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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO RAFAEL PEREIRA DE ARAÚJO PEDROSA Desafios do crescimento de empresas diversificadas: Os casos Matarazzo e Votorantim Rio de Janeiro 2015 Rafael Pereira de Araújo Pedrosa DESAFIOS DO CRESCIMENTO DE EMPRESAS DIVERSIFICADAS: OS CASOS MATARAZZO E VOTORANTIM Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto Coppead de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração (M.Sc.) Orientadora: Denise Lima Fleck, Ph.D. Rio de Janeiro 2015 ii FICHA CATALOGRÁFICA PEDROSA, Rafael Pereira de Araújo Desafios do Crescimento de Empresas Diversificadas: Os Casos Matarazzo e Votorantim / Pedrosa, R. P. A. - 2015. 325f Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Instituto Coppead de Administração, 2015. Orientadora: Denise Lima Fleck 1. Crescimento da Firma. 2. Declínio Organizacional. 3. Administração - Teses. I. Fleck, Denise Lima. (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto Coppead de Administração. Desafios do Crescimento de Empresas Diversificadas: Os Casos Matarazzo e Votorantim iii DESAFIOS DO CRESCIMENTO DE EMPRESAS DIVERSIFICADAS: OS CASOS MATARAZZO E VOTORANTIM Rafael Pereira de Araújo Pedrosa Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto Coppead de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração (M.Sc.) Aprovado por: ________________________________________ Profa. Denise Lima Fleck, Ph.D. (COPPEAD, UFRJ) - Orientadora ________________________________________ Prof. José Vitor Bomtempo Martins, D.Sc. (Escola de Química, UFRJ) ________________________________________ Profa Maribel Carvalho Suarez, D.Sc. (COPPEAD, UFRJ) Rio de Janeiro 2015 iv AGRADECIMENTOS À minha amada esposa Amanda Xavier, não só por todo o seu companheirismo e paciência durante esses longos meses, mas por ter sido a principal incentivadora para que eu seguisse essa fantástica jornada. A minha família, em especial aos meus pais, Lívia e Manoel, que não mediram esforços para que eu tivesse uma educação de qualidade. Ao meu irmão Luiz Felipe, desde sempre uma referência para mim e que sempre me deu suporte nas minhas decisões. E também aos meus sogros Márcia e Emílio, por todo o apoio que têm me dado. Sem a contribuição dos meus familiares, eu não teria chegado até aqui. À professora Denise Fleck, por todos os ensinamentos durante o Mestrado, e por ter me aceito como orientado, sendo extremamente dedicada e buscando sempre o melhor para o meu trabalho, incentivando e cobrando quando necessário. Aos professores Maribel Suarez e José Vitor Bomtempo por terem aceitado participar da banca de avaliação e por se dedicarem para avaliar e contribuir com a minha dissertação. A todos os entrevistados que cederem parte dos seus tempos para me contar grandes histórias, sem as quais eu não poderia ter concluído o presente estudo. Um agradecimento especial a toda a equipe do Centro de Memória da Votorantim, por fazerem um trabalho fantástico e por me receberem tão bem e estarem sempre abertos para contribuir para a pesquisa. Aos meus colegas de Mestrado, em especial aos parceiros de seminários, pelo companheirismo e contribuições oferecidas ao longo desses últimos meses. Vocês todos foram uma grande fonte de aprendizado. Aos professores do Coppead pelos valiosos ensinamentos, e a toda equipe de colaboradores do Coppead, exemplos de funcionários públicos, corretos, eficientes e sempre dispostos a ajudar. Aos meus grandes amigos de Itajubá e do Rio, que me propiciaram importantes momentos de refúgio e diversão. Ao Thor, que embora não possa ler nenhuma linha do que está escrito aqui, é um amigo fiel e leal. Ao CNPq pela concessão da bolsa a que tive acesso durante o meu segundo ano de curso. E, finalmente, agradeço ao meu país, que apesar de todas as suas dificuldades, me proporcionou a oportunidade de cursar de forma gratuita um programa de Mestrado de excelência em nível mundial. Compreendo que junto com o título de Mestre em Administração, carrego o dever de contribuir diretamente para o desenvolvimento do Brasil. v RESUMO Pedrosa, Rafael Pereira de Araújo. Desafios do Crescimento de Empresas Diversificadas: Os Casos Matarazzo e Votorantim. Orientadora: Denise Fleck. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2014. Dissertação (Mestrado em Administração). Os grupos Matarazzo e Votorantim, possivelmente os dois principais grupos industriais da história do país, guardam certas similaridades em suas trajetórias. Protagonistas do processo de industrialização pelo qual o Brasil passou no início do século vinte, as organizações foram formadas por imigrantes europeus que se estabeleceram na cidade de Sorocaba e tiveram na indústria têxtil a base para a expansão e diversificação dos negócios. As semelhanças, no entanto, param por aí. Enquanto que a organização do Conde Matarazzo ampliou drasticamente o seu escopo de atividades, chegando a reunir mais de duas centenas de empresas que atuavam em diversos segmentos da economia, a Votorantim liderada por José Ermírio de Moraes foi uma das pioneiras na formação da indústria de base nacional, concentrando suas atividades principalmente nos setores de cimentos e metais. Assim, elas tiveram destinos distintos. As principais empresas que formavam a Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM) declinaram e pediram concordata em 1983. A Votorantim, por sua vez, ainda se mantém como um dos principais conglomerados do país. Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi compreender como essas organizações responderam aos desafios do crescimento propostos por Fleck (2009), buscando analisar se essas respostas contribuíram para o desenvolvimento de uma propensão à longevidade saudável ou à autodestruição em cada um dos casos. A análise sugere que a Matarazzo desenvolveu capacitações empreendedoras que contribuíram para o seu crescimento, mas não conseguiu gerir a complexidade e evitar a fragmentação em decorrência do intenso processo de expansão e diversificação. Além disso, dificuldades em se adaptar às mudanças do ambiente também contribuíram para a sua extinção. Respostas consistentes foram identificadas ao longo da trajetória da Votorantim, permitindo, ao mesmo tempo, o crescimento e a sustentação da integridade organizacional. Evidências apontam, no entanto, para respostas menos efetivas nos anos recentes, indicando que pode haver um risco para o futuro da organização. Palavras-chave: Crescimento da Firma; Declínio Organizacional; Longevidade Saudável; Diversificação vi ABSTRACT Pedrosa, Rafael Pereira de Araújo. Desafios do Crescimento de Empresas Diversificadas: Os Casos Matarazzo e Votorantim. Orientadora: Denise Fleck. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2014. Dissertação (Mestrado em Administração). The Matarazzo and Votorantim groups, possibly the two major industrial groups in the country's history, hold certain similarities in their trajectories. First, they were both protagonists of the industrialization process by which Brazil went through in the early twentieth century. Second, the organizations were formed by European immigrants who settled in the city of Sorocaba and had in the textile industry the basis for the expansion and diversification of their business. The connections, however, end there.While the organization formed by Francesco Matarazzo dramatically expanded its scope of activities, encompassing more than two hundred companies in various segments of the economy, Votorantim, led by José Ermírio de Moraes, was a pioneer in Brazilian basic industry, focusing its activities mainly on cement and metals sectors. Thus, they had different destinations. The main companies that formed the Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM) declined and filed for bankruptcy in 1983. Votorantim, in turn, still stands as one of the leading conglomerates in the country. Therefore, this study aims to understand how these organizations responded to the growth-related challenges proposed by Fleck (2009), seeking to analyze whether these responses contributed to the development of a propensity for self-destruction or healthy longevity in each case. The analysis suggests that Matarazzo developed entrepreneurial capabilities which contributed to its growth, but was not able to deal with complexity and avoid the fragmentation due to the intense process of growth and diversification. Furthermore, difficulties in adapting to environmental changes also contributed to its extinction. Consistent responses were identified along Votorantim´s trajectory, allowing, at the same time, the growth and the preservation of the organizational integrity. Evidence points, however, to less effective responses in recent years, indicating that there may be risk to the future of the organization. Keywords: Growth of the Firm; Organizational Decline; Healthy Longevity; Diversification. vii LISTA DE ABREVIATURAS BB Banco do Brasil BNDE Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (depois BNDES) BNDES Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica CBA Companhia Brasileira de Alumínio CMM Companhia Mineira de Metais CIESP Centro das Indústrias do Estado de São Paulo CIFTSP Centro da Indústria de Fiação e Tecelagem de Algodão de São Paulo CIP Conselho Interministerial de Preços CSN Companhia Siderúrgica Nacional EBITDA Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation And Amortization EUA Estados Unidos da América FAAP Fundação Armando Alvares Penteado FGV Fundação Getúlio Vargas FHC Fernando Henrique Cardoso FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo IBAR Indústria Brasileira de Artigos Refratários IME Indústria Matarazzo de Energia IRFM Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo JK Juscelino Kubitschek PIB Produto Interno Bruto PNDII Plano Nacional de Desenvolvimento SDV Sistema de Desenvolvimento Votorantim SGV Sistema de Gestão Votorantim VC Votorantim Cimentos VCP Votorantim Celulose e Papel VCPS Votorantim Cimentos Production System VID Votorantim Industrial VM Votorantim Metais VPAR Votorantim Participações viii LISTA DE TABELAS Tabela 2-1 - Cinco Desafios do Crescimento ...................................................................... 10 Tabela 3-1 - Comparativo Cronológico Entre Matarazzo e Votorantim ........................... 20 Tabela 3-2 – Relação dos Entrevistados .............................................................................. 24 Tabela 3-3 – Relação dos relatos obtidos no Centro de Memória Votorantim ............... 24 Tabela 3-4– Dimensões Utilizadas para a Análise ............................................................. 26 Tabela 4-1 - Crescimento da Produção de Café e da População nas Zonas Cafeeiras ..................................................................................................................................................... 29 Tabela 4-2 - Evolução da Produção Industrial de São Paulo ............................................ 32 Tabela 4-3 - Importações Através do Porto de Santos, 1909-1918 (milhares de toneladas métricas) .................................................................................................................. 33 Tabela 4-4 - Balança Comercial do Brasil, 1904 – 1918 .................................................... 33 Tabela 4-5 - Distribuição por Idade das Máquinas da Indústria Têxtil em 1939 ............ 44 Tabela 4-6- Aspectos Gerais da Indústria: 1928 – 1939 .................................................... 45 Tabela 4-7 - Participação dos Itens Importados em Diversos Setores ............................ 51 Tabela 4-8 - Mudanças na Estrutura Industrial Brasileira: 1939 - 1963 .......................... 52 Tabela 4-9 - Crescimento da Indústria entre 1957 e 1977 ................................................ 54 Tabela 4-10 - Taxas de Crescimento de Subsetores (1971-1989) .................................. 59 Tabela 4-11 – Principais Privatizações Realizadas Durante a Década de 1990 ........... 60 Tabela 4-12 -- Participação dos Setores da Atividade Econômica no PIB em Anos Selecionados ............................................................................................................................. 66 Tabela 5-1- Patrimônio da IRFM em 1911 ........................................................................... 72 Tabela 5-2 – Grupo Matarazzo em 1934 .............................................................................. 88 Tabela 5-3 - Evolução do capital social da Matarazzo (em milhões de cruzeiros) ........ 91 Tabela 5-4 - Divisão da Matarazzo em Empresas ............................................................ 103 Tabela 5-5 Composição do Faturamento da IRFM por Setor (%) .................................. 105 Tabela 5-6 – Perfil do Grupo Matarazzo em 1993 ............................................................ 108 Tabela 6-1 - Evolução da Produção anual de Cimento em Toneladas ......................... 126 Tabela 6-2 – Quarta Geração da Família Ermírio de Moraes ......................................... 139 Tabela 6-3 – Unidades de Negócio da Votorantim em 2001 ........................................... 140 Tabela 6-4 – Participação da Votorantim no Mercado Brasileiro, por Negócio ............ 140 Tabela 7-1 - Importações Através do Porto de Santos, 1909-1918 (milhares de toneladas métricas) ................................................................................................................ 160 Tabela 7-2 – Avanço das Unidades Têxteis do Grupo Matarazzo entre 1939 e 1952 162 Tabela 7-3 – Relação de Unidades Descontinuadas ou Vendidas Entre as Décadas de 1950 e 1970............................................................................................................................. 185 Tabela 7-4 – Lucro Médio da Matarazzo Entre 1912 e 1929 .......................................... 188 Tabela 7-5 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1881 e 1911 ...................... 194 Tabela 7-6 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1911 e 1937 ...................... 196 Tabela 7-7 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1937 e 1955 ...................... 198 Tabela 7-8 – Resumo das Respostas da Matarazzo entre 1955 e 1983 ...................... 200 Tabela 7-9 – Evolução da produção brasileira de alumínio primário segundo entre 2000 e 2009 (em mil t) ........................................................................................................... 223 ix Tabela 7-10 – Divisão das operações da Votorantim entre os membros da terceira geração .................................................................................................................................... 232 Tabela 7-11 – Resumo da capacidade e vendas da VM ................................................. 260 Tabela 7-12 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 1900 e 1918 ................... 267 Tabela 7-13 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 1918 e 1973 ................... 270 Tabela 7-14 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 1973 e 2000 ...................273 Tabela 7-15 – Resumo das Respostas da Votorantim entre 2000 e 2014 ................... 275 x LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 4-1 - Movimento Migratório no Estado de São Paulo (1871 – 1900) ................. 30 Gráfico 4-2– Evolução da População Brasileira .................................................................. 46 Gráfico 4-3 – Evolução das Populações Urbana e Rural no Brasil .................................. 47 Gráfico 4-4 - Distribuição Setorial do PIB (1950 – 89) ....................................................... 48 Gráfico 4-5 - Relação de Produção e Consumo de Energia Elétrica ............................... 54 Gráfico 4-6 - Cotação Internacional do Petróleo (US$) ...................................................... 55 Gráfico 4-7 - Saldo da Balança Comercial entre 1970 a 1989 (US$ milhões) ............... 56 Gráfico 4-8 - Inflação - IPCA (% a.a.) .................................................................................... 61 Gráfico 4-9 - Taxa de juros - Over / Selic - (% a.a.) ............................................................ 62 Gráfico 4-10 - Saldo da Balança Comercial entre 1990 e 2013 (US$ milhões) ............. 63 Gráfico 4-11 - Taxa de Câmbio (Real x Dólar) .................................................................... 64 Gráfico 4-12 - PIB da China em US$ - 1960 – 2013........................................................... 65 Gráfico 4-13 – Participação das vendas para a China no total das exportações do Brasil ........................................................................................................................................... 66 Gráfico 5-1 - Distribuição do Capital da IRFM ..................................................................... 73 Gráfico 5-2 - Distribuição do Capital da Indústrias Matarazzo do Paraná ...................... 78 Gráfico 6-1 - Evolução Financeira do Grupo entre 1942 e 1951 (em milhões de cruzeiros) ................................................................................................................................. 122 Gráfico 7-1 – Evolução do Tamanho da Matarazzo entre 1941 e 1980 ........................ 149 Gráfico 7-2 - Composição de Faturamento da Matarazzo em 1980 .............................. 186 Gráfico 7-3 – Margem líquida da IRFM entre 1943 e 1979 ............................................. 189 Gráfico 7-4 – Capital Social em relação ao PIB brasileiro ............................................... 190 Gráfico 7-5 – Percentual das Dívidas Sobre o Ativo Total ............................................... 190 Gráfico 7-6 – Evolução do Tamanho da Votorantim entre 1952 e 2013 ....................... 201 Gráfico 7-7 – Composição do EBITDA da VID em 2012 ................................................. 224 Gráfico 7-8 – Evolução do endividamento da VID (em milhares de Reais) .................. 264 Gráfico 7-9 – Evolução da Margem Líquida da Votorantim ............................................. 264 Gráfico 7-10 – Evolução dos investimentos da Votorantim (em bilhões de Reais) ..... 265 xi LISTA DE FIGURAS Figura 2-1 – Motor do Crescimento Contínuo ........................................................................ 7 Figura 2-2 - Modelo dos Requisitos para o Desenvolvimento de Propensão à Autoperpetuação ...................................................................................................................... 17 Figura 5-1 - Composição da Diretoria da IRFM ................................................................... 74 Figura 5-2 – Estrutura da Diretoria Executiva em 1976 ................................................... 100 Figura - 6-1 – Mapa da Localização das Empresas da Votorantim, por Setor em 1984 ................................................................................................................................................... 128 Figura 7-1 – Processo de Diversificação da Matarazzo entre 1900 e 1903 ................. 152 Figura 7-2 – Composição da IRFM em 1925 ..................................................................... 170 Figura 7-3 – Legenda do resumo das respostas aos desafios do crescimento ........... 192 Figura 7-4 – Respostas da Matarazzo entre 1881 e 1911 ............................................... 193 Figura 7-5 - Respostas da Matarazzo entre 1911 e 1937 ............................................... 194 Figura 7-6 – Respostas da Matarazzo entre 1937 e 1955 ............................................... 197 Figura 7-7 – Respostas da Matarazzo entre 1955 e 1983 ............................................... 199 Figura 7-8 – Estrutura industrial do grupo Votorantim na década de 1950 .................. 229 Figura 7-9 – Estrutura Organizacional da Votorantim em 2010 ...................................... 255 Figura 7-10 - Estrutura Organizacional da Votorantim em 2014 .................................... 256 Figura 7-11 – Expansão da Votorantim através de mecanismos de auto reforço ....... 259 Figura 7-12 – Respostas da Votorantim entre 1900 e 1918 ............................................ 266 Figura 7-13 – Respostas da Votorantim entre 1918 e 1973 ............................................ 268 Figura 7-14 – Respostas da Votorantim entre 1973 e 2000 ............................................ 271 Figura 7-15 – Respostas da Votorantim entre 2000 e 2014 ............................................ 273 xii SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 1 2 REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................................ 4 2.1 Empresas Familiares ................................................................................................. 4 2.2 Gestão de Empresas Diversificadas ....................................................................... 5 2.3 Crescimento e Declínio Organizacional .................................................................. 7 2.4 Arquétipos de Sucesso e Fracasso Organizacional ............................................. 9 2.4.1 Desafio do Empreendedorismo ...................................................................... 11 2.4.2 Desafio da Navegação no Ambiente ............................................................. 12 2.4.3 Desafio da Gestão da Diversidade ................................................................ 13 2.4.4 Desafio da Gestão de Recursos Humanos .................................................. 14 2.4.5 Desafio da Gestão da Complexidade ............................................................ 15 2.4.6 Desafio da Folga Organizacional ................................................................... 15 2.4.7 Interação Entre os Desafios ............................................................................ 16 3 MÉTODO DE PESQUISA ............................................................................................... 18 3.1 Definição do Tema e dos Objetos de Estudo....................................................... 18 3.2 Estratégia de Pesquisa ............................................................................................ 20 3.3 Coleta de Dados ....................................................................................................... 21 3.4 Processamento e Análise dos Dados ................................................................... 25 4 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E INDUSTRIAL DO BRASIL ........................ 28 5 HISTÓRICO MATARAZZO ............................................................................................. 68 6 HISTÓRICO VOTORANTIM .........................................................................................109 7 ANÁLISE .......................................................................................................................... 148 7.1 Análise das Respostas da Matarazzo aos Desafios do Crescimento ............ 148 7.1.1 Desafio do Empreendedorismo .................................................................... 149 7.1.2 Desafio da Navegação no Ambiente ........................................................... 159 7.1.3 Desafio da Gestão da Diversidade .............................................................. 168 7.1.4 Desafio da Provisão de Recursos Humanos ............................................. 177 7.1.5 Desafio da Gestão da Complexidade .......................................................... 182 7.1.6 Gestão da Folga Organizacional .................................................................. 187 7.1.7 Resumo das Respostas da Matarazzo aos Desafios do Crescimento .. 191 7.2 Análise das Respostas da Votorantim aos Desafios do Crescimento ........... 201 7.2.1 Desafio do Empreendedorismo .................................................................... 202 7.2.2 Desafio da Navegação no Ambiente ........................................................... 218 xiii 7.2.3 Desafio da Gestão da Diversidade .............................................................. 228 7.2.4 Desafio da Provisão de Recursos Humanos ............................................. 241 7.2.5 Desafio da Gestão da Complexidade .......................................................... 250 7.2.6 Gestão da Folga Organizacional .................................................................. 257 7.2.7 Resumo das Respostas da Votorantim aos Desafios do Crescimento . 265 8 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 276 8.1 Considerações Finais Sobre a Matarazzo .......................................................... 276 8.2 Considerações Finais Sobre a Votorantim ......................................................... 278 8.3 Principais Diferenças Identificadas ...................................................................... 279 8.4 Contribuições do Estudo ....................................................................................... 280 8.5 Propostas Para Pesquisas Futuras ..................................................................... 282 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 283 ANEXOS .................................................................................................................................. 300 1 1 INTRODUÇÃO O sucesso e fracasso organizacional é um tema que atrai grande interesse por parte dos gestores e pesquisadores (Chandler, 1977; Wheten, 1980, 1987; Fleck, 2009). Entretanto, diante do vasto leque de teorias e ferramentas gerenciais desenvolvidas nas últimas décadas, pouca congruência tem sido encontrada sobre o que leva uma empresa a crescer e se perpetuar, enquanto outras declinam e fracassam. Segundo Fleck (2009), com certa frequência, os casos de sucesso empresariais atuais se transformam mais tarde em grandes pesadelos corporativos. Fleck (2009) destaca ainda que o sucesso organizacional não está relacionado a um estado final que possa ser alcançado, mas sim com a propensão à autoperpetuação que pode ser desenvolvida por uma empresa à medida que ela desenvolve respostas saudáveis aos desafios do crescimento. Por outro lado, o fracasso organizacional é definido como o estágio final de um processo de declínio. Assim, os gestores devem atuar constantemente com o objetivo de aproximar as organizações do polo da autoperpetuação, evitando que a organização seja lançada em um processo de declínio. Portanto, estudar e compreender as condições necessárias para que uma empresa desenvolva essa propensão à longevidade saudável torna-se um tema relevante para o estudo de gestão de organizações. No Brasil, verifica-se uma grande carência sobre dados econômicos e empresariais, assim como estudos corporativos de qualidade (BETHLEM, 1999). Sabe-se, no entanto, que há no país um alto nível de mortalidade empresarial, aliado a um ambiente econômico instável para a condução dos negócios. Entretanto, casos de empresas longevas como Souza Cruz (GRIGOROVSKI, 2004), Gerdau (VIEIRA, 2007) e Klabin (BARBOSA, 2008) indicam que a capacidade de atuações dos gestores pode evitar o fracasso mesmo em situações adversas. Por outro lado, ser reconhecida como uma organização vencedora em seu mercado não garante a longevidade saudável e a autoperpetuação. Mesbla (RODRIGUES, 2005) e Varig (OLIVEIRA, 2011) são exemplos notáveis de empresas que foram líderes de seus setores, mas não conseguiram sustentar a sua posição e sucumbiram. Ao lançarmos um olhar sobre o processo de industrialização do Brasil, é possível encontrar duas características importantes. A primeira está relacionada ao protagonismo das empresas familiares na formação e desenvolvimento dos primeiros negócios de base industrial. A segunda aponta para uma tendência em se buscar a diversificação dos negócios como forma de proteção à instabilidade do ambiente. É possível apontar duas organizações com esse perfil que se destacaram e figuraram entre as maiores do país: Matarazzo e Votorantim. 2 Constituídas por imigrantes europeus que chegaram ao Brasil no fim do século XIX, foram pioneiras na formação das primeiras unidades fabris, no interior do Estado de São Paulo, além de terem sido fundadores das principais associações industriais do país. As semelhanças, no entanto, não se estendem por muito mais do que estes pontos. O complexo industrial formado por Francesco Matarazzo cresceu através de um intenso processo de diversificação e se transformou em uma das maiores corporações industriais do mundo em sua época, reunindo mais de duas centenas de empresas diferentes que atuavam em diversos setores da economia. Assim, se manteve por décadas como maior organização empresarial nacional até iniciar um processo de declínio, após a Segunda Guerra Mundial, que culminou com um pedido de concordata em 1983. Atualmente, pouco resta do império fundado há mais de um século. Com uma história também centenária, a Votorantim iniciou sua trajetória industrial no início do século XX atuando no setor têxtil. Embora com menos intensidade, passou a diversificar os seus negócios sob o comando de José Ermírio de Moraes entre os anos 30 e 50, tornando-se o maior grupo industrial do Brasil no início da década de 1980. Atualmente, a Votorantim se mantém como uma das principais empresas brasileiras com atuação principalmente orientada para commodities e presença em vários países do mundo. Sendo assim, constata-se que os grupos tiveram um histórico inicial similar, vivenciando os mesmos acontecimentos do ambiente econômico nacional, mas passaram a percorrer caminhos diferentes. Geralmente atribui-se a queda da Matarazzo à questão de sucessão familiar e destaca-se a Votorantim pela maneira como tratou essa questão. O processo sucessório é, naturalmente, uma questão crucial das empresas familiares. Segundo Bethlem (1990), menos de 15% dos negócios de família sobrevivem após a terceira geração. Entretanto, não é possível apontar esta questão como única. Por isso, a intenção desse trabalho foi reunir as principais informações desses “dois gigantes” com o intuito de compreender o que levou as organizações a desenvolverem trajetórias distintas ao longo dos anos. É importante destacar que a Matarazzo e a Votorantim foram organizações contemporâneas, vivenciaram e contribuíram para o desenvolvimento da indústria, permitindo que o estudo ofereça pontos de comparação entre as duas organizações. “Votorantim, maior do Brasil, cuja história tem pontosde contato com a da Matarazzo. Na origem, na época de início, na cor verde-amarela, no papel essencial do imigrante-empresário fundador, na 3 concorrência em mercado, na disputa de atividades e projetos” (COUTO 2 , 2004, p. 341). Portanto, utilizando os Arquétipos de Sucesso e Fracasso Organizacional propostos por Fleck (2009), a presente pesquisa buscou responder a seguinte pergunta: Como dois dos principais grupos industriais brasileiros responderam aos desafios do crescimento? Para atingir esse objetivo, o trabalho foi estruturado em oito capítulos. O presente capítulo introduz as considerações e proposta da pesquisa. O capítulo 2 discorre sobre o arcabouço teórico empregado no processo de análise, apresentando principalmente as teorias propostas por Fleck (2009), Penrose (1980), Chandler (1962 e 1977) e Selznick (1957). O capítulo 3 apresenta o método utilizado para a abordagem da pesquisa e para a coleta, classificação e análise dos dados. A descrição do ambiente o qual as empresas deste estudo fazem parte é exposta no capítulo 4. Nele apresenta-se uma narrativa do desenvolvimento econômico e industrial brasileiros desde o fim do século XIX até 2013. O histórico das empresas Matarazzo e Votorantim são apresentados nos capítulos 5 e 6, respectivamente, com um resumo dos fatos e eventos relevantes das suas trajetórias. O resultado da análise é discutido no capítulo 7, com a apresentação das respostas aos desafios do crescimento de cada uma das empresas. Finalmente, as considerações finais são desenvolvidas no capítulo 8, no qual são comentadas também as contribuições da pesquisa e as recomendações para trabalhos futuros. 4 2 REVISÃO DE LITERATURA O presente capítulo apresentará o arcabouço teórico que auxiliou a análise das trajetórias da Matarazzo e da Votorantim. Primeiro, serão discutidos aspectos referentes à gestão de empresas familiares e de empresas diversificadas. Em seguida, será realizada uma contextualização sobre as teorias do crescimento e de declínio organizacional. Finalmente, serão apresentados os Arquétipos do Sucesso e Fracasso Organizacional de Fleck, que serviram de base para o diagnóstico das organizações. 2.1 Empresas Familiares De acordo com Gonçalves (2000), a caracterização de uma empresa como familiar está relacionada à existência de três condições: a) a empresa é propriedade de uma família, detentora da totalidade ou da maioria das ações ou cotas, de forma a ter o seu controle econômico; b) a família tem a gestão da empresa, cabendo a ela a definição dos objetivos, das diretrizes e das grandes políticas; c) a família é responsável pela administração do empreendimento, com a participação de um ou mais membros no nível executivo mais alto. Até a década de 1950, a empresa familiar brasileira esteve presente em quase todos os segmentos da economia nacional, desde a agricultura, passando pela indústria têxtil, de alimentação e de serviços (GONÇALVES, 2000). De acordo com Bethlem (2000), essa atuação diversificada sobrecarregou os recursos gerenciais e de capital das organizações familiares. Entretanto, o autor afirma que práticas protecionistas, assim como restrições a investimentos e, algumas vezes, também cambiais, tornaram a diversificação local a única maneira possível de crescer. As características de um negócio familiar foram responsáveis pelo seu sucesso relativo nesse processo de industrialização. Sua estrutura informal, por exemplo, facilitava decisões rápidas, o que era uma vantagem numa região sujeita a instabilidades políticas e econômicas. Além disso, essas empresas costumam ter valores fortes compartilhados, frequentemente originados a partir da visão do fundador, e tradições que ajudam a trazer a lealdade dos funcionários (BETHLEM, 2000). Entretanto, com a abertura dos mercados da América Latina para concorrentes multinacionais, o cenário se alterou. Competidores locais, com negócios diversificados, passaram a ter dificuldades de competir com as empresas estrangeiras que entravam no mercado, pois elas traziam mais habilidades gerenciais, maior acesso ao capital e possibilidade de oferecer produtos e serviços melhores e a preços mais baixos. Como 5 consequência, as empresas familiares da América Latina passaram a correr o risco de saírem do mercado ou tornarem-se alvo de aquisições (BETHLEM, 2000). Vale ressaltar, ainda, a dificuldade das empresas familiares conseguirem se autoperpetuar ao longo das gerações. Segundo Bethlem (1999), evidências empíricas sugerem que a primeira geração geralmente constrói a empresa e a segunda a mantém, enquanto a terceira esbanja seus recursos. De acordo com o autor, menos de 15% dos negócios de família sobrevivem após a terceira geração. A Matarazzo contribuiu para as estatísticas ao pedir concordata sob o comando de Maria Pia, da terceira geração. A Votorantim, por sua vez, realizou três processos sucessórios e, após um processo de profissionalização, prepara a quinta geração para atuar no Conselho. 2.2 Gestão de Empresas Diversificadas De acordo com Chandler (1990), os CEOs se tornaram aficionados por diversificações a partir da década de 1960. O número de aquisições e fusões triplicou em um período de quatro anos, chegando a seis mil em 1969. Segundo o autor, entre 1963 e 1972, aproximadamente três quartos dos ativos adquiridos foram para a diversificação de produtos. Entretanto, Porter (1987) propõe que as organizações falharam em desenvolver estratégias corporativas eficazes em tornar os conglomerados em mais do que a simples soma das partes. Chandler (1990) afirma que isso levou à separação entre a gestão de topo das corporações e a gerência média responsável pelas unidades de negócio. Isso ocorreu devido a dois motivos principais. Primeiro, os executivos frequentemente não dispõem do conhecimento específico dos negócios que eles adquirem. Segundo, a diversificação gerou sobrecarregou a tomada de decisão na medida em que os grupos passaram a ter dezenas de negócios para gerenciar. Ghoshal e Mintzberg (1994) afirmam que não existem métodos formais para gerenciar empresas com negócios diversificados. Por isso, destacam a dificuldade de esses grupos desenvolverem uma estrutura adequada. Segundo os autores, é comum enxergar movimentos de pêndulos nos quais as organizações vão da centralização para a descentralização e depois acabam retornando para a condição inicial, sem conseguir encontrar a fórmula correta. Assim, Ghoshal e Mintzberg (1994) afirmam que a estruturação de uma organização diversificada envolve mais do que as tradicionais modelos de divisões (por produtos, regiões, etc) e tipos de controle (financeiro, estratégico, etc). Para eles, 6 uma questão central na gestão de empresas diversificadas está no trade off entre autonomia e sinergia. Para isso, propõem que as organizações devem desenvolver métodos que sustentem o planejamento de sistemas e recursos visando a formalização e geração de controles. Ao mesmo tempo, devem manter a capacidade adaptativa, fomentando a renovação e o aprendizado dos diversos negócios. Para tudo isso funcionar, os negócios devem ser sólidos e a gerência de topo deve fornecer o impulso necessário para a criação dos empreendimentos e continuar fornecendo a energia para sustentar a viabilidade e evitar o colapso das unidades. Além disso, a cultura passa a ser o fator necessário para unir todos os elementos e manter a solidez entre as partes. Organizações diversificadas podem ser formados através de expansões orgânicas e, principalmente como resultados de processos de fusões e aquisições. Segundo Penrose (1980), as aquisições podem ser consideradas o caminho mais curto para o crescimento quando criam novas organizações maiores e que forneçam as condições necessárias parapermitir a continuidade do crescimento. Porter (1987), por sua vez, afirma que a iniciativa de uma organização de se lançar em novos negócios pode ser freada pelas barreiras de entrada de uma indústria, fazendo com que a aquisição passe a ser uma opção para a expansão. Dessa forma, Penrose (1980) afirma que sempre que as aquisições forem visualizadas como uma possibilidade mais rentável para a expansão haverá uma tendência dos gestores seguirem este caminho. Entretanto, processos de aquisição são complexos e exigem um conjunto de condições necessárias para o seu sucesso. De acordo com Ashkenas et al (1998), as aquisições são experiências dolorosas e que geram grande ansiedade nas pessoas, pois envolvem demissões, reestruturação de responsabilidades e mudança de poder. Além disso, de acordo com Penrose (1980), se por um lado as aquisições podem ser a maneira mais rápida e eficiente para uma firma se expandir, também é um caminho pelo qual empreendedores ambiciosos conseguem atingir resultados notáveis e criar um grande império. Nesse sentido, muitas vezes não geram resultados satisfatórios de longo prazo. Os estudos de Porter (1987) indicaram, por exemplo, que trinta e três grandes corporações norte americanas mantiveram menos da metade dos negócios adquiridos entre 1950 e 1986. Segundo o autor, as organizações que foram consideradas bem sucedidas nos processos de aquisição demonstraram que o reconhecimento da inter- relação entre as partes e da manutenção de uma identidade corporativa forte foram fatores tão importantes quanto os resultados financeiros esperados após as operações. 7 2.3 Crescimento e Declínio Organizacional Segundo Fleck (2009), o sucesso da firma está atrelado à sua capacidade de criar e estimular capacitações que garantam a sua existência. Por outro lado, o declínio ocorre quando há o enfraquecimento ou a falta de habilidade de adaptar essas capacitações diante dos desafios do crescimento. Chandler (1977) destaca duas motivações principais para a expansão de uma organização: a defensiva e a produtiva. A primeira é um movimento de segurança, com o objetivo de limitar o potencial de entrada de novos competidores e de perda de participação no mercado. A segunda é mais positiva e visa a utilização mais intensiva e eficiente dos recursos disponíveis, gerando aumento de produção e ganhos de escala e escopo. Penrose (1980) complementa essa visão e propõe que mais do que as oportunidades oferecidas pelo ambiente, os recursos internos de uma organização fornecem o principal impulso para direcionar os esforços para o crescimento. Vale destacar que, segundo a autora, uma organização não consegue atingir uma posição de equilíbrio que não gere incentivos para o crescimento devido a três motivos principais: a indivisibilidade dos recursos, o uso especializado dos recursos e a heterogeneidade dos recursos. Fleck (2003) corroborou as visões de Chandler e Penrose e apresentou o motor do crescimento (figura 2.1) contínuo o qual é constituído de três blocos principais: desequilíbrio – algum tipo de desequilíbrio ocorrendo dentro ou ao redor da firma; expansão – algum tipo de expansão resultante da percepção de oportunidades de crescimento associadas ao desequilíbrio; e mecanismo de reforço – algum tipo de mudança produzido durante o processo de expansão, podendo intensificar o desequilíbrio. Figura 2-1 – Motor do Crescimento Contínuo Fleck (2003) 8 Dessa forma, os recursos são fundamentais tanto por permitir, quanto por direcionar o crescimento saudável das organizações. Entretanto, mesmo empresas que atuam em uma mesma indústria e detém recursos similares poderão não aplica- los da mesma forma. March (1991) destaca a importância de se manter um equilíbrio dinâmico entre o esforço da empresa na exploração de novas competências centrais e o aperfeiçoamento das competências centrais já estabelecidas dentro da empresa. Dessa forma, o autor afirma que a exploração de novas alternativas (exploration) normalmente implica em retornos incertos. Por outro lado, o desenvolvimento das competências existentes (exploitation) normalmente resulta em retornos rápidos que reforçam o desempenho da organização no curto prazo, trazendo ainda menos incerteza em comparação à experimentação de novas iniciativas. Outra questão que envolve o crescimento está relacionada à estrutura organizacional. Chandler (1962) concluiu a partir de seus estudos sobre o crescimento de grandes corporações norte-americanas que na medida em que as empresas crescem, a estrutura organizacional tende a migrar para um modelo multifuncional dividido em departamentos especializados. O autor ainda destaca que o crescimento da firma envolve, inicialmente, a concepção de uma estratégia que, por sua vez, exige a adaptação da estrutura organizacional para uma forma mais adequada para o gerenciamento dos recursos da empresa. Dessa forma, o autor afirma que o crescimento sem os ajustes necessários na estrutura leva somente à ineficiência econômica. A adaptação da estrutura apresentada por Chandler é, portanto, o primeiro grande desafio decorrente do processo de crescimento. Greiner (1998) oferece uma visão complementar à de Chandler e discute que o processo de crescimento das empresas apresenta períodos de evolução e revolução. O primeiro se caracteriza por uma fase tranquila de crescimento, enquanto o segundo envolve crise. Assim, na visão do autor, a adaptação da estrutura não é apenas um processo reativo à estratégia, mas um gatilho que direciona novas estratégias e, por consequência, o processo de crescimento. De forma geral, o crescimento organizacional se tornou uma suposição implícita nos estudos organizacionais, uma vez que empresas grandes passaram a ser vistas como eficientes, além de haver um aspecto cultural relacionado ao “quanto maior, melhor” e pela correlação entre a longevidade e o tamanho das organizações (WHETTEN, 1980). De acordo com Penrose (1980), as grandes firmas detém uma série de vantagens competitivas em relação às pequenas empresas. Entre elas é possível destacar o acesso a montantes maiores de crédito com juros mais baixos, que aumentam o leque de oportunidades para a expansão. 9 Por outro lado, as ideias de autoperpetuação de uma organização também são confrontadas com as teorias que propõem que as empresas naturalmente passam por um processo de declínio, uma vez que grandes organizações se tornam muito complexas, rígidas, ineficientes e impessoais para se administrar (WHETTEN, 1987). Whetten (1980) apontou duas formas de declínio. O primeiro é o declínio pela estagnação relacionado a empresas com gestão ineficiente que sofrem com perda de participação no mercado. O segundo é o declínio pelo encolhimento quando todo o mercado é reduzido. Sull (1999) afirma que o maior problema das organizações quando enfrentam desafios e mudanças no ambiente é a inércia ativa. Segundo o autor, depois de encontrarem as fórmulas do sucesso, os gestores direcionam os seus esforços para melhorar e estender o seu sistema vencedor. Isto faz com que eles parem de analisar outras questões importantes e encontrar alternativas e soluções mais adequadas para os novos desafios organizacionais. Dessa forma, sem as capacitações necessárias para atuar diante de competidores armados com novos produtos e tecnologias, essas empresas veem suas receitas e lucros declinarem. Sull ainda discute que quando as condições do ambiente mudam, as empresas de maior sucesso são geralmente as mais lentas a se adaptar. Por isso, Chandler (1962) propõe que os desafios de uma grande empresa exigem do gestor a capacidade de equilibrar os objetivos de longo prazo com uma operação rotineira eficiente. Segundo o autor, isto leva a uma mudança no papel dos gestores que evolui da execução de atividades operacionaispara o planejamento, coordenação e alocação de recursos. Este delicado desafio torna-se mais complexo de acordo com o porte da organização, uma vez que esta se torna mais suscetível à existência de conflitos políticos por recursos e poder. 2.4 Arquétipos de Sucesso e Fracasso Organizacional Para Fleck (2003), a teoria do crescimento das organizações deveria buscar sistematicamente identificar e se basear nas condições necessárias, porém, insuficientes em detrimento das relações causais. Para a autora, embora tenham menor poder de realizar previsões se comparadas às relações causais, as relações de condições necessárias descrevem e explicam mais adequadamente os complexos processos associados ao crescimento da empresa. A melhor compreensão dos processos de crescimento permite um melhor gerenciamento do mesmo. Assim, o presente tópico apresenta o modelo de arquétipos utilizado como eixo central deste estudo e que busca identificar a propensão das empresas à 10 autoperpetuação ou à autodestruição. Entretanto, destaca-se que a organização não está necessariamente localizada em um polo ou outro e sim em algum ponto entre eles. A tabela 2.1 apresenta um resumo dos cinco desafios que compõem o modelo. Tabela 2-1 - Cinco Desafios do Crescimento Desafio Descrição Autodestruição Autoperpetuação Empreendedorismo Promoção de contínuo empreendedorismo a partir da disposição da empresa de realizar expansões com mecanismos de reforço e criação de valor sem expô-los a riscos desnecessários Baixo Baixos níveis de ambição, versatilidade, imaginação, visão, capacidade de levantar recursos financeiros e realização de expansões nulas ou defensivas Alto Altos níveis de ambição, versatilidade, imaginação, visão, capacidade de levantar recursos financeiros e realização de expansões produtivas ou híbridas Navegação no Ambiente Tratar com múltiplas partes interessadas para assegurar captura de valor e legitimidade Passivo Monitoramento ruim, mau uso de estratégias de navegação Ativo Monitoramento regular, uso correto de estratégias de navegação Gestão da Diversidade Manter integridade da firma diante do aumento de conflitos e rivalidades Fragmentação Fracasso no estabelecimento de relacionamentos de integração e de capacitações em coordenação Integração Estabelecimento bem sucedido de relacionamentos de integração e capacitações em coordenação Gestão de Recursos Humanos Prover a firma com recursos humanos qualificados de forma estável Tardia Ações no momento que existe necessidade ou depois dela Planejado Ações planejadas com antecedência Gestão da Complexidade Gerenciar problemas complexos e solucioná- los diante de aumento de complexidade Ad hoc Baixa capacitação para solução de problemas, utilizando rápida análise e sem aprendizado Sistemático Capacitação para solução de problemas promovendo a busca correta por soluções e aprendizado Fonte: Adaptado de Fleck (2009) 11 2.4.1 Desafio do Empreendedorismo Penrose (1980) afirma que a busca por novas oportunidades de negócios que propiciem o crescimento exigem uma postura empreendedora dos gestores e uma propensão para assumir novos riscos e gerar inovação. Dessa forma, propõe quatro dimensões que compõem os serviços empreendedores: ambição, versatilidade, capacidade para levantar recursos e julgamento. a) Ambição Está relacionada com a recorrente insatisfação com o status quo e, portanto, é a mola propulsora para o crescimento. Penrose (1980) classifica a ambição empreendedora em dois tipos: product-minded e empirebuilder. Os primeiros são empreendedores que orientam o crescimento organizacional através da melhoria da qualidade de seus produtos, mediante redução de custos, desenvolvimento de novas tecnologias, ampliação de mercados através da introdução de novos serviços para os clientes, ou pela introdução de novos produtos nos quais a firma tenha vantagens de produção ou distribuição. Esses empreendedores, portanto, buscam obter lucros através da melhoria e ampliação das atividades da organização. Para Penrose, contudo, existe outro grupo de empreendedores que é motivado por uma visão de formar uma grande e poderosa organização, se preocupando em obter lucros através da ampliação do escopo da organização. O empreendedor neste caso pode manter uma posição dominante em um ou mais mercados, ou, então, ampliar os seus negócios em quaisquer oportunidades que se mostrarem lucrativas. b) Versatilidade De acordo com Penrose (1980), a versatilidade empreendedora está relacionada com a capacidade de imaginação e visão de novas oportunidades que têm o potencial de impulsionar o crescimento da firma. Para isso, não podem ser impraticáveis e nem míopes. A autora ainda completa que um empreendedor que se mantém em sua zona de conforto, pode não ter as condições necessárias para considerar possibilidades mais amplas em relação à sua própria área de atuação. Dessa forma, a versatilidade está diretamente relacionada com a criação de valor. Segundo Lepak et al. (2007), a criação de valor é a diferença entre o valor do uso e o valor monetário de um bem. No nível organizacional, a criação de valor se dá a partir de inovação, com a introdução de novos produtos, serviços, métodos e tecnologias. 12 Penrose (1980) ainda propõe que expansões que envolvem a incursão em novos mercados exigem versatilidade para identificar o timing correto de entrada e uma capacidade de imaginação sobre o comportamento do ambiente. c) Capacidade de Levantar Recursos Segundo Penrose (1980), apesar de as pequenas firmas terem maior dificuldade de conseguir recursos financeiros em relação às grandes, algumas apresentam maior facilidade em levantar o capital necessário para o seu crescimento. Essa capacidade está relacionada a uma habilidade empreendedora específica capaz de gerar confiança e garantir os recursos para manter o nível de investimento exigido para o estabelecimento e crescimento da organização. d) Julgamento Penrose (1980) destaca que ao contrário das capacidades citadas anteriormente, o julgamento está apenas em parte relacionado às características do indivíduo. Para a autora, o problema do julgamento empreendedor envolve mais do que uma capacidade de imaginação, bom senso, autoconfiança e outras qualidades pessoais. Está, na verdade, intimamente relacionado com a coleta e a consulta de informações para avaliação dos riscos e das incertezas do ambiente, em face da expectativa de crescimento da organização, buscando evitar a superexposição ao risco. 2.4.2 Desafio da Navegação no Ambiente A navegação em um ambiente dinâmico está relacionada à capacidade de lidar, com sucesso, com os diversos stakeholders de uma organização com o objetivo de se garantir a captura de valor e a legitimidade organizacional. Dessa forma, enquanto o empreendedorismo está relacionado com a criação de valor, a navegação no ambiente, busca a captura de valor (FLECK, 2009). Para Lepak et al. (2007), a criação de valor não garante necessariamente a captura de valor. Isto ocorre, principalmente, devido à força dos competidores. Sendo assim, os autores afirmam que é possível apontar dois conceitos chave através dos quais se busca determinar qual parte consegue capturar o valor que é criado: competição e mecanismos de isolamento. A competição demonstra como o valor criado pode ser compartilhado com outros participantes do mercado, não ficando limitado com aquele que o crie. Já os mecanismos de isolamento, atuam como forma de limitar a perda deste potencial valor. Isso pode ocorrer através de qualquer barreira 13 intelectual, física ou legal que restrinja a capacidade dos competidores de replicar o valor criado. Ascondições de captura de valor podem, portanto, variar entre as indústrias. Chandler (1990), por exemplo, apresenta a lógica do first mover em indústrias intensivas em capital nas quais as pioneiras em investir em produção e distribuição, conseguindo obter economias de escopo e escala, se tornam as empresas líderes em seus setores. Segundo Barney (1986), as empresas que buscam altos retornos dos seus investimentos estratégicos devem se esforçar para criar ou modificar as características estruturais da indústria para favorecer os seus altos retornos. Nesse sentido, Porter (1979) aponta para a importância em se pensar na estratégia da empresa considerando o ambiente competitivo de toda a indústria, que englobam fornecedores, compradores, concorrentes diretos, produtos substitutos e novos entrantes da indústria, o qual pode ser caracterizado como o ambiente organizacional. Barney (1991) propõe que as firmas devem desenvolver vantagens competitivas sustentáveis desenvolvendo e implementando estratégias que exploram as suas forças através das oportunidades do ambiente, enquanto neutralizam as ameaças externas e minimizam as suas fraquezas. O autor destaca que para uma vantagem competitiva ser sustentável, os recursos utilizados pela empresa devem ser valiosos, raros, insubstituíveis e impossíveis de serem imitados perfeitamente. Vale destacar que a empresa não sofre pressões apenas dos atuantes diretos do mercado em que atuam, mas de todo o ambiente institucional que engloba questões políticas e sociais. Dessa maneira, para manter a legitimidade no ambiente, as organizações não devem se manter passivas às circunstâncias a que são submetidas. Pelo contrário, a empresa deve buscar responder às pressões externas de forma participativa, concebendo estratégias que tragam maior equilíbrio com os interesses da empresa (OLIVER, 1991). 2.4.3 Desafio da Gestão da Diversidade A heterogeneidade entre as diferentes partes de uma organização fomentam a formação de rivalidade e conflitos, ameaçando a integridade organizacional. Dessa forma, a gestão da diversidade envolve a sustentação da integridade organizacional em face do crescimento da diversidade de negócios, produtos, pessoas e tecnologias. Vale destacar que o uso de mecanismos de coordenação não extingue a heterogeneidade da organização. Pelo contrário, propicia a manipulação construtiva desses elementos estimulando a integridade organizacional (FLECK, 2009). 14 Selznick (1957) alerta que a rivalidade organizacional pode ser um dos principais desafios enfrentados por uma empresa. Na visão do autor a disputa de egos pode ir de encontro aos objetivos do grupo e trazer uma poderosa força que compromete a integridade do grupo. Mintzberg (1985) descreve essas arenas políticas e afirmar que podem repercutir em conflitos duradouros ou passageiros que, de acordo com a sua intensidade, têm o potencial de reforçar o processo de declínio organizacional, uma vez que a união dos esforços em busca de um propósito único torna-se praticamente impossível de se atingir. Por outro lado, Mintzberg destaca que essas forças opostas são naturais e, também, importantes para as organizações. Portanto, os gestores não tem opção senão abrigar as forças divergentes utilizá-las com o intuito de transformá-las em funcionais no cumprimento dos objetivos. O líder, portanto, tem um papel fundamental na proteção da integridade organizacional. Selznick (1957) afirma a liderança deve ter a capacidade de realizar a infusão de valores, objetivos e práticas na organização para que se tornem institucionalizados e tragam um caráter para a organização. Esses compromissos não podem ser feitos verbalmente, nem conscientemente. Eles são construídos dentro da estrutura social da organização. O autor ainda preconiza que a institucionalização de uma empresa é um processo formado pela sua história, as pessoas que fazem de sua estrutura e o modo no qual ela se adapta ao ambiente. Conforme já discutido anteriormente, as empresas diversificadas enfrentam uma forte tendência de fragmentação devido à diversidade dos negócios, pessoas e tecnologias. Portanto, o desafio para a coordenação e integração se fazem ainda mais presentes na gestão dessas organizações. 2.4.4 Desafio da Gestão de Recursos Humanos Para Penrose (1980), a principal restrição ao crescimento da empresa está relacionada à limitação do seu corpo gerencial. A autora aponta que a expansão no quadro de gestores através do recrutamento de pessoas externas não soluciona a carência de serviços gerenciais necessários ao crescimento. Isso ocorre porque esses serviços também decorrem da experiência construída ao longo do tempo pela equipe. Dessa forma, a formação, retenção e renovação de recursos humanos são condições necessárias para o crescimento contínuo das empresas. Se uma organização expande mais rapidamente do que a capacidade dos indivíduos de obter conhecimento e a experiência necessária para uma operação eficiente, o crescimento não será completo, podendo resultar, ainda, em estagnação (PENROSE, 1980). 15 Esse desafio, portanto, lida com a capacidade de antecipar necessidades e equipar a organização com recursos humanos qualificados de forma consistente. A dificuldade em prover a firma de profissionais capacitados no tempo adequado pode não só impedir o crescimento como também enfraquecer a integridade organizacional, como nos casos de recrutamento em massa de serviços gerenciais (FLECK, 2009). 2.4.5 Desafio da Gestão da Complexidade Segundo Fleck (2009), quanto maior uma organização, mais complexa ela tende a se tornar. Sendo assim, de acordo com a autora, o desafio da gestão da complexidade lida com o gerenciamento de questões complexas e a resolução de problemas que envolvem uma grande quantidade de variáveis com o intuito de evitar que a existência da organização seja colocada em risco em decorrência de avaliações insatisfatórias da situação. A solução de problemas complexos requer processos sistemáticos de coleta de dados, análise, tomada de decisão e implementação. Esse desafio, portanto, afeta a qualidade das respostas dos demais desafios. Segundo a autora, é possível classificar as respostas organizacionais a esse desafio como sistemáticas ou ad hoc. Lidar com problemas de forma sistemática envolve a busca contínua por soluções e o aprendizado organizacional. Soluções ad hoc, por sua vez, favorecem buscas rápidas por soluções, gerando práticas de “apagar incêndio” e inibindo o aprendizado. 2.4.6 Desafio da Folga Organizacional De acordo com Penrose (1980), a expansão exige que a empresa tenha recursos suficientes para cobrir os serviços distintos que irão surgir com o movimento de crescimento. Assim, para não fracassar, a organização deve garantir que os recursos sejam suficientes para sustentar o nível de investimento necessário para sobrepor as inovações e expansões dos concorrentes. Fleck (2009) propõe que a capacidade de auto renovação da organização é originada da folga da folga de recursos, isto é, de recursos gerados pelo processo de expansão. Essa folga pode ser gerada a partir de todos os tipos de recursos que excedam a necessidade operacional da organização em determinado nível de desempenho. Esses recursos incluem, portanto: pessoas, equipamentos, capital, reputação, etc. Segundo a autora, enquanto a expansão gerar folga, o crescimento continua a estimular mais crescimento, fomentando a expansão relacionada que aumenta a eficiência operacional. 16 Dessa maneira, a folga gera não só o impulso necessário para os movimentos de expansão, como também atua como um pulmão de recursos, oferecendo segurança para a empresa diante da imprevisibilidade do ambiente. 2.4.7 Interação Entre os Desafios Esses desafios estão interconectados entre si e operam como engrenagens,movimentando a empresa no sentido da autoperpetuação ou da autodestruição. A figura 2-2 apresenta essas inter-relações na forma de condições necessárias à condução da empresa ao sucesso de longo prazo. As respostas aos desafios do empreendedorismo e da navegação determinarão a capacidade da empresa de crescer e se renovar. Os desafios da diversidade e da gestão de recursos humanos estão relacionados com a manutenção da integridade organizacional. A folga de recursos contribui para o crescimento, como também para a integridade através dos mecanismos de integração e coordenação. O desafio da complexidade, por sua vez, influencia os demais. 17 Figura 2-2 - Modelo dos Requisitos para o Desenvolvimento de Propensão à Autoperpetuação 18 3 MÉTODO DE PESQUISA Segundo Fleck (2013), o processo de pesquisa é formado por quatro pilares: pergunta de pesquisa, referencial teórico, objeto de pesquisa e método. Assim, o primeiro passo para a elaboração deste trabalho foi a escolha do objeto a ser pesquisado. Em seguida, definiu-se a pergunta da pesquisa que levou ao arcabouço teórico e ao método utilizado para o desenvolvimento do estudo. Os tópicos a seguir apresentam o processo metodológico utilizado no trabalho. 3.1 Definição do Tema e dos Objetos de Estudo A motivação pelo tema foi despertada durante o Mestrado, especificamente na disciplina de Crescimento e Estratégia da Firma, quando o autor foi apresentado às teorias de crescimento e declínio das organizações, além de estudos de caso relacionados ao tema. Durante o curso, foi despertada no pesquisador uma curiosidade sobre o porquê algumas empresas declinam e morrem, enquanto que outras conseguem crescer e se manter perenes. Ao longo dos últimos anos, o Coppead vem concebendo a realização de diversos estudos sobre empresas brasileiras com o intuito de compreender esta questão. Assim, foram feitas pesquisas sobre empresas longevas como Gerdau, Klabin, Lojas Americanas, WEG, Souza Cruz, Marcopolo, Embraer, entre outras. Dissertações foram desenvolvidas, ainda, incluindo empresas que fracassaram. Entre elas, pode-se destacar a Mesbla, a Varig e a Engesa. Dessa forma, o interesse do pesquisador foi em contribuir para esse campo de pesquisa e estudar duas empresas longevas que exibissem certas similaridades, mas que tivessem apresentados destinos diferentes. Portanto, buscou-se escolher uma empresa que tenha declinado e fracassado e outra ainda ativa, para que fosse possível compreender como as respostas de cada uma das organizações, dentro de um contexto semelhante, podem ter contribuído para esses caminhos distintos. Sendo assim, foi realizada uma pesquisa prévia para elencar potenciais objetos de estudo. De acordo com Bethlem (1999), há uma grande carência sobre dados econômicos e empresariais no Brasil, o que gera dificuldade no desenvolvimento de estudos de qualidade. Por isso, havia uma preocupação de encontrar indústrias e empresas que poderiam oferecer informações em quantidade e qualidade o suficiente para o desenvolvimento da pesquisa. Inicialmente, o setor têxtil foi identificado como uma possibilidade de estudo por reunir algumas das empresas brasileiras mais longevas: Cedro e Cachoeira (1872), 19 Hering (1880), Karsten (1882) e Santanense (1891). Ao aprofundar o estudo sobre essa indústria, no entanto, surgiram informações sobre os grupos Matarazzo e Votorantim, que estiveram entre os principais produtores têxteis no início do século XX e, nas décadas seguintes, se diversificaram e se transformaram em dois dos maiores grupos industriais do Brasil. Apesar da longevidade e importância desses dois grupos, uma pesquisa inicial mostrou que ainda assim se tratavam de empresas pouco estudadas de forma longitudinal. Isso contribuiu para que o pesquisador considerasse a escolha preliminar dessas organizações como objetos de estudo. Nesse caso, o trabalho poderia trazer também uma nova contribuição à linha de pesquisa proposta por Fleck (2009) ao apresentar uma análise de empresas diversificadas brasileiras. Para que fosse possível prosseguir o estudo era importante responder duas questões. Primeiro, buscou-se verificar se eram empresas de certa forma comparáveis. Em segundo, por serem empresas familiares e de capital fechado, havia um receio quanto à disponibilidade de informações, principalmente em relação à Matarazzo, pois havia se completado trinta anos desde o pedido de concordata do grupo. Apesar disso, foi possível encontrar livros e reportagens sobre ambas as organizações. Verificou-se, ainda, que apesar de ser uma empresa de capital fechado, a Votorantim vinha divulgando os seus relatórios anuais há algumas décadas. Por isso, julgou-se que seria plausível coletar e organizar informações que permitissem uma análise robusta. Além disso, foi possível constatar que diferentemente do que se imaginava, as organizações foram de certa maneira contemporâneas. Apesar de a data de fundação da Votorantim ser oficialmente em 1918, constatou-se que antes disso já havia unidades industriais importantes na composição do grupo, além do desenvolvimento de traços organizacionais que tiveram um papel crucial na trajetória de crescimento da organização. A tabela 3-1 apresenta o ano de acontecimentos decisivos na história dos grupos. Assim, é possível verificar que a formação e o desenvolvimento das organizações Matarazzo e Votorantim ocorreram em períodos muito próximos e que, dessa maneira, ambas vivenciaram momentos históricos do país, como o processo de industrialização nacional. Portanto, julgou-se que seria pertinente compreender como as duas organizações responderam aos desafios do crescimento. 20 Tabela 3-1 - Comparativo Cronológico Entre Matarazzo e Votorantim Marco Matarazzo Votorantim Dif. (anos) Nascimento do fundador 1854 1874 20 Chegada ao Brasil 1881 1884 3 Abertura do primeiro negócio 1882 1892 10 Migração para a indústria 1900 1 1905 3 5 Formalização do grupo principal 1911 2 1918 4 7 1 Fundação da Moinho Matarazzo 2 Fundação das Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo 3 Fundação da Fábrica de Óleos Santa Helena 4 Aquisição da fábrica têxtil Votorantim A partir da escolha dos objetos de estudo, estabeleceu-se para a pesquisa a seguinte questão: Como dois dos principais grupos industriais brasileiros responderam aos desafios do crescimento? Para responder a essa pergunta, utilizou o arcabouço teórico de Fleck (2009), já discutido anteriormente. 3.2 Estratégia de Pesquisa A presente pesquisa compreende o estudo de caso de duas organizações industriais brasileiras. De acordo com Yin (2001), a investigação de estudo de caso baseia-se em várias fontes de evidências, beneficiando-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para conduzir a coleta e a análise de dados. Segundo o autor, o método é apropriado para casos onde a questão da pesquisa é do tipo “como e porque”. Vale destacar que a utilização de mais casos acrescenta robustez ao estudo. Para isso, utilizou-se uma abordagem qualitativa na qual o pesquisador deve fazer observações e, sempre que possível, coletar evidências sobre os objetos de estudo (MARTINS, 2010). A abordagem longitudinal de análise deu-se a partir da decomposição histórica das organizações em eventos cronológicos. Assim, foram levantados e analisados eventos referentes aos diversos negócios de cada uma das corporações, desde os primeiros movimentos profissionais dos empreendedores até os dias atuais. Ao mesmo tempo, foi necessário levantar as informações do ambiente relevante, referente ao mesmo período, para que fosse possível contextualizar os movimentos de cada organização de acordo com as condições externas. 21 3.3 Coleta de Dados A busca de dados secundários foi iniciada através de sebos,onde se esperava encontrar livros e revistas sobre as empresas e a industrialização brasileira a preços acessíveis. Primeiramente, foi utilizado o sistema de buscas integrado Estante Virtual (http://www.estantevirtual.com.br) que oferece acesso a um grande acervo de títulos em estabelecimentos por todo o país. A partir dessa busca, identificou-se uma grande concentração de sebos na região da Praça da Sé em São Paulo. Dessa forma, foi realizada uma visita ao local onde foram encontrados novos títulos que poderiam contribuir com a pesquisa. Assim, foram adquiridos os seguintes livros que serviram como base para o levantamento de dados e organização das informações sobre as empresas e o ambiente: a) A Industrialização de São Paulo de Warren Dean; b) A Industrialização e o Desenvolvimento Econômico do Brasil de Werner Baer; c) A Economia Brasileira de Werner Baer; d) Matarazzo: Travessia e Colosso Brasileiro de Ronaldo Costa Couto; e) Matarazzo: 100 anos, livro comemorativo da empresa; f) Conde Matarazzo: O Empresário e a Empresa de José de Souza Martins; g) José Ermírio de Moraes: O Homem, a Obra de João de Scantimburgo; h) Votorantim 90 Anos: Uma História de Trabalho e Superação de Jorge Caldeira; Paralelamente a esta atividade, realizou-se buscas em bancos de dados acadêmicos. Foram identificadas três dissertações, artigos, além de uma tese de doutorado que complementaram as informações anteriores. Durante a pesquisa preliminar, verificou-se também que a Votorantim mantém um Centro de Memória no bairro de Jaguaré, em São Paulo. Assim, em outubro de 2013 foi realizada uma visita ao local, onde foram levantados relatórios anuais, vídeos e outros documentos sobre a empresa. Mais uma visita seria realizada em janeiro de 2014 para que todo o material considerado pertinente pudesse ser coletado. Outra importante fonte de informação foi o Acervo Digital mantido pelo jornal O Estado de São Paulo (http://acervo.estadao.com.br), reunindo edições digitalizadas desde 1880. Foi realizada uma grande varredura por todo o período para as duas empresas. A pesquisa do termo Matarazzo no acervo do Estadão gerou cerca de 45 mil registros, muitos deles relacionados a pessoas que não remetiam às atividades do grupo. Apesar do número alto, decidiu-se prosseguir com esse termo, pois aumentaria as chances de encontrar informações sobre qualquer empresa do grupo ou sobre os Condes Francesco e Chiquinho. No acervo, foram encontrados relatórios anuais da 22 Matarazzo entre 1942 e 1983 que permitiram o desenvolvimento da curva de crescimento do grupo para este período. Além disso, foram identificadas reportagens sobre o grupo, embora grande parte do material, principalmente do começo do século XX, fosse referente a propaganda. O termo Votorantim gerou bem menos registros, cerca de doze mil. Alguns deles, no entanto, remetiam à cidade paulista homônima. Foram encontradas reportagens sobre a organização, entrevistas com os líderes do grupo, além de alguns relatórios anuais que complementaram aqueles já coletados no Centro de Memória. Assim, foi possível traçar a curva de crescimento entre 1952 e 2013. Finalmente, buscou-se realizar entrevistas com funcionários e ex-funcionários das organizações com o intuito de coletar informações não encontradas nas fontes secundárias, além de esclarecer e detalhar questões críticas identificadas ao longo da pesquisa. O critério para a escolha dos entrevistados foi a disponibilidade, uma vez que esperava-se uma dificuldade em conseguir contatos principalmente da Matarazzo, já que as principais empresas do grupo decretaram falência ainda na década de 1980. No caso desta empresa, foram feitas pesquisas na internet, principalmente através das mídias sociais para a identificação de antigos trabalhadores. Foram realizados diversos contatos, mas houve apenas um retorno que acabou gerando a única entrevista sobre a empresa. Essa dificuldade foi percebida não só na busca por possível entrevistados, mas pelo possível receio das pessoas contatadas em falar sobre o assunto. Uma reportagem do Estadão na ocasião do lançamento da biografia do Conde Francesco Matarazzo, escrita por Ronaldo Costa Couto, já destacava a dificuldade em obter informações sobre o grupo Matarazzo: “Fides Honor Labor [...] Na antiga e última sede das Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo na Rua Joli, no Brás, uma placa de madeira envelhecida exibe o slogan em latim conhecido no passado e hoje ignorado dos paulistanos. Mas não perca seu tempo por lá: tudo o que ouvirá é um sonoro não dos funcionários que cuidam dos negócios da família e não permitam que o turista incauto conheça o interior do prédio dos famosos tijolos aparentes. [...] Não espere por informações sobre os Matarazzo. A metrópole, moderna e que só pensa no futuro, não tem tempo para relembrar o passado” (O ESTADÃO, 2004). O único depoente da pesquisa permaneceu por trinta e um anos no grupo e atuou diretamente com os membros da alta diretoria, tendo contribuído com informações valiosas para a pesquisa. Cabe uma ressalva, no entanto, ao fato de ter se passado quarenta anos entre sua saída da IRFM e a realização da entrevista. Esse considerável período acarreta em uma limitação à quantidade e qualidade das informações. Um fator atenuante em relação a isso se encontra no fato de o 23 entrevistado ter se utilizado de um acervo próprio de anotações e documentos da época em que trabalhou na IRFM, o que contribuiu para as suas lembranças e relatos. Portanto, a carência de fontes primárias trouxe uma limitação para o estudo da Matarazzo. Apesar disso, julgou-se que o amplo material secundário acessado, permitiu a obtenção de dados em quantidade e qualidade satisfatórias para o trabalho. As entrevistas da Votorantim foram conseguidas através de contatos pessoais que indicaram potenciais depoentes para a dissertação. Realizaram-se doze entrevistas que abrangeram os principais negócios do grupo. Como os entrevistados estavam alocados na região de São Paulo e Curitiba, parte das entrevistas foi feita através de Skype. Ressalta-se também que onze dos entrevistados eram funcionários da Votorantim no momento da entrevista. Foi constatada ao longo dos depoimentos uma grande satisfação e orgulho dos depoentes em trabalhar no grupo. Dessa forma, é possível que isso tenha gerado um filtro sobre o que foi relatado e como as informações foram transmitidas durante as entrevistas. Embora isso acarrete em uma limitação da pesquisa sobre a Votorantim, os relatos foram confrontados entre si e com outras informações secundárias para que se obtivesse uma visão dos fatos em si e não dos pontos de vista dos entrevistados. As entrevistas não seguiram um roteiro rígido, embora houvesse uma preparação prévia para cada contato com o intuito de se identificar questões chave que, de acordo com o perfil do entrevistado, poderiam ser abordadas. No início de cada entrevista, o autor fazia uma breve explanação sobre a pesquisa e depois se solicitava que o depoente relatasse sua trajetória no grupo, os cargos que percorreu e principais experiências. A partir daí, os pontos que se mostrassem interessantes e pertinentes ao estudo poderiam ser explorados com maiores detalhes. Ao final de cada contato, era solicitado que o entrevistado destacasse um ponto extremamente positivo que destacasse a sua empresa das demais e outro que, em sua opinião, poderia ter sido feito de maneira diferente. Todas as entrevistas foram transcritas na íntegra pelo autor, sendo que trechos identificados como importantes eram separados para posterior análise, conforme será descrito adiante. A tabela 3-2 apresenta a relação dos entrevistados. Para garantir a confidencialidade dos depoentes, não foram listados nomes e nem cargos. Além das entrevistas, foram utilizados relatos de funcionários e ex-funcionários
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