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1 Júlia Morbeck – @med.morbeck Os níveis séricos de bilirrubinas em recém-nascidos (RN) são crescentes logo após o nascimento. Aproximadamente 60% dos RN a termo e 80% dos pré-termos apresentam hiperbilirrubinemia clinicamente visível na primeira semana de vida. Na maioria das situações, o quadro de icterícia pode ser considerado benigno. No entanto, o aumento além dos níveis considerados normais da bilirrubinemia pode ocasionar a encefalopatia bilirrubínica aguda (EBA). A rápida identificação da hiperbilirrubinemia grave nos RN ≥ 35 semanas de idade gestacional (IG), definida como bilirrubina total (BT) maior que 20 mg/dL, é importante para prevenção de quadros potencialmente graves. Os primeiros sinais da EBA nos RN ≥ 35 semanas de IG são insidiosos e inespecíficos, com dificuldades na sucção e letargia. Quando ela não é identificada e tratada com urgência, o RN progride para quadro de irritabilidade, opistótono, choro agudo e convulsões, muitas vezes evoluindo para o óbito. As crianças sobreviventes geralmente desenvolvem sequelas neurológicas em longo prazo com disfunção neurológica denominada kernicterus. Em correlação direta, quanto maior o nível de BT no RN, maior a chance de sequelas e/ou óbito. A EBA em RN pré-termos de muito baixo peso ao nascer (RN-PTMBP) pode ser sutil e se manifestar, principalmente, como eventos apneicos recorrentes. Prematuridade é condição de vulnerabilidade ao kernicterus, mesmo com níveis séricos considerados baixos de BT, pela imaturidade do sistema nervoso central (SNC) e pelas condições clínicas adversas. ESCORE CLÍNICO DE BIND PARA DISFUNÇÃO NEUROLÓGICA INDUZIDA PELA BILIRRUBINA GRAVIDADE ESCORE ESTADO MENTAL TÔNUS MUSCULAR TIPO DE CHORO Nenhum 0 Normal Normal Normal Leve 1 Sonolento e sucção débil Hipotonia ou hipertonia Choro agudo Moderado 2 Letárgico, irritado Pescoço arqueado com distonia cervical Choro estridente Grave 3 Comatoso, convulsões Tórax arqueado, em opistótono Inconsolável Escore 1-3: leve Escore 4-6: moderada, requer ação urgente para redução da bilirrubina; Escore 7-9: grave, requer tomada de decisão e ação imediatas para redução da bilirrubina com risco de sequelas e de evolução para morte. METABOLISMO DA BILIRRUBINA E ICTERÍCIA FISIOLÓGICA ↠ A bilirrubina resulta do catabolismo das proteínas do heme. Cerca de 75% da produção diária da bilirrubina provém da destruição de hemácias no sistema reticuloendotelial. Os outros 25% são consequentes à eritropoiese ineficaz e à destruição de eritrócitos imaturos. ↠ No primeiro passo da degradação, heme é convertido em biliverdina na presença da enzima hemeoxigenase, produzindo monóxido de carbono (CO) e Fe2+. Uma molécula de CO é produzida para cada molécula de heme catabolizada em bilirrubina. Assim, quanto maior a hemólise, maior a produção de CO, marcador que pode ser utilizado para diagnóstico. ↠ A bilirrubina não conjugada, chamada bilirrubina indireta, circula, na sua maioria, ligada à albumina até ser captada pelo hepatócito, no qual é conjugada por meio da glicuroniltransferase, tornando-se bilirrubina direta e, então, excretada para o intestino. Com a deficiência relativa de enzimas bacterianas no intestino do RN, ocorre desconjugação de parte da bilirrubina direta, com consequente reabsorção de bilirrubina indireta pela circulação enterro-hepática, contribuindo para o aumento da bilirrubinemia ↠ Além disso, outros fatores contribuem para o aumento do nível da bilirrubina no RN, como maior volume de glóbulos vermelhos circulantes, menor tempo de sobrevida da hemoglobina fetal, captação deficiente da bilirrubina do plasma e diminuição da conjugação hepática. ↠ A bilirrubina do feto é metabolizada pela placenta. Logo após o clampeamento do cordão umbilical, o RN assume a função da degradação da bilirrubina. Consequentemente, há hiperbilirrubinemia transitória, reflexo da combinação dos efeitos de produção, conjugação e circulação enterro-hepática no período neonatal. ↠ Essa manifestação clínica, denominada icterícia fisiológica, ocorre após 24 horas de vida com bilirrubinemia acima de 5 mg/dL1. Nos RN a termo, a hiperbilirrubinemia indireta pode atingir níveis em torno de 12 mg/dL, em torno de 72 horas. Nos RN pré-termos com IG < 35 semanas, a icterícia é mais intensa e prolongada quando comparada à do RN a termo, atingindo pico mais elevado de BT entre 5 e 6 dias de vida e com permanência da hiperbilirrubinemia, muitas vezes, até 3 semanas de vida. HAM IV - PEDIATRIA 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck HIPERBILIRRUBINEMIA NO RECÉM-NASCIDO ↠ Para a definição etiológica da hiperbilirrubinemia, é importante desenvolver raciocínio fundamentado na história clínica, considerando fatores de risco, IG, idade pós-natal e nível de BT com frações. A maior parte dos RN desenvolve a hiperbilirrubinemia indireta na primeira semana de vida, podendo evoluir com níveis de BT críticos, sendo imprescindíveis detecção precoce, intervenção oportuna e tratamento efetivo da hiperbilirrubinemia. ↠ Além da etiologia da hiperbilirrubinemia indireta, é necessário investigar a icterícia colestática, quando BT > 1,0 mg%. A icterícia presente por mais de 14 dias constitui indicador de alerta para diagnóstico da colestase. ↠ Como a IG influencia na história natural da bilirrubina, dividem-se em dois grupos: • RN ≥ 35 semanas de IG; • RN < 35 semanas de IG HIPERBILIRRUBINEMIA INDIRETA EM RECÉM-NASCIDOS ≥ 35 SEMANAS DE IDADE GESTACIONAL Fatores de risco para neurotoxicidade bilirrubínica Uma das grandes preocupações é o desenvolvimento da icterícia neonatal nas primeiras 24 horas de vida pós-natal e que deve ser detalhadamente abordada clínica e laboratorialmente. Nesse caso, deve-se considerar a doença hemolítica a principal etiologia. Doença hemolítica do RN é causada por incompatibilidade sanguínea materno-fetal decorrente da aloimunização por diferentes sistemas sanguíneos. As principais doenças relacionadas à doença hemolítica são incompatibilidade sanguínea materno-fetal Rh (D), ABO e outros sistemas de subgrupos (antígenos irregulares). DOENÇA HEMOLÍTICA RH ↠ O mecanismo fisiopatológico da doença hemolítica Rh com manifestação clínica no RN ocorre por passagem para a circulação fetal de anticorpos anti-D presentes no plasma de mães sensibilizadas, desencadeando hemólise decorrente da destruição de eritrócitos do feto e posteriormente do RN Rh positivos. Com a destruição das hemácias, há liberação de ferritina, bilirrubina e CO. ↠ O feto desenvolve um mecanismo compensatório de produção de eritropoetina e hemácias, com elevação de reticulócitos e eritroblastos, e intensa eritropoiese extramedular. A contagem de reticulócitos pode atingir valores de 30-40% nos casos mais graves. Quando a destruição eritrocitária é muito importante, anemia e hiperbilirrubinemia com icterícia se manifestam precocemente, nas primeiras horas de vida, assim que se inicia o processo intraútero. Nos casos mais graves, o feto pode evoluir com hidropsia, insuficiência cardíaca e/ou óbito. A gravidade do acometimento fetal é progressiva nas gestações subsequentes de fetos Rh positivos. Para realizar o diagnóstico durante o pré-natal, deve-se detectar a presença de anticorpos séricos anti-D maternos, detectáveis no teste indireto da antiglobulina, o teste de Coombs indireto (CI). Faz necessário o monitoramento da gravidez para intervenção clínica obstétrica e pediátrica, feto-neonatal. Quanto ao neonato, a tipagem sanguínea (ABO, D e Dfraco) e o teste direto da antiglobulina, Coombs direto (CD), devem ser realizados logo após o nascimento. O CD positivo indica que as hemácias estão recobertas com anticorpos maternos. Após o advento da imunoglobulina anti-D administrada à gestante e à mãe, a incidência da eritroblastose fetal diminuiudrasticamente, e a causa atual mais frequente de doença hemolítica é a incompatibilidade ABO. DOENÇA HEMOLÍTICA POR INCOMPATIBILIDADE ABO ↠ Doença hemolítica do RN por incompatibilidade ABO ocorre em cerca de 20% das mães O e feto A ou B, e em apenas 2% daqueles, os RN evoluem com icterícia precoce. Vale ressaltar que a doença hemolítica por incompatibilidade ABO é limitada ao RN tipo A ou B filho de mãe tipo O – e a anemia hemolítica é mais intensa quando o RN é do grupo B. Genitoras do grupo A ou B com RN do grupo B ou A, respectivamente, produzem anticorpos anti-A ou anti-B predominantemente da classe IgM que não atravessam a barreira transplacentária, o que não causa destruição eritrocitária. ↠ A icterícia aparece nas primeiras 24-36 horas de vida, evolui de forma gradual e persistente nas duas primeiras semanas de vida, com pico da hiperbilirrubinemia em torno do quinto dia de vida. O valor sérico de BI pode alcançar 20 mg/dL com risco de evolução para quadros de encefalopatia bilirrubínica, muito frequentemente diagnosticada após a alta hospitalar. ↠ É importante o acompanhamento da evolução clínica e dos resultados dos exames laboratoriais para o diagnóstico confirmatório da doença hemolítica. Os níveis de hemoglobina e hematócrito podem estar discretamente diminuídos com alteração da morfologia das hemácias, com presença de esferócitos na análise em lâmina do sangue periférico. A dosagem dos reticulócitos pode variar entre 10 e 30% no sangue periférico. 3 Júlia Morbeck – @med.morbeck DOENÇA HEMOLÍTICA POR ANTÍGENOS ATÍPICOS ↠ As incompatibilidades provocadas por antígenos atípicos do sistema Rh (Cc, Ee), do sistema Kell (Kk), Duffy (Fya), Kidd (Jka, Jkb), MNS (M, N, S e s), apesar de extremamente raras, ocasionam quadros graves de doença hemolítica perinatal ou morte intrauterina. ↠ Há suspeição da doença quando não existe incompatibilidade materno-fetal ABO ou Rh (antígeno D) e o sangue do RN apresenta CD positivo. O RN apresenta sinais clinicolaboratoriais de doença hemolítica grave, de modo semelhante à doença hemolítica Rh. Nesses casos, há necessidade de investigação diagnóstica com solicitação do painel de hemácias no RN. Outras fatores de risco ↠ Dentre as enzimopatias, a deficiência de glicose-6- fosfato desidrogenase (G6PD) é uma causa de doença hemolítica não imune, com incidência variada entre diferentes áreas geográficas. Trata-se de doença genética associada ao cromossomo X que pode afetar ambos os sexos. A forma aguda ocasiona hemólise grave em RN após exposição a substâncias e/ou agentes como antimaláricos, naftalina, certos alimentos, dentre outros. Outra manifestação da doença é a forma hemolítica leve associada ao polimorfismo genético com expressão reduzida da glicuroniltransferase e conjugação limitada da bilirrubina, sem a presença de anemia no RN. ↠ Outro fator de risco importante para o desenvolvimento da hiperbilirrubinemia grave é o RN pré- termo tardio. Os RN de 35 semanas e 36 semanas, assistidos em alojamento conjunto, apresentam com frequência dificuldade de sucção e/ou coordenação sucção-deglutição-respiração. Dessa maneira, pode ocorrer, nos primeiros dias de vida, interferência no aleitamento materno com perda de peso acentuada e aumento da circulação entero-hepática, além da capacidade diminuída da conjugação da bilirrubina pela imaturidade hepática. RN com IG de 36 semanas apresentam risco oito vezes maior de desenvolver níveis de BT ≥ 20 mg/dL, comparados aos RN de 41 semanas de IG. O apoio efetivo ao aleitamento materno é estratégia importante para a prevenção da hiperbilirrubinemia neonatal significativa com diminuição dos casos de reinternação hospitalar. ↠ Outras causas de aumento de bilirrubina indireta incluem fatores étnico-raciais, como descendência asiática, irmão com icterícia neonatal tratado com fototerapia, filho de mãe diabética, presença de cefalo-hematoma e equimoses. Além dessas condições, deve-se lembrar que o clampeamento de cordão umbilical após 60 segundos do nascimento pode estar associado à hiperbilirrubinemia, um tema ainda controverso relativo à significância clínica. ↠ Outro fator associado à hiperbilirrubinemia neonatal, que surge na primeira semana de vida e persiste por algumas semanas, muitas vezes com níveis de BT elevados, é a denominada icterícia do leite materno. Neste caso, o RN encontra-se bem, com evolução de peso e crescimento adequados e eliminações fisiológicas normais. Acredita-se que os mecanismos para aumento da bilirrubina indireta nessa situação são inibição da atividade da glicuroniltransferase e o tipo de ácidos graxos encontrados no leite materno. O diagnóstico deve ser de exclusão, e ressalta-se que não há indicação de suspender o leite materno exclusivo. Fatores de risco clinicoepidemiológicos identificados em RN ≥ 35 semanas de IG: MÉTODOS CLINICOLABORATORIAIS DE TRIAGEM ↠ O método clinicolaboratorial de triagem do RN pode ser realizado mediante: • inspeção visual; • avaliação da bilirrubina transcutânea e/ou dosagem sérica da BT e frações. ↠ Classicamente em RN termo, a constatação de icterícia na pele e/ou nas mucosas (mais comumente esclera), expressão clínica da bilirrubinemia, pode variar de acordo com os níveis de BT séricos. A figura abaixo mostra as delimitações das cinco zonas de icterícia visíveis na pele do RN, com base em imagens e estudos de Krammer. 4 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Entretanto, a identificação de icterícia no RN sofre influência de vários fatores, como luminosidade do ambiente, pigmentação de sua pele e experiência do profissional. Estimativa clínica isoladamente não é suficiente para detectar a icterícia no RN, sendo necessária a avaliação criteriosa da história perinatal, verificando fatores de riscos e, em alguns casos, a medida da BT. Dessa maneira, pode-se utilizar o método não invasivo pela bilirrubina transcutânea (BTc). O método transcutâneo de estimativa de bilirrubina (BTc) é rápido e prático; é realizado pela colocação do dispositivo na região do esterno do RN, como método de triagem e acompanhamento. Estudos recentes avaliam a possibilidade do uso de aplicativo no smartphone através de imagens das escleras e/ou da pele como futuro método de acompanhamento da icterícia. ↠ O exame padrão-ouro para identificar a hiperbilirrubinemia no RN é a dosagem sérica da BT, com utilização de técnicas laboratoriais com coleta do sangue realizada com proteção do frasco. ↠ Para o acompanhamento da hiperbilirrubinemia do RN ≥ 35 semanas de IG, foi desenvolvido o nomograma norte-americano de Bhutani et al. com os percentis 40, 75 e 95 de acordo com os níveis de BT e as horas de vida do RN. Com base nos percentis, o RN é avaliado quanto ao risco de evoluir para bilirrubina sérica > 17,5 mg/dL. Nos percentis acima de 75, há maior probabilidade de fototerapia, nesse caso, o RN deve ser avaliado e/ou tratado. HIPERBILIRRUBINEMIA INDIRETA EM RECÉM-NASCIDOS < 35 SEMANAS DE IDADE GESTACIONAL ao nascer ↠ Prematuros com IG < 35 semanas apresentam, comumente, hiperbilirrubinemia indireta. Além disso, situações especiais, principalmente em RN pré-termos com complicações da prematuridade, elevam o risco de neurotoxicidade bilirrubínica. ↠ Boas condições de nascimento, assegurando processos fisiológicos de transição da vida intrauterina à extrauterina durante a golden hour e primeiras horas de vida, com estabilidade térmica, suporte respiratório, cardiocirculatório e metabólico, nutrição enteral e parenteral, são práticas clínicas efetivas de prevenção das complicações induzidas pela bilirrubina na primeira semana do RN pré-termo. ↠ O tempo ideal para determinar a BT no RN < 35 semanas não está bem estabelecido, recomendando-se em geral a primeira dosagem entre 24 e 36 horasde vida com acompanhamento a cada 24 horas até a estabilidade da bilirrubina. Quanto menor a IG, maior a frequência de indicação de tratamento da hiperbilirrubinemia. A indicação da fototerapia profilática em RN pré-extremo (< 28 semanas) não é consenso na literatura. O início da fototerapia nesses RN deve ser precoce, assim que for detectada a icterícia. ↠ Para diagnóstico e conduta da icterícia neonatal, exames laboratoriais mais específicos são importantes para esclarecimento da etiologia da hiperbilirrubinemia neonatal TRATAMENTO DA HIPERBILIRRUBINEMIA INDIRETA ↠ A terapêutica padrão-ouro é a fototerapia, uma intervenção frequente e eficaz, sendo raramente necessário associá-la à exsanguineotransfusão (EST). FOTOTERAPIA ↠ A fototerapia atua nos capilares e nos espaços intersticiais superficiais da pele e do tecido subcutâneo, tornando a BI (bilirrubina não conjugada) hidrossolúvel. Dessa maneira, esse composto pode ser excretado na urina e na bile sem ser necessária a formação da bilirrubina conjugada pelo fígado. Sob a ação da luz, em especial no espectro de onda azul e verde, após a reação fotoquímica, são formados os fotoisômeros configuracionais e estruturais, além de elementos foto-oxidantes, que aparecem rapidamente, antes mesmo do declínio da bilirrubina. ↠ A eficácia da fototerapia é avaliada, após algum tempo de exposição da luz sob a pele do RN, pelo declínio da BT. Alguns fatores interferem diretamente na efetividade do tratamento. Fatores relacionados à aplicação dos equipamentos de fototerapia, como o tipo de luz, a 5 Júlia Morbeck – @med.morbeck superfície corpórea exposta à luz e a irradiância espectral, assim como fatores relacionados ao RN, como IG ao nascer, idade pós-natal, nível inicial da BI e etiologia da icterícia. ↠ Para o melhor efeito terapêutico, a luz precisa agir na maior superfície corpórea (área exposta à luz), com comprimentos de onda adequados para penetrar na pele, ser absorvida pela bilirrubina e produzir os derivados para serem excretados. O pico de absorção da energia pela bilirrubina ocorre na luz azul com comprimento na faixa de 460 nm. Assim, a área de superfície corpórea exposta à luz associada ao comprimento de onda ideal (luz azul) está diretamente relacionada à velocidade de declínio da bilirrubinemia. Na prática clínica, uma forma de ampliar a área da pele exposta à luz é utilizar fontes adicionais de fototerapia, para emitir luz na maior área corpórea, por exemplo, nas superfícies anterior e dorsal da pele do RN, concomitantemente. A irradiância é a potência da luz recebida em um centímetro quadrado de área exposta e responsável pela formação de fotoisômeros estruturais irreversíveis. Na prática clínica, o parâmetro da fototerapia utilizado é a irradiância espectral (μW/cm2/nm).16 O radiômetro, também conhecido como fotodosímetro, é utilizado na aferição da irradiância espectral emitida no intervalo de comprimento de onda de 400 a 550 nm. ↠ A aproximação da luz à pele do RN aumenta a irradiância e otimiza o tratamento. Quanto menor a distância entre o equipamento e a pele do RN, maior é a irradiância emitida, garantindo a distância mínima segura entre o equipamento e o paciente, principalmente ao usar lâmpadas que geram calor, pois há o risco de queimadura ou hipertermia no RN. Também é importante salientar que, quando se aproxima a luz ao RN, há diminuição do foco luminoso, ocasionando, por vezes, prejuízo à área corpórea exposta à luz. Tão importante quanto a irradiância emitida de maneira adequada é a exposição da maior superfície corpórea exposta à luz da pele do RN. ↠ Sempre que possível, o RN deve estar posicionado no berço para permitir que o equipamento seja posicionado à distância mínima da pele e contemple a área necessária da superfície corpórea exposta à luz. Vale ressaltar que, quando a umidade da incubadora está acima de 90%, a irradiância aferida na pele do RN pode ter queda de até 30% em razão do vapor d’água e da condensação da água na parede do equipamento O aparelho de fototerapia com irradiância-padrão emite irradiância de 8 a 10 μW/cm2/nm e o de fototerapia intensiva, de 30 μW/cm2/nm. A irradiância da luz emitida pelas lâmpadas diminui conforme o tempo de uso. Assim, é recomendada a monitorização regular da irradiância emitida pelas lâmpadas com o fotodosímetro para verificar se a irradiância está adequada ao tratamento proposto ao RN e, quando a irradiância é inferior a 8 μW/cm2/nm, as lâmpadas devem ser substituídas. A maioria dos equipamentos de fototerapia apresenta distribuição heterogênea da irradiância no campo de iluminação. Portanto, é importante realizar a medida não apenas em um ponto central, mas de pontos distintos do foco de luz disposto na altura da pele do RN, com objetivo de ter uma medida estimada da irradiância espectral. A Associação Brasileira de Normas Técnicas define a área irradiada efetiva como a superfície de tratamento que é iluminada pela luz da fototerapia e usa 60 x 30 cm como tamanho de superfície irradiada-padrão, técnica utilizada para RN com peso acima de 2.000 g. Mede-se a irradiância nos quatro pontos (superiores direita e esquerda, inferiores direita e esquerda) e ao centro do retângulo. INDICAÇÃO E SUSPENSÃO DA FOTOTERAPIA ↠ A IG é um parâmetro importante na análise clínica da icterícia pela imaturidade dos órgãos envolvidos no surgimento da hiperbilirrubinemia. Dessa maneira, dividem- se as indicações e a suspensão da fototerapia em dois grupos: RN ≥ 35 semanas e RN pré-termos < 35 semanas. ↠ O tempo de aplicação da fototerapia depende de vários fatores, como mecanismo fisiopatológico da icterícia, IG, idade pós-natal e eficácia da fototerapia. Em média um RN ≥ 35 semanas de IG, sem doença hemolítica, permanece em fototerapia em torno de 24 a 36 horas. Já os RN < 35 semanas de IG utilizam o tratamento por cerca de 50 horas, sendo mais prolongado nos RN < 1.000 g. O uso de fototerapia intensiva deve ser evitado em RN < 1.000 g, pelo aumento do estresse oxidativo e pelo risco aumentado de óbito. Nível de bilirrubinemia total (mg/dL) para indicação de fototerapia intensiva em recém-nascido ≥ 35 semanas de idade gestacional ao nascer. 6 Júlia Morbeck – @med.morbeck Eventos adversos ↠ O RN submetido à fototerapia pode apresentar eventos adversos ao tratamento. A interferência física e emocional na formação do vinculo mãe-criança é também relatada como evento indesejado do tratamento com fototerapia. ↠ Os efeitos tóxicos da fototerapia concentram-se nas flutuações da temperatura e na perda de líquido corporal, além do dano à retina, assim como o surgimento do eritema cutâneo e da síndrome do bebê bronzeado. Com o uso da lâmpada LED, a hipotermia torna-se evento adverso importante. MEDIDAS PRÁTICAS PARA EFETIVIDADE E SEGURANÇA DA FOTOTERAPIA NO RN EQUIPAMENTOS E AMBIENTE: • Verificar o funcionamento das lâmpadas • Aferir a irradiância espectral no local de posicionamento do RN e calcular a média de 5 pontos • Prescrever a dose de irradiância adequada para o RN • Verificar a distância mínima entre a luz e o RN • Maximizar a área corpórea para fototerapia intensiva com equipamento superior e inferior (berço de acrílico) • Manter limpas a superfície de acrílico da incubadora e a proteção do dispositivo da fototerapia • Manter temperatura ambiente adequada ao redor de 25 °C para evitar hipotermia e/ou hipertermia e desconforto térmico para o RN e a família RECÉM-NASCIDO: • Proteger os olhos com cobertura radiopaca por meio de camadas de veludo negro ou papel carbono negro envolto em gaze • Verificar a temperatura corpórea a cada 3 horas para detecção de hipotermia ou hipertermia • Verificar o peso diariamente • Posicionar o RN adequadamente para maximizar a exposição à luz • Usar fraldascortadas adequadamente para cobertura da genitália • Cobrir a solução parenteral e o equipo com papel alumínio ou uso de extensores impermeáveis à luz • Descontinuar a fototerapia durante a amamentação, inclusive com retirada da cobertura dos olhos, desde que a bilirrubinemia não esteja próxima de valor de risco para neurotoxicidade • Estimular o contato da mãe-filho para melhorar o v ínculo afetivo na hora da amamentação • Evitar uso de mantas ao redor do RN • Evitar luvas e meias • Evitar fraldas grandes • Evitar retirar o RN do equipamento, exceto para cuidados rápidos e amamentação • Evitar distância acima de 30 cm do equipamento em relação ao RN EXSANGUINOTRANSFUSÃO ↠ Atualmente, a maioria dos casos de hiperbilirrubinemia indireta é controlada pela fototerapia, sendo a doença hemolítica grave por incompatibilidade Rh a principal indicação de EST. No entanto, existem indicações precisas quando há sinais de encefalopatia bilirrubínica aguda e/ou níveis críticos de hiperbilirrubinemia indireta sem resposta à fototerapia intensiva. ↠ Os objetivos da EST são diminuir os níveis de bilirrubina para reduzir o risco de encefalopatia bilirrubínica, além de substituir hemácias sensibilizadas e reduzir anticorpos circulantes. Com a técnica, há a remoção das hemácias com anticorpos ligados e/ou circulantes, redução da bilirrubina e correção da anemia. O procedimento necessita de acesso fácil, calibroso e exclusivo, preferencialmente central, que infunda e reflua bem, geralmente a veia umbilical. No entanto, o coto umbilical precisa estar em boas condições e ter assegurada a assepsia criteriosa. TRANSIÇÃO DO CUIDADO HOSPITALAR-AMBULATORIAL, ACOMPANHAMENTO AMBULATORIAL E CONSIDERAÇÕES FINAIS ↠ A melhor estratégia preventiva da hiperbilirrubinemia indireta com níveis séricos significativos inclui triagem universal antes da alta hospitalar com acompanhamento ambulatorial. ↠ A avaliação da icterícia pré-alta e a verificação da BT segundo o nomograma de Bhutani são úteis no plano de alta do RN. ↠ As principais causas associadas ao aumento na chance de readmissão hospitalar por hiperbilirrubinemia indireta incluem RN pré-termo tardio (IG entre 34 e 36 semanas), Nível de bilirrubinemia total (mg/dL) para indicação de exsanguinotransfusão em recém-nascido ≥ 35 semanas de idade gestacional ao nascer. 7 Júlia Morbeck – @med.morbeck RN termo precoce (IG de 37-38 semanas), presença de icterícia nos primeiros dias de vida, dificuldade com o estabelecimento da lactação e do aleitamento materno com acentuada perda de peso e tempo de permanência hospitalar < 48 horas. O acompanhamento ambulatorial é necessário até que exista segurança da diminuição da BT e do estabelecimento da amamentação. Em RN com hiperbilirrubinemia importante, deve-se realizar a investigação auditiva por meio do potencial evocado auditivo de tronco encefálico (PEATE). ↠ O acompanhamento ambulatorial de RN com doença hemolítica por incompatibilidade Rh e/ou ABO deve ser compartilhado na atenção primaria à saúde (APS) e na atenção ambulatorial especializada (AAE), em razão de icterícia e/ou anemia. Essa anemia pode estar presente ao nascimento (anemia precoce) e progredir nos primeiros meses de vida. Estratégias preventivas de hiperbilirrubinemias significativas podem minimizar os problemas relacionados aos desfechos biológicos da disfunção induzida pela bilirrubina. Resumidamente, a seguir, estão relacionadas as principais ações em saúde para reduzir o risco de hiperbilirrubinemia indireta significativa: • Avaliar o risco clinicoepidemiológico do RN e mensurar a BT quando indicado. • Instituir abordagem propedêutica e terapêutica nos casos indicados de acordo com o item anterior. • Promover apoio, assistência e supervisão contínua ao aleitamento materno desde o nascimento, durante a permanência hospitalar e no cuidado ambulatorial no primeiro mês de vida. • Não dar alta hospitalar precoce, antes da revisão dos critérios que asseguram a alta hospitalar segura. • Consultar médico pediatra ambulatorial, 48 a 72 horas após a alta hospitalar, coincidindo na maioria das vezes com a consulta do quinto dia. • Orientar pais e equipes do cuidado quanto à conduta da icterícia neonatal com elaboração de folhetos, palestras, cursos, entre outros. • Incentivar treinamento e capacitação da equipe da unidade básica de saúde. Referências JÚNIOR, Dioclécio C.; BURNS, Dennis Alexander R.; LOPEZ, Fábio A. Tratado de pediatria. v.1. Editora Manole, 2021.
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