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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO PAULO CESAR LADEIRA JUNIOR O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DE EMPRESAS DE UM CLUSTER INDUSTRIAL, SOB A PERSPECTIVA DAS NETWORKS RIO DE JANEIRO 2019 PAULO CESAR LADEIRA JUNIOR O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DE EMPRESAS DE UM CLUSTER INDUSTRIAL, SOB A PERSPECTIVA DAS NETWORKS Tese submetida ao corpo docente do Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Administração. Orientador: Renato Dourado Cotta de Mello RIO DE JANEIRO 2019 PAULO CESAR LADEIRA JUNIOR O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DE EMPRESAS DE UM CLUSTER INDUSTRIAL, SOB A PERSPECTIVA DAS NETWORKS Tese submetida ao corpo docente do Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Administração. Aprovada por: __________________________________________ (Presidente da Banca) Prof. Renato Dourado Cotta de Mello, D.Sc. - Orientador (COPPEAD/UFRJ) ____________________________________________ Profª Ariane Cristine Roder Figueira, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ) ____________________________________________ Prof. Otávio Henrique dos Santos Figueiredo, D.Sc (COPPEAD/UFRJ) ____________________________________________ Prof. Artur Luiz Santana Moreira, D.Sc. (UNIRIO) ____________________________________________ Prof. Claudio Rodrigues Corrêa, D.Sc. (Escola de Guerra Naval) RIO DE JANEIRO 2019 DEDICATÓRIA Ao senhor Jesus Cristo, por iluminar o meu caminho, inspirar as minhas atitudes e fortalecer a minha fé. Aos meus pais, Paulo e Deise, que com poucos recursos e muito amor me proporcionaram uma formação acadêmica e moral de excelência. À minha esposa Simeia e filhos Jonathan e Ana Paula, pela paciência e compreensão durante todo o doutorado. Sem o carinho e o incentivo de vocês esse desafio seria intransponível. Às empresas Embraer, Akaer, Alltec, Automata, Globo, Winnstal e Usimaza, por suas realizações na Indústria Aeronáutica Brasileira. AGRADECIMENTOS À Marinha do Brasil, pelo apoio prestado ao longo de todo o doutorado. Espero que os conhecimentos adquiridos ao longo do curso possam contribuir para as atividades desenvolvidas pela instituição. Ao meu orientador, professor Renato Dourado Cotta de Mello, pela disponibilidade, correção de atitudes e profissionalismo dispensados ao longo desses anos de trabalho. Particularmente, o seu compromisso com a pesquisa acadêmica inspirou-me a realizar um trabalho de excelência. Aos professores do COPPEAD, por compartilharem seus conhecimentos e experiências, proporcionando-me uma formação acadêmica de qualidade. Aos colegas da turma 2015 do Doutorado COPPEAD que, pela diversidade de habilidades, também contribuíram para o meu desenvolvimento acadêmico. Às professoras Angela da Rocha e Ariane Cristine Roder Figueira, que participaram da banca de defesa do projeto desta tese. Suas críticas e sugestões contribuíram para o aprimoramento deste trabalho. Aos funcionários e prestadores de serviços da biblioteca, secretaria e restaurante do COPPEAD, pela simpatia e disponibilidade nas muitas horas de estudo passadas na instituição. Ao senhor Paulo Cesar, presidente da Embraer, que gentilmente permitiu a realização das entrevistas com seus gestores, o que muito contribuiu para a pesquisa. Ao senhor Nelson Salgado, vice-presidente executivo financeiro da Embraer, por ter gerenciado a realização das entrevistas. E aos senhores Raul Eloy da Silva Diniz, Gerente Sênior de Suprimentos para a Gestão de Subcontratos, e Carlos Leonardo Fernandez, Supervisor de Planejamento e de Desenvolvimento da Cadeia de Suprimentos Nacional da Embraer, tanto pela entrevista concedida como pela intermediação com algumas empresas fornecedoras participantes da pesquisa. Aos seguintes entrevistados das empresas que, através do seu tempo e conhecimento, contribuíram com valiosas informações para a pesquisa: a) senhor Mauro Aparecido de Paula Ferreira, sócio fundador da Globo; b) senhor Ney Pasqualini Bevacqua, sócio fundador da Winnstal; c) senhor José Vilmar de Melo Justo Filho, sócio fundador da Automata; d) senhor Euvaldo Rodrigues Avaladeiros, sócio fundador da Alltec, e senhora Juliana Machado Mota, Gerente Comercial da empresa; e) senhores Fernando Coelho Ferraz, Vice-Presidente de Operações, Sami Youssef Hassuani, Vice-Presidente Executivo, e Aldo da Silva Júnior, Vice- Presidente de Assuntos Internacionais da Akaer; e f) senhor Amauri da Silva, sócio fundador da Usimaza. RESUMO LADEIRA, Paulo Cesar Junior. O processo de internacionalização de empresas de um cluster industrial, sob a perspectiva das networks. Rio de Janeiro, 2019. Tese (Doutorado em Administração) – Instituto COPPEAD, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019. Esta pesquisa investigou a evolução do processo de internacionalização de empresas aeronáuticas do cluster de São José dos Campos, avaliando em que medida as proposições teóricas que versam sobre clusters e networks explicam a contribuição da Embraer para o processo de internacionalização das pequenas e médias empresas aeronáuticas do cluster pertencentes à sua rede de fornecedores. Para tal, realizou-se um estudo de seis casos de empresas brasileiras sediadas naquele cluster, cobrindo toda a trajetória internacional das mesmas, desde a fundação até os dias atuais. Foram levantadas informações relativas a 5 categorias de análise, denominadas fatores, cobrindo 12 proposições teóricas provenientes das teorias que suportam o estudo. As fontes de dados utilizadas foram entrevistas pessoais com os executivos das empresas, notadamente seus sócios fundadores, consulta a publicações impressas e digitais, e consulta a documentos internos das empresas. Os resultados apontam para uma contribuição decisiva da Embraer para o início do processo de internacionalização dessas pequenas e médias empresas aeronáuticas do cluster de São José dos Campos pertencentes à sua rede de fornecedores. Embora as networks locais do cluster possam proporcionar os recursos necessários à internacionalização das empresas participantes da pesquisa, observou-se uma maior efetividade da flagship firm do cluster para o processo de internacionalização dessas empresas, conectando seus parceiros das networks locais aos das networks internacionais. Os resultados apontam, ainda, para uma contribuição necessária, mas não suficiente, da flagship firm para a continuidade do processo de internacionalização dessas pequenas e médias empresas do cluster. Iniciada a internacionalização, parece haver a necessidade de ações tanto das próprias empresas como de órgãos governamentais e entidades do cluster, em complemento às da flagship firm. Especificamente em relação às empresas estudadas, é razoável propor que as mesmas desenvolvam a habilidade de estabelecer novas conexões nas networks dos seus clientes internacionais, pois o estudo identificou fortes indicativos de que o processo de internacionalização fica limitado aos clientes estrangeiros conectados pela flagship firm. Palavras-chave: negócios internacionais, clusters, networks, flagship firm, indústria aeronáutica. ABSTRACT LADEIRA, Paulo Cesar Junior. O processo de internacionalização de empresas de um cluster industrial, sob a perspectiva das networks. Rio de Janeiro, 2019. Tese (Doutorado em Administração) – Instituto COPPEAD, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019. This research investigated the evolution of the internationalization process of aeronautical companies of the São José dos Campos cluster, evaluating to what extent theoretical propositions that deal with clusters and networks explain the contribution of Embraer to the internationalization process of small and medium-sized aeronautical companies of the cluster belonging to its network of suppliers. For that, a study was carried out of six cases of Brazilian companies based in that cluster, covering all their international trajectory, since their foundation to the present day. Informations were collected on 5 categories of analysis, called factors, covering 12 theoretical propositions from the theories that support the study. The sources of data used were personal interviews with business executives, notably their founding partners, consultation of print and digital publications, and consultation of internal corporate documents. The results point to a decisive contribution by Embraer to the beginning of the internationalization process of these small and medium-sized aeronautical companies of the São José dos Campos cluster belonging to its network of suppliers. Although the local networks of the cluster can provide the necessary resources for the internationalization of the companies participating in the research, it was observed a greater effectiveness of the cluster’s flagship firm to the internationalization process of these companies, connecting their local networks partners to those of international networks. The results also point to a necessary but not sufficient contribution of the flagship firm to the continuity of the internationalization process of these small and medium-sized companies of the cluster. Started the internationalization, there seems to be a need for actions both from the companies themselves and from government agencies and cluster entities, in addition to the flagship firm. Specifically in relation to the companies studied, it is reasonable to propose that they develop the ability to establish new connections in the networks of their international clients, since the study identified strong indications that the internationalization process is limited to the foreign clients connected by the flagship firm. Keywords: international business, clusters, networks, flagship firm, aeronautic industry. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Interações entre empresa e governo para o surgimento de um cluster .. . 35 Figura 2 - Flagship Model ........................................................................................ . 67 Figura 3 - Global Production Network ..................................................................... . 72 Figura 4 – Diferenças entre o modelo de transporte aéreo tradicional e o hub-and- spoke ....................................................................................................................... 92 Figura 5 - Aeronave Boeing 787 .............................................................................. . 99 Figura 6 - Aeronave Lockheed Martin F-35 Lightning II ........................................ . 102 Figura 7 - Aeronaves construídas ou montadas no Brasil na fase pré-Embraer ... . 116 Figura 8 - Estrutura proposta para a parceria entre a Boeing e a Embraer ........... . 141 Figura 9 - Evolução do PDCA em 2016 ................................................................ . 144 Figura 10 - Foco de atuação da Akaer .................................................................. . 196 Figura 11 - Base global de clientes Akaer ............................................................. . 199 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Evolução e ruptura da trajetória tecnológica na Indústria Aeronáutica Mundial entre 1980 e 2015 ....................................................................................... 98 Gráfico 2 – Aeronaves comerciais entregues pela Embraer entre 2002 e 2008 ..... 135 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Padrões para a emergência de clusters em contextos pós autoritários . 36 Quadro 2 - Cenários para a emergência de clusters na Lituânia ............................ . 37 Quadro 3 - Fatores do processo de internacionalização de empresas do cluster, sob a perspectiva das networks ...................................................................................... 74 Quadro 4 - Interação entre objetivo, perguntas e proposições teóricas .................... 76 Quadro 5 – Apresentação sintética das empresas da pesquisa................................ 83 Quadro 6 – Resumo das entrevistas ......................................................................... 85 Quadro 7 – Extrato da Planilha de Fatos Relacionados à Internacionalização das empresas................................................................................................................... 87 Quadro 8 – Principais empresas em volume de vendas de aeronaves comerciais, em 2006 .......................................................................................................................... 94 Quadro 9 – Principais empresas em volume de vendas de aeronaves militares, em 2006 .......................................................................................................................... 95 Quadro 10 – Políticas Públicas de Consolidação na Indústria Aeronáutica Mundial. 97 Quadro 11 – Distribuição dos fatos da Globo segundo os fatores da pesquisa ...... 217 Quadro 12 – Número de fatos da Globo relacionados, simultaneamente, a mais de um fator da pesquisa ............................................................................................... 218 Quadro 13 – Distribuição dos fatos da Winnstal segundo os fatores da pesquisa .. 233 Quadro 14 – Número de fatos da Winnstal relacionados, simultaneamente, a mais de um fator da pesquisa ............................................................................................... 234 Quadro 15 – Distribuição dos fatos da Automata segundo os fatores da pesquisa 248 Quadro 16 – Número de fatos da Automata relacionados, simultaneamente, a mais de um fator da pesquisa .......................................................................................... 248 Quadro 17 – Distribuição dos fatos da Alltec segundo os fatores da pesquisa ....... 266 Quadro 18 – Número de fatos da Alltec relacionados, simultaneamente, a mais de um fator da pesquisa ............................................................................................... 267 Quadro 19 – Distribuição dos fatos da Akaer segundo os fatores da pesquisa ...... 284 Quadro 20 – Número de fatos da Akaer relacionados, simultaneamente, a mais de um fator da pesquisa ............................................................................................... 284 Quadro 21 – Distribuição dos fatos da Usimaza segundo os fatores da pesquisa .. 306 Quadro 22 – Número de fatos da Usimaza relacionados, simultaneamente, a mais de um fator da pesquisa .......................................................................................... 307 Quadro 23 – Vínculo de afiliação com a Embraer ................................................... 327 Quadro 24 – Comparativo entre o ano de fundação das empresas e o de início da internacionalização .................................................................................................. 328 Quadro 25 – Ramo de atividade principal das empresas e o tempo de internacionalização .................................................................................................. 329 Quadro 26 – Principal matéria prima utilizada pela empresa e sua origem ............ 330 Quadro 27 – Percentual do faturamento anual referente à internacionalização (Ano base 2018) .............................................................................................................. 332 Quadro 28 – Percentual do faturamento proveniente da Embraer .......................... 333 Quadro 29 – Participação nas iniciativas de internacionalização do cluster ........... 339 Quadro 30 – Perfil das empresas em relação às iniciativas do cluster ................... 341 Quadro 31 – Atributos dos fundadores emprestados às suas empresas ................ 347 Quadro 32 – Situação das networks da empresa por ocasião da fundação ........... 353 Quadro 33 – Situação das networks da empresa por ocasião em 2018 ................. 355 Quadro 34 – Participação das empresas no PDCA Embraer .................................. 360 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABDI - Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial AIAB - Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil APEX - Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos APL - Arranjos Produtivos Locais APTSJC - Associação Parque Tecnológico de São José dos Campos BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CECOMPI - Centro para a Competitividade e inovação CEIFE - Comissão de Estudos para a Instalação de uma Fábrica de Aviões CNA - Campanha Nacional de Aviação CGA - Compagnie Générale de Aeronautique CTA - Centro Técnico de Aeronáutica DCTA - Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial EADS - European Aeronautic Defence and Space EAC - Embraer Aircraft Corporation EAI - Embraer Aviation International EAMS - Embraer Aircraft Maintenance Services, Inc. ELEB - Embraer Liebherr Equipamentos do Brasil ENAER - Empresa Nacional de Aeronáutica de Chile END - Estratégia Nacional de Defesa ERJ - Embraer Regional Jet EUA - Estados Unidos da América FAA - Federal Aviation Administration FAB - Força Aérea Brasileira FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FMA - Fábrica Militar de Aviones HEAI - Harbin Embraer Aircraft Industry HTA - High Technology Aeronautics IPD - Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento ITA - Instituto Tecnológico de Aeronáutica MIT - Massachussets Institute of Technology FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte P&D - Pesquisa e Desenvolvimento PDCA - Programa de Desenvolvimento da Cadeia Aeronáutica PDF - Programa de Desenvolvimento de Fornecedores PND - Programa Nacional de Desestatização RAF - Royal Air Force SIVAM - Sistema de Vigilância da Amazônia VANT - Veículos Aéreos Não Tripulados VASP - Viação Aérea São Paulo SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 21 1.1. OBJETIVO DO ESTUDO E QUESTÕES DE PESQUISA .................................. 22 1.2. RELEVÂNCIA DO ESTUDO .............................................................................. 23 1.3. DELIMITAÇÃO DO ESTUDO ............................................................................. 24 1.4. ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO .......................................................................... 24 2. REVISÃO DA LITERATURA ........................................................................... 26 2.1. TEORIAS RELACIONADAS AOS CLUSTERS .................................................. 26 2.1.1. O conceito de cluster .................................................................................... 26 2.1.2. Motivações para a formação do cluster e os benefício à economia ......... 33 2.1.3. Os clusters e a internacionalização ............................................................. 44 2.2. TEORIAS RELACIONADAS ÀS NETWORKS ................................................... 48 2.2.1. O conceito de network e sua contribuição para a internacionalização .... 48 2.2.2. As interações entre as networks e os clusters, e a internacionalização .. 58 2.2.3. As flagship firms e a contribuição de suas networks para a internacionalização das empresas do cluster ...................................................... 65 2.3. RESUMO DAS PROPOSIÇÕES TEÓRICAS EXTRAÍDAS DA LITERATURA .. 73 2.3.1. Referentes ao fator origem das empresas .................................................. 74 2.3.2. Referentes ao fator participação no cluster ................................................ 75 2.3.3. Referentes ao fator perfil dos dirigentes ..................................................... 75 2.3.4. Referentes ao fator participação na network .............................................. 75 2.3.5. Referentes ao fator ação da flagship firm ................................................... 75 3. MÉTODO DE PESQUISA ................................................................................. 78 3.1. PERGUNTAS DE PESQUISA ............................................................................ 78 3.2. DESENHO DE PESQUISA ................................................................................ 78 3.3. SELEÇÃO DOS CASOS .................................................................................... 81 3.4. COLETA DE DADOS ......................................................................................... 84 3.5. ANÁLISE DOS DADOS...................................................................................... 86 3.6. LIMITAÇÕES DO MÉTODO .............................................................................. 88 4. HISTÓRICO DA INDÚSTRIA, DO CLUSTER E DAS EMPRESAS .................. 90 4.1. HISTÓRICO DA INDÚSTRIA AERONÁUTICA MUNDIAL ................................. 90 4.1.1. A indústria aeronáutica e o paradigma da inovação tecnológica ............. 97 4.1.2. O sistema de alianças ................................................................................. 104 4.2. HISTÓRICO DA INDÚSTRIA AERONÁUTICA BRASILEIRA .......................... 113 4.2.1. As primeiras iniciativas para a implantação da indústria aeronáutica ... 113 4.2.2. As Iniciativas da Força Aérea Brasileira ................................................... 116 4.3. HISTÓRICO DO CLUSTER AERONÁUTICO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS 119 4.4. HISTÓRICO DA EMBRAER ............................................................................. 122 4.4.1. A década de 1970 e a consolidação da Embraer ...................................... 123 4.4.2. A década de 1980 e o avanço internacional da Embraer ......................... 127 4.4.3. A década de 1990, a crise e a privatização da Embraer ........................... 131 4.4.4. A década de 2000 e a diversificação para o segmento executivo .......... 133 4.4.5. A década de 2010 e os novos desafios ..................................................... 138 4.5. HISTÓRICO DAS PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS FORNECEDORAS DA EMBRAER DO CLUSTER AERONÁUTICO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS ......... 142 4.5.1. Histórico da Globo ...................................................................................... 145 4.5.2. Histórico da Winnstal .................................................................................. 161 4.5.3. Histórico da Automata ................................................................................ 174 4.5.4. Histórico da Alltec ....................................................................................... 187 4.5.5. Histórico da Akaer ....................................................................................... 194 4.5.6. Histórico da Usimaza .................................................................................. 208 5. ANÁLISE ......................................................................................................... 217 5.1. ANÁLISE INDIVIDUAL DAS EMPRESAS ........................................................ 217 5.1.1. Análise da Globo ......................................................................................... 217 5.1.1.1. O fator Origem da Empresa ....................................................................... 218 5.1.1.2. O fator Participação no Cluster .................................................................. 220 5.1.1.3. O fator Perfil dos Dirigentes ....................................................................... 222 5.1.1.4. O fator Participação na Network ................................................................. 228 5.1.1.5. O fator Ações da Flagship Firm .................................................................. 230 5.1.2. Análise da Winnstal ..................................................................................... 233 5.1.2.1. O fator Origem da Empresa ....................................................................... 234 5.1.2.2. O fator Participação no Cluster .................................................................. 237 5.1.2.3. O fator Perfil dos Dirigentes ....................................................................... 240 5.1.2.4. O fator Participação na Network ................................................................. 244 5.1.2.5. O fator Ações da Flagship Firm .................................................................. 246 5.1.3. Análise da Automata ................................................................................... 247 5.1.3.1. O fator Origem da Empresa ....................................................................... 249 5.1.3.2. O fator Participação no Cluster .................................................................. 253 5.1.3.3. O fator Perfil dos Dirigentes ....................................................................... 257 5.1.3.4. O fator Participação na Network ................................................................. 261 5.1.3.5. O fator Ações da Flagship Firm .................................................................. 264 5.1.4. Análise da Alltec .......................................................................................... 266 5.1.4.1. O fator Origem da Empresa ....................................................................... 267 5.1.4.2. O fator Participação no Cluster .................................................................. 271 5.1.4.3. O fator Perfil dos Dirigentes ....................................................................... 273 5.1.4.4. O fator Participação na Network ................................................................. 279 5.1.4.5. O fator Ações da Flagship Firm .................................................................. 282 5.1.5. Análise da Akaer ......................................................................................... 283 5.1.5.1. O fator Origem da Empresa ....................................................................... 284 5.1.5.2. O fator Participação no Cluster .................................................................. 291 5.1.5.3. O fator Perfil dos Dirigentes ....................................................................... 293 5.1.5.4. O fator Participação na Network ................................................................. 299 5.1.5.5. O fator Ações da Flagship Firm .................................................................. 303 5.1.6. Análise da Usimaza ..................................................................................... 306 5.1.6.1. O fator Origem da Empresa ....................................................................... 307 5.1.6.2. O fator Participação no Cluster .................................................................. 313 5.1.6.3. O fator Perfil dos Dirigentes ....................................................................... 315 5.1.6.4. O fator Participação na Network ................................................................. 318 5.1.6.5. O fator Ações da Flagship Firm .................................................................. 321 5.2. ANÁLISE CONJUNTA DAS EMPRESAS ......................................................... 324 5.2.1. O fator Origem da Empresa ........................................................................ 326 5.2.2. O fator Participação no Cluster .................................................................. 335 5.2.3. O fator Perfil dos Dirigentes ....................................................................... 343 5.2.4. O fator Participação na Network ................................................................ 351 5.2.5. O fator Ações da Flagship Firm ................................................................. 357 6. CONCLUSÕES ................................................................................................ 363 6.1. CONTEXTO GERAL DA TESE ........................................................................ 363 6.2. SUMÁRIO DA PESQUISA ............................................................................... 364 6.3. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 366 6.3.1. RESPOSTAS ÀS QUESTÕES DE PESQUISA ............................................. 366 6.4. RECOMENDAÇÕES PARA OS ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS E ENTIDADES DO CLUSTER, E PARA AS EMPRESAS................................................................ 371 6.5. LIMITAÇÕES DA PESQUISA .......................................................................... 372 6.6. RECOMENDAÇÕES PARA PESQUISAS FUTURAS ...................................... 374 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 376 APÊNDICE A – Roteiro de entrevista (fornecedores) ............................................. 391 APÊNDICE B – Roteiro de entrevista (Embraer) ..................................................... 400 APÊNDICE C – Análise da entrevista da Globo ...................................................... 402 APÊNDICE D – Análise da entrevista da Winnstal .................................................. 403 APÊNDICE E – Análise da entrevista da Automata ................................................ 404 APÊNDICE F – Análise das entrevistas da Alltec ................................................... 405 APÊNDICE G – Análise das entrevistas da Akaer .................................................. 406 APÊNDICE H – Análise da entrevista da Usimaza ................................................. 407 21 1. INTRODUÇÃO O conceito de network surgiu na literatura do século XIX para designar os relacionamentos existentes nos clusters industriais constituídos pela concentração geográfica de grupos de pequenas e médias empresas funcionando em conjunto e dependendo umas das outras para uma variedade de produtos e serviços, inclusive em termos de tecnologia (PENROSE, 2006). A ação econômica nesses cluster parece permeada por relações bilaterais estabelecidas entre os seus diversos atores, numa estrutura de networks, onde laços pessoais e profissionais proporcionam uma rede de conhecimentos interpessoais, levando à crescente proximidade social, organizacional e institucional, assim como à construção de confiança (ZUCCHELLA; SERVAIS, 2006). Para Virta e Lowe (2017) o cluster e a network se sobrepõem e são claramente interdependentes, de modo que as relações em networks são essenciais para se produzir valor no cluster. Assim, a presente pesquisa combinou as teorias dos clusters e das networks, de modo a proporcionar uma visão do gerenciamento dos clusters como networks de valor (VIRTA; LOWE, 2017). Sob o enfoque dos negócios internacionais das empresas pertencentes a esses clusters, tanto as networks locais do cluster quanto as networks internacionais parecem influenciar o processo de internacionalização nesses arranjos produtivos, de diferentes formas (ANDERSSON ET AL, 2013). Zucchella e Servais (2006) alertam para o fato de que as networks locais do cluster são uma base importante para a expansão precoce de suas empresas para além-fronteiras, mas não para garantir a competitividade requerida pelo mercado externo. Para os autores, o desempenho internacional de longo prazo dependeria da capacidade de inserção das empresas em networks internacionais (ZUCCHELLA; SERVAIS, 2006). Já D’Angelo et al (2013) acreditam que as networks locais do cluster provêm recursos úteis para a internacionalização em mercados regionais, mas não são efetivas no caso de mercados globais. Nesse contexto, esta pesquisa ampliou o debate sobre a contribuição das networks locais de um cluster para a internacionalização das empresas a ele pertencentes. Particularmente, este trabalho estudou a contribuição das networks locais da Embraer, identificada como uma empresa líder ou flagship firm, às empresas do 22 cluster aeronáutico de São José dos Campos. O conceito de flagship firm surgiu na década de 1990 e tem sido pouco abordado pela literatura. Rugman et al (1995) identificaram clusters industriais onde grandes empresas gerenciavam grande parte de suas atividades, às quais denominaram flagships. Posteriormente, Rugman e D’Cruz (1997) desenvolveram o conceito de "flagship firms", empresas líderes de networks verticalmente integradas, responsáveis por toda a coordenação de suas atividades. Rugman e D`Cruz (2003) acreditam que a atividade econômica pode ser melhor entendida por meio dos relacionamentos de cooperação em networks de negócios, onde a flagship firm detém os recursos e a perspectiva para liderar toda a network, gerenciando estrategicamente suas atividades. Ferreira et al (2006) acrescentaram que a flagship firm é capaz de liderar outras empresas e gerenciar toda a cadeia de valor agregado do cluster. Poucas pesquisas, contudo, trataram especificamente da contribuição das flagship firms aos clusters de economias emergentes. Particularmente, a revisão de literatura realizada pela presente pesquisa identificou apenas dois trabalhos com esse enfoque: o de Gupta e Subramanian (2008) e o de Rocha et al (2009). Gupta e Subramanian (2008) observaram que, em economias emergentes, as flagship firms frequentemente são descapitalizadas para prover o suporte necessário ao cluster. Rocha et al (2009) trataram do suporte das flagship firms à internacionalização de pequenas e médias empresas em dois clusters no Brasil, sustentando o suporte provido pela flagship firm nacional às exportações das empresas em apenas um dos clusters analisados. Nesse contexto, identificou-se a seguinte lacuna teórica: em uma economia emergente, qual a efetiva contribuição da flagship firm ao processo de internacionalização das pequenas e médias empresas do cluster pertencentes à sua network local? 1.1. Objetivo do estudo e questões de pesquisa Com base na lacuna teórica identificada, foi definido o objetivo de investigar o processo de internacionalização de pequenas e médias empresas aeronáuticas do cluster de São José dos Campos fornecedoras da Embraer. O método de pesquisa utilizado foi o do estudo de caso. Considerando a lacuna teórica e o objetivo acima elencados, o presente estudo pretende responder à seguinte pergunta de pesquisa: qual a contribuição da Embraer para o processo de internacionalização das 23 pequenas e médias empresas aeronáuticas do cluster de São José dos Campos pertencentes à sua network de fornecedores? Para melhor identificar essa contribuição ao longo do processo de internacionalização, a pergunta de pesquisa principal foi dividida em duas perguntas secundárias: 1 - Qual a contribuição da Embraer para o início da internacionalização das empresas? 2 - Qual a sua contribuição para a continuidade desse processo? 1.2. Relevância do estudo A relevância deste estudo pode ser examinada tanto do ponto de vista teórico quanto prático. Do ponto de vista teórico, a revisão de literatura identificou que as pesquisas sobre clusters no Brasil basicamente têm se restringido a identificar a existência desses arranjos produtivos em determinadas localidades e a descrevê-los com base no tema de pesquisa escolhido, existindo oportunidades para o avanço da pesquisa e a efetiva contribuição no desenvolvimento de teoria. Particularmente, a principal contribuição teórica desse estudo repousa no fato de tratar das flagship firms, empresas presentes em diversos clusters, mas pouco abordadas nas pesquisas sobre processos de internacionalização. Dentre as poucas pesquisas realizadas sobre as contribuições das flagship firms existem aquelas que destacam sua capacidade de liderar o cluster (ERNST, 2002; ERNST; KIM, 2002; FERREIRA ET AL, 2006) e suas networks (ERNST, 2002; ERNST; KIM, 2002; RUGMAN; D`CRUZ, 1997, 2003). No Brasil, a única pesquisa que tratou da contribuição das flagship firms nacionais à internacionalização das empresas de sua network foi o de Rocha et al (2009), sustentando a contribuição dessas empresas em apenas um dos dois clusters estudados. O estudo também é relevante do ponto de vista prático por abordar um dos mais bem-sucedidos clusters industriais do país, o cluster aeronáutico de São José dos Campos, responsável pelo desenvolvimento da indústria aeronáutica brasileira e por sustentar a criação e o desenvolvimento da terceira maior empresa aeronáutica do mundo, a Embraer. Por outro lado, o cluster concentra basicamente pequenas e médias empresas profundamente dependentes das demandas da Embraer. Portanto, o fortalecimento dessas pequenas e médias empresas que formam a base 24 local da indústria aeronáutica por meio de incentivos que promovam oportunidades para uma atuação competitiva, especialmente na promoção da exportação, devem constar da pauta dos formuladores de políticas públicas para essa indústria. 1.3. Delimitação do estudo O presente estudo restringiu-se a tratar do relacionamento entre a Embraer e suas pequenas e médias empresas fornecedoras localizadas no cluster aeronáutico de São José dos Campos, especialmente aquelas que realizam negócios no exterior. O critério utilizado para definir o que são pequenas e médias empresas será o considerado pelo IBGE. As abordagens teóricas consideradas na análise do fenômeno estudado provêm dos campos teóricos dos clusters e das networks. O foco principal das análises está nas contribuições das networks da Embraer às suas pequenas e médias empresas fornecedoras localizadas no cluster aeronáutico de São José dos Campos, ao longo do processo de internacionalização das mesmas. 1.4. Organização do estudo A presente pesquisa está organizada em seis capítulos. Este primeiro capítulo apresentou o contexto que motivou o estudo, a origem do questionamento, as contribuições esperadas e a sua organização. O segundo capítulo apresenta o referencial teórico que serviu de base para a análise dos estudos de caso, mostrando o ponto de vista de diversos autores a respeito dos conceitos abordados pela pesquisa. O terceiro capítulo detalha o método, compreendendo a adequação do estudo de caso como estratégia para a pesquisa, os critérios para a seleção das empresas estudadas, a coleta de dados e a análise das evidências. O quarto capítulo tem por objetivo realizar a descrição da indústria aeronáutica, do cluster e das empresas. Para isso, são apresentadas as características da indústria aeronáutica, o seu panorama mundial e nacional, o desenvolvimento do cluster aeronáutico de São José dos Campos e a história das seis empresas abordadas na pesquisa, com ênfase nos aspectos relacionados aos seus negócios externos. 25 O quinto capítulo trata da análise do processo de internacionalização das empresas, em duas fases. Na primeira, as empresas são analisadas separadamente. Já na segunda, é realizada a análise conjunta das empresas, comparando-se as descobertas proporcionadas pela coleta de dados com as proposições teóricas da pesquisa. Por último, o capítulo seis apresenta a conclusão, onde podem ser encontradas as respostas às perguntas de pesquisa e as propostas para futuros estudos. 26 2. REVISÃO DA LITERATURA A presente pesquisa se baseia em duas correntes teóricas. A primeira ligada aos clusters, abordando o desenvolvimento e as vantagens desses arranjos produtivos e a internacionalização de suas empresas. A segunda voltada para a contribuição que as networks podem proporcionar ao processo de internacionalização das empresas. 2.1. Teorias relacionadas aos Clusters A seguir são apresentadas as teorias que conceituam os clusters, seguidas pelas teorias que tratam do desenvolvimento e das vantagens desses arranjos produtivos, e, finalmente, pelas teorias que abordam a internacionalização de empresas pertencentes aos clusters. 2.1.1. O conceito de cluster Os estudos sobre os aglomerados de empresas surgiram com a publicação do livro de Alfred Marshall intitulado Principles of Economics, em 1890, primeiro autor a tratar das externalidades geradas nas localizações industriais especializadas, a partir da ideia de que as empresas obtêm vantagens econômicas ao se inserirem em aglomerações produtivas (BARAKAT ET AL, 2017). Um século mais tarde, Porter (1993) utilizou o termo cluster para descrever um conjunto de empresas que formam um aglomerado para competir com outras não pertencentes ao agrupamento, ou para competir com outro cluster, destacando o sucesso das indústrias situadas nessas localidades específicas. Para Porter (1998), o conceito de cluster refere-se à concentração de empresas, fornecedores, setores relacionados e instituições especializadas existentes em determinada área geográfica, que competem e cooperam entre si. De forma consolidada, Delgado et al (2015b) definiram clusters como concentrações geográficas de indústrias relacionadas e instituições associadas. Porter (1998) ressaltou a presença frequente de instituições e inter-relações que se estabelecem entre os diversos atores geograficamente aglomerados, percebendo os clusters como concentrações geográficas de empresas e instituições interconectadas em um determinado campo. O autor enfatizou que os clusters podem incluir empresas de diversos pontos da cadeia produtiva, além de instituições 27 governamentais ou privadas, apresentando vantagens competitivas incomuns ao envolver indústrias interligadas e entidades importantes para a competitividade do setor, desenvolvendo laços de confiança entre os atores, sem os quais não passariam de aglomerações geográficas de empresas (FERREIRA ET AL, 2006). É possível encontrar o termo distrito industrial em lugar de cluster, pois tradicionalmente a expressão é associada ao trabalho de Alfred Marshall sobre as vantagens da aglomeração de produtores (MARKUSEN, 1995; SCHMITZ, 1999). Segundo Becattini (1991), os distritos industriais de Alfred Marshall correspondem às aglomerações de pequenas empresas de origem local que se especializam em diferentes fases da produção, formando uma intensa rede de transações verticais e horizontais. Juntas, essas empresas conseguem obter vantagens na produção em larga escala. O distrito industrial engloba uma indústria principal e diversas indústrias auxiliares, que fornecem à primeira componentes, equipamentos e serviços adequados às necessidades locais. Uma vez que a comunidade local é relativamente estável, forma-se uma identidade cultural e uma expertise industrial compartilhadas. Zucchella (2006) propõe que quatro dimensões caracterizariam os clusters e os distritos industriais: a concentração geográfica, a alta especialização das empresas aliadas com as fortes complementaridades produtivas, o homogêneo sistema de valores e a forte influência das dimensões sociais - enquanto as duas primeiras dimensões parecem típicas dos clusters em geral, as duas últimas seriam características que qualificam os distritos industriais em particular. Após decorridas diversas décadas das constatações de Alfred Marshall sobre a realidade dos distritos industriais do final do século XIX, recentes pesquisas sobre o tema têm buscando entender o dinamismo competitivo dessas aglomerações. Na década de 1990, pesquisadores focaram nos distritos industriais da chamada “Terceira Itália” (região central e nordeste daquele país), onde uma conjugação de fatores proporcionou uma boa capacidade competitiva às suas pequenas e médias empresas. Brusco (1990) definiu esses distritos como pequenas áreas, com mil a três mil empresas e onde trabalham de dez a vinte mil trabalhadores (cada empresa possui, em média, menos de vinte empregados), que produzem algo homogêneo, posicionando-se de forma diferenciada no mercado. A partir da ideia de distrito industrial italiano, Becattini (1992) identificou o aglomerado industrial como uma entidade sócio territorial caracterizada pela presença ativa da comunidade e de um 28 conjunto de empresas em área ligada pela natureza e pela história. Além das características típicas dos distritos industriais de Alfred Marshall, notou-se que os distritos industriais italianos apresentavam: a) mobilidade de funcionários entre as empresas compradoras e fornecedoras; b) cooperação entre os competidores, com o propósito de fortalecer mercados e compartilhar riscos e inovações; c) formação de associações para oferecer o suporte em gestão, em treinamento, em marketing, na área técnica ou em questões financeiras e buscar estratégias coletivas para o cluster; d) atuação do governo local ou regional sobre a regulação e a promoção das principais indústrias; e) alta capacidade de inovação e criatividade decorrente da proximidade geográfica que favorecia os contatos pessoais, onde podem ocorrer trocas de conhecimentos e combinações originais de ideias; e f) comunidade local com uma história compartilhada e um sistema de valores relativamente homogêneo, o que gera um senso de pertencimento ao distrito (BECATTINI, 1991; MARKUSEN, 1995). Complementarmente, Markusen (1995) enfatizou que a cooperação entre os competidores e a ação coletiva só se concretizam pela existência de laços de confiança entre os atores envolvidos, propiciados, em grande medida, pela identidade cultural compartilhada. Becattini (1991) ressaltou essa existência de uma conectividade entre a atividade produtiva e a vida em comunidade, dada a sintonia entre o tipo de processo produtivo e as características socioculturais da comunidade local. Outros tipos de clusters podem ser identificados na literatura. Markusen (1995), por exemplo, destaca a existência de três outros tipos adicionais: 1) os distritos industriais centro-radiais (hub and spoke), que se caracterizam pela existência de uma ou várias grandes empresas ou unidades industriais que funcionam como eixos da atividade econômica regional, ao redor dos quais as demais empresas se organizam. As empresas menores podem ser dependentes da demanda ou da oferta das empresas ou unidades industriais mais importantes ou 29 somente se beneficiar das economias de aglomeração, sem necessariamente depender de tais transações. O dinamismo do distrito depende do desempenho dessas empresas ou unidades industriais em seus respectivos mercados nacionais ou internacionais. A flexibilidade do mercado de trabalho local é menor, visto que os trabalhadores tendem a ser leais às grandes empresas ou unidades industriais, ao distrito e às pequenas empresas, respectivamente. A formação e a atuação de associações são pouco significativas e a cooperação interna no distrito é primordialmente vertical, seguindo os termos das empresas ou unidades industriais mais importantes. É incomum a cooperação entre competidores, embora as grandes empresas mantenham alianças estratégicas com parceiros fora da região. Embora o centro de tomada das decisões permaneça no distrito, as grandes empresas estão frequentemente conectadas com competidores, fornecedores e clientes externos, o que contribui para a transferência de inovações para a região. 2) as plataformas-satélite, que são distritos onde se destacam a presença de filiais de corporações multinacionais em busca de inovação, de menores custos dos encargos sociais ou dos aluguéis, de impostos reduzidos ou de incentivos governamentais. Suas atividades variam desde simples linhas de montagem até pesquisa e desenvolvimento avançado. Normalmente, as plataformas-satélites localizam-se fora dos grandes centros urbanos, numa tentativa do governo de desenvolvimento de novas áreas. O dinamismo do distrito é altamente dependente da tomada de decisões pela matriz das grandes corporações e as transações internas e a cooperação entre suas empresas praticamente inexistem. Os cargos operacionais geralmente são ocupados pela mão de obra local (leal ao distrito), ao passo que os profissionais dos cargos técnicos e administrativos se comprometem com a empresa. 3) os distritos ancorados pelo Estado, que são regiões cujo desenvolvimento econômico se deve à instalação de instituições governamentais ou sem fins lucrativos, como empresas públicas, forças armadas, órgãos de pesquisa e universidades. Dado o volume de gastos das instituições estatais, os fornecedores conseguem obter economias de escala relativamente elevadas, porém os contratos e compromissos tendem a ser de curto prazo, dadas as mudanças políticas. Há mais cooperação entre fornecedores e clientes com as instituições de âmbito estadual do que com as de âmbito nacional, onde muitas decisões são tomadas fora do distrito. 30 A cooperação entre as empresas do distrito tende a ser quase inexistente e a mobilidade da mão de obra entre as empresas é limitada, pois os profissionais tendem a ser mais leais às instituições públicas. Pickernell et al (2007) também identificaram três tipos distintos de distritos industriais: a) hierarquias urbanas, onde empresas de diferentes indústrias, ao compartilharem uma infraestrutura comum, conseguem obter economias de escala externas; b) networks sociais, caracterizadas por laços informais entre as empresas que propiciam a confiança necessária para a formação de parcerias e para a ação coletiva; e c) organizações virtuais, decorrentes de joint ventures originadas por laços formais entre grupos de pequenas e médias empresas. Em revisão empírica da literatura, De Marchi e Grandinetti (2014) observaram mudanças recentes na configuração dos distritos industriais italianos, num processo evolutivo não explicado pela abordagem teórica de Marshall (1890). No futuro, os destinos desses sistemas provavelmente diferirão consideravelmente, pois alguns distritos entraram numa fase de declínio ou estão perdendo suas características de distrito, se reproduzindo em outras formas com duas variantes claramente distintas: o distrito hierarquizado e o distrito global-local. Para entender essas novas dinâmicas competitivas, os autores propõem transferir o foco de análise para a “cadeia de valor global” da qual o distrito faz parte – o que vem sendo usado para explicar os processos de evolução observados em clusters de países em desenvolvimento, em particular na América Latina (GIULIANI ET AL, 2005; HUMPHREY; SCHMITZ, 2002). Giuliani et al (2005) defendem que, na América Latina, as especificidades setoriais influenciavam o modo e a extensão da atualização em clusters integrados com cadeias de valor globais. Ao nível de empresa, as estratégias de atualização diferem substancialmente por grupos de setores: clusters e eficiência coletiva desempenham um papel fundamental em alguns setores, mas não em outros, onde a lógica global dos compradores externos prevalece e as empresas precisam aprender a lidar com competidores maiores e mais competentes. Para De Marchi e Grandinetti (2014), tanto nos distritos hierarquizados como nos globais-locais, uma parte fundamental das atividades tem sido desempenhada por certo número de empresas distritais que se mostraram capazes de se tornar atores globais-locais. O espaço competitivo em que essas empresas definiram os 31 seus movimentos estratégicos é a sua cadeia de valor global, onde o distrito em que estão localizados representa apenas uma parcela limitada dessa cadeia. No modelo hierarquizado, o distrito funcionaria como uma rede local cativa de algumas empresas líderes que atuam como atores numa cadeia de valor global. No modelo global-local, o distrito é quem opera como uma rede local aberta em que diversas organizações se movem independentemente no espaço competitivo da cadeia de valor global. Altenburg e Meyer-Stamer (1999) propõem três tipos diferentes de clusters, quando da formulação de políticas orientadas para cluster na América Latina: a) clusters de micro e pequenas empresas, b) clusters de produtores de massa mais avançados e diferenciados, e c) clusters de corporações transnacionais e seus fornecedores próximos. Os clusters sobreviventes de micro e pequenas empresas devem a sua existência mais a condições macroeconômicas desfavoráveis e menos à competência e ao dinamismo empresarial. O seu potencial competitivo é limitado e suas medidas de incentivo devem visar principalmente a melhoria das condições de sobrevivência, uma vez que esses clusters são importantes na criação de oportunidades de emprego, especialmente para os trabalhadores que não podem entrar no setor formal. Seu ímpeto deve ser o de superar a pouca especialização e o círculo vicioso dos reduzidos investimentos. Os clusters de produtores de massa mais avançados e diferenciados floresceram na era da substituição das importações, mas passaram a operar sob enorme pressão a partir da transição para as economias abertas. Nesses clusters, o principal desafio é criar um ambiente que estimule e dê suporte à aprendizagem, a inovação e a atualização constante. Os clusters de corporações transnacionais são tipicamente dominados por empresas estrangeiras, tanto na produção de peças quanto na fase de montagem final. Eles são, frequentemente, vitrines das melhores práticas produtivas, o que pode ser usado para estimular a modernização das empresas nacionais, ao envolve-las na cadeia de fornecimento das empresas transnacionais. Paniccia (2007) fornece uma visão distinta dos tipos de clusters, cuja tipologia é baseada nas características estruturais da aglomeração, conforme segue: a) distrito industrial canônico, caracterizado por uma ampla divisão do trabalho, principalmente baseadas em empresas de propriedade familiar, com poucos funcionários e que dependem de familiares e parentes; b) distrito industrial 32 diversificado ou urbano, caracterizado pela localização e incorporação das atividades de fabricação em um ambiente urbano, o que torna a estrutura econômica mais diversificada do que no caso dos distritos industriais canônicos; c) plataformas satélite ou aglomerações centro-radiais, que compreendem um número limitado de pequenas empresas (quando comparados com o distrito canônico, mas não em termos absolutos ou quando comparados ao diversificado), normalmente operando como subcontratadas das grandes empresa, que podem estar localizados na mesma área ou fora dela; d) aglomerações concentradas ou integradas ou distritos industriais, que se caracteriza pela integração de duas ou mais networks de setores tecnológicos paralelos, que levam à descoberta de novos mercados onde empresas locais ocupam posições de liderança; e) áreas de co-locação, que se caracterizam pela co-locação de empresas especializadas em atividades similares, desempenhando a maioria das atividades de network e produzindo para o mercado final, normalmente pela intermediação de compradores. Pode ser visto como uma forma de organização da produção típica dos estágios iniciais de um processo de aglomeração industrial, do qual alguns distritos industriais canônicos ou artesanais existentes evoluíram; e f) aglomerações baseadas em ciência ou tecnologia, que pode ser caracterizado como uma variante dos distritos industriais integrados, quando a especialização da indústria pode ser rotulada como baseada em ciência. Um cluster pode apresentar traços de mais de um dos tipos identificados (MARKUSEN, 1995), além de poder se transformar em outro tipo com o passar do tempo (SCHMITZ, 1999), pois o conjunto de empresas presente em cada cluster apresenta características bastante particulares, que refletem o seu processo de formação (IGLIORI, 2001) e desenvolvimento. Outra abordagem semelhante trata dos ambientes inovadores ou “Millieux Innovateurs”, conduzida por pesquisadores europeus do Groupe de Recherche Europeen sur les Millieux Innovateurs (GREMI). Essa perspectiva considera a região como a unidade de análise principal, buscando verificar que características os contextos locais precisam para servir como ambiente adequado para a formação das redes de relacionamento e para a geração de inovações (IGLIORI, 2001). Maillat (1996), por sua vez, utilizou o termo millieux para representar uma entidade geográfica que possui seu próprio know how, regras e conexões particulares. Outra ideia central desta abordagem é que a interação entre os agentes não acontece 33 apenas por relações formais ou trocas materiais. A presente pesquisa considera as nomenclaturas cluster, arranjo produtivo local, distrito industrial e ambiente inovador como sinônimas. 2.1.2. Motivações para formação dos clusters e os benefícios à economia Em paralelo à globalização dos mercados, Eng (2007) observou a crescente tendência de concentração regional da atividade produtiva. Para Porter (1998), esse aparente paradoxo ocorre porque a qualidade do ambiente local de negócios, com sua concentração de mão de obra altamente especializada, instituições públicas e privadas, troca de conhecimentos, parceiros e concorrentes, etc. é difícil de ser replicada por competidores de outras regiões. A importância das regiões, segundo Porter (2003), pode explicar porque países com grande descentralização econômica, como a Alemanha e os Estados Unidos, têm sido historicamente bem-sucedidos, e porque países como a Índia e a China estão alcançando notável progresso econômico em algumas de suas províncias. A prevalência dos clusters, portanto, pode revelar importantes insights sobre a microeconomia da competição e sobre o papel da localização na vantagem competitiva (PORTER, 2000). Marshall (1916) identificou três motivações para a formação de um cluster: a existência de trabalhadores especializados, a provisão de entradas especializadas, e o intenso fluxo de conhecimento entre as empresas, gerando o transbordamento tecnológico. Barakat et al (2017) também defendem a existência de três condicionantes para a gênese dos clusters: a) as ações governamentais de incentivo (top-down). Um exemplo que ilustra a abordagem top-down é o cluster aeroespacial de São José dos Campos, onde inicialmente o Ministério da Aeronáutica priorizou a formação de recursos humanos especializados, motivando a fundação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, de um centro de pesquisa e desenvolvimento no Centro Tecnológico de Aeronáutica, e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). ITA, CTA e INPE se tornaram difusores de tecnologia e suportaram o surgimento de inúmeras empresas, comumente fundadas por ex-alunos do ITA, das quais a mais importante foi a Embraer. Além da Embraer, há diversas empresas relacionadas ao setor 34 aeroespacial na localidade, formando uma rede de fundamental importância para dar suporte ao modelo de negócios da Embraer; b) o empreendedorismo dos agentes privados, onde as empresas pioneiras atraem novas empresas. Um exemplo desse tipo de cluster é o parque tecnológico “Porto Digital”, em Recife-Pernambuco, formado em sua maioria por micro e pequenas empresas, boa parte criada por jovens empreendedores. Essas empresas de tecnologia da informação e comunicação começaram a chegar à região na década de 1970, tendo como resultado a diminuição do êxodo de mão de obra especializada do estado rumo à região Sudeste e ao exterior. Assim, inicialmente se formou a aglomeração empresarial especializada em tecnologia e posteriormente o governo e outras instituições passaram a investir no cluster. c) o processo iterativo entre governo, empresas, redes sociais, universidades e instituições de ensino, centros de pesquisa, sindicatos e outras instituições de apoio (coevolucionário). Esse processo pode ser exemplificado pelo cluster biomédico de Ribeirão Preto-São Paulo, maior exportador de produtos odontológicos do país. A cidade possui um ambiente acadêmico produtivo, que representa 4% das pesquisas científicas nacionais em saúde, sendo a cidade brasileira com o maior número de equipamentos hospitalares por habitante. O cluster surgiu a partir da iniciativa das indústrias de equipamentos médicos, hospitalares e odontológicos, porém com o apoio de instituições como o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), a Associação Brasileira de Indústrias de Artigos e Equipamentos Odontológicos, Hospitalares e de Laboratório (ABIMO) e a Fundação Instituto Polo Avançado da Saúde de Ribeirão Preto (FIPASE), que atuaram no suporte ao desenvolvimento da cadeia produtiva. A Figura 1 apresenta as interações entre os condicionantes para a gênese dos clusters apresentados por Barakat et al (2017) 35 Figura 1 – Interações entre empresa e governo para o surgimento de um cluster Fonte: Barakat et al (2017). Em estudo sobre o desenvolvimento dos estágios iniciais de um cluster aeroespacial estadunidense, Steenhuis e Kiefer (2016) observaram que, embora existam vários tipos de colaborações na região, como políticas e organizações governamentais, o principal motor de desenvolvimento dos clusters em estágios iniciais é o mecanismo de coordenação liderado pelos fabricantes. Tendo consciência de que são pequenos para serem bem-sucedidos na indústria aeroespacial, os fabricantes colaboram para apresentar-se como um “corpo único” aos clientes fora da região e, uma vez que esses clientes realizam as suas encomendas, entra em ação um mecanismo de coordenação com a divisão do trabalho entre os diferentes fabricantes. Grumadaite e Jucevicius (2016) observaram seis motivações para a emergência dos clusters em países pós autoritários e em contextos socioeconômicos ainda imaturos, conforme constante do Quadro 1 abaixo. 36 Quadro 1 – Padrões para a emergência de clusters em contextos pós autoritários PADRÃO BARREIRAS POSSÍVEIS SOLUÇÕES Uma grande empresa ou empresas estão agindo como âncoras para atrair empresas menores para um cluster. As empresas nacionais não conseguem desempenhar o papel de flagship Atrair multinacionais (as oportunidades adequadas devem ser criadas pelo governo do país). Emergência do cluster como um meio para atender às necessidades de grandes clientes externos ao cluster. A falta de grandes empresas. A incapacidade das grandes empresas criar subsidiárias. Criar networks com clientes internacionais. Encontrar pelo menos uma grande empresa multinacional como um cliente permanente. Emergência do cluster através de empreendedores locais. A falta de atividade empresarial e de cooperação devido à falta de confiança e forte concorrência. Atrair os empreendedores transnacionais para uma região específica (as oportunidades devem ser criadas pelo governo de um país). Criar networks inter- regionais e internacionais Emergência do cluster através de representantes da comunidade científica local. Escassa cooperação entre representantes empresariais e científicos. Apresentação ativa e atrativa do sentido da pesquisa para a sociedade e empresas para desencadear interesses na solução de problemas no modelo do cluster. Clarear os interesses e tarefas comuns. Emergência do cluster adaptando conhecimentos e redes regionais formadas historicamente. Perda da identidade e da estrutura industrial, esvaziamento regional devido à emigração e escassez de engajamento cívico. Desenvolver a identidade regional. Melhorar a qualidade de vida, especialmente nas regiões periféricas. Habilitar as comunidades regionais e a importância das lideranças locais. Governo como principal agente de mudança. Falta de confiança nas instituições e comportamento autoritário das instituições governamentais e científicas em processos auto- organizados. Concentração governamental apenas no investimento em infraestrutura. Ambiente legal e organizacional positivo para o gerenciamento de conflitos. Fonte: Grumadaite e Jucevicius (2016). Particularmente, a análise de Grumadaite e Jucevicius (2016) sobre os clusters na Lituânia revelou quatro combinações de fenômenos envolvidos no surgimento desses sistemas industriais, conforme apresentado na figura abaixo. 37 Para os autores, esses padrões destacam a importância de representantes das empresas locais, da comunidade científica e da sociedade como parceiros no surgimento dos clusters, mas, antes de tudo, a relevância da internacionalização na atração de empresas multinacionais e empreendedores transnacionais e na introdução em networks globais com clientes e clusters internacionais. Quadro 2 – Cenários para a emergência de clusters na Lituânia. CENÁRIO EXPLICAÇÃO EXEMPLOS Fenômenos não planejados e não equilibrados e eventos que causam iniciativas não explicitas para o surgimento dos sistemas industriais. Vários eventos não planejados, como fenômenos naturais, socioeconômicos ou reuniões acidentais que levam a ensaios para a superação desses desafios sem a clara intenção de criar um cluster. Durante o processo de ruptura do Estudio Lithuanian Film surgiram líderes que encorajaram as empresas audiovisuais a aproveitar a oportunidade de permanecer na construção do estúdio. A proximidade resultou na emergência do cluster. Fenômenos não planejados e não equilibrados e eventos que causam iniciativas explícitas para o surgimento dos sistemas industriais. Vários eventos não planejados, como fenômenos naturais socioeconômicos ou reuniões acidentais que levam à intenção de criar um cluster. Surgimento de clientes potenciais e mercados inacessíveis aos projetos de uma única empresa. A escassez de recursos resultou no surgimento de um líder que uniu seis empresas para o surgimento do cluster. Fenômenos e eventos planejados e não equilibrados que causam iniciativas explícitas para o surgimento dos sistemas industriais. Vários eventos, ações, ou processos que levaram à clara intenção de criar um cluster. Surgimento de oportunidades de financiamento da União Europeia incentivou a cooperação de longo prazo, levando a nova fase de desenvolvimento. Fenômenos e eventos planejados e não equilibrados que causam iniciativas não explicitas para o surgimento dos sistemas industriais. Vários eventos, ações, processos que levaram a vários julgamentos para lidar com uma situação atual sem a clara intenção de criar um cluster. Combinação explica os casos em que empresas convidam outros atores de mentalidade semelhante a expandir as oportunidades de negócios e os resultados bem-sucedidos desses ensaios resultam na emergência do cluster. Fonte: Grumadaite e Jucevicius (2016). 38 Em clusters, empresas e instituições podem operar com maior eficiência e inovar mais aceleradamente, compartilhando tecnologias, infraestrutura, conhecimentos, habilidades, insumos, respondendo à demanda dos clientes locais (DELGADO ET AL, 2015b). Em função dessas motivações, nos clusters podem ser encontradas empresas de diversos segmentos da cadeia produtiva, além de instituições governamentais ou privadas, conectadas numa concentração geográfica, o que pode proporcionar vantagem competitiva única (PORTER, 1998). A força de um cluster também pode refletir o desenvolvimento de uma série de indústrias relacionadas na região, ao invés de uma indústria específica (PORTER, 1998, 2003; DELGADO ET AL, 2015b). Reve e Sasson (2015) defendem, portanto, que esse modelo proporcionou uma nova linguagem para o desenvolvimento de políticas industriais e clareia o papel dos vários elementos envolvidos: governos centrais e locais, associações industriais e de comércio, universidades e instituições educacionais, atores comerciais em todos os níveis da cadeia de valor e organizações de fomento ou instituições de colaboração. Porter (1993) observou que as indústrias competitivas de um país não se distribuem igualmente pela economia e o desempenho de economias regionais varia consideravelmente em termos do crescimento de salários, empregos e patentes. Economias regionais diferem moderadamente em suas proporções ao comércio, dependência de recursos e indústrias locais, e consideravelmente no mix de clusters presentes. De fato, o desempenho econômico regional é fortemente influenciado pela força dos clusters e pela vitalidade e pluralidade de inovações (PORTER, 2003). As razões do agrupamento vêm diretamente dos determinantes da vantagem nacional e são uma manifestação do seu caráter sistêmico. Uma indústria competitiva ajuda a criar outra num processo mutualmente fortalecedor. Essa indústria é, com frequência, a compradora mais sofisticada dos produtos e serviços dos quais depende. Sua presença num país torna-se importante para o desenvolvimento da vantagem competitiva em indústrias fornecedoras. A presença de uma indústria compradora de classe mundial no país beneficia não só os fornecedores internamente, mas também pode ajudá-los no exterior (PORTER, 1993). As origens dos clusters podem estar ligadas a fatores geográficos ou culturais, ao desenvolvimento histórico, à demanda local, à existência de indústria 39 fornecedora, em outro cluster e ao dinamismo empreendedor de empresas inovadoras que estimulam o crescimento de outras, dentre outros - normalmente ligado à existência de alguma base de vantagens na localização (PORTER, 1998). Uma vez formado o grupo, todo o conjunto de indústrias passa a apoiar-se mutuamente; e a entrada de novas organizações no cluster procedentes de outras indústrias favorece o seu aprimoramento, estimulando a diversidade na pesquisa e desenvolvimento e proporcionando meios para a introdução de novas estratégias e capacidades. Nesse ambiente, as informações podem fluir livremente e as inovações devem se difundir com rapidez, através de fornecedores ou clientes que têm contatos com competidores (PORTER, 1993). Um aspecto importante para o cluster é se suas indústrias componentes apresentam alta produtividade e inovação, pois enquanto a produtividade aponta para a eficiência econômica corrente da indústria a inovação aponta para a capacidade produtiva futura e a habilidade de a indústria se adaptar e se transformar ao longo do tempo (REVE; SASSON, 2015). Porter (1998) defendeu que, uma vez que o cluster começa a se formar, entra em ação um ciclo virtuoso de crescimento que envolve a divisão do trabalho, a expansão de mercados, a interação entre as empresas, a formação de redes de negócios, o surgimento de fornecedores de bens ou serviços especializados, e a atração ou o surgimento de novas empresas – bem como de talentos para a região. Empresas de todo um cluster de indústrias interligadas investem em tecnologias especializadas, mas correlatas, informação, infraestrutura e recursos humanos, proporcionando numerosas ramificações. A escala de todo o grupo, por sua vez, encorajará o maior investimento e especialização (PORTER, 1993). A proximidade geográfica, por outro lado, contribuirá para a competitividade das empresas, uma vez que os conhecimentos serão mais facilmente compartilhados pela interação pessoal. O processo de aprendizado também será facilitado pela proximidade, contribuindo para que as pessoas passem a interagir social e profissionalmente, de forma espontânea, na esfera privada ou no ambiente de trabalho, acelerando a difusão das informações (PORTER, 1998). As universidades localizadas perto de um grupo de competidores muito provavelmente tomarão conhecimento da indústria, perceberão que é importante e reagirão de acordo. Por sua vez, os competidores provavelmente financiarão e apoiarão a atividade universitária local. Fornecedores localizados perto estarão mais 40 bem colocados para intercâmbio e cooperação regular com a pesquisa e desenvolvimento da indústria. Dessa forma, a concentração de rivais, clientes e fornecedores promoverá eficiência e especialização, contribuindo com a melhoria da produtividade e com a inovação (PORTER, 1993). Reve e Sasson (2015), contudo, alertam que localidades diferem de acordo com suas habilidades de atrair avançadas instituições educacionais, empregados talentosos, especialistas acadêmicos e projetos de pesquisa e desenvolvimento, e um diversificado e amplo conjunto de empresas relacionadas. Na mesma linha, Ferreira, Goldszmidt e Csillag (2010) acrescentam que a localização poderá ser muito importante no desempenho das empresas, mas isso não ocorrerá de maneira homogênea, e a forma como a cidade ou região interage com a indústria concentrada em um cluster poderá exercer uma significante influência no desempenho futuro das empresas dessa indústria. Como o funcionamento dos mercados são frequentemente influenciados por políticas públicas, Eng (2007) sustenta que o envolvimento governamental na ajuda aos pequenos e médios empreendimentos deveria promover a competitividade e ampliar o desempenho econômico dos clusters regionais de empresas. Nesse sentido, Delgado et al (2015b) esclarecem que para competir mais efetivamente, as regiões necessitam entender as forças de seus clusters comparados àqueles de outras regiões. Entender a geografia do cluster, portanto, ajudaria a fornecer informações sobre políticas que facilitem a conectividade das empresas e instituições de suporte. Para Eng (2007), os governos não deveriam apenas ajudar a competitividade das empresas locais em suas habilidades de exportar e competir em um mercado internacional, mas também na interdependência entre elas, como na colaboração em sistemas de produção e na concentração de linhas de produção e cadeias de suprimentos. Essas interdependências de recursos - que constituem a base para a interdependência entre empresas - servirão ao propósito da criação de ativos que reduzam os custos de transação e de produção. Na percepção de Delgado et al (2012), os clusters são importantes não apenas para o crescimento das indústrias existentes, mas para a criação de novas indústrias em uma região. Em outras palavras, novas indústrias regionais são formadas a partir de fortes clusters. Assim, as indústrias localizadas em um cluster forte, ou que tenham acesso a clusters relacionados, estariam associadas às 41 elevadas taxas de crescimento na formação de novas empresas (DELGADO ET AL, 2010). Particularmente, em indústrias caracterizadas por clusters regionais dominantes, fazer parte desses clusters é essencial para o equilíbrio estratégico sustentável, pois os não membros se encontrarão em dificuldades ao competir por vantagens com base no componente conhecimento, em função das oportunidades criativas e de integração geradas no interior do cluster (TALLMAN ET AL, 2004). Clusters regionais fortes aumentam a amplitude e a diversidade de oportunidades empreendedoras para startups, reduzindo os custos de iniciar um novo negócio. Entretanto, os clusters são importantes não apenas para a formação de novas empresas, mas de novos estabelecimentos de empresas existentes. Esses novos estabelecimentos frequentemente pertencem a empresas que participam de clusters em outras localidades, de modo que as empresas podem buscar clusters regionais complementares, beneficiando-se das vantagens comparativas de cada locação (DELGADO ET AL, 2010). Ao longo do tempo, há um desenvolvimento endógeno do cluster, onde, progressivamente, novas empresas nascem de empresas nele estabelecidas. Muitas delas são spin-offs fundados por ex-funcionários da empresa mãe que identificaram oportunidades de negócios ou mercados não explorados por ela e, numa atitude empreendedora, iniciaram os seus próprios negócios (FERREIRA ET AL, 2006). Com base no conhecimento adquirido enquanto trabalhando em suas empresas mãe, os fundadores de spin-offs apresentam melhores capacitações em seus empreendimentos do que outros fundadores de empresas (BUENSTORF; FORNAHL, 2009). Com o tempo os spin-offs tornam-se menos dependentes dos recursos da empresa mãe e, conforme vão crescendo, eles próprios passam a gerar spin-offs. A repetição contínua desse processo contribui com o fluxo de informações e com a difusão de inovações, evitando que o cluster fique estagnado em comportamentos isomórficos e permitindo que ele se adapte às mudanças de mercado ou tecnológicas. Assim, se o cluster se desenvolve por meio de uma rede interligada de empresas, tanto a empresa mãe quanto seus spin-offs obtêm benefícios (FERREIRA ET AL, 2006). Com base em Buenstorf e Fornahl (2009) e Ferreira et al (2006) são realizadas as seguintes proposições teóricas: 42 Proposição Teórica n 1 - Empresas spin-offs podem apresentar melhores capacitações em seus empreendimentos (em relação aos não spin- offs). Proposição Teórica n 2 - Com o tempo, empresas spin-offs podem tornar-se menos dependentes dos recursos da empresa mãe. Os clusters têm sido um elemento fundamental nas estratégias de industrialização de países emergentes como a China, o Brasil e a Índia. Os clusters indianos, por exemplo, são frequentemente fundamentados em habilidades artesanais e na produção intensiva em mão de obra de baixo custo, enquanto os clusters brasileiros e chineses normalmente se concentram na produção industrial de maior valor agregado. Na Índia e no Brasil, os principais incentivos políticos a nível nacional têm sido direcionados ao desenvolvimento do cluster com o intuito de criar empregos e aliviar a pobreza. Na China, os governos locais têm apoiado os clusters como um veículo para alcançar suas taxas de crescimento das últimas décadas. Na Índia, os empreendedores de cluster normalmente operam sob um contrato social que não os incentiva a cumprir as normas trabalhistas e ambientais. No Brasil, o cumprimento das normas trabalhistas e da regulamentação ambiental é, em geral, a regra. Na China a situação é intermediária, onde tensões entre os governos nacional e local podem levar à situação onde o cumprimento da regulamentação pode ser mais negociável que no Brasil, mas não ignorada como na Índia (KNORRINGA; NADVI, 2016). No Brasil, algumas pesquisas destacam o papel das instituições e da governança no desenvolvimento dos clusters. Para Braga e Forte (2016), as instituições exercem um
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