Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Icterícia Neonatal Trata-se de uma das manifestações mais frequentes do período neonatal, ocorrendo em recém-nascidos (RN) de todas as idades gestacionais. Designa a coloração amarelada da pele e/ ou conjuntivas, sendo definida como a concentração sérica de bilirrubina indireta (BI) > 1,5 mg/ dL ou de bilirrubina direta (BD) > 1,5 mg/dL, desde que esta represente mais do que 10% do valor de bilirrubina total (BT). É visível na avaliação clínica quando o nível de BT sérica excede 5 mg/ dL. No RN, a maioria dos casos de icterícia decorre de um aumento da fração indireta, ou livre, da bilirrubina (BI) e apresenta uma evolução benigna. Na prática, 85% dos RN a termo, e também a maior parte dos prematuros, desenvolvem icterícia clínica. Em torno de 6% de RN saudáveis a termo mostram níveis de BT > 12,9 mg/ dL, e 3% > 15 mg/ dL. Uma pequena parcela de pacientes, no entanto, que apresenta níveis “críticos” elevados de BI, pode desenvolver acencefalopatia bilirrubínica, complicação grave denominada ckernicterus. Além disso, é possível falar em icterícia precoce que acontece antes das primeiras 24h de vida que está mais associada ao que se denominada “icterícia patológica” e a tardia que ocorre após as 24h chamada também de “icterícia fisiológica”, pois, como veremos a hiperbilirrubinemia indireta muitas vezes resulta de uma adaptação neonatal ao metabolismo da bilirrubina. Outro termo que é importante apropriar-se é o de hiperbilirrubinemia significativa que representa valores de BT > 20-25cmg/dL. Porém, valores de BT > 12mg/cdL em RN com icterícia precoce já alerta para a necessidade de umacinvestigação etiológica e dos fatores de risco para hiperbilirrubinemiacsignificativa. Hiperbilirrubinemia é o aumento da concentração sérica de bilirrubina indireta (BI) indireta (BI) > 1,3-1,5mg/dL ou bilirrubina direta (BD) > 1,5mg/dL desde que tal valor seja > 10% da bilirrubina total (BT). A icterícia neonatal é o sinal clínico decorrente desde aumento. Fisiopatologia Várias são as restrições do metabolismo da bilirrubina que explicam a chamada “icterícia fisiológica”: a origem da bilirrubina está na degradação de hemácias, fisiologicamente normal nos RN. A partir desse fenômeno, instala-se uma cascata de eventos: a sobrecarga de bilirrubina ao hepatócito e a menor capacidade de captação, conjugação e excreção hepática da bilirrubina. A sobrecarga de bilirrubina ao hepatócito decorre da produção aumentada de BI: o RN produz 2 a 3 vezes mais bilirrubina do que o adulto, por causa da maior quantidade proporcional de hemoglobina e menor vida média das hemácias, que é de 70 a 90 dias. Uma vez que o catabolismo de 1 g de hemoglobina fornece 34 mg de bilirrubina, a produção diária de bilirrubina no neonato é de 6 a 10 mg/kg, sendo 75% derivada do catabolismo dos eritrócitos e 25% do anel heme, das proteínas hepáticas e da destruição de eritrócitos imaturos. A classificação da icterícia neonatal envolve 2 grandes grupos de patologias, que acolhem vários tipos de causas. Trata-se da hiperbilirrubinemia indireta, produzida pelo aumento sérico da fração livre (BI), e a direta, decorrente do acúmulo da fração conjugada, ou direta, da bilirrubina (BD). A bilirrubina é um pigmento que deriva do heme (originário da hemoglobina dos eritrócitos) e, nos RN mais do que nos adultos, provém também de outros heme que não tem origem na hemoglobina como os que compõem a catalase, mioglobina e citocromos. Com isso, o metabolismo da bilirrubina pode ser dividido em: captação, armazenamento, conjugação e secreção hepática. Com a ruptura das hemácias e liberação da hemoglobina, esta é captada por macrófagos que a transformam em biliverdina, monóxido de carbono e ferro. A biliverdina ao ser convertida em bilirrubina livre pela biliverdina-redutase passa a ser liberada gradualmente dos macrófagos para o plasma, tal molécula é lipossolúvel, e como dito anteriormente, atravessa facilmente a barreira hematoencefálica. Para ser transportada no plasma esta bilirrubina liga-se à albumina, sendo chamada também de bilirrubina não conjugada ou indireta. Ao chegar ao fígado, a mesma é captada por proteínas chamadas ligandinas até os hepatócitos onde em seguida são levadas ao retículo endoplasmático no qual são conjugadas pela ação da enzima UDP glicuroniltransferase formando então um composto polar e hidrossolúvel que é a bilirrubina direta ou conjugada. A excreção desta ocorre através do polo biliar dos hepatócitos para então chegar ao intestino onde é desconjugada pela ação das glicuronidases bacterianas para formar o urobilinogênio que é excretado nas fezes, pequena porção é eliminada pela urina e, outra parte, volta para o fígado pelo sistema porta, constituindo o ciclo enterro-hepático da bilirrubina. No RN tanto a captação quanto a conjugação mostram- se ineficientes devido à imaturidade da ação tanto das ligandinas como da UDP glicuroniltransferase, a qual só atinge níveis similares aos do adulto entre a 6a e 14a semana de vida. Inclusive,a quantidade desta enzima aumenta quanto mais aumenta a maturidade fetal, o que faz com que após 40 semanas de idade gestacional seu valor seja 10 vezes maior do que em fetos com idades mais precoces. Além disso, a maior concentração de hemoglobina e menor meia vida dos eritrócitos leva o RN a ter uma quantidade de bilirrubina duas vezes maior que a do adulto. Outro fator que contribui para a maior quantidade de BI no neonato diz respeito ao aumento da circulação enterro- hepática decorrente de um trato gastrointestinal estéril, ou seja, com menor quantidade de glicuronidases bacterianas e também, devido a maior quantidade de beta-glicuronidase presente no leite materno. INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA DA ICTERÍCIA A icterícia neonatal apresenta progressão cefalocaudal sendo possível avalia-la por meio das zonas de Kramer em que áreas ictéricas do corpo do neonato, avaliadas sob luz natural, são correlacionadas com valores médios de bilirrubina: No entanto, a avaliação por meio das zonas de Kramer não permite predizer a gravidade da elevação dos níveis de bilirrubina, assim como a análise pode variar muito a depender do tom de pele do RN. Com isso, têm sido desenvolvidos mecanismos de avaliar os níveis de BT de modo não invasivo como é o caso das medidas de bilirrubina transcutânea. Apesar de possuir o benefício de realizar uma boa verificação da BT independente da etnia, tal técnica ainda é muito onerosa para o sistema de saúde e, alguns estudos mostram que valores de BT > 13-15 mg/dL devem ser investigados por meio de bilirrubina sérica. Outra forma de avaliar os valores de bilirrubina é pelo método invasivo de coleta por meio do sangue do RN. Deste modo pode-se prever quais RN têm risco de desenvolver valores elevados na 1a semana de vida. Para avaliação deste risco um nomograma, conhecido como Nomograma de Buthani, foi construído baseados nos percentis 40, 75 e 95 com os valores de BT séricas colhidas do RN. Logo, qualquer RN ictérico com idade gestacional (IG) ≥ 35 semanas é necessário determinar o risco (mínimo, intermediário ou maior) de desenvolver hiperbilirrubinemia significativa, ou seja, BT > 25mg/dL. Esta avaliação deve ser feita antes da alta na maternidade, bem como no período máximo de 72h após a mesma. Em alguns casos, faz-se necessária a investigação de doença hemolítica do RN, portanto, a solicitação de hemograma, tipagem sanguínea ABO, Rh (antígeno D), antígenos eritrocitários irregulares, Coombs direto/indireto e eluato deve ser realizada. Para isto, é importante lembrar o que cada um desses exames vai analisar. Em mães Rh negativo, que como veremos a seguir podem criar anticorpos IgG anti-D contra hemácias do RN Rh positivo causando a doença hemolítica perinatal.O teste de Coombs indireto permite analisar se há anticorpos anti-D no plasma materno, enquanto o Coombs direto avalia a presença ou não de anticorpos maternos anti-D nas hemácias do neonato. No caso de doença hemolítica por incompatibilidade ABO pode ser realizado também o teste do eluato por congelamento no qual é retirado os anticorpos presos nas hemácias e expõe estes a hemácias ABO se apresenta com uma maior sensibilidade para detectar anticorpos ABO presentes nas hemácias dos RN. ETIOLOGIA Diante de um quadro de icterícia em um neonato é preciso raciocinar quais possíveis etiologias relacionadas a depender do momento em que surge essa icterícia, a quão significativa é a hiperbilirrubinemia indireta, outros sinais e sintomas associados, etc. No entanto, de antemão pode-se elencar possibilidades etiológicas para icterícia no RN: Fisiológica Como dito, a icterícia que ocorre após as 24h de vida costuma estar mais relacionada com aqueles mecanismos ligados à imaturidade dos hepatócitos e todos aqueles outros fatores que naturalmente contribuem para hiperbilirrubinemia e, consequentemente a icterícia no RN. Tal icterícia nos RN a termo tem seu pico entre 3o-5o dia e desaparece até o 12o dia de vida, enquanto que nos pré- termo o pico é entre 5o-7o dia, desaparecendo em geral no 14o dia. A avaliação por meio das zonas de Kramer permite estabelecer quanto está intensa a icterícia bem como sua correlação com os níveis de bilirrubina. Porém, alguns fatores de risco estão associados a maiores níveis d bilirrubina e devem ser levados em consideração tais como: descendência asiática, mãe com diabetes, hipóxia, coleções sanguíneas, clampeamento tardio de cordão. Causas não fisiológicas Alguns fatores de risco têm sido valorizados para hiperbilirrubinemia indireta com necessidade de tratamento. Vale lembrar que o fator de maior risco é o surgimento de icterícia dentro das primeiras 24 horas de vida. A idade gestacional entre 35 e 36 semanas, independentemente do peso ao nascer, é considerada um dos fatores de risco mais importantes para hiperbilirrubinemia significativa em razão da capacidade diminuída da conjugação hepática da bilirrubina e da dificuldade na sucção e deglutição para manter oferta adequada de leite materno. O risco de RN com 36 semanas desenvolver BT > 20 mg/dL é 8 vezes maior quando comparado a RN de 41 semanas de idade gestacional. O baixo aporte é fator associado importante nesses RN, normalmente com poder de sucção ainda diminuído, por favorecer o aumento da circulação êntero-hepática da bilirrubina. Esses pacientes, sobretudo nos casos de alta precoce da maternidade, têm contribuído para reinternações em leitos de hospitais pediátricos, elevando os custos no âmbito da saúde pública. A perda exagerada de peso nos primeiros dias de vida, em RN sob aleitamento exclusivo, sem evidências de hemólise ou outra causa de icterícia, pode sugerir esse diagnóstico. Sódio sérico ≥ 150 mEq/L reforça a hipótese. Outra causa frequente de hiperbilirrubinemia indireta é o jejum prolongado, que favorece a absorção da bilirrubina no nível intestinal e seu maior aporte para a circulação sanguínea. Lembrar que a icterícia prolongada pode ser a única manifestação do hipotireoidismo congênito, pois o hormônio tireoidiano é um indutor da atividade da glicuroniltransferase. Na presença de céfalo-hematoma, equimoses ou outros sangramentos, a hiperbilirrubinemia manifesta-se 48 a 72 horas após o extravasamento sanguíneo e pode causar icterícia prolongada. A deficiência de G6PD deve ser pesquisada em todo RN que apresente icterícia não fisiológica, mesmo que outra causa explique a hiperbilirrubinemia. É uma doença genética associada ao cromossomo X e, ao contrário do que se esperaria, afeta igualmente indivíduos dos dois sexos. Falta do leite materno: Tal icterícia costuma acontecer na 1ª semana de vida associada a perda de peso no 3o dia de vida 5% maior do que dos outros neonatos em aleitamento materno, decorrente da ingestão inadequada do leite materno o que leva ao aumento da circulação enterro- hepática de bilirrubina e, consequentemente, maior aporte desta para a circulação sanguínea. Isso pode acontecer tanto por uma dificuldade na sucção pelo RN, como pouca oferta do leite pela mãe, vale ressaltar que, esse contexto leva tanto a perda de peso quanto desidratação do neonato. A icterícia chegar a ser bastante intensa, assim como os níveis de bilirrubina podem levar ao desenvolvimento da encefalopatia bilirrubínica. A chamada “icterícia por leite materno” tipicamente se inicia entre 3 e 5 dias de vida, atingindo o pico após 2 semanas, quando começa a declinar lentamente, desaparecendo entre 3 e 12 semanas após o nascimento. Ocorre em bebês saudáveis, com bom ganho de peso, sob aleitamento natural, e constitui diagnóstico de exclusão. O aumento de bilirrubinas se deve exclusivamente à fração indireta. A causa não está totalmente esclarecida, podendo decorrer de algum fator presente no leite materno que favoreça a absorção intestinal de bilirrubinas. Entre 20 e 40% das mulheres apresentam níveis elevados de beta-glucuronidase no seu leite, o que explicaria a icterícia. Outro mecanismo proposto seria uma mutação polimórfica do gene UGT1A1 do leite de algumas mulheres. De qualquer forma, não há necessidade de tratamento da icterícia por leite materno, não se indicando a descontinuidade do aleitamento. Coleções sanguíneas extravasculares Algumas coleções sanguíneas, benignas ou não, podem acometer o RN causando com isso um extravasamento do sangue das mesmas, o que sobrecarrega os hepatócitos de bilirrubina. Hemorragia intracraniana/ pulmonar/gastrointestinal, cefalo- hematomas, hematomas, sangue deglutido ou equimoses causam icterícia prolongada que se manifesta 48-72h após o extravasamento. Doenças hemolíticas A icterícia que ocorre nas primeiras 24h de vida do neonato costuma estar ligada às doenças hemolíticas. Estas podem ser: imunes, enzimáticas, da membrana eritrocitária (esferocitose), por hemoglobinopatias (alfatalassemia) e adquiridas quando decorrentes de infecções virais ou bacterianas. O exame físico, os dados clínicos e laboratoriais do RN e da mãe permitem melhor elucidação diagnóstica de qual tipo de doença hemolítica se está tratando. O aparecimento de icterícia precoce alerta para o risco de doença hemolítica, sobretudo, as hereditárias. Por este motivo, de acordo com o quadro clínico, dosa-se a BT e o hematócrito a cada 6-8h até as 36h devida a fim de calcular a velocidade de hemólise, ou seja, o aumento de bilirrubina em mg/dL/h de modo que valores >0,5-1 mg/dL/h indicam gravidade do quadro e permitem estabelecer terapêutica. Além disso, como no cordão é possível coletar sangue para realizar análise do eritrograma e os valores de bilirrubina total e frações. Valores de BT > 4 mg/dL e/ou hemoglobina < 12 mg/dL associação a gravidade da doença hemolítica perinatal. Na incompatibilidade Rh, a mãe Rh negativo possui anticorpos anti-D (Coombs indireto positivo) enquanto o RN possui suas hemácias recobertas pelos anticorpos anti-D produzidos pela mãe (Coombs direto positivo). Vale ressaltar que, essa repercussão clínica no RN costuma acontecer com maior gravidade em gestações subsequentes, pois nestes casos a mãe já sensibilizada previamente desenvolve anticorpos do tipo IgG que atravessam a placenta levando a eritroblastose fetal. Por este motivo é fundamental dessensibilizar as mães Rh negativo no pós-parto, pós- abortamento, pós procedimentos ou pós sangramentos durante a gestação com imunoglobulina anti-D, promovendo proteção contra anticorpos anti-D de até 99%. Já na incompatibilidade ABO não é preciso haver sensibilização prévia, sendo resultante de umRN com sangue tipo A ou B com mãe sangue tipo O. Essa icterícia evolui de forma persistente alcançando níveis elevados de BI. Independentemente do resultado do Coombs direto, em casos de incompatibilidade ABO é importante realizar o teste do eluato por congelamento, pois este permite verificar a presença dos anticorpos anti-A e anti-B no sangue do neonato. Porém, a positividade deste teste apenas indica a presença dos anticorpos, não evidenciando a gravidade da doença. Um outro diagnóstico diferencial para doenças hemolíticas imunes é a incompatibilidade por antígenos eritrocitários irregulares do sistema Rh (c, C, e, E, cc, Ce) e outros do sistema Kell, Duffy, Kidd e MNss que também causam hemólise grave. Quando a mulher não possui determinado antígeno eritrocitário e, ao receber uma transfusão sanguínea produzem IgG para esse antígeno, ao engravidarem, se o feto tem aquele mesmo antígeno em suas hemácias, ocorre então uma reação antígeno-anticorpo que culmina na doença hemolítica. O diagnóstico pode ser realizado inclusive durante o pré-natal ao atentar-se para multigestas ou mulheres que tenha recebido transfusão anterior à gestação. Deve-se suspeitar desta doença quando há doença hemolítica no RN, mas não há incompatibilidade ABO e Rh e o sangue do RN apresenta Coombs direto positivo. Dentre as doenças hemolíticas enzi- máticas, vale a pena destacar a mais frequente e importante que é a deficiência de glicose 6-fosato-desidrogenase (G-6-PD). Esta enzima eritrocitária atua na defesa antioxidante intracelular, logo, quando o RN deficiente nesta enzima é exposto a estresse oxidante, acidose, infecção, hipoglicemia e algumas drogas (anti-inflamatórios, analgésicos, antimaláricos, etc.) podem desenvolver hemólise e em seguida hiperbilirrubinemia. O diagnóstico é realizado por triagem neonatal em papel filtro ou dosagem sérica da enzima. Quanto à icterícia, esta costuma-se desenvolver após as 24h e intensificar- se ao longo da 1a-2a semanas, levando ao quadro clínico de encefalopatia bilirrubínica. Distúrbios genéticos na conjugação A redução na glucorunidação da bilirrubina na Síndrome de Gilbert ocorre em decorrência de uma variante da enzima responsável pela conjugação, a UDPGT1, reduzindo a formação de glucoronídeos da bilirrubina o que causa a síndrome. O diagnóstico é feito observando o histórico familiar, ausência de outras hepatopatias que justifiquem a icterícia e a melhora desta após o uso de fenobarbital. Outro grupo são as Síndromes de Crigler- Najjar tipos I e II, ambas formas clínicas da deficiência congênita da enzima glicuronil- transferase. A tipo I é autossômica recessiva, onde há ausência completa da atividade da enzima e manifesta valores de BI 25-35 mg/dL logo nos primeiros dias. Neste caso não há resposta ao fenobarbital e a biópsia hepática não evidencia a presença da enzima. A tipo II é autossômica dominante com presença reduzida da glicuronil-transferase. Tal enzima também está reduzida em pacientes com hipotireoidismo congênito, permanecendo assim por semanas ou meses. O diagnóstico se dá pela redução dos níveis de T4 e aumento dos níveis de TSH, os quais já são rastreados na triagem neonatal. Encefalopatia Bilirrubínica (kernicterus): Como já dito, a BI atravessa a barreira hematoencefálica e pode depositar-se nos núcleos da base (globo pálido e subtalâmico principalmente)conferindo aos mesmos coloração amarelada e acarretando em sinais neurológicos. Alguns fatores de risco contribuem para a instalação do quadro clínico favorecendo esta lesãonos núcleos da base, são eles: doença hemolítica, hipóxia, hipoalbuminemia, sepse, acidose. Na fase aguda o RN encontra-se com: letargia, hipotonia, choro estridente, hipertonia e hipertermia. A fase crônica consiste em: paralisia cerebral atetoide grave, neuropatia auditiva, paresia vertical do olhar e displasia dentária. TRATAMENTO Anterior às medidas específicas no tratamento da hiperbilirrubinemia é importante saber evitar os fatores determinantes da lesão neuronal pela bilirrubina presentes, sobretudo, nos pacientes em cuidados intensivos que aumentam a concentração de BI no cérebro (hipercapnia, convulsão, hipoglicemia, sepse), alteram a membrana hematoencefálica (hipertensão arterial, pneumotórax, hiperosmoralidade, vasculite, acidose respiratória) ou que relacionam-se com a baixa concentração sérica de albumina. O principal tratamento para o aumento de BI no RN ictérico é a fototerapia, a qual visa reduzir os níveis de BI, consequentemente evitando a realização da exsanguíneotransfusão (EST). O mecanismo de ação consiste na fotoisomerização da configuração e estrutura da molécula de bilirrubina com a formação de isômeros que são diretamente eliminados pela via biliar e urinária. A eficácia da técnica depende do: comprimento de onda da luz (faixa azul), irradiância espectral (ou seja, a intensidade da luz; quanto menor a distância entre a luz e o paciente, maior a irradiância e eficácia) e superfície corpórea exposta à luz (quanto maior a superfície corpórea exposta, maior a eficácia). Quando a bilirrubinemia é superior ao percentil 95 no Nomograma de Bhutani é preferível utilizar a fototerapia de alta intensidade. No entanto, é preciso tomar alguns cuidados durante o uso da fototerapia, são eles: aumentar a oferta hídrica através do aleitamento materno, verificar temperatura corporal a cada 3h, proteger os olhos com cobertura radiopaca, não utilizar ou suspender a fototerapia se os níveis de BD estiverem elevados para evitar a síndrome do bebê bronzeado. Atualmente a doença hemolítica por incompatibilidade Rh é uma das únicas indicações de EST, sendo as outras causas de aumento de BI controladas usualmente pela fototerapia. Na incompatibilidade Rh a EST pode ser indicada logo após o nascimento se BI >4mg/Dl e/ou hemoglobina < 12 mg/Dl, após as primeiras horas de vida a EST é indicada se houver elevação de BI igual ou superior a 0,5 mg/dL/h nas primeiras 36h de vida. A duração da EST varia entre 60-90min, devendo ocorrer em ambiente asséptico, não ultrapassando a velocidade de troca de 1-2 ml/kg/min, sendo o volume preconizado de 160 ml/kg (duas volemias), em uso da técnica do “puxa-empurra” pela veia umbilical. Após o procedimento deve ser mantida: infusão contínua de glicose (4-6 mg/kg/min), gluconato de cálcio 10% (2 ml/kg/dia) e sulfato de magnésio 10% (1 ml/kg/dia). A realização deste procedimento é acompanhada de elevada morbidade, incluindo complicações metabólicas, infecciosas, hemodinâmicas, vasculares, hematológicas, além de reação pós-transfusional. Não há um consenso quanto aos níveis séricos de BT que indicam a fototerapia e exsanguíneo transfusão no RN. Com isso, acaba-se levando em consideração a avaliação periódica da BT, as idades gestacional e pós- natal, bem como os fatores agravantes para lesão bilirrubínica neuronal. Abaixo, o Ministério da Saúde disponibiliza de maneira simplificada, os valores que indicam os respectivos tratamentos em RN ≥ 35 semanas. Em geral, quando a BT chega a valores entre 8 e 10 mg/Dl a fototerapia pode ser suspensa sendo reavaliada entre 12-24h para confirmar manutenção ou não da redução. Antes de iniciar a EST o RN costuma estar na fototerapia, logo, é importante que 2-3h antes de iniciar a EST seja reavaliada a BT para verificar se o neonato ainda está na faixa de indicação para o procedimento. Diminuir em 2 mg/dL o nível de indicação de fototerapia ou EST se doença hemolítica (Rh, ABO, outros antígenos), deficiência de G6PD, asfixia, letargia, instabilidade na temperatura, sepse, acidose ou albuminemia < 3 g/dL. Iniciar fototerapia de alta intensidade sempre que: BT > 17 a 19 mg/dL e colher BT apos 4 a 6 horas; BT entre 20 e 25mg/dL e colher BT em 3 a 4 horas; BT > 25 mg/dL e colher BT em 2 a 3 horas, enquanto o material da EST esta sendo preparado. Se houver indicacao de EST, enquanto ocorre o preparo, colocar o RN em fototerapia de alta intensidade, repetindo a BT em 2 a 3 horas para reavaliar a indicacao de EST. A EST deve ser realizada imediatamente se houver sinais de encefalopatia bilirrubinica ou se a BT estiver 5 mg/dL acima dos niveis referidos. A fototerapia pode ser suspensa, em geral, quando BT < 8 a 10 mg/dL, sendo a BT reavaliada 12 a 24 horas apos suspensao para detectar rebote. Para RN prematuros a indicação vai depender dos níveis de BT e do peso ao nascer, sendo que se peso <1.000g pode- se optar por iniciar de imediato a fototerapia independente dos níveis de BT logo nas primeiras 12-24h de vida ou iniciar se BT 4-6mg/Dl, sendo a EST indicada se BT entre 13- 15 mg/Dl. Onfalite A onfalite é uma infeção da pele e tecidos moles do umbigo e regiões circundantes. Se não for tratada, pode atingir uma maior área da parede abdominal e os tecidos mais profundos ou causar infeção disseminada. História Clínica A doença localizada caracteriza-se por drenagem purulenta ou com cheiro fétido através do coto umbilical, associada a edema, eritema e maior sensibilidade cutânea na região periumbilical. A hemorragia do coto umbilical pode ocorrer devido ao atraso na obliteração dos vasos umbilicais. A infeção pode estender-se pela parede abdominal até aos flancos, dorso e períneo, apresentando a pele uma coloração violácea, eritema, edema, por vezes vesículas e bolhas, crepitação, petéquias e progressão da celulite. Sinais sistémicos como letargia, irritabilidade, recusa ou intolerância alimentar e febre são sugestivos de complicação ou infeção grave. Nestes casos, a progressão da doença pode levar a disseminação da infeção e a compromisso de funções vitais manifestado por labilidade térmica, taquicardia, bradicardia, hipotensão, taquipneia, apneia, gemido, tiragem costal, hipoxémia, distensão e silêncio abdominal e hipotonia extrema. Exames Complementares Patologia Clínica Alterações no leucograma como aumento da contagem de leucócitos, neutrofilia ou neutropenia, relação neutrófilos imaturos/total superior a 0,2, e trombocitopénia assim como a elevação dos marcadores laboratoriais de inflamação (proteína C reactiva, procalcitonina e velocidade de sedimentação) são indicadores de infeção bacteriana sistémica. O exame bacteriológico do exsudado do umbigo (coloração Gram e exame cultural) deve ser realizado sempre que possível antes de iniciada antibioterapia. Na suspeita de envolvimento sistémico, deve realizar-se hemocultura e punção lombar para cultura do líquido cefalo-raquidiano. Imagiologia Na suspeita de complicações abdominais pode estar indicada realização de radiografia do abdómen (presença de ar ectópico intra-abdominal), ecografia abdominal (espessamento da fáscia e músculos, necrose muscular ou presença de alterações anatómicas) e de tomografia computorizada do abdómen (melhor caracterização da extensão de envolvimento muscular/fascial). Tratamento Cirurgia A cirurgia pode ser necessária no tratamento das complicações, nomeadamente da fasceíte necrosante.1 Antibioterapia No tratamento de recém-nascidos com onfalite não complicada está indicada a administração parentérica de antibióticos com sensibilidade para agentes Gram- positivo e Gram-negativo, sendo a combinação de uma penicilina anti-estafilococos e um aminoglicosídeo a mais utilizada no tratamento empírico. Em comunidades com elevada prevalência de S. aureus meticilinorresistente, a vancomicina deve ser usada em vez da penicilina. Na presença de complicações abdominais (como a fasceíte e a mionecrose) ou quando a resposta ao tratamento anterior se demonstra insuficiente, é aconselhável uma melhor cobertura dos microorganismos anaeróbios, sendo a associação de metronidazol e de clindamicina (em substituição da penicilina) uma adequada opção. O tratamento deve ser ajustado de acordo com os estudos microbiológicos e com a sensibilidade dos microrganismos isolados. A terapêutica antibiótica deverá ter uma duração mínima de 10 dias, podendo nas situações não complicadas e nos lactentes maiores ser completada por via oral. A melhoria clínica, com redução visível dos sinais inflamatórios, deve ser notada nas primeiras 12 a 24 horas depois do início dos antibióticos. A ausência de resposta à terapêutica pode significar progressão da doença, imunodeficiência ou presença de defeitos anatómicos como a persistência de úraco ou do canal onfalo-mesentérico. Evolução A onfalite pode associar-se a elevada morbilidade e mortalidade. A complicação mais comum da onfalite é a sépsis. Outras complicações incluem a arterite séptica umbilical, a trombose da veia porta, o abcesso hepático, a peritonite, a gangrena intestinal, a evisceração de intestino delgado, a fasceíte necrotizante e a mionecrose. O prognóstico de recém-nascidos com onfalite é muito variável. A doença não complicada tem habitualmente uma evolução favorável e não deixando sequelas. A taxa de mortalidade nos recém-nascidos com onfalite varia entre 7% e 15%, subindo para 38-87% nos casos complicados por fasceíte necrotizante ou mionecrose. O género masculino, a prematuridade, o baixo peso ao nascer, o parto sem assepsia e as alterações da temperatura são fatores de risco associados a pior prognóstico. Apesar de raro, o desenvolvimento de fasceíte necrotizante está associado a maior taxa de mortalidade. CRITÉRIOS PARA A ALTA HOSPITALAR E ORIENTAÇÕES PARA A FAMÍLIA NO MOMENTO DA ALTA A alta da mulher e do recém-nascido deverá ser realizada mediante elaboração de projeto terapêutico singular, considerando-se, para o tempo de alta, as necessidades individuais. Recomenda-se a permanência mínima de 24 horas em Alojamento Conjunto, momento a partir do qual a alta pode ser considerada, desde que preenchidos os critérios abaixo listados: • Puérpera: ◊ Em bom estado geral, com exame físico normal, sem sinais de infecção puerperal/ sítio cirúrgico, com loquiação fisiológica; ◊ Sem intercorrências mamárias como fissura, escoriação, ingurgitamento ou sinais de mastite, e orientada nas práticas de massagem circular e ordenha do leite materno; ◊ Com recuperação adequada, comorbidades compensadas ou com encaminhamento assegurado para seguimento ambulatorial de acordo com as necessidades; ◊ Bem orientada para continuidade dos cuidados em ambiente domiciliar e referenciada para Unidade Básica de Saúde (retorno assegurado até o 7o dia após o parto); ◊ Estabelecimento de vínculo entre mãe e bebê; ◊ Com encaminhamento para unidade de referência para acesso a ações de saúde sexual e reprodutiva e escolha de método anticoncepcional, caso a mulher não receba alta já em uso de algum método contraceptivo, ou para seguimento pela atenção básica da prescrição ou inserção de método pela equipe da maternidade; • Recém-nascido: ◊ A termo e com peso adequado para a idade gestacional, sem comorbidades e com exame físico normal. ◊ Com ausência de icterícia nas primeiras 24 horas de vida; ◊ Com avaliação de icterícia, preferencialmente transcutânea, e utilização do nomograma de Bhutani para avaliar a necessidade de acompanhamento dos níveis de bilirrubina quando necessário; ◊ Apresentando diurese e eliminação de mecônio espontâneo e controle térmico adequado; ◊ Com sucção ao seio com pega e posicionamento adequados, com boa coordenação sucção/deglutição, salvo em situações em que há restrições ao aleitamento materno; ◊ Em uso de substituto do leite humano/formula láctea para situações em que a amamentação é contraindicada de acordo com atualização OMS/2009 “Razõesmédicas aceitáveis para uso de substitutos do leite”. • Revisão das sorologias da mulher realizadas durante a gestação ou no momento da internação para o parto, assim como invéstigação de infecções congênitas no recém-nascido, conforme necessidade. Entre as sorologias, merecem destaque: sífilis, HIV, toxoplasmose e hepatite B. Outras doenças infectocontagiosas, como citomegalovírus, herpes simplex e infecções por arbovírus deverão ser investigadas se houver história sugestiva durante a gestação e/ou sinais clínicos sugestivos no recém- nascido; • Realização de tipagem sanguínea, Coombs da mãe e do recém-nascido, quando indicado; • Oximetria de pulso (teste do coraçãozinho) e Triagem Ocular (Teste do Reflexo Vermelho ou teste do olhinho) realizados; Triagem Auditiva (teste da orelhinha) assegurada no primeiro mês de vida e Triagem Biológica (teste do pezinho) assegurada preferencialmente entre o 3o e 5º dia de vida; • Avaliação e vigilância adequadas dos recém-nascidos para sepse neonatal precoce com base nos fatores de risco da mãe e de acordo com as diretrizes atuais do Ministério da Saúde para a prevenção de infecção pelo estreptococo do grupo B; • A mãe, o pai e outros cuidadores devem ter conhecimento e habilidade para dispensar cuidados adequados ao recém-nascido, e reconhecer situações de risco como a ingestão inadequada de alimento, o agravamento da icterícia e eventual desidratação nos primeiros sete dias de vida; • Avaliação do serviço social para os fatores de risco psíquicos, sociais e ambientais, como o uso de drogas ilícitas, alcoolismo, tabagismo, antecedentes de negligência, violência doméstica, doença mental, doenças transmissíveis e situa-ções de vulnerabilidade social; • Agenda com a Atenção Básica, o retorno da mulher e do recém-nascido entre o terceiro e o quinto dia de vida (5o Dia de Saúde Integral); e • Preenchimento de todos os dados na Caderneta da Gestante e na Caderneta de Saúde da Criança. No momento da alta, a equipe multiprofissional fornecerá à mulher as seguintes orientações: • Procurar a Unidade Básica de Saúde ou o pronto-atendimento caso a mulher apresente sinais de infecção (febre, secreção purulenta vaginal, por ferida operatória ou nas mamas), sangramento com odor fétido ou com volume aumentado, edema assimétrico de extremidades, dor refratária a analgésicos, sofrimento emocional, astenia exacerbada ou outros desconfortos; • Procurar a Unidade Básica de Saúde se o recém-nascido apresentar problemas com aleitamento materno, icterícia ou qualquer outra alteração; • Em caso de intercorrências com as mamas, os Bancos de Leite Humano poderão oferecer a assistência referente às boas práticas da amamentação, e orientações sobre a doação de leite humano; • Realizar vacinação conforme calendário vacinal; • Higienizar as mãos antes e após o cuidado com o recém-nascido; • Evitar ambientes aglomerados ou com pessoas apresentando sinais e sintomas de doenças infectocontagiosas, como gripe e resfriado; • Prevenir a morte súbita do recém-nascido por meio dos seguintes cuidados: deixar a criança em posição supina, manter a amamentação ao seio e evitar o tabagismo materno ou outra forma de exposição da criança ao fumo; • Transportar o recém-nascido de forma segura e prevenir acidentes domésticos; e • Para crianças filhos de mães cuja amamentação é contraindicada de acordo com razões médicas aceitáveis/OMS/2009, orientar o preparo correto da fórmula láctea e higienização dos utensílios utilizados para preparo e oferta desse alimento. História Clínica Exames Complementares Patologia Clínica Imagiologia Tratamento Cirurgia Antibioterapia Evolução
Compartilhar