Buscar

HAM IV - ICTERÍCIA NEONATAL - PEDIATRIA

Prévia do material em texto

1 
 
 
Júlia Morbeck – @med.morbeck 
 
Os níveis séricos de bilirrubinas em recém-nascidos (RN) são 
crescentes logo após o nascimento. Aproximadamente 60% dos RN a 
termo e 80% dos pré-termos apresentam hiperbilirrubinemia 
clinicamente visível na primeira semana de vida. 
Na maioria das situações, o quadro de icterícia pode ser considerado 
benigno. No entanto, o aumento além dos níveis considerados normais 
da bilirrubinemia pode ocasionar a encefalopatia bilirrubínica aguda 
(EBA). A rápida identificação da hiperbilirrubinemia grave nos RN ≥ 35 
semanas de idade gestacional (IG), definida como bilirrubina total (BT) 
maior que 20 mg/dL, é importante para prevenção de quadros 
potencialmente graves. 
Os primeiros sinais da EBA nos RN ≥ 35 semanas de IG são insidiosos 
e inespecíficos, com dificuldades na sucção e letargia. Quando ela não 
é identificada e tratada com urgência, o RN progride para quadro de 
irritabilidade, opistótono, choro agudo e convulsões, muitas vezes 
evoluindo para o óbito. As crianças sobreviventes geralmente 
desenvolvem sequelas neurológicas em longo prazo com disfunção 
neurológica denominada kernicterus. Em correlação direta, quanto 
maior o nível de BT no RN, maior a chance de sequelas e/ou óbito. 
A EBA em RN pré-termos de muito baixo peso ao nascer (RN-PTMBP) 
pode ser sutil e se manifestar, principalmente, como eventos apneicos 
recorrentes. Prematuridade é condição de vulnerabilidade ao 
kernicterus, mesmo com níveis séricos considerados baixos de BT, 
pela imaturidade do sistema nervoso central (SNC) e pelas condições 
clínicas adversas. 
ESCORE CLÍNICO DE BIND PARA DISFUNÇÃO NEUROLÓGICA INDUZIDA 
PELA BILIRRUBINA 
GRAVIDADE ESCORE ESTADO 
MENTAL 
TÔNUS 
MUSCULAR 
TIPO DE 
CHORO 
Nenhum 0 Normal Normal Normal 
Leve 1 Sonolento 
e sucção 
débil 
Hipotonia 
ou 
hipertonia 
Choro 
agudo 
Moderado 2 Letárgico, 
irritado 
Pescoço 
arqueado 
com 
distonia 
cervical 
Choro 
estridente 
Grave 3 Comatoso, 
convulsões 
Tórax 
arqueado, 
em 
opistótono 
Inconsolável 
Escore 1-3: leve 
Escore 4-6: moderada, requer ação urgente para redução da bilirrubina; 
Escore 7-9: grave, requer tomada de decisão e ação imediatas para 
redução da bilirrubina com risco de sequelas e de evolução para morte. 
 
METABOLISMO DA BILIRRUBINA E ICTERÍCIA FISIOLÓGICA 
↠ A bilirrubina resulta do catabolismo das proteínas do 
heme. Cerca de 75% da produção diária da bilirrubina provém da 
destruição de hemácias no sistema reticuloendotelial. Os outros 25% 
são consequentes à eritropoiese ineficaz e à destruição de eritrócitos 
imaturos. 
↠ No primeiro passo da degradação, heme é convertido 
em biliverdina na presença da enzima hemeoxigenase, 
produzindo monóxido de carbono (CO) e Fe2+. Uma 
molécula de CO é produzida para cada molécula de heme 
catabolizada em bilirrubina. Assim, quanto maior a 
hemólise, maior a produção de CO, marcador que pode 
ser utilizado para diagnóstico. 
↠ A bilirrubina não conjugada, chamada bilirrubina indireta, 
circula, na sua maioria, ligada à albumina até ser captada 
pelo hepatócito, no qual é conjugada por meio da 
glicuroniltransferase, tornando-se bilirrubina direta e, 
então, excretada para o intestino. Com a deficiência 
relativa de enzimas bacterianas no intestino do RN, ocorre 
desconjugação de parte da bilirrubina direta, com 
consequente reabsorção de bilirrubina indireta pela 
circulação enterro-hepática, contribuindo para o aumento 
da bilirrubinemia 
 
↠ Além disso, outros fatores contribuem para o aumento 
do nível da bilirrubina no RN, como maior volume de 
glóbulos vermelhos circulantes, menor tempo de 
sobrevida da hemoglobina fetal, captação deficiente da 
bilirrubina do plasma e diminuição da conjugação hepática. 
↠ A bilirrubina do feto é metabolizada pela placenta. Logo 
após o clampeamento do cordão umbilical, o RN assume 
a função da degradação da bilirrubina. Consequentemente, há 
hiperbilirrubinemia transitória, reflexo da combinação dos efeitos de 
produção, conjugação e circulação enterro-hepática no período 
neonatal. 
↠ Essa manifestação clínica, denominada icterícia 
fisiológica, ocorre após 24 horas de vida com 
bilirrubinemia acima de 5 mg/dL1. Nos RN a termo, a 
hiperbilirrubinemia indireta pode atingir níveis em torno de 12 mg/dL, 
em torno de 72 horas. Nos RN pré-termos com IG < 35 semanas, a 
icterícia é mais intensa e prolongada quando comparada à do RN a 
termo, atingindo pico mais elevado de BT entre 5 e 6 dias de vida e 
com permanência da hiperbilirrubinemia, muitas vezes, até 3 semanas 
de vida. 
 
HAM IV - PEDIATRIA 
2 
 
 
Júlia Morbeck – @med.morbeck 
 
HIPERBILIRRUBINEMIA NO RECÉM-NASCIDO 
↠ Para a definição etiológica da hiperbilirrubinemia, é 
importante desenvolver raciocínio fundamentado na 
história clínica, considerando fatores de risco, IG, idade 
pós-natal e nível de BT com frações. 
 A maior parte dos RN desenvolve a hiperbilirrubinemia indireta 
na primeira semana de vida, podendo evoluir com níveis de BT 
críticos, sendo imprescindíveis detecção precoce, intervenção 
oportuna e tratamento efetivo da hiperbilirrubinemia. 
↠ Além da etiologia da hiperbilirrubinemia indireta, é 
necessário investigar a icterícia colestática, quando BT > 
1,0 mg%. A icterícia presente por mais de 14 dias constitui 
indicador de alerta para diagnóstico da colestase. 
 
↠ Como a IG influencia na história natural da bilirrubina, 
dividem-se em dois grupos: 
• RN ≥ 35 semanas de IG; 
• RN < 35 semanas de IG 
HIPERBILIRRUBINEMIA INDIRETA EM RECÉM-NASCIDOS ≥ 35 
SEMANAS DE IDADE GESTACIONAL 
Fatores de risco para neurotoxicidade bilirrubínica 
Uma das grandes preocupações é o desenvolvimento da icterícia 
neonatal nas primeiras 24 horas de vida pós-natal e que deve ser 
detalhadamente abordada clínica e laboratorialmente. Nesse caso, 
deve-se considerar a doença hemolítica a principal etiologia. 
Doença hemolítica do RN é causada por incompatibilidade sanguínea 
materno-fetal decorrente da aloimunização por diferentes sistemas 
sanguíneos. As principais doenças relacionadas à doença hemolítica 
são incompatibilidade sanguínea materno-fetal Rh (D), ABO e outros 
sistemas de subgrupos (antígenos irregulares). 
DOENÇA HEMOLÍTICA RH 
↠ O mecanismo fisiopatológico da doença hemolítica Rh 
com manifestação clínica no RN ocorre por passagem 
para a circulação fetal de anticorpos anti-D presentes no 
plasma de mães sensibilizadas, desencadeando hemólise 
decorrente da destruição de eritrócitos do feto e 
posteriormente do RN Rh positivos. Com a destruição das 
hemácias, há liberação de ferritina, bilirrubina e CO. 
↠ O feto desenvolve um mecanismo compensatório de 
produção de eritropoetina e hemácias, com elevação de 
reticulócitos e eritroblastos, e intensa eritropoiese 
extramedular. A contagem de reticulócitos pode atingir 
valores de 30-40% nos casos mais graves. Quando a 
destruição eritrocitária é muito importante, anemia e 
hiperbilirrubinemia com icterícia se manifestam 
precocemente, nas primeiras horas de vida, assim que se 
inicia o processo intraútero. Nos casos mais graves, o feto 
pode evoluir com hidropsia, insuficiência cardíaca e/ou 
óbito. 
A gravidade do acometimento fetal é progressiva nas gestações subsequentes 
de fetos Rh positivos. Para realizar o diagnóstico durante o pré-natal, deve-se 
detectar a presença de anticorpos séricos anti-D maternos, detectáveis no 
teste indireto da antiglobulina, o teste de Coombs indireto (CI). Faz necessário 
o monitoramento da gravidez para intervenção clínica obstétrica e pediátrica, 
feto-neonatal. Quanto ao neonato, a tipagem sanguínea (ABO, D e Dfraco) e o 
teste direto da antiglobulina, Coombs direto (CD), devem ser realizados logo 
após o nascimento. O CD positivo indica que as hemácias estão recobertas 
com anticorpos maternos. Após o advento da imunoglobulina anti-D 
administrada à gestante e à mãe, a incidência da eritroblastose fetal diminuiudrasticamente, e a causa atual mais frequente de doença hemolítica é a 
incompatibilidade ABO. 
DOENÇA HEMOLÍTICA POR INCOMPATIBILIDADE ABO 
↠ Doença hemolítica do RN por incompatibilidade ABO 
ocorre em cerca de 20% das mães O e feto A ou B, e 
em apenas 2% daqueles, os RN evoluem com icterícia 
precoce. 
 Vale ressaltar que a doença hemolítica por 
incompatibilidade ABO é limitada ao RN tipo A ou B filho de mãe tipo 
O – e a anemia hemolítica é mais intensa quando o RN é do grupo B. 
Genitoras do grupo A ou B com RN do grupo B ou A, 
respectivamente, produzem anticorpos anti-A ou anti-B 
predominantemente da classe IgM que não atravessam a barreira 
transplacentária, o que não causa destruição eritrocitária. 
↠ A icterícia aparece nas primeiras 24-36 horas de vida, 
evolui de forma gradual e persistente nas duas primeiras 
semanas de vida, com pico da hiperbilirrubinemia em 
torno do quinto dia de vida. O valor sérico de BI pode 
alcançar 20 mg/dL com risco de evolução para quadros 
de encefalopatia bilirrubínica, muito frequentemente 
diagnosticada após a alta hospitalar. 
↠ É importante o acompanhamento da evolução clínica 
e dos resultados dos exames laboratoriais para o 
diagnóstico confirmatório da doença hemolítica. Os níveis 
de hemoglobina e hematócrito podem estar 
discretamente diminuídos com alteração da morfologia 
das hemácias, com presença de esferócitos na análise em 
lâmina do sangue periférico. A dosagem dos reticulócitos 
pode variar entre 10 e 30% no sangue periférico. 
3 
 
 
Júlia Morbeck – @med.morbeck 
 
DOENÇA HEMOLÍTICA POR ANTÍGENOS ATÍPICOS 
↠ As incompatibilidades provocadas por antígenos 
atípicos do sistema Rh (Cc, Ee), do sistema Kell (Kk), Duffy 
(Fya), Kidd (Jka, Jkb), MNS (M, N, S e s), apesar de 
extremamente raras, ocasionam quadros graves de 
doença hemolítica perinatal ou morte intrauterina. 
↠ Há suspeição da doença quando não existe 
incompatibilidade materno-fetal ABO ou Rh (antígeno D) 
e o sangue do RN apresenta CD positivo. O RN apresenta 
sinais clinicolaboratoriais de doença hemolítica grave, de 
modo semelhante à doença hemolítica Rh. Nesses casos, 
há necessidade de investigação diagnóstica com 
solicitação do painel de hemácias no RN. 
Outras fatores de risco 
↠ Dentre as enzimopatias, a deficiência de glicose-6-
fosfato desidrogenase (G6PD) é uma causa de doença 
hemolítica não imune, com incidência variada entre 
diferentes áreas geográficas. Trata-se de doença 
genética associada ao cromossomo X que pode afetar 
ambos os sexos. A forma aguda ocasiona hemólise grave 
em RN após exposição a substâncias e/ou agentes como 
antimaláricos, naftalina, certos alimentos, dentre outros. 
Outra manifestação da doença é a forma hemolítica leve 
associada ao polimorfismo genético com expressão 
reduzida da glicuroniltransferase e conjugação limitada da 
bilirrubina, sem a presença de anemia no RN. 
↠ Outro fator de risco importante para o 
desenvolvimento da hiperbilirrubinemia grave é o RN pré-
termo tardio. Os RN de 35 semanas e 36 semanas, 
assistidos em alojamento conjunto, apresentam com 
frequência dificuldade de sucção e/ou coordenação 
sucção-deglutição-respiração. Dessa maneira, pode ocorrer, nos 
primeiros dias de vida, interferência no aleitamento materno com 
perda de peso acentuada e aumento da circulação entero-hepática, 
além da capacidade diminuída da conjugação da bilirrubina pela 
imaturidade hepática. RN com IG de 36 semanas apresentam risco oito 
vezes maior de desenvolver níveis de BT ≥ 20 mg/dL, comparados 
aos RN de 41 semanas de IG. O apoio efetivo ao aleitamento materno 
é estratégia importante para a prevenção da hiperbilirrubinemia 
neonatal significativa com diminuição dos casos de reinternação 
hospitalar. 
↠ Outras causas de aumento de bilirrubina indireta 
incluem fatores étnico-raciais, como descendência asiática, 
irmão com icterícia neonatal tratado com fototerapia, filho 
de mãe diabética, presença de cefalo-hematoma e 
equimoses. Além dessas condições, deve-se lembrar que 
o clampeamento de cordão umbilical após 60 segundos 
do nascimento pode estar associado à hiperbilirrubinemia, 
um tema ainda controverso relativo à significância clínica. 
↠ Outro fator associado à hiperbilirrubinemia neonatal, 
que surge na primeira semana de vida e persiste por 
algumas semanas, muitas vezes com níveis de BT 
elevados, é a denominada icterícia do leite materno. Neste 
caso, o RN encontra-se bem, com evolução de peso e 
crescimento adequados e eliminações fisiológicas normais. 
Acredita-se que os mecanismos para aumento da 
bilirrubina indireta nessa situação são inibição da atividade 
da glicuroniltransferase e o tipo de ácidos graxos 
encontrados no leite materno. O diagnóstico deve ser de 
exclusão, e ressalta-se que não há indicação de 
suspender o leite materno exclusivo. 
Fatores de risco clinicoepidemiológicos identificados em 
RN ≥ 35 semanas de IG: 
 
MÉTODOS CLINICOLABORATORIAIS DE TRIAGEM 
↠ O método clinicolaboratorial de triagem do RN pode 
ser realizado mediante: 
• inspeção visual; 
• avaliação da bilirrubina transcutânea e/ou 
dosagem sérica da BT e frações. 
↠ Classicamente em RN termo, a constatação de icterícia 
na pele e/ou nas mucosas (mais comumente esclera), 
expressão clínica da bilirrubinemia, pode variar de acordo 
com os níveis de BT séricos. A figura abaixo mostra as 
delimitações das cinco zonas de icterícia visíveis na pele 
do RN, com base em imagens e estudos de Krammer. 
 
 
4 
 
 
Júlia Morbeck – @med.morbeck 
 
↠ Entretanto, a identificação de icterícia no RN sofre 
influência de vários fatores, como luminosidade do 
ambiente, pigmentação de sua pele e experiência do 
profissional. Estimativa clínica isoladamente não é suficiente para 
detectar a icterícia no RN, sendo necessária a avaliação criteriosa da 
história perinatal, verificando fatores de riscos e, em alguns casos, a 
medida da BT. Dessa maneira, pode-se utilizar o método não invasivo 
pela bilirrubina transcutânea (BTc). 
O método transcutâneo de estimativa de bilirrubina (BTc) é rápido e 
prático; é realizado pela colocação do dispositivo na região do esterno 
do RN, como método de triagem e acompanhamento. Estudos 
recentes avaliam a possibilidade do uso de aplicativo no smartphone 
através de imagens das escleras e/ou da pele como futuro método 
de acompanhamento da icterícia. 
↠ O exame padrão-ouro para identificar a 
hiperbilirrubinemia no RN é a dosagem sérica da BT, com 
utilização de técnicas laboratoriais com coleta do sangue 
realizada com proteção do frasco. 
↠ Para o acompanhamento da hiperbilirrubinemia do RN 
≥ 35 semanas de IG, foi desenvolvido o nomograma 
norte-americano de Bhutani et al. com os percentis 40, 
75 e 95 de acordo com os níveis de BT e as horas de 
vida do RN. Com base nos percentis, o RN é avaliado 
quanto ao risco de evoluir para bilirrubina sérica > 17,5 
mg/dL. Nos percentis acima de 75, há maior probabilidade 
de fototerapia, nesse caso, o RN deve ser avaliado e/ou 
tratado. 
 
HIPERBILIRRUBINEMIA INDIRETA EM RECÉM-NASCIDOS < 35 
SEMANAS DE IDADE GESTACIONAL ao nascer 
↠ Prematuros com IG < 35 semanas apresentam, 
comumente, hiperbilirrubinemia indireta. Além disso, 
situações especiais, principalmente em RN pré-termos 
com complicações da prematuridade, elevam o risco de 
neurotoxicidade bilirrubínica. 
 
↠ Boas condições de nascimento, assegurando 
processos fisiológicos de transição da vida intrauterina à 
extrauterina durante a golden hour e primeiras horas de 
vida, com estabilidade térmica, suporte respiratório, 
cardiocirculatório e metabólico, nutrição enteral e 
parenteral, são práticas clínicas efetivas de prevenção das 
complicações induzidas pela bilirrubina na primeira semana 
do RN pré-termo. 
↠ O tempo ideal para determinar a BT no RN < 35 
semanas não está bem estabelecido, recomendando-se 
em geral a primeira dosagem entre 24 e 36 horasde 
vida com acompanhamento a cada 24 horas até a 
estabilidade da bilirrubina. Quanto menor a IG, maior a 
frequência de indicação de tratamento da 
hiperbilirrubinemia. A indicação da fototerapia profilática 
em RN pré-extremo (< 28 semanas) não é consenso na 
literatura. O início da fototerapia nesses RN deve ser 
precoce, assim que for detectada a icterícia. 
↠ Para diagnóstico e conduta da icterícia neonatal, 
exames laboratoriais mais específicos são importantes 
para esclarecimento da etiologia da hiperbilirrubinemia 
neonatal 
 
TRATAMENTO DA HIPERBILIRRUBINEMIA INDIRETA 
↠ A terapêutica padrão-ouro é a fototerapia, uma 
intervenção frequente e eficaz, sendo raramente 
necessário associá-la à exsanguineotransfusão (EST). 
FOTOTERAPIA 
↠ A fototerapia atua nos capilares e nos espaços 
intersticiais superficiais da pele e do tecido subcutâneo, 
tornando a BI (bilirrubina não conjugada) hidrossolúvel. 
Dessa maneira, esse composto pode ser excretado na 
urina e na bile sem ser necessária a formação da 
bilirrubina conjugada pelo fígado. Sob a ação da luz, em especial 
no espectro de onda azul e verde, após a reação fotoquímica, são 
formados os fotoisômeros configuracionais e estruturais, além de 
elementos foto-oxidantes, que aparecem rapidamente, antes mesmo 
do declínio da bilirrubina. 
↠ A eficácia da fototerapia é avaliada, após algum tempo 
de exposição da luz sob a pele do RN, pelo declínio da 
BT. Alguns fatores interferem diretamente na efetividade 
do tratamento. Fatores relacionados à aplicação dos 
equipamentos de fototerapia, como o tipo de luz, a 
5 
 
 
Júlia Morbeck – @med.morbeck 
 
superfície corpórea exposta à luz e a irradiância espectral, 
assim como fatores relacionados ao RN, como IG ao 
nascer, idade pós-natal, nível inicial da BI e etiologia da 
icterícia. 
 
↠ Para o melhor efeito terapêutico, a luz precisa agir na 
maior superfície corpórea (área exposta à luz), com 
comprimentos de onda adequados para penetrar na pele, 
ser absorvida pela bilirrubina e produzir os derivados para 
serem excretados. O pico de absorção da energia pela 
bilirrubina ocorre na luz azul com comprimento na faixa 
de 460 nm. Assim, a área de superfície corpórea exposta 
à luz associada ao comprimento de onda ideal (luz azul) 
está diretamente relacionada à velocidade de declínio da 
bilirrubinemia. 
 Na prática clínica, uma forma de ampliar a área da pele exposta 
à luz é utilizar fontes adicionais de fototerapia, para emitir luz na maior 
área corpórea, por exemplo, nas superfícies anterior e dorsal da pele 
do RN, concomitantemente. A irradiância é a potência da luz recebida 
em um centímetro quadrado de área exposta e responsável pela 
formação de fotoisômeros estruturais irreversíveis. Na prática clínica, 
o parâmetro da fototerapia utilizado é a irradiância espectral 
(μW/cm2/nm).16 O radiômetro, também conhecido como 
fotodosímetro, é utilizado na aferição da irradiância espectral emitida 
no intervalo de comprimento de onda de 400 a 550 nm. 
↠ A aproximação da luz à pele do RN aumenta a 
irradiância e otimiza o tratamento. Quanto menor a 
distância entre o equipamento e a pele do RN, maior é a 
irradiância emitida, garantindo a distância mínima segura 
entre o equipamento e o paciente, principalmente ao usar 
lâmpadas que geram calor, pois há o risco de queimadura 
ou hipertermia no RN. Também é importante salientar 
que, quando se aproxima a luz ao RN, há diminuição do 
foco luminoso, ocasionando, por vezes, prejuízo à área 
corpórea exposta à luz. Tão importante quanto a 
irradiância emitida de maneira adequada é a exposição da 
maior superfície corpórea exposta à luz da pele do RN. 
↠ Sempre que possível, o RN deve estar posicionado no 
berço para permitir que o equipamento seja posicionado 
à distância mínima da pele e contemple a área necessária 
da superfície corpórea exposta à luz. Vale ressaltar que, 
quando a umidade da incubadora está acima de 90%, a 
irradiância aferida na pele do RN pode ter queda de até 
30% em razão do vapor d’água e da condensação da 
água na parede do equipamento 
 O aparelho de fototerapia com irradiância-padrão emite 
irradiância de 8 a 10 μW/cm2/nm e o de fototerapia intensiva, de 30 
μW/cm2/nm. A irradiância da luz emitida pelas lâmpadas diminui 
conforme o tempo de uso. Assim, é recomendada a monitorização 
regular da irradiância emitida pelas lâmpadas com o fotodosímetro para 
verificar se a irradiância está adequada ao tratamento proposto ao RN 
e, quando a irradiância é inferior a 8 μW/cm2/nm, as lâmpadas devem 
ser substituídas. 
 A maioria dos equipamentos de fototerapia apresenta 
distribuição heterogênea da irradiância no campo de iluminação. 
Portanto, é importante realizar a medida não apenas em um ponto 
central, mas de pontos distintos do foco de luz disposto na altura da 
pele do RN, com objetivo de ter uma medida estimada da irradiância 
espectral. A Associação Brasileira de Normas Técnicas define a área 
irradiada efetiva como a superfície de tratamento que é iluminada pela 
luz da fototerapia e usa 60 x 30 cm como tamanho de superfície 
irradiada-padrão, técnica utilizada para RN com peso acima de 2.000 g. 
Mede-se a irradiância nos quatro pontos (superiores direita e esquerda, 
inferiores direita e esquerda) e ao centro do retângulo. 
INDICAÇÃO E SUSPENSÃO DA FOTOTERAPIA 
↠ A IG é um parâmetro importante na análise clínica da 
icterícia pela imaturidade dos órgãos envolvidos no 
surgimento da hiperbilirrubinemia. Dessa maneira, dividem-
se as indicações e a suspensão da fototerapia em dois 
grupos: RN ≥ 35 semanas e RN pré-termos < 35 
semanas. 
 
 
↠ O tempo de aplicação da fototerapia depende de 
vários fatores, como mecanismo fisiopatológico da 
icterícia, IG, idade pós-natal e eficácia da fototerapia. Em 
média um RN ≥ 35 semanas de IG, sem doença hemolítica, permanece 
em fototerapia em torno de 24 a 36 horas. Já os RN < 35 semanas 
de IG utilizam o tratamento por cerca de 50 horas, sendo mais 
prolongado nos RN < 1.000 g. O uso de fototerapia intensiva deve ser 
evitado em RN < 1.000 g, pelo aumento do estresse oxidativo e pelo 
risco aumentado de óbito. 
Nível de bilirrubinemia total (mg/dL) para indicação de fototerapia intensiva em recém-nascido ≥ 
35 semanas de idade gestacional ao nascer. 
6 
 
 
Júlia Morbeck – @med.morbeck 
 
Eventos adversos 
↠ O RN submetido à fototerapia pode apresentar 
eventos adversos ao tratamento. A interferência física e 
emocional na formação do vinculo mãe-criança é 
também relatada como evento indesejado do tratamento 
com fototerapia. 
↠ Os efeitos tóxicos da fototerapia concentram-se nas 
flutuações da temperatura e na perda de líquido corporal, 
além do dano à retina, assim como o surgimento do 
eritema cutâneo e da síndrome do bebê bronzeado. Com 
o uso da lâmpada LED, a hipotermia torna-se evento 
adverso importante. 
MEDIDAS PRÁTICAS PARA EFETIVIDADE E SEGURANÇA 
DA FOTOTERAPIA NO RN 
EQUIPAMENTOS E AMBIENTE: 
• Verificar o funcionamento das lâmpadas 
• Aferir a irradiância espectral no local de 
posicionamento do RN e calcular a média de 5 pontos 
• Prescrever a dose de irradiância adequada para o RN 
• Verificar a distância mínima entre a luz e o RN 
• Maximizar a área corpórea para fototerapia intensiva 
com equipamento superior e inferior (berço de 
acrílico) 
• Manter limpas a superfície de acrílico da incubadora e 
a proteção do dispositivo da fototerapia 
• Manter temperatura ambiente adequada ao redor de 
25 °C para evitar hipotermia e/ou hipertermia e 
desconforto térmico para o RN e a família 
RECÉM-NASCIDO: 
• Proteger os olhos com cobertura radiopaca por meio 
de camadas de veludo negro ou papel carbono negro 
envolto em gaze 
• Verificar a temperatura corpórea a cada 3 horas para 
detecção de hipotermia ou hipertermia 
• Verificar o peso diariamente 
• Posicionar o RN adequadamente para maximizar a 
exposição à luz 
• Usar fraldascortadas adequadamente para cobertura 
da genitália 
• Cobrir a solução parenteral e o equipo com papel 
alumínio ou uso de extensores impermeáveis à luz 
• Descontinuar a fototerapia durante a amamentação, 
inclusive com retirada da cobertura dos olhos, desde 
que a bilirrubinemia não esteja próxima de valor de 
risco para neurotoxicidade 
• Estimular o contato da mãe-filho para melhorar o v 
ínculo afetivo na hora da amamentação 
• Evitar uso de mantas ao redor do RN 
• Evitar luvas e meias 
• Evitar fraldas grandes 
• Evitar retirar o RN do equipamento, exceto para 
cuidados rápidos e amamentação 
• Evitar distância acima de 30 cm do equipamento em 
relação ao RN 
 
EXSANGUINOTRANSFUSÃO 
↠ Atualmente, a maioria dos casos de hiperbilirrubinemia 
indireta é controlada pela fototerapia, sendo a doença 
hemolítica grave por incompatibilidade Rh a principal 
indicação de EST. No entanto, existem indicações precisas 
quando há sinais de encefalopatia bilirrubínica aguda e/ou 
níveis críticos de hiperbilirrubinemia indireta sem resposta 
à fototerapia intensiva. 
 
 
↠ Os objetivos da EST são diminuir os níveis de 
bilirrubina para reduzir o risco de encefalopatia bilirrubínica, 
além de substituir hemácias sensibilizadas e reduzir 
anticorpos circulantes. Com a técnica, há a remoção das 
hemácias com anticorpos ligados e/ou circulantes, 
redução da bilirrubina e correção da anemia. O 
procedimento necessita de acesso fácil, calibroso e 
exclusivo, preferencialmente central, que infunda e reflua 
bem, geralmente a veia umbilical. No entanto, o coto 
umbilical precisa estar em boas condições e ter 
assegurada a assepsia criteriosa. 
TRANSIÇÃO DO CUIDADO HOSPITALAR-AMBULATORIAL, 
ACOMPANHAMENTO AMBULATORIAL E CONSIDERAÇÕES 
FINAIS 
↠ A melhor estratégia preventiva da hiperbilirrubinemia 
indireta com níveis séricos significativos inclui triagem 
universal antes da alta hospitalar com acompanhamento 
ambulatorial. 
↠ A avaliação da icterícia pré-alta e a verificação da BT 
segundo o nomograma de Bhutani são úteis no plano de 
alta do RN. 
↠ As principais causas associadas ao aumento na chance 
de readmissão hospitalar por hiperbilirrubinemia indireta 
incluem RN pré-termo tardio (IG entre 34 e 36 semanas), 
Nível de bilirrubinemia total (mg/dL) para indicação de exsanguinotransfusão em recém-nascido ≥ 
35 semanas de idade gestacional ao nascer. 
7 
 
 
Júlia Morbeck – @med.morbeck 
 
RN termo precoce (IG de 37-38 semanas), presença de 
icterícia nos primeiros dias de vida, dificuldade com o 
estabelecimento da lactação e do aleitamento materno 
com acentuada perda de peso e tempo de permanência 
hospitalar < 48 horas. O acompanhamento ambulatorial é 
necessário até que exista segurança da diminuição da BT 
e do estabelecimento da amamentação. Em RN com 
hiperbilirrubinemia importante, deve-se realizar a 
investigação auditiva por meio do potencial evocado 
auditivo de tronco encefálico (PEATE). 
↠ O acompanhamento ambulatorial de RN com doença 
hemolítica por incompatibilidade Rh e/ou ABO deve ser 
compartilhado na atenção primaria à saúde (APS) e na 
atenção ambulatorial especializada (AAE), em razão de 
icterícia e/ou anemia. Essa anemia pode estar presente 
ao nascimento (anemia precoce) e progredir nos 
primeiros meses de vida. 
Estratégias preventivas de hiperbilirrubinemias significativas podem 
minimizar os problemas relacionados aos desfechos biológicos da 
disfunção induzida pela bilirrubina. Resumidamente, a seguir, estão 
relacionadas as principais ações em saúde para reduzir o risco de 
hiperbilirrubinemia indireta significativa: 
• Avaliar o risco clinicoepidemiológico do RN e mensurar a 
BT quando indicado. 
• Instituir abordagem propedêutica e terapêutica nos casos 
indicados de acordo com o item anterior. 
• Promover apoio, assistência e supervisão contínua ao 
aleitamento materno desde o nascimento, durante a 
permanência hospitalar e no cuidado ambulatorial no 
primeiro mês de vida. 
• Não dar alta hospitalar precoce, antes da revisão dos 
critérios que asseguram a alta hospitalar segura. 
• Consultar médico pediatra ambulatorial, 48 a 72 horas após 
a alta hospitalar, coincidindo na maioria das vezes com a 
consulta do quinto dia. 
• Orientar pais e equipes do cuidado quanto à conduta da 
icterícia neonatal com elaboração de folhetos, palestras, 
cursos, entre outros. 
• Incentivar treinamento e capacitação da equipe da unidade 
básica de saúde. 
 
Referências 
JÚNIOR, Dioclécio C.; BURNS, Dennis Alexander R.; LOPEZ, 
Fábio A. Tratado de pediatria. v.1. Editora Manole, 2021.

Continue navegando