desembarcam no país dois dos maiores empreendedores da nossa história do capitalismo nacional: Francesco Matarazzo e Antônio Pereira Ignácio. Curiosamente, os dois imigrantes se estabelecem em Sorocaba, município que tinha apenas 12,9 mil habitantes em 1881, sendo 3 mil escravos. Apesar do pequeno porte, era um local de terras férteis e cidade pioneira na indústria paulista, recebendo as primeiras unidades de preparação e tecelagem de algodão, de seda e de confecção de chapéus. Com esses atributos, chegou a ser apelidada de “Manchester Paulista” (COUTO1, 2004, p. 138). No período que sucedeu a primeira fase da industrialização de São Paulo, o crescimento foi menos vigoroso. Segundo Dean (1971, p. 115), a expansão do parque industrial paulista entre 1920 e 1940 se deu a uma taxa 50% menor do que a realizada nos primeiros anos do século XX, algo em torno de 4% ao ano. Para o historiador, essa evolução mais tímida pode ser atribuída à queda do preço do café, à depressão 36 de 1929, às dificuldades do Governo em saldar as suas dívidas e às próprias deficiências das empresas nacionais. Apesar do menor crescimento da indústria, Reiss (1980, p. 392) afirma que os investimentos de empresas estrangeiras se intensificaram durante a década de 1920 e, além disso, começaram a ter um grau de sofisticação maior. Entre as companhias que se instalaram no Brasil durante este período, destacam-se: Ford (1920); General Motors (1920); Nestle (1921); General Electric (1921); Philips (1924); Pirelli (1930); Lone Star Cement (1931). O início da década de 1920 apresentou um ambiente extremamente conturbado. Scantimburgo (1986, p. 124) apresenta um relato da situação econômica do país na época: “Se o Brasil é pobre ainda hoje, muito mais era na década de 20. Vivia de empréstimos, preso a credores estrangeiros que sugavam nossa magra economia. Submetido à política da valorização, o café sustentava o nosso edifício econômico, graças, porém, a empréstimos externos, um dos quais, em 1925, foi de dez milhões de libras esterlinas. Dependendo dos mercados estrangeiros para a colocação de suas safras de café e de maquinário para o seu desenvolvimento industrial, o Brasil debatia-se em crises periódicas, as crises de desenvolvimento; para vencê-las dependia exclusivamente, de uma reduzida elite de empresários, poucos dotados de diplomas de cursos superiores”. Nesse cenário, a República do Café com Leite, sensível aos anseios dos fazendeiros, adotou uma política forte de concessão de crédito, fazendo com que a emissão de papel moeda aumentasse significativamente, gerando inflação. Entre 1920 e 1923, a quantidade de capital em circulação e o custo de vida duplicaram. Todavia, pressionado pela classe média, em 1926 o presidente Arthur Bernardes retirou papel moeda de circulação queimando 316 mil contos (50 milhões de dólares), o que fez com que o dólar se desvalorizasse em 30%, impactando seriamente as exportações dos fazendeiros. Nesse período, a principal reclamação dos industriais e dos fazendeiros passou a ser justamente a instabilidade do câmbio (DEAN, 1971, p. 147). Essa situação seria contornada apenas com a eleição do paulista Washington Luís ao Governo Federal. Cedendo à pressão desses grupos, o presidente assegurou uma taxa de câmbio firme e aumentou novamente a política de crédito (DEAN, 1971, p. 148). Apesar do índice menor de crescimento, houve uma continuidade na diversificação dos negócios no período, com destaque para as novas fábricas de ferro gusa, cimento, motores elétricos, máquinas têxteis e peças de automóveis. Por outro lado, a construção de estradas de ferro foi muito lenta durante toda a década de 1920, 37 prejudicando o transporte dos produtos e o comércio interestadual. (DEAN, 1971, p. 120). De acordo com Dean (1971, p. 121), parte dos agricultores continuou a direcionar os investimentos para a indústria quando houve uma baixa nos preços do café em 1930, reduzindo substancialmente a plantação de novos cafeeiros nos anos seguintes. Contudo, as recorrentes baixas do preço do café e o reduzido nível de desenvolvimento dos agricultores fizeram com que gradativamente o patamar de investimento e o fluxo de capital para as fábricas minguassem. Segundo Dean (1971, p. 141), houve pouca evolução de produtividade agrícola nas décadas de 1920 e 1930. Apesar do aumento de 35% da área cultivada, os estoques de máquinas agrícolas se mantiveram inalterados durante o período. Outro problema para a indústria que se originou do campo foi o declínio da produção de algodão entre 1926 e 1932, obrigando as indústrias de tecelagem a procurar insumos importados (DEAN, 1971, p. 143). Os importadores, por sua vez, se envolveram menos no crescimento da indústria durante essa fase, o que é explicado pelas divergências que serão constatadas entre estes e os industriais. Vale destacar, no entanto, que a despeito dos conflitos entre esses grupos, a parceria nos negócios correntes continuaria sendo mantida por grande parte dos empresários. “Até os maiores fabricantes continuavam a vender seus produtos no mercado através dos importadores que, em seguida, os vendiam aos atacadistas. Esse arranjo, sem dúvida alguma, aumentava os custos de distribuição, mas era necessário porque os importadores continuavam a oferecer crédito a curto prazo aos manufatores. No ramo dos tecidos, somente umas poucas fábricas haviam conseguido livrar-se dos importadores por volta da década de 1940 [...]. Existem alguns indícios de que Matarazzo não fizera movimento algum nesse sentido até o meado da década de 1930, mas que a Votorantim rompera com Affonso Vizeu, o importador do Rio de Janeiro” (DEAN, 1971, p. 123). Apesar da parceria, conforme já citado anteriormente, gerou-se uma tensão entre esses grupos devido ao desaquecimento da economia e ao movimento protecionista dos industriais. Os fabricantes de tecidos, por exemplo, que haviam vivenciado bons resultados após a Primeira Guerra, viram as vendas declinarem a partir de 1924, enquanto que as importações do produto aumentaram substancialmente. Assim, após pressões políticas dos industriais, o Governo reviu as tarifas sobre o algodão no final da década, protegendo a manufatura nacional. Com isso, o algodão importado quase desapareceu do mercado (DEAN, 1971, p. 153). 38 Nas décadas seguintes, a indústria continuaria a defender tarifas protecionistas, principalmente sob a voz de Roberto Simonsen, industrial casado com uma representante da elite fazendeira que atuaria em favor dos industriais junto ao Governo até o final da década de 1940 (DEAN, 1971, p. 154). Esses desentendimentos acabaram criando uma dissidência dentro da Associação Comercial de São Paulo, que até então representava ambos os grupos, mas era gerida pelos importadores. Assim, os industriais decidiram fundaruma associação separada do comércio em 1928, criando o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP). Na primeira eleição, o Conde Francesco Matarazzo foi o primeiro presidente e Roberto Simonsen, o vice (DEAN, 1971, p. 152). Era uma organização aberta e voluntária, com o objetivo de defender as ideias e os interesses dos industriais, dando ênfase ao papel da indústria como um motor para o crescimento econômico do Brasil. Além disso, buscava aumentar o poder de barganha junto ao governo. Tinha entre os seus associados, empresas como IRFM, Votorantim e Klabin (COUTO2, 2004, p. 144). Dessa forma, a grande parte do capital financiador da indústria passou a advir dos reinvestimentos feitos pelos próprios industriais que buscaram fortalecer os seus empreendimentos, acentuando o fenômeno de integração e verticalização dos negócios (DEAN, 1971, p. 123). Entretanto, apesar do salto dado pela indústria durante as duas primeiras décadas do século XX, Dean (1971, p. 126) destaca duas características específicas da indústria paulista que ajudam a explicar o baixo crescimento durante o período: A inexistência de qualquer direcionamento para a concentração dos negócios e a formação de cartéis que controlavam os preços e a produção. Com relação à ausência de concentração, Dean (1971, p. 129) aponta a falta de capacidade das empresas de realizar fusões, possivelmente devido à intenção de perpetuação da propriedade familiar. Poucas empresas recorriam ao mercado de ações - a primeira grande oferta de uma empresa particular ocorreu apenas em 1944 com a Panair do Brasil (DEAN, 1971, p. 191) - e quando o faziam, muitas vezes a venda de títulos assinalava apenas uma transferência de cotas dentro da própria família. Apesar de essa ser uma característica habitual dos primórdios do capitalismo, o historiador destaca que até a década de 1950 a inexistência de um grande mercado de consumo brasileiro colaborou para que não houvesse um alto nível de especialização da indústria, ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos ainda no século XIX. Dean explica, ainda, que o transporte oneroso e deficiente, e os impostos interestaduais atrapalharam esse desenvolvimento. 39 Se por um lado não houve um processo relevante de fusões e aquisições durante essas décadas, os grandes industriais frequentemente se uniam para formar novos empreendimentos e costurar acordos para manter a hegemonia nos seus negócios, criando barreiras de entrada significativas: “Havia, em meados da década de 1920, associações comerciais que provavelmente se empenharam na fixação de preços para os produtos de metalurgia, calçados, couro e peles, madeira de construção e drogas. Houve, sem dúvida alguma, cartéis, em diversas ocasiões, da moagem da farinha, do papel, dos chapéus, da sacaria de juta e da cerveja. [...] 80% ou mais da capacidade produtora de fósforos, lâminas de vidro, óleo de caroço de algodão, linha para coser, cerveja, enlatamento de carne, cimento, ferro gusa e rayon pertenciam a três firmas apenas [...]. Só no campo dos tecidos de algodão, dentre todas as principais linhas de produção, não se estabeleceram cartéis [...]. Sugeriu-se aos seus membros (Centro das Indústrias de Fiação e Tecelagem de São Paulo) em 1926, 1928 e 1930 que se limitasse a produção ou se mantivessem artificialmente os preços; em 1926 a moção fracassou, porque a ela se opôs Matarazzo, que, em sinal de protesto, renunciou à presidência do Centro. É possível que no seu entender, sua fábrica fosse mais eficiente do que a maioria das outras; nada indica que ele se opusesse, por princípio, à restrição do comércio” (DEAN, 1971, p. 131). Além disso, segundo Dean (1971, p. 159), a implantação da indústria de bens de consumo talvez tenha retardado o desenvolvimento de indústrias mais básicas, pois o interesse dos empresários para os novos investimentos passou a estar relacionado a tudo que pudesse reduzir os custos dos seus produtos e não com a criação de indústrias de petróleo, siderurgia e química, etc. O autor prossegue com sua afirmação (p. 253): “A indústria nacional antes de 45 sempre pareceu um negócio de carregação ao consumidor. O fabricante de bens de consumo relutava tanto quanto os seus fregueses em comprar localmente suas próprias matérias-primas, dificultando, dessa maneira, a instalação de uma indústria básica.” Outra questão importante sobre o desempenho da indústria nacional está relacionada à carência de uma mão de obra qualificada. Até os meados da Segunda Guerra Mundial, os empresários não demonstraram quase nenhum interesse pelo desenvolvimento e treinamento técnico dos trabalhadores. Para os industriais e também para o Governo, era mais barato importar os técnicos europeus do que capacitá-los no Brasil (DEAN, 1971, p. 189). Esse problema era agravado pela má qualidade e baixa regulação do ambiente de trabalho na época. Em 1920, o operário paulista trabalhava por pelo menos dez horas diárias durante seis dias por semana, para ganhar cerca de quatro mil-réis diários – valor que 40 não era suficiente para comprar meio quilo de arroz. As mulheres representavam cerca de 1/3 da força de trabalho, que ainda incluía muitas crianças. Os acidentes se acumulavam e funcionários poderiam ser multados em caso de desobediência ou até mesmo surrados no caso das crianças (DEAN, 1971, p. 163). Isso não parecia ser um fator de preocupação para os industriais, pois o trabalho braçal não era um recurso escasso. Durante a década de 1920, entraram mais imigrantes em São Paulo do que nos quinze anos anteriores. Nas fábricas da Matarazzo, por exemplo, “chegou-se a encontrar máquinas com metade do tamanho das máquinas normais para uso das crianças operárias” (DEAN, 1971, p. 180). Em 1922, o presidente Arthur Bernardes, receoso com a insatisfação de parte dos militares (em julho deu-se o Levante do Forte de Copacabana), buscou obter o apoio dos grupos trabalhistas e criou o Conselho Nacional do Trabalho, órgão encarregado em assessorar o governo em assuntos trabalhistas. Assim, foi promulgada a Lei das Férias que concedia duas semanas de férias pagas a todos os empregados - todavia, essa lei só viria a ser efetivamente posta em prática durante o regime de Getúlio Vargas (DEAN, 1971, p. 172) Essa época também apresentou muitos escândalos e acusações que prejudicaram a imagem dos industriais perante a sociedade. Os empresários enfrentaram denúncias da imprensa por contrabando, calote no pagamento de dividendos, cópia de produtos patenteados, prática de dumping e até falsificação de rótulos (DEAN, 1971 p. 134). Para o historiador, embora houvesse indícios de verdade nessas alegações, havia dificuldade de os empresários paulistas conseguirem passar uma visão favorável de suas atividades. Para Bethlem (1999, p. 81), ao contrário da cultura norte americana que valoriza a riqueza em virtude de um encargo conferido por Deus, a cultura nacional, influenciada pelas crenças católicas, não enxergava a questão dessa maneira, tornando a riqueza quase que em um pecado. Em 1929, a depressão econômica que se iniciou nos Estados Unidos e se alastrou pelo mundo fez o mercado internacional do café desmoronar – queda de quase 30% (SCANTIMBURGO, 1986, p. 139). Em 1930, o valor dos embarques do produto diminuiu 40% em relação ao ano anterior. Devido à importância do café para a economia paulista, a indústria foi igualmente comprometida. Fábricas de tecido, de papel e metalurgia passaram a operar com menos de 40% da capacidade instalada (DEAN, 1971, p. 194). Segundo Scantimburgo (1986, p. 140), a queda do preço do café reduziu os salários dos trabalhadores do campo em até 50%. Esse baixo poder aquisitivo se refletiu no comércio e, portanto, na indústria. 41 Segundo Suzigan (1971), os gêneros da indústria que mais foram afetados pela depressão foram: Têxtil,calçados, química, metalúrgica, bebidas, mobiliário e minerais não metálicos. Por outro lado, alguns setores pareciam não ter sentido os efeitos da crise. Pelo contrário, viram a sua produção entre 1928 a 1932 aumentar. Este foi o caso das indústrias de produtos alimentares, papel, couros e peles e fumo. Portanto, antes de 1930, as atividades industriais eram praticamente uma extensão das exportações de café. Isto é, o crescimento industrial interno não tinha uma autonomia. Com a crise do café e a grande depressão, o setor exportador teve sua importância enfraquecida no crescimento da renda, ao passo que os investimentos destinados às atividades econômicas e produtivas voltadas para o mercado interno assumiriam a condição de principais determinantes no crescimento da renda no país (SANTOS, 2008). Assim, em 1933, pela primeira vez na história do país, o valor da produção industrial supera o da produção agrícola – embora mais pela queda da última do que pelo crescimento da primeira (CALDEIRA, 2008, p. 64). Além da crise econômica, outro fator do ambiente impactou profundamente a industrialização de São Paulo: A queda da República Velha e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder. O novo Governo trouxe mudanças políticas e econômicas significativas, uma vez que o Brasil vivia um momento de dificuldades para saldar suas dívidas após a grave crise global. O presidente gaúcho adotou uma política nacionalista com o intuito de fortalecer as exportações do setor agrícola e reduzir as importações. Além disso, como a indústria do Rio Grande do Sul (Estado de origem do novo presidente) era incipiente, Vargas via o setor manufatureiro como secundário (DEAN, 1971, p. 195): “Vargas poucas vezes mencionou a indústria nos discursos públicos que proferiu durante esse período, e os escritos dos seus consultores revelam escasso interesse pela manufatura nacional” (DEAN, 1971, p. 217). Dessa forma, Vargas aumentou o crédito para os cafeicultores ao comprar estoques do produto, além de lançar mão de políticas para restringir a importação de insumos para as fábricas. Ainda, criou um tributo de 8% sobre os lucros remetidos para o exterior (DEAN, 1971, p. 199). Assim, boa parte da indústria foi penalizada. As importações de ferro e aço caíram de uma média de 59 mil toneladas anuais entre 1927 e 1929 para 9 mil toneladas em 1932 e a aquisição de novas máquinas se tornou extremamente difícil (DEAN, 1971, p. 207). 42 As medidas trabalhistas instituídas pelo Governo Vargas também teriam um impacto direto para os industriais a partir da criação do Ministério do Trabalho em 1930. No mesmo ano, o presidente sancionou uma lei limitando a mão de obra estrangeira em 1/3 dos trabalhadores das fábricas. Em 1931, criou um decreto que passou a reconhecer oficialmente os sindicatos. No ano seguinte, regulamentou o emprego das mulheres na indústria e limitou a jornada de trabalho em oito horas diárias. Todavia, se por um lado estas mudanças não deixaram de afetar a indústria, por outro, também não houve um grande prejuízo para os empresários que chegaram a se beneficiar com a criação da carteira de trabalho, por exemplo, que era fornecida gratuitamente pelo Estado e permitia um maior controle sobre os operários. O problema da limitação da jornada de oito horas também foi contornado pela possibilidade de duas horas extras de trabalho por dia (DEAN, 1971, p. 202). A insatisfação dos paulistas com o governo provisório levou o Estado à guerra na Revolução Constitucionalista de 1932. De acordo com Dean (1971, p. 208) os industriais participaram ativamente do levante, fornecendo materiais para as tropas. Nos anos que se seguiram, Vargas empreendeu ações visando equilibrar a balança comercial. Assim, com o objetivo de persuadir os norte americanos e europeus a reduzir as tarifas aduaneiras sobre o café e outros produtos brasileiros, aumentou as tarifas de importação. Todavia, a medida protecionista do presidente não foi eficiente. Era mais fácil que os países desenvolvidos vivessem sem café do que os brasileiros sem máquinas e combustíveis (DEAN, 1971, p. 210). Alguns industriais aproveitaram essa estratégia de Vargas para proteger os seus negócios. Convenceram o Governo de que havia superprodução nos mercados de papel, tecidos e calçados e fizeram com que fosse proibida a importação de máquinas para esses setores entre 1931 e 1934. Todavia, os esforços do presidente não fizeram com que o Governo conseguisse saldar os problemas das dívidas nem da balança comercial. Assim, em 1934 Vargas anunciou que os juros seriam pagos de forma parcelada. Além disso, houve, no período, um grande aumento no fluxo de importações, principalmente de produtos de gêneros alimentícios e outros bens de consumo. Entre 1932 e 1936, o volume de entrada de mercadorias em Santos quase quadruplicou. Dessa forma, em 1937, pela primeira vez desde 1920, o Brasil apresentava um balanço comercial negativo (DEAN, 1971, p. 214). “A mudança mais notável no ambiente econômico da década de 1930 foi a crescente intervenção do governo. Mas essa intervenção não se propunha acelerar o processo da industrialização; as alternativas da economia e exportação ainda não se haviam se esgotado” (DEAN, 1971, p. 219). 43 Apesar dos problemas econômicos do país, de 1933 em diante a industrialização tomaria um novo impulso, com destaque para os setores não tradicionais, com o estabelecimento de novas indústrias destinadas à produção de matérias-primas básicas (cimento e aço, principalmente), e indústria de máquinas e equipamentos (SUZIGAN, 1971). Um dos motores dessa evolução foi o desenvolvimento da base energética do Estado que duplicou entre 1930 e 1945, sendo que em 1940 a potência instalada de energia elétrica de origem hidráulica em São Paulo representava 55,4% do total do país. Assim, de 1932 a 1937, o capital aplicado nas principais indústrias paulistas cresceu 118%, enquanto o número de operários empregados aumentou 63% (SUZIGAN, 1971). De acordo com Suzigan (1971), as indústrias tradicionais foram as que tiveram menor crescimento no período: Produtos alimentares (2,9%), têxtil (6,5%) e vestuário e calçados (8,0%). Num grupo intermediário, outras indústrias tradicionais, mas de menor produção no total da indústria, registraram crescimento da produção a taxas mais elevadas como: Bebidas (17,9%), fumo (18,2%), mobiliário (13,1%), madeira (10,5), papel (7,3%), couros e peles (18,4%). Enquanto isso, as indústrias básicas cresceram a taxas anuais muito elevadas: indústria metalúrgica (24%), química e farmacêutica (29,9%), automotivo (39%) ao ano e minerais não metálicos (16%). Todavia, enquanto alguns setores puderam se desenvolver modernizando e aumentando sua capacidade produtiva, como foi o caso das indústrias do cimento e de produtos metalúrgicos, outros setores, principalmente o têxtil, aumentavam a sua produção através da utilização intensiva do equipamento existente, sem preocupação quanto à necessidade de renovação e modernização que a intensa utilização tornava ainda mais necessária (SUZIGAN, 1971). Reiss (1980, p. 135) reforça essa hipótese em seu relato: “Na ausência de uma competição intensa com outras firmas na produção de produtos similares, a vida econômica das instalações industriais se estendia através de longos períodos de tempo, especialmente no caso dos segmentos tradicionais da indústria [...]. Isto era uma consequência da própria competição industrial, principalmente com a reduzida competição de preços e pelo fato das firmas estarem diante de oportunidades abundantes de investimento para expansão, integração vertical e diversificação.” Portanto, verifica-se na época a necessidade primordial da indústria paulista pela renovação do parque fabril. No entanto, a eclosão da 2a Guerra Mundial e suas consequências sobre a economia brasileirafariam esquecer, por algum tempo, os problemas de eficiência das fábricas, principalmente as têxteis, que passaria à sua fase áurea conquistando mercados externos perdidos pelos países em guerra 44 (SUZIGAN, 1971). A tabela 4-5 traz uma luz a esse problema, ao indicar que pelo menos 42% das máquinas da indústria têxtil em 1939 tinha no mínimo dez anos de uso. Tabela 4-5 - Distribuição por Idade das Máquinas da Indústria Têxtil em 1939 Subgrupos da indústria Número de máquinas segundo a idade Menos de 5 anos 5 a 10 anos Mais de 10 anos Idade descon hecida Total Fiação de algodão 199 1.037 873 573 2.682 Tecelagem de algodão 2.348 1.447 59.039 66.969 129.803 Fiação de seda natural 50 - - 67 117 Fiação de seda artificial 15 12 3 - 30 Tecelagem de seda natural e artificial 3.797 2.262 1.346 1.600 9.005 Fiação de lã 151 76 331 5 563 Tecelagem de lã 580 326 814 5.277 6.997 Fiação de juta - - - 80 80 Tecelagem de juta 267 40 1.809 1.153 3.269 Totais 7.407 5.200 64.215 75.724 152.546 (%) 4,9 3,4 42,1 49,6 100,0 Fonte: Suzigan (1971) Reiss (1980, p. 85) também afirma que o crescimento da indústria também ocorreu de maneira muito mais diversificada e integrada durante as décadas de 1930 e 1940, sendo que grande parte da diversificação se deu em face da substituição das importações. Além disso, de acordo com o autor, o crescimento industrial nesta fase se tornou mais independente do café, tendo uma dinâmica própria de acumulação de capital, quando a principal fonte de crescimento das empresas se deu através do reinvestimento dos lucros. O autor ainda afirma que ao contrário do período pré-crise de 29, quando o principal fator de risco para a indústria era o mercado de café, a partir da década de 30 a competição entre as fábricas se tornou mais intensa, se tornando uma fonte de instabilidade relevante para os negócios. Constata-se, portanto, que essa diversificação da estrutura de produção da indústria paulista teve grande participação no desenvolvimento econômico e industrial durante o período pré-Guerra. A tabela 4-6 apresenta alguns números da indústria paulista desde o período da crise de 1929 até 1937. É possível constatar uma evolução substancial durante os anos do Governo Vargas. 45 Tabela 4-6- Aspectos Gerais da Indústria: 1928 – 1939 1928 1930 1932 1933 1937 1939 Número de fábricas 6.923 5.388 6.070 6.555 9.051 12.850 Capital aplicado (contos de réis) 1.101.824 1.477.490 1.589.750 1.906.482 3.460.452 4.679.371 Operários 148.376 119.296 130.808 171.667 245.715 254.721 Força Motriz Instalada (HP) 171.076 189.499 192.159 212.108 279.573 432.650 Valor da Produção (contos de réis) 2.216.732 1.834.293 1.944.988 2.060.363 3.851.878 7.107.547 Fonte: Suzigan (1971) Em 1937, o golpe de Vargas que originou o Estado Novo trouxe uma nova dinâmica para a indústria paulista. Diante do decréscimo das exportações e de uma economia problemática, o presidente deu uma guinada na política de desenvolvimento do país e decidiu fortalecer a indústria nacional com o intuito de substituir as importações por produtos nacionais. Dessa forma, abriu novas fontes de financiamento para a indústria. (DEAN, 1971, p. 222). Em 1939, as indústrias leves que correspondiam a cerca de 70% da produção vinte anos antes, viram este percentual declinar para 58%, perdendo espaço para setores como metalurgia, mecânica e material elétrico. Sendo assim, com o maior balanceamento dos setores industriais a partir dos anos de 1930, a indústria se tornou o setor líder de crescimento da economia (BAER1, 1985, p. 298). Logo após o início da Segunda Guerra Mundial, o Brasil passou a ser procurado como fonte de matérias primas estratégicas e de produtos manufaturados, em particular os têxteis e vestuários, o que evidentemente representou um novo impulso à industrialização paulista (SUZIGAN, 1971). Mais importante, ainda, foram os acordos com os Estados Unidos para a implantação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em Volta Redonda e o envio de máquinas para as fábricas nacionais durante a guerra (DEAN, 1971, p. 236). Todavia, para Dean (1971, p. 238), os industriais confiaram em demasiado nesse período de forte demanda que era tão manifestamente temporária. Os compradores queixavam-se constantemente que os preços dos produtos eram o dobro dos que anteriormente eram fornecidos por Europa e Estados Unidos. Já o Estado Novo, por sua vez, ia perdendo força com o fim da guerra. A aproximação fascista de Getúlio e a perda de apoio político acabaram levando à deposição do presidente. De acordo com Dean (1971, p. 248), com a queda de Vargas caíram também os industriais. 46 O período que se inicia após no pós-guerra carrega mudanças demográficas significativas que afetaram a dinâmica do desenvolvimento econômico e industrial do país. Entre elas, destaca-se o aumento da população que se expandiu em mais de 200% no período, ultrapassando a marca de 144 milhões de habitantes. O gráfico 4-2 apresenta a evolução da população brasileira, no qual é possível verificar uma acentuação da taxa de crescimento a partir da década de 1950. Gráfico 4-2– Evolução da População Brasileira Fonte: Ipeadata (2014) Aliado a isso, houve um forte processo de urbanização que contribuiu para o surgimento de um novo mercado consumidor, além do aumento da oferta de mão de obra. Enquanto que em 1940 pouco mais de 30% da população brasileira vivia nas cidades, em 1970 essa taxa chegou a 55,9%. No Estado de São Paulo, os percentuais eram de 44,1% e 80,3%, respectivamente (REISS, 1980, p. 159). O gráfico 4-3 apresenta a evolução das populações urbana e rural do Brasil. Nos primeiros anos pós-guerra, o governo Dutra procurou combater os altos índices de inflação através de uma forte política de importação e de uma taxa fixa de câmbio. Entretanto, essas medidas além de não conseguirem segurar o aumento dos preços, acabaram consumindo as divisas cambiais acumuladas durante o período da Guerra (MATARAZZO, 1982, p. 115). 0 40.000.000 80.000.000 120.000.000 160.000.000 200.000.000 1 8 8 0 1 8 8 5 1 8 9 0 1 8 9 5 1 9 0 0 1 9 0 5 1 9 1 0 1 9 1 5 1 9 2 0 1 9 2 5 1 9 3 0 1 9 3 5 1 9 4 0 1 9 4 5 1 9 5 0 1 9 5 5 1 9 6 0 1 9 6 5 1 9 7 0 1 9 7 5 1 9 8 0 1 9 8 5 1 9 9 0 1 9 9 5 2 0 0 0 2 0 0 5 2 0 1 0 47 Gráfico 4-3 – Evolução das Populações Urbana e Rural no Brasil Fonte: Ipeadata (2014) De acordo com Baer (1985, p. 39), a redução das importações aliada ao crescimento das exportações durante os conflitos haviam elevado as reservas de divisas do país de US$ 71 milhões em 1939 para US$ 708 milhões em 1945. Todavia, em 1947 essas reservas já tinham sido consumidas em decorrência de um forte movimento de importações que ficaram restritas durante a Guerra (BAER, 2002, p. 71). Baer (1985, p. 38) ainda destaca que os anos pós Guerra marcaram uma fase na qual a participação dos principais produtos agrícolas nacionais nas exportações mundiais declinou. Dessa forma, o país passaria a ter ainda mais dificuldades de gerar renda para sustentar um rápido crescimento demográfico. Por outro lado, ao longo de toda a década de 1940, a indústria continuou o movimento de crescimento iniciado no Estado Novo de Vargas. Scantimburgo (1986, p. 197) apresenta alguns dados sobre a evolução industrial na década de 1940. De acordo com o autor, em 1940 havia no país 49.784 estabelecimentos industriais. Dez anos depois, eles passaram a 89.086. O número de operários ocupados na indústria também aumentou significativamente – de 787.185 para 1.286.807. Assim, o governo brasileiro buscou medidas com o intuito de equalizar o balanço de pagamentos e fomentar a indústria nacional que poderia surgir como uma nova fonte de crescimento econômico. Para isso, em1953, o governo lançou um sistema de taxas múltiplas de câmbio. Assim, poderia incentivar as exportações dos 0 20.000.000 40.000.000 60.000.000 80.000.000 100.000.000 120.000.000 140.000.000 160.000.000 180.000.000 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 População Rural População Urbana 48 mercados que considerava estratégicos e proteger indústrias nacionais com base em elevação do câmbio para importações (BAER, 1985, p. 44). Além disso, assim como havia feito na primeira fase de industrialização no início do século, o país lançou mão da Lei de Similares, incentivando a substituição de importações e a integração vertical das indústrias (BAER, 2002, p. 78). Assim, a partir deste momento, começa a haver uma transição do motor econômico brasileiro. A agricultura, que chegou a representar 27% do PIB nacional após a Guerra, verá sua participação declinar gradativamente nas próximas duas décadas, enquanto a indústria ganha fôlego, alcançando em 1966, o patamar que a agricultura tinha vinte anos antes. Enquanto que o produto real da agricultura cresceu 87% entre 1947 e 1961, o da indústria ampliou-se em 262%. O gráfico 4-4 apresenta esta variação da composição do PIB nacional entre as décadas de 1950 e 1980. Gráfico 4-4 - Distribuição Setorial do PIB (1950 – 89) Fonte: Adaptado de Baer, 2002, p. 481 Ainda, esse movimento acompanhou uma maior proporção da indústria pesada, principalmente com o crescimento de setores como metalurgia, material elétrico, material de transporte e indústria química (BAER, 1985, p. 60). Entretanto, é importante destacar que no final da década de 1950, a economia brasileira não era totalmente imune às oscilações do café que teve uma desvalorização de 31% em 1959 e obrigou o governo a lançar mão de incentivos aos exportadores. Essa persistente importância do produto agrícola foi destacado no Relatório Anual da Matarazzo de 1959: -10,0% 10,0% 30,0% 50,0% 70,0% 90,0% Agricultura Indústria Serviços Taxa de Crescimento Anual do PIB 49 “No entanto, a nossa economia continua dependendo do café em medida considerável e é, portanto, nesse setor, especialmente nesse setor, que nós temos a obrigação de atuar com imaginação e tenacidade visando reunir agricultura e indústria sob um denominador comum.” No ano de 1956, o presidente Juscelino Kubitschek (JK) lançou o Plano de Metas e o famoso “cinquenta anos em cinco”, que articulou uma série de investimentos públicos e privados visando o desenvolvimento do país e o aprimoramento da infraestrutura brasileira. Em especial, buscou-se desenvolver a indústria de bens de consumo durável, na qual destaca-se o setor automotivo. Vale destacar, no entanto, que diferentemente de Vargas, que direcionou o crescimento, principalmente, com fontes de capital nacional e estatal, o novo governo utilizou-se de diversos instrumentos visando atrair investimentos estrangeiros (SANTOS, 2008). Dessa forma, o governo lançou mão de uma série de incentivos para empresas nacionais e estrangeiras, sendo que estas últimas passaram a ter uma participação mais relevante na economia (REISS, 1980, p. 161). Segundo Baer (1985, p. 56), em relação à indústria, os objetivos do governo eram estimular os seguintes setores: siderúrgico, alumínio, cimento, celulose, automobilístico, químico e de mecânica pesada. Sendo assim, as empresas nacionais que surgiram durante o primeiro ciclo de industrialização nas décadas anteriores, ganharam a concorrência de grandes empresas estrangeiras. De acordo com Dean (1971, p. 252), em 1960, metade do capital industrial do setor privado de São Paulo se achava sob o domínio ou controle de estrangeiro. O autor completa: “Nesse ínterim, a industrialização no setor privado tomara uma direção inteiramente nova. Atraídas pelo tamanho do mercado brasileiro, companhias estrangeiras começaram a transformar suas agências de vendas em filiais de operações manufatureiras. Em muitos casos, estavam respondendo a decretos governamentais, que pretendiam solucionar o problema do balanço dos pagamentos aumentando o fluxo de capital estrangeiro”. Sobre o aumento da competição na indústria, Reiss (1980, p. 181) afirma que a partir da década de 1950, com a entrada de grandes firmas estrangeiras, a competição na indústria se tornou bem mais acirrada. Grandes organizações introduziram novas tecnologias, modernizaram as instalações e equipamentos, criando barreiras de entrada em diversos segmentos. Junto a isso, houve uma pressão nos custos, com aumento de salários e dos insumos. Durante esse processo, as empresas dos ramos tradicionais foram as que mais sofreram com a redução das margens de lucro. Essas 50 companhias, como não faziam parte do grupo prioritário do plano de metas, tiveram mais problemas para captar recursos, tendo que obter créditos mais caros no mercado. Entre esses setores estava o têxtil, que tinha na Matarazzo e na Votorantim, dois dos seus principais players. As dificuldades enfrentadas pelo setor diante de um novo movimento de industrialização do país e da chegada de novos competidores foram destacadas Relatório Anual da Votorantim de 1958: “Está se tornando cada vez mais difícil para o industrial brasileiro em lidar com a situação desigual – talvez única no mundo – enfrentada por investimentos nacionais e estrangeiros [...]. Existem algumas indústrias como a automotiva que parece que estão se desenvolvendo mais que o necessário, criando problemas de salário para outras indústrias que não podem lidar com isso. E por que isso? Porque elas nasceram debaixo de uma generosa proteção do governo [...] enquanto outras indústrias tradicionais como a têxtil continuam sem ajuda, sem direitos e sem nenhuma cooperação do governo” Reiss (1980, p. 242). Baer (1985, p. 453), por outro lado, afirma que embora as multinacionais tenham trazido novas tecnologias e métodos de produção que ajudaram a acelerar o desenvolvimento industrial do Brasil, grande parte da produção era de semiacabados, voltado para atender o comércio internacional entre subsidiárias das mesmas multinacionais. Um trecho do Relatório Anual de 1977 da Votorantim corrobora esta visão: “Já é tempo do Brasil, através do seu órgão capacitado, não mais dar isenções de impostos aduaneiros de toda a espécie para a implantação de pseudo-indústrias, que nada mais são do que verdadeiros corredores de importação a serviço de algumas multinacionais. [...] Todos sabemos que muitas empresas que se instalaram no Brasil com a finalidade precípua de montar componentes, estes vindos do estrangeiro, geralmente da própria matriz”. Portanto, é possível constatar que não havia no país uma presença maciça de multinacionais com tecnologias de última geração e com ações de pesquisa e desenvolvimento local. Ou seja, houve um movimento claro de substituição de importações, no qual firmas estrangeiras passaram a produzir em terras nacionais, os produtos que já eram revendidos aqui. Esse processo pode ser evidenciado a partir da visualização da tabela 4-7. Destaca-se a variação ocorrida no setor de cimento e de metais não ferrosos, no qual a Votorantim viria a ter papel de destaque. Já nos produtos têxteis e alimentícios, nos quais a Matarazzo continuaria a manter sua base industrial, percebe-se que já não havia concorrência significativa de produtos importados. 51 Tabela 4-7 - Participação dos Itens Importados em Diversos Setores Itens 1949 1959 Minerais não metálicos 8,6 2,1 Cimento 23,7 0,9 Siderurgia e metalurgia 22,5 11,6 Ferro e aço 24,9 15,3 Metais não ferrosos 80,1 37,0 Máquinas 63,0 41,4 Máquinas para trabalhar metais 68,9 56,9 Outras máquinas 58,3 23,0 Máquinas e equipamentos elétricos 47,6 13,3 Equipamento de transportes 56,1 18,6 Veículos automotores 54,2 13,7 Papel e artefatos de papel 18,6 12,1 Produtos químicose semelhantes 39,3 18,2 Produtos têxteis 4,4 0,1 Gêneros alimentícios elaborados 1,2 1,0 Bebidas 2,3 0,8 Obras impressas 2,3 2,6 Fonte: Baer, 1985, p. 6 4 Reiss (1980, p. 269) afirma que poucas empresas não enfrentaram uma competição mais acirrada nos seus respectivos mercados. Por isso, houve um movimento comum, entre as organizações, de declínio de capital e uma nova estratégia orientada à redução da diversificação construída nas décadas anteriores que culminou com a realização de desinvestimentos. O Brasil passou por um crescimento econômico substancial na segunda metade da década de 1950. Durante o Governo de JK, o Produto Nacional Bruto subiu de 15 bilhões de dólares, para 20,8 bilhões. Um crescimento de quase 40% (SCANTIMBURGO, 1986, p. 232). Entre as indústrias que se desenvolveram neste período, Reiss (1980, p. 162) aponta a de autopeças. O setor que em 1955 contava com 600 fábricas, viu esse número dobrar em cinco anos. Na tabela 4-8 é possível verificar o resultado dessas variações, no qual o setor têxtil viu sua participação na indústria cair pela metade, enquanto outros setores mais pesados ganharam relevância. 52 Tabela 4-8 - Mudanças na Estrutura Industrial Brasileira: 1939 - 1963 Setor 1939 1949 1953 1963 Minerais não metálicos 5,2 7,4 7,4 5,2 Produtos de metal 7,6 9,4 9,6 12,0 Maquinário 3,8 2,2 2,4 3,2 Equipamento elétrico 1,2 1,7 3,0 6,1 Equipamento de transportes 0,6 2,3 2,0 10,5 Produtos de madeira 5,3 6,1 6,6 4,0 Produtos de papel 1,5 2,1 2,7 2,9 Produtos de borracha 0,7 2,0 2,2 1,9 Produtos de couro 1,7 1,3 1,3 0,7 Produtos químicos, farmacêuticos 9,8 9,4 11,0 15,5 Têxteis 22,2 20,1 17,6 11,6 Roupas e calçados 4,9 4,3 4,9 3,6 Produtos alimentícios 24,2 19,7 17,6 14,1 Bebidas 4,4 4,3 3,5 3,2 Fumo 2,3 1,6 2,3 1,6 Impressão e produtos gráficos 3,6 4,2 3,5 2,5 Diversos 1,0 1,9 2,4 1,4 Total 100 100 100 100 Fonte: Baer, 2002, p. 87 Após seis anos de forte expansão econômica e desenvolvimento da indústria, o país começou a perder fôlego no início da década de 1960. Essa desaceleração ocorreu em um ambiente politicamente conturbado que envolveu a eleição e renúncia de Jânio Quadros, em 1961,e a ausência de liderança do governo de João Goulart que foi deposto pelos militares três anos depois (BAER, 2002, p. 92). Assim, após o golpe de 1964, os militares assumem o poder, elegendo como Presidente o Marechal Castelo Branco (SCANTIMBURGO, 196, p. 271). Neste momento, a economia nacional já havia perdido todo impulso de crescimento do governo JK, tendo ficado estagnada em 1963. Com o intuito de desenvolver a economia, o novo governou realizou grandes investimentos em infraestrutura, com grandes obras em geração de energia, telecomunicações e transportes. Além disso, ampliou o papel do Estado na economia através da criação e fortalecimento de empresas públicas nos mais diversos setores (nos dez anos seguintes à instalação do regime militar foram criadas 121 estatais). Em 1964, o Estado respondia por 28% dos recursos de investimento do Brasil. Cinco anos depois, essa fatia havia aumentado para 51% do total (CALDEIRA 2008, p. 175). 53 Santos (2008) destaca que a criação das estatais teve um papel importante no processo de industrialização e desenvolvimento econômico do Brasil, uma vez que envolveu grandes projetos, nos quais os empresários não tinham interesses, devido aos elevados investimentos, à falta de demanda inicial, aos prazos longos de maturação, aos riscos e à complexidade tecnológica. Finalmente, através do BNDE, o governo ampliou a sua participação bancária e se tornou a principal fonte de crédito para a indústria no país (REISS, 1980, p. 172). Em 1968, o Estado ampliaria ainda mais a sua participação na economia através da criação do Conselho Interministerial de Preços (CIP) que aumentou o controle estatal na definição dos preços a na alocação de recursos na economia. Legalmente, o Conselho não podia fixar preços, mas tinha poderes indiretos em questionar o reajuste de preços de empresas privadas, influenciando a dinâmica de competição dos mercados (BAER, 1985, p. 242). Dessa forma, as indústrias brasileiras passaram a ter concorrência tanto de empresas estrangeiras, como também, de companhias estatais. Na lista das maiores empresas do Brasil em 1980, por exemplo, estavam treze estatais, contra apenas quatro multinacionais e três grupos brasileiros (CALDEIRA, 2008, p. 210). Após um período de altas taxas de inflação no final da década de 1950 e no início da década de 1960, o governo militar também procurou combater a elevação de preços. Apesar disso, o país ainda conviveria com altas taxas de inflação durante toda a década (BAER, 1985, p. 180). Os resultados no campo do crescimento econômico também levariam alguns anos para aparecer. Entre 1962 e 1967, a economia cresceu em um ritmo médio de 3,7% ao ano, bem inferior aos 6,7% obtidos no período entre 1956 e 1962. Somente a partir do final da década o país volta a ter um ritmo forte de crescimento e com maior estabilidade da inflação. Entre 1968 e 1974, o país viveu um boom econômico, alcançando uma média anual de crescimento de 11,3%. Esse período ficaria conhecido como “milagre econômico”. O índice de preços que beirou os 100% em 1964, despencou para 20% no final dos anos de 1960 (BAER, 1985, p. 227). Neste período, as indústrias mais pesadas continuavam a ganhar mais espaço, enquanto setores tradicionais como o têxtil apresentavam resultados muito mais modestos. Destaca-se, ainda, a evolução da infraestrutura do país: a capacidade instalada de energia elétrica subiu de 6,8 milhões megawatts para 21,7 milhões no mesmo período; a taxa média anual de construção de estradas foi de 25% (BAER, 2002, p. 95). O gráfico 4-5 mostra a evolução da produção e consumo de energia elétrica no Brasil. É possível verificar, ao final da década de 1960, o aumento significativo da 54 demanda que também é acompanhado da expansão da oferta. Vale destacar que durante a década de 1970 há uma redução do excedente de energia disponível para consumo, justamente no período no qual ocorrem os choques do petróleo. Gráfico 4-5 - Relação de Produção e Consumo de Energia Elétrica Fonte: Ipeadata Durante o milagre econômico, a indústria teve um crescimento ainda mais notável do que no período de JK (ver tabela 4-9). Isso foi possível graças a um excesso de capacidade alcançado no período de baixo crescimento entre 1962 e 1967, quando a capacidade ociosa da indústria beirou 25%. Por outro lado, em 1972, a utilização da capacidade instalada já havia alcançado 100% (BAER, 2002, p. 96). Tabela 4-9 - Crescimento da Indústria entre 1957 e 1977 Período Taxa Anual de Crescimento 1957 – 1962 11,2% 1963 – 1967 2,9% 1968 – 1974 13,6% 1975 - 1977 7,6% Fonte: Reiss (1980, p. 163) Outro fator apontado por Baer (2002, p. 102) como fundamental para o crescimento econômico foi o aumento do nível de poupança do país que subiu de 0% 5% 10% 15% 20% 25% 0 50.000 100.000 150.000 200.000 250.000 300.000 350.000 400.000 450.000 500.000 1 9 5 2 1 9 5 4 1 9 5 6 1 9 5 8 1 9 6 0 1 9 6 2 1 9 6 4 1 9 6 6 1 9 6 8 1 9 7 0 1 9 7 2 1 9 7 4 1 9 7 6 1 9 7 8 1 9 8 0 1 9 8 2 1 9 8 4 1 9 8 6 1 9 8 8 1 9 9 0 1 9 9 2 1 9 9 4 1 9 9 6 1 9 9 8 2 0 0 0 2 0 0 2 2 0 0 4 2 0 0 6 Produção (GWh) Consumo (GWh) % Disponível para Consumo 55 17,5% do PIB em 1959 para 21% em 1973. No nível governamental, a variação deste percentual foi de 5,1% em 1959 para 8,4% em 1973. Esse crescimento ainda foi acompanhado de um aumento substancial dos investimentos diretos estrangeiros que subiram de uma média anual de US$ 84 milhões entre 1965-69 para US$ 1 bilhão no período de 1973-76 (BAER, 2002, p. 97). Em 1973, no entanto, com o primeiro choquedo petróleo, o Brasil viu sua dinâmica de crescimento se alterar. O preço do produto quadriplicou e como o país importava 80% do petróleo que consumia, a manutenção do mesmo patamar de crescimento econômico exigiria o sacrifício das reservas cambiais e o aumento do endividamento do país (BAER, 2002, p. 109). O gráfico 4-6 apresenta o histórico da cotação internacional do Petróleo, no qual é possível identificar o grande aumento do preço da commotity durante os dois choques do petróleo da década de 1970. Gráfico 4-6 - Cotação Internacional do Petróleo (US$) Fonte: Ipeadata Com o objetivo de retomar a dinâmica de crescimento, o governo instituiu, em 1975, o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (PND II, 1975-79), cujos objetivos relativos à indústria eram a substituição das importações de produtos industriais básicos e de bens de capital (BAER, 2002, p. 110). Mesmo com a criação do PND II, o Brasil começou a enfrentar uma situação de crise a partir do final da década de 1970. Em 1979, o segundo choque do petróleo prejudicou novamente a balança de pagamentos brasileira. Além disso, o crédito internacional se tornou mais restrito, o que aumentou ainda mais o já crescente nível 0,00 20,00 40,00 60,00 80,00 100,00 120,00 1 9 5 2 1 9 5 5 1 9 5 8 1 9 6 1 1 9 6 4 1 9 6 7 1 9 7 0 1 9 7 3 1 9 7 6 1 9 7 9 1 9 8 2 1 9 8 5 1 9 8 8 1 9 9 1 1 9 9 4 1 9 9 7 2 0 0 0 2 0 0 3 2 0 0 6 2 0 0 9 2 0 1 2 56 de endividamento do país, levando a novas pressões por austeridade econômica (BAER, 2002, p. 114). A deterioração da economia brasileira acarretou na mudança do ministro da fazenda, com o retorno de Delfim Neto, que havia comandado a pasta na época do milagre econômico. Quando assume o ministério, Delfim institui algumas medidas de grande impacto na indústria, entre elas: Desvalorização do Cruzeiro em 30%; eliminação dos subsídios à exportação; e extinção da Lei dos Similares (BAER, 2002, p. 117). Se as duas últimas medidas tinham impactos aparentemente negativos para a indústria, por outro, o Cruzeiro mais fraco tornava o produto nacional mais competitivo no mercado internacional. O reflexo dessa política de câmbio pode ser visualizado no gráfico 4-7 que apresenta a evolução da balança comercial brasileira, no qual se verifica o aumento do saldo a partir da década de 1980. Gráfico 4-7 - Saldo da Balança Comercial entre 1970 a 1989 (US$ milhões) Fonte: Ipeadata Entretanto, as ações não foram suficientes para melhorar o cenário nacional. Após anos de forte atividade econômica, o Brasil teve crescimento negativo em 1981. Em 1983, o país já se encontrava oficialmente em recessão, com queda de 5,1% no PIB e de 11,7% no PIB per capita em relação ao início da década (BAER, 2002, p. 125). A inflação que havia estado em patamares historicamente baixos para o padrão brasileiro sofreu uma disparada, superando a barreira dos 100% ao ano em 1980 e atingindo 224% em 1984 (BAER, 2002, p. 139). -10.000 -5.000 0 5.000 10.000 15.000 20.000 25.000 57 Em 1984, após vinte anos de ditadura militar, o Brasil passava por um processo de democratização com a saída do último presidente militar, João Figueiredo. Todavia, com a morte de Tancredo Neves, o país seria governado pelo vice, José Sarney. Em relação ao aumento geral dos preços iniciado no final da década de 1970, Baer (2002, p. 150) afirma que houve dois mecanismos propagadores deste processo inflacionário. O primeiro era a existência de instrumentos financeiros (principalmente de obrigações do governo) que permitiam a indexação de preços e, assim, geravam um sistema de retroalimentação do processo inflacionário. O segundo decorria da capacidade de indústrias oligopolistas de repassar os preços para os seus consumidores. O autor destaca que na indústria têxtil, que era uma das mais pulverizadas, o reajuste de preços se deu com menor intensidade. Dessa forma, o autor propõe que nestes setores as empresas não sofreram com a alta dos custos. Pelo contrário, poderiam melhorar a sua lucratividade sem aumentar a produtividade. A ideia de uma inflação com um crescimento inercial levou à criação de um novo plano econômico e de uma nova moeda pelo governo Sarney em 1986, o Plano Cruzado, que previa um controle rígido sobre os preços. Nos primeiros meses houve reduções significativas na inflação que fechou o ano em 65% ao ano. Ao mesmo tempo, a indústria voltou a crescer acima de 10% (BAER, 2002, p. 171). Entretanto, o congelamento de preços gerou um desequilíbrio entre setores e, em pouco tempo, começou a haver uma escassez de oferta, devido à falta de investimentos e ao reajuste automático de salários que continuavam a ocorrer. Assim, a utilização da capacidade industrial que era de apenas 72% em 1984, subiu para 82% no segundo semestre de 1986 (BAER, 2002, p. 1978). Já no ano seguinte ao seu lançamento, houve uma derrocada geral do plano, com a inflação atingindo mais de 1.000% ao ano e com o governo declarando moratória após as reservas internacionais do Banco Central minguarem (BAER, 2002, p. 189). Após o fracasso do Plano Cruzado, o Governo Sarney ainda teria outros dois ministros da fazenda que realizaram novas tentativas de redução da inflação (Plano Bresser de 1987 e Plano Verão em 1989) e que incluíram novamente o lançamento de uma nova moeda, o Cruzado Novo. Contudo, as ações do governo tornaram a falhar e o país entraria em um período de hiperinflação e estagnação econômica que durou de 1987 a 1992, com a economia crescendo a uma taxa anual média de 0,6% e a inflação alternando números de três a quatro dígitos (BAER, 2002, p. 195). Diante desse novo cenário, a retração da indústria foi evidente. O cenário só não foi pior, pois algumas empresas viram na desvalorização do Cruzeiro uma oportunidade para exportar os seus produtos. Houve um forte aumento na alocação de recursos em instrumentos financeiros em detrimento do setor produtivo durante a 58 década de 1980. Isto contribuiu para o declínio na atividade econômica e elevou a participação do setor financeiro no PIB de 8,5% para 19% (BAER, 2002, p. 198). Santos (2008) corrobora as constatações de Baer ao destacar que o investimento em bancos e em instituições financeiras foi uma estratégia empregada por grupos industriais como forma de proteção do patrimônio em meio à crise econômica. Surgiram nessa época bancos dos grupos Vicunha, Votorantim, Globo, Volks, Fiat, entre outros. A tabela 4-10 apresenta o crescimento industrial entre 1971 e 1989. É possível constatar que a indústria como um todo cresceu a altas taxas durante o início da década, atingindo o pico de crescimento em 1973. Nos anos seguintes, entretanto, verifica-se uma desaceleração substancial, apesar da recuperação pontual de 1976. Entre 1981 e 1983, o nível de atividade industrial declinou significativamente. Destaca- se, entre os subsetores, o fraco desempenho das indústrias pesadas, que representavam o cerne dos negócios da Votorantim. Esse cenário negativo se estenderia por toda a década de 1980, com um longo período de estagnação econômica e altos índices de inflação. 59 Tabela 4-10 - Taxas de Crescimento de Subsetores (1971-1989) Subsetor 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 Agricultura 10,2 4,0 0,1 1,3 6,6 2,4 12,1 -2,7 4,7 9,5 8,0 -0,2 -0,5 2,6 9,6 -8,2 15,2 1,5 2,9 Indústria 11,8 14,2 17,0 8,5 4,9 11,7 3,1 6,4 6,8 9,3 -8,8 0,2 -5,9 6,4 9,0 11,7 1,1 -2,6 2,9 Extrativa 3,6 2,4 - 23,2 3,0 2,8 -3,5 7,5 12,1 12,8 -2,5 6,9 15,5 30,5 11,6 3,7 -0,3 0,4 4,0 Manufatureira 11,9 14,0 16,6 7,8 3,8 12,1 2,3 6,1 6,9 9,1 -10,4 -0,2 -5,9 6,2 8,3 11,3 1,0 -3,4 2,9 Minerais não metálicos 4,4 13,8 16,3 14,8 9,0 12,4 7,1 5,6 5,9 7,7 -5,2 -2,8 -16,3 -0,2 8,0 17,2 2,3 -4,1 3,8 Produtos de metal 12,8 12,39,4 5,2 9,2 9,6 6,6 5,4 8,2 12,5 -17,0 -3,7 -2,6 13,8 7,3 12,0 0,4 -3,3 5,0 Maquinário 20,7 19,9 28,5 11,7 15,1 9,2 -6,7 1,7 7,7 14,5 -19,7 -17,3 -13,4 18,8 10,4 22,0 4,0 -8,6 5,0 Equipamento elétrico 12,9 22,1 27,9 10,2 0,5 17,7 0,3 17,0 7,7 12,3 -15,4 2,8 -11,2 2,0 19,0 22,6 -2,2 -4,4 5,7 Equipamento de transportes 24,8 22,5 27,6 18,9 0,5 8,7 -0,3 10,4 6,7 4,5 -22,9 -3,0 -6,7 4,6 11,7 12,5 -10,2 9,1 -2,8 Produtos de papel 7,0 7,5 9,4 4,3 -14,8 21,0 2,4 11,2 13,2 11,2 -6,9 7,2 1,7 6,8 6,5 10,5 3,6 -1,6 5,6 Produtos de borracha 12,9 13,0 22,3 18,2 4,7 11,1 -2,0 7,6 7,2 9,4 -14,6 -5,9 3,8 7,8 8,5 13,6 3,6 2,1 -1,9 Produtos químico 12,1 17,0 23,4 5,4 2,5 16,2 5,3 7,5 9,4 5,0 -1,2 8,1 -1,5 9,6 6,2 1,5 5,5 -3,0 -0,3 Perfumes, sabonetes e velas 19,8 9,1 6,6 11,5 3,7 15,2 -3,3 11,4 15,1 9,1 1,4 3,6 1,3 -1,1 15,9 20,0 12,3 -7,9 11,5 Produtos plásticos 10,1 18,3 28,2 23,2 5,1 20,7 0,3 9,3 6,5 14,5 -20,9 9,1 -10,2 4,3 11,5 21,6 -4,2 -7,2 12,4 Têxteis 16,6 3,8 6,9 -3,5 2,3 4,9 2,1 6,5 8,5 6,5 -13,7 5,0 -10,6 -3,6 13,5 13,5 -0,6 -6,1 0,5 Vesturário e calçados -7,7 5,0 14,1 2,1 7,2 10,5 -0,6 7,7 5,1 10,7 -0,7 3,0 -15,1 2,2 6,4 7,3 -9,6 -6,9 1,9 Produtos alimentícios 2,5 16,2 9,6 5,5 -0,1 12,8 6,6 -1,1 -0,4 8,4 2,7 1,3 3,3 -0,7 0,2 0,4 6,8 -2,4 1,3 Bebidas 11,3 4,8 17,8 8,3 5,5 13,2 13,0 7,1 4,6 2,0 -7,6 -2,4 -5,1 -0,5 11,0 23,2 -3,4 2,2 14,7 Fumo 4,9 6,0 6,4 12,8 7,9 9,2 8,2 5,8 7,5 -3,3 4,1 4,2 -1,7 3,3 11,7 7,5 2,1 1,0 5,1 Construção 11,2 17,9 20,9 9,1 8,1 10,2 5,2 6,2 3,7 9,0 -6,0 -1,3 -14,2 0,6 10,9 17,5 1,1 -2,9 3,3 Serviços 11,2 12,4 15,6 10,6 5,0 11,6 5,0 6,2 7,8 9,0 -2,2 2,0 -0,8 4,1 6,5 8,2 3,3 2,4 3,8 Fonte: Baer, 2002, 482 60 Em 1990, Fernando Collor de Mello assumiu a presidência enfrentando uma inflação com taxas mensais de 81%. Para contornar a “estagflação” que já durava desde 1987, o novo governo instituiu o Plano Collor I que tinha entre suas principais medidas: 80% de todos os depósitos de conta corrente, poupança e overnight que excedessem US$ 1.300,00 foram congelados por 18 meses, recebendo uma correção de 6% ao ano; introdução de uma nova moeda, o Cruzeiro; eliminação de incentivos fiscais para importação e exportação; liberação do câmbio e adoção de medidas para promover a abertura da economia brasileira; e criação de medidas para iniciar um processo de privatização. Como consequência, houve uma redução drástica da liquidez do país e a inflação baixou para uma taxa mensal de um dígito (BAER, 2002, p. 201). Entretanto, a brusca diminuição da liquidez reduziu ainda mais o já fraco desempenho econômico. Em decorrência disso, o governo começou a liberar muitos ativos financeiros bloqueados, sem, no entanto, ter uma norma estabelecida para isso. Assim, em pouco tempo a inflação começou a subir novamente (BAER, 2002, p. 203). Foi no governo do presidente Fernando Collor que foi concebido e executado o primeiro programa de privatizações, através do Programa Nacional de Desestatização. Esse plano foi replicado durante a década de 1990, quando várias estatais de diversos foram à leilão. A tabela 4-11 apresenta a relação das principais empresas privatizadas durante os anos 90. Tabela 4-11 – Principais Privatizações Realizadas Durante a Década de 1990 Empresa Indústria Ano Governo Usiminas Siderurgia 1991 Collor Acesita Siderurgia 1992 Companhia Siderúrgica Nacional Siderurgia 1993 Itamar Franco Cosipa Siderurgia 1993 Açominas Siderurgia 1993 Embraer Aviação 1994 Light Energia 1996 Fernando Henrique Vale do Rio Doce Mineração 1997 Embratel Telefonia 1998 Fonte: Russo (2013) Outros dois planos econômicos foram empreendidos durante o governo Collor, sem sucesso. Em 1992, envolvido em escândalos de corrupção e em crise política, o 61 congresso aprovou o impeachment do presidente, quando assumiu o vice-presidente Itamar Franco, que trocou de ministro da fazenda três vezes nos seus seis primeiros meses de mandato. O quarto ocupante do cargo foi Fernando Henrique Cardoso (FHC) que lançou um plano de austeridade chamado de “Plano de Ação Imediata”, cujo ponto básico era um corte nos gastos em todas as esferas do governo. Foi o primeiro movimento rumo a um novo plano de estabilização da moeda (BAER, 2002, p. 209). Nesta época, o Brasil completava seis anos de estagnação econômica (entre 1987 e 1993 a taxa de crescimento média do PIB foi de 0,5%) com hiperinflação. Em 1992, o PIB per capita real era 8% menor do que em 1980. Durante o período, o setor manufatureiro foi o q ue mais sofreu. A indústria de bens de capital teve a maior retração com média de -8,4% ao ano, seguido pelo setor de bens não duráveis (- 5,1%). O setor de construção civil, por sua vez, apresentou um desempenho médio anual de -1,1%. Já os investimentos fixos brutos que somaram 25% durante a década de 1970 declinaram para 14,5% em 1992. Por outro lado, com a política cambial favorável para as exportações, as vendas para o exterior cresceram a uma taxa média anual de 7,6% entre 1987 e 1992 (BAER, 2002, p. 211). No final de 1993, o ministro Fernando Henrique Cardoso propôs um novo programa de estabilização que consistia em dois pontos fundamentais: um ajuste fiscal e um novo sistema de indexação que levaria progressivamente a uma nova moeda. Assim, em julho de 1994, o governo introduziu oficialmente o Real. Vale destacar que, diferentemente dos planos econômicos lançados nos últimos anos, não houve no Plano Real um congelamento geral de preços. Os impactos iniciais da nova moeda foram positivos. A inflação caiu de 50,7% ao mês em junho, para 0,96% em setembro. Em 1996, a taxa anualizada chegou ao patamar de um dígito (BAER, 2002, p. 222). O gráfico 4-8 apresenta as taxas de inflação após o lançamento do Plano Real. Gráfico 4-8 - Inflação - IPCA (% a.a.) Fonte: Ipeadata, 2014 0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 25,00 62 O controle da inflação foi acompanhado por uma recuperação da economia que cresceu mais de 5% no ano de lançamento da nova moeda. A indústria que vinha sofrendo desde a década de 1980 com um baixo ritmo de crescimento, também teve um aumento anualizado, crescendo mais de 9% em 1994. Assim, a utilização da capacidade industrial pulou de 80% em julho de 1994 para 86% em abril do ano seguinte (BAER, 2002, p. 223). Os primeiros anos do Plano Real ainda foram marcados por elevadas taxas de juro que tinham o intuito de atrair fluxos externos de capital para o Brasil. Essas altas taxas passaram a comprometer diretamente o desempenho industrial, na medida em que encareceram o crédito e reduziram o consumo e o investimento (SIQUEIRA, 2000). Para Cano (2012), os elevados valores da taxa de juros oficial brasileira (Selic) fizeram com que os ganhos financeiros fossem mais atrativos do que os obtidos através da indústria, fazendo minguar o investimento produtivo, deixando, assim, a indústria brasileira vulnerável. O gráfico 4-9 apresenta a evolução das taxas Selic desde a implantação do Plano Real, no qual fica evidenciado que durante os cinco primeiros anos da nova moeda, o juro esteve recorrentemente a taxas superiores de 20%, passando de 50% nos primeiros anos do Real. Gráfico 4-9 - Taxa de juros - Over / Selic - (% a.a.) Fonte: Ipeadata, 2014 Além disso, as empresas exportadoras foram prejudicadas durante o período de câmbio fixo que vigorou de 1994 a 1999. A valorização artificial do Real reduziu a competitividade dos produtos brasileiros. Como resultado, a participação do Brasil nas 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% d ez -9 4 d ez -9 5 d ez -9 6 d ez -9 7 d ez -9 8 d ez -9 9 d ez -0 0 d ez -0 1 d ez -0 2 d ez -0 3 d ez -0 4 d ez -0 5 d ez -0 6 d ez -0 7 d ez -0 8 d ez -0 9 d ez -1 0 d ez -1 1 d ez -1 2 d ez -1 3 63 exportações mundiais caiu de cerca de 1,5% no início da década de 1980 para 0,8% no finalda década de 1990 (BAER, 2002, p. 226). O gráfico 4-10 apresenta o saldo da balança comercial entre 1990 e 2013, indicando a deterioração das exportações com o início do Plano Real. Gráfico 4-10 - Saldo da Balança Comercial entre 1990 e 2013 (US$ milhões) Fonte: Ipeadata No final da década, o país sofreu seriamente com as crises da Ásia (1997) e da Rússia (1998). Houve uma intensa fuga de capitais do Brasil e as reservas cambiais brasileiras minguaram em poucos meses. Em consequência desses problemas, a economia voltou a ficar estacionada, tendo crescimento nulo em 1998. (BAER, 2002, p. 237). Para evitar uma nova derrocada de um plano de estabilização, o Brasil recorreu ao Fundo Monetário Internacional (FMI) que lançou um pacote de auxílio econômico ao país. O Real, por sua vez, foi descolado do dólar, o que gerou uma desvalorização imediata de 40% da moeda nacional (BAER, 2002, p. 231). Os setores importadores tiveram perdas significativas, pois passaram a ter que lidar com preços bem mais elevados. Além disso, a inflação que vinha em uma trajetória decrescente voltou a subir em 1999. Baer (2002, p. 471) afirma, porém, que a desvalorização do Real em janeiro de 1999 trouxe mais consequências positivas do que negativas para o Brasil. Os produtos brasileiros voltaram a ser mais competitivos, principalmente no Mercosul ,e a balança comercial que havia sido negativa em US$ 8,4 bilhões em 1997 teve um déficit de apenas US$ 0,7 bilhões em 2000. O autor ainda destaca o reaquecimento da economia que voltou a crescer (4,4% em 2000). -10.000 0 10.000 20.000 30.000 40.000 50.000 1 9 9 0 1 9 9 1 1 9 9 2 1 9 9 3 1 9 9 4 1 9 9 5 1 9 9 6 1 9 9 7 1 9 9 8 1 9 9 9 2 0 0 0 2 0 0 1 2 0 0 2 2 0 0 3 2 0 0 4 2 0 0 5 2 0 0 6 2 0 0 7 2 0 0 8 2 0 0 9 2 0 1 0 2 0 1 1 2 0 1 2 2 0 1 3 64 A partir de 1999, a política econômica brasileira passou a ser direcionada através de três pilares básicos: Regime de flutuação cambial; metas de inflação; e compromisso de manutenção de superávits primários (NASSIF & PUGA, 2004). Durante o ano de 2001, quando o país já apresentava sinais de melhora das turbulências enfrentadas no final do século, o Brasil se viu diante de uma crise de escassez energética. Para evitar um apagão geral, o governo lançou mão de um plano de racionamento de energia elétrica que, por sua vez, exerceu uma pressão negativa sobre o crescimento econômico e da indústria. Ao mesmo tempo, a Argentina, um dos principais destinos das exportações brasileiras, enfrentou uma grave depressão econômica. Além disso, houve os ataques terroristas de 11 de setembro que geraram impactos no cenário global como um todo. Como resultado, o país voltou a ter um crescimento modesto, de apenas 1,5% (BAER, 2002, p. 475). Em 2002, após oito anos de governo FHC, o Brasil passa por nova campanha presidencial. Durante as eleições, a tendência de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, pudesse sair vitorioso ainda no primeiro turno gerou um temor no mercado que ficou conhecido como “risco Lula”. Havia um grande receio de que o candidato não honrasse os compromissos assumidos com o FMI e desse um calote na dívida (BENEVIDES, 2002). O reflexo disso foi uma disparada na taxa do dólar, conforme é observado no gráfico 4-11. Em 2001, a cotação que era de 1,97 em janeiro de 2001, chegou a 3,89 às vésperas das eleições em setembro de 2002. Além disso, o risco-país, medido pelos C-Bonds, atingiu mais de 2.000 pontos-base em outubro de 2002, depois de estar em pouco mais de 700 pontos em março daquele ano (GIAMBIAGI et al, 2011). Gráfico 4-11 - Taxa de Câmbio (Real x Dólar) Fonte: Ipeadata 0,0000 0,5000 1,0000 1,5000 2,0000 2,5000 3,0000 3,5000 4,0000 ju n /9 4 m ai /9 5 ab r/ 9 6 m ar /9 7 fe v/ 9 8 ja n /9 9 d ez /9 9 n o v/ 0 0 o u t/ 0 1 se t/ 0 2 ag o /0 3 ju l/ 0 4 ju n /0 5 m ai /0 6 ab r/ 0 7 m ar /0 8 fe v/ 0 9 ja n /1 0 d ez /1 0 n o v/ 1 1 o u t/ 1 2 se t/ 1 3 65 Apesar dos temores do mercado, Lula nomeou Henrique Meirelles, um banqueiro de carreira com prestígio internacional, para ocupar o cargo do Banco Central. Além disso, honrou os acordos realizados pelo governo anterior e tomou medidas de austeridade, acalmando o mercado financeiro (GIAMBIAGI et al, 2011). Os cinco primeiros anos do Governo petista, entre 2003 e 2008 foram marcados pelo crescimento econômico. Nesse período, a taxa média de expansão do PIB foi de 4,2%. Outro avanço se deu na relação investimentos/PIB que saltou de 16,23% no primeiro trimestre de 2003, para 20,1% no terceiro trimestre de 2008 (CURADO, 2011). Essa recuperação da economia brasileira ocorria na mesma época em que o mundo vivia o seu maior pico de crescimento desde a década de 1970, crescendo a uma taxa média de 4,9% entre 2003 e 2006. O forte movimento econômico levou a uma alta do preço das commodities. Entre as médias anuais de 2002 e 2008, os preços em dólar dos produtos básicos e semimanufaturados exportados pelo país crescerem 164% e 134%, respectivamente (GIAMBIAGI et al, 2011). À frente desse bom momento global estava a China que vinha apresentando uma taxa de expansão em torno de 10% ao ano (UOL, 2006), conforme apresentado no gráfico 4-12. Gráfico 4-12 - PIB da China em US$ - 1960 – 2013 Fonte: Banco Mundial Com um grande apetite por commodities, a China viria a se tornar o maior parceiro comercial do Brasil em 2009, posição que era ocupada pelos EUA desde a década de 1930, atingindo 15,2% da pauta de exportações brasileiras em 2010, - 1.000,00 2.000,00 3.000,00 4.000,00 5.000,00 6.000,00 7.000,00 8.000,00 9.000,00 1 9 6 0 1 9 6 2 1 9 6 4 1 9 6 6 1 9 6 8 1 9 7 0 1 9 7 2 1 9 7 4 1 9 7 6 1 9 7 8 1 9 8 0 1 9 8 2 1 9 8 4 1 9 8 6 1 9 8 8 1 9 9 0 1 9 9 2 1 9 9 4 1 9 9 6 1 9 9 8 2 0 0 0 2 0 0 2 2 0 0 4 2 0 0 6 2 0 0 8 2 0 1 0 2 0 1 2 66 conforme gráfico 4-13. As exportações cresceram a uma taxa média anual de 30% entre 2003 e 2008, saltando de R$ 48 para R$ 173 bilhões (RIBEIRO, 2009). Gráfico 4-13 – Participação das vendas para a China no total das exportações do Brasil Fonte: Giambiagi et al, 2011 Com o reaquecimento da economia nacional, junto com um cenário mais positivo para as exportações, a composição do PIB brasileiro sofre algumas alterações, conforme pode ser observado na tabela 4-12. A agropecuária que vinha perdendo participação nas últimas décadas volta a ganhar fôlego. Destaca-se, também, o aumento do setor de extração mineral. Tabela 4-12 -- Participação dos Setores da Atividade Econômica no PIB em Anos Selecionados Setor 1980 1990 2000 2004 Agropecuária 10,1 6,9 7,7 9,7 Extrativa mineral 1,0 1,5 2,5 4,0 Indústria de transformação 31,3 22,7 21,6 23,0 Serviços Ind. de Util. Públ. 1,8 2,3 3,3 3,3 Construção Civil 6,8 6,6 8,7 7,0 Serviços 49,0 60,1 56,3 53,1 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: Nassif, 2006 Os anos de forte crescimento da economia mundial foram interrompidos pela crise econômica que se iniciou no mercado imobiliário dos Estados Unidos e foi deflagrada para o mundo na quebra do Banco Lehman Brothers, em setembro de 2008. 0 2 4 6 8 10 12 14 16 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 67 Como reflexo da crise, houve congelamento dos mercados interbancários e financeiros internacionais, fuga dos investidores estrangeiros e, ainda, desmontagem das operações com derivativos cambiais realizadas pelas empresas que conduziram à rápida deterioração das expectativas dos bancos (FREITAS, 2009). Assim, em 2009, a economia brasileira teve retração de 0,33%. Freitas (2009) destaca, ainda, que como a crise atingiu a economia brasileira num momento de auge, no qualo país vinha passando por seis trimestres de contínuo crescimento, as empresas, em geral, planejavam investimentos para aumentar a capacidade produtiva. A escassez de crédito causada pela reversão das expectativas dos bancos gerou uma rápida desaceleração econômica e o aumento dos custos do crédito. Além disso, houve diminuição do comércio e das demanda mundiais, afetando significativamente as exportações das empresas brasileiras. Portanto, o colapso financeiro de 2008 impactou as empresas brasileiras em diversas frentes. Por um lado, reduziu a demanda interna, gerando excesso de capacidade e derrubando o nível de produção industrial. Por outro, a desvalorização do Real afetou as dívidas atreladas ao dólar, aumentando as despesas financeiras (FUNDAP, 2009). Apesar de apenas 20% dos produtos industrializados brasileiros serem direcionados para o mercado externo, a retração do comércio internacional respondeu pela metade dessa redução. Na indústria de transformação, esse valor chegou a 55% de retração. Em março de 2009, as exportações de produtos industrializados eram 22% menor do que o patamar de setembro do ano anterior (BNDES, 2009). Já o preço das principais commodities, que representam cerca de 60% na pauta de exportação nacional, chegaram a ter uma queda de 20% durante o principal período de turbulência (BNDES, 2008). Nos últimos meses de 2008, a produção da indústria despencou e, em dezembro, registrou a maior queda histórica da série desde 1991: A produção caiu 12,4 % em relação ao mês anterior e 14,5% em relação a Dezembro de 2007. Apesar de enfrentar a maior crise mundial desde 1929, o Brasil conseguiu superar rapidamente a recessão. Com uma política de estímulo à demanda e de expansão de crédito por parte dos bancos públicos, o país cresceu 7,5% em 2010 (PASTORE et al, 2012). Entretanto, o país não conseguiu manter esse ritmo, crescendo a uma média de 2% nos anos seguintes. Já a indústria, também patinou nos últimos anos. Em 2011, a produção do setor teve um ligeiro avanço de apenas 0,3%. Em 2012, recuou 2,5% e, em 2013, não conseguiu recuperar as perdas do ano anterior, crescendo 1,2% (TERRA, 2014). 68 5 HISTÓRICO MATARAZZO Francesco Matarazzo nasceu em 1854 na cidade de Castellabate, na Sicília. Descendente de uma ilustre família italiana, o jovem Francesco teve que abandonar os estudos em Letras e Ciências no Liceu de Salerno para se dedicar ao trabalho, após a morte de seu pai (RUST, 1934, p. 1934). Na época, a Itália passava por uma série de problemas sociais e econômicos e, por isso, o italiano resolveu procurar por oportunidades no Brasil, onde compatriotas já haviam se estabelecido e começavam a fazer fortunas (ESTADÃO, 1937). Assim, aportou no Brasil em 1882 carregando uma experiência comercial na Itália, a instrução secundária completa, além de habilidade com números e na escrita. (COUTO1, 2004, p. 157). Ainda, trouxe consigo uma quantia em dinheiro e uma carga de banha de porco que seria vendida em terras nacionais. Entretanto, a mercadoria afundou quando a embarcação fazia uma parada na Baia de Guanabara, causando o primeiro grande prejuízo para o italiano. Após o incidente, Francesco se fixa em Sorocaba (que já vinha recebendo muitos imigrantes italianos) e estabelece um pequeno comércio. Em pouco tempo, o empresário percebe que o país importava uma grande quantidade de banha de porco. Assim, utilizando-se de sua experiência anterior no ramo, abre uma fabriqueta para produzir o produto e, logo depois, outras duas. Além disso, Matarazzo passa a percorrer toda a região comprando e vendendo os mais variados produtos (MARTINS, 1976, p. 18). Para Francesco, o sucesso do negócio estava em comprar os produtos o mais barato possível para poder revendê-los a um bom preço depois, sempre com uma margem superior à de seus concorrentes (MATARAZZO, 1982, p. 24). Outro motivo que contribuiu para o rápido sucesso do seu empreendimento nesse período está relacionado à introdução do sistema de compra e venda a prazo, até então uma inovação na região de Sorocaba (COUTO1, 2004, p. 161). Assim, obtendo escala cada vez maior, o empreendedor conseguia adquirir animais a preços mais baixos, revendendo, inclusive, para os seus concorrentes. Matarazzo também aprimorou o seu processo produtivo, ao desenvolver ele mesmo uma prensa para a fabricação da banha. Além disso, decidiu vender o produto enlatado (até aquele momento a comercialização era feita em caixas de madeira importada e, invariavelmente, se tornavam escassas). Com isso, deu mais um passo para se sobressair em relação à concorrência. A lata, além de conservar e proteger melhor o produto, possibilitava a comercialização a preços menores e de acordo com uma quantidade compatível ao consumo familiar (COUTO1, 2004, p. 181 e 183). 69 Nessa época, o empresário já dá os primeiros sinais do que viria a ser duas características marcantes dos seus negócios: A verticalização e o investimento em produtos de consumo. Assim, comprava os suínos, fabricava a banha e fazia a comercialização em seu armazém. Dessa maneira, se mantinha à frente de todas as etapas do negócio, reduzindo a dependência de fornecedores (COUTO1, 2004, p. 194). Em 1890, após a abolição da escravatura e já sob o regime da República, Francesco Matarazzo parte para São Paulo, que começava a se tornar uma cidade mais importante e que poderia lhe proporcionar mais possiblidades de crescimento. Indo na contramão da tendência dos investidores da capital que, incentivados pela política do Encilhamento, aplicavam o dinheiro em estabelecimentos industriais e bancários, Francesco decide migrar novamente para a importação e o comércio (COUTO1, 2014, p. 225). Vende, portanto, parte das unidades fabris de banha à nova Companhia Matarazzo, uma sociedade anônima composta por 43 acionistas, incluindo o próprio Francesco e seu irmão José. Francesco recebeu cerca de 70 contos de réis pelos seus ativos, precisando, assim, empatar apenas 28 contos pela participação de 10% na nova sociedade. Com o lucro obtido na operação, fundou com seu irmão André a F. Matarazzo & Cia Ltda., com sede na Rua 25 de Março, se destacando na importação de bens de consumo (MARTINS, 1976, p. 25). Quando Francesco Matarazzo chegou a São Paulo, a cidade era apenas a quinta capital brasileira em população (atrás do Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Belém). Todavia, o momento para a migração não poderia ser mais propício. Nos dez anos seguintes a população iria quadruplicar, atingindo cerca de 240 mil habitantes (COUTO1, 2004, p. 243). Nesse período, ele se destaca no comércio paulistano, importando trigo e algodão dos Estados Unidos, além de comercializar arroz, massas, banhas, óleos, bacalhau e outros alimentos. Assim, ganha porte e reputação, e constrói o famoso palacete da família na recém-inaugurada Avenida Paulista (COUTO1, 2004, p. 263). Mas, é em 1900, quando funda a Moinho Matarazzo, que ele dá o importante salto de comerciante e importador para grande industrial. Na época, sua empresa importava farinha de trigo americana com a ajuda de crédito do banco British Bank of South America (VICHNEWSKI, 2004). Entretanto, a grande distância da viagem fazia com que muitas vezes o produto chegasse ao Brasil em más condições de consumo, o que fez o empresário cogitar a possibilidade de produzir a farinha em terras nacionais (ESTADÂO, 1937). Assim, seu objetivo era importar o trigo e moê-lo, substituindo a importação da farinha pela do cereal. Esse foi o pontapé inicial para expansão do grupo. Para isso, 70 Francesco Matarazzo conseguiu um crédito junto aos banqueiros ingleses que era alto até mesmo para os seus padrões. (COUTO1, 2004, p. 268). Com maquinários adquiridos na Inglaterra e ajuda de técnicos ingleses, rapidamente o Moinho Matarazzo passou a ser o líder no mercado de SãoPaulo, superando os moinhos Gamba e Santista (BARDESE, 2011). A escolha do local para a construção da primeira unidade industrial da Matarazzo levou em conta a proximidade com a ferrovia Santos–Jundiaí, que facilitaria o transporte do trigo entre o porto de Santos e seus depósitos. Além disso, havia energia abundante provida pelo rio Tamanduateí. Finalmente, a região era um reduto da imigração italiana, o que garantiria uma grande oferta de mão de obra (BARDESE, 2011). Rodrigues e Vilela (2013) destacam que no início do século XX os estrangeiros chegaram a compor 80% de toda a mão de obra das fábricas Matarazzo. Foi a partir do moinho que se deu o desdobramento das atividades industriais da organização. Inicialmente, a partir dos negócios já existentes, através da integração vertical. O moinho dispunha de uma unidade de fabricação de sacaria para acondicionamento da farinha. Em 1901, o excesso de capacidade de produção de sacos fez com que a Matarazzo transformasse a seção na Tecelagem de Algodão Mariângela para produzir, inicialmente, produtos mais toscos como sacos de aniagem para revenda. Porém, logo a unidade começaria a fabricar tecidos para vestuário (COUTO1, p. 286). Esse desdobramento das atividades produtivas e a consequente abertura de novas fábricas denotaria uma característica muito forte do modelo de crescimento da Matarazzo. Anos mais tarde, ele destacaria para o seu biógrafo sobre a importância da produção para a sua organização: “Capital grande só serve para enganar a humanidade. O que é preciso é crédito e trabalho. Não se deve preocupar com o dinheiro: a produção é que importa. Produzir para as necessidades do país. No Brasil toda a indústria tem que ser produtiva e será, por isso, rendosa” (RUST, 1934). No final da década, Francesco Matarazzo iria aprimorar a fábrica de tecelagem e instalar um equipamento de fiação, além de uma seção de tinturaria e outra de estamparia. De acordo com Dean (1971, p. 70) a estamparia da Matarazzo foi a única paulista que operou lucrativamente antes da Primeira Guerra Mundial. Dessa forma, apesar do desenvolvimento do grupo industrial ter se iniciado com o moinho de trigo, a tecelagem se tornaria o seu principal negócio (REISS, 1980, p. 28). Uma reportagem do jornal O Estado de São Paulo (1909) demonstra a dimensão da fábrica Mariângela: 71 “Às 11 horas da noite, mais ou menos, estava funcionando com toda a regularidade uma seção da fiação dirigida pelo sr. Maffei, com cerca de 400 operários, entre homens mulheres e crianças [...] A fábrica de tecidos funciona com 1.300 teares, movidos por um motor de 150 cavalos, e com cerca de dois mil funcionários, está segurada em várias companhias em elevadíssima quantia”. O texto do Estadão destaca a presença de crianças na fábrica, o que não era incomum para a época. Chegou-se a encontrar máquinas têxteis com a metade do tamanho para que elas pudessem utilizá-las. Vale destacar, ainda, que acidentes eram frequentes na época, o que fez a empresa contratar um seguro contra acidentes para os operários do moinho em 1910 (ESTADÃO, 1910). Além da sacaria, o moinho ainda tinha uma seção para conserto de peças e estoque de sobressalentes da unidade fabril. Em 1902, essa oficina de manutenção é ampliada e transformada em metalúrgica com o objetivo de fabricar latas para as embalagens de seus produtos. Posteriormente, a unidade começaria a produzir brinquedos, artigos de alumínio e utensílios de cozinha (ESTADÃO, 1937). No mesmo ano, para depender menos do algodão, montou a própria descaroçadora para abastecer a fábrica têxtil. As sobras de caroços, por sua vez, levam à produção de óleo de algodão. Assim, em pouco tempo, a Matarazzo consegue o monopólio do processo de desodorização do óleo e começa a produzir óleos vegetais e glicerina. A partir disso, migra para a indústria do sabão. Esse produto, demanda a soda cáustica e, por consequência, Francesco começa a vender este item em pequenas latas (MARTINS, 1976, p. 31). Dessa forma, estão prontos os alicerces dos três primeiros pilares industriais do grupo Matarazzo: Moagem de trigo, tecelagem e fabricação de óleos. Estes seriam o referencial básico da expansão e diversificação do grupo, mediante verticalização das atividades. Para cima e para baixo. Isto é, no sentido dos insumos e, também, dos produtos (COUTO1, 2004, p. 287). O empreendedor enfrentou, por outro lado, um revés durante esse período. Em 1906, Francesco comprou uma fábrica de fósforos. Entretanto, ao contrário dos outros setores, este já contava com uma concorrência mais acentuada, com vinte e oito empresas, entre elas uma estrangeira, a Fiat Lux, que se recusou a participar de várias tentativas de cartelização do setor. Assim, a empresa sueca acabou comprando diversas empresas, entre elas, a de Matarazzo. (REISS, 1980, p. 28). Ainda no início do século, Francesco Matarazzo participou da sociedade de instituições financeiras que lhe adicionaram fontes de capital expressivas para sua expansão. Primeiro, entrou como sócio do Banco Commerciale Italiano di São Paulo, 72 fundado em 1900, e encerrado dois anos mais tarde. Depois, abriu o Banco Italiano del Brasile, fundado em 1905, e que teve seus ativos incorporados pelo Banco Commerciali Italo-Brasiliano, fundado por Francesco Matarazzo em 1907 (MARTINS, 1976, p. 32). Através do banco, o empresário conseguiu se tornar o responsável pelas remessas de dinheiro dos italianos para o seu país. Assim, passou a controlar uma grande quantia de dinheiro que se tornou uma importante fonte de financiamento para a expansão dos seus negócios (REISS, 1980, p. 30). Em 1911, a F. Matarazzo & Cia é transformada em sociedade anônima, criando oficialmente a Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM). A criação da IRFM também instituiu oficialmente o lema da empresa: Fides, Honor, Labor - Fé, Honra e Trabalho (MATARAZZO, 1982, p. 33). É possível verificar pelos dados patrimoniais do Grupo, apresentados na tabela 5-1, a importância das unidades de trigo e de tecelagem que juntas representavam mais de 80% do patrimônio da IRFM na época. Tabela 5-1- Patrimônio da IRFM em 1911 Fábrica Patrimônio (em Réis) % do Total Fábrica de fiação, tecelagem, malharia e tinturaria 4.900:000$ 57,6% Moinho de trigo (com depósitos e armazéns) 2.000:000$ 23,6% Fábrica de óleos e sabão 700:000$ 8,2% Prédio da administração central 400:000$ 4,7% Engenho de beneficiar arroz 160:000$ 1,9% Armazéns para inflamáveis 140:000$ 1,6% Estamparia de tecidos (em construção) 100:000$ 1,2% Cocheiras 50:000$ 0,6% Depósitos e armazéns 40:000$ 0,5% Fábrica de banha em Itapetininga 10:000$ 0,1% Total 8.500:000$ Fonte: Martins, 1976, p. 35 Apesar de ser uma sociedade anônima, a IRFM tinha o capital totalmente concentrado entre Francesco e seu irmão Andrea, conforme pode ser observado no gráfico 5-1. 73 Gráfico 5-1 - Distribuição do Capital da IRFM Fonte: Vilela e Rodrigues (2013) O estatuto estabelecido para a nova companhia ainda previa a destinação dos lucros da seguinte forma (RODRIGUES & VILELA, 2013): “Dos lucros líquidos apurados nos balanços anuais, seriam deduzidas as seguintes verbas, sendo que o saldo remanescente era distribuído como dividendos aos acionistas:” 5% para a conta do fundo de reserva; 7% calculada sobre o valor dos imóveis, móveis e máquinas para ser levada à conta de depreciação dos mesmos; 5% destinado à conservação e aumento de fábricas; 10% para a diretoria a título de pró-labore, sendo 6% para o presidente e 2% para cada um dos diretores; 0,5% para ser levada a um fundo de auxílios e previdência destinado à beneficiar os empregados da companhia e suas famílias, em caso de enfermidade ou morte.” A Diretoria da IRFM era composta por Francesco, seu irmão e seu filhoErmelino, conforme é mostrado na figura 5-2. O Grupo ainda contava com um Conselho Fiscal composto por três pessoas. Andrea Matarazzo; 19,94% Outros (familiares e funcionários); 0,30% Francesco Matarazzo; 79,76% 74 Figura 5-1 - Composição da Diretoria da IRFM Fonte: Vilela e Rodrigues (2013) As atribuições dos diretores estavam assim divididas (VILELA & RODRIGUES, 2013): “Diretor Presidente a) Presidir as sessões da diretoria, executar e fazer executar as suas deliberações e as da assembleia geral; b) Convocar a diretoria e o conselho fiscal, quando julgar conveniente; c) Rubricar, abrir e encerrar os livros das atas da assembleia geral, da diretoria e do conselho fiscal; d) Nomear procuradores, que poderão gerir a sociedade, cada um de por si ou coletivamente, a juízo do mesmo diretor presidente. e) Representar a sociedade em juízo em todas as ações por ela intentadas ou contra ela movidas; f) Celebrar contratos e assumir encargos e obrigações pela sociedade, inclusive títulos de crédito e de comércio, pela forma e condições que as operações exigirem e o interesse da sociedade aconselhar; g) Delegar todos estes poderes ao diretor-gerente, quando tiver de se ausentar. Diretor Gerente a) Dirigir e inspecionar os trabalhos de construção do edifício e montagem dos necessários equipamentos, até sua completa instalação e funcionamento (assim como os aumentos e melhoramentos que a diretoria resolver fazer), estando sempre à testa das obras; e, depois delas concluídas, transferir para lá a sua residência efetiva, e assumir a gerência da empresa, dirigindo-a conforme for deliberado pela diretoria; b) Nomear e demitir empregados auxiliares, de acordo com os outros diretores; Francesco Matarazzo Diretor Presidente Ermelino Matarazzo Diretor Gerente Andrea Matarazzo Diretor Secretário 75 c) Dirigir o escritório e todas as operações comerciais e industriais de interesse da sociedade, deliberadas pela diretoria; d) Intervir nas questões de administração na ausência do presidente, ou por determinação deste; e) Mandar, quinzenalmente, à sede administrativa em S. Paulo, relatório do movimento da empresa, conforme a diretoria determinar; não podendo ocupar- se em negócios estranhos ao interesse da sociedade.” Vale ressaltar que a criação de um grupo unificado demarcou mais uma vez o perfil de verticalização e centralização da Matarazzo, conforme foi destacado por MARTINS (1976, p. 56): “A constituição das Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo, em 1911, denotava a burocratização dos serviços e a centralização do poder num escritório central, o que implicava num estilo de dominação interna marcada pela diluição de poder nos diversos cargos hierárquicos mediante regulamentação. Porém, o poder não só foi centralizado, mas também concentrado na pessoa de Francisco, que, ao invés de especializar-se no exercício da autoridade, procurou manter o mesmo estilo de controle inerente à pequena empresa e à dominação familiar”. Na época da criação da IRFM, Francesco Matarazzo já era o principal industrial brasileiro. Uma matéria do Estadão sobre a evolução da indústria de São Paulo dedicou duas páginas às unidades do seu grupo, na qual destacava a importância dos produtos Matarazzo para o cotidiano das pessoas na época. “O seu feliz sucesso não tem sido talvez devido senão ao fato de todas as indústrias, por ele exploradas, fazerem parte integrante de nossas necessidades imediatas” (Estadão, 1911). No mesmo ano em que criou a IRFM, a Matarazzo instalou a sua primeira grande usina de açúcar. Além disso, o alto consumo de madeira para a construção e instalação de suas unidades levou à criação de serrarias e carpintarias próprias. Em 1912, pelo mesmo motivo, passou a fabricar pregos. Ainda, inaugurou a Tecelagem e a Amideria Belenzinho, que levou às plantações de mandioca e abertura de uma fecularia (COUTO2, 2004, p. 22). A partir daí, o crescimento foi marcado pela ampliação das atividades e expansão geográfica principalmente nos setores onde o grupo já atuava, com exceção de uns poucos negócios como a Sociedade de Navegação Paulista Matarazzo Ltda, que detinha uma frota própria de navios que transportava trigo da Argentina para Santos (COUTO2, 2004, p. 4). Anos depois, a Matarazzo também expandiria sua 76 atuação no transporte a partir da compra de vagões e locomotivas próprias, como pode ser observado no relato de um funcionário para a Revista Síntese (1949, p. 122): “Exportávamos madeiras para a Argentina, de Antonina, e mandávamos boa parte a São Paulo para o uso das próprias Indústrias. O transporte era feito com locomotivas e vagões próprios da firma. Começamos com cerca de 10 vagões, empregando, em seguida, mais de uma centena de vagões (170) e locomotivas próprias. Tínhamos um contrato para circulação nos trilhos da Sorocabana e da São Paulo – Rio Grande. Alcançamos, em média, um movimento de 200 vagões por mês. Os nossos vagões frigoríficos faziam cerca de 260 viagens, anualmente, entre o Sul e São Paulo, somente para o transporte de produtos resfriados”. Segundo Dean (1971, p. 72), apesar do crescimento, o grupo Matarazzo mantinha uma política de revender os seus produtos diretamente para os varejistas. De acordo com o historiador, a organização tinha durante a década de 1930 cerca de 45.000 contas, sendo que ainda havia uma preferência por se trabalhar com as pequenas companhias ao invés das grandes. Para Francesco, além de serem mais leais, as perdas que acarretavam quando falhavam eram insignificantes. Apesar do elevado número de contas e de empresas, a gestão do grupo parecia ocorrer de maneira informal e centralizada, conforme relatos do próprio Francesco Matarazzo: “Eu conservo o hábito de receber a todos os chefes dos diversos departamentos, diariamente neste gabinete, examinando lhes as pastas e emitindo minha opinião sobre diferentes negócios. Tenho uma vantagem sobre eles: minha memória continua a mesma amiga fiel de cinquenta anos atrás. Enquanto os auxiliares fazem cálculos com o auxílio do lápis ou da pena, eu os realizo mentalmente” (MARTINS, 1976, p. 57). Décadas depois, Maria Pia Matarazzo, neta do fundador e quarta pessoa a comandar o grupo endossaria o método de administração estabelecido pelo patriarca. “Controle exige olho! Por exemplo: meu pai dizia que nas unidades se controlava o gasto por intermédio do vapor. Excesso de vapor no ar, perda de dinheiro. A caldeira era a base do controle econômico da unidade” (COUTO 2 , 2004, p. 240). Pouco antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial, Francesco já havia começado a transferir gradativamente a gestão do grupo para o seu filho Ermelino. Assim, em 1914, ele foi para a Itália descansar e passou o comando da IRFM para Ermelino, então com 31 anos. Ele não era o filho mais velho, mas foi o primeiro nascido no Brasil e, assim, foi escolhido para prosseguir com os negócios da família - o Anexo 4 apresenta a árvore genealógica da família de Francesco Matarazzo. Dessa 77 forma, foi enviado pelo pai para a Suíça onde estudou dos sete aos dezoito anos, além de ter realizado estágios na Alemanha, Inglaterra e França (Martins, 1972). Durante o período da Guerra, a IRFM estava em posição privilegiada. O seu ponto forte, produtos básicos e essenciais ao consumidor, continuaram a ter alta demanda. Além disso, apesar dos conflitos, o grupo conseguiu manter o acesso aos seus principais insumos. Boa parte das matérias primas utilizadas eram de procedência nacional e quando não eram, como era o caso dos moinhos, havia a opção de comprar de outros países que não estavam em guerra, como a Argentina (COUTO2, 2004, p. 38). Vale destacar que foi durante guerra que Francesco Matarazzo recebeu o título de Conde pelos serviços prestados à Itáliadurante o período de conflito (COUTO2, 2004, p. 34). Em 1916, a Matarazzo compra a Companhia de Fábricas Pamplona que tinha linhas de produção de sal, graxa, óleos e velas. Na mesma época, investe em novos moinhos de trigo, usinas de açúcar e refinarias de sal (REIS, 1980, p. 31). Nesses anos, Ermelino, que estava à frente do Grupo, também realizou um grande investimento no Sul do país, criando as Indústrias Matarazzo do Paraná. Em 1904, seu pai havia adquirido terras na cidade litorânea de Antonina, situada a 90 km de Curitiba. Assim, dez anos depois, Ermelino anunciou a criação da nova empresa e a subscrição de ações com o objetivo de construir um moinho de trigo no local. O moinho foi inaugurado em 1917 com capacidade de produção de mil sacos de farinha por dia e uma estrada de ferro ligando a unidade à cidade (ESTADÃO, 1917). Diferentemente da IRFM na qual havia total concentração de capital, a Indústrias Matarazzo do Paraná tinha diversos sócios, cuja divisão de capital, é apresentada no gráfico 5-2. É importante frisar que durante essas décadas a indústria nacional era incipiente e, com uma população crescente, a Matarazzo se aproveitou de uma demanda crescente por produtos de consumo. “(Cláudio) Bardella lembra que Matarazzo entrou principalmente em consumo de massa: banha, tecidos, farinha de trigo, óleos comestíveis, sabonetes, etc. Isto é, em “non tradeables”. Assim, praticamente não tinha de enfrentar a competição internacional. Geralmente, o próprio custo do frete internacional bastava para proteger a produção interna” (COUTO 2 , 2004, p. 335). 78 Gráfico 5-2 - Distribuição do Capital da Indústrias Matarazzo do Paraná Fonte: Vilela e Rodrigues (2013) Outro ponto importante sobre essa fase da IRFM é destacado por Reiss (1980, p. 41) que afirma que conforme o Conde investia em novas indústrias, ele não abdicava de seus estabelecimentos comerciais. Pelo contrário, o comércio se tornava ainda mais importante, aumentando as redes de negociação do grupo e criando novas oportunidades para produção de novos produtos. Na visão de Francesco Matarazzo, as oportunidades existentes no país eram grandes o bastante para que fosse possível criar uma organização tão extensa: “A fantástica extensão do Brasil é imensamente favorecida pela natureza. Seu destino está ligado à riqueza do seu solo. Os campos estão à espera de serem cultivados e as matérias-primas de serem exploradas e transportadas para as fábricas. O país deve ser agrícola e industrial; deve não apenas emancipar-se do exterior, mas também exportar o excesso de suas necessidades de consumo; nenhum produto deve pesar na balança como débito com os países estrangeiros, porque tudo o Brasil pode produzir” Francesco Matarazzo (COUTO 1 , 2004). De acordo com Reiss (1980, p. 32), apesar de serem imprecisos, os lucros obtidos pela IRFM foram: em média 4.800 contos entre 1912 e 1913 e 7.300 contos entre 1914 e 1919. Ermelino Matarazzo; 58,50% Francesco Matarazzo; 9,30% Andrea Matarazzo; 4,70% Irmãos Nicola e Costabile Matarazzo; 3% A. Monesi; 13,30% Funcionários; 1,90% Outros; 9,30% 79 No início da década de 20, Francesco Matarazzo era o maior industrial brasileiro. Poderoso e reconhecido, comandava um grande conglomerado com mais de uma centena de empresas que atuavam em setores diversos. O empresário também era o presidente do Centro da Indústria de Fiação e Tecelagem de Algodão de São Paulo (CIFTSP), posição que assumiu na fundação da instituição em 1919 e iria ocupar até 1926. Nos últimos anos, Ermelino, o primeiro filho brasileiro de Francesco, já vinha comandando o grupo. Porém, um trágico acidente automobilístico ocorrido na Itália em 1920 interrompeu o plano de sucessão e exigiu que o fundador retomasse as rédeas dos negócios. Assim, Francesco começa a preparar o seu filho Francisco Matarazzo Jr (o Chiquinho), então com dezenove anos, para assumir a direção. Quatro anos mais tarde, ele seria eleito diretor-geral da IRFM, se tornando o segundo homem no poder (COUTO2, 2004, p. 195). De acordo com relato de Ferdinando Matarazzo, neto de Francesco e número três na escala de poder da IRFM na época, após a morte de Ermelino o conde não tinha muitas opções para a sucessão: “Meu avô se apoiou muito no Ermelino. A morte do filho foi para ele uma tragédia total. Meu pai (Giuseppe) morava em Nápoles. O Attilio não gostava muito de indústria, era mais de vender, de comércio. O Andrea tinha preparo relativamente modesto. O Luiz Eduardo era muito novo, estudava. O Chiquinho tinha vinte anos. Estava lá e tinha interesse em trabalhar na indústria. Então começou a trabalhar com meu avô e ficou” (COUTO 2 , 2004, p. 194). Nessa época, duas estratégias aparentemente antagônicas passam a ser empreendidas pelo grupo. A primeira é a desconcentração espacial. As fábricas estavam concentradas principalmente na região metropolitana da capital. Dessa forma, Francesco perseguiu uma estratégia de expandir suas operações para o resto do Brasil, intensificando o processo iniciado com a criação das Indústrias Matarazzo do Paraná. Segundo Couto2 (2004, p. 63), um importante passo desta vertente é dado com a instalação, em 1920, de um frigorífico modelo para o abate de suínos na cidade de Jaguariaíva, no Paraná. Esta passou a ser a maior operação desse tipo no Brasil e uma resposta clara à entrada das americanas Swift e Armour no mercado nacional e que há dois anos estavam exportando carne brasileira. A unidade tinha localização estratégica próxima a uma ferrovia a ao principal centro de criação de porcos da região. Todo o maquinário foi importado da Europa e dos Estados Unidos com total isenção de impostos. Além disso, a energia elétrica era produzida em uma usina própria. 80 Além da expansão para o Sul, a Matarazzo também adquire a Fazenda Amália, em Santa Rosa do Viterbo no interior de São Paulo, local que proporcionou a expansão do grupo para a agroindústria (VILELA & RODRIGUES, 2013). De acordo com o entrevistado 1, a propriedade tinha aproximadamente vinte mil alqueires e abrangia cinco municípios. Todavia, ao mesmo tempo em que buscava a expansão geográfica do seu grupo, Francesco Matarazzo reconhecia a importância da integração, além dos ganhos de sinergia e escala originários desse processo. Diante de um sistema de transporte tão precário, a concentração das unidades fabris em um único local aumentaria a eficiência e reduziria os custos logísticos. Dessa forma, o empresário faz uma prospecção de terras e encontra um vasto terreno localizado no bairro da Água Branca, sede da antiga fábrica de cerveja da Companhia Antarctica Paulista e que era servida com estradas de ferro (ESTADÃO, 1937). Assim, adquire todo o terreno e, ainda em 1920, transfere para lá as fábricas de sabão, velas, glicerina, pregos, uma refinadora de açúcar e duas fábricas de óleos. Três anos depois, conclui a construção de um sistema ferroviário interno que interligaria as plantas. O local ficaria conhecido como Parque Industrial da Água Branca e nos anos seguintes reuniria ainda mais negócios da organização em um mesmo espaço. “Por algum tempo, terá espaço de sobra para fabricar fábricas [...] O núcleo industrial da Água Branca marca o auge da concentração pontual e da integração vertical de atividades das IRFM” (COUTO 2 , 2004, p. 62). A partir daí, mais diversificação. Em 1922, é fundada a Fábrica de Licores e uma distribuidora de filmes. No mesmo ano, o grupo participa da Exposição Internacional do Centenário da Independência Nacional, no Rio de Janeiro, onde muitos produtos da IRFM ganham destaque, recebendo diplomas e medalhas. No ano seguinte, começa a produzir rícino e ácido sulfúrico que, por sua vez, passa a ser utilizado na fabricação de inseticidas. Em 1924, instala um curtume, comprauma fábrica de conservas de carne e outra de sabão e também começa a extrair e produzir diversos óleos comerciais (como o de babaçu e amendoim) e outros industriais para utilização em suas fábricas (COUTO2, 2004, p. 65). Em 1924, a Revolta Tenentista, um dos maiores conflitos bélicos da história da cidade de São Paulo afeta as operações da IRFM. Unidades são atingidas e sofrem com incêndios e saques. Por isso, novos investimentos são suspensos nesse ano e somente aqueles já iniciados são levados adiante (MATARAZZO, 1982, p. 49). 81 Um desses investimentos é a SA Industrial Matarazzo de Mato Grosso que foi criada com o objetivo de industrializar e comercializar pele e gordura de jacaré e de capivara. Contudo, o negócio gerou um prejuízo de 800 contos e foi encerrado em pouco tempo (COUTO2, 2004, p. 78). Além deste, duas grandes unidades industriais são concluídas. Uma laminação que é instalada dentro do Parque Industrial da Água Branca e uma metalúrgica que é criada no bairro do Brás, também em São Paulo. Vale ressaltar, no entanto, que essas empresas seriam desmembradas do grupo e entregues à Ciccillo Matarazzo, filho de Andrea, principal sócio e irmão de Francesco, que havia recusado uma oferta de atuar na direção do grupo após a morte de Ermelino. Andrea argumentara que como não poderia indicar seus filhos para lhe sucederem na presidência, não haveria porque assumir o comando da organização. A IRFM passaria, então, a ser cliente destas duas unidades (COUTO2, 2004, p. 81). Em 1925, o grupo já tinha diversas filiais espalhadas pelo Brasil, América do Sul e até nos Estados Unidos. As fábricas abrangiam o setor de alimentos, têxtil, metalurgia, serviços, entre outros. E mais: tinha fazendas, terrenos e prédios urbanos, estradas de ferro, navios a vapor, além de representar o Banco di Napoli e a Fiat (COUTO2, 2004, p. 98). Além disso, a IRFM ocupava uma área de 8.760.000m2 e empregava sete mil funcionários (MATARAZZO, 1982, p. 52). Em 1926, a Matarazzo consolida sua posição na indústria química ao fundar a Viscoseda para produzir seda artificial, mantendo o monopólio na produção do rayon, que tinham como principal objetivo suprir as fábricas têxteis de Água Branca. A IRFM solidifica, assim, o seu tripé alimentos, têxteis e químicos, que seriam a principal fonte de crescimento do grupo nas décadas seguintes. A nova fábrica empregava mais de 1.500 funcionários em uma área de 60 mil metros quadrados (COUTO2, 2004, p. 104). A implantação da Viscoseda exigiu, ainda, avanços tecnológicos nos processos produtivos e laboratórios de maior precisão (ESTADÃO, 1937). Ainda em 1926, instala a Oficina Mecânica e Fundição na mesma rua do complexo da Água Branca com o objetivo de realizar manutenção nas máquinas existentes e construir novos equipamentos (MATARAZZO, 1982, p. 52). No ano seguinte, implanta uma rede de armazéns atacadistas para venda direta dos produtos Matarazzo: um em Juiz de Fora; três em São Paulo; um em Ribeirão Preto; um em Campinas; e um em São José do Rio Preto. Além disso, entra no ramo de minerais não metálicos ao comprar uma fábrica de louças domésticas de pó de pedra (COUTO2, 2004, p. 138). 82 Ainda em 1927, o Conde indica oficialmente Francisco Junior como seu sucessor pelos trinta anos seguintes, através de um testamento oficial lavrado em cartório de São Paulo, cujo trecho é destacado a seguir: “Se dispus de número maior de ações em seu favor, não o fiz para favorecê-lo. Pelo contrário, quis assim impor-lhe o pesado encargo de me suceder na direção daquele vasto e complexo organismo industrial e comercial que custou o esforço constante de mais de quarenta e cinco anos de minha existência e a que estão ligados, além da sorte do patrimônio que vos deixo, interesses de terceiros e os meios de vida de milhares de famílias e empregados. Evitar que as rivalidades, fatais entre os homens, possam um dia criar-lhe embaraços no cumprimento da difícil, foi a minha maior preocupação. Terminada essa tarefa, vosso irmão vos devolverá, sob forma de legado, as ações que tiver recebido a mais” (COUTO2, 2004, p. 200). Verifica-se, então, que mais uma vez o Conde opta pela escolha de apenas um filho no dever de dar continuidade à gestão da IRFM. De acordo com Couto (2004, p. 201), esta nomeação foi conturbada, uma vez que apenas Chiquinho, o décimo segundo dos treze filhos, foi escolhido para ocupar uma posição que, teoricamente, deveria ser igualmente distribuída entre doze irmãos. Além disso, dois dos irmão mais velhos (Giuseppe e Andrea) também haviam trabalhado na IRFM, o que tem certo peso na tradição italiana. Ainda, Attilio, que também era mais velho que Chiquinho tinha formação superior de engenharia na Suíça, diferente de Chiquinho que havia concluído apenas o segundo grau. Por outro lado, o sucessor trabalhava com o pai há vários anos e há três já era o segundo homem na hierarquia. Assim, já havia assumido a presidência em momento de viagens internacionais de Francesco. Para o testamento redigido por Francesco ser considerado válido, todos os filhos tinham de assiná-lo. No entanto, Andrea, Attilio e Luiz Eduardo, este último o irmão mais novo, se recusaram a ratificar o documento e resistiram à decisão do pai até 1931, quando finalmente todas as assinaturas foram colhidas e Chiquinho se tornou oficialmente o sucessor da IRFM. Sendo assim, ele assumiria o comando após a morte de Francesco. Vale destacar que, além do controle acionário da organização, Francesco garantiu a Chiquinho a posse do imóvel da família na Avenida Paulista, além de uma chácara em São Paulo e imóveis na Itália (COUTO, 2004, p. 203). Em 1929, três anos após ter deixado a presidência da CIFTSP, Francesco Matarazzo se torna um dos fundadores e primeiro presidente do Centro das Indústrias 83 do Estado de São Paulo (CIESP), cargo que ocupará até 1931 (COUTO2, 2004, p. 142). Nesse mesmo ano, o mundo entrava em uma forte crise econômica. Segundo Couto (20082, p. 157), as indústrias Matarazzo conseguiram atravessar a crise sem grandes dificuldades, chegando inclusive a realizar investimentos no Brasil e na Argentina durante o período. De acordo com o autor, em 1930, um ano após o início da Grande Depressão, o Conde recebeu a visita de dois funcionários do Banco de Londres que, preocupados com a situação da IRFM diante dos problemas econômicos, oferecem créditos ao empresário. Todavia, Matarazzo recusou a oferta, pois julgava que tinha os recursos necessários para enfrentar a crise, gerando uma grande surpresa para os banqueiros. Entretanto, de acordo com Reiss (1980, p. 32), no ano da crise, em 1929, a IRFM teria sofrido o seu primeiro prejuízo. Portanto, a IRFM conclui a década de 1920 com crescimento e resultados expressivos. De acordo com Reiss (1980, p. 32), apesar de serem imprecisos, os lucros obtidos pela IRFM foram: em média 6.800 contos entre 1922 e 1923 e 16.800 contos entre 1924 e 1929. Segundo o mesmo autor, entre o período da criação da IRFM em 1911 até 1929, a organização distribuiu em média 50% dos lucros em dividendos. Rust (1934) que escreveu uma biografia sobre Francesco Matarazzo apresentou um relato sobre o desempenho financeiro do grupo: “Os negócios da firma são tão variados que, mesmo que uma ou outra fábrica dê resultados negativos, algum ano, o grupo, no total, sempre é infalivelmente lucrativo”. Já no início da década de 1930, a IRFM começa a produzir em seu núcleo de indústria química o Inseticida Kids, marcando presença na agroindústria (MATARAZZO, 1982, p. 54). Além disso, monta em São Paulo uma grande fábrica de massas e biscoitos e adquire a fábrica de tecidos Santa Celina SA, uma empresa tradicional que antes era sediada no Rio de Janeiro e, após uma reformulação, passou a produzir tecidos finos de algodão na capital paulista. Ainda, seguindo uma políticade expansão geográfica, instala uma fábrica de óleo de algodão e sabão em João Pessoa, na Paraíba. Para isso, desloca pessoal de confiança para a nova planta. Em 1932, diante a crise de desabastecimento causado pela Revolução Constitucionalista, a Matarazzo desenvolve pesquisas para a mistura de álcool na gasolina. Mas, com o fim da Revolução, o projeto é engavetado (COUTO2, 2004, p. 163). Cabe destacar, no entanto, que o grupo chegou a anunciar a venda de álcool motor para ônibus e que dispensava o uso de gasolina. De acordo com anúncio publicado no jornal o Estado de São Paulo (1932), a empresa havia conduzido com sucesso um teste que envolveu dezoito meses de pesquisa que incluíram o uso em veículos que fizeram percursos entre São Paulo - Santos e São Paulo - Ribeirão Preto. 84 Com o país atravessando dificuldades econômicas e já com Getúlio Vargas no poder, Francesco Matarazzo concede uma entrevista a um jornal de Assis Chateaubriand onde destaca o papel da indústria nacional e da necessidade de substituição das importações (vale lembrar que na época a indústria ainda tinha pouquíssima relevância no cenário nacional em comparação ao café): “A meu ver, portanto, podemos diminuir consideravelmente o volume da nossa importação, não só dos artigos de uso suntuário, mas também necessário, como gasolina, trigo, etc. [...] Libertemos, portanto, o trabalho nacional, eliminando os impostos de exportação, suavizando o regime dos transportes e diminuindo outras despesas que o oprimem, e o Brasil passará a ser exportadores de quase tudo que hoje nós importamos com grave dano para as finanças e a economia do país” (Couto 2 , 2004, p. 176). Em 1933, faz uma expansão para o setor extrativista para abastecer a construção civil (principalmente a construção de suas próprias indústrias). Nesse momento, o grupo é composto de 170 propriedades. No ano seguinte, é pioneiro mais uma vez ao montar uma refinaria de petróleo através da fundação da Indústria Matarazzo de Energia (IME) em São Caetano. A refinaria entraria em operação quatro anos mais tarde. A unidade manteria um elo com as pesquisa e desenvolvimento de fontes alternativas de combustível, realizando estudos para produção de álcool a partir da mandioca na década de 1940. Ainda em 1934, aproveitando a crise da produção de algodão nos Estados Unidos, são instaladas máquinas de descaroçamento e beneficiamento em nove dos principais centros produtores de São Paulo (COUTO2, 2004, p. 236). Nesse ano, Francesco Matarazzo completa oitenta anos. Para celebrar a data, além de uma grande comemoração, decide presentear os funcionários da IRFM com 500 mil contos para os funcionários com mais de trinta anos de casa e 250 mil contos para os com vinte e cinco anos, sendo que as pessoas com mais de sessenta anos receberiam a quantia em dobro (COUTO2, 2004, p. 264). Nessa época, o porte da IRFM já impressionava: a renda bruta anual das empresas do grupo equivalia ao dobro da receita de Minas Gerais e 7% da energia hidráulica produzida em São Paulo era consumida pelas empresas do grupo (VEJA, 1983). Um ano após o octogésimo aniversário do fundador, incomodado com as críticas dos irmãos, Francisco Jr. decide abandonar a empresa. Assim, Francesco busca efetuar mudanças no estatuto. Cria uma nova diretoria para ser ocupada por um profissional externo e convida para o cargo de Chiquinho o filho caçula Luis Eduardo, mas este acaba recusando. Assim, diante da falta de opções, Francesco consulta todos os filhos novamente para ratificar a decisão tomada anos antes e consegue a 85 confirmação de que Chiquinho continuará no comando. Por consequência, os irmãos Luís Eduardo, Attilio e Andrea decidem se retirar da sociedade (COUTO2, 2004, p. 213). Ainda em 1935, a IRFM continua a passar por uma fase de grande expansão: Implanta uma fábrica de papel e papelão em São Paulo, expande as atividades extrativistas adquirindo jazidas de caulim, uma matéria-prima utilizada na fabricação de papel, porcelana e de outros artigos cerâmicos. Ainda, realiza o último investimento sob a gestão do fundador e começa a produzir sucos. Para isso, segue sua estratégia de verticalização instalando uma fábrica de essências cítricas e, posteriormente, produzindo óleo de casca e marmelada de laranja (COUTO, 2004, p. 328). Além disso, adquire uma jazida de gipsita (usada na produção de louças) no Ceará. Entretanto, após o início das atividades, verificou-se a inviabilidade de transporte dos produtos e, assim, o projeto foi abandonado (MATARAZZO, 1982, p. 57). Durante a década de 1930, conforme a indústria ganhava mais destaque junto ao governo, os industriais paulistas pressionavam as autoridades contra a incidência de impostos sobre a exportação. Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo (1936), o Conde Francesco tratou sobre o assunto: “Precisamos aumentar a exportação. Contudo, a exportação continua a ser tributada cada vez mais. [...] Essa tributação encarece os produtos, diminuindo-lhes a as possibilidades de se manterem nos mercados conquistados ou conquistarem mercados novos, pois, uns e outros acabarão por ser tomados pelos produtos congêneres que saem do país de origem sem a carga de impostos de exportação”. Por consequência dessa pressão, o governo paulista eliminou, de forma pioneira, a incidência de impostos sobre exportação através de uma reforma tributária ocorrida em 1936, aumentando a competitividade das empresas de Matarazzo que começavam a buscar com mais intensidade os mercados externos. Francesco se manteve na liderança do grupo até 1937, quando morreu um mês antes de completar oitenta e três anos. Caracterizou-se por um estilo centralizador, com total controle do capital e da condução dos empreendimentos, conforme é apontado por Martins (1976, p.105): “Daí encontramos no grupo Matarazzo uma organização burocrática, mas de poder centralizado e pouco distribuído pelas escalas intermediárias. Daí, também, o empresário ter reservado para si, no interior da empresa, papéis que se referem às relações com o mercado (comprador, vendedor) e exercer sua autoridade na empresa para testar a viabilidade mercantil das inovações técnicas. Isto é, o empresário apresenta-se como comerciante”. 86 A descrição do ritmo de trabalho feita pelo primeiro biógrafo de Matarazzo corrobora a imagem centralizadora e detalhista do empresário que ainda mantinha a rotina de executar ele mesmo funções operacionais no grupo (prática que foi replicada pelo sucessor): “Outro fato interessante, que aumenta consideravelmente os lucros anuais, é que o Conde Senior ou o Conde Junior, pessoalmente, fazem, praticamente, todas as compras de matéria prima necessárias nas fábricas. As compras que não podem fazer pessoalmente, são, pelo menos, feitas com seu inteiro conhecimento, e diariamente, dos preços e quantidades [...] A política da firma põe grande atenção em comprar bem, talvez mais do que tentar vender por preço maior possível [...] Com todas as suas atividades diárias, usa brevidade em negócios, mas é raro ditar uma carta e, raramente, usa o telefone. Deve se admirar que é difícil achar um estenógrafo em toda a indústria. Homens, ganhando mais de 100 contos de réis por ano, escrevem suas cartas de mão própria, para serem depois copiadas em máquinas de escrever e, muitas vezes, eles mesmo ocupam a máquina. A correspondência interna é reduzia a um mínimo, e tudo é expresso com o menor número de palavras possível, muitas vezes tratando-se de uma dúzia, ou mais tópicos, em uma mesma folha de papel” (RUST, 1934). Segundo Couto (2004, p. 296), outra característica dos negócios que marcou a gestão de Francesco Matarazzo foi a indiferença às propagandas. Apesar de trabalhar com produtos de consumo, ele via a qualidade dos produtos como suficientes para garantir a presença da marca namente dos consumidores. Entretanto, é possível encontrar diversos anúncios sobre os produtos da organização no jornal O Estado de São Paulo, em especial entre as décadas de 1910 e 1940. De acordo com relato do empresário, a sua criação contemplava um propósito principal: “A preocupação de enriquecer nunca foi o escopo de nenhum ato da minha vida. Sempre considerei a riqueza como meio de atingir um ideal: ampliar, ampliar o máximo o organismo industrial, já vasto, ao qual liguei meu nome; intensificar todos os meus esforços no sentido de tornar mais eficiente a contribuição que a mim mesmo me impus como dever, para a emancipação do Brasil” Francesco Matarazzo (COUTO 1 , 2004, p. 14). Uma reportagem publicada pelo jornal O Estado de São Paulo, na época da morte de Matarazzo descrevia a estrutura administrativa do grupo: “Esse grande mecanismo, por menos que pareça crível, era pessoalmente dirigido, do alto, por Francesco Matarazzo [...] que organizara de tal forma as engrenagens que com um esforço relativamente pequeno, através de relatórios parciais e pela voz de diretores dos departamentos, conhecia diariamente, as linhas dominantes de seus negócios. As suas fábricas têm 30 diretores, 600 técnicos, e 15.000 operários” (ESTADÃO, 1937). 87 Após a morte de Francesco, Chiquinho Matarazzo assume formalmente o cargo de Diretor Presidente e seu sobrinho Ferdinando passa a ocupar posição de Diretor Gerente. Para o especialista em gestão de empresas familiares João Bosco Lodi, Chiquinho teria muitas dificuldades pela frente quando assumiu a direção do grupo: “Matarazzo teria entregue um grupo complicado demais ao conde Chiquinho. Um complexo com mais de vinte setores quase sem nenhuma sinergia. Por quê? Porque alimentos não têm a ver com metalurgia e assim por diante” (COUTO 2 , 2004, p. 217). O novo presidente do grupo implanta reformas administrativas que havia começado a desenhar quatro anos antes quando contratou um administrador profissional para estudar a viabilidade de reorganização administrativa da empresa. Assim, criou as secretarias da Diretoria Comercial, Técnico-industrial e Administrativa (MATARAZZO, 1982, p. 77). Na época da morte de seu fundador, a IRFM passava por um período de grande crescimento. Um relato de Chateaubriand (1934) oferece maiores contornos sobre o tamanho do grupo: “Enquanto São Paulo tem uma renda bruta de 400 mil contos, Minas de 140 mil, o Rio Grande do Sul, de 130 mil, a Prefeitura carioca, de 270 mil, o parque das IRFM possui de receita bruta uma cifra que atinge ao algarismo de 350 mil contos [...] É fora de dúvida, portanto, que o Conde Matarazzo financeira e economicamente é o segundo Estado do Brasil. Somente o ultrapassam a União Federal, o Departamento Nacional do Café e São Paulo”. A tabela 5-2 apresenta a situação das principais unidades do grupo em 1934, quanto tinha 15 mil operários, 600 supervisores e técnicos e 30 diretores (RUST, 1934, p. 34). A IRFM ainda consumia cerca de 7% de toda a energia hidráulica produzida no Estado de São Paulo (VEJA, 1983). Até o final da década de 1940 a IRFM continuaria crescendo, com Chiquinho mantendo a estratégia de diversificação e redução da dependência de matérias- primas, visão que se acentuou ainda mais com a iminência da guerra. Assim, temendo uma crise de desabastecimento, instala uma fábrica de ácido sulfúrico no ano em que tomou posse. Em 1938, compra a Tecelagem Brasileira de Seda, monta uma fábrica de celulose em São Caetano e instala uma unidade de fabricação de massas alimentícias junto ao moinho de trigo (MATARAZZO, 1982, p. 111). 88 Tabela 5-2 – Grupo Matarazzo em 1934 Estabelecimentos Localidades Produção Anual Moinhos São Paulo - Antonina 3.600.000 s/ farinha Mariângela (Fiação – Tecelagem – Alvejamento- Tinturaria) São Paulo 50.000.000 de mts Belenzinho (Mercerizarão – Estamparia – Acabamento) São Paulo - Seda Artificial Viscoseda São Caetano 400 tons. de fio Curtume (Sola- Peles – Correias) São Caetano 400 tons. de sola Sulfureto de Carbono São Caetano 400 tons. Destilação de Alcatrão (Naftalina – Asfalto) São Caetano 2.000 tons. Amido (Cerealina – Glucose – Dextrina) São Paulo - Féculas de Mandioca Caçapava 2.000 tons. Licores São Paulo 160.000 caixas Frigoríficos (Carnes suínas) Jaguariaíva 5.000 tons. Soda Cáustica Granulada São Paulo 50.000 caixas Engenhos de Arroz São Paulo - Iguape 450.000 sacos Moagem de Sal São Paulo – Mauá - Antonina 12.000 tons. Refinação de Sal Água Branca 12.000 tons. Refinação de Açúcar Água Branca 375.000 sacos Refinação de Banha Água Branca 4.800 sacos Destilaria de Álcool e Aguardente Água Branca 8.200.000 litros Velas Água Branca 300.000 caixas Glicerina Água Branca 500 tons. Oleina Água Branca 2.000 tons. Óleo de Caroço de Algodão (Sol Levante) - - Óleo de Linhaça (cru e cozido) Água Branca - Óleo de Ricino (medicinal e industrial) Água Branca 16.000 tons. Óleo de Coco (comestível e industrial) - - Tortas de Sementes Água Branca 42.000 tons. Sabões Água Branca 20.000 tons. Sabonetes Água Branca 500.000 dúzias Perfumaria Água Branca - K.I.D. (inseticida) Água Branca 750.000 caixas Serraria Água Branca 1.200 tons. Pregos Água Branca 500 tons. Fundição Água Branca - Oficina Mecânica Água Branca - Laboratório Químico Água Branca - Almoxarifado Geral Água Branca - Fonte: Couto (2004) No entanto, apesar de toda a expansão industrial, talvez o principal ícone desta fase tenha sido a conclusão das obras do novo edifício sede do escritório central, que integrou as atividades administrativas da organização. A ideia havia sido lançada por Chiquinho em 1934, pois a sede de três andares já estava superada. O objetivo era 89 erguer um novo arranha céu na região do Vale do Anhangabaú onde o grupo tinha um prédio. Todavia, o mesmo estava alugado para o magnata da comunicação Assis Chateaubriand que ainda tinha três anos de contrato de aluguel e dificultou a desocupação do imóvel, tornando a negociação extremamente custosa para os Matarazzo. Não bastasse a negociação com o antigo inquilino, o novo edifício que atualmente é sede da Prefeitura de São Paulo, foi erguido com todo o luxo e pompa, conforme descrição de COUTO2 (2004, p. 316): “Monumental e sóbrio, simbolizava e ostentava a opulência da Matarazzo. O mais luxuoso da cidade, localizado na nata do polo comercial, é revestido de 170 mil placas de mármore. [...] Tem jardim suspenso no 14° andar, com rica variedade de plantas. [...] Recebe confortavelmente a administração central das IRFM. Inclusive a casa bancária do grupo, no andar térreo. A diretoria e a sala do trono funcionam no quinto andar”. Mas se as décadas de 1930 e 1940 foram de grande crescimento para a IRFM, de onde provinham os recursos financeiros para a realização desses investimentos? De acordo com Dean (1971, p. 182), o reinvestimento dos lucros parece ter proporcionado todo capital necessário para o desenvolvimento da organização nas décadas de 30 e 40 já que a IRFM não pôde contar com empréstimos do Governo. Segundo Reiss (1980, p. 107), o período da Segunda Guerra Mundial também ficou marcado pela forte expansão do braço têxtil do grupo. A Matarazzo já era a maior indústria têxtil do Brasil e as fábricas relacionadas ao setor correspondiam à metade da produção industrial da IRFM - 51% em 1942, ante uma participação de 39% em 1939. Dessa forma, aproveitando a oportunidade aberta pela redução do nível de produção do mundo, o grupo aumentou sua taxa de exportação consideravelmente, enviando produtos têxteis principalmente para EUA e Argentina. Assim, entre 1943 e 1944, as vendas para o exterior corresponderam a algo entre 15% e 20% do faturamento do grupo, (REISS, 1980, p. 108). Em 1941, inaugura a fábrica de papel celofane Celosul no recém-inaugurado NúcleoIndustrial Ermelino Matarazzo, erguido nos arredores da cidade de São Paulo. Para isso, como toda a Europa estava em guerra e o maquinário necessário para a operação era importado, Chiquinho contratou um técnico francês para desenhar as máquinas e fabricá-las aqui (MATARAZZO, 1982, p. 115). Ainda, com o intuito de reduzir a dependência das máquinas produtivas importadas da Europa, a Matarazzo aprimora sua oficina para montar as máquinas internamente (RELATÓRIO ANUAL, 1943). Na Revista Síntese (1949), verifica-se a produção de diversos itens para abastecer as empresas do grupo, principalmente para 90 as fábricas químicas: vaporizador a vácuo para indústrias químicas; mexedor de ferro fundido para produtos químicos, com 2,8 toneladas; retortas de ferro fundido com 4,5 toneladas para fabricação de sulfureto de carbono; e até hélices de bronze e ferro fundido para os navios. A intenção de desenvolver a indústria química também se daria através da formação de pessoal qualificado e em projetos de pesquisa. Em 1944, foi montado um Laboratório Central, conectado aos laboratórios de diversas fábricas para atuar, entre outras frentes, na preparação de químicos-pesquisadores (RELATÓRIO ANUAL, 1944). Apesar do forte crescimento apresentado desde a crise de 1929, o relatório anual de 1944 também destaca a limitação do mercado interno e faz uma relação dessa situação com a diversificação do grupo: “A limitada amplitude do mercado interno, punha, infelizmente, limites estreitos ao desenvolvimento de cada uma das nossas fábricas, impedindo-nos de dar curso a programas de larga produção. Daí o caráter multiforme da nossa atividade que, indubitavelmente, teria dado resultados bem mais amplos na formação do complexo do nosso aparelhamento econômico se o mercado interno tivesse comportado o desenvolvimento de nossa atividade produtiva em um número menor de setores ou em um único setor.” Para Reis (1980, p. 111), apesar da instalação de grandes plantas industriais não é possível identificar na IRFM a existência de uma base tecnológica própria. Assim, o autor propõe que a expansão do grupo se deu através de uma rede comercial robusta, na qual havia oportunidades para expansão, integração vertical e diversificação. Dessa forma, esse processo de integração acabou direcionando o grupo para outros segmentos a partir da utilização de insumos básicos que eram comuns a mais de uma indústria. Vale ressaltar, também, que o intenso processo de crescimento e a transformação do ambiente trouxeram novos desafios à nova gestão, conforme destacado em livro comemorativo do grupo: “O crescimento das empresas Matarazzo estava a exigir uma readaptação dos serviços de apoio administrativo, para que se ajustassem com eficiência às novas dimensões e à grande diversificação que as atividades industriais assumiam a cada dia” (MATARAZZO, 1982, p. 77). A IRFM chegou ao fim da Segunda Guerra Mundial com uma trajetória de grande crescimento, principalmente a partir da década de 1930. Em 1950, o grupo 91 tinha 37.000 funcionários. A evolução do capital social da companhia destacado na tabela 5-3 também evidencia esse crescimento. Tabela 5-3 - Evolução do capital social da Matarazzo (em milhões de cruzeiros) Ano Valor % do PIB 1911 10,5 0,19% 1942 100 0,16% 1944 300 0,28% 1947 600 0,34% 1951 750 0,22% Fonte: O Estado de São Paulo (1954) e Ipea Data (2014) Durante a década de 1940, esse crescimento chegou a ser acompanhado de acusações de crime contra a economia. Ao menos em duas ocasiões, a Matarazzo foi acusada de estar retendo estoque de farinha e rayon, com o objetivo de forçar o aumento dos preços dos produtos. No segundo caso, após uma interpretação de que se tratava de artigo de luxo e não um bem essencial e de que a empresa não tinha mais do que 30% da produção nacional, o grupo foi absolvido (ESTADÃO, 1946). A partir do término do conflito mundial, a IRFM intensificou os investimentos principalmente nas indústrias alimentícias e de vestuário. Em 1945, entraram em funcionamento as unidades de fabricação de fios e tecidos de lã e de juta e de confecção de roupas. Além disso, a lista de gêneros alimentícios foi ampliada com o início da produção de margarina, pasta de amendoim e biscoito (SAES & NOZOE, 2006). Entre os investimentos realizados pela IRFM, destaca-se um plano de expansão e modernização do complexo têxtil iniciado em 1945 e finalizado no início dos anos 50. Muitos dos novos teares automáticos foram montados pela própria Oficina Mecânica e Fundição da Matarazzo (RELATÓRIO ANUAL 1945). Como resultado desse programa, em 1952 a empresa havia realizado os seguintes avanços, utilizando uma base 100 no ano de 1939: I. Produção de fiações - 615; II. Produção de tecelagens - 144; e III. Total de empregados nos dois setores - 95. O Relatório Anual de 1947 destacou a ampliação dos investimentos e aperfeiçoamento das unidades produtivas. “A linha mestra da política econômico-comercial do nosso grupo tem sido e continua sendo a redução dos custos através do aumento das produções e o aperfeiçoamento dos sistemas de fabricação: Máquinas obsoletas são constantemente eliminadas e novos processos mais eficientes são adotados”. 92 Entre os principais investimentos em novas unidades, destaca-se: A inauguração de duas novas tecelagens de algodão em Bauru e Ribeirão Preto (1946), mesmo ano em que criou a Fiação Lydia, instalada em São Paulo e que foi pioneira no trabalho com algodão de fibras longas e fios especiais. Além disso, a IRFM firmou um acordo com firmas inglesas para aplicação exclusiva no Brasil de um novo processo produtivo denominado de "Nelson" para fiação contínua de rayon. Assim, se tornou a primeira empresa brasileira e uma das pioneiras do mundo na instalação deste processo (RELATÓRIO ANUAL 1949). Ao mesmo tempo em que buscava modernizar e expandir a produção do setor mais importante para o grupo, a IRFM enfrentava novos concorrentes que começavam a ampliar a sua presença no país. Respondendo a essa competição, a Matarazzo realizou um movimento de descentralização de algumas atividades ainda na década de 1940. A primeira foi a Tecelagem Brasileira de Seda, desmembrada em três unidades durante o ano de 1946 e que passaram a operar em plantas diferentes nas cidades de Campinas, Rio Claro e Ribeirão Preto (MATARAZZO, 1982, p. 123). Apesar das iniciativas de descentralização, o comando do grupo ficava concentrado entre o Conde Chiquinho e seu primo Ferdinando, o seu braço direito na época. Ambos eram diretores de várias das unidades da IRFM, exigindo uma participação constante em uma grande diversidade de negócios. Anúncios de assembleias com acionistas publicados no jornal Estadão, em 1954, mostram, por exemplo, que no dia 31 de agosto daquele ano, os dois diretores precisaram enfrentar a seguinte sequencia de assembleias: a) 10 hs - IME b) 11 hs - Santa Celina c) 14 hs- Salina d) 16 hs - IRFM Logo após a Guerra, Chiquinho também se lançou no ramo de comunicação, ao adquirir 50% das ações do grupo Folha (MATARAZZO, 1982, p. 130), possivelmente buscando ter um canal para rebater os ataques do magnata da mídia Assis Chateaubriand, que havia se tornado um inimigo pessoal desde o episódio envolvendo a construção da nova sede do grupo. Todavia, o negócio durou apenas um ano, com Chiquinho se retirando da sociedade após desentendimentos na condução dos negócios. No entanto, apesar dos novos investimentos, as décadas seguintes foram para a Matarazzo bem diferente dos anos anteriores. Isto porque já a partir do início da década de 1950, em consequência da internacionalização da economia e a chegada de novos competidores, a IRFM começou a enfrentar um longo período de declínio. 93 De acordo com Reiss, (1980, p. 196), a Matarazzo enfrentou grandes dificuldadesem lidar com os novos desafios do ambiente industrial. A organização enfrentou competidores mais bem preparados em vários segmentos que afetaram o grupo como um todo. Ou seja, para o autor, a grande diversificação da Matarazzo não impediu a diluição dos efeitos negativos de uma competição mais intensa. Na indústria de alimentos, por exemplo, firmas estrangeiras introduziram produtos diferenciados e com mais eficiência em custos. Além disso, o surgimento de supermercados alterou toda a dinâmica de distribuição do setor, exigindo a produção em volumes maiores e campanhas publicitárias agressivas para o suporte nas vendas. Na indústria têxtil, por sua vez, o algodão passou a concorrer com tecidos sintéticos fabricados por grandes empresas estrangeiras, além de passar a ter sua cotação atrelada ao mercado internacional, aumentando a complexidade do setor. O livro comemorativo da Matarazzo (1982, p. 151) destaca as dificuldades da empresa durante essa fase, corroborando as ideias de Reis. “Atuando em quase todos os setores do mercado, em função de uma diversificação tornada necessária no passado, devido às limitações de cada um dos mercados, as IRFM não têm condições de acompanhar a grande expansão do consumo. Cada uma de suas unidades passa, em consequência, a ser secundária no mercado em que atua e a segmentação que ocorre na comercialização diminui muito a importância do nome comum.” Segundo Reiss (1980, p. 199), a presença dos novos competidores forçou o fechamento de muitas instalações fabris, a realocação de outras, a absorção de custos de produção mais altos, a introdução de linhas de produto complementares e a integração vertical em uma tentativa anárquica de lidar com a decomposição de sua base de recursos. Conforme já apresentado na descrição do ambiente, os setores tradicionais foram os mais afetados pela chegada de empresas estrangeiras e o acirramento da competição. Na indústria de beneficiamento de algodão, por exemplo, a Matarazzo que em 1933 ficava apenas atrás da Votorantim em volume de produção, viu a americana Anderson, Clayton e Cia e a argentina Bunge y Born mudarem essa configuração já a partir da década de 1930. Assim, em 1951 a empresa tinha 10% do mercado enquanto as multinacionais lideravam com 20% do volume de produção cada uma (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1952). Apesar da tentativa do grupo em fortalecer sua posição competitiva nos setores têxtil e alimentício, os resultados negativos começaram a aparecer. O desempenho 94 financeiro daqueles anos foi citado no livro comemorativo da empresa (MATARAZZO, 1982, p. 148): “Apesar de seus resultados positivos nos balanços, a empresa já operava com baixo nível de lucratividade, cercada por competidores cada vez mais agressivos em setores especializados [...] Promoção de vendas, propaganda e marketing são setores que as empresas estrangeiras trazem ao Brasil num nível de sofisticação e desenvolvimento aqui desconhecidos”. Como consequência do surgimento dos primeiros resultados negativos, o grupo Matarazzo passou por grandes mudanças que envolveram iniciativas de expansão, mas também, de retração da organização. Por um lado, a IRFM realizou uma série de desinvestimentos e fechamento de fábricas. Reiss (1980, p. 200) destaca o encerramento das seguintes operações: usinas de açúcar (1953); fábricas de pregos e de conservas (1957); usina de álcool e fábrica de pães (1959); fábricas de desinfetante e de esponjas (1962); fábrica de manteiga de amendoim (1963); frigorífico (1964); e fábricas de cerâmicas (1964/1968). Com essa redução, o almoxarifado central localizado em São Paulo também foi extinto (RELATÓRIO ANUAL, 1959). Por outro lado, a IRFM continuou buscando o processo de integração vertical, absorvendo novas linhas de produtos em mercados que considerava promissores. A ressalva é que nessa nova fase a IRFM passou a desenvolver parcerias (principalmente com empresas estrangeiras) para a viabilização desses empreendimentos. Entre esses acordos, destaca-se a joint venture realizada com um grupo francês para a adoção de novidades no segmento de tecidos de alta qualidade. Ainda, para se destacar no segmento, a Matarazzo começa a participar, apoiar e divulgar desfiles de moda em São Paulo. Em 1956, por exemplo, organizou o Festival da Moda que ocorreu no Parque do Ibirapuera (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1956). Além disso, com o objetivo de aumentar o uso dos produtos clorados, a IRFM desenvolveu um estudo para instalar uma fábrica de resinas plásticas vinilica (PVC). Assim, entrou como sócio minoritário com a empresa americana BF Goodrich Chemical Company, formando a Geon do Brasil, para a fabricação do composto (RELATÓRIO ANUAL 1955). Outros acordos foram realizados em 1959. Um deles envolveu uma joint venture com a Dow Chemical para criar a Cloroquim SA com a proposta de produzir tetracloreto de carbono – a unidade teria suas atividades encerradas dez anos depois. Além desta, foi realizada outra parceria com a Union Carbide International para formar a Visking do Brasil, que iria realizar acabamentos de invólucros sintéticos para carnes ensacadas (RELATÓRIO ANUAL, 1959). 95 Assim, em virtude das dificuldades enfrentadas e pretendendo manter sua política de crescimento, a Matarazzo enfatizou a necessidade de reter lucros para reinvestir nos seus negócios, conforme é apontado no Relatório Anual de 1955: “Hoje, mais do que no passado, cumpre às empresas capitalizar lucros, formar poupança destinada a incrementar a produção.” No entanto, com a redução da lucratividade, a IRFM decidiu realizar o aumento de capital de 3,2 para 4,8 bilhões de cruzeiros, mediante a emissão de 320 mil ações preferenciais. De acordo com comunicado do grupo publicado no jornal O Estado de São Paulo (1960), as vantagens para os acionistas eram: 1. Dividendo fixo e cumulativo de 12% ao ano pago semestralmente, acrescido da bonificação anual mínima de 5%, que garante às ações preferenciais uma remuneração mínima de 17% ao ano e a qual poderá ser posteriormente beneficiada por deliberação da Assembleia Geral Ordinária tendo em conta, em parte, eventual encarecimento do custo de vida; e 2. Possibilidade de conversão, por sorteio, de até 50% das ações preferenciais em ações ordinárias a partir de 1967. Foi durante a conturbada década de 1950 que o Conde Chiquinho passou a contar com o apoio de dois dos seus cinco filhos na gestão do grupo. Em 1954, Ermelino e Eduardo já eram diretores da Fazenda Amália e, também, da IRFM, estando logo abaixo do presidente na hierarquia. Assim, com a chegada da nova geração, Ferdinando, o antigo braço direito do Conde, deixa suas atividades na direção da IRFM. O entrevistado 1 apresentou maiores detalhes sobre o comando do grupo na época: “Dom Ferdinando foi companheiro dele durante os primeiros anos em que ele dirigiu a empresa. Era primo dele, filho do Andrea Matarazzo, metalúrgico que entrou como parte da divisão da firma. Então, esse Ferdinando ficou só nos primeiros anos, depois se afastou. E ele era o braço direito do Conde. Aí o Conde ficou sozinho. Foi quando ele colocou o Ermelino. O Ermelino substituiu o Ferdinando. Depois veio o Eduardo. Aí ficou Conde Chiquinho, Ermelino e Eduardo como direção geral, só. E por baixo deles, tinha diretores, comerciais, tesoureiros, pessoas. Inclusive, tinha José Matarazzo que era o famoso Dom Pepino, que era um diretor também. Mas já era uma linha mais baixo um pouquinho. No prédio ele ouvia, como ele ouvia a mim. Muitas vezes eu era chamado para opinar sobre uma fábrica, sobre um diretor, sobre uma tomada de decisão de um produto. Muitas vezes eu era ouvido. Como eram ouvidas outras pessoas, naturalmente. Mas isso é quando ele estava lá. Quando ele estava em Amália, ele já vinha munido de uma ideia. E ali ele amadurecia, pensava, refletia e decidia.” 96Mesmo em meio a uma situação de acentuação da competição, a IRFM decidiu reduzir a carga horária de seus funcionários. Assim, pela primeira vez a direção passou a conceder o sábado livre para todos os funcionários do escritório central. Além disso, introduziu o "sábado inglês" (trabalho até o meio dia) nos escritórios e fábricas, com revezamentos exigidos pelas necessidades técnicas e de produção (RELATÓRIO ANUAL 1954). Outro fator de destaque no período foi o investimento em usinas termoelétricas com o intuito de contornar a escassez de energia no país. Com isso, o grupo conseguiu atingir um nível de geração de 56% de toda a sua energia consumida (RELATÓRIO ANUAL, 1953). Outra estratégia buscada pela IRFM diante das dificuldades da concorrência no mercado interno foi a busca por oportunidades de exportar parte da produção que não era mais consumida no país, conforme explanado no Relatório Anual (1965): “As mesmas potencialidades do nosso mercado interno podem, de qualquer forma, tornar-se uma armadilha, aumentando a nossa dependência da importação de bens industriais ou de outra natureza, devido a níveis altos de produção e despesas de consumo, em prejuízo das buscas de novas saídas para a exportação. Temos que achar mercados no exterior, e mais ativamente, agora que no passado. [...] Isto, por sua vez, exige maior atenção, no desenvolvimento de novos produtos, na qualidade dos mesmos, e eficiência da produção”. Justamente com o objetivo de ampliar sua participação no mercado internacional, a Matarazzo fez uma aquisição em Barranquilla, Colômbia, de uma indústria têxtil completa, inclusive com rede comercial própria distribuída pelo país com filiais em Bogotá, Cali, Medellín, Pereira e Letícia. Era a Companhia Industrial Colombiana Marisol (ENTREVISTADO 1). Apesar das iniciativas, a organização parece não ter conseguido compreender as mudanças no ambiente competitivo e, assim, manteve a mesma dinâmica de crescimento que havia sido bem sucedida décadas antes, conforme é destacado por Reiss (1980, p. 202): “Muitos desses mercados foram de fato promissores quando o grupo entrou neles pela primeira vez, mas dificilmente eles podem continuar a serem considerados dessa forma nos anos de 1970. Principalmente porque em nenhum deles a IRFM comprometeu investimentos grandes o bastante para tomar uma posição de liderança no mercado ou reorientar significativamente o seu crescimento prévio”. Um dos negócios onde é possível destacar esta dinâmica de crescimento é o de alimentos e bens de consumo. Com a chegada dos supermercados no Brasil nos 97 anos de 1950, a Matarazzo decidiu transformar suas unidades de abastecimento exclusivas para funcionários no novo modelo de varejo durante os anos de 1960. Os postos de abastecimento eram montados junto às fábricas para atender os operários que faziam as suas compras e tinham os valores descontados do salário (ENTREVISTADO 1). Assim, a IRFM criou a rede Superbom, abrindo lojas em São Paulo e outras cidades, atingindo, em 1971, a marca de dezoito unidades. Para o grupo, o principal objetivo era continuar mantendo o controle sobre grande parte da cadeia, além de ter um canal de distribuição próprio para os seus produtos. Essa estratégia é evidenciada nas palavras de Ermelino Matarazzo em entrevista realizada em 1971: “Nós planejamos expandir ainda mais, pois este é um negócio muito interessante para o grupo, no qual é possível entrar com uma série de produtos próprios [...]. Daqui em diante, é só uma questão de abrir mais lojas” (REISS, 1980, p. 203). A Matarazzo ainda iria expandir a rede, seguindo os planos de Ermelino. Em 1975, foi inaugurado o Supercenter Superbom na Água Branca, um centro de compras com 48.000 m2 de área total e com estacionamento para 2.150 carros. Além do próprio supermercado, a unidade contava com espaços para aluguéis de lojas. O local vendia de alimentos a roupas e eletrodomésticos e tinha um sistema de crediário próprio, o Credibom. Além disso, oferecia um serviço automotivo completo enquanto os clientes faziam compras: troca de pneus, balanceamento, alinhamento (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1975). No mesmo ano, outro supercenter ainda seria aberto em São José dos Campos. No ano seguinte, o Superbom chegaria a 25 unidades. Entretanto, devido à grande competição e aos conflitos de canais que se tornaram mais relevantes, a IRFM não conseguiu manter as margens e o ritmo de crescimento planejado. Assim, em 1978, as unidades do Superbom foram vendidas para o grupo Pão de Açúcar, com exceção do supercenter de Água Branca (REISS, 1980, p. 203). Como resultado da operação, Abílio Diniz chegou a fazer parte do Conselho de Administração da IRFM na época. No início da década de 1970, a Matarazzo já passava por uma situação delicada, tendo obtido três anos seguidos de prejuízo entre 1967 e 1969. De acordo com a empresa, os resultados negativos eram consequência da adoção, por parte da empresa, da Portaria 71, criada pelo governo com o objetivo de estimular empresas a não reajustar os preços e, assim, contribuir para frear a inflação (RELATÓRIO ANUAL 1969). 98 Foi nesse período, também, que a Matarazzo intensificou os investimentos no Nordeste através dos incentivos SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste). A Companhia Paraíba de Cimento Portland - Cimepar, por exemplo, lançou um plano de expansão da produção de 400 para 1.400 toneladas diárias, com o volume excedente produzido sob o método de via seca, mais moderno. Além disso, criou a Polynor para a fabricação de poliéster e fibra sintética com o fornecimento de tecnologia por uma empresa japonesa. Todavia, como não mais dispunha do capital necessário para financiar projetos dessa magnitude, começou a buscar novos sócios para esses empreendimentos. Para obter recursos, além de conseguir um financiamento pela SUDENE, realizou subscrição de ações preferenciais com direito a dividendo fixo de 12% ao ano, além de títulos de dívida com juros de 12% ao ano e reembolso em um prazo de cinco anos. O trecho a seguir destaca a chamada de investimentos feita pelo grupo no jornal O Estado de São Paulo (1971): “Se você soubesse que Matarazzo estava começando a fazer fortuna, você se juntaria a ele? Então, está em tempo. Depois de formar, em quase um século de atividades, o maior grupo de empresas totalmente nacionais, Matarazzo está investindo no Nordeste. A explicação é simples. Por ser a região que mais cresce no Brasil, o Nordeste é o melhor negócio do momento. Essa nova história do Grupo Matarazzo já tem 22 anos. Foi quando ele implantou no Nordeste a Cimepar – Companhia Paraíba de Cimento Portland. E todos os que participaram do projeto, junto com Matarazzo, estão tendo lucros. Vai daí, o Grupo Matarazzo partiu para outro projeto, ainda mais arrojado: Polynor, um gigantesco parque industrial de fios sintéticos que está sendo construído em João Pessoa. Com todas as condições para dominar o mercado, na região que mais precisa de fibra no país. Localização ótima, facilidade de transporte e comunicação. Abundância de energia elétrica. Excelente mão de obra. Para realizar o projeto Polynor, num investimento de 112 milhões de cruzeiros, é que Matarazzo precisa de sócios. Você está convocado. Aplique os incentivos fiscais de sua empresa na área da Sudene. E opte Cimepar ou Polynor. Olhe para o passado da Matarazzo. E veja seu futuro” (ESTADÃO, 1971). Além da obtenção de financiamentos e subscrição de ações, a organização buscou novas fontes de captação de recursos incluindo a venda de empresas, além de equipamentos, sucata, terrenos e prédios. Entretanto, como havia poucas empresas lucrativas, essas vendas não foram suficientes para equilibrar as finanças do grupo, deixando a empresa extremamente endividada (REISS, 1980, p. 208). Entre os desinvestimentos realizados no período,o mais impactante foi a venda do edifício sede do grupo em 1972, pelo valor de 73 milhões de cruzeiros (ESTADÃO, 1972). O Entrevistado 1, que estava no grupo nesse período, apresentou o seu relato: 99 “O prédio Matarazzo só foi vendido porque o Matarazzo estava endividado até a cabeça, na época. E o Estado pressionava. Uma das pressões era que ele vendesse tudo aquilo que não era produtivo ou economicamente favorável. Por isso que eu dei risada quando eu falava em fábrica de pregos, fábrica de velas, gesso, etc. Porque tudo isso era fruto daquela ideia inicial de ser autossuficiente. Mas que não se justificava mais na época. Então, a fábrica de gesso não dava lucro. A fábrica de velas não dava lucro. Mas obrigava a ter um controle, uma despesa. E o prédio Matarazzo era chamado de fantasma. Porque era muita coisa. Era muita despesa, para quem está muito endividado.” Durante esse período de turbulência, o Conde Chiquinho também lançou mão de iniciativas para reestruturar a gestão da organização. Dessa forma, inicialmente buscou centralizar questões técnicas e comerciais criando grupos de controle específicos para as diferentes linhas funcionais do grupo. Para aumentar a centralização das informações, em 1963, foi instalado no prédio do escritório central um sistema de computador IBM 1401 com memória de discos e unidades de fitas magnéticas, destinados à tarefa de executar serviços administrativos contábeis (RELATÓRIO ANUAL 1963). Ainda, com o intuito de alterar a estrutura administrativa da organização, Chiquinho contratou a consultoria Delloite, em 1967, que propôs uma nova estrutura divisional descentralizada que, de acordo com REISS (1980, p. 206), nunca chegou a se enraizar completamente, conforme seu relato apresentado: “Mesmo que todos os novos investimentos realizados pela Matarazzo durante esse período fossem bem sucedidos, o que provavelmente não é o caso, o fato principal é que a organização não modificou substancialmente o seu perfil de acordo com as novas condições dominantes da economia” (REISS 1980, p. 204). Vale ressaltar, no entanto, que a reestruturação não deixou de trazer ganhos para a organização. Um faturamento, por exemplo, demorava em média oito dias para ser realizado antes da descentralização. Após a iniciativa, o tempo para efetuar o processo foi reduzido pela metade (EXAME, 1972). A intenção de implantar um modelo descentralizado já se mostrava aparente no Relatório Anual de 1965, no qual em um trecho destacado a seguir, constata-se uma crítica ao método de gestão da União Soviética: “A tendência de descentralização, cuja execução presentemente se nota na comunidade soviética, e a mesma eliminação de Nikita Krushchev, são indícios eloquentes da incapacidade da agricultura e indústria russa, encalhada devido às programações rígidas e centralizadas.” 100 O projeto de consultoria ainda gerou um novo sistema de remuneração por desempenho, no qual os funcionários tinham que atender metas específicas de produtividade. Esses incentivos poderiam atingir até 45% do salário base (EXAME, 1972). Em 1976, a reforma da estrutura de gestão é finalizada com a criação de um Conselho de Administração e uma Diretoria Executiva que tinha o Conde Chiquinho na presidência e um superintende logo abaixo dele. Este posto foi ocupado por Sérgio Batista Zacarelli que era Diretor da FEA/USP e foi contratado para assumir o cargo. Subordinados a ele, estavam três diretores que já tinham carreira na Matarazzo, sendo que Renato Salles era marido de Maria Pia, filha de Chiquinho. A figura 5-4 apresenta essa configuração. Como é possível perceber, Ermelino e Eduardo não faziam mais parte da direção, pois tinham sido afastados do grupo pelo Conde Chiquinho. Paralelamente à reestruturação do organograma do grupo, também se importou novas tecnologias, além de técnicos e gestores para tentar recuperar as unidades do grupo. Raymond Baxter, químico inglês que chegou à IRFM em 1968 fez o seu relato sobre a situação em uma entrevista para a Exame (1972): “Eu vi o esforço que eles fizeram, comprando tecnologia em todo o mundo e colocando gente jovem em fábricas doentes”. Figura 5-2 – Estrutura da Diretoria Executiva em 1976 Fonte: Vilela e Rodrigues (2013) Em 1969, com a proposta de profissionalizar a gestão, Francisco Jr. contratou um especialista de marketing da Procter & Gamble, para assessorá-lo por um período de três anos, por um salário mensal de US$ 5 mil. Por dois anos, o cubano Rene Picard enfrentou a estrutura conservadora das empresas. Numa luta muito difícil Francisco Matarazzo Jr Presidente Sérgio Baptista Zaccarelli Diretor Superintendente Milton Getúlio da Cunha Diretor Antônio de Abreu Coutinho Diretor Financeiro Renato Salles Cruz Diretor 101 contra a máquina administrativa do grupo (os homens de confiança temiam as suas decisões e retardavam as execuções), pouco pode fazer (REVISTA DE ECONOMIA E NEGÓCIOS, 1972). O entrevistado 1, que foi convidado pelo Conde para ocupar um cargo de chefia nessa mesma época e recusou, relatou o porque de sua decisão, corroborando as dificuldades enfrentadas por Picard: “Porque a podridão era muito grande. E eu sabia que aquele seria o meu túmulo. Que eu ia morrer ali do coração. Que eu ia querer fazer o que eu fiz em todas as unidades. Consertar. E ali seria muito difícil. Atrás da sujeira estavam os filhos, o tio, o genro, os parentes. E eu não ia conseguir. Eu ia morrer. Eu sabia que eu estava assinando a minha carta de demissão. Porque nunca ninguém se atreveu a desobedecer o Conde. Eu passei o meu cargo para o meu substituto.” O entrevistado 1 também relatou a importância dada por Chiquinho à contratação de técnicos estrangeiros: “Ele importava muitos técnicos estrangeiros. Era a preferência dele. Então, o melhor usineiro do Peru, ele trazia para o Brasil. O melhor diretor têxtil, ele trazia da Inglaterra. E assim por diante. Ele nunca ia procurar um dos melhores. O melhor. E pagava. Mas pagava de uma maneira brutal”. A década de 1970 também demarca a segunda transição no comando da IRFM. Chiquinho Matarazzo, assim como o seu pai havia feito quase meio século antes, definiu um único herdeiro para comandar de forma centralizada as atividades da organização. A escolhida foi sua filha mais nova, Maria Pia. (REISS, 1980, p. 214). O primeiro testamento que já apontava Maria Pia como sucessora datava de 1954, quando ela tinha apena doze anos de idade (MATARAZZO, 1982, p. 160). Todavia, mesmo com a escolha sendo feita com grande antecedência, assim como ocorreu no primeiro processo, os outros filhos ficaram insatisfeitos. Ermelino e Eduardo entraram na justiça reivindicando seus direitos, mas perderam em decisão judicial no ano seguinte e acabaram entrando em acordo com a irmã (VEJA, 1983) Nas palavras do entrevistado 1 que trabalhou no grupo até 1974, Maria Pia era a menos preparada para assumir o comando do grupo. A própria herdeira do império afirmaria mais tarde que não foi devidamente preparada para ocupar a posição: “Fui treinada para ser mulher de alguém, não para ser o que sou. O homem tem outro tipo de preocupação. Acho o homem, também, fisicamente mais forte, ele se cansa menos” (O ESTADO DE SÃO PAULO, p. 81). Maria Pia começou a trabalhar no grupo apenas em 1976, primeiro nas divisões têxteis e, depois, nas áreas de propaganda e marketing, sua verdadeira 102 especialidade (ESTADÃO, 1983). A situação enfrentada por ela não seria fácil, como é possível perceber em um relatório redigido pelo BNDES, após uma avaliação técnica realizada na organização: “Quando do falecimento do conde, a situação era caótica. As avaliações de situações e decisões vinham sendo tomadas com base na sensibilidade do Conde, cujos padrões de referência, como é compreensível, revelavam-seabsolutamente inadequados às condições econômico-financeiras e sociais do Brasil dos anos 60 e 70, principalmente” (VEJA, 1983). O primeiro direcionamento de Maria Pia foi de que a Matarazzo deveria profissionalizar-se e estruturar-se, deixando de ser uma empresa familiar (ESTADÃO, 1981). Além disso, decidiu direcionar o grupo para as atividades fabris, principalmente para o setor de alimentos. Assim, foram vendidas diversas atividades comerciais e, também o Banco Matarazzo que em 1977 contava com apenas uma sucursal. Em 1978, realizou uma joint venture com a americana Hershey Foods com o objetivo de reorganizar o seu sistema de produção e distribuição de alimentos. Como resultado, a empresa recebeu know how e capital para fortalecer o seu negócio (REISS, 1980, p. 215). Em 1979, uma ideia que acompanhava o Conde Chiquinho desde o início da década finalmente foi colocada em prática: a transformação da IRFM em uma holding, agrupando as unidades do grupo em empresas de acordo com as suas similaridades. A tabela 5-4 apresenta o resultado dessa nova configuração. Mesmo com essas iniciativas, entre 1980 e 1981, o grupo apresentou prejuízo. Em 1982, por sua vez, o faturamento da IRFM foi de 56,5 bilhões de cruzeiros e o lucro líquido atingiu 2,4 bilhões. Por outro lado, algumas unidades começavam a enfrentar atrasos de salários e greve de funcionários. Para recuperar parte das perdas e melhorar a saúde financeira da organização, a Matarazzo continuou vendendo empresas. Entre elas estavam: A fábrica de café solúvel instalada em joint venture com uma empresa americana; a Portland Cimepar, considerada a melhor das empresas do conglomerado; a fabricante de biscoitos Petybon que tinha participação da Hershey Foods; a Companhia de Navegação Matarazzo; e a fabricante de plásticos Plastvil (VEJA, 1983). 103 Tabela 5-4 - Divisão da Matarazzo em Empresas Novas empresas Unidades Valor do ativo fixo reavaliado (Cr$ mil) Previsão de vendas em 1980 (Cr$ mil) Indústrias Matarazzo de Óleos e Derivados SA Descaroçador – Votuporanga (SP) Fábrica de Óleos e Derivados – Rancharia (SP) Descaroçador – Rancharia (SP) Fábrica de Óleos e Derivados – Campinas (SP) Fábrica de Óleos e Derivados – Umuarama (PR) Descaroçador – Presidente Wenceslau (SP) 501.673 3.229.811 Indústrias Matarazzo de Papéis AS Fábrica de Papéis Belenzinho – São Paulo (SP) Fábrica de Celulose – São Caetano do Sul (SP) Fábrica de Papéis – Santa Luzia (MG) Fábrica de Papéis – Cataguases (MG) 630.311 2.448.708 Indústrias Matarazzo de Embalagens Fábrica de Embalagens – Erm. Matarazzo (SP) Fábrica Celosul – Ermelino Matarazzo (SP) Fábrica de Papelão Mariângela – São Paulo (SP) Fábrica de Papel Miolo – Fazenda Amália (SP) 1.233.971 4.233.402 Indústrias Matarazzo de Cimento e Mineração SA Fábrica de Cimento – Morretes (RS) 161.778 428.811 Indústrias de Artefatos de Cerâmica SA Fábrica de Azulejos Cláudia – São Caetano do Sul 171.817 628.667 Florestal Matarazzo AS Diversas Fazendas 722.447 32.739 Indústrias Químicas Matarazzo SA Fábrica de Soda – São Caetano do Sul (SP) Oficina Mecânica – São Caetano do Sul (SP) 340.965 982.328 Indústrias Matarazzo de Fibras Sintéticas Fábrica de Nylon – São José dos Campos (SP) 497.013 1.061.942 Indústrias Matarazzo de Óleos do Nordeste Fábrica de Óleos – João Pessoa (PB) 63.124 238.394 Indústrias Matarazzo de Alimentos SA Fábrica de Óleos e Derivados – São Paulo (SP) Moinho de Trigo do Brás – São Paulo (SP) 207.507 2.795.365 Fonte: Relatório Anual 1979 Apesar do forte movimento de venda de ativos e da deterioração nos resultados da IRFM, Maria Pia, respondendo uma matéria na Revista Veja, negou quaisquer dificuldades financeiras no grupo e ainda reafirmou o intuito de continuar crescendo: 104 “Nas atuais e gerais dificuldades do país, o Grupo Matarazzo, um dos mais representativos do capital nacional, inclui-se entre os que melhores condições têm para resistir às investidas desnacionalizantes que se iniciam invariavelmente, na faixa marginal do mercado de escândalo, onde os traficantes da difamação mercantilizam o abuso da liberdade de imprensa. É verdade que o Grupo Matarazzo, um dos maiores complexos industriais do Brasil, está empenhado em crescer com o país, em aumentar a produção, em ampliar o mercado de empregos, em contribuir para a redistribuição de rendas através do mais amplo processamento dos variadíssimos recursos nacionais” (ESTADÃO, 1981). Apesar de todos os desinvestimentos realizados que totalizaram 180 milhões de dólares, a organização não conseguiu contornar o seu grave problema financeiro. Assim, em 18 de julho de 1983, o grupo de onze empresas da IRFM que juntas acumulavam uma dívida de 160 milhões de dólares (94 bilhões de cruzeiros) pede concordata. Com um patrimônio de 80,7 bilhões de cruzeiros, o grupo tinha apenas um quarto do tamanho da Votorantim, o maior conglomerado empresarial brasileiro da época (VEJA, 1983). No pedido, a IRFM propunha pagar os credores em duas parcelas, sendo dois quintos do seu passivo no final do primeiro ano e o restante ao fim do segundo. A concordata ainda permitiu a conversão da dívida estrangeira em moeda nacional com juros de 12% ao ano e sem correção cambial (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1983). O documento oficial da concordata incluiu uma série de acusações contra o governo pela política que privilegiava o capital externo e pela falta de ajuda oficial, embora os três maiores credores das empresas concordatárias fosses bancos estatais: BNDES (32 bilhões de cruzeiros), Badesp (7,5 bilhões) e o Banco do Estado de São Paulo (5,3 bilhões). Para o economista Luciano Coutinho, além da dependência do mercado de produtos tradicionais, cuja demanda estava diretamente ligada ao poder aquisitivo dos salários mais baixos que ficavam cada vez mais achatados devido à situação econômica do país, faltou também agilidade para escapar da recessão. Para Coutinho, se não fossem as elevadas taxas de juro e a retração da demanda, o grupo talvez tivesse tido condições de fazer uma reciclagem de sua estrutura. O pedido de concordata havia sucedido uma maxidesvalorização do cruzeiro em 30%, ocorrida em fevereiro daquele ano, e que teve um impacto muito forte sobre as empresas do grupo, que tinham um volume elevado de dívidas em moeda estrangeira. O economista ainda expôs que a situação que a Matarazzo chegou não difere muito das indústrias tradicionais do setor têxtil do Nordeste, que faliram em massa no início dos anos 80. As que sobreviveram, segundo Coutinho, detinham tecnologia moderna e exportavam grande parcela de sua produção (ESTADÃO, 1983). 105 A tabela 5-5 apresenta como era a composição de receitas da IRFM nos anos que precederam a concordata e logo após o pedido em 1983. Tabela 5-5 Composição do Faturamento da IRFM por Setor (%) Setores 80 81 82 83 Produtos de Consumo 31,5 35,3 29,2 7,7 Químico 10,2 8,2 13,0 17,4 Plásticos 16,4 10,6 9,7 6,8 Mineração 9,8 13,5 6,3 6,2 Papel e Celulose 7,1 6,7 12,1 17,3 Embalagens 10,1 11,5 18,1 27,9 Açúcar e Álcool 4,8 7,7 10,1 15,0 Serviços 1,3 1,2 1,5 1,7 Têxtil 8,8 5,3 0,0 0,0 Fonte: Relatório Anual 1983 O período que sucedeu a falência no início dos anos 80 foi extremamente conturbado. Os irmãos de Maria Pia, que eram ex-diretores da IRFM, fizeram uma série de ataques à gestão do grupo, conforme pode ser evidenciado em entrevista de Ermelino à revista Veja (1983): “Os problemas que levaram à concordata derivam da má gestão do grupo [...] Basta conferir o currículo dos diretores do grupo para se concluir sobre a qualidade da gestão”. Em seu relato, Ermelino cita indiretamente o vice-presidente de coordenação geral, o segundo cargo mais importante da organização e que desde1978 era ocupado pelo quarto marido de Maria Pia, Roberto Calmon de Barros Barreto, que era ex-diretor do Unibanco. Em 1985, tentando se recuperar, a IRFM realiza um grande investimento em pessoal, principalmente na área comercial, "em que o grupo era fraco", de acordo com o vice-presidente Roberto Calmon (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1985). No mesmo ano, anuncia um novo plano de investimento na indústria de papel. A proposta era aproveitar a infraestrutura de uma planta desativada localizada em São Roque, para instalar uma unidade para fabricação de 200 toneladas/dia de CTMP (produto intermediário entre a pasta mecânica e a celulose química). Tratava-se de um investimento relativamente baixo em um projeto de tecnologia moderna (ESTADÃO, 1985). 106 Em 1987, a Matarazzo enfrentava grandes dificuldades para quitar as suas dívidas. Por isso, o BNDES entrou com uma ação judicial contra a empresa para a cobrança de duas prestações atrasadas, referente a um débito de Cz$ 4,7 bilhões. Como resultado, o grupo registrou um prejuízo de Cz$ 7,2 bilhões no ano, sendo que Cz$ 6,4 bilhões foram referentes ao pagamento da dívida (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1987). Cinco anos depois do pedido de falência, em 1988, o grupo Matarazzo anuncia a saída da concordata. De acordo com a direção da IRFM, o último passo foi dado com o fechamento de um acordo para renegociação de uma dívida de aproximadamente US$ 70 milhões com o Banco do Brasil (BB). O pagamento foi prorrogado por um novo prazo de dez anos. No entanto, o jornal Estadão ainda ressaltava a existência de pendências com o BNDES que poderiam impedir a saída definitiva da concordata (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1988). O fechamento do processo de falência era um passo necessário para a IRFM conseguir viabilizar um novo e grandioso empreendimento. Em 1986, o grupo havia se unido à canadense Brascan com o objetivo de construir o maior Shopping Center da América do Sul no complexo da Água Branca. O projeto ainda previa a construção de um hotel e outros dez edifícios comerciais. Para viabilizar o plano, no entanto, a IRFM deveria estar fora do processo de falência para conseguir captar mais recursos. Maria Pia forneceu um panorama sobre as dívidas com o BB e o BNDES, além do novo investimento: “A parte operacional não consegue pagar essa dívida no todo, apenas parte dela. Fizemos, inicialmente, uma desmobilização de US$ 180 milhões. Mas eu aprendi a não vender a qualquer preço. Todos sabiam que a Matarazzo estava endividada e ofereciam valores abaixo do mercado pelas propriedades. Preferi, então, ficar com o patrimônio e procurar outras saídas. Temos um terreno na Água Branca, por exemplo, que poderíamos vender por US$ 30 milhões. Em vez de vendê-lo, contudo, tratamos de procurar uma atividade para ele. [...] O Shopping deve ficar pronto em 1991. Nos primeiros 12 anos, segundo a composição acertada, nós receberemos 75% da receita para pagar a dívida com o Banco do Brasil” (O ESTADO DE S. PAULO, 1989). Vale ressaltar, ainda, que como diversos prédios do complexo eram tombados, houve um grande imbróglio envolvendo a empresa e a prefeitura, que queria evitar a demolição dos edifícios. Devido a esse problema e, também, pela questão da necessidade de captação de recursos, a execução do projeto se arrastaria pelos anos seguintes. 107 Assim, de maior grupo empresarial do país durante várias décadas, a Matarazzo chegaria ao final da década de 1980 em uma situação muito diferente. Em 1989, teve um faturamento pouco superior a US$ 400 milhões, com um pequeno lucro operacional. O patrimônio líquido era de US$ 600 milhões, incluindo a mansão na Avenida Paulista, avaliada em US$ 100 milhões (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1990). Em 1990, Maria Pia deixa a presidência do grupo, mantendo-se como presidente do Conselho. Em seu lugar, assume Paulo Sérgio Portugal Graciano, que havia sido vice-presidente da IRFM entre 1981 e 1986. No mesmo ano, as oito principais empresas das vinte e nove do grupo entraram com um novo pedido de concordata. Entre elas, estava Indústria Matarazzo de Embalagens, a principal empresa, com 1.840 funcionários e um faturamento anual de US$ 100 milhões. Esse novo pedido adiou a construção do shopping em Água Branca (ESTADÃO, 1990). Em 1991, o Shopping West Plaza é inaugurado em frente ao complexo de Água Branca, praticamente eliminando as possibilidades de a IRFM seguir em frente com o seu projeto de construção do Shopping Matarazzo. Assim, passando por um novo processo de falência e com possibilidades limitadas de levantar recursos, o grupo vê a sua situação financeira se deteriorar rapidamente com dois anos seguidos de prejuízo. Em 1991, o déficit atinge Cr$ 67 bilhões e, no ano seguinte, Cr$ 1,1 trilhão (ESTADÃO, 1993). Assim, em 1992, várias unidades da Matarazzo atrasam os pagamentos de salários. Algumas, ainda, ficam paralisadas por falta de energia elétrica, cortadas por atraso no pagamento. Entre elas, estava a Indústria Matarazzo de Papel, em Cataguases (MG) e a Agro Industrial Amália. A situação se tornou tão caótica que, a empresa não tinha dinheiro para realizar a rescisão da unidade de produtos termoplásticos em Campinas, que tinha 165 funcionários e estava sendo desativada. Por isso, entrou em acordo com o sindicato para que parte do pagamento fosse feito com caixas de sabonete Francis que o grupo fabricava em São Paulo (ESTADÃO, 1992). Além disso, a IRFM começou a sofrer processos pelo não recolhimento de FGTS e INSS e, também, pela poluição causada pelas fábricas de São Caetano e Belenzinho. Assim, a Matarazzo chega em 1994 com 5.000 funcionários e atuação em áreas como fibras sintéticas, azulejos, embalagem, papel, comércio, tecido e sabão. A tabela 5-6 apresenta a composição do grupo na época: 108 Tabela 5-6 – Perfil do Grupo Matarazzo em 1993 Empresas Patrimônio Líquido (em bilhões de Cr$) Indústrias Matarazzo de Papéis 142 Indústrias Matarazzo de Embalagens 144 Agro Industrial Amália 663,6 Indústrias Matarazzo de Cerâmica 24 Indústrias Matarazzo de Óleos e Derivados 12,6 Indústrias Matarazzo de Fibras Sintéticas 46,8 Florestal Matarazzo 228 Indústrias Matarazzo de Óleos do Nordeste 56 Indústrias Matarazzo do Paraná 135,9 Fonte: O Estado de São Paulo (1993) Em 1996, a mansão na Avenida Paulista é demolida e o grupo tenta vender o terreno de cinco mil metros quadrados por cerca de US$ 120 milhões. Entretanto, no local acaba sendo erguido um grande estacionamento. Em 2007, o ativo finalmente seria vendido para a Cyrela e uma empresa do grupo Camargo Corrêa pelo valor de R$ 125 milhões (FOLHA ONLINE, 2007). Em 1997, o Supercenter Matarazzo, na Água Branca, foi levado a leilão pelo Fórum das Execuções Fiscais para o pagamento de impostos atrasados. Avaliado em R$ 41,89 milhões, foi arrematado por apenas R$ 18,5 milhões pela Companhia Zaffari de Supermercados (ESTADÃO, 1997). A partir dessa época, a Matarazzo passa a ter pouquíssimas operações, entre elas, a do sabonete Francis, que seria vendida para o grupo Bertin em 2007 e da Fazenda Amália que foi arrendada no mesmo ano (VILELA & RODRIGUES, 2013). Após se desfazer dos negócios, o grupo industrial da Matarazzo deixa de existir, restando apenas propriedades arrendadas para terceiros. 109 6 HISTÓRICO VOTORANTIM Sorocaba, que chegou a ser chamada de a “Manchester Paulista” pela sua vocação industrial, pode ser considerada um berço de colossos brasileiros. Em 1890, no mesmo ano em que Francesco Matarazzo saiu da cidade e partiu para São Paulo em busca de novas oportunidades, o Banco União de São Paulo comprava as terras, instalações e equipamentos da Votorantim, uma companhia que atuava com serrarias de mármore na cidade do interior paulista. No ano seguinte, seria instalada na unidade uma fábrica de estampariae, em 1903, uma seção de fiação e tecelagem, marcando definitivamente sua atuação na indústria têxtil (SOUZA1, 2004, p. 225). ‘ Nessa mesma época, Antônio Pereira Ignácio, o empreendedor que daria início ao grupo ao incorporar a Votorantim anos mais tarde, já se destacava no comércio de algodão. Nascido em Baltar, em Portugal, o jovem Pereira Ignácio tinha apenas dez anos quando chegou a Sorocaba acompanhando o seu pai, João Pereira Ignacio, no ano de 1884. Ainda criança, começou auxiliando na sapataria que o pai montou, enquanto estudava à noite, até concluir o currículo ginasial. Entretanto, quatro anos depois de se estabeleceram no Brasil, eles recebem a notícia de que a mãe de Antônio que ficara em Portugal havia adoecido. Por esse motivo, João volta para a terra natal para ficar com a esposa, deixando o filho no Brasil (CALDEIRA, 2008, p. 10). Assim, ainda adolescente, Antônio vai trabalhar em São Paulo e depois no Rio de Janeiro para adquirir experiência e juntar capital para criar o seu primeiro empreendimento. Feito que consegue atingir em poucos anos (SOUZA1, 2004, p. 226). Primeiro, abriu um pequeno comércio. Depois, um grande armazém de secos e molhados em Botucatu, e no início do século vinte, uma fábrica de descaroçamento de algodão em Boituva, marcando o movimento que o levaria do comércio para a indústria (SCANTIMBURGO, 1986, p. 109). Inicialmente, o seu objetivo era produzir óleo de algodão com o intuito de vendê-lo mais barato que o óleo da banha de porco. Entretanto, ele sofre uma retaliação de Matarazzo que já era um grande produtor de banha de porco da região. Por isso, passou a direcionar a sua produção para o setor têxtil (SCANTIMBURGO, 1986, p. 110). Entre 1903 e 1904, ele abriria duas novas unidades de descaroçamento, uma na cidade de Tatuí e outra no recém-criado distrito de Conchas, à beira dos trilhos da ferrovia Sorocabana (CALDEIRA, 2008, p. 13). Nessa mesma época, outro fato importante para a história da Votorantim acontecia muito longe dali. Em 1900, nascia em Nazaré da Mata, Pernambuco, José 110 Ermírio de Moraes. Filho de uma família tradicional do Estado, o pernambucano perdeu o pai com apenas um ano de idade e, por isso, ainda criança começou a ajudar sua mãe nos trabalhos do engenho de açúcar da família (SCANTIMBURGO, 1986, p. 75). Voltando para Pereira Ignácio, em 1905. É neste ano que o empreendedor dá um importante salto nos negócios quando decide montar uma grande fábrica de aproveitamento de algodão, levantando o capital junto a um amigo que tinha negócios no Rio de Janeiro. Para conhecer a fundo as técnicas de produção, vai para os Estados Unidos trabalhar como operário em uma fábrica sem, no entanto, revelar suas intenções para os seus empregadores. Quando, em decorrência de seu desempenho, foi convidado a se tornar gerente industrial da planta, contou os seus planos para os sócios, que ficaram impressionados e se tornaram importantes parceiros, lhe ajudando a comprar as máquinas necessárias para montar a sua própria fábrica no Brasil. Após essa experiência, Pereira Ignácio funda, assim, a Fábrica de Óleos Santa Helena (VOTORANTIM, 2008, p. 15). Scantimburgo (1986, p. 113), o autor da biografia de José Ermírio de Moraes, destaca a importância da viagem de Pereira Ignácio aos EUA: “Sua estada na América fora-lhe proveitosa mais do que se tivesse frequentado várias universidades. Aprendera no dia a dia do trabalho, na observação registrada com extremo cuidado, de todas as fases da produção na qual tinha interesse”. Assim como Matarazzo, Pereira Ignacio lançou mão de novos métodos de comercialização. Antes de inaugurar a fábrica, o empreendedor publicou anúncios nos jornais oferecendo aos plantadores um preço pré-fixado para a compra da próxima safra de algodão. O resultado lhe rendeu frutos e o empreendedor instalou outras quatorze fábricas na região nos dez anos seguintes, expandindo, também, suas atividades para o beneficiamento de arroz. Nessa época, começa um período de diversificação e crescimento. Adquire a fábrica de cimentos Rodovalho, monta uma usina hidrelétrica e compra uma empresa de telecomunicações (DEAN, 1976, p. 112). Em 1913, a fábrica de tecidos Votorantim, agora um importante cliente das empresas de Pereira Ignacio, já contava com 1.200 operários e um grande distrito que incluía casas, escritórios e escolas, além de estar ligada à Sorocaba por uma linha particular de bondes. Nessa época, a empresa começa a ter problemas financeiros e dificuldades para honrar os compromissos com seus fornecedores. Por isso, Pereira Ignacio decide conceder crédito para o seu cliente e, no mesmo ano, torna-se diretor do Banco União. Posteriormente, torna-se arrendatário de toda a divisão de algodão. Para reduzir sua dependência em relação à Votorantim, amplia sua participação no 111 setor, adquirindo, também, as fábricas de tecidos Bom Retiro e Paulistana, além da tecelagem São Bernardo. Em seguida, fundou sua mais importante unidade, a Lusitânia, que era capaz de produzir quatro milhões de metros de tecido por ano (CALDEIRA, 2008, p. 17). Como é possível perceber, o crescimento foi substancial. Em um período de dez anos, o empresário evoluiu de uma pequena unidade de descaroçamento de algodão para um conjunto de fábricas do setor têxtil. Para conseguir essa evolução em um curto espaço de tempo, Pereira Ignacio se beneficiou das dificuldades de importação de algodão durante a guerra: “Exemplos das mudanças provocadas na propriedade industrial pela escassez de certas matérias-primas são as súbitas fortunas de Antônio Pereira Ignácio e Nicolau Scarpa. Os tecidos de algodão só poderiam proporcionar ganhos inesperados aos fabricantes que dispusessem de uma provisão de algodão. Para as pequenas fábricas espalhadas pelo interior, muitas das quais possuíam seus próprios algodoais, isso não constituía problema. Mas as grandes fábricas das cidades eram presas aos descaroçadores de algodão, que, repentinamente, se colocaram em posição sumamente estratégica” (DEAN, 1971, p. 111). Em 1916, com dezesseis anos, José Ermírio de Moraes foi para os Estados Unidos estudar na Colorado School of Mines, em Golden, no Estado de Colorado. Lá permaneceu por cinco anos e para Scantimburgo (1986, p. 85) esse período foi fundamental para o jovem conhecer o dinamismo do empreendedorismo americano, a dedicação ao trabalho, a objetividade e a disposição para conduzir projetos até o fim. “O primeiro traço de americanismo em José Ermírio foi, passados alguns meses de sua estada em Colorado, escrever à mãe para não lhe mandar dinheiro, pois já havia arranjado um emprego fora das horas de estudo. [...] Daí por diante, até 1921, quando se graduou, José Ermírio sustentou-se nos Estados Unidos” (SCANTIMBURGO, 1986, p. 82). Para Scantimburgo (1986, p. 97), José Ermírio de Moraes foi para o que havia de melhor em educação e preparação tecnológica. Numa fase em que predominavam as escolas humanísticas no Brasil, ele voltaria com uma forte capacitação, fonte de vantagem competitiva para os seus negócios. Em 1917, a Votorantim, que era a segunda maior fábrica de São Paulo, estava falindo e com os operários em greve devido ao atraso de três meses no pagamento dos salários. Assim, Pereira Ignacio e seu sócio Nicolau Scarpa compraram a fábrica em leilão público por apenas cinco mil contos, formando, assim, a Sociedade Anônima Fábrica Votorantim (DEAN, 1971, p. 113). 112 Pereira Ignacio tomou a frente da organização que teria três campos de atuação: fabricação de produtos têxteis, exploração de jazidas de minérios e exploração da via férrea Votorantim (CALDEIRA, 2008, p. 25). Dessa forma, em apenas um ano, o empreendedor português passou a deter 17% da capacidade de fabricação de tecidos de algodão em todo o Estado, além de contar com 122 mil contos (30,5milhões de dólares) de capital circulante (DEAN, 1976, p. 113). Assim, concentrando suas atividades principalmente no setor têxtil, Pereira Ignacio construiu um grupo com duas dezenas de unidades, tendo a Votorantim no centro dos seus negócios, além de um escritório central localizado na Rua São Bento, no Centro de São Paulo. Em 1919, o grupo tinha unidades de descaroçamento nas seguintes localidades: Sorocaba, Tatuí, Porto Feliz, Conchas, Itapetininga, Campo Largo, Boituva, Tietê, Avaré, Piracicaba, Monte Mor, Nova Odessa, Itu, Jundiaí, Inhaiba e Rebouças (ESTADÃO, 1919). Entretanto, ao final do primeiro ano da aquisição da Votorantim, o valor da fábrica havia chegado a 1.650 contos e as dívidas adquiridas para sanar a sangria eram superiores a três mil contos. Para encontrar soluções para o problema, Pereira Ignacio se licencia do cargo de presidente e vai para os EUA. Na sua volta, contrata um auditor para fazer o levantamento dos ativos da empresa e fixar o preço para execução de compra das partes dos demais acionistas. Assim, adquire a parte dos seus sócios, transfere a Rodovalho para o grupo Votorantim, moderniza os equipamentos da fábrica, realiza mudanças nos estatutos visando a estruturação da administração e vende ativos para se capitalizar (CALDEIRA, 2008, p. 29). Entre os desinvestimentos realizados, estavam os terrenos e edifícios onde estava instalada a Companhia Têxtil Paulistana que havia sido comprada anos antes. Além disso, a Votorantim tinha diversos terrenos em São Paulo, como no bairro do Brooklin Paulista, e em São Caetano, que passaram a ser vendidos em prestações para o público em geral (ESTADÃO, 1921). Entre 1920 e 1923, a empresa conseguiu captar 3.400 contos de réis com a venda de terrenos (ESTADÃO, 1923). Além disso, no segundo semestre de 1920 a diretoria toma uma decisão que viria a se tornar uma característica permanente do grupo: reaplicar os resultados obtidos de modo a aumentar as reservas da empresa (CALDEIRA, 2008, p. 29). Com as iniciativas empreendidas, a Votorantim começou a reverter a sua situação financeira já a partir de 1920. Portanto, apesar de não ter atingido um porte similar à Matarazzo, além de ser muito menos diversificada, a Votorantim havia se tornado um concorrente de peso da IRFM no setor têxtil e Pereira Ignacio já figurava entre os grandes industriais paulistas, 113 o que permite uma breve comparação feita por Antônio Ermírio de Moraes sobre as duas organizações: “A Matarazzo seguiu construindo mais e mais fábricas diferentes. Já a Votorantim preferiu fazer um processo muito seletivo” (COUTO, 2005, p. 342). No início da década de 20, Pereira Ignácio já era um grande empresário, conhecido como o “Rei do Algodão” e havia conseguido atenuar os problemas financeiros da fábrica têxtil Votorantim, da qual se tornara o único sócio. Isso lhe permitiu dar passos mais largos. Começou construindo uma ferrovia para escoar a produção e transportar os funcionários da Votorantim para o centro de Sorocaba. A infraestrutura ficou pronta em 1922 e se tornou a primeira ferrovia eletrificada particular do país. No mesmo ano, modernizou a fábrica comprando novos teares (CALDEIRA, 2008, p. 30). Um ano após a conclusão da ferrovia, a Fábrica Votorantim se mantinha como uma das maiores do país, com 3.400 operários (SAES & NOZOE, 2006). Em 1923, Pereira Ignácio se licencia do cargo e vai para a Europa acompanhar a esposa que sofria de asma e iria fazer um tratamento na Suíça. Assim, Numa de Oliveira, diretor e acionista do Banco do Comércio e Indústria de São Paulo, assume a direção da empresa. Numa era um empresário experiente e conhecia bem a empresa, pois fazia investimentos nela. Nesta época, o filho mais velho de Pereira Ignácio, João Pereira Ignácio torna-se diretor tesoureiro da Sociedade Anônima Tecidos Votorantim (CALDEIRA, 2008, p. 31). No mesmo período, José Ermírio de Moraes regressara do seu período de estudos nos Estados Unidos. Em 1921, se empregou como funcionário público do Governo de Minas Gerais, mapeando as riquezas minerais do Estado. No ano seguinte, foi trabalhar na St. John Del Rey Mining Co. onde iria atuar como técnico de mineração. Em 1923, no entanto, José Ermírio recebe uma carta do cunhado que lhe informa que a usina de açúcar da família estava enfrentando problemas financeiros. Assim, com 23 anos, o jovem engenheiro deixa o emprego e vai para o Recife para se tornar gerente-geral da usina. Para salvar a empresa, decide que é necessário modernizá-la e, portanto, parte para a Inglaterra com o objetivo de comprar novos equipamentos (CALDEIRA, 2008, p. 48). José Ermírio aproveita a viagem para levar a sobrinha que estava doente para realizar um tratamento na Europa que, por coincidência, seria realizado na mesma clínica na Suíça onde já estavam Pereira Ignácio, sua mulher e sua filha Helena, pela qual José Ermírio viria a se apaixonar. Com a aproximação dos dois, Pereira Ignácio 114 percebe um grande potencial no pretendente de sua filha e, então, convida o jovem Pernambucano para trabalhar como executivo na Votorantim. Assim, em 1924, José Ermírio vai para Recife para coordenar a instalação dos equipamentos e de lá migra para São Paulo para iniciar uma nova jornada profissional. No ano seguinte, João Pereira Ignácio adoece e precisa se afastar da diretoria comercial da Votorantim, sendo o cargo preenchido por José Ermírio de Moraes (CALDEIRA, 2008, p. 53). A chegada do novo profissional com sua bagagem de conhecimentos técnicos gerava um diferencial ao grupo, conforme relato apresentado por Scantimburgo (1986, p. 123) sobre os industriais na década de 1920: “O industrial era guiado mais pelo instinto do que por segura informação técnica”. Em 1924, Pereira Ignácio chegou à conclusão que o custo das moradias dos seus funcionários já havia sido amortizado e, por isso, decidiu abolir a cobrança dos aluguéis das casas da vila da Votorantim. Além disso, os funcionários que não conseguiriam se alojar nas casas da companhia, recebiam compensações de dez mil- réis mensais. Isso gerou uma retaliação dos outros donos de fábricas que exigiram através da CIFTSP que a Votorantim restaurasse os aluguéis. Em 1924, a vila operária da Votorantim já contava com 834 casas (ESTADÂO, 1935). Isso, contudo, não indica uma benevolência do empresário em relação aos empregados. Segundo Dean (1971, p. 180), no ano de 1928, Pereira Ignácio chegou a dispensar funcionários em massa devido à indisciplina e tumultos de trabalhadores. Embora a Votorantim tenha recuperado a sua saúde financeira, a Revolução Tenentista de 1924 afetou drasticamente a indústria de São Paulo. Assim, segundo Scantimburgo (1986, p. 125), quando José Ermírio de Moraes assume o seu posto na organização em 1925, a Votorantim ficou novamente em situação financeira crítica, o que viria a exigir novos esforços para tornar a empresa lucrativa novamente. Dessa forma, em 1926, Pereira Ignácio amplia o capital da Votorantim de cinco mil para vinte mil contos, utilizando, para isso, os recursos que havia obtido com a venda de ativos. Assim, reduziu ainda mais a dependência de créditos de terceiros e possibilitou a recuperação financeira da organização. Com o maior controle do capital da empresa, Pereira Ignácio também retoma o cargo de presidente de Numa de Oliveira e elege José Ermírio de Moraes como diretor-gerente. Ainda em 1926, João Pereira Ignácio, o filho mais velho do fundador do grupo, retorna à empresa como diretor tesoureiro e Paulo, o filho mais novo, assume o posto que estava com José Ermírio (CALDEIRA, 2008, p. 56). Nessa mesma época, o grupo 115 adquire a usina hidrelétrica Boa Vista localizada na bacia do rio Paranapanema (SAES & NOZOE, 2006). Em 1928, José Ermírio de Moraes assina, como representante da Votorantim, o manifesto "Votorantim,Matarazzo e Klabin", grupo que daria forma à fundação do CIESP. Matarazzo foi o primeiro presidente e José Ermírio foi um dos quatro diretores (CALDEIRA, 2008, p. 59). Em 1929, durante a grande crise, a Votorantim ainda era demasiadamente dependente da indústria têxtil, o que tornava o desafio de enfrentar a depressão ainda maior, uma vez que conforme já destacado na descrição do desenvolvimento econômico e industrial do Brasil, este setor foi um dos mais afetados no período. De acordo com os relatos de Scantimburgo (1986, p. 147), a indústria têxtil nessa época era pouco lucrativa, operando muito próxima do ponto de equilíbrio. José Ermírio de Moraes relatou as dificuldades da época: “Somente a segurança em mim mesmo, na empresa e no Brasil, e o apoio irrestrito de meu sogro, animavam-me a prosseguir sem desfalecimento. Foram anos sombrios para todos os industriais, como para os agricultores e comerciantes. O Brasil era economicamente muito fraco” (SCANTIMBURGO, 1986, p. 143). Nesse período, a Votorantim contava com uma estrutura relativamente enxuta composta de quarenta funcionários na administração. O comando, por sua vez, era centralizado principalmente na figura de José Ermírio de Moraes, que era o responsável pelas operações do grupo. Isso garantia a agilidade nas tomadas de decisão. Além disso, a política de reinvestimento dos lucros contribuiu para a empresa atravessar o período de turbulência (CALDEIRA, 2008, p. 62). Entretanto, devido às dificuldades enfrentadas pelo setor têxtil, José Ermírio e Pereira Ignacio entendem que era importante encontrar novas oportunidades de negócio que permitissem a empresa se tornar menos dependente de uma única indústria. Em 1933, ainda com uma economia sob o efeito da crise internacional, José Ermírio identifica o potencial das jazidas de calcário da fazenda Santo Antônio, sede da fábrica de cimentos Rodovalho. Assim, decide criar uma nova fábrica com um novo forno importado, mais moderno. São criadas, então, a fábrica Santa Helena e a marca de cimento Votoran, com uma capacidade para produzir 250 toneladas de cimento por dia (CALDEIRA, 2008, p. 72). Esse volume colocava a Votorantim como terceira maior produtora de cimento do país e a primeira com capital nacional (REISS, 1980, p. 117). A formação de uma equipe qualificada também foi uma preocupação dos empresários. Aproveitando a vinda de um técnico dinamarquês para acompanhar a instalação do novo forno importado, José Ermírio o convida para integrar o corpo 116 técnico da empresa. O novo funcionário não só aceitou como acabou trazendo outros colegas (CALDEIRA, 2008, p. 81). Em 1938, o cimento Votoran seria utilizado em uma das principais obras públicas de São Paulo, o Viaduto do Chá. Esse evento ajuda a fortalecer a percepção de qualidade do produto (CALDEIRA, 2008, p. 81). Vale ressaltar que a Votorantim entrou na indústria de cimentos em um momento favorável para o setor. Reiss (1980, p. 120) destaca que a produção nacional evoluiu de apenas 100 mil toneladas em 1930 para 745 mil toneladas em 1940, sendo que a participação dos produtos importados no mercado nacional caiu de 80% para 25% no período. Ainda segundo o mesmo autor (p. 242), uma das explicações para esse processo estava na alta relação peso/custo que tornava o transporte do produto extremamente caro, fazendo com que o item importado perdesse competitividade e abrisse espaço para a produção nacional. Na mesma época em que criava o braço de cimentos, a Votorantim passa por mudanças na sua administração. José Ermírio constrói uma nova sede para o grupo. Pereira Ignácio se afasta cada vez mais do dia a dia das empresas, se encarregando de analisar os resultados, enquanto a gestão da organização é transferida de vez para o seu genro. A administração da Votorantim passa a ser dividida em seções de acordo com a carteira de produtos comercializados (CALDEIRA, 2008, p. 82). É interessante destacar, no entanto, que apesar de a Votorantim ser usualmente destacada pelo seu processo de sucessão eficiente, a organização não passou ilesa por este comum desafio das empresas familiares, conforme destaca Dean (1971, p. 130): “As brigas da família obstavam, às vezes, ao crescimento das firmas industriais. Sentindo-se esbulhados do legítimo controle da firma por José Ermírio de Moraes, genro de Pereira Ignácio, os filhos deste último decidiram, afinal, vender suas ações a um terceiro. A venda, aparentemente, foi maldosa; eles abriram mão de uma oferta mais elevada só para dar a Moraes, como novo sócio, um inimigo pessoal.” Em 1935, a Votorantim dá força ao seu projeto de expansão para a indústria de base. Primeiro, fecha um acordo com a Klabin para a construção da Nitro Química para a produção de fibra têxtil artificial. Essa empresa contava com sócios norte americanos que também trouxeram diretores e técnicos para a implantação no país. Isto foi fundamental para a viabilização do empreendimento uma vez que os empresários brasileiros compraram uma fábrica pronta dos Estados Unidos, que precisou ser desmontada para depois ser instalada no Brasil. Além disso, o processo de transporte foi extremamente delicado, exigindo o empréstimo de guindastes 117 especiais e o transporte por linhas férreas que só foi concluído no ano seguinte (CALDEIRA, 2008, p. 86). O desafio de colocar a empresa em funcionamento não se restringiu ao processo de instalação da fábrica, mas principalmente em relação à operação em si, que era inédita no país: “A formação de mil pessoas sem experiência prévia no setor, a maioria das quais com pouca educação formal, exigiu um cruzamento cultural peculiar. Não havia sido importada apenas uma fábrica: toda a estrutura administrativa veio junto com os equipamentos, desde os organogramas de pessoal até as planilhas de controle de custos, até então desconhecidas do universo empresarial brasileiro. Essa organização técnica era necessária numa planta complexa, que produzia simultaneamente raiom, ácido nítrico, ácido sulfúrico, sulfato de sódio, éter, colódio, e nitrocelulose – este com grande potencial explosivo” (CALDEIRA, 2008, p. 89). A nova unidade, localizada em São Miguel Paulista, na Grande São Paulo, era totalmente verticalizada, englobando desde a fabricação do ácido sulfúrico até a manufatura de derivados. Um relato do jornalista Assis Chateaubriand dá luz ao porte e importância do empreendimento na época: “A Nitro-Química é a maior fábrica do mundo para seda artificial pelo processo de intro-celulose. [...] Este parque não é uma fábrica, mas um complexo de fábricas. Estamos diante de um sistema industrial, e precisamente o mais amplo, o mais interessante que ainda se articulou no Brasil e no continente sul-americano. [...] Dagora em diante é possível pensar no desenvolvimento da indústria química do Brasil” (SCANTIMBURGO, 1986, p. 180). Entretanto, os custos de instalação somados aos prejuízos operacionais dos primeiros meses drenaram todo o capital empregado pelos sócios. Assim, a organização teve que recorrer a empréstimos que totalizavam sessenta mil contos de réis. Além disso, a iniciativa da Votorantim gerou uma disputa com a fábrica de rayon da Matarazzo, a Viscoseda. A Matarazzo havia arrendado uma técnica de produção com patente até 1934. Quando ela expirou, tentou ampliar o prazo sem sucesso. A Viscoseda, então, cortou o preço da seda artificial de quarenta para dez contos por tonelada para penalizar a Nitro Química. Entretanto, o governou ameaçou aplicar uma lei antitruste, obrigando a Viscoseda a retomar os preços originais. Essa fase turbulenta fez com que os sócios estrangeiros vendessem sua parte, tornando a Nitro Química uma empresa totalmente nacional. Porém, em 1939, a sorte mudaria de lado. A eclosão da 2a Guerra Mundial fez com que os insumos importados se tornassem escassos e carose como os principais competidores não eram verticalizados e importavam toda a matéria-prima, a Nitro Química se tornou competitiva e lucrativa (CALDEIRA, 2008, p. 94). 118 Além desse empreendimento, a Votorantim havia começado a avaliar a viabilidade de construção de uma siderúrgica, tendo recebido autorização para começar a prospectar jazidas de minério de ferro em Ipanema, região de Sorocaba. Todavia, diante das possibilidades limitadas da mina, a Votorantim decide implantar a nova usina na região de Barra Mansa. Profundo conhecedor do potencial do ferro de Minas Gerais, José Ermírio compreendeu que o município fluminense poderia ser abastecido com o minério de Minas e ainda estaria localizado em posição privilegiada para o abastecimento dos grandes centros do país. A nova fábrica foi concebida com a participação de outros sócios e começou a operar em 1938 com capacidade inicial de 3.600 toneladas anuais. A empresa começaria fabricando apenas ferro-gusa, o mais simples produto siderúrgico. Com isso, seria possível montar altos-fornos com a tecnologia existente no Brasil, o que implicava um mínimo de importações (CALDEIRA, 2008, p. 84). Depois de colocar em prática esses dois projetos, José Ermírio começa a expandir as empresas geograficamente, dando um passo mais largo para perseguir sua visão de “industrializar o Brasil”. Assim, decide montar uma nova fábrica de cimentos em Pernambuco, criando uma segunda marca de cimento que teria forte significado local: a Poty. Em 1943, três anos após a inauguração da fábrica, um novo forno importado da Dinamarca possibilitou a unidade a atingir uma produção de 6,8 mil toneladas anuais de cimento. No mesmo ano, acontece a fundação da Companhia Catarinense de Cimento Portland, terceira fábrica de cimento do grupo (CALDEIRA, 2008, p. 99). Em 1943, a Votorantim também adquire a Indústria Brasileira de Artigos Refratários (Ibar) que produziria elementos para os fornos de cimento e dos altos- fornos da siderúrgica. Este era um ramo da atividade essencial às outras indústrias, dentre elas as de cimento, vidro, aço, petroquímica e cerâmica, por fornecer produtos resistentes à corrosão, à abrasão e ao choque térmico (SANTOS, 2008). Portanto, em menos de uma década a Votorantim deixava de ser uma empresa têxtil para se tornar um grupo diversificado de empresas. Em 1940, em uma ação simbólica que pode demarcar a ênfase que seria dada à indústria de base, a organização muda o nome de SA Fábrica Votorantim para SA Indústrias Votorantim. (CALDEIRA, 2008, p. 72). Santos (2008) apresenta uma descrição sobre a importância desse novo passo dado pela Votorantim. “A percepção em torno do avanço da urbanização e da necessidade de infraestruturas (estradas, hidrelétricas) conduziu à diversificação para aço, cimento, refratários. A partir de 1930 o foco privilegiado pelo grupo será a expansão na produção de cimento, negócio escolhido como âncora para a alavancagem das receitas. A escolha 119 dos novos ramos esteve ligada indissociavelmente às oportunidades oferecidas pelas substituições das importações e aos desdobramentos da industrialização do país”. Todavia, conforme destacado por Reiss (1980, p. 118), o setor têxtil ainda continuou rendendo bons lucros para a empresa, em especial durante a Segunda Guerra Mundial, quando os excedentes de capital vindos dessa indústria foram imprescindíveis para os investimentos em novos negócios. Em 1941, a escassez de recursos causados pela 2a Guerra Mundial iria levar a um novo grande empreendimento da indústria de base. Com a falta de combustível, uma vez que o Brasil ainda não produzia petróleo, os técnicos da Votorantim conseguiram transformar carvão vegetal em gás, que poderia ser utilizado nos motores a gasolina. Essa invenção seria o gatilho para a criação da Metalúrgica Atlas, que ficaria conhecida como “a fábrica das fábricas” e permitiria à Votorantim montar equipamentos industriais pesados, reduzindo, assim, os gargalos de produção (CALDEIRA, 2008, p. 100). Segundo Reiss (1980, p. 120), nos seus primórdios, a Atlas fabricaria principalmente equipamentos para as fábricas de cimento. Dessa forma, a Votorantim consolidava a sua capacidade de desenvolver soluções técnicas complexas internamente, o que aumentava sua competência de expansão dos empreendimentos. Essa nova capacidade permitiu à empresa modernizar e expandir a Siderúrgica Barra Mansa. Assim, na segunda metade da década de 1940, foram instalados dois novos altos-fornos na usina para a produção de noventa toneladas diárias de ferro-gusa cada um, bem como uma usina completa de sinterização com capacidade para seis mil toneladas mês. Ainda, projetou-se e instalaram-se dois fornos, possibilitando que a empresa começasse a produzir aço. Para garantir o abastecimento, a Votorantim também adquiriu uma jazida de ferro com reservas de quatro milhões de toneladas de minério (CALDEIRA, 2008, p. 101). Na década de 40, a Votorantim também deu início ao planejamento de um dos seus principais empreendimentos, a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA). Rico em jazidas de bauxita, a matéria-prima do alumínio, o Brasil ainda não tinha uma fábrica para a produção do metal (SCANTIMBURGO, 1986, p. 200). O mercado internacional, por sua vez, era dominado por seis grandes empresas que atuavam como um cartel que controlava as jazidas, a tecnologia, produção e o comércio do alumínio. Dessa forma, as barreiras de entrada eram substanciais. Nessa época, haviam sido descobertas grandes reservas de bauxita em Poços de Caldas. Todavia, carências logísticas e escassez de combustível, energia elétrica e insumos para a construção da fábrica fizeram com que o local escolhido para a 120 construção da CBA fosse a fazenda Rodovalho, onde a empresa tinha sua mais antiga fábrica de cimentos. (CALDEIRA, 2008, p. 102). Contudo, a entrada dos Estados Unidos na 2a Guerra Mundial, em 1941, inviabilizaram a construção da fábrica que exigiria a transferência de tecnologia do país do norte. Assim, mais uma vez, diversos investidores desistiram do negócio, que teve que ser remodelado e só começaria a ser instalado sete anos mais tarde (CALDEIRA, 2008, p. 104). Em 1945, os filhos mais velhos José Ermírio de Moraes Filho e Antônio Ermírio de Moraes seguem o mesmo caminho do pai e vão para os EUA estudar na Colorado School of Mines. Anos mais tarde, Antônio Ermírio de Moraes (1999) destacou uma das importâncias daquela experiência, quando conviveu com veteranos da guerra: “Uma grande lição de humanidade [...] Aprendi a ser responsável. Aprendi a amar o seu país”. Terminada a Segunda Guerra Mundial, a Votorantim buscou formas de viabilizar a instalação da fábrica de alumínio que havia sido interrompida em 1941. Todavia, com o término dos conflitos houve um excesso de oferta mundial que baixou os preços do produto e, também, restringiu as possibilidades de transferência de tecnologia. Após frustradas buscas no mercado americano, a Votorantim conseguiu encontrar um projeto de uma fábrica pronta na Itália, mas que não poderia ser instalada, pois seus donos haviam ficado sem os recursos financeiros necessários para completar o projeto. Assim, iniciaram-se as negociações para a instalação da unidade no Brasil que começaria em 1948 (CALDEIRA, 2008, p. 106). Na mesma época, a terceira geração voltava dos estudos nos EUA e começava a trabalhar no grupo. O primeiro foi José Ermírio de Moraes Filho, que começou a estagiar ainda na fase de construção da CBA. Depois, passou pelas outras fábricas do núcleo industrial principal em Sorocaba, até que, no ano seguinte, se tornou diretor-industrial das unidades têxteis e de cimento. Antônio Ermírio, por sua vez, fez estágio na usina de Barra Mansa e depois foi integrado à Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) em um momento conturbadodas obras (CALDEIRA, 2008, p. 107). Nesse período, a Alcan havia decidido se instalar no Brasil para concorrer com a CBA. Além disso, a Votorantim estava tendo problemas com a Light para o suprimento de energia para a fábrica. Após diversas solicitações não atendidas para a ampliação do fornecimento, a Votorantim conclui que não teria energia elétrica necessária para colocar a fábrica em operação e, por isso, começou a construir usinas hidrelétricas próprias, pressionando ainda mais os recursos para investimentos (CALDEIRA, 2008, p. 108). 121 Para piorar, a empresa responsável pela construção da usina hidrelétrica acabou falindo, exigindo que a Votorantim assumisse as obras, sob o risco de não finalizá-las a tempo para colocar a fábrica em operação. Com esta nova responsabilidade e sem recursos suficientes, a empresa teve que recorrer a empréstimos e centralizar a gestão, já sob a responsabilidade do jovem Antônio Ermírio que havia acabado de se casar, em 1953 (CALDEIRA, 2008, p. 124). Antônio, que não era muito de viajar, acabou utilizando quase todo o tempo da sua lua de mel na Europa para conhecer empresas e fábricas. Na Áustria, visitou diversas unidades, pois tinha notícia de que o país inventara um processo revolucionário de fabricação de aço. De lá, visitou unidades na França, enquanto buscava solucionar os problemas da construção e da geração de energia elétrica no Brasil (PASTORE, 2013, p. 41). Durante essa fase de expansão e da chegada de uma nova geração, o grupo sofreu a perda de seu fundador, Antônio Pereira Ignacio, que faleceu em 1951. Assim, José Ermírio de Moraes tornou-se o presidente e seu filho mais velho, o diretor superintendente (CALDEIRA, 2008, p. 110). Enquanto seu irmão enfrentava dificuldades com a implantação da CBA, José Ermírio Filho comandava a unidade de cimentos rumo ao crescimento. Em 1951, adquiriu a Companhia de Cimento Brasileiro no município de Esteio, no Rio Grande do Sul, alterando o nome para Companhia de Cimento Portland Gaúcho. No ano seguinte, instala a Cia de Cimento Portland Rio Branco no Paraná (CALDEIRA, 2008, p. 112). Reiss (1980, p. 243) destaca que apesar de outros grupos industriais também terem transferido recursos financeiros das atividades têxteis para outras indústrias (a Matarazzo, inclusive), a Votorantim conseguiu obter vantagens por ser pioneira e conseguir economias de escala. O autor ainda afirma que já a partir dos anos de 1950, as fábricas de cimento começaram a gerar lucros em excesso que puderam ser utilizados em novos negócios, substituindo a posição que antes era representada pelas atividades têxteis. Assim, Reiss (1980, p. 256) relata como os lucros provenientes desse negócio foram primordiais para que a empresa ampliasse sua participação na indústria de base: “O tamanho do grupo e a concentração dos seus investimentos na produção de cimento tornaram possível para a Votorantim compensar a depreciação do capital na sua produção têxtil através da transição da atividade principal para um mercado industrial de rápido crescimento, no qual rapidamente se tornou a firma dominante [...] Apenas quando sua posição no mercado de cimento estava consolidada, é que o excedente dos lucros necessários para a 122 expansão da produção de cimento foi reorientado pela Votorantim para o investimento em outras indústrias”. Essa expansão produtiva e geográfica do grupo levou a uma descentralização da gestão das empresas de cimentos, diferentemente do que vinha ocorrendo na CBA, conforme é destacado no livro comemorativo da empresa (CALDEIRA, 2008, p. 112): “[...] Valia mais descentralizar as decisões para não se correr o risco de perda de eficiência. Os diretores de cada unidade tinham de se haver com os problemas e limites locais, cultivar uma rede local de fornecedores e cativar clientelas com características próprias”. Assim, a Votorantim Cimentos foi dividida em diretorias regionais que atuavam praticamente como empresas distintas, conforme relato do Entrevistado 6: “Naquela ocasião, a Votorantim era segmentada em quatro diretorias na área de cimento. Tinha a diretoria do Sul, a diretoria do Centro- oeste, Sudeste e Nordeste. Então eram quatro diretorias com quatro diretores e uma estrutura grande em cada regional.” Com a transição para a indústria de base, a organização evolui para um novo patamar de tamanho, conforme pode ser verificado no gráfico 6-1. Gráfico 6-1 - Evolução Financeira do Grupo entre 1942 e 1951 (em milhões de cruzeiros) Fonte: Adaptado de Scantimburgo, 1986, p. 199 Embora deixasse de ser o principal negócio do grupo, as fábricas têxteis continuavam a ter relevância para a Votorantim. No final dos anos 40, a empresa ainda era a terceira maior descaroçadora de São Paulo (DEAN, 1971, p. 145). Por isso, ela 128 550 654 794 879 1.112 1.313 94 159 277 362 400 431 478 24 282 310 326 366 483 741 1942 1946 1947 1948 1949 1950 1951 Capital Mais Reservas Instalações Capital Fixo Investimentos em Companhias Associadas 123 continuou realizando investimentos no setor, empregando um plano de modernização de suas unidades durante a década de 1950 (VOTORANTIM, 1953). Em 1955, quatorze anos depois dos primeiros movimentos, a CBA finalmente entra em operação. Todavia, o pioneirismo na produção de alumínio foi difícil. Os primeiros lotes produzidos tinham baixa qualidade. Além disso, a capacidade alcançada foi de apenas quatro mil toneladas por ano, ante uma previsão inicial de dez mil. Nesse mesmo ano, o terceiro filho, Ermírio Pereira de Moraes, que havia se formado como Engenheiro de Produção de Petróleo pela Universidade de Tulsa, em Oklahoma, começa a trabalhar no grupo prospectando terras para a produção de carvão vegetal e celulose com o objetivo de reduzir a dependência do petróleo. Entretanto, quatro anos mais tarde foi convocado para atuar na Nitro Química, a fábrica de mais de duas décadas de existência que vinha atravessando um período de divergência de estratégias entre os sócios Votorantim e Klabin (CALDEIRA, 2008, p. 131). O conhecimento adquirido com a implantação da CBA possibilitou, ainda, que a Votorantim direcionasse mais investimentos para a produção de metais não ferrosos. A Companhia Mineira de Metais (CMM) foi criada em 1956 para produzir zinco no Estado de Minas Gerais. Para viabilizar o projeto, o grupo recorreu ao BNDE que recusou o empréstimo alegando dúvidas quanto à capacidade da Votorantim para desenvolver a tecnologia adequada ao processamento do minério oxidado. Assim, a organização teve, mais uma vez, que viabilizar o empreendimento com recursos próprios, estendendo o prazo de início de produção para mais de uma década. Em 1957, foi adquirida a Companhia Níquel Tocantins, que tinha uma mina inativa no Estado de Goiás. Entretanto, a extração do metal só se iniciaria de fato duas décadas depois, após uma fase de estudo e de novas dificuldades em levantar recursos junto ao BNDE. Nesse mesmo ano, a Votorantim, que tinha um crescente nível de endividamento em razão dos novos investimentos, enfrentou um grande embate com Assis Chateaubriand, que teve desavenças com a família. O magnata das comunicações publicou reportagens em seus jornais e usou a TV Tupi para apontar dificuldades financeiras do grupo. Isso gerou uma crise de confiança com os credores que começaram a protestar títulos da empresa. Para contornar a situação, os Ermírio de Moraes se dividiram em duas frentes. A primeira saiu em busca de crédito e a segunda começou a se reunir e convencer os credores sobre a capacidade de pagamento da empresa. Os esforços se mostraram eficazes e a Votorantim passou pela turbulência sem novos percalços (CALDEIRA, 2008, p. 127). 124 Com a instauração do governo militar e o boom de investimentos na construção civil houve umsubstancial aumento de demanda na indústria cimenteira. Assim, na década de 1960, a Votorantim seguiu investindo na ampliação do seu parque industrial, instalando novos fornos até chegar a um total de sete. O último a ser comprado era o maior do Brasil e tornou a fábrica de Santa Helena na líder em capacidade no país (CALDEIRA, 2008, p. 163). Sob a supervisão de Clóvis Scripilliti, genro de José Ermírio de Moraes, a unidade de cimentos da Votorantim também ampliou sua presença no Nordeste. Em 1967, o grupo inaugura a Cimento Portland Sergipe em Aracaju e constrói depósitos nas cidades de Salvador, Feira de Santana, Itabuna e Vitória da Conquista. No ano seguinte, estabelece a Companhia Cearense de Cimento na cidade de Sobral para abastecer os Estados do Ceará, Piauí e Maranhão. Como a infraestrutura nessas regiões era muito precária, a Votorantim montou uma frota própria de quatrocentos caminhões. Ainda, intensificando um processo de verticalização, montou uma rede de loja de pneus para suprir a necessidade dos veículos. (CALDEIRA, 2008, p. 168). Assim, no final da década de 1960, a rede de produção e distribuição de cimentos montada pela Votorantim conseguia alcançar quase um terço do mercado nacional com uma produção de três milhões de toneladas anuais (VOTORANTIM, 1968). Um ponto de destaque durante esse período foi a entrada de José Ermírio de Moraes na política, quando se candidatou e se elegeu Senador por Pernambuco em 1962. Ele ficaria ausente das atividades da organização até 1971, quando reassumiria o posto de presidente do grupo. Foi durante esse mandato, em 1969, que o Senador escreveu uma carta (anexo 5) para os seus filhos, apresentando uma reflexão sobre os negócios da empresa e dando diretrizes para o futuro da organização. Em 1965, desentendimentos entre os sócios, aliados a uma deterioração do mercado, fizeram com que o faturamento da Nitro Química fosse o menor em vinte anos. Assim, em 1967, a Klabin vende sua participação de 17% à Votorantim. Dessa maneira, novamente com o controle total do negócio e do capital, Ermírio Pereira de Moraes lançou mão de uma série de iniciativas visando a reformulação do negócio. A produção foi reorganizada: algumas seções consideradas supérfluas ou economicamente inviáveis foram desativadas; uma nova política de vendas foi adotada, bem como critérios mais rigorosos para a concessão de crédito para os clientes. Ao longo da década de 1970, os resultados dessas iniciativas começaram a aparecer (CALDEIRA, 2008, p. 171). Se por um lado o setor de cimentos ia bem, no final da década de 1960 a CBA enfrentava muitos problemas. O consumo de energia pelos fornos eletrolíticos era 125 maior do que o dos concorrentes e, embora o problema fosse amenizado pela geração própria de energia, essa deficiência limitava as iniciativas de expansão. Além disso, Antônio Ermírio havia concluído que a fábrica já estava obsoleta. Sendo assim, abriu duas frentes de trabalho. A primeira foi a busca pelo aumento da capacidade energética na bacia hidrográfica onde estavam instaladas as usinas geradoras – com o mapeamento de informações hídricas e cartográficas, foi possível desenvolver um projeto para quintuplicar a capacidade elétrica. A segunda foi o início da modernização dos equipamentos (CALDEIRA, 2008, p. 164). A preocupação da Votorantim com o desenvolvimento tecnológico ficou explícito no Relatório Anual de 1968: “O hiato tecnológico entre o nosso país e os desenvolvidos é tão grande que não sabemos como, nem quando, vamos transpô-lo. É, no entanto, imperioso que cuidemos de nosso desenvolvimento tecnológico. O atraso tecnológico se constitui num dos mais importantes fatores no processo de desnacionalização [...] Somos da opinião que devemos marchar, decididamente, para a superação, no mais breve espaço de tempo possível, do hiato tecnológico, que nos mantém atrasados em relação a outras nações”. Para modernizar a fábrica, Antônio Ermírio não teve dúvida: decidiu desmontá- la. Foram para o chão quinze mil metros cúbicos de concreto, 128 fornos e toda a infraestrutura da empresa. As obras ocorreram em ritmo acelerado em 1969 e a planta foi reinaugurada atingindo a marca de vinte mil toneladas por ano. Em 1972, já produzia quarenta mil toneladas por ano. Ao mesmo tempo, era construída a hidrelétrica que visava atender uma nova fase de expansão da unidade, conforme se verifica no Relatório Anual de 1970: “Gostaríamos de ressaltar que uma boa parcela dos trabalhos ora necessários para a construção dessa usina hidrelétrica já constitui parte de nossa terceira fase de expansão, na qual, a Cia pretende elevar sua produção ao nível de 60.000 toneladas anuais.” Anos mais tarde, Antônio Ermírio relataria o episódio para o seu biógrafo e grande amigo José Pastore (2013, p. 127): "Não tínhamos escolha. Era mudar ou fechar. Foi uma decisão acertada. Se não tivéssemos feito isso, teríamos hoje um grande museu do alumínio naquele local". A decisão parece ter se mostrado acertada, pois, em 1970, a Alcoa instalou-se no Brasil, trazendo tecnologias avançadas e uma nova fonte de concorrência. Em 1969, a Votorantim finalmente conseguiria iniciar a produção de zinco através da CMM. Já no ano seguinte, a fábrica alcançaria toda a sua capacidade e, assim, iniciaria um processo de expansão (CALDEIRA, 2008, p. 166). 126 Reiss (1980, p. 256) destacou que os investimentos realizados pela Votorantim entre as décadas de 1950 e 1970 eram orientados para a substituição das importações, através de uma forma pela qual a organização conseguisse alcançar a autonomia tecnológica nos seus negócios. Assim, a empresa importou máquinas, equipamentos, tecnologia e técnicos para conseguir ter o controle total sobre a sua tecnologia produtiva. Sob o comando de José Ermírio Filho a unidade têxtil chegou ao início da década de 1970 com 10% do mercado nacional, o que a colocava entre as cinco maiores empresas do setor. Internamente, respondia por 18% do faturamento, mas por apenas 5% da geração de caixa, o que destaca a perda da relevância deste negócio para o conglomerado (CALDEIRA, 2008, p. 162). Em 1973, dois anos após retornar às atividades na Votorantim, José Ermírio morre aos 73 anos de idade, sendo 48 deles dedicados à organização. A presidência passa a ser exercida por José Ermírio Filho. Todavia, é Antônio Ermírio que se torna o principal porta-voz da organização, tanto nos bons como nos maus momentos (CALDEIRA, 2008, p. 174). Nos anos 70, o excesso de capital gerado através de suas operações no setor de cimentos também foi utilizado na aquisição de concorrentes. Em 1977, a Votorantim adquiriu a Cimento Itaú, a segunda maior empresa do setor. Dessa maneira, o grupo consolidou sua liderança com dezenove fábricas, que produziam sete milhões de toneladas anuais e atendiam 40% de participação no mercado, além de exportarem para países da África e da América do Sul. A Cimento Itau havia sido fundada em 1937 e tinha doze unidades fabris, sendo seis de cimentos (ESTADÃO, 1977). A tabela 6-1 mostra a evolução da produção de cimentos do grupo durante os anos de 1970, na qual se pode verificar que o volume produzido pelas fábricas da Votorantim triplicou entre 1970 e 1978. Tabela 6-1 - Evolução da Produção anual de Cimento em Toneladas Ano Produção 1970 2.159.783 1971 2.813.311 1972 3.168.044 1973 3.473.520 1974 3.759.759 1975 3.787.354 1976 4.176.436 1977 5.030.000 1978 6.040.000 Fonte: Votorantim – Relatório Anual 1977 127 O processo de crescimento das fábricas do grupo impulsionou a demanda na Metalúrgica Atlas. Em 1974, foi concluída a construção de um novo prédio com 8.700 metros quadrados, possibilitando que a empresa atendesse pedidos de fora do grupo. Em meados da década de 1970, a fábrica contava com mil funcionários e sua produçãoera direcionada para atender principalmente as metalúrgicas (50%) e as fábricas de cimento (40%) (CALDEIRA, 2008, p. 191). Entre os seus principais produtos, destacavam-se: fornos rotativos para cimento, moinhos de bolas, britadores de mandíbulas, correias transportadoras, cintas de lâminas, guilhotinas para laminados de metal e fornos eletrolíticos (VOTORANTIM, 1977). Por outro lado, a Siderúrgica Barra Mansa não apresentou o mesmo nível de crescimento, perdendo, portanto, participação no mercado nacional. De 1955 a 1975 a capacidade produtiva dobrou para 160.000 toneladas. Todavia, no final dos anos 70, a produção nacional já havia atingido oito milhões de toneladas (REISS, 1980, p. 250). Essa dificuldade no setor siderúrgico se deve em parte à forte participação do Estado, que atuava como grande concorrente, através, principalmente, da CSN e da Usiminas. Em 1979, após mais dois processos de expansão, a CBA chegou a uma capacidade de oitenta mil toneladas anuais, se tornando a maior produtora de alumínio do país. No mesmo ano, a CMM aumentou a produção de zinco para sessenta mil toneladas ano. Neste momento, a empresa dominava 85% do mercado nacional (REISS, 1980, p. 246). O processo de crescimento da Votorantim não alterou o modelo centralizado de gestão e de controle de capital do grupo. As decisões continuaram a serem tomadas por José Ermírio de Moraes e seus quatro herdeiros, ao passo que a empresa manteve o controle do capital, evitando o mercado de capitais, salvo em algumas poucas exceções, como em uma fábrica de cimentos no Nordeste (REISS, 1980, p. 254). O Relatório Anual de 1970 ressaltava a estratégia do grupo em se manter como uma empresa de capital fechado: “A empresa fechada pode reinvestir a totalidade de seus lucros, contando com a valorização de seu patrimônio e a expansão empresarial”. Em 1979, o faturamento do grupo atingiu a marca de 1,3 bilhões de dólares, tendo 131 unidades industriais que empregavam cinquenta mil funcionários em dezoito estados brasileiros. A Votorantim era, assim, o segundo maior conglomerado do país sob controle de capital brasileiro, com uma presença em todo o território nacional (CALDEIRA, 2008, p. 209). A figura 6-1 apresenta a distribuição das unidades do grupo no início da década de 1980: 128 Figura - 6-1 – Mapa da Localização das Empresas da Votorantim, por Setor em 1984 Fonte: CALDEIRA, 2008, p. 200 A partir do final da década de 1970 a economia nacional começou a perder fôlego e vários setores começaram a apresentar declínio. Em 1980, a usina siderúrgica de Santo Amaro na Bahia, que o grupo havia adquirido em 1960, foi punida pelo CIP por cobrar preços acima da tabela. Com a medida, a Votorantim decidiu fechar a fábrica, deixando mais de duzentos operários desempregados. Na ocasião, a unidade produzia 550 toneladas por mês e dava um prejuízo mensal de Cr$ 500 mil. Após uma semana de impasse, Antônio Ermírio de Moraes foi até a unidade e reabriu a fábrica (ESTADÃO, 1980). A negociação para a reabertura da usina envolveu o governo da Bahia e Delfim Neto, que era Ministro da Fazenda na época. Mais tarde, Delfim falaria sobre o episódio e sua percepção sobre os Ermírio de Moraes: 129 “Os dois (os irmãos José e Antonio Ermírio) demonstravam permanente preocupação com o estado da arte de seus negócios no mundo, e não apenas em se comparar aos concorrentes locais. [...] Eles sabiam defender os interesses da empresa sem particularismos, não buscavam privilégios nem favores, e assim construíam um empreendimento com sólidas bases de futuro” (CALDEIRA, 2008, p. 203). Contudo, apesar dos esforços para manter a fábrica aberta, o prejuízo mensal iria aumentar para Cr$ 5 milhões em 1981. Consequentemente, a Votorantim declara o fechamento oficial da unidade. Na carta de demissão entregue aos funcionários, a empresa ofereceu empregos na unidade de Barra Mansa (ESTADÃO, 1981). Apesar das dificuldades econômicas do país, o grupo seguiu realizando movimentos estratégicos. Em 1980, foram anunciados investimentos de US$ 1 bilhão a serem distribuídos entre as sessenta e oito empresas do conglomerado pelos cinco anos seguintes. No setor de cimento, os investimentos programados objetivavam ampliar a capacidade de produção de oito milhões para onze milhões de toneladas até 1985 (ESTADÃO, 19801). Com os planos de expansão, a produção anual da Siderúrgica Barra Mansa iria superar a marca de duzentas mil toneladas anuais em 1984, quando outro plano para dobrar a capacidade até o final da década ainda estaria em execução. Na CBA, a capacidade chegaria a 136.000 toneladas anuais em 1985 e 170.000 no ano seguinte (VOTORANTIM, 1984). Para contornar a crise, a Votorantim também passou a buscar mercados externos para o seu crescimento. Em 1981, a CBA lançou um programa que reservava 8% da sua produção para exportação. No ano seguinte, as vendas para o exterior atingiram 7,5 milhões de dólares. Já em 1984, saltaram para 61,7 milhões de dólares. Em meados da década, o mercado externo já representava 60% do faturamento da unidade (CALDEIRA, 2008, p. 214). O Relatório Anual de 1983 destaca a situação nacional e uma inclinação para a busca de novos mercados: “Está se tornando cada vez mais difícil depender de um mercado interno drasticamente afetado pela política recessiva implantada pelo Governo”. O setor de cimentos foi um dos mais afetados pela crise. Em 1984, foram absorvidas 19,4 milhões de toneladas, ante um consumo de 27,1 milhões de toneladas quatro anos antes. Com a redução dos projetos de construção civil, as fábricas da Votorantim chegaram a 55% de ociosidade (VOTORANTIM, 1984). O grupo, no entanto, não cessou com os investimentos. Em 1983, uma nova fábrica de cimentos começa a ser instalada, a Cimento Poty da Paraíba. Em 1986, foi adquirida a Cimento Santa Rita que tinha três fábricas no Estado de São Paulo (CALDEIRA, 2008, p. 226). 130 Além disso, para manter a rentabilidade no setor de cimentos, Bonelli (1998) aponta que os preços do produto foram frequentemente reajustados acima da inflação. Posteriormente a empresa enfrentaria acusações de cartelização no setor. Com o enfraquecimento da economia e a elevação dos preços do petróleo, uma estratégia de substituição da matriz energética foi levada adiante por todas as unidades do grupo, uma vez que o custo da energia tinha um peso substancial nos negócios da empresa, em especial na produção do cimento e do alumínio. De acordo com Reiss (1980, p. 249) a autossuficiência de 50% atingida no início da década de 80 possibilitou uma maior independência das políticas do Estado, além de uma vantagem competitiva em face de um país com tantas carências em infraestrutura: “Mesmo depois de estes investimentos terem deixado de ser estritamente necessários devido à deficiência econômica da infraestrutura, a Votorantim continuou mantendo por todo o período com o intuito de manter algum controle sobre um fator crítico dos seus custos de produção, caso contrário, esse preço seria definido através de uma decisão política realizada pelo Estado.” Na unidade siderúrgica, a empresa atingiu a autossuficiência energética do carvão vegetal em 1981, permitindo que a fábrica conseguisse contornar as restrições de combustível e expandir sua capacidade de produção para 400.000 toneladas ao final da década de 1980 (CALDEIRA, 2008, p. 201). Nas unidades de cimento, a empresa também empregou um novo processo de fabricação através de fornos de via seca, conforme já destacado anteriormente. Além disso, a empresa reduziu substancialmente a sua dependência do óleo. Em 1975, a Votorantim consumia 1.566 milhões de quilowatts-hora de energia e 593 mil toneladas de óleo. Sete anos depois, o consumo de energia havia aumentado para 3.789 milhões de quilowatts-hora. O consumo de óleo, entretanto,teve um crescimento bem menor, chegando a 773 mil toneladas (CALDEIRA, 2008, p. 214). As hidrelétricas construídas pela Votorantim também contribuíram para a competitividade dos negócios. No final da década de 1980, o custo do quilowatt-hora produzido pelas suas usinas era de oito centavos de dólar, enquanto que o fornecido pela Eletrobrás era de trinta e dois centavos de dólar (CALDEIRA, 2008, p. 227). Dessa forma, apesar da crise econômica que atingia o país, a Votorantim conseguiu obter resultados satisfatórios na primeira metade da década de 1980. Em 1982, o grupo teve o vigésimo maior lucro do país. Dois anos depois a empresa estava em sétimo lugar, após um crescimento de 25% no resultado líquido entre 1983 e 1984. Além disso, a soma das estratégias permitiu à Votorantim superar o mau momento econômico sem demissões. Pelo contrário, entre 1980 e 1984 foram adicionados 131 5.735 postos de trabalho na organização (CALDEIRA, 2008, p. 216). Cabe destacar, no entanto, que nem todas as empresas passaram ilesas pela conturbado período. Em 1981, as seguintes unidades reportaram prejuízo: Siderúrgica Barra Mansa, Metalúrgica Atlas, Nitro Química, Ibar, Cia de Papel e Papelão Pedras Brancas (VOTORANTIM, 1982). Durante a década de 1980, Antônio Ermírio também ganhava cada vez mais destaque como um importante crítico das políticas econômicas do governo e um dos empresários mais influentes do Brasil. Entre 1979 e 1988, por dez vezes ele foi escolhido como o maior líder empresarial do Brasil no balanço anual da Gazeta Mercantil (ESTADÃO, 1988). Além disso, em 1985, notícias nos veículos de comunicação informaram que o empresário havia sido convidado para presidir a Petrobrás no governo Tancredo Neves. (ESTADÃO, 1985). No ano seguinte, ele se candidatou a Governador do Estado de São Paulo, ficando em segundo lugar nas eleições, atrás de Orestes Quércia (CALDEIRA, 2008, p. 222). Durante as eleições, o grupo Votorantim recebeu diversos ataques de sindicatos que acusavam a empresa de péssimas condições de trabalho (ESTADÃO, 19361). Um sindicato ligado à CUT (Central Única dos Trabalhadores) chegou a pedir a interdição da Nitro Química, alegando que 750 funcionários estariam contaminados por bissulfeto de carbono (ESTADÃO, 1986). Por outro lado, a postura de Antônio Ermírio e do grupo foi enérgica. Uma greve realizada por funcionários da Metalúrgica Atlas terminou com zero de aumento dos salários e 350 demitidos (ESTADÃO, 1991). Além disso, quarenta mil pessoas participaram da “passeata da dignidade”, para defender a empresa e seu líder dos ataques que vinham sofrendo (ESTADÃO, 19862). No final da década de 1980, uma nova geração de herdeiros já trabalhava no grupo. Eles instituíram um encontro periódico para discutir aspectos da gestão da Votorantim que ficou conhecido como “Reunião dos Primos”. Uma reportagem da Revista Exame destaca o perfil dessa nova geração: “Por anos, foram vizinhos no mesmo quadrilátero do Jardim América, bairro paulistano que abriga mansões de milionários. Quase todos cursaram o ginásio e o secundário no Rio Branco, colégio da elite paulistana que o avô [...] comprara em dificuldades doando à Fundação de Rotarioanos de São Paulo. [...] Diplomados, seguiram um percurso padrão: foram treinados em posições gerenciais até se tornarem diretores nas empresas da jurisdição de cada pai. [...] Tiveram cursos e longas conversas com renomados consultores especializados em estratégia e liderança” (BLECHER, 2000). A partir dessas discussões periódicas, a nova geração buscou desenvolver meios para a unificação dos processos de planejamento e gestão de todas as 132 empresas do conglomerado. Para isso, consultorias foram contratadas e objetivos foram fixados para proceder com a união progressiva do planejamento e da gestão de todas as empresas (CALDEIRA, 2008, p. 221). Durante esse processo, oito dos herdeiros se dividiram em dois grupos. Um seguiu para a Europa e outro rumou para os Estados Unidos. Eles eram acompanhados por consultores da McKinsey e foram conhecer corporações familiares que já estavam entre a quinta e a sétima geração no comando. Conversaram com o sueco Marcus Wallenberg, líder da família que, por meio de uma holding financeira, controla a ABB, a Ericsson e a SKF. Na Bélgica, o grupo foi recebido pelos Brenninkmeijer, os holandeses que há cinco gerações administravam a C&A. Entre as empresas americanas, estavam a rede hoteleira Hyatt e a Cargill (BLECHER, 2000). As visitas realizadas também influenciaram a estratégia de sucessão do grupo. Até então, a terceira geração acreditava que o melhor caminho para seus filhos seria construir carreiras fora do grupo. Os que se destacassem poderiam, eventualmente, voltar à Votorantim. O objetivo era evitar que a empresa virasse um cabide de empregos. Esse princípio foi reformulado, pois constataram que se um jovem herdeiro não atuasse na empresa logo cedo, dificilmente ele se envolveria com o negócio no futuro. Assim, foi estabelecido um programa de trainee especial para os familiares, para absorver os que tivessem vocação e talento, após um período de experiência no grupo e, também, no mercado (BLECHER, 2000). O processo de trainee dos familiares foi destacado pelo Entrevistado 2: “É um processo de trainee separado que esses caras são totalmente assessorados. E eles vêm aqui de vez em quando. Já vi um moleque de 17 anos ter uma reunião de uma hora e meia com diretor aqui. Assim, “quero que me explique tudo”. O cara estava no colégio, prestando vestibular. E esse cara fazia umas perguntas boas, entendeu, imagina no almoço “me passa o arroz”, “mas o que você acha da economia no mundo, a influência...”. Mas depois que esses caras rodam, tem uns que só vem nessas reuniões meio highlight e tem uns que ficam como trainee mas ele só pode ficar trainee três meses. E ele não pode se apegar ao negócio. Depois ele roda, vai para outra, roda, vai para outra, depois ele fica acho que um ano rodando, rodando vários negócios, vários departamentos, enxergando várias realidades diferentes e depois tem que sair. Eles não podem ficar. Nenhum, nenhum. E aí se esse cara for bem sucedido no negócio dele, ele pode voltar para o Conselho.” Além da busca pela centralização e formalização da gestão, a nova geração influenciou a busca da Votorantim por novos mercados. Assim, em 1987 teve o início o plantio de laranja em Itapetininga. Esta ação seria o primeiro passo para a criação da Citrovita, dois anos mais tarde (CALDEIRA, 2008, p. 223). Vale destacar, no entanto, 133 que a intenção de investir na agroindústria já era antiga, conforme pode ser observado em um trecho do Relatório Anual de 1977: “Parece-nos muito interessante vir o Brasil a ser um dos celeiros de alimentos para o nosso mundo e, para isto, pouco nos falta, pois temos abundância de terras, sol e água. Talvez seja esta a saída brasileira para as duas últimas décadas deste século.” No mesmo ano, o grupo vence um leilão de venda dos ativos da Celpav, uma empresa que tinha um plantio de vinte e cinco mil hectares de eucalipto, mas ainda não tinha uma fábrica instalada. Esta ação marcaria a entrada da Votorantim no ramo de papel e celulose. Na mesma época, o grupo entra pela primeira vez no setor de serviços. Aproveitando décadas de conhecimento financeiro e de aplicação de recursos, a organização abre uma corretora de títulos e valores mobiliários (CALDEIRA, 2008, p. 225). Apesar da incursão em novos negócios, os investimentos nos setores tradicionais do grupo não foram sacrificados. Ainda em 1987, a empresa investiu 300 milhões de dólares nesses negócios, sendo 40% no setor de cimento (visando o aumento de 20% na produção total), 30% no de alumínio e 30% nos demais (CALDEIRA, 2008, p. 226). Em 1990, com o início do governo Collor, que congelou as poupanças nacionais,a Votorantim viu serem retidos 600 milhões de dólares que tinha em caixa, o que correspondia a 80% de seus ativos financeiros. Além disso, em fevereiro daquele ano, a empresa teve queda de 45% no faturamento. O volume das vendas naquele mês foi de US$ 190 milhões, ou US$ 252 milhões a menos do que em janeiro (ESTADÃO, 19902). Naquele momento, havia projetos em andamento cujo valor era de quase um bilhão de dólares. Entre eles, destacam-se: Uma nova fábrica de papel, a expansão da CBA e da CMM. Assim, a empresa se viu pressionada a recorrer a empréstimos para honrar os seus compromissos e planos, o que exigiu um controle centralizado das despesas. Além disso, com o mercado interno enfraquecido, a estratégia de exportação iniciada na década anterior, seria fortalecida. Dessa forma, rapidamente a empresa alterou um processo que vigorou por décadas. Acabou a descentralização financeira e inverteu-se a prioridade dos mercados (CALDEIRA, 2008, p. 229). Nildo Benedetti, então diretor técnico de cimentos, falou sobre o momento: "O que mais me marcou foi a postura da diretoria naquele dia de crise. Lembro, especialmente, da reação do doutor José Ermírio de Moraes Filho. Ele foi ouvindo o anúncio das medidas em silêncio. Perguntou apenas se seria possível pagar os salários. Quando teve 134 uma resposta positiva, ficou inteiramente tranquilo. Em momentos de crise como este ele crescia – e a gente ficava tranquilo e confiante." Diante das dificuldades em honrar os seus compromissos financeiros, Antônio Ermírio de Moraes busca tranquilizar os seus funcionários. Em março de 1990, faz uma visita à Metalúrgica Atlas, percorre as instalações, conversa com os chefes dos setores e informa: "Tranquilizem o pessoal. Não haverá demissões. A gente trabalha mais ainda e se aguenta, começando tudo de novo" (ESTADÃO, 1990). Todavia, apesar das adaptações no plano e dos esforços da liderança, a Votorantim continuou sofrendo com a deterioração do cenário econômico. Assim, ainda em 1990 o grupo demitiu 5% dos seus sessenta mil funcionários. Esta foi a primeira demissão em massa em decorrência de problemas econômicos desde a fundação do grupo. Além disso, a organização interrompeu a construção da fábrica de papel (CALDEIRA, 2008, p. 231). No ano seguinte, a criação de mais um plano para a estabilização dos preços – o Plano Collor 2 – gerou o aumento de tarifas na produção do cimento, encarecendo os custos em torno de 25%, o que resultou em novas demissões (que somadas aos desligamentos anteriores alcançaram dez mil trabalhadores) e contenção de investimentos. Naquele ano, a empresa já tinha nas exportações uma importante base de sobrevivência. As vendas para o exterior representavam 75% da produção de alumínio, 55% do níquel e 30% do aço. Já a Metalúrgica Atlas, por outro lado, ficou sem nenhuma encomenda, passando a atuar apenas com serviços de manutenção (CALDEIRA, 2008, p. 232). Nessa época, começou-se a especular um novo afastamento de Antônio Ermírio de Moraes da Votorantim para uma candidatura à prefeitura de São Paulo. Todavia, o empresário descartou a possibilidade, alegando não convinha um industrial abandonar sua empresa num momento difícil como o que o país vivia. Segundo ele era o pior dos últimos quarenta anos (ESTADÃO, 1991). A crise enfrentada pelo grupo acelerou as mudanças na gestão da organização. Na cúpula da Votorantim, a nova geração convenceu os mais velhos e houve um entendimento geral de que a descentralização da gestão que havia sido benéfica durante décadas, não se encaixava mais na nova realidade do Brasil. Com as transformações encabeçadas pela nova geração da família, as diferentes unidades de negócio não seriam mais autônomas e passariam a se reportar para um Conselho de 135 Administração que teria José Ermírio Filho como primeiro presidente e Antônio Ermírio como vice. (CALDEIRA, 2008, p. 241). Dessa forma, foi criada uma nova holding, a VPar que controlaria o grupo a partir de então. As superintendências foram substituídas por unidades de negócio através do agrupamento de atividades. Esse processo começou pela Votorantim Cimentos (CALDEIRA, 2008, p. 256). Este setor ainda enfrentava muitas alegações sobre a cartelização. Para tentar provar o contrário, Antônio Ermírio de Moraes foi ao encontro da ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, apresentar os preços do cimento: "Vim mostrar a ela os reais valores cobrados no mercado interno para que possa compará-los ao do exterior [...] A produção de cimento está sendo comercializada a US$ 70 a tonelada, enquanto na Argentina e no Uruguai, o similar custa US$ 110" (ESTADÃO, 1991). Com o novo modelo de tomada de decisão, foram mantidos apenas projetos cuja geração de receitas pudesse ser rápida. Assim, optou-se pela retomada da fábrica de papel e celulose que seria inaugurada ainda em 1991 e pelo fortalecimento da CBA. No setor de alumínio, a meta era aumentar a produção de 165 mil para 212 mil toneladas anuais. Para isso, em 1992 foram concluídas as instalações de beneficiamento de bauxita das jazidas de Cataguases e Itamarati, localizadas em Minas Gerais. No setor de papel e celulose, além da fábrica de Luiz Antônio, que vinha sendo construída na região de Ribeirão Preto, foi adquirida a Papel Simão que tinha cinco unidades produtoras e uma distribuidora. Com isso, foi criada a holding Votorantim Celulose e Papel SA (VCP) de capital aberto, sinalizando mais uma mudança na estratégia da organização que raramente havia recorrido ao mercado de capitais. Dois anos depois, a capacidade instalada da VCP era de 530 mil toneladas de celulose e de 520 mil toneladas de papel (CALDEIRA, 2008, p. 245). Este movimento não estava atrelado somente à unidade de papel e celulose. Envolvia também mudanças na estrutura do grupo com o intuito de criar condições para que toda a organização pudesse ter acesso ao mercado internacional de crédito, uma vez que todo o grupo começava a adotar práticas mais modernas de governança. Além disso, com o objetivo de ampliar a sua presença global e ter uma divisão específica para representar as empresas do grupo junto a clientes estrangeiros, é criada a Votorantim Internacional (CALDEIRA, 2008, p. 246). O plano de reformulação ainda incluiu o encerramento das atividades no setor têxtil, em 1993. Apesar de ter sido o primeiro e principal negócio do grupo durante décadas, a rentabilidade da operação havia minguado, principalmente após a abertura 136 econômica que resultou na entrada de muitos produtos asiáticos que tinham preços mais competitivos (CALDEIRA, 2008, p. 250). As mudanças empreendidas pela organização ainda incluíram um novo processo de redução do quadro de funcionários, através de uma iniciativa de downsizing (CALDEIRA, 2008, p. 251). Por outro lado, outros setores recém-criados ganhavam espaço dentro do grupo. A Citrovita, criada em 1987, entrou em operação em 1991, respondendo por 4% da produção nacional de suco concentrado (ESTADÃO, 19903). A Citrovita tinha uma fábrica localizada em Catanduva e três terminais de exportação: um em Santos, outro nos Estados Unidos e o último na Bélgica. Assim, em pouco tempo a Votorantim conseguiu obter uma presença global neste negócio. Nos dez anos seguintes a empresa iria inaugurar mais uma fábrica no estado de São Paulo e desenvolver contratos de fornecimento com produtores que garantiriam 80% do volume de produção do suco (CALDEIRA, 2008, p. 252). Durante a década de 1990 a Votorantim também ampliou sua participação no mercado financeiro. Com uma história industrial, a organização havia iniciado sua trajetória no setor de serviços ao abrir uma corretora ao final da década de 1980. Em 1991, a unidade passou a operar como um banco, criando oficialmente o Banco Votorantim. A operação inicial era principalmente orientada paraserviços para empresas (banco de atacado). Em 1994, expandiu sua atuação ao oferecer financiamentos de bens e serviços através da BV Financeira (CALDEIRA, 2008, p. 253). Para criar e desenvolver o banco, a Votorantim teve que recorrer à captação de capital, elevando o patamar de endividamento histórico do grupo (BONELLI, 1998). A criação de um banco foi o sinal mais claro do poder conquistado pela quarta geração. Durante a história da organização, fica claro o tino industrial de José Ermírio de Moraes e seus filhos, e como eram avessos ao mercado financeiro, principalmente de Antônio Ermírio de Moraes que dizia que “se não acreditasse no Brasil, seria um banqueiro”. No setor de alumínio, iniciou-se um plano para um novo aumento da capacidade instalada de 240 mil para 340 mil toneladas anuais. Para não afetar a autossuficiência energética, o investimento incluiu a construção de duas novas usinas hidrelétricas. Ao contrário do histórico da empresa, esses novos investimentos foram custeados através de financiamentos feitos no mercado internacional (CALDEIRA, 2008, p. 248). Em meados da década de 1990, foi realizada a primeira tentativa de transferência do comando para a nova geração, através da divisão das unidades de 137 negócio entre os herdeiros dos quatro comandantes do grupo. Assim, cada “família” ficaria responsável diretamente por um segmento do grupo. Entretanto, conflitos internos começaram a aparecer e, por isso, deu-se início a um processo de profissionalização da gestão, com a contratação de executivos externos para comandar as unidades de negócio (CAVALVANTI, 2000). Assim, a família deu o primeiro passo para sair do dia a dia dos negócios, direcionando a sua atenção para uma visão estratégica do grupo. Nos anos seguintes, a Votorantim continuaria trabalhando no delicado processo de sucessão da terceira para a quarta geração. Em 1994, a supervalorização do Real frente ao dólar começa a gerar prejuízo para a Votorantim, que vinha exportando uma parte expressiva da sua produção. De acordo com Antônio Ermírio, o prejuízo com a desvalorização do dólar foi de US$ 2,5 milhões somente em julho de 1994 (ESTADÃO, 1994). Em 1996, com a intensificação dos processos de privatização, a Votorantim vislumbrou a oportunidade de formar associações para participar dos leilões. Assim, com o objetivo de formar um colchão de liquidez a fim de evitar surpresas, a Votorantim vai ao exterior para captar US$ 600 milhões (ESTADÃO, 1997). Um dos principais alvos do grupo era o setor energético. Em 1996, foi criada a Votorantim Energia Ltda para participação em parceria com empresas nacionais e estrangeiras, da privatização e expansão do setor elétrico brasileiro (VOTORANTIM, 1996). No ano seguinte, formou a VBC Energia em parceria com o banco Bradesco e a construtora Camargo Côrrea. Em 1998, foi inaugurado o primeiro empreendimento da associação, a usina de Serra da Mesa, construída em parceria com Furnas. A VBC também adquiriu em conjunto com outros sócios o controle da Rio Grande Energia, a Companhia Paulista de Força e Luz e a Empresa Bandeirante de Energia (CALDEIRA, 2008, p. 257). Bonelli (1998) destacou o movimento da Votorantim no setor de energia durante o final da década de 1990: “O interesse na área energética demonstra cautela quanto à política energética, temendo-se elevação de preços que possa comprometer a competitividade dos segmentos de não ferrosos, intensivos em energia. Assim, a estratégia tem sido de verticalização para trás, buscando eficiência e mais autonomia energética, incluindo-se o interesse na participação dos programas de privatização das empresas do setor elétrico”. Além disso, a empresa buscou fortalecer a sua participação na indústria de metais. Assim, em associação com a japonesa Mitsui, a Anglo American e outras dezesseis empresas, formou o consórcio Valecon que participa, mas não vence o leilão de privatização da Vale do Rio Doce. Por quatro meses, Carlos Ermírio de 138 Moraes (filho de Antônio Ermírio) e sua equipe ficaram trancados na sala de dados da empresa estudando a situação e as perspectivas da Vale. Antônio Ermírio disse que o preço pago foi alto demais (a empresa foi avaliada em R$ 12,4 bilhões). Porém, nas conversas particulares, chegou a lamentar a perda do negócio (PASTORE, 2013, p. 152). A Vale acabou sendo adquirido pelo consórcio formado por Benjamin Steinbruch que havia comprado e CSN antes e conseguiu reunir os principais fundos de pensão das estatais do país. Em 1997, foi criada a Votorantim Cimentos, holding que passaria a controlar as empresas que atuam na produção de cimento, cal, argamassa industrializada e concreto. Assim, as quatro diretorias que vigoravam desde os anos de 1960 seriam extintas. De acordo com Blecher (2000), até aquele momento não havia sinergia entre as fabricantes de cimento do grupo que chegavam até a concorrer entre si. Portanto, somente a partir deste ano é que um sistema informatizado passaria a decidir que unidade seria mobilizada para atender uma encomenda. Junto com a criação da Votorantim Cimentos, foi colocado em prática um novo plano para substituição do combustível utilizado na fabricação do cimento. No lugar do carvão que vinha sendo utilizado desde o final da década de 1970, passou-se a usar o coque do petróleo, um resíduo do processo de refino do petróleo. Esse processo de transição foi destacado nos depoimentos obtidos com funcionários do grupo: “Fomos até 1990 e pouco com o carvão mineral. Aí o governo cortou o subsídio do carvão mineral. Aí ele ficou mais caro que o coque. Mais caro do que o óleo. Aí a Petrobrás ofereceu, para a Votorantim, óleo pesado e depois super pesado. Óleo que você precisava de quase 200 graus para amolecer. Só que quanto mais difícil de utilizar – óleo que era sólido, em temperatura ambiente era sólido – mais barato. Então, a Petrobrás foi fornecendo esse óleo, cada vez de pior qualidade, de tal maneira que ele fosse mais barato para incentivar o uso. Bom, esse óleo custava muito caro para nós. Mesmo sendo difícil, ele custava muito caro. O combustível no Brasil é muito caro. Bom, onde está o nosso calcanhar de Aquiles? Energia térmica. O que nós fizemos? A gente verificou que o “petcoke”, de alto teor de enxofre custava 25% do custo do óleo que a gente usava. Como 40% do custo do nosso processo é combustível, eu tinha condições de reduzir esse custo. Veja, ¼ de 40% é 10%. Isso representa muitos milhões de dólares. Só que era um desafio, ninguém tinha feito. Como o estudo teórico estava feito. A gente acreditava que podia fazer” (ENTREVISTADO 6). Em 1998, a VCP lançou suas ações na bolsa de Nova York, ampliando o seu acesso a capitais de risco. As novas práticas de governança e gestão demandadas pela abertura de capital começaram a ser replicadas nas demais unidades (BLECHER, 2000). 139 Em 2000, morre Clóvis Scripilliti. No ano seguinte, em uma coletiva de imprensa realizada na sede da Votorantim, Antônio Ermírio de Moraes passa oficialmente o comando do grupo para a quarta geração da família. O evento foi simbólico e rápido. Após uma breve conversa com os jornalistas, disse: “Agora vocês conversem com eles” apontando para os oito acionistas, todos membros da nova geração. (CALDEIRA, 2008, p. 259). No grupo dos novos comandantes, estavam presentes parte dos herdeiros dos três irmãos e de Clóvis Scripilliti. Essas pessoas tinham atuado em diversas áreas da organização e haviam ganhado o respaldo dos demais herdeiros. A identificação dos novos gestores do grupo é apresentada na tabela 6-2. Como é possível perceber, na nova divisão de, havia dois irmãos de cada um dos quatro “clãs” da família, de forma que houvesse equidade na condução dos negócios. Tabela 6-2 – Quarta Geração da Família Ermírio de Moraes Clã Herdeiros Formação José Ermíriode Moraes Filho José Ermírio de Moraes Neto Administrador de Empresas pela FGV José Roberto Ermírio de Moraes Engenheiro Metalúrgico pela FAAP Antônio Ermírio de Moraes Carlos Ermírio de Moraes Engenheiro Metalúrgico pela Colorado School of Mines Luís Ermírio de Moraes Engenheiro Químico pela Colorado School of Mines Ermírio Pereira de Moraes Fábio Ermírio de Moraes Engenheiro Mecânico pela FAAP Cláudio Ermírio de Moraes Engenheiro Químico pela FAAP Clóvis Scripilliti Clóvis Emírio de Moraes Scripilliti 1 Engenheiro Metalúrgico pelo Mackenzie (incompleto) 1 Carlos Eduardo de Moraes Scripilliti passou a ser representado no Conselho pelo seu irmão, Clóvis, não tendo atuação no grupo. Fontes: Pastore (2013); Fibria (2005). Duas semanas após o anúncio da nova estrutura, José Ermírio de Moraes Filho faleceu (CALDEIRA, 2008, p. 260). Para conseguir concluir o processo sucessório sem novos conflitos entre os sucessores, houve novas alterações na estrutura do grupo. Na mudança, foram criados dois conselhos (familiar e executivo) que estariam subordinados a um Conselho de Administração principal formado pelos comandantes da terceira geração. O Conselho Executivo, com participação dos oito primos, seria presidido por Carlos Ermírio de Moraes e teria José Ermírio de Moraes Neto na vice-presidência. Este conselho visava direcionar e monitorar estrategicamente os negócios (CALDEIRA, 2008, p. 263). O Conselho Executivo exerceria suas funções a partir da relação com cinco áreas de negócios conforme é apresentado na tabela 6-3: 140 Tabela 6-3 – Unidades de Negócio da Votorantim em 2001 Área Presidente Vice Presidente Negócios Votorantim Industrial (VID) José Roberto Ermírio de Moraes Fábio Ermírio de Moraes Passou a agrupar os negócios tradicionais do grupo: cimento, metais, papel e celulose, filmes flexíveis através da Votocel e, por último, a Votorantim Internacional. Votorantim Negócios José Ermírio de Moraes Neto Cláudio Ermírio de Moraes Estava relacionada aos negócios que ainda não tinham um desempenho maduro como as unidades dos setores químico e agroindústria. Votorantim Finanças José Ermírio de Moraes Neto - Era relacionada ao Banco Votorantim que já era o segundo maior banco de atacado do país e o décimo-primeiro no ranking de ativos totais. Votorantim Energia Carlos Ermírio de Moraes - Consolidava todas as unidades de geração de energia do grupo. Votorantim Novos Negócios Luís Ermírio de Moraes - Seu objetivo era encontrar negócios promissores a médio e longo prazo, principalmente nos segmentos de biotecnologia e tecnologia da informação. Fonte: CALDEIRA, 2008, p. 263 Vale destacar que o Conselho Executivo da Votorantim tinha uma característica mais atuante, visando justamente, a condução compartilhada dos negócios. Esse modelo é destacado em trecho da reportagem da Época (2008): “Diferentemente do que ocorre em outros conselhos, não se reúne uma vez por mês. Trabalha em tempo integral. Seus membros batem ponto todos os dias no escritório e não há decisão de que não tenham conhecimento.” A tabela 6-4 mostra como estavam as participações dos principais negócios da Votorantim em 2000: Tabela 6-4 – Participação da Votorantim no Mercado Brasileiro, por Negócio Unidade % Cimento 42% Alumínio 20% Zinco 56% Níquel 24% Aço 7% Fonte: Votorantim, 2000 141 A transformação da estrutura foi acompanhada de mudanças na gestão da organização. Em 2002, o novo comando do grupo introduziu o Sistema de Gestão Votorantim (SGV). Entre outras práticas, o sistema visava: A disseminação de melhores práticas, compras conjuntas de materiais e serviços, integração de transportes e aumento da disponibilidade de linhas de produção (CALDEIRA, 2008, p. 269). Além disso, o grupo lançou o Sistema de Liderança Votorantim, com o objetivo de desenvolver profissionais de destaque na organização e o projeto Integra que permitiu que doze mil funcionários em todo o mundo utilizassem o mesmo sistema de gestão (CALDEIRA, 2008, p. 273). Essa nova fase também alterou o perfil de funcionários do grupo, conforme foi ressaltado em reportagem da Revista Exame: “Foi-se o tempo em que leais funcionários, com mais de 70 anos, ali permaneciam mesmo após a aposentadoria. Uma leva de sangue novo, em grande parte vinda de multinacionais, chegou ao grupo em anos recentes” (BLECHER, 2000). Além disso, o novo comando adotou novas estratégias de expansão. Com baixas possibilidades de crescimento em seus negócios no país, a Votorantim intensificou o seu processo de internacionalização. O Relatório Anual de 2001 destacava a importância de a Votorantim se tornar uma empresa internacional e iniciar uma nova fase de crescimento: “Uma das maiores conquistas do Grupo Votorantim em 2001 foi a definição clara de sua aspiração de crescimento, para tornar-se uma empresa “world class” em todas as funções que executa, reconhecida e respeitada por seus fortes valores. [...] Sustentada por um sistema de gestão empresarial focado em excelência operacional, organizacional e em pessoas, essa estratégia imprimiu uma dinâmica ao Grupo Votorantim em 2001, dando impulso às nossas decisões de crescimento”. Em 2001, foi dado o primeiro grande passo nesse sentido através da aquisição da St Mary´s Cement Inc, uma empresa que detinha 10% do mercado de cimento no Canadá. Dois anos depois, fortaleceria sua posição na região ao adquirir a Suwannee American Cement, conquistando a liderança do setor de cimento do Canadá e dos Grandes Lagos nos EUA. (CALDEIRA, 2008, p. 264). No segmento de metais, como consequência do projeto de expansão iniciado anos antes, a CBA tornou-se a maior fábrica integrada do mundo, com produção de 340 mil toneladas anuais, sendo metade desse montante direcionado para o exterior. No ano seguinte, a Votorantim realizou a aquisição da Paraibuna Metais, que era a segunda maior produtora de zinco do país e da refinaria Cajamarquilla, no Peru, o que 142 fez a empresa se tornar a quinta maior produtora mundial de zinco. Assim, pela primeira vez na história, a unidade de metais foi a de maior faturamento no grupo (CALDEIRA, 2008, p. 271). Outras aquisições estratégicas foram realizadas, como a compra, ainda em 2001, de 28% do capital votante da Aracruz Celulose, líder na produção de celulose de eucalipto (CALDEIRA, 2008, p. 265). Durante os anos de 1990, a empresa já havia mais que duplicado o seu faturamento, partindo de US$ 1,3 bilhão em 1990 para US$ 2,8 bilhões em 1999. Todavia, esta nova etapa empreendida pela nova geração se mostrava bem mais agressiva. Os investimentos que foram de US$ 0,5 bilhão em 2000, pularam para US$ 1,7 bilhão no ano seguinte. Assim, em 2006, apenas cinco anos após a sucessão, a nova direção alcançou uma receita de US$ 13,3 bilhões, volume quase quatro vezes maior do que os US$ 3,5 obtidos em 2001. (CALDEIRA, 2008, p. 238). Vale ressaltar, no entanto, que a Votorantim também buscou crescer organicamente. Em 1999, foi lançado um projeto de modernização e expansão da fábrica de Barra Mansa para dobrar a capacidade para 800 mil toneladas anuais (VOTORANTIM, 1999). Já a CBA, começou a desenvolver um plano de uma nova elevação da produção para 400 mil t/ano a ser alcançada em 2005, que seria sucedida por uma expansão futura para 530 mil t/ano a partir de 2009 (VOTORANTIM, 2003). Acompanhando o plano de crescimento das unidades de negócio, um novo programa de construção de hidrelétricas visava elevar a capacidade de geração própria de energia de 35% para 60% do seu consumo total (VOTORANTIM, 2001). Em 2005, a organização recebeu o Prêmio IMD destinado a empresas de controle familiar com comprovado nível de desempenho, sustentabilidade, presença internacional e de grande responsabilidade social. Foi a primeirainstituição latino- americana a receber a premiação. Além disso, obteve da agência de classificação de risco Standard & Poors o nível de investment grade, que oferecia novas perspectivas de financiamento para a empresa. Dois anos depois, a organização começou a enfrentar uma grande crise institucional. José Meneguel, ex-coordenador comercial da Votorantim Cimentos acusou seis das principais fabricantes de cimento do país (entre elas a Votorantim) de formar um cartel, com controle de preços e de participação de mercado. A denúncia motivou uma investigação da Secretaria de Direito Econômico. Em 2012, o órgão recomendou a condenação de todos os envolvidos, mas o caso ainda não foi julgado pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). De acordo com o relatório, as empresas teriam atuado de forma orquestrada por seis décadas. Dessa forma, elas teriam inflacionado o faturamento em pelo menos 10% desde 2004 143 (BRONZATTO, 2012). Em 2014, o CADE decidiu de maneira unanime pela condenação da Votorantim e mais cinco empresas do setor. A multa foi de R$ 3,1 bilhões, sendo metade desse valor devido pela empresa da família Ermírio de Moraes. A decisão ainda incluiu a venda de ativos por parte das empresas para forçar a competição. As insinuações de cartelização do setor, no entanto, não são recentes, como é possível verificar no Relatório Anual de 1968: “Devido à escassez do produto, muitas críticas têm sido feitas aos fabricantes de cimento, no que diz respeito ao preço do produto. Sobre o assunto queremos frisar que, sendo o preço do cimento controlado pela CONEP, agimos rigorosamente dentro da conjuntura nacional. Não procede a afirmativa de que o cimento nacional é excessivamente mais caro do que o importado, embora pesem contra nós taxas e impostos, bem como preços de combustíveis, muito mais altos do que na maioria dos países latino-americanos e europeus”. Em 2006, a Votorantim continuou com o seu processo visando criar um Grupo Único. Assim, a Diretoria Geral da VID passou a desempenhar um papel mais direto na gestão dos negócios da empresa, com foco nas estratégias de crescimento, avaliação de desempenho das unidades e preparação de talentos (VOTORANTIM, 2006). Em 2008, a crise financeira global deflagrada nos EUA, gerou grandes transformações no grupo. Primeiro, a redução da atividade econômica mundial resultou em queda dos preços de grande parte do portfólio de produtos da Votorantim durante o ano de 2009: aço (-13%), celulose (-15%), suco de laranja (-40%), níquel (- 36%), alumínio (-35%) e zinco (-12%). Segundo, o movimento deu início a uma série de grandes transações realizadas pelo grupo. O grupo vendeu, ainda em 2008, 49,99% das ações do Banco Votorantim para o Banco do Brasil. Assim, a administração passou a ser compartilhada, com a formação de um Conselho de Administração composto por três membros de cada parte (VOTORANTIM, 2009). Em 2011, a Votorantim também vendeu por um valor não revelado a Nitro Química, deixando, assim, o setor. O comprador foi um fundo de investimentos. A decisão fez parte da estratégia de vendas de ativos para concentração nos principais negócios do grupo. No mesmo ano, também se desfez de toda a participação que tinha na Siderúrgica Usiminas, em um negócio de R$ 2,4 bilhões (VOTORANTIM, 2011). Por outro lado, foram realizadas importantes aquisições. No auge da crise, em 2008, adquiriu o controle da Aracruz Celulose, assumindo a liderança global do setor. Após o anúncio do negócio, a Aracruz reconheceu R$ 1,95 bilhão em perdas financeiras por exposição a derivativos e a Votorantim R$ 2,2 bilhões pelo mesmo 144 motivo. Ainda assim, o negócio foi mantido, pois a desistência geraria uma multa de R$ 1 bilhão para a Votorantim. (VOTORANTIM, 2008). Como consequência das elevadas perdas financeiras com derivativos, foi criada uma Diretoria de Gestão de Riscos subordinada ao Conselho de Administração com o intuito de oferecer suporte na análise e gestão de riscos corporativos das diferentes unidades de negócio (VOTORANTIM, 2009). Cabe ressaltar que o episódio envolvendo o reconhecimento das perdas financeiras oferece uma exemplificação de como funcionava o Conselho Executivo do grupo. Embora o comando envolvesse decisões em conjunto, o caso parece indicar que as decisões eram tomadas de maneira rápida, conforme é apontado em trecho de reportagem da Revista Exame: “No Conselho Executivo da Votorantim, as decisões são tomadas por consenso. A necessidade de aprovação de todos não tem significado, até agora, lentidão no processo decisório [...] No começo de outubro, começaram a surgir rumores de mercado de que as perdas da Votorantim com derivativos chegariam a 10 bilhões de reais. Em menos de uma semana, o conselho decidiu liquidar sua exposição aos derivativos para acalmar o mercado e comunicar às agências de risco as reais perdas com as operações. (COSTA & MEYER, 2009)”. No segmento de agroindústria, a Votorantim realizou uma fusão com a Citrosuco, em 2010, criando o maior produtor global de suco de laranja. Cada uma das fundadoras passou a ter 50% da nova empresa, compartilhando a gestão (VOTORANTIM, 2010). No setor de cimentos, a crise imobiliária americana fez as vendas naquele país declinarem 10% em relação a 2007. O mercado brasileiro, por sua vez, aquecido pela oferta de crédito, cresceu 15%. Esta mudança exigiu adaptações da empresa que estava intensificando os investimentos no exterior, em detrimento do mercado interno que vinha de muitos anos de baixo crescimento. Em consequência desses eventos, o cimento que havia representado apenas 19% das vendas em 2007, volta a ser o principal negócio da Votorantim com 26% de participação (VOTORANTIM, 2008). No setor de alumínio, após mais um plano de expansão, a CBA alcançou uma capacidade de produção de 465 mil toneladas ano, se consolidando como a maior fábrica integrada de alumínio no mundo. Esta elevação da capacidade foi acompanhada do aumento da produção interna de energia. Assim, a empresa conseguiu atingir um patamar de 70% de autossuficiência energética, enquanto que a média mundial girava em torno de 28% (VOTORANTIM, 2008). 145 A partir de 2008, com a aquisição de usinas na Argentina e na Colômbia, as atividades siderúrgicas foram desmembradas da unidade de Metais e se transformaram na Votorantim Siderurgia, com capacidade instalada de 1,45 milhão de toneladas, sendo 750 mil no Brasil, 250 mil na Argentina e 450 mil na Colômbia (VOTORANTIM, 2008). No ano seguinte, foi inaugurada uma nova siderúrgica em Resende (RJ) com capacidade de aciaria de um milhão de toneladas/ano e laminação de quinhentas mil toneladas/ano. A instalação ocorreu em paralelo às iniciativas de modernização da usina de Barra Mansa. Próximas geograficamente, as unidades passaram a atuar de maneira complementar (VOTORANTIM, 2009). Em 2012, a Votorantim deu mais um passo no fortalecimento de sua posição na siderurgia ao inaugurar uma nova usina na cidade de Três Lagoas (MS) em uma joint venture realizada com Alexandre Grendene. A usina produz aços longos para o mercado do Centro-Oeste, utilizando para isso, os aços brutos da unidade de Resende. A capacidade de produção era de 800 mil toneladas ano (VOTORANTIM, 2012). Após essa série de movimentos, a organização fez mais uma adequação de sua estrutura. Assim, ficaria dividida em: Industrial - abrangendo negócios de cimentos, metais, energia, siderurgia, celulose e papel e agroindústria; Finanças; e Novos Negócios. Já o segmento financeiro viveu períodos antagônicos desde o estouro da crise. Em meio à crise financeira global, a unidade foi o principal negócio da Votorantim no ano, representando 30% das receitas do grupo em 2009. Por outro lado, os financiamentos de veículos que haviam sido uma importante fonte de crescimento, começavama ter um aumento considerável o nível de inadimplência. Assim, ainda em 2009, o Banco Votorantim dobrou suas provisões para devedores duvidosos. (VOTORANTIM, 2009). Em 2011, o valor triplicou R$ 3,3 bilhões. Em 2012, a provisão para créditos de liquidação duvidosa subiu para R$ 5,4 bilhões (VOTORANTIM, 2012). Em 2013, o Banco do Brasil, chegou a realizar estudos para propor a compra de mais 25% da participação do Banco Votorantim. Entretanto, diante do ambiente instável, acabou cancelando a proposta (SCIARRETTA, 2013). No entanto, novas mudanças na composição societária ou mesmo a saída do setor pela Votorantim não estão descartadas. De acordo com Moreno (2013), o banqueiro André Esteves estaria interessado na compra da participação da família Ermírio de Moraes no banco, através do BTG Pactual, para se tornar sócio do BB. Esses movimentos acontecem em um período de dificuldades do grupo. Nos três últimos anos, o banco operou em prejuízo. Em 2012, obteve um resultado negativo de R$ 1,9 bilhão e, no ano seguinte, de R$ 512 milhões. 146 Não deixa de ser interessante destacar a reticência de Antônio Ermírio de Moraes, quando questionado pelo seu biógrafo sobre a entrada da Votorantim no setor financeiro e dos bons resultados que vinham obtendo: “Ponderei aos meus irmãos que nós não somos do ramo. Podemos dar com os burros n´água" (PASTORE, 2013, p. 147). Em 2010, com problemas de saúde, Antônio Ermírio de Moraes, o último integrante da terceira geração no comando, deixa a presidência do Conselho de Administração do grupo que passa a ser ocupado por José Ermírio de Moraes Neto. No ano seguinte, a Votorantim realiza mais uma mudança em sua estrutura. As unidades de negócios (Industrial, Financeira e Novos Negócios) são desmembradas. O Conselho de Administração VPar presidido por José Roberto Ermírio de Moraes passa a ser o órgão máximo da Votorantim e José Ermírio de Moraes Neto passa a ser o presidente do Conselho de Administração do Banco Votorantim. Raul Calfat, executivo do segmento de papel e celulose (era funcionário da Papel Simão, adquirida em 1992), se torna o Diretor Presidente da Votorantim Industrial (VOTORANTIM, 2011). Em 2012, a Votorantim vendeu a sua sede central no Centro da cidade de São Paulo para o Governo do Estado. Assim, os escritórios que ficavam nesta sede foram distribuídos entre as demais unidades do grupo. Nos últimos anos, os resultados do grupo passaram a ter uma grande dependência da Votorantim Cimentos - em 2010, por exemplo, o setor de cimentos respondia por 40% da Receita Líquida e por 60% do EBITDA da Votorantim (VOTORANTIM, 2010). Além da dependência da unidade de cimentos, a companhia passou a conviver com um nível de endividamento preocupante. Em 2012, a dívida bruta chegou a R$ 25,2 bilhões, um aumento de R$ 3 bilhões em relação a 2011. Ou seja, a dívida da empresa pela primeira vez foi superior a sua receita líquida anual (R$ 24,8 bi em 2012). Enquanto que em 2001 o valor da dívida não chegava a uma vez a geração de caixa, em 2012 ela foi de 3,6 vezes. Ainda, de um lucro líquido de R$ 1.2 bi em 2011, o segmento industrial do grupo teve um resultado de apenas R$ 87 milhões em 2012. (VOTORANTIM, 2012). Em 2013, o lucro da VID subiu para R$ 238 milhões (REUTERS, 2014). Ainda em 2013, a Votorantim Cimentos iniciou uma operação para abertura do seu capital em um negócio avaliado em cerca de R$ 10 bilhões. Todavia, em virtude do fraco desempenho do mercado de ações brasileiro naquele ano, o plano foi adiado (REUTERS, 2013). 147 No início de 2014, Raul Calfat, presidente da Votorantim Industrial, deixa o cargo para assumir a frente do Conselho de Administração. A alteração faz parte de uma nova estratégia da empresa, que pretende descentralizar funções, fazendo com que o braço industrial passe a atuar de forma integrada com o Conselho de Administração da VPAR. Com a saída de Calfat, a presidência da VID passa a ser ocupada pelo executivo João Miranda, que era o diretor financeiro (BEZERRA, 2014). 148 7 ANÁLISE 7.1 Análise das Respostas da Matarazzo aos Desafios do Crescimento O grupo Matarazzo foi o maior conglomerado nacional durante décadas. A sua origem data de 1882, quando o italiano Francesco Matarazzo aportou no Brasil e fundou uma fabriqueta de banha de porco no interior do Estado de São Paulo. A partir daí, a organização seguiu por um processo de crescimento e diversificação que abrangeu negócios nas mais diversas indústrias, com destaque principalmente para os setores têxtil, alimentício e químico. Dessa forma, o conglomerado atingiu um porte colossal, de dimensão comparável apenas à organização desenvolvida pelo Barão de Mauá no século XIX. Apesar de não ter sido possível identificar balanços financeiros anteriores a 1941, as leituras realizadas permitiram constatar que o auge da organização ocorreu entre as décadas de 1920 e 1940. O formato da curva de crescimento apresentada no gráfico 7-1 sugere realmente esse período de sucesso inicial. A partir do final da Segunda Guerra Mundial, a organização entrou num período de declínio irreversível, que culminou com o pedido de concordata de grande parte de suas empresas em 1983. Desde então, a Matarazzo perdeu relevância no cenário industrial brasileiro, mantendo atualmente uma pequena parcela dos antigos ativos que estão, em sua maioria, arrendados para terceiros. A análise das respostas da Matarazzo aos desafios do crescimento, apresentada nesta seção, buscará identificar os traços organizacionais desenvolvidos pela organização e compará-los à teoria em questão, com o objetivo de verificar em que medida esses fatores contribuíram para que a empresa desenvolvesse uma propensão ao fracasso e seguisse um caminho de autodestruição. 149 Gráfico 7-1 – Evolução do Tamanho da Matarazzo entre 1941 e 1980 7.1.1 Desafio do Empreendedorismo Os serviços empreendedores são condições necessárias para a criação de valor e o crescimento contínuo de uma organização. A análise do grupo Matarazzo à luz das dimensões do empreendedorismo propostos por Penrose (1980) indica que foram desenvolvidas capacitações empreendedoras que levaram a organização ao crescimento. Entretanto, identificou-se uma dificuldade em manter a capacidade de julgamento à medida que a organização foi crescendo e se tornando mais complexa. Além disso, com as transformações da economia ao longo do tempo, a organização também não conseguiu manter o mesmo nível de versatilidade para encontrar novas oportunidades lucrativas no timing adequado. a) Ambição Conforme discutido por Penrose (1980), a ambição empreendedora pode ser observada através da intenção de se criar um grande grupo empresarial (empirebuilder), ou de se buscar a melhoria da qualidade e dos produtos da organização (product-minded). Durante praticamente toda a trajetória da Matarazzo, percebe-se a recorrência de altos níveis de ambição, principalmente no sentido de se criar um grande império industrial, tendo um papel fundamental no processo de crescimento da organização. y = -2E-06x4 + 0,0124x3 - 36,423x2 + 47620x - 2E+07 R² = 0,77 -0,05 0,00 0,05 0,10 0,15 0,20 0,25 0,30 1 9 4 1 1 9 4 3 1 9 4 5 1 9 4 7 1 9 4 9 1 9 5 1 1 9 5 3 1 9 5 5 1 9 5 7 1 9 5 9 1 9 6 1 1 9 6 3 1 9 6 5 1 9 6 7 1 9 6 9 1 9 7 1 1 9 7 3 1 9 7 5 1 9 7 7 1 9 7 9 1 9 8 1 1 9 8 3 Tamanho = Faturamento/PIB Performance = Lucro Líquido/PIB 150 Essa ambição empreendedora fica evidente desde os primeiros anos de atividade comercial de Francesco. A sua vinda ao Brasil já era resultado de uma ambição para empreender, uma vez que o jovem italiano trouxe consigo uma carga de banha de porco da Itália,que ele esperava comercializar no país. Após se estabelecer em Sorocaba e conseguir um relativo sucesso na comercialização de banha e outros produtos na região, o empresário decidiu se desfazer de seus negócios e ir para São Paulo, uma cidade que vinha crescendo por conta da leva de imigrantes e da economia do café e que, portanto, oferecia mais oportunidades lucrativas para o crescimento dos seus negócios. Já na nova cidade, ele faria a transição do comércio para a indústria, sendo um dos precursores do processo da industrialização brasileira. A partir daí, fica evidente uma ambição para criar mais e mais empresas com o objetivo de formar um grande grupo industrial. As histórias da industrialização brasileira e do surgimento da Matarazzo se confundem. A ambição empreendedora de Francesco levou à criação de fábricas em um país cujo motor econômico era exclusivamente agrícola e tudo o que consumia de produto industrializado era importado. Nas décadas seguintes, a organização seguiria gerando novos empreendimentos onde quer que fossem identificadas oportunidades de atuação, possibilitando a identificação de um espírito de empirebuilder do Conde Francesco. Embora os números costumem divergir, de acordo com Milton Getúlio da Cunha, que foi Diretor da IRFM durante a década de 1970, a Matarazzo chegou a reunir 170 empresas, se mantendo como o maior grupo empresarial brasileiro por décadas. Essa ambição é observada no discurso do próprio empreendedor: “Sempre considerei a riqueza como meio de atingir um ideal: Ampliar, ampliar o máximo o organismo industrial, já vasto, ao qual liguei meu nome; intensificar todos os meus esforços no sentido de tornar mais eficiente a contribuição que a mim mesmo me impus como dever, para a emancipação do Brasil” Francesco Matarazzo (COUTO 1 , 2004, p. 14). Ainda na gestão de Chiquinho e já com a empresa enfrentando dificuldades financeiras, essa continuaria a ser uma característica marcante do grupo. Ao mesmo tempo em que fechava alguns negócios, outros eram criados, de forma a evitar que o império Matarazzo fosse reduzido. Esse movimento fica evidente no final da década de 1950 e início dos anos de 1960 quando os seguintes negócios foram descontinuados: fábricas de pregos e de alimentos em conserva (1957), panificação (1959), fábrica de desinfetantes e esponjas (1962), pasta de amendoim (1963), frigoríficos (1964). Por outro lado, no mesmo período foram inaugurados novos negócios como a Trificel (1957), uma fábrica de embalagens (1958), a Cloroquim (1959) e os Supermercados Superbom (1960). 151 Outro episódio marcante que retrata essa visão foi identificado em depoimento do Entrevistado 1 que relatou a postura de Chiquinho quando ele decidiu vender o luxuoso edifício sede do grupo em 1972. De acordo com as palavras do depoente, apesar das dificuldades financeiras enfrentadas pelo grupo, o Conde “não queria ser diminuído”: “Eu estou vendendo o prédio, mas no lugar do prédio eu vou construir um shopping que vai deixar todo mundo de boca aberta. Lá no Largo Pompéia.” Mesmo durante a década de 1980, após o pedido de concordata e com o comando com Maria Pia, da terceira geração, é possível identificar características fortes de ambição. Com a desativação de diversas unidades industriais, a Matarazzo ambicionava destruir parte do complexo para construir, em parceria com uma empresa Canadense, o maior shopping da América Latina que, por falta de capital e entraves jurídicos, acabou nunca saindo do papel. b) Versatilidade A capacidade de imaginar e identificar novas oportunidades lucrativas é essencial para a organização crescer de forma saudável. No processo de formação e expansão do seu grupo industrial, Francesco Matarazzo demonstrou versatilidade e capacidade visionária para criar valor. Martins (1976, p. 55) destacou que o Conde sempre esteve atento às oportunidades econômicas de todas as fases de transformação dos produtos. Dessa forma, o seu crescimento não foi simplesmente defensivo. Pelo contrário, visava o aumento dos lucros. Reiss (1980, p. 33) afirma que o empreendedor detinha uma série de habilidades que o tornavam um “criador de impérios”. Dois anos após ter se estabelecido em Sorocaba, ele percebeu que havia um grande consumo de banha de porco importada no Brasil, mas que devido às longas viagens e ao método de acondicionamento, parte significativa dos produtos estragava antes de chegar ao Brasil. Assim, montou uma prensa com base nos modelos que tinha visto na Itália e começou a fabricar óleo a partir da gordura animal. Em poucos anos, conseguiu abrir outras unidades, alcançando um novo patamar para o seu negócio. Quando já havia obtido certo porte, ao invés de se contentar com a posição alcançada, percebeu um grande movimento de compra e venda de empresas em decorrência da política do Encilhamento (descrita com maiores detalhes no Capítulo 4). Assim, vendeu parte dos seus estabelecimentos e, com o excedente, montou um grande comércio na cidade de São Paulo. 152 Na nova cidade se tornou um importante comerciante, passando também a importar farinha de trigo. Percebendo que o produto comprado no exterior muitas vezes chegava ao país com baixa qualidade, Matarazzo vislumbrou a possibilidade de criar um grande moinho de trigo, o primeiro do país. Tratava-se de uma grande manobra, pois, envolvia a transição das atividades comerciais para a indústria. Assim, em 1900, se tornou um dos pioneiros da indústria nacional. Para reduzir sua vulnerabilidade em um ambiente em que a indústria era praticamente inexistente, começou a fabricar os próprios sacos para acondicionar o produto final. Desse processo, surgiu o braço têxtil do grupo que, por sua vez, levou a fabricação de óleos de algodão e, posteriormente, produtos químicos. Portanto, nota- se como a Matarazzo usou o excesso de recursos gerados dentro de suas unidades para criar novos empreendimentos lucrativos. De unidades formadas para abastecer o próprio grupo e reduzir sua dependência em relação a terceiros, o empreendedor ampliou o escopo de suas atividades, ganhando escala para competir em diferentes mercados. Assim, a organização formava o seu tripé Alimentos, Têxteis e Químicos. Portanto, é possível identificar nessa fase inicial a existência do motor do crescimento contínuo proposto por Fleck (2003). A figura 7-2 apresenta esse processo de crescimento, baseado em mecanismos de reforço, no qual o desequilíbrio de recursos incentivou a ampliação do escopo de atividades do grupo. Figura 7-1 – Processo de Diversificação da Matarazzo entre 1900 e 1903 153 Durante as décadas de 1910 e 1920 a organização seguiu um intenso processo de diversificação não relacionada, ocupando tanto quanto pudesse os espaços existentes para a fabricação de produtos no Brasil. Assim, nesse período foram criados empreendimentos nos mais diversos negócios: Usina de açúcar (1910), fábrica de pregos (1912), amideria e fecularia (1914), fábrica de velas e graxas (1916), frigorífico (1920), fábrica de licores e seção cinematográfica (1922), fábrica de curtumes e extrato de tabaco (1924), fábrica de rayon (1926). Esses negócios ampliaram a extensão da organização, mas em grande parte não apresentavam grandes potenciais de lucratividade. Foram criadas, também, empresas fornecedoras de insumos e serviços para as demais companhias da IRFM, sem que esses negócios apresentassem um potencial de geração de lucros relevantes para a organização, como a companhia de seguros (1917) e a de navegação e transporte (1919). Conforme destacado por Donald Rust em um relato escrito em 1934, a grande expansão da IRFM criava uma proteção às mudanças no ambiente. Assim, mesmo que algumas unidades apresentassem prejuízos na época, essas perdas eram compensadas pelos negócios lucrativos. Dessa forma, épossível identificar um perfil defensivo em parte das expansões do grupo durante essa fase. Apesar disso, é possível destacar a realização de pesquisas internamente, que indicavam uma capacitação na busca e identificação de novas oportunidades lucrativas. Em 1917, foram feitas experiências com farinha de milho para mistura à farinha de trigo para produção de pães, reduzindo a dependência do produto importado. Em 1924, identificou-se de forma pioneira o potencial econômico de extração e refino do óleo de babaçu. No início da década de 1930, a Matarazzo também desenvolveu pesquisas para a produção de álcool a partir de mandioca (a empresa tinha plantações e uma fecularia). Como consequência desses estudos, foi criada a IME. Já na década de 1950, foram desenvolvidos novos processos de produção de celulose e, também, para a extração de óleo de café que seria uma alternativa durante o período de entressafra do algodão. A partir da década de 1930, no entanto, o perfil da indústria brasileira começou a mudar (conforme discutido no Capítulo 4) e novas indústrias começaram a se formar. Diferentemente da Votorantim, a Matarazzo pouco tirou proveito desse processo. As expansões se mantinham diversificadas, mas baseada principalmente nos negócios tradicionais do grupo. Em 1937, quando o velho Conde falece e seu filho assume o comando, a IRFM tinha projetos em andamento em diversos negócios: Fábrica de louças e ladrilhos em São Caetano; Fábrica de ácido sulfúrico em São Caetano; Fábrica de papel em 154 Belenzinho; Hidrogenização de óleos na Água Branca; Fábrica de hidrogênio e oxigênio em São Caetano; Fábrica de macarrão em São Paulo; Fábrica de seda artificial com acetado em São Caetano; Processamento de algodão em Bauru e Catanduva. Nota-se, por exemplo, que os negócios tinham baixo nível de sofisticação, enquanto a Votorantim liderada por José Ermírio migrava para a indústria básica. Quando a IRFM migrou para a promissora indústria de cimentos (que atravessava um processo de nacionalização da produção) em 1947, inaugurando a Companhia Paraiba de Cimento, a Votorantim já estava há mais de dez anos no setor, com fábricas em São Paulo, Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Portanto, seguindo a proposição de Chandler (1990) em relação às indústrias de capital intensivo, sem direcionar recursos significativos para o novo negócio, a Matarazzo teria dificuldades de atingir uma posição dominante no setor uma vez que a Votorantim já havia conseguido obter vantagens produtivas e de distribuição. Dentre os mercados em que a Matarazzo atuava, é possível destacar os investimentos na indústria química, que passou a apresentar um grande potencial de crescimento (entre 1939 e 1963 a sua participação na composição da indústria brasileira saltou de 9,8% para 15,5%, conforme discutido no Capítulo 4). Em 1950, a IRFM montou uma nova unidade de produção de soda cáustica para abastecer a produção de tecidos sintéticos. A fabricação em larga escala deste insumo contribuiu, por sua vez, para a formação de uma fábrica de PVC no ano seguinte. Três anos depois, era iniciada também a produção de bicarbonato de sódio que levou à produção de acetileno que também era usado na fabricação do PVC. No final da década, ainda faria uma parceria com a Dow Chemical para produzir tetracloreto de carbono. Ou seja, a partir de recursos existentes, a IRFM seguiu investindo e crescendo em uma indústria promissora, inclusive atraindo empresas parceiras e com experiências na indústria para formar os novos empreendimentos. Assim, com as mudanças na estrutura industrial brasileira, a indústria química passou a apresentar uma possibilidade de crescimento para o grupo. Apesar desse potencial, a Matarazzo seguiu durante as décadas de 60 e 70 com a sua estratégia de expansão diversificada, caracterizando um movimento defensivo diante de um mercado que começava a ter presença de empresas multinacionais. As evidências apontaram para uma carência na capacidade de criar valor e expandir de forma versátil a partir deste período. Portanto, constata-se que a versatilidade de Francesco Matarazzo foi crucial para a formação do tripé industrial do grupo (Alimentos, Têxteis e Químicos) no início do século XX. Todavia, em parte dos movimentos de expansão nas décadas seguintes não foram encontradas evidências que sugerem a mesma consistência. Se por um 155 lado o investimento da indústria química e as pesquisas originárias das atividades industriais do grupo possibilitaram a criação de valor em determinados momentos, o processo de criação de valor da IRFM também se descolou muito dos recursos existentes e se mostrou por vezes defensivo e com um timing inadequado, diante das mudanças ocorridas no ambiente econômico e industrial brasileiro. c) Capacidade de Levantar Recursos A história do grupo mostra que a reputação construída por Francesco Matarazzo possibilitou à organização conseguir ter acesso aos recursos necessários para formar e expandir os negócios. Em 1891, um ano após montar a Matarazzo & Irmãos em São Paulo, Francesco viabilizou a criação de uma nova empresa com mais trinta e oito investidores. Esse empreendimento absorveu os ativos da Matarazzo & Irmãos e gerou lucro para Francesco que montou outra empresa com o irmão Andrea. Portanto, antes mesmo de se tornar um importante industrial, constata-se que o empresário já tinha a habilidade de atrair sócios e investidores para fomentar o crescimento dos seus negócios. Quando em 1900 o empreendedor vislumbrou a possibilidade de substituir a importação de farinha pela construção de um grande e pioneiro moinho na cidade de São Paulo, essa capacitação foi fundamental. Como a operação exigia o aporte de um considerável montante de recursos financeiros, o Conde negociou um financiamento com um banco inglês. Após a avaliação das principais oportunidades e riscos do negócio, veio a resposta positiva: “A proposta pode ser aceita, mas terá de ser o próprio Matarazzo a proceder à operação de venda que sugere. Matarazzo vale o que assina” (COUTO 1 , 2004, p. 268). Outra importante fonte de recursos financeiros no início da história da Matarazzo foi conquistada através da abertura de casas bancárias. Como um ícone da crescente colônia italiana no Brasil, as instituições criadas por Francesco em conjunto com outros sócios se tornaram o principal meio pelo qual os imigrantes enviavam dinheiro para a Itália. Assim, os bancos conseguiam movimentar valores significativos e, através deles, Matarazzo conseguia crédito barato para realizar os seus investimentos. Ao longo de sua trajetória, a capacidade de atrair acionistas para a IRFM também se manteve presente. No final de 1911, após a formação da holding, foram emitidas no mercado vinte mil ações ao preço de cem mil réis cada uma, permitindo a capitalização da empresa e a realização de novos investimentos. A mesma estratégia 156 foi utilizada para formar a Indústrias Matarazzo do Paraná quando, para viabilizar a construção do moinho na cidade de Antonina, em 1914, foi realizada uma grande subscrição de ações. Mesmo durante a fase de declínio, a Matarazzo continuaria conseguindo a captar recursos no mercado. Ao longo da década de 1950 foram realizadas sucessivas subscrições de novas ações. Assim, o capital que era de 750 milhões de cruzeiros em 1952 saltou para 4,8 bilhões de cruzeiros em 1960. Em uma das emissões no qual foram subscritos 1,6 bilhões de cruzeiros em ações, o anúncio da empresa no jornal O Estado de São Paulo (1960) destacava: “Subscreva ações preferenciais da S/A Indústrias Reunidas F. Matarazzo e adquira segurança e tranquilidade. O Brasil ruma à estabilidade financeira e econômica, e as Ações Matarazzo, oferecendo uma renda anual garantida, nunca inferior a 17%.” Nesse período de maior